Apresentação
A
o movimento dos trabalhadores sem-terra contrapõe-se (de
modo articulado e sistemático) um movimento dos brasileiros com terra. Entre seus campos decisivos de atuação está a
política – ao mesmo tempo palco e catapulta financeira. Os proprietários de terra no Brasil ocupam o Legislativo, invadem o Executivo,
cultivam o Judiciário.
Este livro procura dimensionar a posse de terra por políticos eleitos, usando como fio condutor as declarações de bens entregues por
eles mesmos ao Tribunal Superior Eleitoral (tse). A opção metodológica nos obriga a deixar o Judiciário de fora.
É bem verdade que há bens não declarados ao tse, números incompletos, valores defasados – mas também uma massa enorme de
informações. São quase 13 mil declarações reunidas e comparadas –
além de outras que se mostraram relevantes, de políticos eleitos em
outros pleitos.
10
Partido da terra
Os anos-base são os de 2008 e 2010 (ou 2006, no caso de 27 senadores e 54 suplentes). Prefeitos, vice-prefeitos, deputados estaduais,
deputados federais, senadores, vice-governadores, vice-presidente da
República e governadores ganham uma radiografia de suas fazendas,
empresas agropecuárias, gado. Quantos hectares eles têm? Quantos
bois? Quantas madeireiras?
Esse fio condutor numérico é recheado de histórias de um Brasil
ainda rural – e arcaico. As histórias foram reunidas em mais de três
anos de pesquisa jornalística. Ao longo desse período o mundo dos
políticos com terra revelou-se microcosmo de boa parte dos problemas do país: desigualdade, violência, coronelismo, corrupção, agressão
ao meio ambiente.
A primeira parte do livro (“O território”) traz uma radiografia
da posse de terra por políticos. Tanto nas Unidades de Federação em
que eles foram eleitos, mas também fora delas. O levantamento mostra
como os políticos latifundiários detêm uma parcela significativa do
país; e como eles migram sistematicamente suas posses para as fronteiras agrícolas.
Aqui talvez esteja uma das maiores contribuições deste livro: o
arco do desmatamento (o mesmo da matança de camponeses, do trabalho escravo) coincide com o arco da posse de terras por políticos
latifundiários de todo o país. Amazônia e Cerrado são terras de políticos. O Pará, a mais completa tradução desse Velho Oeste.
A segunda parte do livro (“O dinheiro”) esmiúça histórias dessa
relação entre políticos e a terra. Uma história nem sempre republicana. Vão se delineando melhor os personagens dessa conquista do
território: dos prefeitos de pequenos municípios no interior a governadores e senadores. Alguns, famosos – e enriquecidos. O que têm em
comum Renan Calheiros, Newton Cardoso e Nilo Coelho? Pará e
Paraná, Lupions e Barbalhos? José Sarney é um ruralista?
Na terceira parte (“A política”) temos detalhes sobre a famosa
bancada ruralista. Como ela vota, como os congressistas têm suas eleições financiadas por grandes grupos agropecuários. Por que políticos
com campanhas financiadas por empresas votaram a favor do novo
Código Florestal?
Outra revelação do livro: guardadas as proporções, quase todos os
partidos têm políticos com (muita) terra. Da direita à esquerda. Esses
Apresentação
11
dados ilustram como o nosso sistema político-partidário é ocupado,
sistematicamente, pelos donos do território. Os ruralistas do Congresso
(os assumidos) são apenas os que aparecem mais.
pmdb, psdb e pr lideram o ranking dos partidos cujos políticos
possuem mais hectares. Alguém se surpreenderá com a informação de
que os filhos da Arena possuem menos terras que os filhos do mdb?
Ou com o surgimento recente de uma “esquerda latifundiária”, em
partidos como o pps, o psb e o pt?
Mas esta não é apenas uma história de celebridades políticas, que
pairam em relação ao país concreto – construído centímetro por centímetro, grão por grão, pasto por pasto. Veremos que a base desses
políticos é regional. Familiar. A macropolítica no Congresso tem sua
base na micropolítica: das prefeituras às fazendas. A teia coronelista dos
votos é feita também de arame farpado.
Como consequência de uma relação nem sempre amistosa dos
nossos representantes com a terra brasilis, tratamos também da devastação de nossos biomas pela pecuária. E do desmatamento praticado não
por seres misteriosos no meio da floresta, mas por políticos. A questão
ambiental é o tema da quarta parte do livro (“O ambiente”).
Neste ponto, o livro traz outro levantamento inédito: uma lista de 69 madeireiras e serrarias pertencentes a mais de 60 políticos.
Isso apenas entre os eleitos em 2008 e 2010.Várias dessas madeireiras
apareceram em notícias e investigações (do Ibama, da Polícia Federal)
sobre crimes ambientais.
A exploração de seres humanos como escravos abre a última
parte do livro (“Excluídos”). Esse poderia ser considerado o último
degrau na escala da barbárie. Uma barbárie copatrocinada por políticos. Mas há mais: a história do Brasil é uma história de violência
no campo. Uma história de camponeses ameaçados – e assassinados.
Muitos episódios relatados chamam a atenção por sua face policial:
políticos presos por extração ilegal de madeira; um prefeito detido por
roubar carga de caminhões (e que esconde a muamba em fazendas no
Nordeste); e um deputado arrozeiro colecionador de processos, que já
foi preso sob a acusação de atirar em indígenas em Roraima.
Claro que nem tudo é ilegal. E que a menção a qualquer político
nesta obra não implica que ele tenha sido condenado por algo. Como
sabemos, todos são honestos até prova em contrário.
12
Partido da terra
Afinal, a lista de políticos proprietários abriga nomes com ficha
limpa. Há até um rei – um senador conhecido como o “rei da soja”,
que nos últimos anos passou a flertar com o ambientalismo. Um rei
somente? Dois: em Minas Gerais, o “rei do feijão” e seu irmão (um
prefeito) são acusados de trabalho escravo – e de mandar assassinar
fiscais do Ministério do Trabalho.
Dois reis, seus súditos, muita concentração de terra – de fato vivemos em um regime capitalista muito particular.
Como os movimentos de trabalhadores sem-terra, o movimento
dos políticos com terra (com lá seus quinhentos anos de idade) não
se organiza de modo único. Ele tem suas figuras mais agressivas, seus
cérebros, sua base eleitoral, seus financiadores – e também suas contradições. Gordo, ávido, esperto, onipresente, espaçoso, ele nem sempre
deixa suas digitais. Seguem aqui algumas delas.
Download

Apresentação - Editora Contexto