Título do Trabalho: Juventude Rural, Formação e Trabalho na perspectiva da Economia
Solidária
Autores: Ivna de Holanda Pereira/Universidade Estadual Vale do Acaraú –UVA- CE
Fco. de Assis Guedes Barros/Universidade Estadual Vale do Acaraú –UVA -CE
1. Introdução
O artigo com base no trabalho desenvolvido através da Pesquisa Formação e Práticas
Socioculturais da Juventude Rural - JUVRURAL, de 2009 a 2011, financiada pelo CNPq e, em
parceria com a Incubadora de Empreendimentos Econômicos Solidários da Universidade Estadual
Vale do Acaraú – IEES-UVA, Sobral-Ce, que na região sócio-geográfica em que se insere, vem
estimulando e empoderando grupos de pessoas e comunidades a empreenderem e trabalharem na
perspectiva do que hoje se denomina Economia Solidária,com destaque neste trabalho,
os
Municipios de Santana do Acaraú e de Irauçuba, ambos no Ceará, enquanto focos de análise
também da pesquisa em destaque.
A partir dessa inter-relação/integração de objetivos/finalidades da IEES-UVA e da
pesquisa JUVRURAL, em que se passou a empreender uma série de atividades formativas,
buscou-se compreender o significado que essa juventude dá para esses empreendimentos ditos
solidários, enquanto possibilidade de trabalho.
Nesse caminhar de buscas e compreensão sobre o papel reservado à economia solidária,
quando a Pesquisa JUVRURAL focou os contextos de Irauçuba e Santana do Acaraú, é que se
percebe também a relação conflituosa, diríamos até produzida historicamente pelo fosso
geracional que na linguagem de Pais Machado (1994), “nunca foi tão grande e nem se fez notar de
forma tão nítida, a distância sociocultural entre pais e filhos assemelha - se a de tempos anteriores
entre avós e netos”.(p.18). Nessa condição a juventude passa a ser interlocutora de uma
mensagem, embora ainda acanhada,de que é preciso pensar o campo, o meio rural a partir de uma
outra perspectiva que não pautada em hábitos agrícolas arcaicos até então validados para o campo,
quer através de políticas públicas quer pela própria condição dos pais que, pela trajetória de vida e
hábitos culturalmente adquiridos para lidar com a terra, somem para construir outra realidade que
atenda aos atuais reclamos.
Desse modo, quer através da Pesquisa, quer pela Incubadora IEES-UVA, essa juventude,
ao discutir e refletir a perspectiva de economia solidária no decorrer das atividades promovidas
demonstra intuir a sua importância e maior possibilidade de resposta, quando a relação imediata é
canalizada para a discussão e aplicação de propostas de trabalho que dêem sentido e materializem
suas expectativas de sobrevivência em padrões por eles almejados como dignos e satisfatórios.
Assim, a economia solidária, entendida como uma postura de sociabilidade e aplicação
de valores éticos para fins de sustentabilidade econômica que não se limita unicamente ao
“negócio” economicamente lucrativo, mas que poderá oferecer possibilidades de convivência no
meio rural, em particular a convivência com o semiárido gerando trabalho e renda, fundamenta
também a análise que, no decorrer desse processo de formação e pesquisa, tornou-se, e ainda
torna-se, inquietante.
O artigo faz uma rápida discussão sobre o significado da economia solidária, seu
desenvolvimento histórico-conceitual e práticas, observando a realidade brasileira, com destaque à
implantação de incubadoras de Empreendimentos Solidários, para desaguar na incubadora
universitária IEES – UVA.
Num segundo momento, sobre o pensar dessa juventude sobre economia solidária,
propondo-se uma reflexão sobre esse pensar, considerando-se o envolvimento dessa juventude nos
empreendimentos que ora estão em processo de incubação e com a participação de muitos pais
dessa mesma juventude.
As considerações finais apontam para a importância de processos formativos que
aprofundem reflexões/ conhecimentos sobre a realidade social e econômica; possibilidades de
trabalho no campo, desconstruindo a lógica determinista de “lugar de atraso”, pautada numa
economia que produza formas de convivência para além daquela fundamentada unicamente, no
lucro.
2. Uma rápida discussão sobre o significado da economia solidária: desenvolvimento históricoconceitual e práticas na realidade brasileira, destacando-se a implantação de incubadoras
universitárias de Empreendimentos Solidários e, por fim, a Incubadora IEES – UVA.
No seio do emergente capitalismo industrial e no cadinho político, econômico e social
que o precipita com maior vigor a partir da Revolução Francesa e das campanhas de Napoleão
Bonaparte, vê-se, no caminhar da mesma história, o nascimento do que hoje se denomina de
economia solidária.
Para SINGER (2005) as perspectivas de crescimento da economia solidária vão depender
dos impactos das economias nacionais que
(...) estimuladas por novos padrões de consumo que decorrem dos efeitos não só da revolução
microeletrônica mas também da genômica e de outras frentes da biotecnologia. E da capacidade das
potências dominantes de manter alguma ordem no mercado financeiro global, para evitar que crises
financeiras localizadas (que são quase ininterruptas, variando apenas de lugar a cada período) se
transformem em crises globais.
Isso significa que se a economia solidária for apenas uma resposta às contradições do capitalismo no
campo econômico seu crescimento poderá se desacelerar no futuro e, pior, ela não passará de uma
forma complementar da economia capitalista, cuja existência será funcional para preservar fatores de
produção – trabalho, terra, equipamentos e instalações – que, se ficassem sem utilização, estariam
sujeitos a se deteriorar. Em suma, a economia solidária só teria perspectiva de desenvolvimento se a
economia capitalista mergulhasse numa depressão longa e profunda (como a da década de 1930, por
exemplo) ou se a hegemonia da burguesia rentista mantivesse a economia da maioria dos países
crescendo sempre menos que a elevação da produtividade do trabalho. (pp.113-15)
No Brasil, já nas décadas de 1980-1990, iniciativas de cooperativas e associações
produtivas, apresentam-se autogestionárias (ou mais autogestionárias), independentemente da
variedade de suas modalidades. Cáritas Diocesana, MST, associações de trabalhadores passam a
vivenciar o tema. Nesse contexto e conjuntura, têm início as Incubadoras Tecnológicas de
Cooperativas Populares – ITCPS, abrigadas em instituições universitárias. Surgem ainda Núcleos
de
Trabalhos
em
universidades,
buscando,
assim
como
as
ITCPS,
observada
a
multidisciplinaridade das IES, oferecer apoio sob incubação a iniciativas existentes ou potenciais
que se caracterizem na linha e na possibilidade da economia solidária. Algumas Prefeituras, a
exemplo de Osasco / SP, com a sua Coordenadoria do Programa Osasco Solidária, alinham-se no
idêntico sentido de promover práticas e estudos sobre a economia solidária.
No campo de formulação das bases de uma política nacional de economia solidária, foi
criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES, vinculada ao Ministério do
Trabalho e Emprego (2003), para dar curso e incentivar todas as iniciativas que tenham como foco
a economia solidária, inclusive quanto ao papel das instituições de ensino superior, mormente
públicas, quando foi instituído e aplicado o PROGRAMA NACIONAL DE INCUBADORAS DE
COOPERATIVAS POPULARES – PRONINC, cujo Comitê Gestor é formado através do/a:
MTE/SENAES; MDS; MCT/FINEP; SESU/MEC; MS; FBB; BB; COEP.
A Incubadora Universitária de Empreendimentos Econômicos Solidários – IEES-UVA
que, mesmo que motivada de antes pela lógica de uma economia pensada e feita sobre princípios
solidários, em princípio só foi materializada pela oportunidade da Chamada Pública consoante a
ENCOMENDA PRONINC 2007, consubstanciada no TERMO DE REFERÊNCIA PARA
APRESENTAÇÃO DE PROPOSTAS DE IMPLANTAÇÃO DE NOVAS INCUBADORAS
UNIVERSITÁRIAS DO PRONINC - 2007(PRONINC - Modalidade A).
3. O pensar dessa juventude sobre trabalho na perspectiva da Economia Solidária.
Falar em Economia Solidária para a juventude do meio rural, notadamente a juventude
dos municípios supracitados, foi algo extremamente novo (acreditamos que não só para essa
juventude). As atividades desenvolvidas através de reuniões, debates, oficinas pelos integrantes da
Pesquisa tinham o caráter de ouvir, compreender e analisar o pensamento da juventude rural tendo
como parâmetro alguns questionamentos a saber: como e porque os jovens do meio rural, hoje
“cidadãos do mundo”, serem determinados unicamente a atividades agropastoris, com o agravante
dos modelos arcaicos ainda vivenciados na nossa economia rural? quais os caminhos escolhidos
pelos/pelas jovens rurais tendo em vista uma opção de convivência com a vida rural que difere da
visão de que “não há melhor caminho para os jovens rurais que a sua transformação em
agricultores”?; como as novas tecnologias podem auxiliar os jovens desses municípios, para a
convivência e desenvolvimento sustentável do meio rural?
Essas e outras questões se impuseram e ganharam força na medida em que se passou a
trabalhar também com grupos em processo de incubação através da IEES-UVA. No município de
Irauçuba, a AJE-JUÁ, composta de 68 associados, com relação principalmente ao Banco Juazeiro
e à Associação Comunitária dos Moradores do Distrito do Juá - ACOMDIJU; e, em Santana do
Acaraú, a juventude que compõe a Secretaria de Coletivo de Jovens do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais, com relação à Feira de Agricultura Familiar - FEAGRIFAMILIAR e a
Cooperativa Agropecuária de Assentados Rurais - COOPASA.
A metodologia proposta para a discussão com a juventude sobre Economia Solidária
partiu do pressuposto de que novos enfoques econômicos e culturais têm de ser dados à questão,
mormente em seu viés tecnológico, dentro do que se concebe por tecnologia social, permitindo
processos e produtos apropriados a cada realidade. A economia, neste caso, como um conjunto de
concepções que intrinsecamente compreendidas, possibilitam pensar/refletir o desenvolvimento
rural a partir de outras bases que as atualmente propostas para o meio rural, a exemplo de ainda
“políticas públicas” inadequadas com a realidade e estranhas aos anseios dos que ali vivem.
A existência de uma Associação de Jovens Empreendedores – AJE-JUÁ, no distrito de
Juá, em Irauçuba e a contribuição dessa associação no imaginário dessa – alterou o seu cotidiano e
a fez planejar e buscar por em prática, dentre outras ações, o Banco Juazeiro, destinado a
possibilitar o acesso a crédito a pessoas que não possuem condições de obtê-lo junto a instituições
financeiras que tradicionalmente atuam no sistema capitalista.
É importante salientar a realização da oficina Juventude Rural: Identidade e Trabalho na
Perspectiva da Economia Solidária, entre diversos outros momentos, para o aprofundamento de
diálogos e investigações sobre o significado dessa associação AJE para a juventude e de que
maneira pensam sobre trabalho nessa perspectiva.
A condição de sobrevivência da juventude no meio rural nos levou a perguntar sobre a
importância do trabalho e que perspectivas o Banco Juazeiro 1 trouxe para a juventude, para o
lugar. Considerou-se importante, a partir da experiência que vivenciavam com a instalação do
Banco, explorar também o contexto que o fez realidade na sociedade brasileira, especialmente, e
daí discutir sobre o entendimento que o(a)s jovens possuíam sobre Economia Solidária.
O Banco Juazeiro, ao ser implantado no distrito de Juá, trouxe para alguns jovens, a
possibilidade de trabalho, um fato importantíssimo para quem pretendia ficar e fincar os pés e a
mente na terra natal. Mas só isso seria suficiente para sustentar a proposta do Banco Juazeiro?
Trabalho para a juventude da AJE- JUÁ significa “atividade prazerosa em benefício da
sustentabilidade da comunidade”. Para outros, “uma forma de independência (perguntamos: de
quem? de que?), aquisição de renda, além do crescimento econômico e profissional”. Também foi
1
Banco Juazeiro: empreendimento econômico solidário local (Distrito de Juá) com o objetivo de possibilitar acesso ao crédito pelos segmentos
organizados da população, na forma de “banco social”, utilizando-se da tecnologia desenvolvida pela experiência inaugural do Bairro Conjunto
Palmeiras – Fortaleza – CE, conhecida como Sistema Econômico Comunitário – Banco Palmas.
definido como “caminho para realizar sonhos... e cooperar em prol do bem comum... do trabalho
solidário. Trabalho a gente definiu como novos horizontes, novos caminhos.” Seria o trabalho
solidário capaz de proporcionar atividade prazerosa em beneficio da sustentabilidade da
comunidade? E o Banco Juazeiro, que possibilidades apontava/aponta para o desenvolvimento da
comunidade, especialmente da juventude da AJE-JUÁ?
Em se tratando da economia solidária, a associação do termo e o sentido que a palavra
expressa se apresenta na mente do(a)s jovens muito relacionada à experiência do Banco, inclusive
por conta das atividades de formação em que foram partícipes no intuito de preparar a instalação
do Juazeiro.
Um grupo a definiu como:
(...) uma cooperação do grupo para geração de renda onde todos irão crescer, [que] pode vir não a curto
prazo, [mas] a longo prazo. Há uma cooperação e o interessante [pois] na economia solidária não há
essa relação patrão - empregado, há uma cooperação entre os membros do grupo ou associação, entre a
comunidade.
Outro grupo a conceitua definindo-a em oposição à economia capitalista e que “beneficia
os menos favorecidos, cobra menos impostos além de trabalhar a solidariedade para com o
próximo visando o desenvolvimento coletivo”.
Também consideram que a associação de jovens foi importante para a vinda do Banco
desde que “possibilitou um desenvolvimento econômico local, a geração de renda, abriu as portas
para empréstimos...foi uma quebra do sistema [se referem ao sistema capitalista] aqui no nosso
lugar.”
Mas estará a realidade de Juá fortalecida pelos princípios da Economia Solidária? De que
maneira a compreensão por uma forma diferente de pensar a economia é trabalhada no processo
formativo dessa juventude que diariamente se “qualifica para o mercado de trabalho”? E a escola,
qual a sua capacidade em potencializar experiências como a da AJE-JUÁ para agregar aí novos
conceitos de formação para além dos espaços da sala de aula? Resistirá a AJE à ordem
globalizante?
Em Santana do Acaraú - CE, o foco de análise sobre trabalho na perspectiva da Economia
Solidária, teve seu ponto de partida, no Sindicato dos Trabalhadores e Rurais – STR, através dos
representantes dos 14 grupos de Jovens do meio rural, que compõem a Secretaria do Coletivo de
Jovens. Nesse contexto, destaca-se a parceria com os empreendimentos incubados pela IEESUVA, que ora toma corpo no Município, a saber: a Feira de Agricultura Familiar –
FEAGRIFAMILIAR; o Fórum dos Assentamentos de Reforma Agrária, a Cooperativa dos
Assentados – COOPASA e o Banco BASSA, cujos membros, a maioria, em todos esses
empreendimentos, moradores do rural e, ao mesmo tempo, com parentela vinculada a essa
juventude. Desses empreendimentos incubados, dois se destacam para os objetivos aqui propostos.
O outro empreendimento é a Cooperativa dos Assentados de Santana do Acaraú que, pela
sua característica e função, tem o papel de fortalecer não somente a Feira, mas o conjunto dos
assentamentos de reforma agrária, enquanto espaços viáveis para o desenvolvimento econômico e
humano dos que ali vivem.
Sendo assim, o que principalmente nos instigou foi saber se a juventude rural de Santana
do Acaraú participava desses empreendimentos, de que forma acontecia essa participação ou
mesmo se pretendiam participar e qual a percepção que possuíam sobre esses empreendimentos.
Ao mesmo tempo, como os pais integrantes da Feira e da COOPASA, viam, percebiam e
identificavam ou não, a participação da juventude nesses empreendimentos.
A identificação de alguns desses jovens presentes ou “ausentes - presentes”
2
nesses
processos de implantação e desenvolvimento dos empreendimentos, foi um caminho inicial
escolhido para depois procedermos a entrevistas e conversas/diálogos.
No caso da Feira, a visibilidade do (a)s jovens, compreendendo-a aqui na presença às
quartas-feiras, é quase nenhuma; somente um pequeno grupo de jovens e de forma pouco
sistemática, acompanham suas mães na tarefa de expor e vender os produtos comercializados.
Ao mesmo tempo, por diversas vezes que acompanhamos as atividades desenvolvidas
com a juventude através da Secretaria de Coletivo de Jovens, nenhuma menção foi dada ao
trabalho da Feira e sobre o potencial que poderia ter especialmente em termos de empreendimento
econômico ou fonte de trabalho. Registrou-se na trajetória do trabalho de pesquisa, que a
perspectiva de trabalho para a juventude rural é algo preocupante, mesmo porque a
disponibilidade atual de políticas e projetos para os jovens ainda é incipiente e conduzida de forma
confusa e dispersa pelo poder público. Embora “projetos específicos” para essa juventude (a
exemplo do PRONAFJOVEM), acessá-los ainda é muito complicado, pois esbarra em critérios
que não se coadunam com as condições dessa juventude.Quanto a essa falta de perspectiva de
trabalho uma mãe assim se expressou: “o maior desafio da juventude rural é a falta de trabalho no
campo. Os jovens do meio rural estão sendo pião da Grendene 3, ... os jovens estão deixando o
campo... estão indo embora em busca de trabalho”.
Em conversa com um jovem da comunidade de Camará, sobre as perspectivas de trabalho
para a juventude do meio rural e se tinha conhecimento sobre a Feira de Agricultura Familiar, já
“Ausentes - Presentes”, expressão criada a partir de que, no processo da realização da Feira, algumas mães responderam que “a participaçã o
acontecia em casa, pregando rótulos nos produtos, preparando embalagens e outros afazeres para a confecção desses produtos”.
3
Grendene, indústria calçadista que se instalou na Cidade de Sobral (cidade-pólo regional), chegando a empregar 18 a 20.000 pessoas, em média
anual. Ao apresentar a “garantia do salário”, ela atrai toda a Região Norte do Estado do Ceará, sobretudo os jovens dos municípios circunvizinhos
de Sobral, em sua maioria rurais. O regime de trabalho é exaustivo e coíbe, muitas vezes, o desenvolvimento dos jovens em outras atividades
alternativas, inclusive de estudo.
2
que o mesmo expressou que recebeu capacitação sobre como cultivar abelhas, o que obtivemos
como resposta foi que:
(...) o cara [refere-se ao técnico contratado pela prefeitura que ministrou a capacitação] não vai mais
acompanhar... (...) mudou de prefeito... essa quebra de mandato agora tá sem acompanhamento... (...)
precisamos de acompanhamento... (...) quanto à Feira, não tenho conhecimento [na mesma conversa
informou que tinha aberto um bar].
Outro aspecto é que sendo a Feira um trabalho considerado “inferior”, “aquém para os
desejos e sonhos juvenis” e por outro lado, não podendo ainda escapar definitivamente da tarefa
de auxiliar a mãe ou o pai, a juventude rural embora em número mínimo, no caso da Feira, figura
como “ausentes - presentes”. Isso quer dizer que ao insistir mais uma vez se a juventude
participava de alguma forma no processo da realização da feira, algumas mães responderam que
“a participação acontecia em casa, pregando rótulos nos produtos, preparando embalagens e outros
afazeres para a confecção desses produtos”.
Em se tratando da COOPASA, também a partir do trabalho desenvolvido pela Incubadora
de Empreendimentos Econômicos Solidários da Universidade Estadual Vale do Acaraú – CE –
IEES-UVA no Município de Santana do Acaraú-CE, que a juventude rural, passa a participar das
reuniões e capacitações, embora que de forma ainda bastante pontual. Essa participação tem
proporcionado a essa juventude se inteirar sobre a existência da Feira e da própria COOPASA.
Quanto a participação da juventude, o desafio foi lançado no momento em que vários
jovens das mais diversas localidades do Município (Baixa fria, Canafístula, Lagoa do Serrote,
Córrego das Almas, Santa Rita, Tamboatá, Pedras de Fogo) se dispuseram participar. O que se
percebeu em relação à participação desses jovens é que o desconhecimento sobre a existência e o
potencial da Cooperativa como fonte de trabalho e renda era quase total, denotando a dificuldade a
ser vencida no tocante à percepção e diálogo de interesses entre pais e filhos.
Nesse sentido é importante registrar que nem o Sindicato, nem a escola que alguns desses
jovens estudam (atestando, concomitantemente, o desconhecimento por parte do sistema
educacional), discutem questões relativas ao papel e importância da Cooperativa, especificamente.
O jovem de Tamboatá, que trabalha no carnaubal 4 todos os anos, auxiliando o pai, se diz satisfeito
em ter participado das reuniões: “gostei de ter participado das oficinas ....é boa para as pessoas
terem conhecimento do que é possível vender...há falta de incentivo...”
4. Algumas conclusões: possibilidades de trabalho na perspectiva da Economia Solidária para a
juventude rural de Santana do Acaraú e Irauçuba – CE.
“Carnaubal”, ajuntamento de carnaubeiras, refere-se popularmente também à época da retirada da folha da carnaúba para a venda do pó e da
palha.
4
Juventude rural e economia solidária são os motes centrais que a Pesquisa buscou
confrontar.
Nos contexto e conjuntura, que ora neste artigo se decide classificar como
“generalizados, homogeneizados e estandardizados”, alinha-se uma educação acrítica e uma
economia excludente, portanto contrárias ao interesse humano, mesmo que, a peso de maciça
propaganda e aparelhamento político, teimem em não se apresentar como tal.
Ao ensejo, recorremos a Milton Santos (2008), quando trata a globalização: “a que nos
querem fazer ver” / “a real e perversa” / “e ela, enquanto possibilidade”, e extraímos com avidez o
seu otimismo, mais que necessário nos presentes momentos, à medida em que, a seu ver, dos ditos
“excluídos do banquete”: pobres, periféricos e/ou pequenos, pessoas e comunidades – localidades
– regiões – países - continentes e, no abaixo da linha do equador, é que surgirão, e já vêm
surgindo, alternativas capazes de transformar a atual realidade.
Utilizando-se do extraordinário acesso ao instrumental tecnológico, em massiva
distribuição que permitem novas formas de comunicação e de controle por massas de indivíduos,
que, por força das terríveis necessidades a que são submetidos, vêm passando de ouvintes e
espectadores, a produtores de informação e de cultura. São interações diretas e ressignificados que
já balançam o monolítico prédio do “pensamento único”, apontando novas e emancipadoras
produções sociais, desalojando intermediários indesejáveis que reproduzem “o senso comum”
enquanto destino, nos vem impondo o atual modelo globalizante, em tudo excludente e “sem
saída”. Sem dúvida, trata-se de uma “salvadora” contradição no seio do capitalismo financeiro
global e nos limites da atual produção e consumo de massa.
Quanto se pergunta: como as novas tecnologias podem auxiliar os jovens desses
municípios, para a convivência e desenvolvimento sustentável do meio rural? Há que se perguntar
primeiro: qual(ais) nova(s) tecnologia(s)?
Kevin Kelly (2007), em Novas Regras para uma Nova Economia, analisa o significado
da tecnologia para a existência humana:
(...) Na realidade, a tecnologia é matéria, é força e é muito mais. É tudo o que criamos: literatura,
pintura, música. Bibliotecas são tecnologias. Como também o são os registros contábeis, a legislação
civil, os calendários, as instituições, todas as ciências, bem como o arado, as roupas, os sistemas de
saneamento, os exames médicos, os nomes de pessoas e o alfinete de segurança.
Nesse contexto, e à vista dos jovens rurais e da economia solidária no semi-árido
abordado pela Pesquisa, entendemos que há de obrigatoriamente se agregar a concepção de
Tecnologia Social (que “compreende produtos, técnicas ou metodologias, reaplicáveis,
desenvolvidas na interação com a comunidade e que devem representar efetivas soluções de
transformação social”); e que toda e qualquer tecnologia seja a mais adequada e oportuna a
pessoas/comunidades e seus ambientes naturais e sócio-culturais, a cada momento.
Segundo nossas impressões, no bojo da Economia que nos vem sendo imposta, mesmo
que disfarçada, vem-se observando, uma reprodução perversa de “uma educação formal” alçada
ao status de panacéia e de “salvação de corpos e almas”, a qual, dissociada em sua concepção,
construção e desenvolvimento da paisagem natural e humana (cultural), cumpre papel inverso ao
da Educação, enquanto tal, se e somente se, na acepção virtuosa do termo para a sustentabilidade
do universo humano.
Apostando na alternativa da Economia Solidária enquanto superior à dita Capitalista
temos o cuidado de alertar para a sua complexidade, pois Economia Solidária não é simples
dimensão, nem modo e nem fato isolado.
Além do conseqüente processo de discriminação mútuo, profundo e desagregador, o pior
foi constatar o aprofundamento do gap entre gerações quando: numa associação, os pais; e noutra,
os filhos. Não há como fugir de que tal gap se alimentado por uma “educação” acrítica e
descontextualizada, e, ainda, assumindo um caráter colonial, desde que asfixiando qualquer
possibilidade de expressão e de significado “rebeldes”. O pior é saber-se financiado sob política
pública!
Quais os comportamentos que se poderia esperar de gerações, na esteira dessa
depreciação ao trabalho, neste caso, e, sobretudo, o rural?
A tendência “expulsante” do modelo homogeneizado, de inspiração e de mando
capitalista, e dos sistemas político-administrativos centralizados / concentrados, tão a gosto dos
governos ditos republicanos e ao arrepio das autonomias e peculiaridades locais, mormente num
continente diverso como o Brasil. Temos hoje, como que quase únicos contrapontos, a agricultura
familiar e a reforma agrária, a duras penas e incompreensões, políticas públicas. Espera-se
condição semelhante à economia solidária, assim como se engatinham as recém-nascidas políticas
voltadas à juventude.
Não são apenas questões de ausências de formação escolar e além dela; assim como de
participação, maior ou menor, enquanto associados da AJE e de desencantamentos pela
incapacidade em tocar o Banco Social Juazeiro, pois há bem mais a ser ponderado, que é o próprio
significado do trabalho na sociedade que no entender de BAUMAN (2001) de natureza mutante e
sem a permanência necessária para adaptação(ões), em que pistas e mesmo identidades se diluem
e se perdem, com enorme dificuldade de atualização (e conformidade) de pessoas e comunidades,
ainda que dentro das mesmas gerações, portanto, permanentemente, conflitos consigo mesmo, para
além dos outrora geracionais!
Já não mais se demarcam fronteiras e limites para compreensões e ações isoladas de
gerações, de gêneros, de instituições e o mais que expresse e enseje a produção social da espécie
humana. As tecnologias, velhas conhecidas enquanto “tudo o que criamos”, assumem novos
rumos ao inventarmos a automação e a inteligência artificial, e passam de “velhas conhecidas” a
“ilustres desconhecidas” para a grande maioria das pessoas que não as criam e, muito menos,
controlam – se é que alguém as controla, mesmo os seus eventuais e temporários inventores, desde
que cada vez mais fugazes.
Em DAMASCENO, (p. 202) encontramos novas pistas que se cruzam na busca de
esclarecer e sanar os conflitos de plantão e que nos guiam na Pesquisa que confronta o jovem
rural com a possibilidade e a oportunidade da economia solidária. Lê-se:
(...) Mesmo empobrecido e excluído da sociedade, este ser humano luta pela valorização da força de trabalho e pela
afirmação das próprias capacidades para ser e para fazer, de trabalhar e de empreender.
Convém deixar claro que estas experiências de organização econômica popular que vem surgindo nos grupos mais pobres
e excluídos constituem apenas um início extremamente precário e fraco, mas real, de formas econômicas solidárias nas
quais o trabalho assume posições centrais. (Razeto, 1998). Nesta ótica, o trabalho ocupa papel central, posto que, este é o
único fator disponível em larga escala, já que os outros fatores – meios materiais, tecnologias, capacidades de gestão,
financiamentos – são via de regra, escassos. O fundamental é reconhecer a importância desta estratégia no processo de
reversão do empobrecimento e da própria situação do trabalho; e realçar que esta se realiza mediante a ação das
organizações populares onde a gestão coletiva e a participação da comunidade ocupa lugar primordial.
Com relação à Feira, num enfoque mais particular e prático, podemos afirmar que,
induzida e/ou por autodepreciação a alimentar negativamente a auto-estima de produtores e
consumidores locais em relação ao que é “produto local”, desqualificado como ‘anacrônico’, face
ao espetáculo tecnológico, é visível, entre outros, através do descarte (ou desistência) dos produtos
artesanais e locais enquanto ‘mal embalados’, ‘não divulgados na mídia’, ‘fora de moda’, ‘menos
confiáveis técnica e sanitariamente’, ‘preço elevado em relação aos produtos industrializados’,
etc..
Finalmente, citemos um pensador e intelectual africano que, de suas origens tribais
passou a habitar o sofisticado mundo global, mesmo que Aldeia Global. Conceitos, como ‘A
Pobreza, Riqueza dos Povos – a transformação pela solidariedade’, compreendida por Albert
Tévoédjrè, ainda resistem às crescentes tentações do mundo tecnológico dito contemporâneo, com
equivocados desejos, a qualquer custo, de mantê-lo e de manter-se atualizado dentro dele, mesmo
quando os padrões de consumo e conseqüente produção perdem quaisquer vínculos também em
relação às necessidades humanas reais (inclusive sociais) e com as possibilidades ambientais.
Assim, a corroborar com as possibilidades a que esta conclusão quer chegar, é a existência
do principal e razão de todo este trabalho: o ser humano, aqui representado pelos jovens rurais do
semi-árido cearense, e a economia solidária, enquanto modo e cultura capaz de produzir e manter
a vida.
Referências Bibliográficas.
DAMASCENO, M. N. (coordenação). Entre o sonho e a realidade: educação e perspectivas de
trabalho para os jovens. Fortaleza, CE: Editora Brasil Tropical Ltda., 2004.
MACINTOSH... [et al.]. CIDADANIA CORPORATIVA. – Rio de janeiro: Qualitymark Ed., 2001.
MANCE, Euclides André. A Revolução das redes: a colaboração solidária como alternativa póscapitalista à globalização atual. Petrópolis, Vozes, 2000.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização - do pensamento único à consciência universal.
Rio de Janeiro: Record, 17. Ed. 2008.
SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária - 1ª ed. – São Paulo: Editora Perseu Abramo,
2002.
TÉVOÉDJRÈ, Albert. A Pobreza, Riqueza dos Povos – a transformação pela solidariedade. São
Paulo: Editora Cidade Nova, em co-edição com a Editora Vozes Ltda. Petrópolis. 1982.
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