Prefácio Não há como negar a importância da política nas nossas vidas. Dentre todas as coisas, ela é, certamente, um dos temas mais calorosamente debatidos, não porque seja, por natureza, um tema de maior interesse que artes ou esportes, química ou cinema, arquitetura ou medicina, mas porque trata do uso do poder sobre outras pessoas. Quando uma solução é imposta a todas as pessoas, é provável que a maioria delas se interesse por ela. Se você não deseja ser forçado a fazer coisas contra sua vontade – pelas ordens de um partido, de um político ou de um governo – é provável que você lute contra tal imposição. O mesmo se aplica se você desejar forçar os outros a seguirem suas ordens. O tema da alimentação também seria debatido ferozmente como a política se todas as escolhas fossem feitas de forma coletiva e fôssemos obrigados a comer o mesmo que todas as outras pessoas. Imagine as coalisões, manobras, esquemas e debates ferozes entre apreciadores da fina cozinha e viciados em fast food, vegetarianos e carnívoros, levantadores de peso e vigilantes de peso, se todos nós comêssemos o mesmo, nas mesmas porções. O mesmo se aplica a outros temas que despertam a preocupação humana. As ideias apresentadas neste livro oferecem uma visão alternativa da política: uma política não da força, mas da persuasão; do viver e deixar viver; da rejeição à subjugação e à dominação. Os ensaios são, sobretudo, escritos por jovens envolvidos no Students for Liberty, um movimento internacional dinâmico e excitante; não contemplam uma restrita perspectiva nacional, mas sim a vasta gama da experiência humana, oferecendo uma introdução à filosofia vivida pela maioria das pessoas no seu dia a dia. Esta filosofia é conhecida por diferentes nomes ao redor do mundo, incluindo liberalismo, liberalismo clássico (para distingui-la do que é chamado “liberalismo” nos Estados Unidos) e libertarianismo. É uma abordagem que é, ao mesmo tempo, simples e complicada, já que incorpora a ideia de que regras simples podem gerar ordens complexas. Essa é uma das lições mais importantes da ciência social contemporânea: a ordem pode emergir de forma espontânea. Munido de uma nova perspectiva, esse pequeno livro é um convite à reflexão sobre problemas importantes, destinado tanto a leigos no assunto, quanto a acadêmicos experientes. Espero que ambos os grupos e todos com os quais interajam tirem proveito desses ensaios. Eles podem ser lidos de forma aleatória, isto é, o leitor pode recorrer ao livro sem ter que lê-lo por inteiro. Pense nesse livro como um saudável e saboroso alimento para a mente. Tom G. Palmer Vilnius, Lituânia Tradução: Matheus Pacini Revisão: Vinícius Cintra Capitulo 1 Por que ser libertário? Por Tom G. Palmer Em um livro intitulado LIBERDADE, faz sentido partir para uma explicação direta sobre o que é o libertarianismo e a razão pela qual as pessoas deveriam adotar a liberdade como um princípio de ordem social. Ao longo da sua vida, é bem possível que você aja como libertário. Você pode perguntar o que significa “agir como libertário”. Não é tão complicado. Você não agride os outros quando não se comportam da forma como você gostaria. Você não rouba, mente ou trapaceia para deles tirar vantagem, tampouco fornece direções incorretas, levando-os a cair de uma ponte. Você não é esse tipo de pessoa. Você respeita os outros e seus direitos. Você pode, às vezes, sentir vontade de dar um soco na cara de uma pessoa por ela ter dito algo realmente ofensivo, mas seu bom senso prevalece e i) você vai embora ou ii) responde palavras com palavras. Você é uma pessoa civilizada. Parabéns! Você internalizou os princípios básicos do libertarianismo. Você vive sua vida e exerce sua própria liberdade respeitando a liberdade e o direito dos outros. Você se comporta como um libertário. Os libertários acreditam no princípio da voluntariedade, e não no princípio da força. E é muito provável que você siga esse princípio nas suas relações cotidianas. Mas espere! O libertarianismo não é uma filosofia política, um conjunto de ideias sobre governo e política? Sim. Então, por que não se preocupa com os atos dos governos ao invés de se preocupar com atos dos indivíduos? Ah, aqui está a principal diferença entre o libertarianismo e outras filosofias no que tange à política. Os libertários não acreditam que o governo seja mágico, mas sim composto por pessoas como eu e você. Não existe uma raça especial de pessoas - reis, imperadores, feiticeiros, reis magos, presidentes, legisladores ou primeiros-ministros - com inteligência, sabedoria e poderes sobrenaturais. Na maioria das vezes, os governantes, mesmo quando democraticamente eleitos, preocupam-se menos com o interesse público que o cidadão comum. Não existe evidência de que sejam menos egoístas que outras pessoas, ou mais altruístas. E não existe evidência de que estão mais preocupados com o certo e o errado que o cidadão comum. Eles são como nós. Mas espere! Os líderes políticos efetivamente exercem poderes que as outras pessoas não têm. Eles exercem os poderes de prisão, de declaração de guerras, de violência contra os cidadãos, de legislação sobre o que elas podem ler, a quem podem prestar culto, com quem podem casar, o que podem comer, beber, fumar, no que podem trabalhar, onde podem viver, em qual escola podem estudar, se podem viajar, quais tipos de bens e serviços podem vender ou comprar e muito mais. Eles certamente exercem poderes indisponíveis ao restante da sociedade. Precisamente. Eles detêm oficialmente o poder da força – é o que distingue o governo das outras instituições. Contudo, eles não têm poder de percepção, intuição ou previsão igual ao do restante da população, muito menos padrões de certo e errado acima da média. Alguns podem ser mais espertos que a média; outros, talvez, até menos inteligentes, mas não existe evidência de que eles sejam realmente superiores ao restante da humanidade de tal forma que justificasse uma relação de seres superiores e seres inferiores. Por que eles utilizam a força, enquanto o restante de nós utiliza a persuasão voluntária nas nossas relações sociais? Os detentores do poder político não são anjos ou deuses, então, por que reivindicam o direito a exercer poderes indisponíveis aos outros membros da sociedade? Por que deveríamos nos submeter ao uso da força? Se eu não tenho autoridade para invadir a sua casa para lhe dizer o que você deveria comer, fumar, a que horas ou com quem você deveria dormir, por que deveria um político, ou um burocrata, ou um oficial do exército, ou um rei, ou um governador ter essa autoridade? Consentimos em ser coagidos? Mas nós somos o governo, não somos? Pelo menos numa democracia, como alguns filósofos talentosos (por exemplo, Jean-Jacques Rousseau) argumentaram, nós consentimos com tudo que o governo nos diz para fazer ou não. O governo atende a “vontade geral” das pessoas, isto é, põe em prática nossa própria vontade. Assim, quando o governo utiliza a força contra nós, está simplesmente nos forçando a ser livres, fazendo-nos seguir nossas próprias vontades, e não o que pensamos serem nossas vontades. Como Rousseau argumentou no seu influente livro, The Social Contract (tradução oficial, O Contrato Social), “Resulta do precedente que a vontade geral é sempre reta e tende sempre para a utilidade pública; mas não significa que as deliberações do povo tenham sempre a mesma retitude... Há, muitas vezes, grande diferença entre a vontade de todos e a vontade geral "1. Na sua teoria, Rousseau combinou força com liberdade: “quem se recusar a obedecer à vontade geral a isto será constrangido pelo corpo em conjunto, o que apenas significa que será forçado a ser livre”2. Afinal, você não sabe o que você realmente quer até que o Estado tenha decidido, então, quando você pensa que você quer fazer algo, mas é impedido pela polícia e preso, você está sendo libertado. Você foi iludido a pensar que queria desobedecer ao Estado, a polícia estava meramente ajudando você a escolher o que você realmente queria, mas era estúpido, ignorante, leviano ou fraco para saber que queria. O debate pode estar se tornando excessivamente metafísico, portanto, vamos voltar um pouco e pensar no que está sendo dito pelos defensores da regra da maioria. De alguma forma, por meio das eleições e outros procedimentos, nós conhecemos a “vontade do povo”, mesmo que algumas das pessoas possam não concordar (pelo menos aqueles que votaram no perdedor não concordaram com a maioria). Os perdedores (a minoria) serão coagidos a respeitar a vontade da maioria, digamos, não consumindo álcool ou maconha, ou pagando tributos para o financiamento de coisas que não querem, tais como guerras ou subsídios a influentes grupos econômicos. A maioria votou a favor da lei que proíbe X ou exige Y, ou para candidatos que prometeram banir X ou exigir Y, e assim nós conhecemos a “vontade do povo”. E se alguém ainda beber uma cerveja, fumar um baseado ou mentir sobre sua renda ao Fisco, aquela pessoa não está, de alguma forma, seguindo a vontade do povo, com a qual ela consentiu. Vamos aprofundar mais a questão. Vamos supor que uma lei proibicionista entrou em vigor e você votou a favor dessa lei ou do candidato que a propôs. Alguns diriam que você consentiu em respeitar o resultado. E se votou contra ela ou em um candidato contrário à proibição? Bem, eles acrescentariam, você participou do processo pelo qual a decisão foi tomada, de forma que você consentiu em respeitar o resultado. E se você não votou ou não tinha uma opinião? Bem, eles acrescentariam, você certamente não pode reclamar agora, posto que você perdeu a sua chance de influenciar o resultado por não ter votado! Há muito tempo, Herbert Spencer fez uma observação sobre esses argumentos: “curiosamente, parece que você consentiu com qualquer ação que o político tomou – dizendo sim, não ou permanecendo neutro. Que terrível doutrina.3” Terrível, realmente. Se você sempre “consentir”, independente do que você de fato diz ou faz, então o termo “consentir” nada significa, porque o seu significado é, ao mesmo tempo, “nãoconsentir” e “consentir”. Quando isso ocorre, uma palavra perde o seu significado. O fato é que uma pessoa presa por fumar maconha na sua própria casa não consentiu, de nenhuma forma significativa, em ser presa. É por isso que os policiais carregam cassetetes e armas – para nos ameaçar com violência. Mas talvez aqueles poderes sejam delegados ao governo pelas pessoas, então, se as pessoas pudessem escolher não fumar maconha, então poderiam escolher prender-se a si mesmas. Mas se você não tem a autoridade para, armado, quebrar a porta e invadir a casa do seu vizinho, expulsando-o de casa e o prendendo, como você pode delegar tal poder a um terceiro? Assim, voltamos à afirmação mágica de que seus vizinhos que fumam maconha autorizaram sua própria prisão, independente da opinião que expressaram, ou de como se comportaram. 1 ROUSSEAU, Jean-Jacques. The Social Contract. Trad. Alan Cranston. New York: Penguin Books, 1968). p. 72. Ibidem, p. 64. 3 O texto completo dessa passagem memorável de Spencer, publicada no seu ensaio The Right to Ignore the State (tradução livre, o Direito de Ignorar o Estado) é: “Talvez será dito que esse consentimento não é específico, mas geral, e que se entende que o cidadão concorda com tudo que seu representante possa fazer, já que votou para ele. Mas suponha que ele não tenha votado para ele; e, pelo contrário, fez tudo em seu poder para eleger alguém com visões opostas – e então? A resposta provavelmente seria que, por tomar parte em uma eleição, ele tacitamente concordou em respeitar a decisão da maioria. E se ele não tivesse votado? Ele não poderia legitimamente reclamar de qualquer tributo, visto que não protestou contra sua imposição. Então, curiosamente, parece que ele deu seu consentimento a qualquer forma de ação – se ele disse sim, se ele disse não, ou se permaneceu neutro! Uma doutrina bastante desagradável! Aqui está um cidadão infeliz ao qual é solicitado o pagamento por certa vantagem apresentada; e mesmo se expressar sua discordância ou não, diz-se que ele praticamente concorda, já que o número de pessoas que concordam é maior que o número de pessoas que discordam. Logo, somos introduzidos ao recente princípio que o consentimento de A não é determinado pelo que A diz, mas pelo que B pode vir a dizer! SPENCER, Herbert. Social Statics: or, The Conditions essential to Happiness specified, and the First of them Developed. London: John Chapman, 1851, cap XIX. Acessado em: http://oll.libertyfund.org/title/273/6325 on 2013-03-23 2 Mas talvez simplesmente o ato de viver em um país signifique que você consentiu com tudo que o governo demanda de você. Afinal de contas, se você for a minha casa, você certamente concorda em respeitar minhas regras; todavia, um “país” não é exatamente igual à “minha casa”. Eu sou dono de minha casa, porém não do país onde vivo. Ele é composto por muitas pessoas que têm suas próprias ideias e seu estilo de vida. E elas não me pertencem. Essa é a constatação mais importante de pessoas maduras: as outras pessoas não me pertencem. Elas têm as suas próprias vidas. Você, como uma pessoa madura, entende isso e suas ações refletem tal fato. Você não invade as casas dos outros para dizer-lhes como viver. Você não rouba os bens do seu vizinho quando acha que você tem um uso melhor para eles. Você não agride, esmurra ou atira em pessoas que discordem de você, mesmo sobre questões de grande importância. Então, se você já age como libertário, talvez você devesse ser um. O que significa ser um libertário? Não significa somente abster-se de infringir os direitos de outras pessoas, isto é, respeitar as regras da justiça com respeito às outras pessoas, mas também equipar-se mentalmente para compreender o que significam os direitos das pessoas, como os direitos estabelecem as fundações para a cooperação social pacífica, e como as sociedades voluntárias funcionam. Significa defender não somente a sua própria liberdade, mas a liberdade de outras pessoas. Joaquim Nabuco, grande pensador brasileiro, dedicou sua vida à abolição da maior violação imaginável da liberdade: a escravidão. Ele relatou o credo libertário que guiou sua própria vida nessas palavras: Eduquem os seus filhos, eduquem-se a si mesmos, no amor da liberdade alheia, único meio de não ser a sua própria liberdade uma doação gratuita do destino, e de adquirirem a consciência do que ela vale, e coragem para defendê-la4. Ser um libertário significa preocupar-se com a liberdade de todos. Significa respeitar os direitos dos outros, mesmo quando discordamos de suas palavras e ações. Significa evitar o uso da força e, em vez disso, alcançar seus objetivos - seja a felicidade pessoal, a melhoria da condição da humanidade ou o conhecimento, ou todos eles, ou outra coisa, exclusivamente por meio da ação voluntária e pacífica, seja no mundo capitalista do livre mercado, ou na ciência, na filantropia, na arte, no amor, na amizade ou em qualquer outro empreendimento humano orientado pelas regras da cooperação voluntária. Ceticismo com relação ao poder e à autoridade Ser um libertário significa compreender que os direitos estão seguros somente quando o poder é limitado. Direitos requerem o estado de direito. John Locke, filósofo radical e ativista inglês, ajudou a lançar as bases para o mundo moderno. Ele argumentou contra os defensores do “absolutismo”, que acreditavam que os governantes deveriam possuir poderes ilimitados. Aqueles que defendiam o poder absoluto afirmavam que se as pessoas tivessem “liberdade”, cada uma faria o que bem entenderia, isto é, qualquer coisa que se sentisse inclinada a fazer, por questões de capricho e sem nenhuma preocupação com relação às consequências ou os direitos dos outros. Locke respondeu que o objetivo do partido da liberdade era “a liberdade de dispor e ordenar, como o indivíduo desejar, sua pessoa, ações, posses e toda sua propriedade, dentro do limite estabelecido pelas leis; e, dessa maneira, não estar sujeito à vontade arbitrária do outro, seguindo livremente a sua vontade” 5. O indivíduo tem o direito a fazer o que quiser com o que é seu – seguir livremente sua vontade em vez das ordens do outro, contanto que respeite os direitos iguais dos outros a fazê-lo. O filósofo Michael Huemer fundamenta o libertarianismo no que ele chama de “moralidade do senso comum”, que consiste de três elementos: “um princípio de não agressão” que proíbe os indivíduos de atacar, matar, roubar ou enganar a outrem; “o reconhecimento da natureza coerciva do governo... a qual é amparada por ameaças credíveis de força física direcionada contra aqueles que desobedeceriam ao Estado”; e um ceticismo quanto à autoridade política... que o Estado não poderia fazer o que seria errado para qualquer pessoa 4 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000. p. 204. LOCKE, John. The Second Treatise of Government. In Two Treatises of Government, ed. Peter Laslett (1690; Cambridge: Cambridge University Press, 1988). p. 306. 5 ou organização não governamental fazer”6. Como ele nota, “é a noção de autoridade que forma o verdadeiro lócus de disputa entre o libertarianismo e outras filosofias políticas”7. Liberdade, prosperidade e ordem Ser um libertário significa entender como a riqueza é criada; não por políticos que dão ordens, mas sim por pessoas livres que trabalham em conjunto, inventam, criam, poupam, investem, compram e vendem - ações que se baseiam no respeito à propriedade, isto é, os direitos dos outros. O termo “propriedade” não se limita somente “as minhas coisas”, como alguns usariam o termo atualmente, mas englobam os direitos à “vida, liberdade e propriedade”, parafraseando Locke8. Como argumentou James Madison, principal autor da Constituição dos Estados Unidos, “Se dizemos que um homem tem direito a sua propriedade, igualmente se pode afirmar que ele tem uma propriedade nos seus direitos”9. Amor e afeição podem ser suficientes para a cooperação pacífica e eficiente de pequenos grupos, contudo, os libertários entendem que não são suficientes para gerar paz e cooperação entre grandes grupos de pessoas que não interagem frente-a-frente. Os libertários acreditam no estado de direito, isto é, nas regras que são aplicáveis a todas as pessoas, não sendo flexibilizadas ou manipuladas em prol das preferências de quem está no poder. As regras das sociedades livres não são criadas em benefício dessa ou doutra pessoa ou grupo: elas respeitam os direitos de todos os seres humanos, independente de gênero, cor, religião, idioma, família ou outra característica acidental. As regras de propriedade estão entre as bases mais importantes da cooperação voluntária entre desconhecidos. Propriedade não é somente o que você pode tocar com as mãos; são as relações complexas de direitos e obrigações pelas quais as pessoas que não se conhecem podem guiar suas ações e que lhes permitem viver pacificamente, cooperar em firmas e associações, e negociar para o benefício mútuo, porque sabem que a base de referência – o que é meu e o que é seu – a partir da qual cada indivíduo pode agir para melhorar sua condição. Direitos de propriedade transferíveis, bem definidos e legalmente seguros formam a base para a cooperação voluntária, prosperidade generalizada, progresso e paz10. Richard Epstein, professor de Direito e libertário, utilizou como título de um dos seus melhores livros Simple Rules for a Complex World11 (tradução livre, Regras Simples para um Mundo Complexo). O título captura de forma brilhante seu tema, que você não necessita de regras complexas para gerar formas complexas de ordem. Regras simples são suficientes. Na verdade, regras simples, compreensíveis e estáveis tendem a gerar a ordem, enquanto que regras complicadas, incompreensíveis e flutuantes tendem a gerar o caos. Direitos de propriedade devidamente delimitados e o direito ao comércio em termos mutualmente benéficos tornam possível a cooperação em larga escala sem coerção. O livre mercado incorpora mais, não menos, ordem e previsão que sociedades sob o planejamento central. A ordem espontânea dos mercados é muito mais abstrata, complexa e previdente que quaisquer planos quinquenais ou intervenções econômicas já concebidas. Instituições como preços, que emergem quando as pessoas comercializam livremente, ajudam a direcionar 6 HUEMER, Michael. The Problem of Political Authority. New York: Palgrave Macmillan, 2013). p. 177. Ibidem, p. 178. 8 Ibidem, p. 323. Locke identificou a raiz da propriedade em toda e cada pessoa: “Cada homem é proprietário da sua própria pessoa. Sobre esta, ninguém, a não ser ele mesmo, tem qualquer direito”. Ibidem, p.287 9 MADISON, James. Property. In The Papers of James Madison. Charlottesville: University Press of Virginia. p. 266. A declaração completa - disponível online em http://oll.libertyfund.org/title/875/63884 - é a seguinte: “Esse termo na sua aplicação particular significa “aquele domínio no qual um indivíduo clama e exerce sua vontade sobre as coisas externas do mundo, à exclusão de todos os outros indivíduos”. No seu mais justo e amplo significado, abraça tudo a que um indivíduo pode conceder valor e ter um direito; e o qual deixa todos os outros indivíduos com a vantagem. No sentido forma, a terra, bem ou dinheiro de um homem é chamado de sua propriedade. No sentido subjacente, um homem tem propriedade e livre comunicação de suas opiniões. Ele tem propriedade de valor particular nas suas opiniões religiosas, e na profissão ou prática da mesma. Ele tem uma propriedade muito querida na sua segurança e liberdade. Ele tem uma propriedade igual no livre uso de suas faculdades e na livre escolha dos objetos nos quais as empregarão. Em uma palavra, como é dito que um homem tem direito a sua propriedade, ele pode igualmente ter propriedade sobre os seus direitos”. 10 Os dados coletados por décadas pelos pesquisadores do Fraser Institute no Economic Freedom of the World Report e disponibilizados online no www.freetheworld.com mostram claramente que maior liberdade gera melhores resultados em todos os lugares, seja na Europa ou Ásia, África ou América Latina. 11 Richard Epstein, Simple Rules for a Complex World. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1995. 7 recursos aos seus usos mais valiosos, sem atribuir poder coercivo a uma burocracia12. O “planejamento” imposto de forma coerciva é, na verdade, o oposto de planejamento; é uma ruptura do processo contínuo de coordenação de planos, materializado nas instituições sociais desenvolvidas livremente. A ordem emerge de forma espontânea como produto das interações voluntárias de pessoas que estão seguras no pleno gozo dos seus direitos. Isso não se aplica somente à ordem econômica, mas também ao idioma, costumes sociais, tradições, ciência e mesmo em áreas como a moda e estilo. Usar a força na tentativa de sujeitar uma ou todas essas áreas à vontade arbitrária de um governante, ditador, presidente, comitê, legislatura ou burocracia significa substituir a ordem pelo caos, liberdade pela força e harmonia pela discórdia. Os libertários acreditam e trabalham por um mundo de paz, no qual os direitos de cada ser humano são reconhecidos e respeitados na sua plenitude, um mundo no qual a prosperidade amplamente compartilhada é gerada por meio da cooperação voluntária, baseada em um sistema legal que protege direitos e facilita trocas mutualmente benéficas. Os libertários acreditam e trabalham para a restrição do poder, para a sujeição do (até agora) poder arbitrário ao estado de direito, para a limitação e minimização da violência de todos os tipos. Os libertários acreditam e lutam pela liberdade de pensamento e de comportamento, desde que respeite a igual liberdade dos outros. Os libertários acreditam e trabalham por um mundo no qual cada pessoa é livre para buscar sua própria felicidade, sem necessitar da permissão para ser, agir e viver. Então, por que ser libertário? Por que ser libertário? Pode parecer um pouco superficial, mas uma resposta razoável é, por que não? Assim como o ônus da prova está com quem acusa alguém de um crime, não com o acusado, o ônus da prova está com quem nega a outrem a liberdade, não com quem exerce a liberdade. Alguém que deseja cantar uma música ou assar um bolo não deveria começar pedindo permissão a todas as outras pessoas do mundo para fazê-lo. Tampouco teria que refutar todas as possíveis razões contrárias ao cantar e ao assar. Se ela deve ser proibida de cantar ou assar, quem procura proibí-la deveria oferecer uma boa razão para justificar tal proibição. O ônus da prova está com quem proíbe. É possível que seja um ônus que poderia ser cumprido se, por exemplo, a cantoria fosse tão alta que tornaria impossível o sono dos outros ou se o cozimento gerasse tantas faíscas, podendo incendiar as casas dos vizinhos. Essas seriam boas razões para a proibição da cantoria ou do cozimento. A presunção, contudo, é em prol da liberdade, não do exercício do poder para a restrição da liberdade. Libertário é alguém que acredita na presunção da liberdade. E com essa simples presunção, quando realizada na prática, surge um mundo no qual pessoas diferentes podem descobrir suas próprias formas de felicidade da maneira que quiserem, na qual as pessoas podem comercializam de forma livre em benefício mútuo, e onde divergências são resolvidas com palavras e não com cassetetes. Não seria um mundo perfeito, mas pelo qual vale a pena lutar. 12 A ciência econômica surgiu centenas de anos atrás quando as pessoas notaram que países com mercados mais livres tendiam a ser mais organizados e prósperos, e que os ministros dos reis não eram necessários para coordenar a oferta e a demanda. Como o historiador Joyce Appleby notou, “analistas econômicos tinham descoberto a regularidade subjacente do livre mercado. Onde moralistas tinham há muito instado que a necessidade não tem lei, os analistas econômicos que analisavam o preço pela demanda tinham descoberto uma legitimidade na necessidade, e assim, depararam-se com uma possibilidade e uma realidade. A realidade: as decisões dos indivíduos quanto a sua vida e propriedade eram os determinantes do preço no mercado. A possibilidade: o racionalismo econômico dos participantes do mercado poderia prover ordem à economia, anteriormente segura pela autoridade”. APPLEBY, Joyce. Economic Thought and Ideology in Seventeenth-Century England. Princeton, N.J: Princeton University Press, 1978), p. 187– 88. Capítulo 2 Não Deveria Haver uma Lei Por John Stossel Quando as pessoas detectam um problema, a solução automática é: aprove uma lei. Isso nem sempre funciona, porque a força raramente muda as coisas para melhor, e disso que realmente tratam aquelas “leis”: somente exercícios de poder. John Stossel iniciou sua carreira no jornalismo investigativo como jornalista econômico, trabalhou para a ABC News, foi co-âncora do programa 20/20, e agora é diretor de jornalismo na Fox Business News. Seu show STOSSEL foi gravado duas vezes na Conferência Internacional do Students for Liberty. Eu sou libertário, em parte, pela falsa escolha entre o que é oferecido pela esquerda (controle governamental da economia) versus o que é oferecido pela direita (controle governamental da vida particular). Pessoas em ambos os lados se declaram amantes da liberdade. A esquerda pensa que o governo pode reduzir a desigualdade de renda. A direita pensa que o governo pode tornar os americanos mais virtuosos. Eu acredito que seja melhor se nenhum dos lados tentar implementar sua agenda política via governo. Permita que ambos argumentem sobre coisas como o uso de drogas e a pobreza, mas não permita que alguém seja coagido pelo governo ao menos que roube ou ataque a outrem. Além do pequeno orçamento necessário para financiar um governo altamente limitado, não permita que alguém tome pela força o dinheiro dos outros. Na dúvida, deixe como está – ou deixe que o mercado e outras instituições voluntárias resolvam a situação. No entanto, a maioria das pessoas não pensa assim. A maioria das pessoas vê um mundo repleto de problemas que podem ser resolvidos por leis. Elas assumem que é somente a preguiça, a estupidez ou a indiferença dos políticos que os impedem de resolver nossos problemas. Mas o governo é força – e ineficiência. É por isso que seria melhor se o governo não tentasse resolver a maioria dos problemas da vida. As pessoas tendem a acreditar que “o governo pode!”. Quando os problemas surgem, elas dizem, “deveria haver uma lei!”. Mesmo o colapso da União Soviética, causado pelos terríveis resultados do planejamento central, não chocou o mundo a ponto de abandonar a máquina pública inchada. A Europa começou a falar de algum tipo de “socialismo de mercado”. Políticos nos Estados Unidos sonharam com uma “terceira via” entre o capitalismo e o socialismo - um “capitalismo centralizado” – onde políticos frequentemente substituem a mão invisível. George W. Bush concorreu à presidência com a promessa de um governo “equilibrado”, mas decidiu aprovar a expansão de US$ 50 bilhões de dólares do Medicare e estabelecer um programa de educação pública chamado No Child Left Behind (tradução livre, Nenhuma Criança Deixada para Trás). Sob Bush, os republicanos dobraram os gastos discricionários (o maior aumento desde Lyndon Johnson), expandindo a guerra às drogas e contratando 90 mil novos reguladores. Os aumentos de regulamentações na era Bush não suavizaram a demanda da mídia por mais regulação. Logo após veio Barack Obama, com gastos suficientes para falir todos os nossos filhos. Tal fato impulsionou o Tea Party e as eleições de 2010. O Tea Party me deu esperanças, contudo, fui enganado novamente. Dentro de alguns meses, os republicanos da ala fiscalmente conservadora votaram a favor da manutenção dos subsídios agrícolas, juraram “proteger” o Medicare, e se encolheram quando o futuro vice de Romney, senador Paul Ryan, propôs seu tímido plano de redução do déficit público. É lamentável que os Estados Unidos, fundado em parte sob princípios libertários, não consigam admitir que o governo cresceu demais. Países do Leste Asiático adotaram os mercados e prosperaram. A Suécia e a Alemanha liberalizaram seus mercados de trabalho e prosperaram do ponto de vista econômico e social. Mas nós continuamos a aprovar novas regras. Aqui o inimigo é a intuição humana. Em meio às grandes recompensas do mercado, é fácil considerar os benefícios do mercado como algo normal. Eu posso viajar a outro país, inserir um pedaço de plástico em uma parede, e retirar dinheiro. Eu posso dar o mesmo pedaço de plástico a um estranho que nem fala o meu idioma– e poderei alugar um carro por uma semana. Quando eu chegar em casa, a Visa ou a MasterCard enviarão um extrato – exato até nos centavos. Consideramos tudo isso como algo normal. O governo, por outro lado, não consegue nem contar os votos de forma precisa. Ainda assim, sempre que há problemas, as pessoas recorrem ao governo. Apesar do grande histórico de fracasso dos planejadores centrais, poucos de nós gostam de pensar que o governo que está acima de nós, levando o crédito por tudo, poderia ser tão corrupto. O grande libertário do século XX, H.L. Mencken, lamentava: “No fundo, um governo não é nada mais que um grupo que, na prática e em sua maioria é composta por homens inferiores... mesmo assim, esses insignificantes, pela preguiça intelectual dos homens em geral... são geralmente obedecidos como uma questão de dever... (e) supostamente detentores de um tipo de sabedoria superior à sabedoria comum”. Não há nada que o governo possa fazer que não possamos fazer melhor como indivíduos livres – e como grupos de indivíduos trabalhando juntos, de forma livre e voluntária. Sem o grande governo, nossas possibilidades são ilimitadas. Capítulo 3 Libertarianismo como centrismo radical Por Clark Ruper Por muitos anos, tem sido comum pensar sobre o espectro contínuo do pensamento político como “de esquerda” ou de “de direita”. O libertarianismo se enquadra nesse espectro, da forma como é tradicionalmente apresentado? Clark Ruper, vice-presidente do Students for Liberty, sugere uma nova abordagem à reflexão sobre a relação entre ideias políticas concorrentes e como o libertarianismo oferece um referencial para grande parte da discussão e debate contemporâneos. Ruper é graduado em História pela Universidade de Michigan em Ann Arbor. O espectro politico esquerda-direita é a introdução padrão ao pensamento político: se você acredita em X, você é “de esquerda”, e se você acredita em Y, você é “de direita”. O que X e Y representam varia de acordo com quem você fala; sua invocação encoraja as pessoas a se posicionarem nesse espectro, por mais que suas opiniões não as posicionam em um local específico do mesmo. A proposição torna-se particularmente absurda quando ouvimos que “os dois extremos se encontram, tornando o espectro um círculo”, com suas formas rivais de coletivismo violento em cada extremo. Então, no seu primeiro contato com o liberalismo clássico ou libertarianismo, você pode se perguntar em qual extremo do espectro essa filosofia se enquadra. A resposta é clara: em nenhum dos dois. Inerente às ideias da liberdade está a rejeição do espectro padrão esquerda-direita. O libertarianismo é uma ideologia que questiona e desafia o uso do poder político. Em vez de uma escolha entre intervenção governamental nessa ou naquela área, o libertarianismo vê a política como um conflito da liberdade contra o poder. Os libertários levam muito a sério a lição do historiador Lord Acton: “O poder tende a corromper, e o poder absoluto tende a corromper absolutamente”13. O libertarianismo não se enquadra em extremo algum do espectro, onde há defensores de um tipo de poder coercivo ou outro. O tradicional espectro esquerda-direita mostra o comunismo em um extremo e o fascismo noutro, a proibição ao fumo de um lado e a proibição à maconha do outro, e leis regulando a livre expressão em um extremo e... leis regulando a livre expressão noutro. Então, qual é coerente e qual é incoerente, o espectro tradicional ou o libertarianismo? Você pode decidir por si mesmo. De certa forma, se insistíssemos em um espectro linear, poder-se-ia dizer que os libertários ocupam o centro radical do discurso político. Os libertários são radicais em sua análise – nós vamos ao fundo das questões – e acreditamos nos princípios da liberdade. Poderiam nos chamar de centristas no sentido de que, do centro, projetamos nossas ideias para fora e influenciamos partidos e ideologias políticas em ambos os lados do espectro. Como resultado, as ideais libertárias permeiam tanto a centro-esquerda quanto a centro-direita, brindando-lhes suas qualidades mais atraentes. Além disso, uma porcentagem cada vez maior de cidadãos em muitos países deveria ser considerada como libertários, em vez de “de direita” ou “de esquerda”14. O libertarianismo é uma filosofia política centrada na importância da liberdade individual. Um libertário pode ser “socialmente conservador” ou “socialmente progressista”, urbano ou rural, religioso ou ateu, abstêmio ou bebedor, casado ou solteiro... assim por diante. O que une os libertários é uma adesão à presunção da liberdade nas questões humanas que, nas palavras de David Boaz, do Cato Institute, “é o exercício de poder, não o exercício da liberdade, que requer justificação”15. Os libertários são defensores consistentes do princípio da liberdade e são capazes de trabalhar com uma grande variedade de pessoas e grupos em questões na quais a liberdade individual, paz e governo limitado estão envolvidos. O centrismo radical libertário influenciou bastante o mundo moderno, como observou o jornalista Fareed Zakaria: Diz-se que o liberalismo clássico já saiu de cena. Se assim for, seu epitáfio será o mesmo que o de Christopher Wren, gravado no seu monumento na St. Paul’s Cathedral: si monumentum requiris, circumspice (tradução livre: se você está 13 DALBERG, John Emerich Edward (Lord Acton). Historical Essays and Studies. Edit. por John Neville Figgis and Reginald Vere Laurence. London: Macmillan, 1907. cap. Apêndice. Carta ao Bispo Creighton, disponível em http://oll.libertyfund.org/title/2201/203934. 14 Para o caso dos eleitores norte-americanos, veja BOAZ, David; KIRBY, David; EAKINS, Emily. The Libertarian Vote: Swing Voters, Tea Parties, and the Fiscally Conservative, Socially Liberal Center. Washington, DC: Cato Institute, 2012. 15 An Introduction to Libertarian Thought: vídeo disponível em www.libertarianism.org/introduction. procurando por um monumento, olhe ao seu redor). Considere o mundo no qual vivemos – secular, científico, democrático, da classe média. Goste você ou não, é um mundo moldado pelo liberalismo. Nos últimos 200 anos, o liberalismo (com seu poderoso aliado, o capitalismo) destruiu uma ordem que tinha dominado a sociedade humana por dois milênios – a da autoridade, religião, costumes, feudos e reis. Desde seu nascimento na Europa, o liberalismo se espalhou para os Estados Unidos e hoje está reconstruindo grande parte da Ásia16. O libertarianismo (denominação contemporânea do liberalismo clássico de princípios) já provocou alterações profundas no mundo moderno. Em grande parte do mundo, muitas batalhas já foram travadas e, em muitos lugares, vencidas: separação da Igreja e do Estado, limitação do poder por meio de constituições; liberdade de imprensa; destituição do mercantilismo e sua substituição pelo livre comércio; a abolição da escravidão; a liberdade pessoal e a tolerância legal às minorias - sejam elas religiosas, étnicas, linguísticas ou sexuais; proteção dos direitos de propriedade; a derrota do fascismo, das leis de Jim Crow, do apartheid e do comunismo. É impossível numerar os muitos intelectuais e ativistas que tornaram essas vitórias possíveis, mas eles tornaram o mundo melhor – mais justo, mais pacífico e mais livre. Eles também consolidaram a posição libertária naquelas e muitas outras questões de forma a estabelecer um discurso político razoável. E, para os jovens de hoje, como no caso das gerações passadas, existem muitas batalhas a serem travadas e liberdades a serem conquistadas. Como os libertários obtiveram tamanha influência enquanto operando, sobretudo, fora da estrutura partidária? Às vezes, formamos nossos próprios partidos, como evidenciado pelos diversos partidos de cunho liberal clássico na Europa e em outros países. Às vezes, trabalhamos dentro de partidos menores, como dentro do partido libertário norte-americano, cujo candidato à presidência, o governador Gary Johnson, educou milhões sobre os danos causados pela guerra às drogas e outros programas governamentais. Às vezes, trabalhamos dentro das estruturas partidárias, como exemplificado pelas campanhas à presidência do republicano Ron Paul em 2008 e 2012. Ele foi capaz de divulgar muitos princípios libertários a milhares de jovens por meio de sua campanha política, não somente nos Estados Unidos, mas ao redor do mundo. Enquanto nosso ativismo político toma várias formas dependendo do país e do contexto, nossas ideias influenciam o espectro político. Considere os Estados Unidos da década de 1960, considerada a era de ouro do ativismo estudantil radical nos Estados Unidos. Na direita, você tinha o movimento conservador Young Americans for Freedom (YAF). A declaração de princípios do YAF, chamada de Sharon Statement, por ter sido proclamada na cidade de Sharon, Connecticut, em 1960, clamava “que a liberdade é indivisível, e que a liberdade política não pode resistir por muito tempo sem a liberdade econômica; que o propósito do governo é proteger aquelas liberdades por meio da preservação da ordem interna, a provisão da defesa nacional, e a administração da justiça; que quando o governo se aventura além dessas funções legítimas, ele acumula poder, o que tende a diminuir a ordem e a liberdade”17 Seu herói, o senador Barry Goldwater, no seu discurso à nação, afirmou: “Eu lhes recordaria que o extremismo na defesa da liberdade não é um vício. E me permitam relembrar-lhes também que a moderação na busca da justiça não é uma virtude”18. Ao mesmo tempo, o Students for a Democratic Society (SDS) estava emergindo na esquerda, como líderes do movimento antiguerra. No seu Port Huron Statement, que foi adotado em 1962, eles afirmaram: “nós consideramos os homens como infinitamente preciosos e possuidores de capacidades não satisfeitas de razão, liberdade e amor. O declínio da utopia e da esperança é, na verdade, uma das principais características da vida social atual. As razões são diversas: os sonhos da antiga esquerda foram contaminados pelo stalinismo e nunca recriados... os horrores do século XX, simbolizados nos campos de concentração, câmaras de gás e bombas atômicas, destruíram a esperança. Ser idealista é ser considerado apocalíptico, iludido”19. O ex-presidente da SDS, Carl Ogelsby, lembrou em seu livro de memórias, Ravens in the Storm (tradução livre: Corvos na Tempestade), “O libertarianismo é um canal pelo qual um 16 ZAKARIA, Fareed. The 20 Percent Philosophy, Public Interest 129 (Fall 1997), p. 96–101. In Tom G. Palmer, “Classical Liberalism and Civil Society,” In Realizing Freedom: Libertarian Theory, History, and Practice. Washington, DC: Cato Institute, 2009, p. 221. 17 Sharon Statement, disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Sharon_Statement. 18 Discurso de aceitação de Barry Goldwater (1964), disponível em www.washingtonpost.com/wpsrv/politics/daily/may98/goldwaterspeech.htm. 19 Port Huron Statement, disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Port_Huron_Statement. indivíduo pode dialogar tanto com a direita quanto com a esquerda, o que era exatamente o que eu estava tentando fazer... por que se dirigir aos direitistas sobre um tema quando existem tantos esquerdistas a quem recorrer? Pois você teria um caso mais forte contra a guerra se pudesse mostrar que tanto a direita como a esquerda opõem-se a ela”20. Além disso, “eu tinha decidido, desde o princípio, que fazia sentido falar de “centrismo radical’ e ‘moderação militante’. Minha opinião é que deveríamos ser radicais na nossa análise, mas centristas na aproximação com os conservadores”21. Enquanto variavam nas suas áreas de atuação – YAF na liberdade econômica e oposição ao socialismo; SDS nos direitos civis e paz – como um todo, eles podem ser considerados como pioneiros do ativismo libertário na era moderna. Os líderes desses movimentos tornaram-se os professores, jornalistas, acadêmicos, políticos e outras figuras que hoje influenciam o discurso político. Eles proclamaram aliança à esquerda ou à direita, mas seus melhores argumentos intelectuais e energia advieram de seus impulsos libertários subjacentes. A guerra às drogas está sendo cada vez mais considerada como um desastre. Think tanks libertários como o Cato Institute tem documentado por décadas os custos mortais da guerra às drogas e os benefícios da responsabilidade e da liberdade pessoais. Os economistas libertários, incluindo Milton Friedman, explicaram os incentivos perversos criados pela proibição22. Os filósofos da moralidade argumentaram que uma sociedade composta por indivíduos livres e responsáveis eliminaria punições para crimes sem vítimas, retomando o exposto em um panfleto de Lysander Spooner, datado de 1875, Vices are not crimes (tradução oficial: Vícios não são crimes: uma reivindicação à liberdade moral)23. Como os libertários mostraram o caminho apontando os efeitos danosos da proibição – sobre a moralidade, justiça, taxas de criminalidade, famílias e ordem social – mais e mais lideres políticos estão falando sobre as consequências desastrosas da guerra às drogas sem medo de serem “taxados” de “pró-drogas”. Entre eles, estão os presidentes do México, Guatemala, Colômbia e Brasil, países que tem sofrido por causa do crime, da violência, e da corrupção trazida pela proibição, assim como governadores, ex-secretários de Estado, juízes, chefes de polícia e muitos outros24. O que torna os libertários únicos é que, enquanto outros podem defender crenças particulares pró-liberdade, casualmente ou numa base ad hoc, os libertários as defendem por princípio. O libertarianismo não é uma filosofia da direita ou da esquerda. É o centrismo radical, o lar daqueles que desejam viver e deixar viver, que valorizam tanto suas próprias liberdades quanto às liberdades dos outros, que rejeitam os velhos clichês e as falsas promessas do coletivismo, tanto “da esquerda” ou “da direita”. Onde, no espectro esquerda-direita, o libertarianismo se encontra? Acima dele. 20 Carl Oglesby, Ravens in the Storm: A Personal History of the 1960s Anti-War Movement. New York: Scribner, 2008), p. 120. 21 Ibidem, p. 173. 22 FRIEDMAN, Milton. It’s Time to End the War on Drugs. Disponível em www.hoover.org/publications/hooverdigest/article/7837; Jeffrey A. Miron and Jeffrey Zwiebel, “The Economic Case Against Drug Prohibition,” Journal of Economic Perspectives, Vol. 9, no. 4 (Fall 1995), p. 175-192. 23 SPOONER, Lysander. Vices Are Not Crimes: A Vindication of Moral Liberty. Disponível em http://lysanderspooner.org/node/46. 24 Um grupo de agentes da lei que estão dispostos a falar sobre os desastres da proibição pode ser encontrado na Law Enforcement Against Prohibition, disponível em http://www.leap.cc. Capítulo 4 História e estrutura do pensamento libertário Tom G. Palmer A história pode nos ajudar a mostrar como as ideias emergem e como se relacionam entre si. Nesse ensaio, a ideia da liberdade é examinada do ponto de vista histórico e conceitual de forma a mostrar como o pensamento libertário apresenta uma interpretação coerente sobre o mundo e como os humanos deveriam se relacionar. Embora elementos do pensamento libertário possam ser encontrados no decorrer da história humana, o libertarianismo como filosofia política apareceu na era moderna. É a filosofia moderna da liberdade individual, ao invés da servidão ou subserviência; dos sistemas legais baseados no usufruto dos direitos, ao invés do exercício do poder arbitrário; da prosperidade mútua por meio do trabalho livre, cooperação voluntária e troca ao invés do trabalho forçado, compulsão e exploração dos saqueados pelos seus conquistadores; da tolerância e coexistência (mútua) de religiões, estilos de vida, grupos étnicos, e outras formas de existência humana, ao invés de conflitos religiosos, tribais ou étnicos. É a filosofia do mundo moderno e está rapidamente se espalhando entre os jovens do mundo. Para entender o crescente movimento libertário ao redor do mundo, você precisa entender as ideias que constituem a filosofia política do libertarianismo. As filosofias políticas podem ser entendidas de diversas formas. Você pode entendê-las por meio da história, na sua união como resposta a um conjunto de problemas ou questões. As ideias são de certa forma como ferramentas – ferramentas mentais que nos ajudam a interagir entre si e com o mundo. Para melhor compreensão dessas ferramentas, é importante saber a quais problemas elas são apresentadas como soluções. O estudo histórico nos ajuda a entender ideias. Podemos, também, entender as relações lógicas, isto é, as formas pelas quais os vários conceitos ou ideias – tais como justiça, direitos, leis, liberdade e ordem – interagem e dão sentido umas as outras25. Esse pequeno ensaio oferece uma breve introdução a ambas as formas de compreensão do libertarianismo. Libertarianismo do ponto de vista histórico Do ponto de vista histórico, o libertarianismo é a forma moderna de um movimento que foi outrora conhecida como liberalismo. Aquele termo, “liberalismo”, especialmente nos Estados Unidos, perdeu parte do seu significado original. Como observou o famoso economista Joseph Schumpeter, “como um sublime, mesmo impensado, cumprimento, os inimigos do sistema de iniciativa privada acharam prudente se apropriar de sua identificação” 26. O termo liberalismo ou suas variantes ainda são usados em grande parte do mundo, contudo, hoje é normalmente chamado de libertarianismo ou “liberalismo clássico” nos Estados Unidos. Dada a confusão de termos nos Estados Unidos, muitas pessoas adotaram o termo libertarianismo, o qual compartilha da mesma raiz latina da palavra liberdade, para distinguir suas visões do que é normalmente chamado “liberalismo” nos Estados Unidos. Além disso, o termo é às vezes usado para distinguir mais profundamente formas consistentes de liberalismo de formas mais pragmáticas e flexíveis. (Em outros idiomas, a mesma palavra é usada para traduzir tanto liberalismo quando libertarianismo; no húngaro, por exemplo, utiliza-se tanto szabadelvűség e liberalizmus para liberalismo / libertarianismo). Então, qual é a origem do liberalismo? O liberalismo surgiu na Europa e outras regiões do mundo como a defesa de uma nova forma de vida em comunidade, baseada na paz, tolerância, trocas voluntárias mutualmente benéficas e cooperação. O liberalismo ofereceu uma defesa de tais formas pacíficas de vida contra as doutrinas do Estado absoluto e todo poderoso, conhecida como “absolutismo”. No curso dos debates sobre o escopo e a extensão do poder, as ideias do liberalismo se tornaram mais incisivas, radicais e mutualmente fortalecidas. O comércio e as negociações começaram a aumentar na Europa seguindo a Idade Média, especialmente devido ao crescimento de “comunas” independentes, ou cidades autônomas, frequentemente protegidas de piratas, corsários, e chefes militares por muros 25 Para um tratamento mais aprofundado dessas questões, recomendo: SMITH, George H. The System of Liberty: Themes in the History of Classical Liberalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. 26 SCHUMPETER, Joseph. History of Economic Analysis. New York: Oxford University Press, 1974. p. 394. espessos27. Novas cidades – lugares de produção e comércio – estavam sendo fundadas ao redor da Europa. As novas cidades e suas “sociedades civis” eram conhecidas como lugares de liberdade pessoal, como expressadas em um antigo slogan alemão Stadtluft macht frei (tradução livre, “O ar da cidade o torna livre”)28. Como um historiador notou, “sem liberdade, isto é, sem o poder de ir e vir, fazer negócios, vender bens – poderes não disfrutados na servidão - o comércio era impossível” 29. A sociedade civil (de civitas, cidade) refere-se às sociedades que emergiram em tais cidades. Mais importante, o termo também passou a denotar a forma pela qual tratamos os outros: o comportamento civilizado. Ser civilizado significa ser educado com desconhecidos, ser honesto nos negócios, e respeitar os direitos dos outros. Essas novas cidades e associações eram caracterizadas por vários tipos de assembleias populares ou representativas que deliberavam sobre leis e politicas públicas. Associada à sociedade civil estava a ideia dos “direitos civis”, a saber, os direitos necessários para a sociedade civil. Com o aumento do comércio, mais riqueza foi acumulada. Reis começaram a criar sistemas militares modernos, usados para expandir seu poder sobre a aristocracia feudal - a qual igualmente origina seu poder por meio de conquistas violentas - e sobre as cidades, as quais eram baseadas na associação voluntária. A “revolução militar” concentrou mais e mais poder no que seria chamado posteriormente de “Estado”, normalmente na pessoa e nos poderes do rei30. Tais sistemas políticos monárquicos e centralizados substituíram, conquistaram e assimilaram a maioria dos outros sistemas políticos que tinham caracterizado a Europa, incluindo “cidades-estados” independentes, a Liga Hanseática das cidades mercantes, o Sacro Império Romano, dentre outras formas de associação política. Enquanto tais “soberanos” cresciam em poder, clamavam estar “acima da lei” e exerciam o poder absoluto sobre todas as outras formas de associação humana31. Paulatinamente, os reis declararam que tinham o “direito divino” a exercer o poder absoluto. Os poderes seculares e as hierarquias religiosas formaram alianças, frequentemente com o poder secular dominando o religioso. Às vezes, porém, o contrário ocorria, o que era conhecido como poder teocrático. A doutrina do absolutismo defendia que o governante estava acima da lei, o que foi uma grande ruptura com a tradição anterior na qual a lei, não o poder pessoal, era suprema. O rei Jaime VI e I, como era conhecido (rei Jaime VI da Escócia que se tornou também rei Jaime I da Inglaterra em 1603), declarou que “o rei é senhor de toda a terra; dessa forma, ele é mestre de todas as pessoas que habitam tal território, tendo poder sobre a vida e a morte de todos os eles. Pois, embora um príncipe justo não toma a vida de qualquer um dos seus súditos sem uma lei clara, ainda assim, algumas dessas leis que aprova à sociedade, são feitas por ele, ou seus predecessores, e então o poder se afasta do seu próprio ser(...) [Eu] tenho por fim provado que o rei está acima da lei, tanto por ser o autor e o concessor de sua força” 32. O absolutismo contava com uma teoria econômica adjacente: o mercantilismo. A ideia de que o rei e sua burocracia deveriam ter o controle sobre a indústria, proibir esse empreendimento e subsidiar aquele, conceder monopólios a companhias favorecidas (uma prática hoje chamada de fisiologismo), “proteger” os proprietários das indústrias locais contra a concorrência de bens importados a preços inferiores, e, de modo geral, administrar o comércio Eu trato em detalhes sobre a emergência e o crescimento da sociedade civil no meu ensaio. “Classical Liberalism and Civil Society: Definitions, History, and Relations,” in Civil Society and Government, edit. por Nancy L. Rosenblum and Robert C. Post (Princeton: Princeton University Press, 2002), p. 48-78. In Tom G. Palmer, Realizing Freedom: Libertarian Theory, History, and Practice. Washington, DC: Cato Institute, 2009. 28 Henri Pirenne nota que “Os burgueses eram um grupo essencialmente formado por homines pacis – homens de paz”. Medieval Cities: Their Origins and the Revival of Trade. Princeton: Princeton University Press, 1969, p. 200. 29 PIRENNE, Henri. Economic and Social History of Medieval Europe. New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1937. p. 50. Nos idiomas europeus, dois termos surgiram para descrever essas novas ordens sociais: burgenses e civitas. “A expressão burgenses foi primeiramente usada somente se a cidade não era uma civitas, e civitas foi primeiramente usado para descrever a sede episcopal (‘Bischofsstadt’). Hans Planitz, Die Deutsche Stadt im Mittelalter: Von der Römerzeit bis zu den Zünftkämpfen (Graz, Austria, and Köln, Germany: Böhlau, 1954), p. 100. Burgensis e bürgerlich é inserido na língua inglesa pelo francês como bourgeois. Depois os derivados dos termos - bürgerlich/bourgeois e civil— passaram a ser usados de forma permutável. (“Burg” persistiu na língua inglesa em nomes como Hillsborough e Pittsburgh, e no nome do antigo representante da assembleia nas colônias inglesas, the House of Burgesses.) 30 DOWNING, Brian M. The Military Revolution and Political Change. Princeton: Princeton University Press, 1992 e TILLY, Charles. Coercion, Capital, and European States. Oxford: Blackwell, 1992. 31 SPRUYT, Hendrik. The Sovereign State and Its Competitors. Princeton: Princeton University Press, 1994. 32 The Trew Law of Free Monarchies, King James VI e I. Political Writings. Ed. por Johann P. Sommerville. Cambridge: Cambridge University Press, 1994. p. 75. 27 em benefício dos poderosos que controlam o Estado, com o objetivo de arrecadar dinheiro para os cofres públicos33. O liberalismo emergiu como uma defesa à liberdade da sociedade civil contra as reivindicações de poder absoluto, contra monopólios e privilégios, mercantilismo, protecionismo, guerra e dívida pública, e em favor dos direitos civis e do estado de direito. O movimento baseou-se em várias fontes: dentre as mais importantes, estavam as ideias dos direitos individuais articuladas pelos pensadores escolásticos espanhóis de Salamanca, que defendiam tanto a economia de mercado e os direitos dos indígenas conquistados contra seus gananciosos conquistadores espanhóis, como também as doutrinas de lei natural e direitos naturais articuladas por pensadores alemães e holandeses; todavia, o primeiro movimento que pode ser considerado realmente libertário emergiu durante as guerras civis na Inglaterra: os Niveladores34. Os Niveladores lutaram ao lado do parlamento na Guerra Civil Inglesa (16421651) em prol de um governo limitado e constitucional, da liberdade religiosa, da liberdade comercial, da proteção à propriedade, do direito ao trabalho livre, da igualdade de direitos para todos. Eles eram radicais, abolicionistas, defensores dos direitos humanos e da paz. Eles eram libertários. Aquelas ideias – de direitos individuais, de governo limitado, de liberdade de pensamento, religião, expressão, produção e locomoção – abriram mentes, quebraram vínculos antigos, geraram riqueza sem precedentes para o cidadão comum, e derrubaram um império após o outro. A escravidão foi extinta na Europa, nos Estados Unidos e na América do Sul, culminando na abolição da escravidão no Brasil em 13 de maio de 1888. O feudalismo foi abolido. Os servos da Europa foram libertados, às vezes de uma só vez, às vezes por etapas: Áustria em 1781 e 1848; Dinamarca em 1788; Sérvia em 1804 e 1830; Bavária em 1808; Hungria e Croácia em 1848; Rússia em 1861 e 1866; e Bósnia e Herzegovina em 1918. O movimento da liberdade não cresceu somente na Europa e em suas colônias, mas também se difundiu pelo mundo islâmico, China e em outros lugares, tirando partido das tradições locais de liberdade, já que as ideias libertárias não são o produto de uma única cultura; toda a cultura e toda a tradição possuem uma narrativa de liberdade, assim como uma narrativa de poder. A Europa foi o berço de Voltaire e Adam Smith, mas também, posteriormente, de Mussolini, Lênin e Hitler. Marx, cujas doutrinas dominaram a China por décadas, não era chinês, mas alemão. Sábios e representantes libertários podem ser encontrados em todas as culturas, assim como defensores do poder absoluto. O libertarianismo está criando raízes ao redor do mundo, conectando-se às tradições libertárias locais, especialmente na África e na Ásia, assim como redescobrindo conexões na Europa, América Latina e a América do Norte. O movimento libertário contemporâneo baseia-se não somente na experiência dos primeiros liberais e seu combate ao absolutismo, mas também na experiência dos horrores de uma ameaça ainda mais maligna à liberdade e à civilização: o totalitarismo coletivista. No século XIX, a onda do pensamento libertário começou a perder força. Novas ideologias políticas, recorrendo às antigas tradições de poder, emergiram para desafiar o liberalismo. Imperialismo, racismo, socialismo, nacionalismo, comunismo, fascismo, e suas outras combinações, todas repousavam nas premissas fundamentais do coletivismo. O indivíduo não era visto como um repositório de direitos; o que importava, asseguravam, eram os direitos e interesses da nação, da classe ou da raça, todos expressos por meio do poder estatal. Em 1900, o editor libertário do The Nation, E. L. Godkin, escreveu em um editorial deprimente, “somente os que restam, homens velhos em grande parte, ainda defendem a doutrina liberal, e quando se forem, ela não terá mais defensores”. Mais arrepiante ainda, ele previu a terrível opressão coletivista e a guerra que custariam centenas de milhões de vidas no 33 Adam Smith, em seu famoso livro publicado em 1776, Uma Investigação Sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, não tratou apenas das causas, mas também da natureza “da riqueza das nações”. “A riqueza das nações” não é a riqueza da elite no poder, ou da corte, ou do ouro no tesouro real. “Assim sendo, enquanto é produzido, ou o que é comprado com isso, carrega uma menor ou maior proporção do número dos quais nós consumimos, a nação terá um melhor ou pior suprimento de todas as necessidades e conveniências para essa ocasião.” SMITH, Adam. An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Vol. I, ed. R. H. Campbell e A. S. Skinner. Indianapolis: Liberty Fund, 1981. p. 10. Logo, Smith identificou a riqueza das nações, não com a riqueza da corte, mas a produção anual da força de trabalho da nação, dividida pelo número de consumidores, um conceito que persiste na noção moderna de PIB per capita. Ele descreveu as causas da riqueza das nações em uma palestra: “Pouco mais é necessário para carregar um Estado ao maior nível de opulência do mais vil barbarismo, mas paz, impostos baixos, e uma administração tolerável da justiça; todo o resto sendo trazido pelo curso natural das coisas. Todos os governos que interferem neste curso natural, forçando uma mudança de rumos, ou tentando prender o progresso da sociedade em certo ponto, são antinaturais, e para se manterem, obrigatoriamente, recorrem à opressão e à tirania.” 34 SHARP, Andrew.The English Levellers. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. século seguinte: “Não ouvimos mais nada sobre direitos naturais, mas sim de raças inferiores, cuja função é se submeter ao governo daqueles a quem Deus tornou superiores. Uma vez mais, a antiga falácia do direito divino estabeleceu seu poder destruidor, e antes que seja repudiada novamente, serão necessários conflitos internacionais em uma escala terrível” 35. E assim sucedeu. A consequência foi o assassinato em massa em uma escala nunca vista antes, sistemas de escravidão em massa, e as guerras mundiais que destruíram a Europa, a Ásia, e que tiveram repercussões terríveis na América do Sul, África e no Oriente Médio36. O desafio imposto à liberdade, à civilização e à própria vida pelo coletivismo moldou drasticamente a resposta libertária, a qual incluiu uma ênfase renovada nos seguintes elementos do pensamento libertário, todos os quais têm sido negados por ideologias coletivistas tais como o socialismo, o comunismo, o nacional-socialismo e o fascismo: A primazia do indivíduo como a unidade moral fundamental, ao invés do coletivo (seja ele o Estado, classe, raça ou nação); Individualismo e o direito de todo o ser humano a buscar sua própria felicidade da forma que lhe convier; Os direitos de propriedade e a economia de mercado como meios de decisão e coordenação decentralizados e pacíficos que efetivamente utilizam o conhecimento de milhões ou bilhões de pessoas; A importância da associação voluntária na sociedade civil, incluindo a família, a comunidade religiosa, a associação de bairros, a empresa, o sindicato, as sociedades de ajuda mútua, a associação profissional, e tantas outras que oferecem significado e substância à vida, ajudando os indivíduos a alcançarem suas identidades únicas por meio de afiliações múltiplas, as quais são substituídas por novos tentáculos do poder estatal; Ceticismo quanto ao Estado e à concentração de poder no exército e nos órgãos executivos do poder estatal. Muitas pessoas contribuíram para o renascimento do pensamento libertário, especialmente no período final da 2ª Guerra Mundial. Em 1943, foram publicados três livros nos Estados Unidos que retornaram as ideias libertárias à discussão popular: The Discovery of Freedom (tradução livre, A Descoberta da Liberdade), de Rose Wilder Lane, The God of the Machine (tradução livre, O Deus da Máquina), de Isabel Paterson e The Fountainhead (tradução oficial, A Nascente), de Ayn Rand. Em 1944, na Inglaterra, F. A. Hayek lançou seu best-seller que desafiava o planejamento econômico coletivista, The Road of Serfdom (tradução oficial, O Caminho da Servidão). Esse livro foi então lançado em outros países onde foi recebido com entusiasmo. Hayek também organizou a Mont Pelerin Society, uma sociedade internacional de acadêmicos liberais clássicos, a qual teve seu primeiro encontro em 1947 na Suíça. Mais livros foram surgindo, assim como sociedades, associações, editoras, think tanks, clubes estudantis e partidos políticos 37. Think tanks para a promoção das ideias clássicas liberais foram fundados. A primeira onda ocorreu nos anos 1940 e 1950, com organizações ainda vigorosas como o Institute for Public Affairs na Austrália (1943), a Foundation for Economic Education nos Estados Unidos (1946), e o Institute of Economic Affairs na Inglaterra (1955). O Cato Institute foi fundado nos Estados Unidos em 1977 e o Timbro foi fundado na Suécia em 1978, como parte da segunda onda de think tanks libertários que mudaram o panorama das discussões sobre políticas públicas. (Desde então, muitos outros surgiram e a maioria é afiliada à Atlas Network, fundada por Sir. Antony Fisher, quem também fundou o Institute for Economic Affairs). Intelectuais 35 GODKIN, E. L. The Eclipse of Liberalism. The Nation, August 9, 1900. Reimpresso em David Boaz, ed., The Libertarian Reader. New York: The Free Press, 1997. p. 324-326. O diagnóstico de Godkin sobre a causa do declínio do liberalismo merece atenção: “Aos princípios e preceitos do liberalismo o progresso material prodigioso de nossa era foi amplamente atribuído. Livre da intromissão vexatória dos governos, os homens se voltaram à sua tarefa natural, a melhoria de sua própria condição, com os incríveis resultados que nos circundam. Mas agora parece que o conforto material cegou os olhos da geração atual às causas que tornaram isto possível. Na política mundial, o liberalismo é uma força em declínio, praticamente morta.” 36 Alguns dos estudos mais importantes feitos recentemente sobre genocídio e escravidão nos regimes comunistas e nacional-socialista (nazista) incluem APPLEBAUM, Anne. Gulag: A History. New York: Random House, 2003; SNYDER, Timothy. Bloodlands: Europe Between Hitler and Stalin. New York: Basic Books, 2010; e DIKOTTER, Frank. Mao’s Great Famine, The History of China’s Most Devastating Catastrophe. New York: Walker & Co., 2010. 37 Uma boa parte desta história é contada de maneira agradável, pela perspectiva norte-americana em DOHERTY, Brian. Radicals for Capitalism: A Freewheeling History of the Modern American Libertarian Movement. New York: Public Affairs, 2007. eminentes como os filósofos Robert Nozick, H. B. Acton, Anthony Flew, e os economistas laureados com o prêmio Nobel – James Buchanan, Milton Friedman, Ronald Coase, George Stigler, Robert Mundell, Elinor Ostrom e Vernon Smith, para citar alguns, propuseram argumentos libertários e aplicaram ideias libertarias em um grande conjunto de problemas sociais, econômicos, legais e políticos. Com o crescimento do número de seguidores e defensores das ideias libertárias no Oriente Médio, África, América Latina e outros países da ex-União Soviética, o libertarianismo está novamente se adaptando a novos problemas, especialmente à necessidade de construir e fortalecer as instituições da sociedade civil, fazendo-o com base nas tradições nativas dessas sociedades. Entre elas, está o hábito do diálogo pacífico, em lugar da violência; respeito mútuo pelas pessoas, independente do gênero, raça, religião, preferência sexual ou idioma; sistemas legais independentes para resolução de disputas de forma pacífica; sistemas de direitos de propriedade bem definidos, legalmente seguros e facilmente transferíveis, de forma a facilitar trocas geradoras de riqueza; liberdade de imprensa e discussão pública; e tradições e instituições que supervisionam o exercício do poder. Esse foi um breve resumo da história do libertarianismo. Vamos, agora, focar em outra forma de entender o libertarianismo. Libertarianismo do ponto de vista conceitual: o tripé libertário. Uma cadeira com somente uma perna cairá. Adicione outra, e ficará um pouco mais estável, mas ainda cairá. Coloque uma terceira para fazer um tripé e uma reforçará as outras. Creio que o mesmo se aplica às ideias. Ideias – sobre direitos, justiça, ordem social, lei – não se sustentam por conta própria: elas se complementam. Como as pernas de um tripé, elas se sustentam mutuamente. O libertarianismo é baseado no ideal fundamental da liberdade; os libertários consideram a liberdade como o valor político mais elevado. Isso não significa que a liberdade deve ser o valor mais importante da vida; afinal de contas, as pessoas se apaixonam, buscam a verdade e a beleza, e têm ideias sobre religião e muitas outras coisas relevantes, e a política não é, certamente, a única coisa que importa na vida. Mas para os libertários, o valor primordial a ser defendido na política é a liberdade. A vida política trata de assegurar a justiça, a paz e a prosperidade geral, e os libertários recorrem a uma longa tradição do pensamento clássico liberal, a qual considera que esses princípios e valores se complementam. O tripé libertário é composto por: 1. Direitos individuais: os indivíduos têm direitos que são anteriores à associação política; esses direitos não são concessões do poder, mas podem ser empregados contra ele; Nozick, na introdução do seu clássico Anarchy, State and Utopia (tradução oficial, Anarquia, Estado e Utopia), diz “Os indivíduos têm direitos, e existem coisas que nenhuma pessoa ou grupo podem fazer contra eles (sem violar seus direitos)”38. 2. Ordem espontânea: é comum às pessoas pensarem que a ordem deve ser produto de uma mente ordenadora, no entanto, os tipos mais importantes de ordem na sociedade não são resultado de planejamento ou design consciente, mas emergem de interações voluntárias e ajustes mútuos dos planos de pessoas livres que agem com base nos seus direitos; 3. Governo constitucionalmente limitado: direitos requerem proteções de instituições autorizadas a usar a força em sua defesa, mas essas mesmas instituições frequentemente representam a maior e mais perigosa ameaça aos direitos: isto é, devem ser estritamente limitadas por meio de mecanismos constitucionais, incluindo divisões de, e competição entre fontes de poder, sistemas legais independentes do poder executivo, e uma insistência amplamente compartilhada da supremacia da lei sobre o poder; Cada um dos pilares acima dá suporte aos outros. Os direitos devem ser claramente definidos e protegidos por instituições da lei; quando os direitos são bem definidos e legalmente seguros, a ordem emergirá de forma espontânea; quando a ordem e harmonia social emergem sem uma direção planejada, é mais provável que as pessoas respeitem os 38 NOZICK, Robert. Anarchy, State, and Utopia. New York: Basic Books, 1974, cap IX direitos dos outros; quando as pessoas se acostumam a exercer seus direitos e respeitar os direitos dos outros, tem maior probabilidade de apoiar restrições constitucionais às instituições legais. Direitos Individuais Ideias libertárias sobre direitos foram forjadas em grande parte na luta pela liberdade religiosa e pela liberdade dos fracos oprimidos perante os poderosos. O pensador espanhol, Francisco de Vitoria, no seu famoso livro de 1539 sobre os índios americanos, defendeu os povos indígenas das Américas contra a brutalidade e a opressão impostas pelo Império Espanhol. Ele argumentou que os indígenas tinham uma responsabilidade moral por suas ações (“dominium”) e concluiu que, Os bárbaros [o termo usado na época para povos não europeus e não cristãos] possuíam, sem sombra de dúvidas, um dominium verdadeiro, tanto público quanto privado, como qualquer cristão. Isso quer dizer, não poderiam ser roubados de sua propriedade, fossem cidadãos comuns ou príncipes, com fundamento em que não eram os verdadeiros donos (ueri domini)39. Vitoria e seus seguidores argumentaram que os indígenas eram tão merecedores de respeito por suas vidas, propriedades, e terras quanto qualquer espanhol. Eles tinham direitos e violá-los era uma injustiça que deveria ser combatida. As ideias de responsabilidade moral e direitos tiveram um impacto grandioso no pensamento sobre o ser humano; não era o acaso do nascimento que importava, mas se o indivíduo era um agente moral, responsável por suas escolhas e ações. Ao mesmo tempo, os defensores da liberdade religiosa insistiram, e frequentemente pagaram com suas vidas por fazê-lo, que como os seres humanos eram seres responsáveis, capazes de raciocínio, deliberação e escolha, a consciência deveria ser livre e a religião deveria ser uma questão de escolha, não de compulsão. A liberdade de credo era um direito, não um privilégio concedido por aqueles que estavam no poder. O teólogo João Calvino tinha defendido o assassinato em Genebra do seu crítico, Miguel Servet, por pregar uma interpretação diferente do evangelho, sob o fundamento de que os governantes eram obrigados a defender a verdadeira fé. O grande defensor da liberdade religiosa do século XVI, Sebastian Castellio, respondeu diretamente a Calvino: “Matar um homem não é defender uma doutrina, é matar um homem. Quando os genebrinos mataram Servet, eles não defenderam uma doutrina, eles mataram um homem”40. Uma doutrina deveria ser defendida com palavras para mudar mentes e corações, não com armas de fogo para queimar o corpo de um indivíduo do qual discorda. Como o poeta inglês John Milton notou em seu argumento pioneiro em prol da liberdade de imprensa, Areopagitica, “Aqui a boa prática para discernir sobre o que a lei é para restringir e punir, e em quais coisas a persuasão funcionará”.41 Aqui reside a boa prática de discernir no que a lei deve ordenar a ser restringido e punido, e em quais circunstâncias onde somente a persuasão deve ser utilizada”. Esses pioneiros da liberdade que insistiam no respeito por direitos iguais, independente da religião, raça, gênero, ou outras características acidentais das pessoas se depararam com um grande desafio nos defensores do regime absolutista ou teocrático. Eles responderam que se cada pessoa tivesse o direito de administrar sua própria vida, não haveria um plano geral para a sociedade, e então o caos e a desordem seguiriam. É imprescindível haver um chefe, os absolutistas e os teocratas diziam, alguém com o poder para prever problemas futuros, impondo a ordem às massas desordenadas. De outra maneira, você não saberia o que produzir, o que fazer com a produção ou como adorar a Deus, que roupa usar, quanto gastar ou poupar. Ordem espontânea 39 VITORIA, Francisco de. On the American Indians. Political Writings. Ed. Anthony Pagden e Jeremy Lawrance. Cambridge: Cambridge University Press, 1991, p. 250-251. 40 Citado em ZAGORIN, Perez. How the Idea of Religious Toleration Came to the West. Princeton: Princeton University Press, 2003. p. 119. 41 John Milton, “Areopagitica: A Speech of Mr. John Milton for the Liberty of Unlicenc’d Printing, to the Parliament of England” [1644]. [1644], in Areopagitica and Other Political Writings of John Milton. Indianapolis: Liberty Fund, 1999), p. 23. Após, John Locke argumentou em sua famosa carta sobre tolerância: “Uma coisa é persuadir, outra é comandar; uma coisa é pressionar com argumentos, outra, com punições.” John Locke, “A Letter on Toleration,” in The Sacred Rights of Conscience, ed. Daniel L. Dreisbach and Mark David Hall. Indianapolis: Liberty Fund, 2009. p. 47. Por si só, o principio moral do respeito pelas pessoas não foi capaz de enfrentar aquela afirmação, até que os cientistas sociais começassem a desvendar os segredos das ordens complexas. Assim como os entomologistas modernos descobriram que a ordem complexa de uma colmeia não é “governada” por uma rainha que exerce poder absoluto e dá ordens a outras abelhas - como foi amplamente aceito por milênios – também os primeiros cientistas sociais descobriram que sociedades humanas complexas não são “governadas” por quaisquer humanos com tais poderes - dizendo aos produtores de leite quando devem ordenhar as vacas e quanto cobrar pelo leite (estipulando o valor da moeda) ou dando ordens de maneira autoritária para impor a ordem social de modo geral. Em vez disso, como aprenderam, se você deseja uma sociedade ordenada e prospera, você deveria confiar na máxima “Deixe fazer, deixe passar, o mundo vai por si mesmo” como expressada pelo intelectual libertário Jacques Claude Marie Vincent de Gournay no século XVIII42. Sistemas complexos não podem ser simplesmente comandados. O idioma, a economia de mercado, o direito consuetudinário, e muitas outras formas complexas de coordenação entre pessoas desconhecidas emergem, não por meio da imposição coerciva de um plano oriundo da mente de um grande líder (ou das mentes de um comitê), mas como subprodutos da interação das pessoas que seguem regras relativamente simples, assim como bandos de pássaros, cardumes de peixes, e enxames de abelhas exibem formas complexas de ordem sem uma mente ordenadora. Não é uma coisa fácil de entender. Quando observamos um conjunto de coisas ordenadas, tendemos a procurar pelo ordenador. Quando vejo uma fileira de cadeiras bem organizada, eu automaticamente pergunto: “quem colocou as cadeiras em ordem?” Contudo, a maioria das ordens, incluindo a ordem da economia de mercado, é, como argumentou o prêmio Nobel em Economia, James Buchanan, definida no processo de sua emergência: “a ‘ordem’ do mercado emerge somente do processo de troca voluntária entre os indivíduos participantes. A ‘ordem’ é, em si, definida como o resultado do processo que a gera, e o que a gera, o resultado da alocação-distribuição, não pode existir independentemente do processo de troca. Ausente esse processo, não pode existir ‘ordem’43. Isso não é facilmente entendido pela mente humana, já que parecemos predispostos a procurar por ordenadores sempre e quando observamos a ordem. Mas quando procuramos, o que achamos são ordens complexas emergindo de princípios relativamente simples. Esse também é o caso da emergência de ordens complexas da cooperação humana. Uma vez que você entende como direitos bem definidos e legalmente seguros tornam possíveis formas de ordem muito mais complexas e a cooperação humana, a ideia dos direitos torna-se muito mais plausível. Mas como os protegemos? Aqui é onde o terceiro pilar do tripé libertário é necessário. Governo constitucionalmente limitado Direitos são concretizados e protegidos das mais diversas formas. Pessoas que usam seus próprios punhos para lutar contra a agressão ou seus próprios pés para fugir estão defendendo seus direitos à vida, à liberdade e à propriedade. Nós também protegemos nossos direitos por meio da compra de cadeados para nossas portas e sistemas de ignição com chaves para os nossos veículos, ambos os quais mantem potenciais violadores de direitos fora do que é nosso. Mas um mundo no qual teríamos que confiar somente na nossa própria força para nos defender ou unicamente em cadeados e chaves, seria provavelmente um mundo no qual os mais fortes dominariam os mais fracos. É por isso que as pessoas formam associações, de diversos tipos, para sua própria defesa. Nas sociedades livres modernas, nós 42 Em sua obra póstuma Elegy to Gournay, seu amigo e estudante, Anne-Robert-Jacques Turgot, observou que Gournay entendeu a tolice que envolvia a imposição de monopólios e “padrões” aos mercados, onde os consumidores, na verdade, não demandavam. Como Turgot escreveu, Gournay “estava extasiado ao ver que um cidadão não poderia fazer ou vender algo sem ter comprado previamente o direito de fazê-lo, sob grande custo em uma corporação,” isto é, aquele que primeiro havia comprado de uma guilda monopolística tinha o direito de controlar o comércio e vender bens aos consumidores. “Ele estava longe de imaginar que esse pedaço de coisa, por não estar de acordo com certas regulamentações, poderia ser cortado em fragmentos de três côvados de comprimento, e que o pobre homem que o fez deve ser condenado a pagar uma multa, suficiente para levar ele e sua família à mendicância.” TURGOT, Anne R. Jacques. “Éloge de Gournay,” In: Western Liberalism: A History in Documents from Locke to Croce, ed. E. K. Bramsted e K. J. Melhuish. London: Longman, 1978. p. 305. 43 BUCHANAN, James. “Order Defined in the Process of Its Emergence: A note stimulated by reading Norman Barry, ‘The Tradition of Spontaneous Order,’” Literature of Liberty, v. 5, n.4, 1982. In: http://oll.libertyfund.org/title/1305/100453 no dia 23/03/2013. raramente recorremos à violência imediata para nos defendermos (embora seja ocasionalmente necessário); por um lado, de um modo geral, a violência diminui ao passo que os ganhos potenciais da violência diminuem em comparação às perdas que os agressores podem sofrer como consequência da agressão original. Para a maioria das pessoas, a violência é uma característica cada vez menos presente na interação social (exceto, é claro, a violência do Estado, a qual eventualmente resulta em centenas de milhares ou milhões de mortes). Nós confiamos em agências especializadas para nos ajudar a resolver disputas (tribunais e arbitragem) e defender nossos direitos (agências de segurança e a polícia). O perigo é que, quando autorizamos as pessoas a usar a força, mesmo se unicamente para defender direitos, podemos ser vítimas daqueles que autorizamos a nos defender. O problema é frequentemente descrito nas palavras do poeta romano Juvenal, “Quis custodiet ipsos custodes?” — quem vigia os vigilantes? Aquelas tradições podem remontar aos antigos pactos para limitação dos poderes reais, tais como a Carta Magna na Inglaterra e a Bula Dourada na Hungria, ou formas mais recentes de federalismo, como na Suíça, Austrália, Estados Unidos, e na Alemanha e Áustria do pós-guerra. Os dois últimos implantaram estados federais como forma de evitar outra catástrofe semelhante ao nacional-socialismo do Terceiro Reich, o qual afundou a Europa numa terrível guerra. A implantação nunca será perfeita e varia amplamente de acordo com a história do país, e a força das diferentes instituições e outros fatores; contudo, as restrições constitucionais ao poder são o importante terceiro pilar do libertarianismo44. Liberdade, ordem, justiça, paz e prosperidade Quando os governos são limitados a proteger direitos individuais claramente definidos e oferecer e impor regras de conduta justa, os indivíduos disfrutam da liberdade de conduzir seus próprios assuntos e de buscar a felicidade a sua maneira. A sociedade será caracterizada por maiores níveis de ordem complexa e coordenação do que teria sido possível se o governo buscasse diretamente criar tais ordens por meio da coerção. O tripé libertário é construído pelos elementos – direitos individuais, ordem espontânea e governo constitucionalmente limitado – que têm uma longa história. Um mundo livre será, obviamente, um mundo imperfeito, já que será composto por pessoas imperfeitas, nenhuma das quais com poderes coercivos, pois mesmo os melhores sucumbirão à tentação de exercer o poder de forma arbitrária, vitimando os outros e praticando a injustiça. É por isso que os mecanismos constitucionais são necessários para a restrição do poder. Mas o libertarianismo não é somente uma visão de limitação. É também uma visão de progresso social, científico e artístico; de coexistência pacifica e respeito mútuo entre uma miríade de formas diferentes de vida e cultura; de indústria, comércio e tecnologia que erradica a pobreza e combate a ignorância; de indivíduos livres, independentes e dignos no gozo dos seus direitos. O libertarianismo oferece um projeto intelectual, uma forma de entender e de relacionar ideias, e um projeto prático: a realização de um mundo de liberdade, justiça e paz. Para aqueles com coragem para abraçá-lo, o projeto de liberdade é realmente inspirador. 44 Alguns libertários acreditam que a ordem constitucional sem o monopólio da lei ou do uso da força defensiva, ou seja, sem um Estado, é tanto possível quanto desejável. Veja, por exemplo, BARNETT, Randy E. The Structure of Liberty: Justice and the Rule of Law. Oxford: Oxford University Press, 2000; HUEMER, Michael. The Problem of Political Authority, op. cit., Bruce L. Benson, The Enterprise of Law: Justice Without the State. Oakland: Independent Institute, 2011. Minha breve resenha sober “The Case for Ordered Liberty Without States” pode ser encontrada em http://www.libertarianism.org/publications/essays/case-ordered-liberty-without-states. Onde quer que a liberdade possa ser aproveitada sem um Estado é algo discutido entre libertários, porém, a mera inexistência de um Estado não é o mesmo que a presença da liberdade, pois a liberdade depende crucialmente de instituições de lei e justiça. A questão sobre a qual não há um consenso geral é sobre se a lei e a justiça podem ou não existir sem um provedor monopolista Capítulo 5 “Os tempos estão mudando”: libertarianismo como abolicionismo Por James Padilioni, Jr. Uma das maiores causas libertárias de todos os tempos foi a campanha para a abolição da maior violação da liberdade: a escravidão. Esse espírito transforma o libertarianismo em uma força política entre os jovens. James Padilioni, vice-presidente do Conselho Executivo norteamericano do Students For Liberty e membro do Conselho Executivo Internacional, é estudante de graduação em Estudos Americanos no College of William and Mary. “É minha profunda, sólida e deliberada convicção de que essa é uma causa pela qual vale morrer”, concluiu Angelina Grimke em uma carta de 1835. A carta era endereçada a William Lloyd Garrison, editor do The Liberator, a publicação mais famosa em prol do abolicionismo da época. A causa era o fim da escravidão. Ela relembrou Garrison de que “a sua luta é sagrada: nunca, nunca se entregue” 45. O movimento abolicionista não era meramente uma tendência social. Ele se incorporou às decisões conscientes de muitos indivíduos a entrar para a história, contestando a visão dos seus conterrâneos, buscando mudar as suas opiniões sobre o tema. A escravidão tinha existido desde o início da história, e como Orlando Patterson notou, “não existe nada peculiar, digno de nota, sobre a instituição da escravidão... não existe região da Terra que, em algum momento, não a tenha abrigado. Provavelmente, não existe um grupo de pessoas cujos ancestrais não tenham sido escravos ou donos de escravos”46. A onipresença da escravidão ao longo da história deu à instituição certa legitimidade, a legitimidade pela familiaridade, uma que todas as tradições de longa data – culturais, sociais e políticas – tendem a desenvolver. Contudo, depois da articulação e promoção das ideias dos direitos individuais, governo limitado, e economia política durante o Iluminismo, a evolução da consciência moral atrelada àquelas ideias não poderia mais coexistir pacificamente com a coerção, ilegalidade e controle violento imposto aos escravos 47. Isso foi particularmente verdade após a adoção da Declaração da Independência e sua insistência na afirmação de que “todos os homens são criados iguais”. Inspirados pela sua recém-fundada consciência moral, os primeiros libertários, incluindo os líderes dos movimentos abolicionistas, trabalharam para criar um mundo no qual as instituições da lei, política e cultura estariam em harmonia com a liberdade. Aos abolicionistas, a causa justa da liberdade pesava mais que a magnitude da tarefa que lhes aguardava; na verdade, a realidade sombria do seu presente serviu como catalizador para o seu ativismo. Inabaláveis em sua convicção de que “a liberdade pessoal de um indivíduo nunca [poderia] ser a propriedade de outro”, lançaram a maior campanha de direitos humanos da história48. Encorajados pelo sucesso do abolicionismo, os liberais se voltaram à condição desigual das mulheres na sociedade, as quais eram, segundo as palavras de Mary Wollstonecraft: “tratadas como um tipo de ser subordinado, e não como parte da espécie humana”49. Em 1848, abolicionistas destacados como Elizabeth Cady Stanton, Lucretia Mott e Frederick Douglass se encontraram em Nova Iorque na Convenção de Seneca Falls para tratar da questão diretamente, resultando na Declaração dos Sentimentos. Parafrasearam trechos da Declaração de Independência, eles proclamaram: Nós consideramos essas verdades autoevidentes: que todos os homens e mulheres são criados iguais; (...) A história da humanidade é a historia de repetidos danos e usurpações de parte do homem para com a mulher, tendo como objetivo central a criação de uma tirania 45 GRIMKE, Angelina Grimke. Slavery and the Boston Riot. The Liberator.1837 PATTERSON, Orlando. Slavery and Social Death: A Comparative Study. Cambridge: Harvard University Press, 1982. 47 Para a contribuição do Iluminismo nos conceitos de liberdade individual e direitos naturais, ver ZAFIROVSKI, M. The Enlightenment and Its Effects on Modern Society. New York: Springer, 2011. Em especial, na página 40, na qual ele observa: “sem dúvida, liberdades individuais e escolhas, direitos civis, uma esfera privada ou privacidade, autonomia pessoal, satisfação, bem-estar, vida humana, e liberdade são firmemente estabelecidos e considerados valores e instituições dados como certos na sociedade ocidental moderna e em outras sociedades, não apenas nos Estados Unidos... Se assim for, então eles são o primeiro e principal produto e legado do Iluminismo e seu individualismo liberal-secular.” 48 DOUGLAS, Frederick. What to the Slave is the Fourth of July? 1852; L. M. Child, An Appeal in Favor of that Class of Americans Called Africans, 1833. 49 WOLLSTONECRAFT, Mary. A Vindication of the Rights of Woman, 1792. In: A Vindication of the Rights of Men and A Vindication of the Rights of Woman, ed. Sylvana Tomaselli. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, p. 74. 46 sobre ela (...) na visão das leis injustas supracitadas, e porque as mulheres se sentem afligidas, oprimidas e fraudulentamente privadas de seus direitos mais sagrados, insistimos que elas tenham admissão imediata a todos os direitos e privilégios que a elas pertencem como cidadãs dos Estados Unidos50. Eles não eram ingênuos quanto ao enorme desafio que tinham pela frente. Educar a sociedade para a adoção de novos valores e a mudança de velhos hábitos não seria fácil e suas visões com respeito à mudança histórica refletiam tal temor. Frederick Douglass enfatizou: Permita-me dizer algumas palavras sobre a filosofia da reforma. Toda a história do progresso da liberdade humana mostra que todas as concessões já feitas a essa ilustre causa foram a duras penas. O conflito tem sido excitante, agitado, cativante e, até o momento, nos mantivemos focados. Deve-se fazer isso ou nada. Se não há conflito, não há progresso. Aqueles que professam a liberdade e, ao mesmo tempo, censuram vivamente a agitação, são homens que querem colher sem arar a terra; querem chuva sem trovões e relâmpagos; querem o oceano sem o terrível bramido de suas águas. Esse esforço pode ser moral, ou pode ser físico, ou pode ser tanto moral quanto físico, mas deve ser um tipo de esforço. O poder não concede nada sem uma reivindicação. Nunca concedeu e nunca concederá 51. Do mesmo modo, os reformadores em Seneca Falls estavam plenamente conscientes de que “diante do grande desafio, prevemos grandes doses de concepções errôneas, má interpretação e ridicularização”. No entanto, eles prosseguiram, sem se intimidar pelo medo e impulsionados pela sua crença na justiça de sua causa: a igual liberdade para todos os seres humanos52. Antes que alguém acredite que a história da luta contra a escravidão é unicamente americana, é importante ressaltar que ela ocorreu em outras partes do mundo. (Inclusive, para a minha tristeza, afirmo que ainda é uma luta inacabada em alguns lugares). O tráfico de escravos e a escravidão foram abolidos no Império Britânico, graças ao boicote dos consumidores ao açúcar produzido por escravos e às manifestações incansáveis de figuras como William Wilberforce, cujos 50 anos de trabalho em prol da liberdade são elegantemente retratados no filme Amazing Grace (no Brasil, Jornada pela Liberdade). Outras formas menos brutais e esmagadoras de sujeição também foram varridas pelas ondas da agitação libertária. A servidão, em particular, desintegrou-se como instituição na Europa Ocidental, e foi esmagada e desmantelada na Europa Oriental devido à cruzada lançada pelos reformadores liberais. A libertação dos judeus de seu status de subordinados e a sua conquista de direitos civis plenos também foi fruto da agitação liberal. Enquanto a mensagem liberal varria o mundo, mudando corações e mentes, outras históricas formas de opressão foram desmanteladas. A convicção no poder do livre comércio e dos mercados, por exemplo, estimulou o desempenho da Liga da lei Anti-Milho, na Inglaterra, no início do século XIX, a qual obteve êxito na abolição das tarifas que mantinham o preço do milho inglês elevado. Pelo bloqueio (ou sobretaxação) das importações, essas leis beneficiavam os plantadores de grãos com conexões políticas à custa dos pobres da Inglaterra, que então gastavam grande parte de sua renda em comida. As Leis do Milho eram, como bradou o grande Richard Cobden, responsáveis pelo “desconforto geral... que se espalha pelo país”, e em 1849, ele e seus colegas, que tinham lutado por mais de 30 anos pela sua revogação, testemunharam o triunfo do livre mercado sobre o protecionismo 53. A ideia da liberdade, seja pela denominação liberalismo, liberalismo clássico ou libertarianismo, tem transformado nosso mundo. Ela tem sido especialmente exitosa no estabelecimento de profundas e duradouras mudanças, já que depende não de um acordo unânime e rígido sobre meios, mas sim do reconhecimento de que existem muitos caminhos ao longo dos quais um indivíduo pode gerar a mudança social. Por exemplo, enquanto alguns abolicionistas norte-americanos formaram o Partido Liberal em 1848, adotando a obra The Unconstitutionality of Slavery (tradução livre, A Inconstitucionalidade da Escravidão) - como sua plataforma partidária), outros escolheram trabalhar em movimentos reformistas não eleitorais. Eles defendiam que qualquer “reforma política tornar-se-á realidade unicamente através de uma mudança na perspectiva moral das 50 Declaration of Sentiments and Resolutions, Seneca Falls Convention, http://ecssba.rutgers.edu/docs/seneca.html. Acessado em 18 de fevereiro de 2013. 51 DOUGLASS, Frederick Douglass. West India Emancipation Address. 3 de agosto de 1857. 52 Declaration of Sentiments. 53 COBDEN, Richard. Speeches on Questions of Public Policy. Ed. J.E.T. www.econlib.org/library/YPDBooks/Cobden/cbdSPP14.html. Acessado em 22 de fevereiro de 2013. 1848. Rogers, pessoas; não tentando provar que é o dever de todo o abolicionista ser um eleitor, mas que é o dever de todo o eleitor ser um abolicionista” 54. E apesar da ironia de importantes abolicionistas como Wendell Phillips: “nós não brincamos de política”, os abolicionistas, em última instância, obtiveram sucesso moral e político55. Como o historiador intelectual Louis Menard constatou, “Os abolicionistas não eram apolíticos. A renúncia política foi o segredo de sua política”56. A mudança politico-institucional é complexa, porém necessária para a experiência da liberdade. Leis injustas devem ser repelidas, e a opressão desfeita, para que os seres humanos sejam livres. Aquelas mudanças são, ao mesmo tempo, causa e efeito das mudanças nas mentes dos seres humanos; não só mudanças na forma como pensam, mas também na forma como agem. Os libertários podem focar na mudança de ideias, de leis, de instituições ou de outros elementos da sociedade. Não há um caminho único para o avanço da liberdade; existem quase tantas vias quanto existem capacidades, interesses e paixões humanas. A mudança de percepção pode ter um impacto enorme sobre as instituições. Essa mudança de percepção do escravo – “Não sou um homem e um irmão?” foi o lema do camafeu comercializado pelo grande empresário Josiah Wedgwood que promoveu a causa abolicionista – teve seu impacto. A mudança de percepção recente dos gays nos Estados Unidos ajudou a gerar grandes mudanças, primeiro no setor privado, onde as empresas introduziram políticas para atração e retenção de empregados gays, e então no setor político, com a crescente descriminalização das relações homossexuais pelos estados (é difícil imaginar que as pessoas eram presas por anos, em um sofrimento cruel, por amarem outra pessoa), a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou as “leis contra a sodomia” uma violação inconstitucional à liberdade, e os estados começaram a estabelecer direitos iguais para o casamento entre gays. Para retornar à causa definitiva da abolição da escravidão, é bom lembrar que os abolicionistas não abraçaram a causa para apenas ser “do contra”. Sabendo que a luta seria longa e difícil, eles sabiamente empregaram a persuasão moral, a educação social, a agitação política e muitas outras técnicas para eliminar a escravidão e, posteriormente, a subjugação das mulheres. Muitos desses reformadores começaram sua jornada ainda jovens; não permitiram que sua visão de um futuro livre e justo fosse ofuscada pelo conformismo, pela “praticidade”, por falsos apelos a um pseudo-realismo que insistia que um indivíduo só progride se segue o fluxo, que um indivíduo desiste de seus sonhos de justiça e liberdade em prol da atividade prática de conseguir um emprego, um bom cargo na universidade, uma posição no governo ou na Igreja, ao baixo custo de desviar os olhos da injustiça. Aquele que se comprometeram com a tarefa da eliminação da pobreza tinham os olhos abertos. Eles viram a realidade ao seu redor e recusaram a aceitá-la. Nós somos os beneficiários da sua visão. A filosofia da liberdade é alimentada pelo conhecimento de que as injustiças de hoje não precisam continuar no futuro. Culturas podem mudar. Ideias podem mudar. A política e as instituições podem mudar. É isso que une os liberais clássicos do passado aos jovens libertários do presente. É a energia dos jovens, juntamente com a percepção intelectual da promessa e do imperativo da liberdade humana individual, impulsionada pela paixão de ver a injustiça derrotada. É uma combinação potente, sem dúvida. Os jovens libertários do presente percorrem um caminho que foi trilhado pelos libertários do passado. Herdamos muito, mas o trabalho está longe de acabar. Toda a lei que estabelece barreiras às transações voluntárias e que limita a liberdade de pensamento e expressão deve ser abolida; todo o ato de roubo, coerção e violência deve ser resistido. Resta a nossa geração seguir aquele caminho, como nossos antepassados o fizeram antes de nós. O status quo não pode, e não irá, ser o status quo para sempre; essa é a natureza da mudança. Nós criamos o futuro que queremos. A geração anterior se mobilizou para se opor à guerra e aos males da segregação racial. O movimento foi descrito na letra emocionante de Bob Dylan: “Sua velha estrada está se 54 BIRNEY, James G. A Letter on the Political Obligations of Abolitionists, with a Reply by William Lloyd Garrison. Boston: Dow and Jackson, 1839. p. 32. 55 PHILLIPS, W. Philosophy of the Abolition Movement (1853). Speeches, Lectures, and Letters. Boston: Lee and Shepard, 1884. p. 113. 56 MENARD, L. The Metaphysical Club: A Story of Ideas in America. New York: Farrar, Sraus, Giroux, 2001. p. 13. deteriorando rapidamente / Por favor, saia da nova / Se você não puder me ajudar / Porque os tempos estão mudando”57. Foi com essa determinação que William Lloyd Garrison, nos seus 25 anos, audaciosamente lançou sua publicação, The Liberator: Serei tão duro quanto a verdade, e tão descompromissado quanto a justiça. Desse tema, não quero pensar, falar ou escrever com moderação. Não! Não! Diga a um homem cuja casa está em chamas a soar levemente o alarme; diga-lhe que calmamente resgate sua mulher das garras do violador; diga à mãe para gradualmente liberar seu bebê das chamas; mas não insista para que eu seja moderado em uma causa como essa. Estou decidido – não me equivocarei – não pedirei desculpas – não vou recuar um único centímetro – E SEREI OUVIDO!58. Nós, os Estudantes pela Liberdade, somos abolicionistas. E seremos ouvidos! 57 58 B. Dylan, “The Times They Are A-Changin’”. Columbia Records, 1964 GARRISON, W. L. The Liberator, 31 de janeiro de 1831. Capítulo 6 O princípio político da liberdade Alexander McCobin Uma ideologia ou teoria política têm três componentes: justificação, princípio e política. O libertarianismo está situado em nível de princípio, o que permite aos libertários se inspirarem em uma ampla variedade de tradições filosóficas, religiões e estilos de vida. Alexandre McCobin, presidente e cofundador do Students for Liberty e doutorando em filosofia na Georgetown University, mostra como e porque o libertarianismo tem um apelo universal. O que é o libertarianismo? E o que ele não é? É um sistema filosófico abrangente que explica o significado da existência, da verdade, da arte e da vida? É uma filosofia moral que explica como levar uma vida melhor? Ou é uma filosofia política que torna possível a coexistência de muitas filosofias pacíficas de vida e moralidade, uma estrutura para a interação social voluntária? É de benefício geral uma explicação clara sobre o significado do termo. Indo direto ao assunto, o libertarianismo é uma filosofia política que prioriza o princípio da liberdade. Em poucas palavras, você pode ser um libertário e ser um hindu, um cristão, um judeu, um muçulmano, um budista, um deísta, um agnóstico, um ateu ou um seguidor de qualquer outra religião, desde que você respeite os direitos iguais dos outros. Você pode gostar de hip hop, concertos de Rachmaninoff, reggae, Brahms, opera chinesa, ou qualquer outro tipo de música, ou de nenhum tipo. Eu poderia seguir com os exemplos, mas já bastam os mencionados. O libertarianismo não é uma filosofia da vida, do amor, da metafísica, da religião, da arte ou do valor, embora seja certamente compatível com uma variedade infinita dessas filosofias. Os princípios que fundamentam as posições políticas de um indivíduo às vezes se tornam claros quando perguntamos: “deveríamos nos preocupar mais com o cumprimento da Constituição ou com a ajuda aos pobres?” Questões como essa às vezes relevam os princípios que as pessoas priorizam e sobre os quais fundamentam suas visões. A justificação daqueles princípios é quase sempre reservada aos debates filosóficos, quando se pergunta, por exemplo: “a liberdade deveria ser preferível à igualdade?” ou “por qual padrão decidimos entre a Constituição e as necessidades dos indigentes?”. O libertarianismo não é uma filosofia política completa, que oferece uma orientação definitiva em todas as questões, da justificação às prescrições de políticas. O libertarianismo é definido pelo compromisso com o princípio da doutrina do meio-termo da liberdade. Esse princípio pode ser justificado por várias pessoas, de várias formas. Na verdade, o princípio da liberdade pode ser – e frequentemente é – justificado como um princípio sob vários padrões; pode ser justificado com base no respeito pela autonomia e na geração de prosperidade para todos. Não há necessidade de escolha do que é “a verdadeira justificação” se ambas convergem para o mesmo princípio. Além disso, a aplicação do princípio da liberdade às questões políticas pode levar ao debate e à discordância, dependendo da avaliação das circunstâncias, dos fatos do caso e de outros detalhes. Deve-se enfatizar que o compromisso com o princípio politico da liberdade não requer que o libertário endosse o que as pessoas fazem com sua liberdade. Um indivíduo pode condenar outrem por conduta vergonhosa, imoral, rude ou irresponsável enquanto defende o direito daquela pessoa a se comportar dessa forma, desde que, é claro, o comportamento dela não prejudique os direitos dos outros. O princípio político da liberdade Os compromissos do libertarianismo estão limitados ao nível de princípios. De modo específico, o libertarianismo compromete-se ao princípio da presunção da liberdade: todas as pessoas deveriam ser livres para fazer o que quisessem com suas vidas e seus direitos, ao menos que exista razão suficiente (a violação de um direito igual dos outros) para restringi-los. Todo o ser humano tem o direito à liberdade. Defensores de outras filosofias políticas baseiam suas recomendações políticas em outros princípios, tais como: Fraternidade – o princípio de que as pessoas deveriam ser responsáveis pelas vidas dos outros. Igualdade de resultados – o princípio de que as pessoas deveriam alcançar resultados iguais, do ponto de vista social e econômico, a despeito de suas diferenças. Alguém poderia perguntar: não existe uma forma melhor para articular o princípio da liberdade? Talvez. O lema do Cato Institute é “liberdade individual, governo limitado, livre mercado e paz”. Essa é a melhor forma de expressar o princípio da liberdade, ou é enganoso segmentar aquele princípio em diferentes áreas, já que, por exemplo, “livre mercado” e “paz” poderiam ser vistos como meras facetas diferentes do princípio da liberdade? A melhor ou mais útil formulação pode depender das circunstâncias, e como o Cato Institute é primariamente um instituto de pesquisa de políticas públicas, sua formulação parece funcionar bem para eles. Justificações para a Liberdade Uma filosofia que defende um princípio ou grupos de princípios e rejeita outros necessita de uma justificação para sua escolha. A escolha entre princípios requer justificação. Alguns podem argumentar que “cada pessoa é dona de si e, portanto, pode tomar todas as decisões com respeito ao seu corpo e propriedade”, mas mesmo isso requereria não somente mais articulação (por exemplo, o que é “propriedade” e quais atos são cobertos por essa definição), mas sim um nível mais profundo de justificação. Sem uma justificação, é somente uma alegação. Existe uma grande diversidade de justificações ao princípio da liberdade. Com o passar dos anos, muitas foram propostas, defendidas, debatidas e criticadas por libertários e continuam a serem debatidas nos dias de hoje. Abaixo, você pode verificar algumas delas, e a forma pela qual determinado pensador a defendeu: Utilidade – a liberdade deve ser o princípio da vida política, pois gera o bem maior ao maior número de pessoas (Jeremy Bentham); Autonomia – governo limitado e respeito por direitos iguais são a base apropriada para o respeito da autonomia dos agentes morais (Robert Nozick); A busca racional da vida e da felicidade por parte do indivíduo – a liberdade é uma exigência na busca da felicidade de acordo com a natureza humana (Ayn Rand); A Lei Natural e os Direitos Naturais – a liberdade é uma característica da natureza humana como um ser que é tanto independente quanto social (John Locke); Revelação – a liberdade é um presente (dádiva) de Deus, e dessa forma, ninguém tem o direito a assumir a responsabilidade de tomar do outro o que foi dado por Deus (John Locke e Thomas Jefferson); Harmonia – a liberdade emerge de um “sistema simples” que está de acordo com a habilidade humana de se colocar no lugar do outro (Adam Smith); Consentimento – o princípio da liberdade é justificado como resultado necessário de acordo mútuo entre agentes racionais (Jan Narveson); Humildade – a liberdade é justificada como um princípio de organização política porque ninguém pode saber o que seria necessário para comandar as vidas dos outros (F. A. Hayek); Justiça – a liberdade é justificada porque é a forma mais efetiva de beneficiar os menos abastados na sociedade (John Tomasi). Note que essa não é uma lista definitiva. Além disso, você pode confiar em mais que uma justificação para um princípio político. O ponto principal é que, embora o libertarianismo não necessite confiar exclusivamente em uma justificação particular, ele sempre tem alguma justificação. O libertarianismo como tal não está comprometido com qualquer justificação particular para o princípio da liberdade. O princípio da liberdade orienta a conduta humana, apesar de não ser um princípio autojustificável. Embora o libertarianismo não seja uma filosofia política completa, os indivíduos podem adotar o libertarianismo devido ao seu compromisso com valores profundamente justificados, tais como prosperidade humana, autonomia, razão, felicidade, preceitos religiosos, harmonia ou justiça. Um princípio, políticas diferentes Da mesma forma que existem múltiplas justificações para um princípio, existem variações entre os libertários no que tange à aplicação do princípio da liberdade. Existem debates abertos sobre uma pletora de tópicos, incluindo patentes e direitos de propriedade (direito de propriedade baseado na criatividade ou na concessão governamental de monopólio?), a pena de morte para condenados por assassinato (apenas uma retribuição ou um poder perigoso?), aborto (uma questão controversa, já que a interpretação do número de agentes envolvidos é dúbia), tributação (é puramente roubo, ou alguns impostos direcionados ao pagamento de bens públicos, tais como defesa, são legítimos?), políticas externa e militar (todos os libertários concordam que existe uma presunção contra a guerra, mas existe desacordo sobre o que seria suficiente para refutar tal presunção e justificar a força militar), e mesmo o casamento gay (o Estado deveria descriminalizar o casamento gay ou simplesmente abandonar por completo sua interferência, deixando tudo para a lei contratual?). Pessoas sensatas podem certamente discordar sobre como aplicar o princípio. Isso não significa que não existem políticas libertárias. Leis contra o assassinato, estupro, escravidão e roubo são fundamentais para qualquer sistema legal civilizado; sobretudo, elas deveriam ser aplicadas aos governos. Entretanto, não é óbvio, na maioria dos casos, que políticas específicas são requeridas para que se façam cumprir tais leis gerais. Esse é um ponto no qual pode haver diferenças de opinião. Os passos apropriados que governos ou cidadãos devem tomar para proteger os cidadãos e suas famílias da violência, por exemplo, estão sujeitos a debate. Medidas parciais também são uma questão a ser debatida. Por exemplo: os libertários deveriam apoiar a descriminalização do uso da maconha para fins medicinais, mesmo que uma aplicação consistente do princípio da liberdade descriminalizasse a maconha sem restrições quanto ao seu uso? Isso é um tipo de renúncia a um princípio ou um passo em direção a maior liberdade? Pessoas sensatas podem discordar. A diferença entre política e ética. O libertarianismo é uma filosofia política, não uma filosofia ética. A ética se preocupa em identificar o certo ou o bom, porque é o certo ou o bom. Embora relacionadas, a filosofia política está preocupada com uma área distinta da conduta humana: os tipos certos de relações que as pessoas podem ter umas com as outras. Existe uma frequente superposição entre essas áreas da filosofia porque ambas prescrevem códigos de conduta para os seres humanos e informam como as pessoas deveriam agir em sociedade. No entanto, são separadas de acordo à justificação oferecida do porquê um indivíduo deve seguir o código de conduta. Ações éticas são justificadas considerando que o agente está fazendo algo porque é um ser moral. Sua agência moral guia sua conduta em prol de uma ação correta. A ética começa com o agente moral individual e pergunta “como um indivíduo deveria agir por ser um agente moral?” O código de conduta em uma filosofia política, todavia, é justificado com fundamento de que o agente deve respeitar outros indivíduos como agentes morais particulares. É uma filosofia social que procura articular como as pessoas deveriam tratar umas as outras da perspectiva de interação com os outros. Ela pergunta: “como um indivíduo deveria agir por estar interagindo com outros indivíduos?”. Em outras palavras: a origem da moralidade é o ego: como as pessoas deveriam agir como seres humanos. A origem da filosofia política está no outro: a exigência de tratar os outros de forma justa, já que as outras pessoas são seres humanos. Isso não significa que as considerações éticas excluem as preocupações dos outros nos códigos de conduta. Para determinar qual seria uma ação ética em muitas situações, deveríamos considerar como nossas ações afetam os outros ou adotar os fins e as preocupações do outro como se fossem nossas. No entanto, o foco de nossa preocupação está ainda no comportamento moral do agente. A forma pela qual nos preocupamos com os indivíduos do ponto de vista ético é considerando-os como parte de nosso próprio comportamento (agência) moral. Em contraste, a forma pela qual nos preocupamos com os indivíduos de acordo com a filosofia política é considerando-os como agentes morais separados que merecem respeito e, portanto, requerem limites em nossa ação de maneira a respeitá-los. Como grande parte da atividade humana envolve a interação entre as pessoas, tanto as regras éticas quanto as políticas podem ser aplicadas às mesmas situações, o que às vezes leva as pessoas a associarem a filosofia política à ética. Algumas pessoas tentam legislar a moralidade, porque acreditam que se algo é imoral, obviamente, deverá ser ilegal. Se as pessoas não deveriam fazê-lo, então outras pessoas deveriam impedi-lo de fazê-lo. Uma resposta comum a tal postura é dizer que “as pessoas têm moralidades distintas” e não devem impor “sua moralidade” aos outros. Um indivíduo, todavia, não precisa abraçar o relativismo moral (a “minha moralidade” é tão boa ou válida quanto “a sua”) para abraçar a liberdade. Na verdade, tal relativismo seria uma fundação muito fraca para a liberdade, pois se todas essas alegações fossem tão boas quanto as outras, então porque a liberdade seria melhor do que a coerção? Uma variação desse argumento é que, embora possa haver uma moralidade universal, ninguém sabe exatamente qual é, então, devido a nossa ignorância quanto à moralidade correta, não devemos legislar qualquer tipo de moralidade. Mesmo sendo um argumento mais forte que o anterior, esse argumento ainda aceita a ideia de que “legislar a moralidade” seria legítimo se pudéssemos simplesmente determinar qual é o tipo correto de moralidade. Mesmo quando aceitamos que existe uma moralidade única e universal, e assumimos que é amplamente conhecida e aceita, legislar a moralidade por meio das instituições políticas seria ilegítimo, porque a moralidade se trata de uma parte distinta da experiência humana em comparação à filosofia política. A moralidade nos ajuda – acreditamos – a levar uma vida melhor. A lei nos ajuda a viver de forma justa com os outros. Algumas pessoas argumentam que a filosofia política não assentada em um tipo particular de ética não possui justificação. Mas se recorde do princípio que alimenta a filosofia política é uma doutrina do meio-termo. Ela ainda tem uma justificação (ou, talvez, múltiplas justificações), mas nenhuma que é intrínseca aos princípios do libertarianismo. Como destacado acima, pessoas com justificações distintas podem ainda concordar com o princípio comum. Nesse caso, a tolerância a tal diversidade é uma aplicação do princípio da liberdade, o qual permite uma variedade de visões e comportamentos éticos, desde que os mesmos direitos sejam disfrutados igualmente por todos. Na maioria das situações, a moralidade e a filosofia política podem realmente prescrever a mesma conduta: assassinato, estupro e roubo são certamente imorais e devidamente punidos por lei. Mas também há casos onde a moralidade pode exigir ou proibir uma ação sobre a qual a filosofia política não se pronuncia. Pode ser que a moralidade requer que você ame o seu vizinho como se fosse seu irmão ou irmã, mas a filosofia política – pelo menos a filosofia política libertária – não. Até mesmo o venerável São Tomás de Aquino argumentou que “a lei humana é proposta para um número de seres humanos, a maioria dos quais não são perfeitos na virtude. Como as leis humanas não proíbem todos os vícios, dos quais os virtuosos se abstêm, mas somente os vícios mais graves, dos quais é possível que a maioria se abstenha; e principalmente aqueles que são prejudicados por outros, sem a proibição da qual a sociedade humana não poderia ser mantida; então, a lei humana proíbe o assassinato, o roubo e assim por diante”. Existem muitas coisas que as pessoas consideram censuráveis, imorais, até mesmo corruptas do ponto de vista ético, mas de um ponto de vista da filosofia política se encontram na classe do permissível. A questão pela qual delineamos se algo é legitimamente proibível pela lei é: essa ação violaria os direitos do outro? Conclusão Libertários incluem pessoas de todas as correntes religiosas e não religiosas, defensoras de muitas filosofias diferentes, seguidoras de diversos estilos de vida, membros de grupos étnicos e linguísticos variados, mas todos são unidos pelo princípio comum da liberdade. Elas podem divergir no que tange a aplicações particulares do princípio, discordar de alguns fatos relevantes, e mesmo como consequência às vezes se encontrar em lados opostos de uma questão particular, embora se identifiquem com o mesmo princípio de liberdade. Aquele princípio as une quando lutam para eliminar leis que criam crimes sem vítimas, opor-se à tirania, defender a liberdade de comércio e de empreendimento, opor-se à violência agressiva, e geralmente apoiar a liberdade igual para todos. Eu convido aqueles que estão de acordo com o princípio político da liberdade a explorar as ideias libertárias mais seriamente: ler, pensar, debater, discutir sobre elas, comparando-as a outras filosofias políticas. Se você defende o princípio da liberdade, você é um libertário. A razão pela qual um indivíduo defende o princípio pode ser diferente das razões de outros libertários; essa é uma das formas pelas quais o libertarianismo se distingue da maioria das outras filosofias políticas, porque não requer unanimidade nas questões fundamentais, somente o respeito pelo fato de que cada pessoa tem um direito igual à liberdade. Um libertário pode discordar de outro no que tange às prescrições políticas mais adequadas a representar na prática seu princípio comumente defendido. É o princípio político da liberdade que define a filosofia do libertarianismo e une os libertários. Isso é tudo, mas não é o suficiente. Capítulo 7 Sem liberdade, não há arte: sem arte, não há liberdade Sarah Skwire A liberdade é importante para a arte, como é frequentemente defendido, mas a arte também é importante para a liberdade. A arte rompe com antigos padrões e nos faz pensar. A arte é impossível sem a liberdade, mas a liberdade é impossível sem a arte. Sarah Skwire é membro do Liberty Fund e autora do livro Writing with a Thesis (tradução livre, Escrevendo com uma tese). Ela obteve seu PhD em Língua Inglesa na Universidade de Chicago. Em 380 a.C., Platão argumentou que os poetas eram muitos perigosos para poderem viver na sua república ideal. Em 8 d.C., Ovídio foi exilado de Roma pois o que disse foi “um poema e um erro”. Em 722 d.C., o poeta japonês Asomioyu Hozumi foi exilado para a Ilha de Sado por criticar o imperador. Em 1642 d.C., o governo de Oliver Cromwell ordenou o fechamento de todos os teatros de Londres. Em 1815 d.C., Goya foi levado à Inquisição, a qual demandou saber quem tinha patrocinado seu quadro, “A Maja Nua”. Logo depois, perdeu sua posição como pintor da corte espanhola. Em 2012, a banda de punk rock Pussy Riot foi presa e sentenciada a 2 anos em uma colônia penal por cantar uma música contra o governo em uma catedral. Ser um artista sempre significou estar terrivelmente vulnerável à mão controladora do Estado. Nas décadas de 1920 e 1930, o “Grande Expurgo” de Stalin prendeu 2000 escritores, artistas e intelectuais. Aproximadamente 1500 morreram na prisão. O governo nacionalsocialista de Hitler criou: (1) o Ministério da Propaganda em 1933, o qual centralizava o controle de todas as formas de arte e (2) o campo de concentração de Theresienstadt, que serviu especificamente para prender e executar artistas e intelectuais. E até hoje não sabemos quantos artistas morreram, desapareceram ou tiveram suas vidas e suas obras destruídas para sempre durante a “década perdida” (1966-1976) da Revolução Cultural de Mao. Aqueles de nós que têm prazer na criação de formas de arte na liberdade ocidental desse século XXI, tem a sorte de não ter que pensar muito sobre liberdade artística. Quando efetivamente refletimos sobre a questão, ela nos parece meramente de natureza estética – uma liberdade criativa pessoal na escolha das ferramentas e do estilo que nos representam. Pensamos nela como a satisfação de nossos desejos de representar o que queremos e de utilizar as palavras que desejamos sem sermos obrigados a seguir diretrizes estilísticas restritivas. (como o pintor e fotógrafo Ben Shahn observou certa vez, livres para escolherem seu próprio rótulo, os artistas “não escolheriam nenhum”). Podemos não estar cientes que, em 2001, uma estação de rádio foi multada em 7 mil dólares pela FCC por reproduzir a música “Your Revolution Will Not Happen Between These Thighs” de Sarah Jones. E podemos até mesmo rir da ironia que um rap escrito como protesto contra a objetivação sexual das mulheres no hip hop foi caracterizado como “contendo referências sexuais patentemente ofensivas” que “parecem ter o objetivo de sexualizar e chocar”. Nós tendemos a desconsiderar esses exemplos aparentemente secundários de supressão. Na cultura ocidental do século XXI, a censura artística é para as pessoas de mente fechada, que se chocam com facilidade. É para os tolos que criticam Harry Potter alegando que encoraja o satanismo, ou para aqueles do Parental Music Resource Center (PMRC) que criam uma lista das “15 músicas mais abomináveis” do rock que são muito perigosas para as crianças. Como o dramaturgo Eugene O’Neill disse, “A censura de qualquer coisa, em qualquer momento e lugar da história, seja qual for seu pretexto, tem sempre sido e sempre será o último recurso dos estúpidos e intolerantes”. E sabemos disso, por isso rimos. Mas talvez não devêssemos. Pequenas multas e rótulos de advertências são fáceis de suportar, mas também pode fazer com que os artistas limitem seus assuntos e autosabotem a expressão total de sua criatividade. E esse é o primeiro passo para coisas muito piores. Não deveríamos esquecer, simplesmente porque temos maior liberdade artística, que a liberdade de criação é uma liberdade frágil. Não deveríamos esquecer o quão vulnerável somos. E não deveríamos esquecer com que frequência ao longo da história a arte foi censurada. Esquecer tudo isso seria uma tragédia, e não somente porque significaria a perda de nossa memória quanto aos sacrifícios feitos em prol da arte e da liberdade por aqueles que nos antecederam. Seria uma tragédia porque significaria perder de vista o poder que a arte tem na luta pela liberdade. Quero deixar claro aqui que, quando falo sobre o poder da arte na luta pela liberdade, não me refiro somente à arte didática – formas de expressão que promovem explicitamente a liberdade ou questionam o poder do estado. Certamente, aquele tipo de arte pode ser muito afetivo e efetivo. A arte contemporânea de rua produzida por artistas como Banksy e a música do cantor folk Frank Turner são exemplos claros do enorme impacto que aquele tipo de arte, se bem feita, pode ter. Mas mesmo a arte que não é criada com a intenção de promover a liberdade é arte que luta pela liberdade. A prisão e o julgamento da banda de rock tcheco The Plastic People of the Universe impulsionou a Revolução de Veludo não porque sua música era abertamente política, mas porque, como Václav Havel escreveu, “A liberdade para tocar rock’n´roll era entendida como uma liberdade humana e, portanto, como essencialmente igual à liberdade filosófica ou política e à liberdade de expressão”. Viver “dentro da lei” acaba sendo impossível se uma sociedade e seus membros não são livres para se expressarem por meio da arte. Eric Idle, membro do Monty Python, ajuda a explicar porque as palavras de Havel são verdadeiras: “pelo menos uma forma de se mensurar a liberdade de qualquer sociedade é a quantidade de comédia permitida: claramente, uma sociedade saudável permite mais comentários satíricos do que uma sociedade repressiva”, ele escreveu. Embora seja possível encontrar conteúdo abertamente político em algumas partes da obra Monty Python – em particular, A Vida de Brian e Monty Python e o Cálice Sagrado – o argumento de Idle sugere que a mera criação da comédia é um ato político, um ato que, por sua própria natureza, trabalha em prol da liberdade. O Papagaio Morto é, simplesmente por existir, tão importante para a causa da liberdade quanto o debate sobre a legitimidade de diferentes formas de governo no Cálice Sagrado. A “irreverência”, disse Mark Twain, “é o maior estandarte da liberdade e seu porto seguro”. A arte pode ser disruptiva. Independente da forma que tomar, força o observador a reajustar antigas ideias, reconsiderar antigas percepções, e reformatar velhas programações. Emily Dickinson disse, “se eu sinto fisicamente como se tivessem cortado o meu escalpo, eu seu que é poesia”. E. E. Cummings descreveu o mesmo sentimento quando escreveu que sua concepção de técnica poética poderia ser expressa “em 15 palavras, citando a ironia em The Eternal Question And Immortal Answer “Você agrediria uma mulher com uma criança? “Não, eu preferiria atingi-la com um tijolo”. E Margaret Atwood cria essa experiência na página para o leitor de seu poema, You Fit into Me: Você se encaixa em mim como um anzol num olho um anzol um olho aberto A arte acontece no momento que nossas percepções mudam: a pintura pontilista vista a um passo e, depois, do outro lado da sala; o contraste entre as versões cinematográficas da obra Henry V, de Shakespeare, por Lawrence Olivier e Kenneth Branagh; a insistência da arte pop em tratar os temas diários como obras de arte; a afirmação de John Cage de que o silêncio é sua própria música. A arte demanda um reajuste consistente de nossas expectativas e um reexame do que pensamos saber. A experiência da arte, como criador ou expectador, capacitanos a ter um pensamento flexível. Isto é, por si só, um tipo de liberdade. Mas não é somente a sensação de liberdade que acompanha nossa resposta estética que me faz dizer que a arte impulsiona a liberdade. A arte demanda que pensemos. Mas não demanda que pensemos somente em uma coisa. Ela nos concede a liberdade para expressar a multiplicidade de nossas opiniões. A arte, assim como a liberdade, não tem paciência para a ideologia. Walt Whitman escreveu: Eu me contradigo? Pois muito bem, eu me contradigo, Sou amplo, contenho multidões." Ralph Waldo Emerson igualmente observou que “uma coerência tola é o espantalho das pequenas mentes, adorada pelos pequenos homens de Estado, filósofos e sacerdotes. Uma alma grande não tem nada que ver com a consistência”. Para muitos artistas, a noção de ter uma opinião fixa e final sobre uma questão simplesmente não faz sentido. O entendimento emerge do processo de criação da arte – da mesma forma que o conhecimento emerge das interações em uma sociedade livre, ou os preços emergem das interações do livre mercado. Graham Wallas, cofundador da London School of Economics, uma vez escreveu: “a pequena garota tinha alma de poeta, e quando lhe foi dito que deveria ter certeza sobre o significado das coisas antes que falasse, disse, ‘como poderia saber o que penso até coloca-lo em palavras?’”. A arte nos permite decidir que pensamos odi et amo (tradução livre: eu odeio e amo, simultaneamente). Isso nos dá a chance de celebrar o heroísmo de Henry V enquanto lamentamos os custos da guerra. E revela que mais do que uma coisa pode ser verdade em um momento, que pode haver múltiplas perspectivas para um mesmo cenário. A arte permite que as ideias interajam de forma criativa. É precisamente desse tipo de interação criativa que surgem as maiores inovações. É o que o cientista Matt Ridley expressa quando diz que “você tem que entender como os seres humanos unem seus intelectos e permitem que suas ideias combinem e se recombinem, encontrem-se e, realmente, namorem. Em outras palavras, você tem que entender como as ideias fazem amor”. Esse é o tipo de espaço livre artístico e intelectual elogiado por Ronald Reagan – que era um ator muito antes de ser um político – quando disse que “em uma atmosfera de liberdade, artistas e patronos estão livres para pensar o impensável, e criar o audacioso; estão livres para cometer erros grotescos ou obras-primas”. Essas criações audaciosas – o fértil namoro de mentes – ocorrem em todo o lugar, mesmo sob as piores condições. Afinal de contas, a arte é produzida nos regimes mais opressivos e nas prisões mais escuras. Lindy Vopnfjord, músico e libertário, diz: “o desejo pela liberdade é a força mais poderosa de criatividade em um artista; é por isso que mesmo nos regimes mais opressores algumas das mais belas e poderosas obras de arte são feitas”. Lamentavelmente, algumas pessoas têm sugerido que a persistente vitalidade do espírito artístico em face da opressão sugere que, para a melhor arte, você precisa de um pouco de tirania. Frederico Fellini argumenta que “entregue à sua sorte, livre para fazer o que quiser, o artista acaba não fazendo nada. Se existe uma coisa que é perigosa para um artista, é precisamente essa questão de liberdade total, esperando por inspiração e tudo o resto que a acompanha”. Se o artista não tiver nada contra o que protestar, de onde virá o impulso criativo?”. Esse é um ponto de vista. Por outro lado, Albert Camus insiste que qualquer restrição deve ser autogerada. Ele escreve “sem liberdade, não existe arte; a arte vive somente das restrições que ela se impõe e morre por todas as outras”. Uma regra tomada de bom grado como um desafio artístico difere fundamentalmente de um ditame externamente imposto. Keats defende o mesmo argumento no seu poema, On the Sonnet, quando escreve: “se devemos ser restringidos... se não pudermos deixar a musa ser livre... ela será coroada de grinaldas próprias”. E assim nós devemos preservar nossa arte e protege-la daqueles que imporiam suas inaceitáveis restrições sob nossas audaciosas criações – seja por afirmar que o fazem “por nosso próprio bem” ou “pelo bem da sociedade”. Ivan Grigoryevich, o personagem central do romance Forever Flowing, de Vasily Grossman, argumentou que é fútil pensar em nossas liberdades artística, social e política como separáveis. Eu costumava pensar na liberdade como a liberdade de expressão, liberdade de imprensa, liberdade de consciência. Mas a liberdade é a vida na sua totalidade. Equivale a ter que lutar pelo direito de semear o que quiser, produzir sapatos ou jaquetas, assar o pão com a farinha oriunda do grão que você plantou e vendê-lo ou não, de acordo com sua vontade. Para o torneiro mecânico, o siderúrgico e o artista, é uma questão de ser capaz de viver e trabalhar da forma como você deseja e não como lhe é ordenado. E em nosso país não há liberdade – não para aqueles que escrevem livros, nem para aqueles que semeiam a terra, nem para aqueles que produzem sapatos. Artistas morreram por terem usado as câmeras, pincéis, canetas, cinzéis, instrumentos, e sapatos de dança que hoje usamos para fazer nossa arte. Depende de nós, então, usar as mesmas ferramentas para fazer nossa arte e nosso trabalho da forma que queremos, e tornar possível a arte e a liberdade dos outros. A arte é fruto da liberdade e, em contrapartida, dá origem à liberdade. É trivial e vital, grotesca e bela. Sozinha, não nos salvará. Mas sem ela, não podemos ser salvos. A arte, como Richard Wilbur disse, “é sempre uma questão, minha querida / de vida e morte, como eu havia esquecido”. Capítulo 8 O humilde argumento em prol da liberdade Aaron Ross Powell O libertarianismo é uma filosofia de implicações radicais. Essas implicações são derivadas, não de uma pretensão de conhecimento do que é melhor para os outros, mas de uma forte dose de ceticismo quanto ao conhecimento próprio de um indivíduo, isto é, o que utilizaria para controlar as vidas de outras pessoas. A humildade, virtude e resultado de uma atitude cética, é tanto um ingrediente de uma boa vida, como a fundação da liberdade. Aaron Ross Powell é pesquisador no Cato Institute e editor-chefe do Libertarianism.org, em vias de se tornar o maior portal online sobre libertarianismo. Ele obteve seu bacharelado em Direito na Universidade de Denver. Eu poderia estar errado sobre praticamente tudo. O que não sei supera tanto o que sei que meu conhecimento efetivo parece tão pequeno quanto um pequeno barco em um oceano de ignorância. Eu não me envergonho de admitir esse fato desagradável, não somente porque não há vergonha em admitir a verdade, mas também porque todo mundo está no mesmo barco. Nossa ignorância – o que não sabemos – sempre e consideravelmente supera nosso conhecimento. É verdade até mesmo para os mais educados e espertos. Reconhecer tal fato deveria nos tornar humildes. E essa humildade, tendo em vista a forma pela qual o governo opera, deveria nos tornar libertários. O libertarianismo é a filosofia da humildade, a qual nos aceita como somos e nos concede a liberdade de fazer o máximo dentro de nossas capacidades. E é a filosofia que compreende o quão prejudicial as falhas humanas podem ser quando associadas ao poder coercivo do governo. O libertarianismo limita os governantes porque reconhece que os governantes são apenas pessoas normais que exercem um poder extraordinário – e que o dano que aquele poder pode infringir com frequência supera o bem que pode prover. O libertarianismo é baseado na humildade e se recusa a tolerar a arrogância daqueles que se consideram superiores ou mais fortes do que os outros. Vamos começar analisando o que significa ter uma visão humilde de nossas pretensões de conhecimento. Cada um de nós certamente parece saber muito, do que comemos pela manhã ao número de luas que orbitam Marte. Nós sabemos que George Washington foi o primeiro presidente dos Estados Unidos da América, Boris Yeltsin foi o primeiro presidente da Federação Russa, e que dirigir bêbado é uma má ideia. Se analisarmos a história intelectual de modo geral, vemos uma convicção refutada após a outra. O que era uma verdade científica 300 anos atrás é, hoje, palavrório. Outrora, os mais brilhantes acreditavam que você poderia entender a mente e o caráter de um indivíduo através do estudo das protuberâncias de sua cabeça, teoria a qual recebeu um nome cientificamente pomposo: frenologia. Os sábios e os grandes pensadores estavam uma vez certos de que a Terra estava no centro do universo. Não é somente a ciência que não parece acertar sempre e de forma definitiva. Pessoas muito inteligentes argumentam sobre complexos problemas filosóficos desde sempre. Dois mil e quinhentos anos atrás, Platão pensou que tinha descoberto o real significado de justiça. Desde então, muitos filósofos dele discordaram – mas nenhum ofereceu uma alternativa que, em si, não fosse suscetível a um bom contra-argumento. Devemos sempre ser céticos quanto a alegações de conhecimento absoluto. Se você acredita que uma questão filosófica já foi resolvida, você está quase certamente errado. Se você acredita que a ciência, hoje, entende um tópico na sua totalidade, você provavelmente concluirá que não é assim dentro de alguns anos. Além disso, se somos devidamente céticos quanto ao conhecimento da humanidade em geral, devemos ser ainda mais céticos com relação a afirmações de certeza vindas de indivíduos de nossa espécie. Porém, tudo isso não nos impede de frequentemente sentir como se não pudéssemos estar errados. Foi na faculdade que comecei a entender quão comum é a arrogância intelectual. Fiquei perplexo com a amplitude de conhecimento que meus professores julgavam ter. Nos filmes de comédia norte-americanos do início do século XX, um PhD sentia-se qualificado a criticar os estudos de vanguarda da Física e palestrar aos seus alunos sobre quais tipos de câncer deveriam receber maior financiamento. Isso também acontece fora da universidade, em especial, na política. Quantos norte-americanos analisam a fantástica complexidade de nosso sistema de saúde e dizem, “Oh, eu sei como resolver isso”? Quantos eleitores, mesmo sem um conhecimento básico de economia, pensam saber quais propostas efetivamente promoverão a prosperidade? É preciso algum esforço para admitir que estamos errados sobre coisas nas quais temos boas razões para acreditar. Mas, pelo menos, deve ser mais fácil reconhecer quando claramente não sabemos nada sobre um assunto. Além disso, a maioria de nós não é devidamente cética quanto à transição entre o conhecimento de fatos e o conhecimento de valores. Considere os nutricionistas, por exemplo. Eles acreditam que sabem quais alimentos são mais saudáveis, isto é, que nos dão mais nutrientes com as menores chances de nos fazer mal. Se consumirmos a substância X, podemos esperar o resultado Y. (É claro, mesmo esse conhecimento mudou drasticamente nos últimos anos). Todavia, note que esse “é” não significa “deve”. O que é saudável é uma questão totalmente diferente do que eu devo comer. Eu posso reconhecer que batatas fritas não são tão saudáveis como brócolis refogado, embora ainda esteja certo de que, hoje, eu deveria comer batatas fritas no jantar. Pois o que eu deveria comer não significa, necessariamente, a mesma coisa que ‘o que é mais saudável para mim’. “Deveria” pode incluir outros valores, tais como o prazer que obterei, os preços variados das alternativas e assim por diante. A nutrição diz respeito a um valor – o que é saudável – mas não tem nada a dizer sobre os outros. O ceticismo apropriado se aplica tanto aos outros quanto a nós. Eu deveria ser cético sobre as afirmações de certeza absoluta, assim como ser cético quanto à veracidade das minhas próprias convicções. Obviamente, tal ceticismo não deveria nos fazer abandonar todas as pretensões de conhecimento, mas sim nos levar a adotar uma atitude de humildade. Por saber que os outros enfrentam as mesmas dificuldades na apuração da verdade, também devemos esperar humildade de parte dos nossos oponentes intelectuais. É nesse ponto que a humildade nos impele ao libertarianismo. Se abraçarmos o ceticismo legítimo sobre o conhecimento tanto da verdade como dos valores, deveríamos hesitar antes de convencer pessoas que discordam de nós a seguirem nossas convicções. Deveríamos hesitar, em outras palavras, antes de usarmos um cassetete ou chamar a polícia para que o faça. Por quê? Qualquer política pode acabar sendo ruim ou ineficiente, mas não podemos simplesmente voltar atrás e corrigi-la? E o que dizer sobre os ganhos oriundos da tentativa de tornar o mundo melhor coagindo os outros, seja por nossa própria força, ou via ação estatal, mesmo se significar, ocasionalmente, tornar as coisas piores para algumas pessoas? Se estivermos certos de que nossos valores estão corretos e que os fatos os apoiam, então, qual é o problema em utilizar a política para fazer com que todos os cumpram? Para mostrar o que está errado naquela linha de pensamento, pode ser útil pensar sobre o propósito da vida. O antigo filósofo grego, Aristóteles, acreditava que a única coisa desejada por si mesma é a conquista da eudaimonia – normalmente traduzida como “felicidade” ou “bem-estar”. Aristóteles acreditava que a eudaimonia não é algo encontrado nos momentos isolados de dor ou prazer (aos quais normalmente nos referimos quando dizemos, “estou feliz”), mas sim na avaliação da vida como um todo. Ao final da vida, olhamos para trás e nos perguntamos: “foi boa?” Tudo o que somos, toda a nossa razão de ser, está ligada a ser capaz de responder “sim”. Aristóteles tinha sua própria ideia de uma boa vida – a vida que exibia a eudaimonia em seu nível mais elevado. Ele pensava que isso significava viver de acordo com o que é exclusivamente humano: a capacidade de raciocínio. Portanto, a vida mais elevada e bem vivida era aquela que adotava a contemplação. Talvez não surpreenda que um dos maiores filósofos do mundo pensasse que a felicidade era oriunda de uma vida ligada à filosofia. Para Aristóteles, é claro, assim era. No entanto, assim como temos que reconhecer os limites de nosso conhecimento sobre o mundo externo, devemos também ser humildes nas nossas receitas para uma vida boa. A minha definição de felicidade pode ser diferente da sua. Não existe um “ser humano genérico” que é feliz, mas sim bilhões de seres humanos muito distintos. A felicidade pode ser encontrada na razão, mas também pode surgir por meio da criação de um filho, do contato com a arte, da criação de um negócio bem sucedido, da carreira esportiva ou da ajuda aos menos afortunados. E se a vida ideal para cada indivíduo é ligada a características específicas de suas próprias vidas, assim também são os caminhos para alcançá-la. O que fazer para tornar uma vida boa varia de pessoa para pessoa – tanto nos fins, como nos meios que utilizamos para alcança-la. Embora Aristóteles possa ter errado em alguns detalhes, acho que ele estava certo em linhas gerais. A maioria das pessoas deseja viver uma vida boa e satisfatória – e uma vida boa é, podemos dizer, uma vida vivida na busca de uma boa vida. Como os fundadores dos Estados Unidos destacaram na Declaração da Independência, é “a busca da felicidade”. Existem vários objetivos e caminhos distintos para sua consecução, dependendo de nossas circunstâncias, interesses e valores. A felicidade não está no fim da jornada, mas em cada curva. O respeito mútuo – reconhecimento da dignidade do outro como autodireção (o que os filósofos chamam de “seres autônomos”) – significa respeitar as formas distintas daquela busca, e reconhecer o direito de cada um de nós à escolha de seu próprio caminho. Cheguei à conclusão de que essa busca demanda necessariamente um estado radicalmente limitado, quando o comparado aos estados atuais que vemos ao redor do mundo. Para entender o porquê, temos que ter uma visão realista da forma de operação dos governos. Na sua vida privada, as pessoas frequentemente agem de forma errada, ou perseguem seus próprios interesses, mesmo quando significa causar prejuízo aos outros. Às vezes, machucam as pessoas só pelo prazer. Batedores de carteira roubam de estranhos, golpistas se aproveitam dos idosos. Muitas pessoas, quando pensam sobre o governo, assumem que aqueles traços indesejáveis desaparecem quando alguém se torna um membro do governo. Os políticos abandonam o egoísmo e passam a se motivar somente pelo desejo de promover o bem público. Isso é tolice, obviamente. As pessoas continuam sendo o que são, mesmo quando recebem títulos elegantes e poder sobre a vida dos outros. Ser um político ou um burocrata não torna uma pessoa, automaticamente, mais bem informada – ou melhor – do que o resto de nós. Existe um grupo de pensadores que propõem uma abordagem realista à compreensão do governo, que pessoas não mudam sua natureza quando assumem um cargo governamental. Sua escola de pensamento é conhecida como “Escolha Pública”. A Escolha Pública nos ensina que políticos e agentes do estado usam o conhecimento a eles disponível para tomar as melhores decisões que podem, com o “melhor” sendo o produto do seu próprio julgamento e, é claro, também dos seus próprios interesses. Esses interesses poderiam claramente incluir dinheiro e fama, mas com mais frequência se resumem a manter-se no poder. O resultado é que a política frequentemente significa ajudar os mais influentes – as pessoas mais visíveis aos políticos – fazendo-o à custa de todas as outras pessoas. É por esse motivo que o Estado aprova e mantem tantas políticas verdadeiramente terríveis – tais como os subsídios que aumentam o preço dos alimentos e levam ao desperdício abusivo de recursos – que são opostos à evidência e à razão. Poucos políticos querem, efetivamente, políticas ruins. Em vez disso, eles são motivados pelas pessoas que protestam: os fazendeiros que se beneficiam desses programas. E, como eles não podem ver de forma direta os efeitos prejudiciais que suas leis e regulamentações têm (preços elevados de alimentos, redução na variedade, etc.), eles continuam a apoiar políticas que prejudicam grande parte das pessoas. Além disso, mesmo os prejudicados frequentemente permanecem inconscientes do dano causado. Custaria muito tornar-se informado – mais do que poderíamos recuperar mesmo se fôssemos capazes de desfazer as políticas ruins. Então permanecemos, como os economistas da Escolha Pública dizem, “racionalmente ignorantes”, quanto ao fardo que tais políticas colocam em nossas costas, incapazes de influenciar os políticos nos quais votamos. Diz o ditado que “quem não chora, não mama”: a especialidade dos interesses especiais é chorar. É importante reconhecer que isso não é resultado de termos “as pessoas erradas” no poder. Não é algo que possa ser corrigido por meio da eleição de pessoas melhores. É assim que o governo funciona quando cresce além de certos limites. Outro fato sobre o governo que deve inquietar os humildes é a extensão do seu alcance. Imaginem que eu tenha valores particulares no que diz respeito à educação infantil, e certas crenças sobre a melhor forma de aplica-los. Se eu não controlar o estado, meu alcance não irá além das minhas crianças – e quaisquer crianças cujos pais voluntariamente participem do meu programa. Mas se eu puder manipular o Estado de forma que passe a apoiar minhas crenças e valores, posso estender meu alcance a todas as crianças de minha cidade, do meu estado, ou até mesmo do meu país. Não haverá escolha: os valores educacionais prevalentes serão os da minha preferência. Se formos bons céticos, tal fato deveria nos causar muita preocupação, já que aquelas crenças sobre a melhor forma de se educar as crianças podem acabar sendo incorretas. Nesse caso, não será somente uma dúzia de crianças prejudicadas, mas todas elas. E se os pais discordarem – como fazem – sobre o que é o “melhor” nesse caso? E se eles simplesmente tiverem valores diferentes quando se trata da educação? Um estado sem limitações adequadas nos obriga a aceitar uma abordagem única – a qual assume que uma pessoa ou grupo pode definitivamente saber o que é bom para todos. Deveríamos ser céticos quanto a tais alegações. Deveríamos ter uma boa dose de humildade. Então, quais são esses limites ao governo? O que esperar de um Estado baseado em um nível adequado de ceticismo? Acredito que seria um estado restrito a prover um ambiente no qual seus cidadãos fossem livres para buscar a boa vida de acordo com a interpretação de cada um. Não podemos buscar o bem de forma significativa sob constante ameaça de violência, portanto o Estado deveria nos proteger de outras pessoas que poderiam nos causar mal. E não podemos conquistar e utilizar plenamente os recursos dos quais necessitamos para assegurar uma vida boa se não formos capazes de proteger nossos bens, de forma que o Estado deveria agir para manter o roubo sob controle – demandando que os ladrões compensassem roubos por eles praticados. Quando o Estado faz essas coisas – quando nos protege da violência, fraude e roubo – ele cumpre a função de liberar cada cidadão para que busque a boa vida de forma pessoal e única de acordo com seus valores. Quando o Estado faz mais, todavia – quando toma recursos por meio da tributação além do que necessita para cumprir seus deveres e quando usa sua força coerciva para forçar alguns de nós a viverem pelos valores dos outros – ele fracassa em nos conceder a dignidade que merecemos como seres humanos racionais e autônomos. Ele substitui nossos valores pelos dele e coloca barreiras em nossa busca por uma vida melhor. No final das contas, se necessitamos de um Estado, assim o é por causa de sua utilidade para nós na busca de nossa felicidade. Precisamos dele para isso e nada mais. Ter o nível adequado de humildade significa reconhecer que não importa quão certos podemos nos sentir sobre um assunto, não podemos usar o Estado para forçar outros a se moldarem de acordo com nossas preferências. Fazer isso é sucumbir à arrogância e abandonar as lições da história. O que parece óbvio hoje, provavelmente, parecerá risível amanhã. Se nos tornarmos humildes, veremos o mundo como um local esmagadoramente complexo, repleto de pessoas com jornadas particulares em busca da felicidade. Seríamos todos céticos a pedidos de concessão de poder ao Estado para fazer mais do que proteger os direitos à vida, à liberdade e à busca da felicidade. Como outro humilde filósofo, John Locke, afirmou: “todos sendo iguais e independentes, ninguém deverá prejudicar a vida, saúde, liberdade ou posses dos outros”. Usar a violência para moldar as vidas dos outros de acordo com as nossas preferências é tudo, menos humilde. Abster-se da violência, recorrendo, em vez disso, à persuasão voluntária é uma alternativa humilde – e libertária. A sabedoria consiste não somente na descoberta do poder de um indivíduo, mas também dos seus limites. Capítulo 9 A esperança africana na liberdade Olumayowa Okediran O libertarianismo na África está se expandindo e se conectando às raízes liberais nativas. A mentalidade socialista importada pelos antigos mestres coloniais, a qual identifica “o africano autêntico” como aquele que aceita as divisões territoriais estabelecidas em Berlim, está finalmente sendo rejeitada. Os libertários da África estão trabalhando para liberar o potencial de uma África livre, moderna e próspera. Olumayowa Okediran é membro do Conselho Executivo do Students for Liberty, fundador da African Liberty Students Organization, e um estudante da Federal University of Agriculture, na cidade de Abeokuta, Nigéria. A África já sofreu diversas formas de colonialismo. Uma delas, que todos conhecemos, ocorreu quando vários países europeus e árabes dividiram e colonizaram o continente. Oficialmente, essa forma de colonialismo acabou; todavia, a realidade não é tão simples. Agora nos deparamos com uma nova forma, a saber, o colonialismo de nossas mentes. Muitos dos intelectuais africanos foram colonizados pelas ideologias do estatismo, as quais veem os mercados como antiafricanos, insistem em usar as fronteiras coloniais para obstruir o comércio entre os africanos sob o estandarte da preservação da “identidade africana”, e interpretam nossas sociedades dentro do quadro criado pelo ideólogo alemão Karl Marx, que não sabia e tampouco se preocupava com nossas sociedades. O “capitalismo”, termo por eles utilizado para se referir às pessoas que produzem e negociam bens e serviços com o objetivo final do lucro, é frequentemente atrelado ao Ocidente e, portanto, alheio à cultura africana. Ouvimos o argumento banal de que o capitalismo inevitavelmente resulta na desintegração gradual do tecido social, e no enriquecimento de uma pequena classe “burguesa” à custa dos trabalhadores fabris e dos camponeses. Pensadores marxistas e leninistas enfatizam que, sob o modo de produção capitalista, isto é, a produção com vistas ao lucro, a marginalização e o empobrecimento dos camponeses é inevitável. Eles nunca se perguntam se isso é verdade. Muitos intelectuais africanos que estudaram na Europa regressam aos seus países com viseiras. Eles não conseguem mais analisar as sociedades nas quais nasceram. Eles não se importam em analisar a história de seu próprio povo. Eles não conseguem ver o que está diante dos seus olhos. O professor George Ayittey, como tantos outros estudiosos, pesquisaram extensivamente o passado econômico, social e político da África. O que ele e outros descobriram surpreenderia os marxistas que insistem que nós, africanos, não somos racionais, que não entendemos a dinâmica do comércio, que nos dedicamos a uma acumulação comunista primitiva. Qual é a realidade? Nós encontramos uma história de livre mercado, com preços definidos pelo acordo entre comprador e vendedor com benefício mútuo; empreendedorismo e inovação; comércio de longa distância; mercados de crédito; firmas e gestão empresarial; e sistemas de leis comerciais. Ayittey argumenta no seu livro Defeating Dictators: Fighting Tyranny in Africa and Around the World (tradução livre, Derrotando ditadores: lutando contra a tirania na África e ao redor do mundo), que o sistema econômico africano de um passado antigo tem algumas semelhanças ao “capitalismo” que emergiu na Europa e em outras regiões, mas se distinguia, de alguma forma, na sua estrutura. O dicionário Merriam-Webster define capitalismo como um sistema econômico caracterizado pela propriedade privada ou corporativa do capital. As sociedades africanas sempre tiveram isso. Como Ayittey explica, Os camponeses unem seus recursos, cooperam e se ajudam. A isso podemos chamar de comunalismo ou comunitarismo, mas não é sinônimo de socialismo ou comunismo. Um indivíduo pode ser comunalista ou socializante, sem ser socialista... os camponeses conduzem suas atividades econômicas da forma que julgam correta, não a mando do seu governo tribal. O comunismo envolve a propriedade estatal dos meios de produção e, por isso, todos os bens e serviços produzidos. Contudo, nas sociedades camponesas, os meios de produção são de propriedade do clã, da linhagem, os quais... agem como uma pessoa jurídica. No entanto, o clã não é a mesma coisa que o governo tribal; é uma entidade privada e, portanto, os meios de produção são privados. A propriedade comunal é um mito59. 59 AYITTEY, George B. N. Defeating Dictators: Fighting Tyranny in Africa and Around the World. New York: Palgrave Macmillan, 2011. p. 43. Fazendas de propriedade de famílias, clãs ou empresas com foco na produção de commodities agrícolas de forma lucrativa são atividades capitalistas. Ayittey argumenta que a natureza comunal das sociedades africanas tem sido grosseiramente mal interpretada para dar a entender que as sociedades africanas são inerentemente socialistas. A sociedade anônima, frequentemente associada ao “capitalismo”, foi algo introduzido tardiamente na sociedade europeia. Robert Hessen, historiador da organização corporativa, mostrou que é um “mito” que a sociedade anônima explica a razão pela qual as corporações foram capazes de atrair grandes somas de capital de investidores do século XIX para a industrialização dos Estados Unidos. Na verdade, ele explicou: “a Revolução Industrial foi levada adiante principalmente por parcerias e sociedades anônimas não incorporadas, raramente por corporações. 60”. Empresas familiares também são comuns em muitos países fora da África. Elas são importantes componentes da produção, troca e inovação nas economias de mercado ao redor do mundo. Os mercados e o comércio têm sido uma parte intrínseca da cultura africana por milênios, como qualquer estudante de história africana sabe. A África antiga é conhecida por níveis significativos de comércio que se expandiram incrivelmente do século VII até o século XI, quando o comércio transsaariano aumentou de forma exponencial. As economias mediterrânicas necessitavam de ouro em troca de sal, o que significava grandes oportunidades de lucro. O lucro e o empreendedorismo eram a espinha dorsal de impérios comerciais como o Império Mali, o Império Gana, e o Império Songhai. O comércio era a vida das antigas economias africanas. As atividades livremente escolhidas pelos indivíduos – de fazendeiros, ferreiros, pescadores, feirantes e comerciantes profissionais – eram responsáveis pelo progresso econômico; a previsão de lucro era a força motriz por trás dessas atividades. Essas atividades ocorreram por causa do planejamento governamental? Não. Os mercados evoluíram de forma natural no momento que comerciantes se encontraram em locais convenientes, normalmente em uma encruzilhada. Os agricultores e os pequenos comerciantes exercendo suas respectivas atividades por vontade própria com o objetivo do lucro, não para obedecer às ordens de governos tribais ou tradicionais. Existem diferentes culturas corporativas ao redor do mundo; a corporação alemã, a corporação sul-coreana, a corporação japonesa e a corporação norte-americana, cada qual com características únicas. Então, por que as corporações africanas não podem exibir uma cultura particular? Negócios familiares são mais importantes na Itália do que em outros países europeus. Assim como são nos países africanos. Mas isso não significa que os princípios econômicos diferem, ou que o comunismo, que não funcionou na Europa ou na China, funcionaria na África. Ayittey destaca algumas diferenças entre os sistemas: “enquanto que um indivíduo norte-americano pode decidir começar um negócio por conta própria, na África, a tendência é que a família como um todo abrace o projeto”. O lucro de tal empreendimento é dividido entre os membros da família, enquanto que sob o capitalismo anônimo, o lucro vai para o pioneiro, ou no caso da sociedade anônima, aos acionistas. Existem também diferenças na escala de produção. A habilidade de produção de grandes quantidades de bens e serviços alavancada pelas economias de escala é um característica do capitalismo do Ocidente, ao passo que “a escala é brutamente limitada sob o capitalismo camponês” 61. Devido a governos ilegais e quase ilimitados, um legado do colonialismo europeu e do contínuo legado colonial do estatismo, grande parte da atividade econômica está no setor informal. Sem o estado de direito, é muito difícil ganhar a vida; no entanto, as pessoas o fazem do mesmo jeito. Elas não confiam no Estado, que normalmente é um fracasso, mas sim no direito consuetudinário africano tradicional. No processo, tiveram que investir recursos escassos para escapar das burocracias estatais cleptocráticas, dos comitês de comércio dos estados socialistas (outro legado do colonialismo que está hoje enfraquecido ou eliminado) que os governantes usavam para oprimir camponeses e subsidiar seus apoiares, além de tarifas e restrições comerciais diversas. As atividades econômicas do setor informal contribuem imensamente para o crescimento econômico da África. The Expert Group on Informal Sector Statistics informou que a contribuição do setor informal (incluindo o setor informal agrícola) ao PIB da África Subsaariana é de, aproximadamente, 55%, participação que aumenta para 60% se Botsuana e 60 HESSEN, Robert. Corporations. The Concise Encyclopedia of Economics. 2008. Library of Economics and Liberty. Disponível em www.econlib.org/library/Enc/Corporations.html. 61 George B. N. Ayittey, ibidem, p. 76. a África do Sul forem consideradas 62. Lucro, comércio e empreendedorismo são aspectos intrínsecos dos sistemas econômicos nativos na África. Uma típica cidade africana é um grande mercado; uma visita a Lagos, Nigéria, expõe a natureza empresarial dos nigerianos; a cidade é um centro movimentado pelo empreendedorismo. Um jovem suado vendendo lanches; outro, garrafas de água gelada. Motoristas de ônibus chamando passageiros. O fazendeiro trabalhando na sua plantação de melão com sua família. Essas são atividades autodirigidas de indivíduos com a esperança do lucro. Essa é a África que conheço. Os empreendedores são a base da África do futuro, um continente de pessoas livres, que comercializam e vivem de forma pacífica. Não são as grandes burocracias internacionais de ajuda externa, as antigas metrópoles coloniais (seja França ou Inglaterra), ou os monopólios e burocracias estatais corruptos que construirão nosso futuro; mas sim a feirante e o empreendedor. É o que o professor Ayittey chama de Geração Chita, que rejeita a corrupção, abraça a responsabilidade, e que “não esperará o governo fazer as coisas por ela” 63. O empresário nigeriano Tony Elumelu conta a história de uma África com o potencial de enfrentar seus desafios econômicos e sociais crônicos por meio da iniciativa privada e do empreendedorismo, ao invés da ajuda ou caridade intergovernamental. Ele promove o que chama de africapitalismo: “A ‘nova’ África: um setor privado revigorado que soluciona os problemas sociais por meio da construção de negócios e da geração de riqueza social. É uma separação drástica do antigo modelo de governos centralizadores que administram indústrias de base, uma estrutura frequentemente desenvolvida por recomendação de bemintencionadas, todavia mal orientadas instituições globais de desenvolvimento, acrescidas de caridade e ajuda externa para resolver os problemas sociais”. No seu manifesto, Africapitalism: The Path to Economic Prosperity and Social Wealth (tradução livre: Africapitalismo: o caminho para a prosperidade econômica e riqueza social), Elumelu argumenta em defesa do empreendimento privado e do capitalismo, encorajando “os investimentos de longo prazo que geram riqueza a ser utilizada na construção de comunidades, criação de oportunidades para que mais pessoas saiam da extrema pobreza”. Elumelu defende soluções de mercado para os problemas sociais africanos e endossa o capitalismo de livre mercado como uma abordagem para a “reconstrução e mudança de imagem da África, como uma terra de investimentos, inovação e empreendedorismo”64. Eu acredito que, para se tornar próspera, a África deve tornar-se mais moderna, contudo, isso não quer dizer tornar-se mais “ocidental”. O professor Olúfémi Táíwò rejeita, nos seus vários trabalhos, incluindo seu livro How Colonialism Preempted Modernity in Africa (tradução livre, Como o Capitalismo adequa a modernidade na África), “a tradição de colocar os africanos fora dos limites da humanidade comum”. A modernidade não é unicamente para ocidentais ou europeus. O professor Taiwo argumenta que, entendendo como o “colonialismo subverteu a modernidade no continente, somos capazes de fazer uma acusação mais forte ao colonialismo, ao mesmo tempo em que mantemos o que é útil no legado da transição da África à modernidade que foi abortada pela imposição do colonialismo formal”65. É importante fazermos a distinção entre modernização e ocidentalização. Os dois fenômenos são distintos. O que hoje pode ser considerado modernização é uma evolução das interações entre as civilizações – africanos, americanos, asiáticos e europeus. O protecionismo e a restrição comercial isolaram os africanos, não somente de outras partes do mundo, mas de outros africanos. Não existe algo “autenticamente africano” na adoção das linhas traçadas pelos colonizadores europeus durante a conferência de Berlin de 1884-1885. Os intelectuais africanos deveriam rejeitar ideologias absurdas tais como o marxismo, afastar-se de suas hipócritas tendências antiocidentais e sua inclinação ridícula a uma falsa “autenticidade”. A África deveria embarcar no trem da modernização, recusando-se a ser colocada “fora dos limites da humanidade comum”. CHARMES, Jacques. “Measurement of the Contribution of Informal Sector and Informal Employment to GDP in Developing Countries: Some Conceptual and Methodological Issues,” Disponível em www.unescap.org/stat/isie/reference-materials/National-Accounts/Measurement-Contribution-GDP-Concept-Delhigroup.pdf. 63 Veja a apresentação no TED do Professor George B. N. Ayittey’s www.ted.com/talks/george_ayittey_on_cheetahs_vs_hippos.html. 64 ELUMELU, Tony O. Africapitalism: The Path to Economic Prosperity and Social Wealth. Disponível em www.tonyelumelufoundation.org/sites/tonyelumelufoundation.org/files/Africapitalism%20White%20Paper%20FINAL.pdf. 65 TÁÍWÒ, Olúfémi. How Colonialism Preempted Modernity in Africa. Bloomington: Indiana University Press, 2010. p. 48. 62 Modernidade significa abraçar o valor do ser humano individual. Significa abraçar a produção por meio da cooperação voluntária e do livre comércio. Significa abraçar a razão em lugar da superstição, a lei em lugar da força, e a produção em lugar do roubo. Significa abraçar nossa própria liberdade e a liberdade de cada ser humano. Na obra Africa Must be Modern, o professor Táíwò explica que “não respeitamos indivíduos porque amamos suas escolhas ou concordamos com elas ou até mesmo as consideramos flexíveis. Realmente, somos obrigados a respeita-los mais quando odiamos suas escolhas e somos repelidos por quem são ou o que fazem. Respeita-los pela sua pura filiação à espécie humana é o que marca a era moderna” 66. O libertarianismo na África é uma força crescente. Não é somente a Geração Chita que mudará a África, mas também aqueles da minha geração, que ainda estão na faculdade. Nós não temos paciência com governos corruptos, cleptocráticos e brutais. Nós insistimos em colocar os governos autocráticos sob escrutínio. Aplaudimos – e demandamos – a aceleração da tendência positiva em direção a um governo constitucionalmente limitado e responsável, livre mercado, liberdade de expressão e liberdade de imprensa. Demandamos a responsabilidade e a liberdade para cuidarmos de nossas próprias vidas, fazer nossas escolhas, buscar nossa própria felicidade. O libertarianismo mudará a África para melhor, e os africanos mudarão o mundo para melhor. 66 TÁÍWÒ, Olúfémi. Africa Must Be Modern. Ibadan, Nigeria: Bookcraft 2011. p. 48. Capítulo 10 A confusa dinâmica da intervenção estatal: o caso do sistema de saúde Sloane Frost A intervenção e planejamento estatais são mais racionais, ou simplesmente oferecem um “caos planejado”? A história das intervenções no sistema de saúde norte-americano oferece um estudo de caso interessante sobre a dinâmica do intervencionismo, o qual produz resultados incoerentes e irracionais. A liberdade de escolha entre as opções e provedores concorrentes de bens e serviços, embora não planejadas em nível agregado, oferece maior racionalidade e coordenação que o intervencionismo. Sloane Frost é diretora e cofundadora do Students for Liberty e analista de pesquisa no Mathematica Policy Ressarci, em Princeton, Nova Jersey. Ela obteve seu mestrado em Política Pública e certificado no curso Health Administration Policy na Universidade de Chicago. É de conhecimento da maioria que nossas vidas são dirigidas, manipuladas ou mesmo controladas pelas decisões de políticos e burocratas. Tais intervenções podem se tornar tão incorporadas em nossas vidas que pode ser até difícil perceber sua existência. Nós sabemos de casos óbvios, tais como a conscrição (serviço militar obrigatório), a tributação, as leis criminais sem vítimas, e assim por diante. Normalmente, esses casos têm algum propósito declarado subjacente: a força é usada para intervir em nossas vidas, (1) obrigando-nos a servir ao Estado na guerra ou no “serviço civil”, (2) coagindo-nos a pagar por projetos ou causas que políticos apoiam ou (3) impedindo-nos de fazer coisas que políticos pensam que são ruins para nós ou que são condenadas por sua religião. No entanto, o intervencionismo não é sempre tão conscientemente elaborado: ele pode crescer, evoluir, transformar-se até que todo o sistema pareça ter ganho vida própria. Isso porque as intervenções normalmente têm consequências não intencionais. O controle do preço do leite pode ter como objetivo manter os preços do leite baixos, mas o resultado é a escassez de leite, o que torna o leite mais difícil de encontrar, causa diversas filas, fortalece o mercado negro e a corrupção, e torna o custo final aos consumidores muito maior (preço + filas + propinas); essas consequências não intencionais, por sua vez, frequentemente levam a pedidos por mais intervenções para solucionar os problemas causados pela primeira intervenção, e aquelas intervenções secundárias podem, por sua vez, levar a problemas adicionais que levam a mais pedidos por intervenções. São intervenções e mais intervenções, tantas que nem mesmo sabemos quando tudo começou. Os sistemas se tornam tão corriqueiros que nunca questionamos sua origem. O que é pior: como não são coerentemente planejadas, mas executadas de crise em crise, às vezes são descritas, não como intervencionismo estatal, mas como “livre mercado” ou laissez faire por pessoas que não se preocupam em compreender a rede de intervenções e os incentivos que geram, como afetam o comportamento, e como levam a consequências não intencionais e, consequentemente, a mais intervenções. Não se pode entender a crise financeira internacional se não prestarmos atenção a como um gigante sistema interligado de intervenções governamentais criou uma colossal “bolha imobiliária” nos Estados Unidos e como mais intervenções nas instituições financeiras induziram os bancos a reduzir os padrões de empréstimos (exigências), gerando montanhas de dívidas, e a propagação do contágio em nível global pela classificação de débito de risco como “livres de risco” ou de “baixo risco”, encorajando as instituições financeiras ao redor do mundo a adquirirem tal produto. Ninguém planejou causar uma recessão; todavia, as camadas diversas de intervenções tiveram esse efeito. (O processo é descrito no livro After the Welfare State, publicado anteriormente pelo Students for Liberty)67. Intervencionismo vs. “Regulamentação” Algumas pessoas argumentam que, como o livre mercado não está sujeito ao planejamento sistêmico de uma autoridade central, é menos racional que a intervenção e o controle governamentais. Afinal de contas, o mercado, ao contrário do governo, não é 67 After the Welfare State, ed. Tom G. Palmer. Ottawa, IL: Jameson Books, 2012. Ver especificamente o ensaio sobre “The Tragedy of the Welfare State” por Tom G. Palmer e “How the Right to ‘Affordable Housing’ Created the Bubble that Crashed the World Economy” por Johan Norberg. planejado. Elas assumem que as atividades governamentais seguem planos coerentes, racionais e consistentes. A experiência mostra que esse não é o caso. Embora a intervenção governamental seja quase sempre chamada de “regulação”, é tudo, menos isso. “Regular” significa “tornar regular” e “sujeito a uma regra” 68. Esse é o sentido / significado original do termo. Infelizmente, como o termo foi aplicado à atividade governamental, com o tempo, passou a significar o oposto (contrário): “intervir de forma arbitrária e caprichosa” – e não somente de forma arbitrária e caprichosa, mas também de formas que são incoerentes, irracionais e, certamente, não planejadas conscientemente. O problema do intervencionismo (“uma política mutável”) foi previsto por James Madison, o principal autor da Constituição dos Estados Unidos, que escreveu no periódico Federalist, edição nº 62. Os efeitos internos de uma política mutável são ainda mais funestos. Ela envenena o elixir da liberdade. De pouco servirá ao povo que leis sejam feitas por homens de sua escolha, se as leis são tão volumosas que não podem ser lidas, ou tão incoerentes que não podem ser entendidas: se foram repelidas ou revisadas antes de ser promulgadas, ou passar por diversas mudanças, que nenhum homem que conhece a lei hoje, saberá qual será a de amanhã. A lei é definida para ser uma regra de ação; mas como pode ser uma regra, se é pouco conhecida, e menos ainda fixa? Outro efeito da instabilidade pública é a vantagem injusta que concede aos sagazes, aos empreendedores, e aos poucos ricos, sobre a massa industrial e desinformada do povo. Toda nova regulação que trata do comércio ou das receitas, ou que afeta direta ou indiretamente o valor dos diferentes tipos de propriedades, é uma dádiva para aqueles que assistem à mudança, e podem reconhecer suas consequências; uma dádiva, a qual é produto do esforço e cuidado dos seus concidadãos. Esse é um estado de coisas no qual pode ser dito com alguma verdade que as leis são feitas para poucos, não para a maioria 69. Um sistema intervencionista, que pode ser modificado por burocratas e políticos ao seu bel-prazer, e no qual “nenhum homem sabe qual é a lei de hoje, e tampouco pode adivinhar qual será a de amanhã”, não é, decididamente, um sistema de regulação. (Como Madison nos alertou, é também a ocasião perfeita para o que os economistas modernos chamam de “rent-seeking”, a busca do ganho privado por meio do controle estatal. Mas essa não é a principal preocupação aqui). O estado de direito é o que torna os mercados “regulares”; o intervencionismo, não. Empilhar uma intervenção sobre a outra gera, não um todo coerente, mas sim um sistema que não cumpre quaisquer objetivos específicos, é propenso a crises periódicas, e que, na verdade, não se desmembra pelo equivalente legal de um fio, fita e clipes. É mais fácil entender a dinâmica do intervencionismo examinando um caso concreto. Um bom estudo de caso é a intervenção estatal em uma das coisas mais importantes que realizamos em sociedade: o cuidado de nossa saúde e a busca por uma vida longa e saudável. Em todos os lugares do mundo, as decisões sobre a saúde são controladas, manipuladas, proibidas ou ordenadas pelo poder estatal. Em alguns países, o estado tem o monopólio dos hospitais e dos profissionais de saúde. Em outros, o Estado provê parte majoritária do financiamento via tributos, os quais são direcionados ao pagamento de doutores e profissionais de saúde. Na maioria dos países, doutores e enfermeiras podem somente praticar com permissão do Estado. A variedade de sistemas intervencionistas é substancial. Meu campo de estudo acadêmico e profissional é o sistema de saúde dos Estados Unidos. 68 Ver o tratamento desse termo na história em BARNETT, Randy E. The Original Meaning of the Commerce Clause, University of Chicago Law Review 101. 2001. Disponível em www.bu.edu/rbarnett/Original.htm e BARNETT, Randy. “New Evidence on the Original Meaning of the Commerce Clause,” 55 Arkansas Law Review 847. 2003. Disponível em http://randybarnett.com/55ark847.html. 69 MADISON, James. In George W. Carey, The Federalist (The Gideon Edition). Indianapolis: Liberty Fund, 2001. cap. 62: Sobre a constituição do Senado, com atenção às qualificações dos membros; a maneira de nomeá-los; a igualdade de representação, o número de senadores, e a duração de seus cargos. Acessado em http://oll.libertyfund.org/title/788/108681 em 18 de maio de 2013. O sistema de saúde nos Estados Unidos Imagine que você é um universitário nos Estados Unidos. Agora imagine o que acontece quando você fica muito doente. A primeira coisa que lhe vem em mente é a tarefa de casa que você poderá não ser capaz de acabar, ou talvez a festa que perderá. Contudo, se você se sentir muito doente, você pode pensar em visitar o seu médico. É claro, isso significa que você terá que determinar o que o seu seguro saúde cobre (se você tem algum tipo de seguro). Se os seus sintomas piorarem, você pode decidir recorrer à UTI ou a um hospital, onde encontrará diversos médicos, enfermeiras e profissionais do ramo. Embora você possa não perceber, suas escolhas e ações foram influenciadas pela miríade de políticas e regulamentações de saúde. Esse sistema cresceu com o tempo. Ele não foi ‘pensado’ por ninguém. Para entender como suas decisões sobre saúde ou doença são afetadas pelo governo, vamos analisar ponto a ponto. Uma questão que você pode se perguntar quando fica doente é que tipo de seguro você possui. As companhias de seguro de saúde operam através de contratos de pagamento de pequenas quantias a hospitais e provedores em troca do direito de lista-los como opções no seu plano de saúde. Por exemplo, se o Dr. Nozick deseja ser coberto pela Hayek Seguros, ambas as partes negociarão o valor que a Hayek Seguros pagará ao Dr. Nozick, e de que forma, se por mês, por paciente ou por serviço prestado. Acordados os termos, a Hayek Seguros listará o Dr. Nozick como um médico cadastrado em sua rede. Quando você procurar por um doutor coberto pela Hayek Seguros, Dr. Nozick será uma opção. Esse processo tornar-se muito complicado muito rapidamente. Quais são as complicações? A maioria dos americanos é segurada por seus empregadores, e muitos estudantes são cobertos por um plano familiar. Por que você não pode, simplesmente, comprar um plano de saúde que lista o doutor com o qual você quer se consultar ou os serviços que você pensa que necessitará? Por que você não pode pesquisar planos de saúde online como você faz com o seguro do carro? Um enorme emaranhado de intervenções limita severamente sua liberdade de escolha. Ninguém planejou o sistema; ele segue certa lógica, mas é a lógica dos incentivos e crises criadas pelo intervencionismo. Durante a 2ª Guerra Mundial, o governo norte-americano impôs controles de preços e salários, o que proibia o reajuste salarial por parte dos empregadores. Para atrair trabalhadores, os empregadores passaram a oferecer benefícios não salariais, tais como o seguro saúde. Em 1943, o Comitê Laboral de Guerra, cujos membros entendiam que os controles salariais estavam causando problemas às empresas na obtenção de mão-de-obra para a produção de armamentos e outros produtos de guerra, decidiram que os controles do Stabilization Act de 1942 não se aplicavam aos controles salariais. Em 1945, a Receita Federal dos Estados Unidos regulamentou em definitivo que as apólices de seguro não eram salários (rendas) sujeitos à tributação70. (Afinal, se não é uma violação dos controles de salários, não é um salário e, portanto, não é tributável). Você pode imaginar como as pessoas responderam a esses incentivos. Se uma companhia oferecesse a você US$ 1000 para fazer parte do seu quadro de funcionários, você teria que pagar tributos sobre aquela renda adicional, não obtendo o benefício integral. Mas se eles oferecessem a você uma apólice de seguro no valor de US$ 1000, ela não seria tributada. Mesmo depois da abolição dos controles de salários, ainda havia um grande incentivo a pagar parte dos salários na forma de seguros. As pessoas se acostumaram com esse benefício, tanto que hoje nós dificilmente questionamos sua existência ou perguntamos por que esperamos seguros de saúde por parte de nossos empregadores. Desde então, aquele sistema foi codificado. Alguns planos até mesmo permitem que você poupe dinheiro adicional em contas não tributáveis que podem somente serem gastas com compras relacionadas à saúde. Se a sua renda não é tributada quando colocada a algum uso sancionado pelo governo, o seguro saúde – como definido pelo governo – torna-se, na verdade, uma aquisição subsidiada. Embora os funcionários pudessem ter preferido receber aqueles dólares na forma de salários para gastarem em uma combinação de outras compras, eles são agora encorajados a comprar o seguro saúde de sua empresa. Além disso, graças à 70 SCOFEA, Laura A. The Development and Growth of Employer-Provided Health Insurance. Monthly Labor Review, março de 1994, disponível em www.bls.gov/mlr/1994/03/art1full.pdf e BUCHMUELLER, Thomas C. e MONHEIT, Alan C. Employer-Sponsored Health Insurance and the Promise of Insurance Reform. NBER Working Paper 14839, disponível em www.nber.org/papers/w14839.pdf. grande confusão de intervenções, os conteúdos dos planos são, por sua vez, minuciosamente ditados por um conjunto obtuso de agências governamentais. O tratamento fiscal especial dos salários oferecidos como seguro saúde também significa que os negócios são encorajados pelo governo a negociar em nome dos seus empregados, e as companhias de seguro negociam com as empresas e não com seus empregados. Essa comunicação indireta obriga que os empregados recebam tipos de apólices que podem não ter sido escolhidas por eles. Os empregados são colocados em um lote único X, ao invés de ter a liberdade para adquirir tal seguro por outros grupos (Y, Z) que poderiam preferir. As companhias de seguro têm menos incentivos a negociar com indivíduos e oferecer planos customizados. Tudo isso é uma armadilha para os trabalhadores, um fenômeno conhecido como “prisão laboral”. Se quiserem sair, precisam procurar outro empregador que ofereça seguros, dado que é muito mais difícil obtê-lo individualmente. Os empregados não mais escolhem ficar em uma posição por causa da satisfação do trabalho que realizam ou dos incentivos financeiros. Eles também têm que considerar que abandonar seu emprego atual significará a perda do seguro. A situação fica ainda mais complicada. Os governos estaduais também intervêm pesadamente no mercado de seguros. Diferentes estados demandam que os planos contenham componentes diferentes, variando da cobertura de serviços tais como benefícios de gravidez, os quais nem todas as mulheres podem querer adquirir71, tratamento do alcoolismo, aconselhamento psicológico e muito mais. Todas essas coisas são boas, mas nem todo o adquirente pode estar interessado. Isso não importa, porque nós (você e eu) somos obrigados a adquiri-los. Além disso, devido à imposição de diferentes requisitos mínimos por parte dos estados, as companhias de seguro devem ser licenciadas de forma diferente em cada estado. É ilegal para uma pessoa residir em Nova Jersey e contratar um plano em Illinois, por exemplo. Os empregadores devem oferecer planos no estado nos quais estão localizados, não importando onde seus empregados vivem. Isso significa que um empregador em Nova Jersey deve oferecer um plano de Nova Jersey, mesmo se a metade dos seus funcionários (empregados) vive do outro lado do rio, na Pensilvânia. Isso também significa que os mercados tornam-se geograficamente restritos, significando menor concorrência por segurados – e preços maiores para você e eu. Voltando ao que você faz quando está doente, vamos supor que você possui uma apólice de seguro de saúde. Agora você tem que encontrar um doutor. As pessoas de nossa geração normalmente fazem uma das duas coisas quando se deparam com esse tipo de situação: procuramos no Google ou postamos uma mensagem no Facebook. Essas opções nos permitem selecionar um especialista baseado em sua reputação e opinião, as quais são especialmente importantes para algo que envolve o mesmo nível de confiança que um provedor de saúde. Mas agora você se dará conta de que não tem a liberdade para escolher seu provedor. Somente algumas pessoas tem permissão para trata-lo. Mesmo se você tiver somente uma infecção de ouvido, somente um doutor licenciado pode prescrever antibióticos para cura-la. Mesmo uma enfermeira com 20 anos de experiência, 3 anos de formação é legalmente proibida de lhe prescrever algo. Existem muitos casos onde você exigiria maior capacitação do que essa – digamos, para uma cirurgia cerebral – mas por que uma enfermeira registrada não pode lhe dar uma prescrição quando podem facilmente analisar o seu ouvido e ver os sinais clássicos da infecção? A razão é que nosso governo não lhes permite fazê-lo. Um doutor, que é mais caro e por quem você tem que esperar um tempo maior, deve ser aquele que gastará 15 segundos com o paciente para registrar a prescrição, mesmo se ele ou ela está unicamente seguindo as instruções dadas pela enfermeira. Agora que o governo forçou-o a se consultar com o Dr. Keynes quando a enfermeira Sowell poderia ter dado a receita, o Dr. Keynes pode cobrar mais de você por seus serviços já que você não tem escolha. Tal panorama é resultado do esforço da classe médica na limitação da concorrência; as restrições que impuseram também acabaram com faculdades que treinavam médicos negros e mulheres médicas e reduziram consideravelmente a oferta de A lei requer especificamente que a cobertura para maternidade seja providenciado em “todas as apólices… sem restrição baseada em idade, sexo ou relacionamento”. Disponível em www.dfs.ny.gov/insurance/circltr/1976/cl1976_23.htm. 71 médicos, o que pode explicar a razão pela qual a Associação Médica Americana estava tão entusiasmada com o intervencionismo72. Na verdade, essa prática ainda pode ser vista nos comitês de licenciamento quando argumentam sobre quem poderia entrar na sua guilda ou quais fornecedores acreditados podem executar serviços pelos quais são totalmente treinados. Mesmo se você encontrar um médico, todavia, você não pode simplesmente se consultar com qualquer médico. Como a maioria dos médicos fez um contrato com um plano de seguro de saúde, eles quase sempre só aceitam pacientes que também são segurados por aqueles planos. Por exemplo, se você quer se consultar com o Dr. Ostrom, mas ela tem um acordo com a Paterson Insurance ao invés da Hayek Insurance, ela pode não o receber como paciente. Dr. Ostrom sabe que ela pode ser paga por serviços quando mandar a fatura à Hayek Insurance, mas ela corre o risco que a Hayek Insurance não pague o mesmo valor pelos serviços, ou que a faça incorrer em procedimentos administrativos adicionais onerosos, ou que pagam muito devagar ou de forma incorreta, ou simplesmente não cobrem determinado procedimento. O Dr. Ostrom, portanto, prefere não aceitar nenhum paciente da Hayek Insurance. É difícil para ela fornecer serviços não sendo paga de acordo. Além disso, não é fácil consultar-se com um médico se você não tem algum tipo de seguro. Estar sem seguro pode significar ao doutor que você não está empregado e, portanto, menos propenso a pagar suas contas. (Oferecer pagar 100% em dinheiro à vista, previsivelmente, não assegura o acesso, e não é sempre fácil assegurar tratamento dessa forma73. Você pode nem estar tranquilo com o seguro governamental, porque ele demora, em média, 6 meses mais que um seguro privado para pagar o médico, e mesmo então, será a um valor muito menor que o do mercado. Poucos médicos estão dispostos a esperar um pagamento que corresponde a uma fração do valor total. Suponha que você decida, em vez disso, que você quer negociar a sua própria forma de pagamento com o médico. Parece razoável, dado que pagamos com cheques / cartões de crédito por grandes compras, de computadores a aluguéis, até mesmo a mensalidade da faculdade. Da próxima vez que você se consultar com um médico, você pode até mesmo tentar o seguinte: peça ao médico quanto custa o serviço. A grande maioria dos médicos não saberá responder. Por quê? Eles não precisam saber. Dificilmente algum paciente visita clínicas questionando o valor dos procedimentos, mesmo quando se tratam de procedimentos comuns, corriqueiros. Não existe um cardápio com preços, nenhuma forma visível de avaliar ou comparar médicos, mesmo quando se tratam de procedimentos comuns. E porque deveria, quando o seguro cobre tudo? Como paciente, você é somente responsável pelo pagamento da diferença – os US$ 20 ou mais que a maioria dos planos de saúde demandam quando você consulta um médico. A duração da consulta não interessa: você pagará a mesma diferença. Normalmente, um exame de sangue não lhe custará mais do que um raio-X, se for feito no consultório. Se você fizer uma ressonância magnética ou outro procedimento não invasivo, você ainda terá somente que pagar US$ 20 quando você for ao consultório, mesmo que o exame em si possa custar muitos milhares de dólares. O preço é o resultado do negociado entre médicos / hospitais e a seguradora com a qual sua empresa tem contrato, responsável pelo pagamento do restante do valor. O resultado de todas essas intervenções gera alguns incentivos contraditórios. Os médicos podem prescrever exames que são desnecessários – e talvez, prejudiciais – pois os pacientes não têm razão para questioná-los. Nós tendemos a assumir que qualquer exame prescrito por um médico é necessário, mas eles frequentemente solicitam mais exames para se protegerem de nossa sociedade litigiosa. (Outra falha governamental torna virtualmente impossível fazer um contrato de risco, de forma que os médicos são obrigados a contratar apólices de seguro extremamente caras por imperícia). Você pode se consultar com um especialista quando um clínico geral poderia oferecer a mesma qualidade de serviço. Nós pagamos somente US$ 20 por aquela visita extra ao especialista, mas aquele médico pode receber algumas centenas de dólares para nos consultar por somente 5 minutos. Os médicos podem, assim, sobreprescrever, e nós não os questionamos. Na verdade, todas essas intervenções tem transformado o seguro em algo que não é realmente mais seguro. O tratamento fiscal preferencial do seguro contratado pelo empregador Esta horrível história é contada em detalhes no clássico artigo de Reuben Kessel, “The A.M.A. and the Supply of Physicians,” 35 Law and Contemporary Problems (Spring 1970), disponível em http://tinyurl.com/bbr8h6f. 73 Pagar em dinheiro nem sempre é uma transação legal. Médicos que aceitam o Medicare são proibidos de cobrarem dinheiro pelos serviços cobertos pelo Medicare. Brent R. Asplin, MD, MPH; Karin V. Rhodes, MD; Helen Levy, PhD; Nicole Lurie, MD, MSPH; A. Lauren Crain, PhD; Bradley P. Carlin, PhD; Arthur L. Kellermann, MD, MPH, “Insurance Status and Access to Urgent Ambulatory Care Follow-up Appointments,” Journal of the American Medical Association. Disponível em http://jama.jamanetwork.com/article.aspx?articleid=201518. 72 gerou um sistema distorcido de “pagamentos de terceiros” que equivale a um plano de saúde médico pré-pago. E ajudou a aumentar substancialmente os preços dos serviços médicos. Imagine que você tivesse “seguro alimentar” de forma que, sempre e quando tivesse fome, você poderia ir a um restaurante, almoçar, tendo a sua companhia de seguro pagando a conta. Qual incentivo você teria para restringir a porção extra e qual incentivo a garçonete teria em lhe dizer o preço do que você está pedindo? Então, para controlar os preços, a companhia de seguro teria que analisar cuidadosamente a fatura, negociar com antecedência com certos restaurantes e não outros, e assim por diante. Imagine o que isso causaria à indústria da alimentação. Veja o que acontece na indústria médica e já terá dicas do que esperar. Nós reclamamos dos altos prêmios de seguro por uma boa razão. Os prêmios são resultado de cálculos muito complexos, mas um componente especialmente significativo é que as companhias de seguro são obrigadas a cobrir uma variedade de serviços. Por exemplo, elas são obrigadas a reembolsar todos os gastos relacionados a exames de câncer. A maioria desses serviços é somente recomendada se você tem certa idade ou pertence a um determinado gênero. Toda a vez que um serviço como esse é adicionado à lista de exigências, os prêmios aumentam. Por quê? Porque outras intervenções tornam ilegal a cobrança de prêmios distintos com base no gênero ou outros fatores, tais como a idade. Isso significa que todas as pessoas, independente do uso ou não do serviço, têm que pagar. Isso pode soar razoável para muitas pessoas como uma forma de ajudar as pessoas a pagarem pelos serviços que, de outra forma, não conseguiriam. Mas no caso do seguro saúde, todo mundo recebe o subsídio de forma equânime. Isso significa que o seu subsídio como um jovem nos seus 20 anos pode ajudar a cobrir uma mamografia para uma senhora rica de 60 anos ou tratamentos para uma pessoa que tem fumado e bebido muito por toda a sua vida. Você não pode escolher adquirir um seguro de saúde diferente que não cobre tais serviços – e, portanto, mais acessíveis – porque as companhias de seguro são legalmente obrigadas a reembolsar médicos e fornecedores desses serviços. O governo tem efetivamente tributado você através do aumento dos prêmios e entregado subsídios de forma indiscriminada. (E note que esse tipo de subvenção cruzada não ocorre no caso do seguro de carros; motoristas mais velhos, com perfil de risco menor, não são forçados a subsidiar os prêmios de seguro de motoristas mais jovens e inexperientes). Existe claramente uma rede complexa de incentivos em jogo nos sistemas atuais de seguros e planos de saúde. A maioria das pessoas não pensa nisso, mas suas vidas são dirigidas, manipuladas e controladas por um sistema confuso e incoerente de intervenções. Eles não tornam o sistema mais racional, somente mais difícil para que possamos tomar decisões racionais sobre nossas vidas. Nós podemos desejar um equilíbrio entre qualidade, conveniência, preço, acesso e reputação, no entanto, as intervenções atuais nos impedem de alcançar tal equilíbrio, isto é, o equilíbrio adequado para nós. Os preços aumentam graças às proibições contra a contratação interestadual e os numerosos serviços que as companhias de seguros devem cobrir, mesmo se forem irrelevantes para o indivíduo que está contratando a apólice. Essas e muitas outras restrições poderiam ser abolidas sem prejudicar nossa saúde ou nossos bolsos. Na verdade, permitir que as pessoas adquiram seguro de saúde interestadual significa que as seguradoras teriam que competir umas com as outras para oferecer as melhores opções. Um sistema de preços claro nos fortalece na luta contra incentivos disfuncionais e assegura que estamos obtendo o seguro saúde adequado. As leis de licenciamento restringem a oferta de provedores de serviços de saúde, significando que eles usaram o governo para nos forçar a adquirir serviços deles, em vez de provedores concorrentes que poderiam oferecer esses serviços a preços mais competitivos. Permitir a competição na provisão de serviços e se mover para certificação de habilidades, em vez da limitação da oferta, aumentaria o conhecimento disponível para os clientes (consumidores dos planos de saúde) (condescendentemente, chamados de “pacientes” e eliminaria a situação absurda na qual somente algumas pessoas podem prescrever antibióticos mesmo para as infecções mais simples). O sistema médico nos Estados Unidos é dificilmente o pior do mundo. Permite maior liberdade de escolha do que muitos e está onde você precisa que esteja se você tem seguro e uma situação complicada. Contudo, a rede complexa de intervenções tem gerado um sistema caótico, incoerente e propenso à crise que custa mais do que deveria (e poderia, se houvesse concorrência) e nos transforma de participantes ativos nas nossas próprias escolhas de planos de saúde em “pacientes”, recipientes passivos do que o sistema entregar. A tecnologia de saúde gerou avanços que nossos pais e avós mal poderiam imaginar, mas não colheremos todos os benefícios desse progresso se não nos livrarmos do sistema de intervenções estatais que nos cercam, restringem a concorrência na saúde, criam redes de incentivos perversos, e nos roubam a dignidade e nossa própria saúde. Corpos saudáveis são parte de uma vida saudável, e a liberdade é a base sobre a qual deveríamos fortalecer tal corpo. Capítulo 11 Como você sabe? Conhecimento e a presunção de liberdade Lode Cossaer e Maarten Wegge Como podem coisas conhecidas individualmente por milhões de mentes tornarem-se úteis a todos? Nesse caso, quais vantagens as sociedades livres têm em relação às sociedades controladas ou ditatoriais? Como o estado de direito, a propriedade privada, a troca voluntária e os preços resolvem problemas que o planejamento central coercivo não consegue? Maarten Wegge estudou Ciências Políticas na ETH Zurich e na Universidade de Antuérpia, onde se tornou mestre, e foi oficial político da Liberaal Vlaams Studenten Verbond (LVSV, Classical Liberal Flemish Students Association). Ele é atualmente o diretor acadêmico do Murray Rothbard Institute na Bélgica. Lode Cossaer onde se tornou mestre em Filosofia na Universidade de Antuérpia e Universidade Católica de Leuven e está atualmente trabalhando na sua tese de doutorado. Ele é professor de Economia em Bruxelas. Como Maarten Wegge, Cossaer foi um oficial político da LVSV. Ele é membro do conselho executivo do European Students for Liberty e presidente do Murray Rothbard Institute na Bélgica. Suponha que lhe pedissem para tomar todas as decisões em nome de seus parentes ou irmãos. Você poderia fazer isso? Suponha que lhe pedissem para fazer a mesma coisa por seus amigos e familiares. Você seria capaz de fazê-lo? Suponha que você tivesse que tomar decisões diárias em nome de bilhões de desconhecidos, tanto para os que estão vivos hoje, quanto para aqueles que viverão no futuro. Esse seria um grande desafio, não? Você teria que saber não somente dos fatos, mas também dos objetivos. Quais seriam os seus objetivos? E depois de escolher os objetivos, como você os alcançaria? F. A. Hayek se referiu ao conjunto de problemas envolvidos como o “problema do conhecimento”, o qual foi por ele caracterizado como “um problema de como assegurar o melhor uso dos recursos para qualquer membro da sociedade, para fins cuja importância relativa apenas esses indivíduos conhecem”74. A fim de esclarecer o que é problema do conhecimento, podemos dividi-lo em três questões: Primeiro, como uma sociedade pode maximizar o uso do conhecimento? Segundo, como podemos incentivar o uso do conhecimento de tal forma que as pessoas fossem induzidas a tornar seu conhecimento disponível aos outros? Terceiro, como podemos gerar o conhecimento necessário para que as pessoas coordenem suas ações e produzam o progresso social e econômico? Essas três questões levam a outra, a saber, quais processos sociais são mais adequados para produzir conhecimento, aperfeiçoando e incentivando seu uso? A resposta oferecida pelos libertários é o que Adam Smith chamou de “o óbvio e simples sistema de liberdade natural”75. Os elementos centrais de tal sistema são a “propriedade individual” (às 74 HAYEK, Friedrich A. The Use of Knowledge in Society. American Economic Review. XXXV, No. 4. p. 519-30. American Economic Association. 1945. Library of Economics and Liberty [Online] disponível em www.econlib.org/library/Essays/hykKnw1.html; acessado em 12 de maio de 2013. Ver também SOWELL, Thomas. Knowledge and Decisions. New York: Basic Books, 1996. 75 SMITH, Adam. An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. London: Methuen & Co., Ltd. 1904. Library of Economics and Liberty [Online] disponível em www.econlib.org/library/Smith/smWN19.html; acessado em 12 de maio de 2013. vezes, conhecida como “propriedade privada”) que é bem definida, legalmente defensável, e transferível; a liberdade de troca; e o estado de direito que define, protege e facilita tais trocas. Essas questões dizem respeito não somente à forma mais eficiente de organizar a sociedade. Elas também estão profundamente arraigadas na moralidade e na ética. Seria a liberdade tão importante se todos nós tivéssemos o conhecimento perfeito dos desejos e necessidades das pessoas ou dos fatos do mundo? Se tal conhecimento fosse possível, o argumento em prol de uma sociedade centralmente planificada poderia ser mais plausível, assumindo, é claro, que os planejadores fossem benevolentes e altruístas. O simples fato, contudo, é que nenhum de nós é onisciente, mesmo se todos nós fossemos benevolentes e preocupados com a coletividade. Você gostaria que outra pessoa decidisse tudo em seu nome? Provavelmente, não. Cada de um de nós possui conhecimento íntimo de nossos próprios objetivos pessoais e dos meios disponíveis para alcança-los. Outras pessoas têm mais dificuldade de acesso a esse conhecimento específico. Outras pessoas raramente sabem tanto sobre sua situação quanto você sabe. E você raramente sabe muito sobre as vidas dos outros como eles próprios sabem. Existe uma “assimetria” fundamental quando nos referimos ao conhecimento. Essa assimetria é uma boa razão para endossar a presunção da liberdade. Um dos argumentos mais fortes em prol da liberdade é baseado no entendimento do problema do conhecimento. Vamos analisar com mais cuidado o que esses insights significam para a emergência e a sustentabilidade da ordem social. Por ordem social, referimo-nos a uma sociedade na qual somos capazes de coordenar nossas ações em prol do benefício mútuo, seja para o lazer, produção de riqueza ou outros objetivos. O que a ordem social requer é o que Hayek chamou de “uma ordem de ações”. Como Hayek observou, “o que é requerido se queremos que as ações independentes dos indivíduos resultem em uma ordem geral é que elas não somente não interfiram desnecessariamente nas outras, mas também que nesse sentido no qual o sucesso da ação dos indivíduos depende de alguma ação complementar dos outros, existirá pelo menos uma boa chance de que essa correspondência efetivamente ocorra” 76. A desordem social, por outro lado, implica a interação humana caracterizada por crimes, fraude, roubo, assalto, assassinato e até mesmo guerra. A ordem social torna possível para nós perseguirmos nossos objetivos de forma pacífica na cooperação voluntária com os outros, de forma que possamos devotar nossos recursos, não somente à mera sobrevivência (especialmente quando confrontados por outros que estão se esforçando para tirar nossa vida, nossa liberdade e nossos bens), mas às coisas boas da vida, tais como a amizade, o amor, a criação, o diálogo, a arte, os esportes, a descoberta, a invenção e a miríade de outros objetivos de pessoas livres. Instituições são o que tornam tal cooperação possível. Vamos começar pela distinção entre instituições legais, políticas e econômicas. Instituições de mercado: comércio e preços Qual tipo de ordem legal e econômica trata do problema do conhecimento de forma mais eficiente? Qual sistema de regras maximiza o uso do conhecimento? Qual sistema incentiva as pessoas a tornarem seu conhecimento disponível e útil aos outros? E quais incentivos levam a mais conhecimento, em vez de menos? O sistema de liberdade natural fundado na propriedade e na liberdade de contrato fomenta duas forças aparentemente incompatíveis: a competição e a cooperação social. Nós escrevemos “aparentemente” porque um indivíduo não necessita escolher entre as duas. No mercado, empreendedores, mercantes, e firmas competem umas com as outras de maneira a receber a conquistar os negócios de seus consumidores, isto é, obter a chance de cooperar com eles. O direito ao comércio significa também o direito de escolher com quem negociar ou não. Os direitos de propriedade estabelecem referenciais; se você negocia, você transfere direitos, e se você não comercializa, você mantem o que é seu, portanto, qualquer troca voluntariamente acordada é uma melhoria com relação àquele patamar inicial. Os direitos de propriedade também especificam quem têm a liberdade para decidir o que fazer com um recurso, sujeito às regras normais contra o ataque à liberdade ou prejuízo aos direitos dos outros. 76 HAYEK, F. A. Law, Legislation, and Liberty: Volume I, Rules and Order. Chicago: University of Chicago Press, 1973. p. 98–99. Quando uma pessoa com liberdade para decidir o que fazer com um recurso é também a pessoa que pode colher os frutos e vendê-los, ou se beneficiar dos seus serviços, ou vender os próprios recursos, aquelas pessoas tem um incentivo a levar em conta o que os outros querem e o que os outros poderiam fazer com o recurso, porque elas podem negociar com ele ou ela. Isso certamente não significa que as pessoas não cometam erros, mas a habilidade de a pessoa colher os frutos do valor crescente de um recurso escasso dá aos proprietários incentivos a se engajarem naquelas atividades econômicas que produzem bens e serviços que os consumidores desejam adquirir. E os preços capitais (o preço de venda de um recurso) geram para os proprietários (e compradores potenciais) incentivos a levar em conta o futuro, pois uma torrente de benefícios futuros é “capitalizada” em um preço presente (em termos técnicos, o preço de uma casa é igual ao somatório de todos os aluguéis futuros que tal casa renderá, descontada a taxa de juros, a qual é uma forma criativa de dizer que os bens futuros podem ser valorados hoje). Se, todavia, os preços dos capitais não puderem ser estabelecidos por meio da troca voluntária, porque a propriedade e a troca não são permitidas, então os bens no futuro não terão um valor presente e existirá pouco ou nenhum incentivo à preservação; isto é, o que se conhece na ecologia como “a tragédia dos comuns” 77. O mero ato de comprar e vender no mercado cria os preços, os quais comunicam conhecimento importante: um preço sinaliza que alguém, em algum lugar, estava disposto a pagar aquele preço específico. Ele serve como uma “base de comparação” dos usos alternativos e valorações de um recurso escasso. Se eu decidir produzir algo, posso comparar os preços das mais variadas matérias-primas que podem fazer parte dele e esses preços me informam quais valores que outras pessoas estão dispostas a pagar por eles para outros usos. Eu preciso gerar mais valor que os valores alternativos de forma a vender o bem de forma lucrativa; se eu puder somente vender meu produto por menos do que a soma dos valores dos insumos, então eu sofro um prejuízo, o qual é uma forma efetiva de me dizer que eu não deveria continuar produzindo aquilo. Os preços emergem dos atos descentralizados de compra e venda – a pechincha – que caracteriza os mercados. Eles emergem como subprodutos dos atos de troca e transmitem informação de forma muito eficiente na forma universalmente compreensível de um número para os atuais – e potenciais – compradores e vendedores desses bens. É por isso que não há necessidade de uma agência de planejamento central para a produção de informação agregada em uma economia de mercado. Na sociedade, cada pessoa que contribui nesse processo é uma pequena ilha de conhecimento, mas suas ações contribuem para a criação de sinais que guiam as ações dos outros. Os preços coordenam o grande número de planos e ações individuais; pela busca do lucro individual, o benefício mútuo é gerado e milhões de pessoas (cada qual com acesso a pequenos bits de informação e perseguindo objetivos amplamente distintos) podem cooperar de forma pacífica, oferecendo informação aos outros, não somente sobre seus próprios objetivos, mas também sobre fatos objetivos, tecnologia, disponibilidade de recursos e mais. Isso somente ocorre se a busca do seu próprio autointeresse for restringida pelos direitos de propriedade dos outros, os quais são protegidos por lei. Se o autointeresse for combinado com o poder coercivo dos outros, então resultará, em vez disso, no roubo, no conflito violento, e, de modo geral, na descoordenação e desordem. É por isso que a competição e a cooperação social são processos, não condições perfeitas do mercado ou da sociedade. A propriedade, a troca, e os preços oferecem incentivos para que nós revelemos informações aos outros de forma útil e nos ajudem a coordenar nosso comportamento sem recorrer à coerção ou à força. É certamente verdade que a maioria (mas não todos) os proprietários de empresas não apreciam a concorrência dos rivais, mas essas mesmas pessoas aprovam quando outros competem entre si para conquistar novos negócios. Nós geralmente apreciamos preços baixos para o que compramos e preços altos para o que vendemos, então, gostamos da concorrência entre aqueles que produzem e vendem para nós e não gostamos de pessoas que concorrem conosco na venda do que produzimos. De modo geral, todavia, estamos em melhor situação quando a livre concorrência e o livre mercado são a regra. (O esforço para a proteção de monopólios, subsídios, e outros privilégios especiais por meio do poder coercivo do Estado é conhecido entre os economistas pelo termo, de certa forma confuso, “rent seeking”78 e existem muitos estudos sobre políticas intervencionistas relacionadas a interesses especiais de parte dos economistas da “Escolha Pública” e cientistas políticos79). 77 www.econlib.org/library/Enc/TragedyoftheCommons.html www.econlib.org/library/Enc/RentSeeking.html 79 www.econlib.org/library/Enc/PublicChoice.html 78 A interação de livre mercado diz respeito à criação de valor para as pessoas, não meramente “à maximização de lucros”80. O lucro econômico serve para nos dizer se uma empresa está ou não gerando valor. O lucro é a diferença entre o preço de venda e o custo, com os custos expressados em valores monetários que nos informam quais outros usos existem para os recursos escassos utilizados. E um prejuízo, no qual se incorre quando um bem pode somente ser vendido por menos que o custo de produção envia um sinal bem efetivo que, em vez de gerar valor, uma firma ou empreendedor está destruindo valor (jogando dinheiro fora). Lucros e prejuízos oferecem informações e incentivos que coordenam o comportamento de forma voluntária e guiam os participantes de mercado no sentido de alocar recursos aos seus usos mais valorizados. Instituições políticas Como as interações políticas se comparam às interações do livre mercado? Quais as vantagens e desvantagens que a ação estatal tem na resolução das questões do conhecimento tratadas na introdução? Existem mecanismos pelos quais as instituições da vida política – sejam ditatoriais ou democráticas, arbitrárias ou constitucionais, limitadas ou ilimitadas – maximizam a questão do conhecimento ou incentivam as pessoas a produzirem conhecimento ou revelarem aos outros o que sabem? Existe algo que se parece com lucros e prejuízos na espera política que nos permitam julgar interações políticas em termos de sucesso e fracasso, assim como confiamos nos lucros e prejuízos na esfera econômica? A interação política – entre políticos, burocratas e eleitores – informa-nos de forma suficiente sobre os desejos e necessidades dos outros e oferece incentivos para atendê-los? O que distingue a política de outras esferas da interação humana é que as interações políticas são baseadas na coerção, e não na cooperação voluntária. Leis adotadas pela maioria do parlamento são aplicáveis a todos nós, quer concordemos ou não. Você é obrigado a pagar impostos querendo ou não; não fazê-lo pode levar ao confisco dos seus bens, perda de liberdade por prisão ou algo pior. Você tem que “comprar” o que é oferecido a você, e não tem escolha. E você recebe o pacote completo – política externa, tributária, leis contra as drogas, lei matrimoniais, escolas, sistemas de saúde, e assim por diante. Você não pode escolher um pouco mais disso e um pouco menos daquilo, como você normalmente poderia nas transações do livre mercado. É como ter que aceitar, em uma transação colossal “pegar ou largar”, um conjunto que inclui sua casa, seus sabonetes, seus alimentos, seu telefone, seus óculos ou lentes de contato (mesmo se você não precisa ou deseja adquiri-las), seus animais de estimação (mesmo se você for alérgico a eles), suas meias, sua coleção de CDs, sem ser capaz de comprar qualquer um desses itens de outros fornecedores, concorrentes, ou meramente evitar comprá-los. E por não ser voluntária, muitas das transações não serão mutualmente benéficas para todos os envolvidos, enquanto que a troca no mercado é realizada entre partes interessadas, e aqueles não envolvidos são protegidos pelas regras da propriedade alheia que podem vir a desejar invadir seus direitos. Embora as pessoas crescentemente participem da administração pública, devido ao grande número de países que são considerados democracias, quanto os eleitores podem informar o que querem ou do que necessitam? Isto é, qual o conhecimento de nossos desejos e necessidades que podemos comunicar por meio das urnas? Quando vamos votar, somos convidados a informar nossas preferências com respeito a muitas coisas ao mesmo tempo, tornando-se difícil para que alguém entenda porque um eleitor votou dessa ou doutra forma, ou o que querem ou necessitam de seus representantes. Hoje em dia, políticos tomam decisões sobre tributação, relações diplomáticas ou militares, meio ambiente, educação, gastos com assistencialismo, imigração, saúde, quais produtos devem ou não ser vendidos, moradia, casamento – você pode citar outros tópicos que estão sendo votados em algum lugar... Um eleitor pode apoiar um candidato(a) particular porque concorda com ele(a) em todos aqueles tópicos, ou porque se ele (ela) se preocupa com um deles de forma especial e concorda com o candidato naquele tópico. Os eleitores podem escolher o candidato que consideram fidedigno, instruído, amigável ou mesmo bonito. Não existe quase nenhuma forma de saber a motivação dos eleitores. E mesmo se disserem nas pesquisas, “eu votei no candidato X porque X parecia esperto” ou “concordava comigo no corte de impostos”, ou “tinha 80 Para mais explicações e evidências, veja os ensaios em The Morality of Capitalism, editado por Tom G. Palmer. .Ottawa, IL: Jameson Books, 2011, especialmente Interview with an Entrepreneur (entrevistando o fundador da Whole Foods Market, John Mackey) e The Paradox of Morality do professor libertário chinês Mao Yushi. uma postura dura contra o crime”, é difícil saber quais outras posições ou características desse candidato que apoiam ou se opõem. Votar em candidatos não é uma forma eficiente de descobrir o que os eleitores pensam. (E a situação piora quando você percebe que uma coisa decidida pelos eleitores é se os outros serão livres para expressarem suas preferências ou viverem suas vidas como desejarem; é por isso que a democracia ilimitada é às vezes descrita como dois lobos e uma ovelha votando sobre o que será o prato do jantar.) Se uma empresa produz bens e serviços que as pessoas não consideram de valor, ou que estão fora de sua capacidade de pagamento, os negócios sofrem prejuízos e cessam suas atividades. Em contraste, os governos podem nos forçar a pagar por produtos e serviços ruins, porque ele pode usar a coerção. Você pode não gostar do que o governo produz, mas é o que você receberá. No livre mercado, os consumidores compram bens e serviços que outros não querem, e podem até mesmo considerá-los terríveis ou de péssima qualidade. No livro mercado, os compradores podem expressar seus gostos particulares, desde que não prejudiquem os outros. Quando o governo fornece bens e serviços, as pessoas geralmente tem que aceitar um produto único. Você não pode dizer que você preferiria menos de certa atividade governamental e mais doutra. Você recebe um pacote fechado. Normalmente, não temos a opção da interação política, de comprar outro produto ou trocar o fornecedor de um serviço. Nós não podemos demonstrar nossas preferências sobre os tradeoffs e escolhas “na margem”81. O estado de direito Regras são necessárias para a existência da cooperação pacífica. Os mercados, não menos que os governos (e, de várias formas, muito mais que os governos) são governados por regras. Como John Locke argumentou, “onde não existe lei, não existe liberdade” 82. Nós não podemos ter indivíduos quebrando contratos, roubando, agredindo os outros ou violando direitos de modo geral. Mas as regras não precisam ser complexas ou complicadas para funcionar ou sustentar a ordem de uma sociedade livre. Em vez disso, regras simples de propriedade e contratos geram preços que coordenam as formas enormemente complexas de ordem social83. Do estudo da geologia ao estudo de bandos de aves ou cardumes de peixes, os cientistas conseguiram nos últimos anos entender melhor como princípios (ou regras) simples podem gerar padrões incrivelmente complicados. Isso também se aplica à ordem humana: as regras simples de sociedades livres geram mais ordem e tornam possível maior desenvolvimento que as intervenções complexas dos planejadores socialistas. Para se qualificar como uma estrutura de ordem social “liberal” ou “libertária”, certas características formais (conhecidas, de modo geral, como “estado de direito”) são necessárias: pelo menos, as regras devem ser claras e acessíveis; devem ser imparcialmente aplicadas; e devem demarcar as esferas de arbítrio pessoal dentro das quais um indivíduo é livre de poder ou comando externo84. Todas elas são importantes. Suponha que as regras na sociedade não sejam claras, significando que pode ser impossível (ou muito difícil) entendê-las, ou retroativas ou até mesmo contraditórias. Isso significaria que as pessoas não saberiam de antemão o que é ou não legal – o que está ou não sujeito à ação legal. Entre outras falhas, a incerteza inerente a esse tipo de regime prejudica o planejamento, e consequentemente a coordenação voluntária de planos. A ordem legal deveria transmitir conhecimento à lei e se falhar em fazê-lo, fracassará como ordem jurídica. Mesmo leis claras requerem juízes neutros. Se um juiz aplica a regra de uma forma aos membros de uma família e de outra a membros de outra família, não é uma regra. Ou se o juiz emite uma sentença, influenciado por suborno ou pressão política (o que é chamado em alguns países de “justiça do telefone”: quando o juiz recebe uma ligação do Ministro da Justiça dizendo a ele ou ela como julgar), ou raça, ou religião, ou idioma, ou etnia, ou alguma outra 81 Para boas introduções sobre o estudo científico das escolhas políticas, veja BUTLER, EAMONN. Public Choice: A Primer. London: Institute of Economic Affairs, 2012; TULLOCK, Gordon. Government Failure: A Primer in Public Choice. Washington, DC: Cato Institute, 2002. 82 John Locke, Second Treatise of Government, cap. VI. 83 EPSTEIN, Richard. Simple Rules for a Complex World. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1995. 84 O acadêmico do Direito, liberal, Lon Fuller, identificou oito maneiras de uma pessoa falhar ao fazer uma lei em seu livro The Morality of Law. New Haven: Yale University Press, 1939. p. 33-37. Hayek aprofundou o assunto: “A lei deverá consistir de regras independentes de propósito, as quais governam a conduta de indivíduos para uns com os outros, devem ser aplicadas a um número de instâncias superiores, e por definir certo domínio de cada, tornam possível a ordem de ações formar a si mesma onde os indivíduos podem fazer planos factíveis.” HAYEK, F. A. Law, Legislation, and Liberty: Volume I, Rules and Order. Chicago: University of Chicago Press, 1973. p. 85-86 razão além da lei e dos fatos do caso, está aquém do estado de direito. (Isso não quer dizer que a função judicial seja mecânica; há espaço para o exercício da sabedoria prática, ou o que os latinos chamavam de prudentia, e os gregos, phronesis, porém, tal sabedoria prática não é arbitrária ou contrária às regras da mesma forma que o são o suborno, o racismo e o favoritismo) A clareza das regras, combinada com razoável certeza de que as regras serão cumpridas de forma imparcial, está muito distante da criação de uma estrutura para uma sociedade justa. Mas a ordem legal de uma sociedade livre requer mais que regras claras aplicadas de forma justa e equânime. Requer que as leis definam e protejam as esferas de discrição. Uma pessoa livre deveria, no gozo de sua vida, liberdade e propriedade, não ter “que estar sujeita à vontade arbitrária do outro, mas livre para seguir a sua”, como Locke argumentou 85. Todo mundo precisa do que Hayek chamou de “domínio protegido”, dentro do qual você pode tomar decisões. Sem ele, haveria pouca ou nenhuma inovação, isto é, pouca ou nenhuma produção de conhecimento. A liberdade não é importante meramente porque você pode fazer o que quiser; é talvez mesmo mais importante porque outras pessoas podem fazer o que elas quiserem. Como Hayek explicou, “o que é importante não é o tipo de liberdade da qual eu, pessoalmente, gostaria de disfrutar, mas a liberdade que alguma pessoa pode necessitar de maneira a fazer coisas benéficas à sociedade. Essa liberdade pode ser assegurada ao desconhecido somente se for concedida a todos”86. O problema do conhecimento também permeia todas as questões da lei discutidas anteriormente. É raramente (se alguma vez) óbvio a todas as pessoas qual regra deveria ser aplicada, nem qual sua melhor interpretação ou aplicação. Essas são questões complexas e importantes. É por isso que pensadores da tradição clássico-liberal argumentam em prol de mecanismos descentralizados para a identificação de regras boas e procedimentos públicos e transparentes de forma a chegar a julgamentos. O primeiro inclui tais arranjos como a autonomia local, o federalismo, e mesmo jurisdições legais concorrentes e sobrepostas, de forma que os erros possam ser corrigidos e práticas superiores, descobertas; o ultimo inclui julgamentos públicos, a publicação de processos legais, discussões parlamentares abertas ao público, liberdade de imprensa, e outras práticas que asseguram a transparência, de forma que a corrupção possa ser exposta, processos injustos relevados, e interesses especiais desmascarados. Não é o suficiente confiar nas boas intenções ou justificações sublimes. Um conjunto de instituições apropriadas para uma sociedade livre e justa deveria ser capaz de funcionar mesmo com a intromissão de motivações ruins de pessoas más; ele não pode depender da pureza dos motivos ou do desinteresse dos agentes, mas deveria ser capaz de sobreviver não somente nos melhores casos (por exemplo, governantes imparciais, motivados e razoavelmente bem informados), mas também nos piores casos (governantes tendenciosos, facilmente influenciáveis, sedentos por poder e mal informados). Essa é condição conhecida como “robusta” 87. Eles deveriam também ser capazes de se adaptar às circunstâncias, não meramente resistir a elas; eles deveriam pagar pelos seus erros, assim como ocorre no mercado (lembre que a competição do mercado trata de “tentativa e erro”, e o erro é uma parte importante do aprendizado facilitado pelo livre mercado). Isso tem recentemente sido chamado de “antifrágil” 88. Conclusão Retornemos aos questionamentos iniciais: 85 Primeiro, como uma sociedade pode maximizar o uso do conhecimento? Segundo, como podemos incentivar o uso do conhecimento de tal forma que as pessoas fossem induzidas a tornar seu conhecimento disponível aos outros? LOCKE, John. Second Treatise of Government. Cap. VI. HAYEK, F. A. The Constitution of Liberty. Chicago: University of Chicago Press, 2011. 87 Para discussões fortes, veja BOETTKE, P J; LEESON, P. T. Liberalism, Socialism, and Robust Political Economy. In Journal of Markets & Morality (2004), 7:1, p. 99-111 e PENNINGTON, Mark. Robust Political Economy: Classical Liberalism and the Future of Public Policy. Cheltenham: Edward Elgar Publishing, 2011. 88 Veja TALEB, Nassim Nicholas. Antifragile: Things that Gain from Disorder. New York: Random House, 2012. 86 Terceiro, como podemos gerar o conhecimento necessário para que as pessoas coordenem suas ações e produzam o progresso social e econômico? Tanto a natureza do problema, assim como a experiência histórica sugerem que sistemas hierárquicos e coercivos de comando e controle – o sonho de socialistas, fascistas, nacional-socialistas, socialistas internacionais e todas as outras variedades de estatistas coletivistas – não funcionam muito bem. Nenhuma pessoa ou comitê pode obter a informação necessária para coordenar milhões (ou bilhões) de pessoas com objetivos distintos e conhecimento fragmentado. É por isso que a liberdade e o estado de direito são tão importantes. Eles fazem o trabalho que o planejamento central não faz. Capítulo 12 As origens do Estado e do Governo Tom G. Palmer O Estado é responsável pela riqueza e ordem social? O que é um Estado e o que é um governo? Um pequeno resumo da sociologia do Estado mostra que o Estado emergiu quando “bandidos errantes” tornaram-se “bandidos estacionários” e instituíram o roubo institucionalizado. A conquista da liberdade tem sido, sobretudo, um produto da submissão do Estado à lei, um processo que é ainda uma luta permanente. (Esse ensaio foi originalmente apresentado em forma de palestra no Seminário de Verão da Cato University, no ano de 2012). Muitas pessoas acreditam que o Estado é responsável por tudo. De acordo com Cass Sunstein, professor de Direito na Universidade Harvard e administrador do Gabinete de Informação e Assuntos Regulatórios, “O governo está ‘implicado’ em todas as propriedades das pessoas... se os ricos têm muito dinheiro, é porque o governo fornece um sistema no qual eles têm o direito a ter e manter aquele dinheiro.” Essa é a formulação acadêmica de um conceito que foi reafirmado recentemente de forma popular. “Se você alcançou o sucesso, não foi por suas próprias forças... se você alcançou o sucesso, alguém ao longo do caminho o ajudou... alguém ajudou a criar esse inacreditável sistema norte-americano que permitiu a sua prosperidade. Alguém investiu em estradas e pontes. Se você tem um negócio – você não o construiu. Alguém o tornou possível”. Essas palavras foram ditas pelo chefe de Sunstein, o presidente Obama. Mesmo uma interpretação caridosa dos comentários do presidente mostra que ele não entende o conceito de contribuição marginal à produção, por exemplo, pelo valor adicionado por uma unidade adicional de trabalho. Ele não entende como a riqueza é gerada. Sunstein e seus colegas pensam que, por atribuir toda a riqueza ao Estado, o Estado tem um direito total a ela, ao passo que os reais produtores, não. O que é o Estado, exatamente? A definição universalmente aceita foi oferecida por Max Weber, quem definiu o Estado como “aquela comunidade humana a qual (exitosamente) reivindica o monopólio da violência física legítima dentro de certo território”. Na verdade, pode não ser o caso que toda a riqueza é atribuível ao Estado. Historicamente, a existência de um aparato estatal requer um excedente preexistente para sustentá-lo. O Estado, em outras palavras, não existiria sem a riqueza produzida antes de sua emergência. Vamos aprofundar um pouco mais. Por que as pessoas possuem riquezas? Charles Dunoyer, um dos primeiros sociólogos libertários, explicou que “existem no mundo somente dois grandes grupos: aqueles que preferem viver do produto do seu trabalho e de sua propriedade, e aqueles que preferem viver do trabalho e da propriedade dos outros”. Em resumo, produtores produzem, enquanto tomadores se apropriam do produto. No seu importante livro “O Estado”, o sociólogo Franz Oppenheimer distinguiu entre o que ele chamou de meios econômicos e meios políticos de obtenção de riqueza, isto é, entre “trabalho e roubo”. “O Estado”, ele concluiu, “é uma organização de meios políticos”. Os meios econômicos devem preceder os meios políticos. Contudo, nem todos os tipos de trabalho produzem excedentes suficientes para sustentar o Estado. Você não encontra Estados entre os caçadores-coletores, por exemplo, porque eles não geram excedente suficiente para sustentar uma classe predatória. O mesmo se aplica às primitivas sociedades agrícolas. O que é necessário é uma agricultura organizada, que gera excedente suficiente para atrair a atenção dos predadores e sustentá-los. Tais sociedades foram normalmente conquistadas por nômades – especialmente os montados, capazes de dominar os agricultores sedentários. Vemos que isso aconteceu diversas vezes, depois que povos nômades saíram da Ásia Central milênios atrás. Existe um relato sobre o antigo conflito registrado no Livro do Gênesis, o qual nos conta a história do fratricídio de Cain e Abel. É significante que “Abel era o pastor das ovelhas, mas Cain era o que cultivava a terra”, um eco do conflito entre os agricultores e os pastores nômades. A formação do Estado representa uma transformação de “bandidos errantes” em “bandidos estacionários”. Como o economista Mancur Olson escreveu, “se um líder de uma gangue de bandidos errantes encontra somente restos de uma colheita é forte o bastante para se apropriar de um dado território e manter os outros bandidos de fora, ele pode monopolizar o crime naquela área – e pode se tornar um bandido estacionário”. Esse é um insight importante sobre o desenvolvimento das associações políticas humanas. O Estado é, no seu núcleo, uma instituição predatória. Ainda assim, de alguma forma, representa um avanço, mesmo para aqueles que estão sendo roubados. Quando a escolha é entre bandidos errantes (que roubam, lutam, queimam o que não podem levar, e retornam no ano seguinte) e bandidos estacionários (que se fixam em um local e roubam pouco a pouco ao longo do ano), a escolha é clara. É menos provável que bandidos estacionários matem ou destruam enquanto roubam, e eles protegem a comunidade da invasão de bandidos rivais. Esse é o tipo de progresso – mesmo da perspectiva daqueles que estão sendo roubados. Estados emergiram como organizações de extração dos excedentes daqueles que produzem riqueza. No seu livro, “A arte de não ser governado”, o antropólogo e cientista político James C. Scott da Universidade de Yale estuda regiões do mundo que nunca foram exitosamente dominadas por Estados. Um conceito central em seu trabalho é a “fricção do poder”: o poder não flui facilmente para cima. Quando ondas de conquistadores invadiam uma área, eles subjugavam os vales, enquanto os que escapavam fugiam para locais mais altos, menos desejáveis. Scott aponta que aqueles refugiados desenvolveram instituições sociais, legais e religiosas que os tornaram muito resistentes a conquistas. Isso é especialmente verdade dos povos das montanhas e povos dos pântanos (é uma vergonha que diversos líderes não tenham lido o livro de Scott antes de ocupar o Afeganistão e promover a “reconstrução do Estado”). Quais são os incentivos dos governantes? Modelos demasiado simplistas defendem que os governantes procuram maximizar a riqueza ou PIB. Scott, todavia, argumenta que o incentivo dos governantes não é maximizar o PIB, mas maximizar o “PAE”, o produto acessível ao Estado, entendido como a produção que é facilmente identificável, monitorável, contabilizável e confiscável por meio da tributação: “O governante... maximiza o produto acessível ao Estado, se necessário, à custa da riqueza geral do território e de seus moradores.” Considere (ou que como um governante diria, “tome”), como exemplo, a agricultura. Os governantes na Ásia suprimiram o cultivo de raízes ou tubérculos, “os quais têm sido um anátema aos estatistas, tradicionais ou modernos”, em favor do cultivo de arroz. Isso é muito intrigante. Por que os governantes se preocupariam tanto com as culturas sendo plantadas? A razão, observa Scott, é que você não consegue tributar de forma eficiente plantas que nascem debaixo da terra. Os cultivadores colhem quando querem; de outra forma, elas permanecem no solo. O arroz, por outro lado, tinha que ser colhido em tempos específicos por grandes concentrações de pessoas, de forma que era mais fácil tanto para monitorar quanto tributar a colheita e alistar os trabalhadores para os seus exércitos. Os incentivos dos governantes têm efeitos sistemáticos em muitas práticas e permeiam nossas sociedades. Sistemas estatais de controle social – do alistamento militar à educação compulsória – têm sempre permeado nossa consciência. Considere, por exemplo, o passaporte. Você não pode viajar ao redor do mundo hoje sem um documento emitido pelo Estado. Na verdade, você não pode mais viajar ao redor dos Estados Unidos sem um documento emitido pelo Estado. Passaportes são invenções muito recentes. Por milhares de anos, as pessoas viajaram para onde queriam sem a permissão do Estado. Na parede do meu escritório está a propaganda de uma antiga revista alemã que mostra um casal no compartimento de um trem em frente a um oficial da fronteira demandando, “seu passaporte, por favor!”. Isso explica quão bonitos os passaportes são, eles lhe dão a liberdade do mundo. Obviamente, isso é um absurdo. Os passaportes restringem sua liberdade. Você não tem permissão para viajar sem o documento, mas nós ficamos tão saturados com a ideologia do Estado – e a internalizamos tão profundamente – que muitos veem o passaporte como uma concessão de liberdade, em vez de uma restrição a ela. Uma vez fui questionado depois de uma palestra se eu era a favor de certidões de nascimento emitidas pelo Estado. Depois de um momento, disse que não poderia pensar em nenhuma razão contundente para isso e como outras instituições podem fazê-lo, a resposta era “não”. O autor da pergunta rebateu: “Como você saberia quem você é? Mesmo a identidade pessoal, aparentemente, é conferida pelo Estado”. Os Estados atuais também afirmam ser a única fonte de leis. Mas, historicamente, os Estados, em grande parte das vezes, substituíram a lei consuetudinária pela lei imposta. Existe uma grande quantidade de leis ao nosso redor que não é produto do Estado, pois a lei é um subproduto da interação voluntária. Como o grande jurista, Bruno Leoni, argumenta, “Indivíduos fazem a lei na medida em que fazem afirmações exitosas”. Pessoas fazendo contratos no âmbito privado estão fazendo leis. No século XVI, o influente pensador Jean Bodin focou na ideia da soberania, a qual definiu como “o poder mais elevado, absoluto e perpétuo sobre os cidadãos e indivíduos em uma comunidade”. Ele contrapôs esse “poder indivisível” com outro tipo de ordem social, conhecida com o direito consuetudinário, o qual ele rejeitava porque, segundo ele: “a tradição adquire sua força pouco a pouco, e pelo consentimento comum de todos, ou a maioria, no decorrer dos anos, enquanto a lei aparece de forma repentina, e retira sua força de uma pessoa que tem o poder de comandar a todos”. Em outras palavras, Bordin reconheceu que a tradição gera a ordem social, contudo, definiu a lei como requerente da imposição hierárquica da força, a qual, por sua vez, requer a soberania – um poder que é absoluto, incondicional e, portanto, acima da lei. Aquele tipo de soberania é inerentemente contrário ao estado de direito, da mesma forma que é contrario aos princípios dos sistemas federais, tais como aquele dos Estados Unidos, no qual o poder é dividido entre os diferentes níveis e poderes de governo. Nos regimes constitucionais, a lei, não o poder absoluto, é considerada suprema. A evolução da liberdade tem sido um processo longo de restrição do poder aos rigores da lei. A imposição da força tem, por outro lado, deixado marcas em nossas mentes. Alexandre Rustow, um sociólogo proeminente e pai do renascimento pós-guerra da liberdade na Alemanha, meditou sobre as origens do Estado na violência e predação e suas marcas permanentes: “Todos nós, sem exceção, carregamos o veneno hereditário dentro de nós, nos mais variados e inesperados lugares e nas mais diversas formas, frequentemente desafiando a percepção. Todos nós, coletiva e individualmente, somos acessórios do maior pecado de todos os tempos, esse real pecado original, uma falha hereditária que pode ser imposta e apagada somente com grande dificuldade e de forma lenta, no discernimento de uma patologia, pela vontade do paciente, pelo remorso ativo de todos”. Dá trabalho libertar nossas mentes da dependência do Estado. Quando meditamos sobre o que significa viver como pessoas livres, não deveríamos nunca nos esquecer de que o Estado não nos concede nossas identidades, ou nossos direitos. A Declaração da Independência dos Estados Unidos mostra que “para assegurar nossos direitos, os governos foram instituídos entre os homens”. Nós asseguramos o que já é nosso. O Estado pode adicionar valor quando nos ajuda a fazê-lo, mas os direitos e a sociedade são anteriores ao Estado. É fundamental lembrar-se disso na próxima vez que alguém dizer: “você não construiu isso”. Sugestões de leitura A liberdade não é somente um ideal de interação humana. Ela também pode ser usada como uma forma de análise e compreensão do mundo. Os estudantes encontrarão uma grande e crescente literatura sobre liberdade que abarca todas as ciências sociais e morais, no que costumava ser chamado de “ciências humanas”. As lentes da liberdade nos ajudam a perceber coisas sobre o mundo que a maioria das pessoas deixa passar. Alguém pode detectar formas de ordem que não são percebidas por outros, já que as tomam como dadas; eles não focam nelas porque lhes faltam as lentes da liberdade. As pessoas interagem diariamente de formas complexas sem receber nenhum tipo de ordem. As lentes da liberdade nos ajudam a focar no magnífico mundo das ordens espontâneas que nos rodeiam, além de nos ajudar a ver como a intervenção violenta pode desestabilizar tais ordens, substituindo a “ordem espontânea” pelo “caos planejado”. As lentes da liberdade podem nos ajudar a ver a dignidade das pessoas que disfrutam de direitos iguais e a injustiça e a maldade das violações dos direitos. Foram as lentes da liberdade que ajudaram as pessoas que consideravam a escravidão como algo normal a verem toda a maldade e injustiça de tal instituição. As lentes da liberdade nos ajudam a focar nossa atenção na injustiça e na conscientização moral para a construção de um mundo melhor, mais justo, mais pacífico e mais próspero. Em resumo: um mundo de liberdade. Elas nos ajudam a ver como a criminalização de crimes sem vítimas fomenta o crime organizado, corrompe o cumprimento da lei e destrói vidas. Existem muitos recursos disponíveis a todos que buscam o conhecimento. Abaixo, uma lista dos mais úteis. Websites em Inglês Libertarianism.org oferece uma biblioteca de vídeos, ensaios, livros e outros materiais para qualquer pessoa que desejar explorar as ideias libertárias. StudentsforLiberty.org disponibiliza artigos, blogs estudantis e muito mais. Inclui versões completas em PDF para download dos livros antigos dessa série - The Economics of Freedom, The Morality of Capitalism, and After the Welfare State. Oll.libertyfund.org (Online Library of Liberty) - não é somente um guia para blogs e outros recursos atuais, mas uma biblioteca gigante da literatura sobre liberdade, incluindo versões online de milhares de livros, dos mais populares aos clássicos e acadêmicos. Cato.org é produzido pelo Cato Institute, um dos principais institutos de pesquisa (“think tank”) libertário, e oferece estudos detalhados que aplicam princípios libertários e pesquisa de alta qualidade a questões particulares de política pública – de tributação à proibição da maconha, da política externa e militar à assistência social e seguro saúde. O site Cato mantém um programa especial para estudantes no www.facebook.com/CatoOnCampus. TheIHS.org é administrado pelo Institute for Humane Studies, o qual oferece bolsas de estudos, seminários e outros recursos valiosos aos estudantes. FEE.org é administrado pela Foundation for Economic Education, um dos mais antigos think tanks libertários dos Estados Unidos e que publica a revista The Freeman. A FEE organiza seminários para os estudantes. IES-Europe.org é administrado pelo Institute for Economic Studies, da Europa, o qual produz uma ampla gama de seminários e outros programas para estudantes europeus. LearnLiberty.org oferece vídeos curtos, divertidos e profissionalmente produzidos em conjunto com professores liberais clássicos e libertários. AtlasNetwork.org administrado pela Atlas Network oferece links para centenas de grupos e websites ao redor do mundo para aqueles que desejam explorar as ideias da liberdade nos idiomas russo, árabe, chinês, espanhol, português, vietnamita, lituano, hindu, francês e dezenas de outros idiomas. Livros Além das obras citadas nas referências dos ensaios desse livro, os seguintes livros podem ser especialmente interessantes para aqueles que desejam se aprofundar nas ideias da liberdade. Libertarianism: A Primer, de David Boaz (New York: Free Press, 1998), relaciona as ideias libertárias em um grande número de tópicos de uma forma muito clara. (Uma edição atualizada será lançada em 2015). The Libertarian Reader, editado por David Boaz (New York: Free Press, 1998), oferece uma ampla gama de escritos clássicos e modernos sobre temas libertários. Realizing Freedom: Libertarian Theory, Practice, and History, por Tom G. Palmer (Washington, DC: Cato Institute, 2009; nova edição em 2014), oferece uma série de ensaios, do popular ao acadêmico, que tratam de história, teoria política, filosofia moral, economia, desenvolvimento e muito mais. Robust Political Economy, de Mark Pennington (Cheltenham: Edward Elgar, 2011), reflete sobre as últimas descobertas de acadêmicos da Escolha Pública e oferece uma nova abordagem à economia política que depende de condições realistas para o julgamento de sistemas alternativos de governo. The System of Liberty: Themes in the History of Classical Liberalism, de George H. Smith (Cambridge University Press, 2013, oferece uma abordagem às ideias da liberdade que é tanto acessível quanto profundamente acadêmica. Free Market Fairness, de John Tomasi (Princeton: Princeton University Press, 2013), oferece um tratamento relativamente técnico à filosofia política acadêmica contemporânea e argumenta que mercados livres e governo limitado na realidade satisfazem o critério de “justiça social” melhor que a intervenção estatal que procura ordenar os resultados “socialmente justos”. Tom G. Palmer é vice-presidente executivo de programas internacionais na Atlas Network. Ele supervisiona o trabalho de equipes que divulgam os princípios do liberalismo clássico e trabalha com uma rede global de think tanks e institutos de pesquisa ao redor do mundo. Dr. Palmer é um membro sênior do Cato Institute, onde ele foi vice-presidente de programas internacionais e diretor do Center for the Promotion of Human Rights (tradução livre, Centro de Promoção dos Direitos Humanos.) Ele foi membro do Hertford College, Oxford University, e vice-presidente do Institute for Humane Studies na George Mason University. Ele é membro do conselho de assessores do Students for Liberty. Ele publicou diversas resenhas e artigos sobre política e moralidade em periódicos acadêmicos como Harvard Journal of Law and Public Policy, Ethics, Critical Review, and Constitutional Political Economy, assim como em publicações como Slate, Wall Street Journal, New York Times, Die Welt, Al Hayat, Caixing, Washington Post, e The Spectator de Londres. Ele obteve seu Mestrado em Artes Liberais do St. Johns College em Annapolis, Maryland; seu mestrado em Filosofia na The Catholic University of America em Washington, DC; e seu doutorado em política pela Oxford University. Seu trabalho de conclusão foi publicado em livros das editoras Princeton University Press, Cambridge University Press, Routledge, e outros periódicos acadêmicos. Ele é o autor de Realizing Freedom: Libertarian Theory, History, and Practice, publicado em 2009; o editor de The Morality of Capitalism, publicado em 2011, e After the Welfare State, publicado em 2012.