2.3 A ACELERAÇÃO DA DISRITMIA Identificadas as características de cada componente do processo de mudanças, merecem consideração as seguintes características referentes ao processo globalmente considerado. • A aceleração como processo histórico É necessário considerar que o processo de mudanças além de inevitável, por acontecer como um imperativo da história, e da natureza dinâmica da espécie humana vivendo em sociedade, apresenta as mesmas características da lei geral da aceleração das mudanças. Neste contexto cabe perguntar de que condições dispõe o homem, neste momento de sua história, para antecipar-se à tendência natural do processo, formulando propostas e adotando medidas capazes de dirigi-lo ou, ao menos, de imprimir-lhe a sua marca, minimizando sua tendência à desorganização imposta pela disritmia e, portanto, levando ao conflito ou à ruptura? Será o homem capaz de antecipar-se à tendência determinista da história? No passado, cada vez que o homem não o fez, pagou um preço correspondente por não tê-lo feito, de acordo, aliás, com o princípio ou axioma proposto, da equivalência entre o preço a pagar e as distorções do processo. No entanto este preço sempre foi limitado pela própria limitação dos cenários da mudança. Estes cenários sempre foram circunscritos, localizados no espaço e 48 limitados no tempo, desde os tempos mais antigos, das mais primitivas sociedades. Assim é que, para consolidar a organização feudal, a qual só chegou a ter sua síntese pelo século XII, o mundo ocidental, restrito à Europa, sofreu durante quase um milênio os sobressaltos de guerras, de mortandades e barbáries de toda espécie, desde o início da derrocada do Império Romano. Imagine-se esse preço compactado, instantaneamente, numa geração e atingindo o planeta de forma global, utilizando não mais os escudos e as espadas, ou suportada a cólera ou a peste, mas empregados os instrumentos da moderna tecnologia, instantâneos e globais: o foguete, a bomba, a guerra química e eletrônica, acrescidos da capacidade de desestruturar a economia, a cultura, os princípios da civilização ou empregado o poder que alguns têm nas mãos de afetar, ou destruir ou desestruturar o mundo em qualquer de seus compo-nentes. Se a consolidação do feudalismo foi um trabalho de parto que durou séculos, deve-se considerar, no entanto, que ele constituiu uma aceleração do processo, em relação à demora para consolidação da civilização greco-romana e uma aceleração maior ainda, se consideradas as mais antigas civilizações, seu nascimento, vida e desaparecimento. A aceleração das mudanças constitui, pois, um processo histórico. Após o feudalismo, a chamada era moderna – ou industrial, sofreu processo de parto igualmente doloroso, mas em tempo muito menor, se consideradas as guerras e revoluções que devastaram a Europa do fim do século XVIII e durante todo século XIX. Aí devem ser considerados os 49 regimes de escravidão, as condições sub-humanas de trabalho, a miséria das camadas mais pobres, o colonialismo, a implantação dos regimes de ditadura marxista, fascista e nazista, as guerras mundiais, a exploração e a deteriorização do mundo colonizado, transformando aos poucos em 3º mundo, enquanto, do outro lado, o segundo mundo era submetido às ditaduras totais, chamadas do proletariado. Foram dois séculos de doloroso parto até que se sistematizassem as diversas formas de organização da era industrial – o capitalismo e o socialismo e algumas variantes ligadas a essas duas vertentes. Essas duas vertentes, na prática, constituem formas de organização siamesas, separadas apenas na medida em que um regime tende a concentrar tudo nas mãos do Estado, eliminando logo qualquer competição interna, enquanto o outro põe tudo nas mãos da iniciativa privada, o que quer dizer, dos grupos dominantes da sociedade, os que forem mais capazes de eliminar seus competidores, portanto os mais fortes. Mais monolítico o socialismo, e por isto mais abertamente concentrador. Mais sutil o capitalismo, concentrando através da competição interna e da mesma forma excluindo os mais fracos, num processo contínuo e irreversível, em benefício de quem for mais forte. Apesar de suas identidades, e talvez por causa delas, o confronto entre os dois sistemas era inevitável e sobrou o que era mais forte, ou tinha mais capacidade interna de adaptar-se às novas realidades. A semelhança do preço pago na transição da civilização antiga para a era feudal ou desta para a era industrial, a consolidação da organização social da era industrial – durou dois séculos de conflitos – duas guerras mundiais e agora, chegada embora a era da abundância, a fome, a doença, a exclusão, a falta 50 de perspectivas de uma parcela crescente da humanidade e a falta de segurança global. Enquanto isto, liquidado o socialismo soviético, o mundo capitalista, no processo da concentração, agrava a exclusão e a sociedade clama, por isto, pelo advento de uma nova era. Como ocorrerá esta passagem e este advento, esta é a questão que se põe. • A irreversibilidade do processo A aceleração do processo traz uma marca tão forte, que se pode dizer que o próprio ritmo da história corre paralelo à essa aceleração, ou seja, a disritmia do processo, se transformou numa disritmia da história. Em conseqüência, é a aceleração do processo histórico que chega, neste momento, a seu ponto crítico. Ultrapassado este ponto, nada mais será como antes, e a história humana entrará numa nova era. Nessa nova era, a mudança não mais ocorrerá eventualmente, ou por degraus, mas num fluxo de transformação contínua, e a realidade deverá ser percebida e tratada como um contínuo em mutação. A visão e a organização estática ou estratificada da sociedade, como a entendemos no passado, será substituída por uma visão dinâmica, em contínua mudança. Isto continuará valendo para a tecnologia e seus componentes, mas deverá alcançar toda ordem institucional, jurídica, econômica, ética e social, e para as pessoas, igualmente, em todas suas dimensões. No entanto, é preciso diminuir a disritmia, acelerar a transformação do homem e das instituições, para adequá-la ao ritmo da tecnologia e re-harmonizar o processo. 51 Desta forma, tornar-se-á mais evidente, também, a acelera-ção da história, ultrapassado esse ponto crítico, em contraste com o que ocorreu no passado: a civilização antiga, em qualquer lugar onde ela tenha existido, tendo a duração de milênios no Egito, na Mesopotâmia ou na China; durando um pouco menos na Grécia ou em Roma, pouco mais que um milênio; centenas de anos, bem menos que um milênio na era feudal, que predominou no ocidente por apenas alguns séculos. Desta forma, chegou a era industrial, tendo durado apenas décadas ou tendo sido apenas passagem para a mudança continua ou para o desafio da criação de instituições em contínuo fieri – ou de seres humanos capazes de agir de forma diferente a cada dia, adaptando-se a novas circunstâncias ou adaptando as circunstâncias a si mesmos, seres continuamente criativos. Para onde irá a humanidade nessa nova e fascinante era, da passagem do fato para o processo, do estável para o dinâmico, do aparentemente pronto para o vir a ser, ou para o ser a fazer? Como preparar-se, ou preparar as instituições com a necessária urgência, para viabilizar essa nova etapa como uma sociedade humanizada, e não uma humanidade feita do determinismo das coisas, ou do poder da tecnologia? Não há resposta para esta pergunta, a não ser que os cientistas, as universidades, as lideranças sociais e as instituições se voltem, com prioridade, para criar soluções. Na perspectiva metafísica, caberá a pergunta sobre se, vencido ou ultrapassado o espaço e o tempo, a humanidade terá caminhado mais um passo no rumo do “ fim dos tempos” , no sentido de que o “ fim dos tempos” há de significar o infinito, ou 52 superação de seu condicionamento do espaço e do tempo, beirando, em conseqüência, o absoluto ou a eternidade? Ou quanto terá se aproximado desse “fim” , ou desse começo? Nesta linha é inevitável a tentação de partir-se da metafísica para a ficção, ou da ficção para a fé. O gráfico nº 2 mostra, através de alguns indicadores, todo esse processo em que a história caminhou, até chegar a este momento crítico, de forma muito lenta; inicialmente a lei da aceleração das mudanças, não era sequer perceptível. Só neste século ocorreu a inflexão irreversível da curva, e as organizações sociais – as estruturas, e os comportamentos humanos que dão forma à sociedade, cada vez se tornaram mais curtos, mais compactados no tempo e mais amplos no espaço. Como se desdobrará o processo daqui para o futuro? Gráfico n° 02 – A aceleração do processo de mudança – alguns indicadores. 53 É necessário um esforço conjugado, criativo e global para pre-parar as pessoas, as instituições, a sociedade para ingressar nesse processo. Será uma caminhada de mil passos. Mas para dar os mil passos é necessário dar o primeiro.* * Provérbio chinês. 54