PARTE II A DIALÉTICA DA NATUREZA “Para a dialética, não há nada de definitivo, de absoluto, de sagrado...”. Engels (LF) 50 A REFLEXÃO DIALÉTICA A vida é uma flutuação da matéria, no interior dessa flutuação, você tem outras flutuações. Ilya Prigogine Para Engels (1976)120, “muito antes de saber o que era dialética, o homem já pensava dialeticamente, da mesma forma que antes da existência da palavra escrita, ele já falava”. Portanto, G.W. Hegel (1770-1831), nada mais fez que formular ou sistematizar nitidamente pela primeira vez o entendimento da dialética, que adquire sua forma plena através das obras de Karl Marx e Friedrich Engels. Hegel121 parte do princípio de que o desenvolvimento histórico é o desenvolvimento do pensamento, o desenvolvimento da ideia absoluta, e não uma coleção de fatos casuais. Ao indicar o caminho para a busca de solução para o desenvolvimento em curso, não deixou de considerar o conceito metafísico de espírito absoluto. Sua tese principal dessa lógica era o princípio dialético que estabelece que “toda premissa verdadeira tem como correspondente sua não menos verdadeira, a negação (...) A natureza é assim também, alienação do conceito ou da razão, no sentido em que nela o conceito está como simples essência, e a razão como simples entendimento; quer dizer, sob a forma de negação de si. A natureza é, por essa negatividade dialética, o processo da contradição de si. Contradição essa que não pode ser resolvida na natureza como natureza, já que o próprio da natureza é ser essa contradição; só pode ser resolvido na negação da natureza”]122.Hegel, embora entenda a natureza como processo contraditório, coloca a ideia do conceito como espírito, numa perspectiva idealista. A maioria dos princípios da dialética foi apresentada por Hegel, se constituindo em uma série de regras metodológicas: o tratamento do todo como unidade dos contrários; a relação mútua dos elementos de um mesmo todo e de diferentes todos; a aceitação das contradições internas de um todo como fonte do movimento autodinâmico; a consideração do movimento e o desenvolvimento como processo não contínuo, nas quais as mudanças quantitativas produzem novas qualidades (Topolski, 1973)123. 120 Engels, Friedrich. Anti-Düring, p. 121. Hegel, Georg Wilhelm Friedrich. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio: 1830. I A Ciência da Lógica. S. Paulo: Loyola, 1995. 122 B. Bourgeois. Apresentação na edição francesa da obra de G.W.F. Hegel, Enciclopédia das Ciências Filosóficas. I-A Ciência da Lógica, reproduzida sob a forma de apêndice na edição brasileira, p. 421-422. 123 Topolski, Jerzy. Metodologia de la História. Madrid: Cátedra, 1985, 519 p. 121 51 Como se mencionou anteriormente foram Marx e Engels que transformaram a dialética idealista de Hegel em dialética materialista. Para Hegel, o universo é a ideia materializada, e, antes do universo existe primeiramente o espírito, subordinando assim a dialética ao idealismo. “Deste modo a própria dialética dos conceitos se converteu simplesmente no reflexo consciente do movimento dialético do mundo real, e assim a dialética de Hegel se situou em sua cabeça; ou melhor, desviou da cabeça sobre a qual se apoiava e se colocou sobre seus pés” (Engels, 1949)124. Ao propor uma concepção materialista à dialética idealista hegeliana, Marx e Engels necessitaram também rever o ponto de vista epistemológico do materialismo mecanicista, que na realidade era mais primitivo que o idealismo dialético, uma vez que interpretava o mundo de forma passiva, sem assumir o papel ativo da matéria cognoscitiva. Ao criticar o materialismo de Feuerbach, Marx (1949)125 escreveu que “o principal defeito de todo materialismo existente até agora – inclusive o de Feuerbach – é que a realidade, sensualidade, só é concebida em forma de objeto ou de contemplação, porém, não como atividade sensível humana, não subjetivamente. Assim ocorria que o lado ativo, em contraposição ao materialismo, foi desenvolvido pelo idealismo – porém só de forma abstrata, pois que, desde logo, o idealismo não conhece a atividade real, sensível como tal”. Para Engels, não se podia aceitar essa percepção do mundo como algo ossificado, imutável, ou como sistema imóvel de corpos em movimento (DN). Repudia-se então qualquer versão teleológica para a explicação da realidade objetiva, evidenciando as duas grandes características do mecanicismo: o antifinalismo e o determinismo. O antifinalismo deve ser abandonado por ser inútil e destituído de sentido; quanto ao determinismo observa-se que Engels não o nega porque conscientemente não o pretende negar; nega sim a forma linear e unidimensional de entender a causalidade. Assim, o materialismo dialético, ao unir integralmente o materialismo com a dialética, uniu em um mesmo sistema a tese sobre a realidade material, como objeto do conhecimento. A tese sobre o papel da realidade material cognoscitiva “configura” o objeto de conhecimento no curso do processo cognoscitivo (Topolski, 1973)126. Para ilustrar o processo em questão recorre-se à concepção sistêmica apresentada por Mao Tsé-Tung, Sobre a Prática, resgatado por Oliveira (1985)127, onde esquematicamente demonstra que enquanto para o idealismo o conhecimento é elaborado pelo pensamento (o que explica o artifício obscurantista), no materialismo dialético a prática é que condiciona o pensamento, o qual elabora o conhecimento. 124 Engels, Friedrich. Selected Works V. II, 1949, p. 350. Marx, Karl. Selected Works, V.II, 1949, p. 352. 126 Topolski, op. Cit, p. 164. 127 Oliveira,Ariovaldo Umbelino. “Na prática a teoria é outra... in Seleção de Textos – Teoria e Método n. 11, AGB, S. Paulo, ago 1985. 125 52 Elabora Pensamento Condiciona Conhecimento Informa IDEALISMO Prática Elabora Pensamento Dirige Conhecimento Informa MATERIALISMO DIALÉTICO Para o materialismo dialético o conhecimento é um processo permeado por contradições constantes entre o sujeito e o objeto, contradições que são a fonte do desenvolvimento do processo cognitivo. Portanto, o conhecimento da realidade objetiva em um dado momento é um estímulo para empreender uma atividade cognoscitiva, se constituindo, por conseguinte, em critério sobre a validade dos atos de conhecimentos anteriores. Tal fato demonstra a inexistência das verdades absolutas, decretando o fim das certezas. Para Topolski (1973)128, a ideia dialética da superação das contradições, como fonte de movimento e desenvolvimento tem permitido, no nível ontológico, “mudar totalmente o modelo de explicação da história como resultado de uma nova interpretação dos fatos passados e assim explicar o enígma do desenvolvimento”. No nível epistemológico tem permitido “evitar os erros do inducionismo mecanicista e do deducionismo à priori, preparando assim o caminho para uma aproximação integral que combine a indução com a dedução”. Como consequência o nível prático é marcado pela ação transformadora do homem na reprodução das forças sociais. Também o materialismo dialético tem estabelecido laços entre as relações entre natureza e sociedade o que pode ser buscado em Engels (1976) quando das críticas a Dühring: uma visão uniforme do desenvolvimento da natureza e da sociedade ao longo do processo histórico. “Quando submetemos ao exame do pensamento, a natureza ou a história da humanidade, ou a nossa própria atividade mental, o que nos oferece, em primeiro lugar, é o quadro de uma confusão infinita de relações, de ações e reações, onde nada permanece o que era, onde era, como era, onde tudo se move, se transforma, vem a ser e passa”129. Portanto, o que se vê na natureza, na história, no pensamento, é a mudança e o movimento. 128 129 Topolski, Op. Cit, p. 164. Engels, Friedrich. Anti-Dühring. R. Janeiro: Paz e Terra, 1976, p. 52. 53 A Relação Natureza e Sociedade na Dialética Materialista A relação entre natureza e sociedade em Marx e Engels fundamenta-se no princípio materialista dialético, onde os homens aparecem como resultado material do processo evolutivo da natureza. Quanto mais se afastam dos animais, mais se afastam da natureza, sem, contudo se “desnaturalizarem”, por ser esta a base de sustentação de suas necessidades. Portanto, existe uma permanente contradição que se materializa em realidade objetiva ao longo do processo histórico. Engels (1979)130, no prefácio de sua obra Dialética da Natureza, apresenta importante retrospecto da moderna investigação da natureza, que sem dúvida teria fundamentado o seu trabalho. Ao demonstrar através da ciência a vinculação do homem com a natureza, reportase ao desenvolvimento da Química, a partir de Lavoisier e Dalton, quando a Física, até meados do Século XVIII, assumia domínio absoluto com relação às concepções sobre a natureza. A Química transpõe em grande parte o abismo que existia entre a natureza orgânica e inorgânica, proporcionando com isso os sensíveis avanços da investigação biológica através do método comparativo. Observa Engels131 o importante papel desempenhado pela Geografia Física no estudo comparativo entre as condições de vida “das diferentes floras e faunas”. “A nova concepção de Natureza ficava assim configurada em suas linhas gerais: tudo aquilo que se considerava rígido havia se tornado flexível; tudo quanto era fixo foi posto em movimento; tudo quanto era tido por eterno tornou-se transitório; ficara comprovado que toda a Natureza se movia num eterno fluxo e permanente circulação” (Engels, 1979)132. Recupera, portanto, as concepções dos grandes fundadores da filosofia grega: “em toda Natureza, desde o menor ao maior, do grão de areia aos sóis; dos protistas ao homem, há um eterno vir a ser e desaparecer, numa corrente incessante, num incansável movimento de transformação”. Após ter se tornado diferente do “mono”, desenvolvido a linguagem articulada e obtido a formidável expansão do cérebro, o homem imprime seu “selo” sobre a natureza, “não só transladando plantas e animais, mas também modificando o aspecto, o clima de seu lugar de habitação; e até transformando plantas e animais em tão elevado grau que as consequências de sua atividade só poderão desaparecer com a morte da esfera terrestre” (Engels, 1979)133. Continuando, Engels (1979)134 evidencia que, “com o homem entramos na história (...) quanto mais se afastam do animal, entendido limitadamente, tanto mais fazem eles próprios sua 130 Engels, F. Dialética da Natureza. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. Engels, DN, p. 22. 132 Engels, DN, p. 23. 133 Engels, DN, p. 23. 134 Engels, DN, p. 26. 131 54 história, correspondendo, cada vez com maior exatidão, o resultado histórico aos objetivos previamente estabelecidos”. A relação dialética entre o homem e a natureza é tratada também por Marx e Engels (1991)135 em vários momentos, como ao contestarem Bruno136 ao considerar “as oposições entre natureza e história (...) como se as duas ‘coisas’ fossem separadas uma da outra; como se o homem não se encontrasse sempre em face de uma natureza histórica e de uma natureza natural”. Essa relação dialética é expressa ainda da seguinte forma (Marx e Engels, 1991)137: “A relação limitada dos homens com a natureza condiciona a relação limitada dos homens entre si, e a relação limitada dos homens entre si condiciona a relação limitada dos homens com a natureza”. Esse fato leva Marx e Engels a entenderem a existência de uma única ciência: “a ciência da história. A história pode ser examinada sob dois aspectos: história da natureza e história dos homens. Os dois aspectos, contudo, não são separáveis; enquanto existirem homens, a história da natureza e a história dos homens se condicionarão reciprocamente (...)”. Mais à frente observam que “toda historiografia deve partir destes fundamentos naturais e de sua modificação no curso da história pela ação dos homens”. Para Moreira (1994)138 o homem se vincula à natureza por ser esta vital, “e se a vida é o elo que liga o homem à natureza, é impossível dissociar a história da vida do homem da história da natureza”. Conforme Engels (1976)139, “o que é certo na natureza (...) é certo do mesmo modo na história da sociedade em todos seus ramos (...) A história do desenvolvimento da humanidade demonstra ser essencialmente diferente da história da natureza. Na natureza – na medida em que ignoramos a reação do homem sobre a natureza – só há agentes cegos, inconsistentes, atuando um sobre o outro, com uma lei geral que opera fora de sua interação. Nada de tudo que ocorre – seja nos inumeráveis acidentes aparentes que podemos observar na superfície ou nos resultados finais que confirmam a regularidade inerente a estes acidentes – ocorre como um objetivo desejado conscientemente. Na história da sociedade, pelo contrário, os atores estão todos dotados de consciência; são homens que atuam com deliberação ou com paixão, trabalhando para conseguir metas definidas; nada ocorre sem um propósito consciente, sem um objetivo projetado. Porém esta distinção, sendo importante para a investigação histórica, particularmente sobre fatos e épocas particulares, não pode alterar o fato de que o curso da história está governado por leis internas gerais”. Embora a natureza 135 Marx, Karl e Engels, Friedrich. A Ideologia Alemã. S. Paulo: Hucitec, 1991. P. 68. Bauer, Bruno. Charakteristik Ludwing Feuerbachs, p. 110. 137 Marx & Engels, IA, p. 44. 138 Moreira, Op. Cit, p. 574. 139 Engels, AD, p. 17 ss. 136 55 apresente uma dinâmica regida por processos próprios, ela é produzida socialmente, considerando os interesses do sistema vigente. Como observou Engels (1981)140 “os homens fazem a sua história, seja qual for o caminho que tome, perseguindo cada um os seus próprios fins, conscientemente desejados, e são, precisamente, os resultados dessas numerosas vontades, atuando em sentidos diferentes, e as suas variadas repercussões sobre o mundo exterior que constituem a história. Trata-se, também por conseguinte, do que querem os numerosos indivíduos, tomados isoladamente. A vontade é determinada pela paixão ou pela reflexão... Mas, as alavancas que, por sua vez, determinam diretamente a paixão ou reflexão, são de natureza muito diversa... Ainda pode perguntar-se quais as causas históricas que, nos cérebros dos homens que agem, se transformam nesses motivos”. De acordo com os princípios da dialética, a história da sociedade é considerada, em última instância, como a história da natureza. Com relação à ideia, Topolski (1973)141 considera que os métodos de estudar a história da sociedade não necessitam diferir essencialmente dos que se utilizam para estudar a natureza, evidenciando os ensinamentos de Marx (1955)142 de que “no futuro, a ciência natural absorverá a ciência humana do mesmo modo que a ciência humana absorverá a ciência natural: se converterão em uma só disciplina”. As obras dos fundadores do materialismo dialético mostram que o que é novo na teoria e no método da dialética é a solução do problema do movimento e desenvolvimento. Isto significa que o princípio do autodinamismo, que diz que o movimento e o desenvolvimento têm lugar através das contradições, e o princípio do holismo saltam ao primeiro plano (Lenin, 1958)143. Os princípios do autodinamismo e do holismo, estreitamente relacionados, mostram que “o todo” se move e desenvolve como resultado de contradições internas, partindo do princípio de que “o todo” contém “partes” contraditórias (subsistemas, elementos), que se condicionam reciprocamente à existência. Tais contradições causam o movimento e o desenvolvimento, processo esse considerado como unidade dos contrários. Para Topolski (1973)144, os princípios do autodinamismo e do holismo dão lugar diretamente a outro princípio, que no curso do movimento e desenvolvimento as mudanças quantitativas produzem mudanças qualitativas, ou seja, a origem de novas qualidades. “Se aceitamos o autodesenvolvimento como princípio, assumimos que os fenômenos nascem, tomam forma e se desvanecem; portanto, assumimos que em certo momento um fenômeno que toma forma 140 Engels, Friedrich. Ludwig Feuerbach et la Fin de la Philosophie Classique Allemande. Paris: Éd. Sociales, 1946, p. 38-39. 141 Topolski, op. Cit. 142 Marx, Karl. Kleine ökonomische Scriften. Berlin, 1955, p. 38. 143 Lenin, Vladimir I. Filosofkie tetradi. Moscú: Socinenya, 1958, V. 38. 144 Topolski, op. Cit, p. 161. 56 alcança um estado em que é totalmente formado e aparece como uma nova qualidade”. Essa nova qualidade pode ser a negação da qualidade anterior e a negação dessa nova qualidade pode conter, de algum modo, a qualidade anterior. As Leis da Dialética As leis da dialética fundamentam-se no princípio da contradição da matéria, discutida por Engels (1976) 145 ao refutar Dühring, apresentando a primeira e mais importante das teses sobre as propriedades lógicas fundamentais do ser: a “exclusão da contradição”. “Certamente, desde que nos limitemos a focalizar as coisas como se fossem estáticas e inertes, contemplando-as isoladamente, cada uma de per si, no tempo e no espaço, não descobriremos nestas coisas nenhuma contradição”. Continuando, constata que “a vida não é, pois, por si mesma mais que uma contradição encerrada nas coisas e nos fenômenos, e que se está produzindo e resolvendo incessantemente: ao cessar a contradição, cessa a vida e sobrevém a morte”. Necessário se faz observar aqui que a vida implica todos os níveis da realidade, o que leva a admitir que a morte (indizível na concepção de Bobbio, 1997) 146 , nada mais é que um estágio da transformação (recorrendo ao princípio materialista lavoisieriano). Essa observação fica implícita um pouco mais à frente, na obra de Engels (1976)147, quando refere-se à negação da negação: a vida como negação da morte e vice-versa. Ou ainda com relação a vida e a morte, quando Politzer (1986)148 demonstra que “as coisas não só se transformam uma nas outras, mas, ainda, uma coisa não é apenas ela própria, mas outra que é a sua contrária, porque cada coisa contém a sua contrária”. As reflexões apresentadas constituem as três grandes leis da dialética desenvolvidas por Hegel, à sua maneira idealista, que para ele eram puras leis do pensamento. Com a apropriação materialista das leis da dialética, foi possível a compreensão da unidade do real. São as seguintes: 1. lei da passagem de quantidade à qualidade; 2. lei da interpenetração dos contrários; 3. lei da negação da negação. A primeira lei estabelece mudança proclamando que o transitório se estende a tudo o que existe por tudo estar sujeito ao processo ininterrupto do vir a ser (Engels, 1949)149. Em 145 Engels, AD p. 102 e109. Bobbio, Norberto. O tempo da Memória. R. Janeiro: Campus, p. 38. 147 Engels, AD, p. 116 e 153. 148 Politzer, Georges, Princípios Elementares de Filosofia. S. Paulo: Moraes, 1986, p. 150. 149 Engels, LF, p. 35. 146 57 Dialética da Natureza, Engels assim se expressa com relação a esta lei: “nós podemos, no quadro do nosso objetivo, exprimir esta lei dizendo que na natureza, de uma maneira claramente determinada para cada caso particular, as transformações qualitativas só podem ter lugar por adição ou subtração quantitativas de matéria ou de movimento (a chamada energia)”. Tais transformações podem ser exemplificadas tanto nas leis da natureza como da sociedade: a adição de umidade absoluta para uma determinada temperatura ou a redução da temperatura para uma determinada umidade absoluta (quantidade) podem responder pela saturação e consequente precipitação pluviométrica (qualidade); a ação prolongada de deficiência hídrica e grande amplitude térmica (quantidade), como nos climas semiáridos, implica desagregação mecânica com consequente recuo paralelo das vertentes (modelado de relevo), com tendência à pediplanação (qualidade); o desmatamento progressivo de determinada área (quantidade) implica alteração ambiental (qualidade); ou ainda, a concentração de edificações em determinado espaço (quantidade) responde pelo processo de urbanização e suas consequências, como derivações ambientais, conforto térmico, fluxo concentrado de veículos... (qualidade de vida). Portanto, a evolução das coisas não pode ser indefinidamente quantitativa; transformando-se sofrem uma mudança qualitativa. Embora toda transformação qualitativa represente saltos na história (o que a referida lei denomina também de “progresso por saltos”), na realidade resulta da adição ou subtração de elementos quantitativos do movimento da matéria. Engels150, ao criticar Dühring, observa que a quantidade como elemento de transformação em qualidade expressa por Marx 151 (com relação à “mais-valia”), não se refere necessariamente a uma “quantidade aumentada” qualquer, “quando na realidade, se trata, concretamente, de uma quantidade invertida em matérias-primas, instrumentos de trabalho e salário”. Branco (1989)152, ao tratar da segunda lei da dialética refere-se à importância da ação recíproca no encadeamento dos processos, ressaltando a inexistência de fenômenos absolutamente isolados na natureza. “Nisto se fundamenta a unidade das ciências como corolário da unidade estrutural dos fenômenos naturais”. Em Geomorfologia percebe-se claramente a interpenetração dos contrários: utilizando como exemplo as implicações climáticas na elaboração do relevo: nos climas secos a desagregação mecânica, num tempo geológico prolongado, tende a elaborar extensos pediplanos (horizontalização dos modelados), ao passo que no clima úmido, com a reorganização da drenagem fluvial, a incisão dos talvegues responderá pela dissecação do relevo (verticalização dos modelados). O resultado pode ser observado na natureza através da associação de formas, com clara tendência de destruição das produzidas em condições preexistentes, sabendo que a mudança 150 Engels, AD, p. 106. Karl Marx. O Capital I 152 Branco, João Maria de Freitas. Dialéctica, Ciência e Natureza. Lisboa: Caminho, 1989, p. 92. 151 58 climática futura implicará destruição gradativa das formas atuais, sobretudo se comandada por processos morfogenéticos opostos. Com relação à questão socioeconômica, Politzer (1986)153 dá como exemplo o proletariado que se contrapõe ao capitalismo, sabendo ser este fruto do próprio sistema econômico que leva à divisão da sociedade em classes. Finalmente, a terceira lei refere-se à importância da contradição existente das coisas, que constantemente se apresenta e se resolve na generalidade dos fenômenos da natureza e da vida (Engels, 1976)154. Continuando o exemplo do relevo, determinada forma “nega” a outra, em função das novas relações processuais, sem, contudo destruir por completo a “forma negada”, ou seja, a nova forma contém parte de forma antiga. Na história, Politzer (1986)155 lembra que o feudalismo foi a negação do escravagismo e o capitalismo a negação do feudalismo (negação da negação), contudo, alguns aspectos, mesmo que de natureza arquitetônica, permanecem ou continuam incorporando a paisagem. “Para resumir, e como conclusão teórica, as coisas mudam, porque encerram uma contradição interna (elas próprias e as suas contrárias); as contrárias estão em conflito, e as mudanças nascem desses conflitos; assim a mudança é a ‘solução’ do conflito”. Politzer (1989)156 trata da mudança e da ação recíproca como primeira e segunda leis da dialética, considerando-as pré-requisitos para a compreensão das leis da contradição. Na lei do movimento dialético é mostrada a importância do processo como fator de transformação, resgatando o autodinamismo como essência. Engels (LF), ao refutar o mecanismo teleológico, evidencia que “para a dialética não há nada de definitivo, de absoluto, de sagrado...”. A ação recíproca é tratada na perspectiva do encadeamento de processos, onde tudo influi sobre tudo, o que rechaça todo e qualquer argumento metafísico. Em síntese, o conceito de contradição é a chave para a compreensão da unidade do real, bem como do movimento. Tal fato remete à necessidade de se rever o conceito de “equilíbrio”, que para os ecologistas ortodoxos seria representado com a manutenção das relações processuais em sua essência. Tragtenberg (1982)157 desperta para a necessidade de se compreender que não há equilíbrio natural, uma vez que todos os elementos da natureza foram reciclados pelo trabalho. É necessário situar que cada modo de produção assenta-se numa forma de equilibração. Da mesma maneira que a ação humana destrói um equilíbrio, ela cria novas formas de equilíbrio. Portanto, é necessário compreender que a relação homem e natureza é histórica e que “cada novo equilíbrio resulta da organização das contradições sociais internas, inerentes aos modos de produção fundantes de estruturas de classes”. 153 Politizer, op. Cit., p. 151-152.. Engels, AD p. 111 ss. 155 Politizer, Op. Cit, p. 160. 156 Politzer, op. Cit, p. 129-144. 157 Tragtenberg, N. Ecologia e Desenvolvimeno. S. Paulo: Cortez, 1982. 154 59 Mesmo com a degradação ambiental, novos equilíbrios podem ser produzidos, acrescentando-se aqui alguns exemplos de degradação assistidas na atualidade, que implicam ação de processos que, embora entendidos como destrutivos, podem corresponder à recuperação de um novo equilíbrio. Em ambiente antropo-resistásico158 constata-se com frequência problemas erosivos de grande intensidade, decorrentes do desmatamento ou ocupação de áreas de risco, como encostas ou áreas de alta susceptibilidade erosiva. O desenvolvimento de processos erosivos, que normalmente culminam em boçorocamentos ou deslizamentos de massa, indica reação às rupturas de equilíbrio pré-atuais, que tem por objetivo buscar um novo equilíbrio, determinado pelas novas condições impostas pela ação do homem. Esse novo equilíbrio tende a ser alterado por novas intervenções com respostas processuais que novamente alteram a configuração apresentada. Neste exemplo ficam contempladas as três leis da dialética onde a intensidade pluviométrica em condições resistásicas implica mudanças na paisagem (passagem da quantidade em qualidade), buscando o “equilíbrio” resultante de novos processos, sem deixar de manter formas pré-atuais (a interpenetração dos contrários). Uma nova mudança tende a “negar” a situação anterior, que havia alterado a antecedente (negação da negação). O referido estágio apresenta estreita analogia com a teoria do “atualismo” de Hutton (1797), em que “o presente é a chave do passado”, partindo do princípio de que conhecendo as relações processuais evidenciadas nos diferentes ambientes, torna-se possível entender as condições, como as climáticas, em que foram originados determinados depósitos correlativos, preservados na morfologia atual. Com o advento de novas relações processuais, a configuração atual será alterada, deixando marcas que denunciam a sua existência ao longo do tempo. Os Processos Evidenciados na Natureza e na Sociedade Partindo do princípio engelsiano de que “a história do desenvolvimento da humanidade demonstra ser essencialmente diferente da história do desenvolvimento da natureza”, torna-se plausível admitir a existência de processos ou leis distintas que explicam o estágio de desenvolvimento da realidade objetiva. O conceito de estágio aqui empregado refere-se ao instante que ‘não é mais do que um momento no longo desenvolvimento histórico’, seja da natureza, seja da sociedade. Caso não tratadas como processos distintos, implicariam um modo de pensar positivista. Uma primeira diferença reside na própria escala do tempo: enquanto na natureza as transformações resultantes das relações processuais são 158 Conceito proposto por Erhart (1956) para designar a retirada da cobertura vegetal preexistente, permitindo a ação direta dos processos morfogenéticos sobre o solo. Embora utilizado como modificação comandada por mecanismos naturais, tem sido adotado para alterações de natureza antropogênica. 60 evidenciadas numa escala de tempo geológico, as transformações na sociedade são praticamente instantâneas, numa escala de tempo histórico, principalmente a partir das grandes revoluções científico-tecnológicas. Esse descompasso normalmente promove um evidente retardo nas reações da natureza, considerando a diferença temporal entre a velocidade das transformações produzidas pelo homem, o que seria justificado pelo tempo necessário para a incorporação desses novos atributos nas ditas relações processuais e os ajustamentos ou respostas promovidas pela natureza (regularidades diacrônicas)159. Diante disso, ao mesmo tempo em que as transformações produzidas pela sociedade aparentemente não afetam as relações processuais da natureza, constata-se, com frequência, a presença de determinados espasmos ou episódios entendidos como essencialmente naturais, em parte não contestados em função das limitações dos conhecimentos científicos. Tal relação pode ser exemplificada de diferentes formas, como os efeitos na destruição da denominada “camada de ozônio”, pela emissão dos clorofluorcarbonos cuja constatação se deu principalmente a partir da década de 80, embora os referidos gases têm sido lançados na atmosfera desde a década de 30; ou ainda, numa relação temporal mais próxima, a ocupação de encostas, desmatamentos e cortes de taludes, que podem desencadear deslizamentos de massa alguns anos depois das derivações antropogênicas, uma vez que dependerá das condições apropriadas para o cisalhamento em questão. Também os componentes dos processos evidenciados na natureza e na sociedade devem ser conhecidos independentemente, mesmo considerando a dialeticidade entre ambas, evidenciada por interações e contradições que resultam mudanças, sobretudo de qualidade. Os Processos Naturais Com o intuito de se demonstrar o significado das leis da dialética nos processos da natureza, fundamentadas nos princípios da mudança, da ação recíproca, da contradição e da transformação, utilizar-se-á da sistematização apresentada por S.V. Kalesnick, denominada de leis da landschaft-esfera. Kalesnick (1958)160, ao procurar definir o objeto da Geografia como o estudo da Landschaft-esfera, apresenta as “leis” características da sua existência e evolução, assim enumeradas: da integridade da Landschaft-esfera, dos processos circulares da matéria, dos fenômenos rítmicos, da zonalidade e da continuidade da evolução. 1. Com relação à integridade da Landschaft-esfera, o autor observa que os componentes da natureza estão sujeitos às suas próprias leis. Como exemplo, “as 159 Regularidades diacrônicas referem-se ao espaço de tempo necessário para que chegue um estímulo de um elemento ou sistema, provocando uma resposta a outro elemento ou sistema. 160 Kalesnick, S.V. La Géographie Physique comme Science e les lois Géographiques Génerales de la Terre. Na. Géographie, Paris, 67 (363):385-403, sept/oct, 1958. 61 (leis) da formação do solo não são as mesmas dos processos climáticos, as leis do desenvolvimento da matéria inorgânica diferem das do mundo orgânico”, mas a interação dos diferentes componentes determina a existência de um sistema único e integral. A referência do clima no seu conjunto ou em seus diversos elementos permite compreender as relações evidenciadas entre o clima e o relevo, o clima e a formação dos solos, o clima e o mundo orgânico, assim como o mundo orgânico ou o relevo sobre o próprio clima... Exemplo de evidentes transformações num tempo relativamente curto, considerando que a escala do tempo geológico pode ser observada com as oscilações climáticas registradas no pleistoceno, ou seja, entre 2 milhões a 13 mil anos antes do presente, que coincide com o aparecimento do homo-sapiens: enquanto o clima semiárido da fase glacial implicava domínio da vegetação xeromórfica sobre a tropófita, desagregação mecânica, dessoloagem e recuo paralelo das vertentes, promovendo tendência localizada de horizontalização do relevo, o clima úmido da fase interglacial alterou as relações processuais proporcionando uma nova estruturação da paisagem: predomínio da vegetação tropófita sobre a xeromórfica, entalhamento de talvegues pela reorganização do sistema hidrográfico, desenvolvimento de solos... Tudo isso relacionado ao aquecimento ou resfriamento hemisférico, com formação ou fusão das calotas polares e consequentes efeitos de regressão ou transgressão marinha, sem falar das implicações de natureza eustáticas. 2. Quanto aos processos “circulares” da matéria, observa Kalesnick (1958)161 que os componentes da Landschaft-esfera apresentam movimentos que obedecem ao princípio da circularidade. Basta lembrar os processos circulares das massas de ar, entre o Equador e os trópicos, o efeito de Coriolis na deflexão dos ventos alísios, ou o processo convectivo de natureza termal que explica a formação de nuvens e ocorrências pluviométricas. O mesmo fenômeno é observado no ciclo hidrológico, no processo de aquecimento das águas pela radiação solar, nos movimentos circulares do manto da terra, que embora vinculados a uma escala de tempo geológico, implicam compensação isostásica, emanações magmáticas e efeitos tectônicos. Observa ainda Kalesnick (1958)162 que “os processos circulares existentes por toda a parte da Landschaft-esfera” são facilmente observados “tanto no metabolismo quanto na interação dos solos e das plantas, bem como em mil outros processos". Embora aparentemente fechados, os processos circulares são abertos, contrariando a concepção mecanicista. “Seria preferível representá-los simbolicamente como 161 162 Kalesnick, op. Cit, p. 397. Kalesnick, op. Cit. P. 398. 62 uma curva traçada em pontos da circunferência de uma roda que gira em linha reta”. Como exemplo, a translação feita pela terra, “não voltará ao mesmo lugar em que havia iniciado a rotação anual, porque todo o sistema solar se move no espaço com a velocidade de vinte quilômetros por segundo, em direção a um ponto que se situa entre a constelação de Hércules e da Lira”. Conforme Engels (1976)163, “mesmo quando ocorrem as repetições, não se dão nunca exatamente nas mesmas condições”, o que já havia sido observado por Heráclito (540-470 aC)164. 3. A Landschaft-esfera também é representada por diversas transformações rítmicas como as diferenças internas das paisagens durante as diversas horas do dia e da noite, das variações sazonais que implicam alterações nas biocenoses, no regime dos rios e mesmo no regime dos mares. O ritmo pode ser constatado com relação ao processo de decomposição das rochas e consequente formação dos solos, além das reações adaptativas do zooplancton, que também apresentam um ritmo em função das faixas de concentração de nutrientes pelo efeito da luz. Mesmo admitindo certa linha de continuidade na interação dos componentes, que se exerce e se organiza no tempo, o ritmo, embora imperceptível, também se distingue por seus resultados, o que pode ser explicado pelas particularidades da Landschaftesfera. 4. Como se sabe, a terra é representada por parâmetros zonais determinados pela própria forma em relação ao sol, que se caracteriza como determinante do poder radiante. Contudo, “a natureza não se parece com as matemáticas” (Kalesnick, 1958), o que explica a existência de diferentes domínios nas diferentes zonas bem como em uma mesma faixa zonal, determinados pelas mais diversas implicações geográficas, como efeitos das correntes marítimas, continentalidade 165 maritimidade, posição altimétrica, dentre outras. Para Kalesnick ou “os componentes da Landschaft-esfera movimentam-se em altitude e em latitude, segundo um ritmo diferente”, admitindo que a graduação vertical é mais especial que a zonalidade. Esclarece que “os degraus verticais não são cópia das zonas latitudinais que lhes correspondem, não sendo sequer as variantes particulares destas últimas, porque temos causas diferentes na origem dos degraus verticais e horizontais”. (Lembrese aqui Pedelaborde, 1972166, ao afirmar que a altitude corrige a latitude). Conclui o autor dizendo que a zonalidade não faz sentido em toda espessura da Landschaftesfera, o que pode ser comprovado nas profundidades oceânicas, nas camadas superiores da troposfera ou nas camadas internas da terra, onde a zonalidade “é 163 Engels, AD, p. 75. “Nenhum homem toma banho duas vezes em um mesmo rio.” 165 Kalesnick, op. Ci, p. 400. 166 Pedelaborde, Pierre. Introduction à l’étude scienifique du climat, Paris, CDU, 1959. 164 63 criada pela reação da superfície terrestre, por sua estrutura, por sua rigidez, ou por sua maleabilidade...”. 5. Na continuidade da evolução, Kalesnick (1958)167 mostra que “a íntima unidade, o intricamento profundo e estreito das partes componentes da Landschaft-esfera fazem com que ela se desenvolva como formação integralmente unida”. Diante disso conclui que o processo de evolução da Landschaft-esfera é um processo complexo e internamente contraditório, numa perspectiva dialética, onde a evolução parcial de seus componentes não se realiza sem acarretar a evolução de todas as outras partes integrantes do conjunto. Assim, a continuidade é revelada pela inexistência do isolamento absoluto entre os componentes da Landschaft-esfera, constatando-se a existência permanente de um elo de ligação espacial e outro de ligação temporal. Conclui Kalesnick (op.Cit) que “a Landschaft-esfera desenvolve-se pela força de suas contradições internas”, o que pode ser constatado nos diferentes exemplos relativos às leis da dialética, como as formas diferenciais vinculadas a processos morfogenéticos opostos, que embora contraditórios, se interpenetram na composição da paisagem . Embora se torne evidente que o desenvolvimento da sociedade fundamenta-se em leis próprias, deve-se, contudo ressaltar a necessidade de se conhecer melhor os processos específicos da natureza. Deve ser lembrado aqui que o conhecimento humano das leis da natureza é que permitiu o desenvolvimento da própria história da sociedade, resgatando-se o conceito de segunda natureza preconizada por Marx e Engels. Engels (1979)168, ao demonstrar a diferença entre o animal e o homem em relação à natureza, observa que aquele a utiliza, enquanto este a domina. O processo de dominação, muitas vezes entendido como vitória sobre a natureza, deve ser visto com certa preocupação: cada uma (dessas vitórias, “na verdade, produz em primeiro lugar, certas consequências com que podemos contar; mas, em segundo e terceiro lugares, produz outras muito diferentes, não previstas, que quase sempre anulam essas primeiras consequências”. Embora Engels, na referida passagem, valorize a questão ambiental, sua obra Dialética da Natureza procura resgatar o homem como ser natural, como forma de superação da subjugação de classe imposta pelo sistema de produção capitalista. Ao citar o exemplo dos agricultores espanhóis, estabelecidos em Cuba, que queimaram as matas das encostas das montanhas para obter melhores lucros com a plantação do café, independentemente dos impactos erosivos dos solos que mais tarde aconteceriam, expressou-se da seguinte forma: “Em face da natureza, como em face da 167 168 Kalesnick, op. Cit, p. 401. Engels, DN, p. 223-224. 64 sociedade, o modo atual de produção só leva em conta o êxito inicial e mais palpável...”.”169. Acredita-se, portanto, que na medida em que o homem produz matéria e energia no interior desse amplo sistema, e esse produto deixa de ser incorporado ou reciclado, surgem as formas de degradação que são lembradas por Souza e Amaral (1984)170: • se produzem em oposição às leis do sistema, no que tange à reciclagem; sua ação é deletéria, perversa, enfim, biocida. “Devemos, pois, adotar uma posição contrária a tudo o que nos tem sido ensinado, fundamentalmente desde há dois séculos: o culto pelo progresso científico, a crença nas vantagens da urbanização e o fervor pelo progresso industrial”; • se produzem com pleno conhecimento das inter-relações do sistema biosfera, no que se refere à reciclagem e seu equilíbrio. “A noção de poluição transformase, passa a ser a noção de algo fora de lugar”. Tais considerações resumem-se nas seguintes contradições apresentadas pelos autores: a) do homem em relação à biosfera. Por um lado se reconhece que estes estejam inseridos nela por serem seres vivos; por outro, quando visto como um sistema em funcionamento, “dela são excluídos, justamente por que podem agir em oposição a ela”; b) da ação do homem em oposição à biosfera, “considera-se implicitamente a práxis produtiva humana, o conhecimento humano, a ciência, abordagem muito coerente com a concepção da queda do pecado capital”; c) da separação absoluta entre a natureza e o homem, vendo-se a parceria como uma categoria em si, como se a natureza existisse à margem do homem ou como se o conhecimento humano existisse à margem da natureza; Para Marx171 “a natureza, tal como se forma na história humana, é a natureza real do homem; daí que a natureza, ao ser formada pela indústria, ainda que seja em sua forma alienada, é a verdadeira natureza antropológica”. A natureza sem a presença do homem não é nada para ele, reforçando o argumento de que é o sistema de produção e as forças produtivas que dão à natureza sua existência social. A terra poderia muito bem existir sem o homem, contudo não existiria quem a concebesse enquanto tal. A partir do momento em que o homem integra a natureza ao seu mundo, acaba por dar um sentido humano a esta, a partir do qual se revela sua prioridade ontológica. 169 Engels, DN, p. 226. Souza, Ailton B. de & Vieira, R.A Amaral. Poluição alienação ideologia. R. Janeiro: Achiamé, 1984, p. 22-23. 171 Marx, Karl. Manuscrios de 1844. 170 65 As Categorias do Desenvolvimento Social Topolski (1976) 172 , analisando o mundo real como um todo, entende que na relação natureza e sociedade pode-se conservar o conceito de “autodinamismo”, onde todo o sistema trabalha “independentemente”. O desenvolvimento da sociedade através das contradições só pode ter lugar em condições naturais específicas: embora não sejam constantes, estão em processo constante de movimento e desenvolvimento; processo que neste caso também tem lugar pela superação das contradições. Para Marx e Engels, o todo compreendido pelas relações entre a natureza e a sociedade encontra-se mutuamente integrado. Junto com a soma das contradições que “põem a natureza em movimento”, e a soma das contradições que “põem a sociedade em movimento” deve haver um ponto de contato desses dois subsistemas que se constitui no estímulo básico da história da humanidade. Ainda Topolski (1972) observa que “a principal contradição que condiciona o desenvolvimento social está situada justamente no limite entre a natureza e a sociedade. É a contradição entre o homem e a natureza a solução que dá lugar ao desenvolvimento das forças produtivas”, assim esquematizada por ele. Natureza Desenvolvimento das Forças Produtivas Homem Marx173 explica o processo de trabalho (a atividade do homem) como, em primeiro lugar, um processo em que participam tanto o homem como a natureza, no qual o homem, por sua própria decisão, descobre, regula e controla as reações materiais entre ele e a natureza. Enfrenta a natureza com uma força pertencente a ela, colocando em movimento braços e pernas, cabeça e mãos e as forças naturais de seu corpo, para utilizar o produto da natureza de uma forma adequada aos seus próprios desejos. Com essa atuação sobre o mundo externo e transformado, muda ao mesmo tempo sua própria natureza. “Desenvolve seus poderes adormecidos e os obriga a atuar obedecendo a seu poder”. A contradição resultante da relação homem e a natureza é dinâmica, tendo como resultado as forças produtivas responsáveis pelo desenvolvimento continuado. A segunda contradição que justifica o desenvolvimento social encontra-se dialeticamente vinculada à primeira, correspondendo às relações entre as forças produtivas e as relações de produção. Para Marx174 “na produção social os homens entram em relações 172 Topolski, op. Cit, p. 169. Marx, Karl, O Capial I. 174 Marx, SW. 173 66 definidas que são indispensáveis e independentes de seu desejo; relações de produção que correspondem a um estado definido de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais”. Dessa relação surge uma contradição entre as forças produtivas, que são mais dinâmicas, e as relações de produção, que são mais inertes, uma vez que são representadas por aqueles que se apropriam dos meios de produção, determinando assim a natureza da referida produção. Topolski (1973)175 ressalta que a superação dessa contradição dá lugar ao desenvolvimento das relações de produção (I) que, ao se adequar ao nível das forças produtivas, se convertem em novas relações de produção (II), conforme esquema apresentado por ele. Forças Produtivas Relações de Produção (I) Relações de Produção (II) Como se sabe, as relações de produção referem-se às relações produzidas pelos próprios homens, considerando o sistema de produção. Nas relações de produção são definidas, a partir de um determinado modo de produção, as formas de apropriação da natureza/meios de produção, as relações de trabalho e a distribuição e troca dos produtos, o que implica diretamente no comportamento das forças produtivas. Como se sabe, o sistema de produção capitalista é caracterizado pela apropriação privada da natureza/meios de produção e por uma relação de trabalho assalariada, estrutura essa que permite a acumulação progressiva da mais-valia e consequente antagonismo das classes sociais. É evidente que a estrutura das 176 antropossocial, relações de produção encontra-se amparada pela megamáquina ou superestrutura ideológica, com a qual se dá a terceira contradição desse macrossistema. A superestrutura é representada pelo Estado, onde as relações jurídico-políticas e ideológico-culturais respondem pela ordem legal e política que induzem à formação da consciência social. Marx (1944)177 escreveu que o estado das instituições, opiniões e ideias, tal como existe em uma sociedade dada, ou estado da consciência humana, “deve explicar-se mais pelas contradições da vida material, pelo conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção”. Topolski (1973)178 discorre sobre as mudanças nas relações de produção que dão lugar a mudanças de adaptação na superestrutura, “porque a 175 Topolski, Op. Cit, p. 170. Conceito empregado por Morin (MORIN, E. O Método: a vida da vida. Portugal: Publicações Europa-América, 1980) em analogia ao conceito marxista de Superestrutura Ideológica. 177 Marx, SW 178 Topolski, op. Cit, p. 170-171. 176 67 velha superestrutura (I) impede as transformações das relações de produção. Assim há um conflito em nível superestrutural, entre os que se servem das relações de produção existentes e aqueles que favorecem as mudanças. Isto dá lugar à formação de uma nova superestrutura (II), que, sem dúvida, conserva muitos elementos da velha”. Tais relações são expressas da seguinte forma: Relações de Produção Superestrutura (I) Superestrutura (II) Estas três contradições podem ser interpretadas como as leis básicas do desenvolvimento social, considerando o intento de tratá-las numa perspectiva metodológica, dada a abrangência explicativa para a compreensão da realidade objetiva, resultado das relações entre a natureza e a sociedade. A ciência geográfica se caracterizou, sobretudo a partir da década de setenta do século passado, por um movimento identificado como “Geografia Crítica”, em oposição ao paradigma neopositivista dos teóricos quantitativos, tendo como princípio os fundamentos filosóficos marxistas. Contudo, divergência entre intelectuais tem dificultado a consolidação de uma perspectiva radical como novo paradigma da Geografia, o que de certa forma tem contribuído para o desenvolvimento de uma tendência humanista, de base fenomenológica, fundada no imaginário social. A tendência crítica à ortodoxia marxista, principalmente em relação à cultura material, tem implicado certo desprezo ao significado das leis da dialética, bem como das categorias do desenvolvimento social. Esse fato torna-se mais grave quando se trata da Geografia, que tem como objeto as relações entre a natureza e a sociedade. Hoje, mais do que nunca, é imprescindível a compreensão dessas contradições para a formação de uma consciência crítica. Como se procurou demonstrar, o novo modelo de desenvolvimento produtivista, ao mesmo tempo em que leva à privatização do público, reduz o relativo poder da força de trabalho, obtido no welfare state, através da imposição tecnológica. Esse fato reforça o significado ideológico da ciência, que ao promover o desenvolvimento tecnológico, ofereceu ao Estado as bases para a pacificação dos conflitos, levando o trabalhador ao risco iminente e ao dilema absurdo de submeter-se ao jogo de interesses dos detentores dos meios de produção, em troca da manutenção do emprego. Assim a ciência assume cada vez mais uma maior vinculação com as forças produtivas, desconsiderando o papel que apresenta como componente da superestrutura ideológica, reforçando a histórica alienação. A nova revolução científico-tecnológica nas forças produtivas, embora mantendo a velha estrutura das relações de produção (apropriação privada dos meios de produção e preservação da mais-valia com 68 base de sustentação), conta com os auspícios da superestrutura ideológica através da flexibilização da legislação trabalhista, da política permanente de privatização do público e da manipulação de índices de desenvolvimento, dentre outros. É nesse contexto que se espera resgatar as categorias do desenvolvimento social como alternativa imprescindível à compreensão do espaço em sua essência, fazendo da Geografia um conhecimento mais do que necessário para a superação da alienação; tratando a existência humana como consequência do processo histórico da natureza, questionando a apropriação privada da terra e consequentemente dos meios de produção. Como se viu até aqui, o que a ciência moderna continua querendo, através do “desencantamento do mundo”, é a teorização sobre as regras de conduta, as construções pedagógicas e políticas, as construções normativas, cujo objetivo é tornar o homem eficaz e eficiente. Repetindo, “o homem moderno, o cidadão, é, portanto, o Aufklärer, silhueta que abriga um misto de cientista cartesiano e libertino altivo. Ele quer, como meio e meta, ou melhor, como meio que é meta, a ‘feliz apatia” (Ghiraldelli, 1994)179. Para o autor, “também o professor deve arrancar o véu. Ele deve descortinar, desnudar, desmitologizar, desideologizar, desanalfabetizar, desinfantilizar, desencantar. Deve averiguar, experimentar (no sentido de experimento, e não de experiência), nominar, educar (que de certo modo é ‘puxar para cima’, pelos cabelos! )... profanar. Deve fazer intervir o logos, a palavra, a palavra que enumera, que classifica, que logiciza, que racionaliza, que quebra o ritmo do corpo de modo a impedir os fluxos normais que possam dar continuidade à imaginação”. A analogia do professor ao Aufklärer, feita por Ghiraldelli (1994) é no sentido de que esse ilumina, esclarece sem, contudo, provocar a necessária desmitologização. Adorno e Horkheimer (1986)180 observam que “o mito já é esclarecimento e o esclarecimento acaba por remeter à mitologia”. Em um jogo de espelhos, o homem esclarecido, autônomo, o cidadão aparece como elemento da massa, que aceita a dominação e só se rebela no sentido de continuar sua implementação. “A modernidade que produz a apatia, precisa criar mecanismos para, pelo menos por alguns momentos, reavivar esse homem para que a sociedade, ou melhor, o aglomerado de seres, continue a existir” (Ghiraldelli, 1994)181. Tal fato leva a concluir que a educação só tem sentido ao proporcionar a autorreflexão crítica, embora sabendo que as diversas forças – como o produtivismo lilberal – jamais patrocinarão qualquer crítica. Só resta a expectativa apontada por Adorno e Horkheimer (1986)182, de que embora o sistema procure “proteger pela negação a união indissolúvel da razão e do crime, da sociedade burguesa e da dominação”, não consegue distorcer as consequências do esclarecimento, o que justifica a necessária insistência de “proferir 179 Ghiraldelli, op. Cit, p. 18. Adorno & Horkheimer, op. Ci. 181 Ghiraldelli, op. Cit, p. 15. 182 Adorno & Horkheimer, op. Cit p. 111. 180 69 brutalmente a verdade chocante”. Nesse contexto, a Geografia, que foi intensamente abalada pela “feliz apatia” do iluminismo, deve rever seus conceitos e promover um conteúdo que possa desmitologizar e desalienar o homem abstrato, transformando-o em verdadeiro cidadão. Assumindo a Geografia uma nova postura epistemológica, fundamentada na dialeticidade da natureza, ao mesmo tempo em que deixará de tratar o espaço como soma de conteúdos distintos, aparentemente desconexos, assumirá efetivamente uma postura política, capaz de oferecer a formação de uma consciência crítica, imprescindível a uma nova prática social, produzindo uma geografia que “desvende o véu”. A DIALÉTICA DA NATUREZA João Maria de Freitas Branco183, em Dialética, Ciência e Natureza, procura “provar a justeza de uma intuição de Engels que se pode traduzir na seguinte asserção: para as ciências da natureza a dialética é a mais importante forma de pensamento”. O trabalho busca com isso pôr em evidência, no quadro atual do pensamento científico, a necessidade de recuperar uma concepção de natureza nas próprias ciências. “O grande dilema que a nova ciência nos coloca é o da necessidade de pensar de outra maneira”, o que justifica o enorme valor dessa obra que propõe a concepção do mundo de forma analítica e de o pensar dialeticamente. A intenção aqui é a de seguir, mesmo que de longe, os passos dados por Branco (1989), considerando a dimensão de sua obra, procurando num primeiro momento apresentar o significado da concepção dialética da natureza, para posteriormente apresentar os pressupostos materialistas como alternativa ontológica e epistemológica para a Geografia. A intenção de Engels foi o de cooperar na reificação do corpo teórico do marxismo, uma vez que Marx nunca teria a disponibilidade de tempo suficiente para se ocupar das implicações teóricas da sua obra e do seu pensamento nos mais diversos domínios do saber humano. A intenção inicial de Engels foi a de realizar uma crítica ao materialismo vulgar de Büchner, considerando a dialética como “a forma mais importante do pensamento para a moderna ciência da natureza, já que é a única que nos oferece o “análogo” (analogon), portanto, o método para explicar os processos de desenvolvimento da natureza, as conexões nos seus traços gerais, as transições de um domínio e outro” (MEW 20, 330-31)184. Engels é claro na declaração de intenções para o seu projeto de apresentar “uma concepção da natureza ao mesmo tempo dialética e materialista”. Branco (1989)185 observa que a referida 183 Branco, DCN, p. 35. Citado por Branco, DCN, p. 54. 185 Branco, DCN p. 55. 184 70 passagem permite concluir que “ser dialética significa deixar de ser não-dialética: e ser materialista significa não ser idealista”, expressão esta que se manifesta numa dupla oposição: a) o antiIídealismo, ou seja, a ideia exteriorizada que se impõe à mesma: e b) o antimecanicismo que se refere ao combate crítico ao materialismo vulgar (metafísica) presente no interior das ciências exatas. Em síntese, a intenção é a de superar as contradições entre ciência e filosofia da natureza. O projeto engelsiano fundamenta-se nas “três grandes descobertas” da época que são: 1. a transformação da energia (R. Mayer, Joule e Colding), um verdadeiro golpe aplicado no espírito metafísico; 2. a descoberta da célula orgânica (Schwann e Schleiden), superando o “fixismo” como base do raciocínio; 3. a descoberta da teoria da evolução (Charles Darwin), onde todos os produtos da natureza (inclusive o próprio homem), resultam de um longo processo de desenvolvimento, tendo como origem a célula. Portanto, tais descobertas representam novas concepções científicas que se revelam incompatíveis com as categorias metafísicas, impondo a necessidade de um método de pensamento diferente: o dialético. Às três descobertas, Engels acrescenta uma quarta: “Assim como Darwin descobriu a lei da evolução da natureza orgânica, Marx descobriu a lei da evolução da história humana” (MEW 19, 335)186. Após introduzir a noção de tempo na natureza, Engels (DN) concebe-a como processo, em última instância dialético, como pode ser observado em sua crítica a Bacon e Locke: “(a ciência natural provou) que a natureza, em última instância, as coisas se processam dialética e não metafisicamente, que ela não se move na monotonia eterna de um ciclo permanentemente repetido, que passa, antes, por uma verdadeira história...”(SU, MEW, 19, 205)187. Portanto, a natureza entendida como processo, compreendendo-o como conjunto contínuo de mudanças no tempo, oferece a ideia central e revolucionária da passagem da história natural à história da natureza, onde se dá a incorporação do homem como consequência do processo evolutivo. Para Engels188, “nada na história da natureza ocorre isoladamente”. É nessa trajetória que Engels (DN) enuncia as três leis da dialética desenvolvidas por Hegel, que eram apenas do pensamento, para uma dialética da natureza numa perspectiva materialista. 186 Citado por Branco, DCN p. 57, referindo-se ao discurso de Engels junto ao túmulo de Marx. Citado por Branco, DCN p. 85. 188 Engels, DN p. 20. 187 71 Para Politzer (1989)189 deve-se insistir que “a ciência, a natureza e a sociedade devem ser vistas como um encadeamento de processos, e o motor que trabalha para desenvolver tal encadeamento é o autodinamismo” Engels (DN), ao mencionar que “nas ciências da natureza, através do seu próprio desenvolvimento, tornou-se impossível a concepção metafísica”, faz-se acompanhar da convicção de abandonar o horizonte do idealismo em detrimento do materialismo filosófico, abreviando o regresso à concepção materialista da natureza (Branco, 1989)190. O Materialismo da Natureza Branco (1989)191, ao tratar da questão ontológica no materialismo da natureza, recorre ao conceito de unidade do real, utilizado por Hegel, resgatado de Spinoza: “A asserção fundamental que se pretende justificar é a da unidade imanente do próprio ser”. Se para Hegel o fundamento da unidade do real é a matéria como “criação do pensamento e pura abstração”, em Engels (DN), fica clara a necessidade da “unidade matéria-forma no plano da existência sensível”. A matéria deixa de ser entendida como conjunto de propriedades imóveis, absolutas e finitas, da concepção materialista mecanicista, assim como substrato, matéria universal constitutiva dos seres particulares, para se tornar o “real objetivo que se dá através da aparelhagem sensitiva, existindo independentemente da nossa consciência, e neste sentido identifica-se com a própria natureza” (Branco, 1989)192. Lenin (1962)193 evidenciou que “a noção de matéria exprime apenas a realidade objetiva que nos é dada pela sensação”. . Conclui-se que o conceito de natureza se identifica integralmente com os conceitos de “matéria” e de “realidade objetiva, o que leva a admitir que a natureza em sua integridade, representada pela categoria da matéria, compreende não apenas os fenômenos da natureza, mas também os da sociedade (o ser social).Trata-se aqui da categoria filosófica de matéria e não do conceito científico da matéria. Constata-se ainda, que a matéria entendida em sua dialeticidade, é essencialmente móvel e dinâmica, o que leva a concluir que “a matéria, sendo o fundamento da unidade do real, é consequentemente o fundamento ontológico da dialética”, numa posição monista194. “A natureza, entendida como sinônimo de realidade objetiva precede a atividade cognitiva: nisto consiste o primado do ser em relação ao pensar”. Com esse parágrafo, Branco 189 Politzer, op. Cit., p. 141. Branco, DCN p. 131. 191 Branco, DCN p. 132 ss. 192 Branco, DCN p. 136. 193 Lenin, Vladimir I. Matérialisme et Empiriocriticisme. Paris: Éd.Sociales, 1962, p. 230 (Oeuvres, T.14). 194 A palavra "monismo" é usada para indicar toda doutrina ou sistema de pensamento que afirme certa unidade de explicação (redução a um só princípio, a uma só causa, a uma só tendência ou direção) para um domínio limitado de ideias ou de fatos (JACOB, 1990). 190 72 (1989)195 consegue demonstrar que é através da existência da matéria, enquanto realidade objetiva, constatada através dos órgãos sensitivos e independentemente da nossa consciência, que se elabora o conhecimento, ao contrário da concepção idealista, onde a matéria é concebida no pensamento, independentemente de ser sentida como realidade objetiva. Acrescente-se que a matéria só é cognoscível através do movimento, portanto torna-se necessário entendê-la também na sua dialeticidade, ou seja, por essência, não-repetitiva. Nega-se ainda a finitude do conhecimento, acompanhando o desenvolvimento da própria ciência da natureza. ”Nunca, em parte alguma, existiu, nem pode existir, matéria sem movimento” (Engels, 1976)196. Aristóteles, nos Livros II e III da Física já considerava o movimento como princípio intrínseco à matéria, dando a ela uma existência infinita. Engels (1976)197 afirma que a unidade do real consiste na sua materialidade, tem-se, então, a prova de que essa materialidade é dada pelo progresso do conhecimento vulgar e do conhecimento científico, em particular.Toda discussão fundamenta-se no primado da natureza, na preexistência da natureza (da realidade material objetiva) em relação ao pensamento humano, o que levou a pensar que o desenvolvimento da vida biológica apresenta-se como um fenômeno moderno, portanto, uma fração de tempo ao longo da história da natureza. Essa relação é discutida também por H. Reeves, 1986198 . A ciência moderna tem proporcionado evidências sobre a existência de uma base molecular e química que viabilize o pensar, o que torna mais clara a unidade homem-natureza na óptica de Engels (DN), provando a impossibilidade de se estabelecer qualquer tipo de oposição entre espírito e matéria. Assim sendo, “o conhecimento é um processo de assimilação (termo biológico) e não de transposição; processo dialético e não mecânico” (Branco, 1989),199 ou melhor, não-idealista. O reconhecimento de que a prática humana sensível é a base do processo cognitivo, contido nas concepções de Engels (DN), é a clara negação da clássica dicotomia conhecimento-atividade prática. “A instauração da Práxis como elemento mediador inviabiliza a oposição sujeito-objeto, sendo aquele entendido em todas as circunstâncias como transindividualidade dinâmica”. Torna-se ainda necessário compreender que se a matéria existe fora da consciência humana, o que refuta a concepção idealista da matéria e consequentemente da realidade objetiva, necessariamente ela existe no tempo e no espaço. Enquanto os idealistas pensam que o tempo e o espaço são ideias nascidas no espírito do homem, defendida por Kant, os 195 Branco, DCN p. 141. Engels, AD, p. 51. 197 Engels, AD p. 52 ss. 198 Reeves, Huber. Um Pouco mais de Azul. S. Paulo: Martins Fontes, 1986, p. 99ss. 199 Branco, DCN p. 145. 196 73 materialistas afirmam o contrário, ou seja, que o homem está contido no espaço e que o tempo é uma condição indispensável ao desenvolvimento da própria vida. Conforme Engels (1976)200 “... as formas fundamentais de todo o ser são o espaço e o tempo, e um ser fora do tempo é um absurdo tão grande como um ser fora do espaço”. Conclui-se, portanto, que não há uma realidade independente da consciência. Mesmo antes de o ser humano existir o mundo ou a natureza já existia. Mesmo não conhecendo ou não pensando em determinado lugar, ele não deixa de existir. Para Lenin (1962)201 “as ciências da natureza afirmam positivamente que a terra existiu em estados tais que nem o homem, nem nenhum ser vivo a habitava, nem podia habitar. A matéria orgânica é um fenômeno tardio, o produto de uma evolução muito longa”. A Dialeticidade da Relação Homem e Natureza Ao entender o homem como resultado do processo evolutivo da natureza, torna-se evidente, e ao mesmo tempo banal, afirmar que este não deixa de ser natureza, mesmo considerando as diferenças entre ambos. Embora trivial, essa afirmação tem se constituído em objeto de críticas e discussões que passam a ser brevemente apresentadas. Com relação à crítica à Dialética da Natureza engelsiana, a posição de Schmidt em relação à noção de natureza, contida na referida obra, é simplesmente incompatível com o marxismo. Diz Schmid (1978)202 que “em Engels, a natureza e o homem não se unem primariamente através da práxis histórica; o homem aparece apenas como produto evolutivo e espelho passivo do processo da natureza, não como força de produção”. Também Lukács (apud Prestipino, 1977) contesta o conceito de natureza engelsiano como realidade. Para Lukács (1979)203 considera dois tipos distintos de dialética: a primeira posta e objetivada pelo ser genérico social e a segunda independentemente deste, correspondente ao próprio movimento da natureza. Assim como há dois movimentos da dialética, há também dois movimentos de objetivação: o movimento do ser social e o movimento da natureza. Apesar de serem movimentos dialéticos de objetivações distintas, pode-se notar uma conexão, uma relação umbilical entre ser social e inorgânico. Essa interpretação subverte o pensamento engelsiano, ficando claro que falar de dialética da natureza significa, entre outras coisas, a associação da história à natureza, estando o homem sempre associado a esta pelo processo social do trabalho. Conforme 200 Engels, AD p. 84. Lenin, op. Cit, p. 52. 202 Schmidt, Alfred. Der Begriff der naur inder Lehre von Marx. Frankfurt: Basis, 1978, p. 51. 203 Lukács, Gyorgy. Ontologia do ser social: os princípios ontológicos fundamentais de Marx. Trad.Carlos Nelson Coutinho. São Paulo:Ciências Humanas, 1979. 201 74 Branco (1989)204, “há uma relação ela própria dialética entre o mundo natural e o históricohumano. É isso mesmo que o conceito-chave de produção nos dá a conhecer. A natureza énos apresentada invariavelmente como a base real da história. Mas o fato de se considerar que natureza e história se unem numa totalidade não significa que se estabeleça uma completa indiferenciação entre ambas. A unidade dialética reafirmada a cada passo não quer dizer que os dois elementos se confundem”. Conclui dizendo que “em face desses abusos interpretativos não será demais voltar a repetir que no plano gnosiológico, o sujeito do conhecimento não é nunca entendido como ‘espelho passivo’. Ao contrário do que Alfred Schmidt afirma, o pensar não se esgota no reflexo do factual”. Ao demonstrar a “dialeticidade” da natureza, Schmidt (1978)205 apresenta o homem como sujeito transformador. Observa Branco (1989)206que na concepção não-engelsiana” de Schmidt, a dialética da natureza passa a ser “mera consequência da interação do homem (...) É o homem que introduz a dialética na natureza” deixando de ser da natureza, perdendo seu fundamento objetivo, ficando a um passo da separação dialética e materialismo. Mais à frente (Branco, 1989)207, rebatendo as críticas de Sartre208, que qualifica a dialética da natureza como “hipótese metafísica”, conclui que a razão dialética se fundamenta em si própria: “Não encontramos na natureza senão a dialética que aí introduzimos”, o que mostra que “a objetividade da dialética só é passível de percepção em termos corretos se conseguirmos compreender que a afirmação – aliás não discutida – da unidade do homem com a natureza é conducente à tese fundamental de que o processo do pensamento é ele próprio elemento da natureza, processo natural. Por isso o movimento do pensamento não está isolado do movimento da matéria”. Acrescenta ainda que no quadro da dialética, o subjetivo e o objetivo não são passíveis de separação, razão pela qual a dialética não se resume à função de método, ganhando uma concepção gnosiológica materialista. Assim, a dialética da natureza ao mesmo tempo em que traz consigo uma profunda crítica à filosofia como domínio reservado, exclusiva do “pensamento”209, reveste-se de um caráter científico, proporcionando a possibilidade de diálogo com as ciências da natureza. As ciências da natureza apresentam a interdisciplinaridade como necessária, partindo do princípio da inexistência de sistemas absolutamente isolados, o que requer, portanto, o diálogo entre as ciências e cada uma delas com a filosofia, o que pode ser resumido por Morin (1986)210: “de 204 Branco, DCN, p. 261. Shmidt, Op. Ci, p. 58. 206 Branco, DCN p. 263. 207 Branco, DCN, p. 265. 208 Sartre, Jean Paul. Critique de la Raison Dialecique. Paris: Gallémard, 1968, p. 127-129. 209 Conforme Hyppolite (1972)209, sempre houve entre os filósofos o desejo de que a filosofia se tornasse “saber do saber científico, a sua consciência em si” 210 Morin, Edgar. O Méodo III. Portugal: Publ. Europa-América, 1986, p. 23-24. 205 75 fato as grandes questões científicas tornaram-se filosóficas porque as grandes questões filosóficas tornaram-se científicas”. A dialética da natureza leva ainda a ausência de um sistema doutrinário, pondo fim “a todas as ideias de uma verdade absoluta e definitiva, e a um consequente estágio absoluto da humanidade. Diante dela nada é definitivo, absoluto, sagrado; ela faz ressaltar o que há de transitório em tudo que existe; e só deixa de pé o processo ininterrupto do vir-a-ser e do perecer, uma ascensão infinita do inferior para o superior cujo reflexo no cérebro pensante é esta própria filosofia (...). O conservantismo desta concepção é relativo; o seu caráter revolucionário é absoluto – o único absoluto que ela deixa de pé” (LF, MEW 2l, 267-268)211. Embora aparentemente absolutista, a dialética se caracteriza pela inexistência de conceitos ou verdades acabadas, de uma natureza portadora de uma ordem variante. A razão dialética demonstra a insuficiência do senso cartesiano face a um inimigo que não pode mais ser descrito como um gigantesco relógio funcionando de forma regular, “o discurso entusiástico anunciador do fim da história converteu-se na declaração de que atravessamos ainda uma fase pré-histórica” (Branco, 1989)212. O exercício de definir conceitos, leis, é relegado para um plano de menor relevância científica. “Falar de dialética envolve pensar no movimento, na contradição e na sua integração numa totalidade. A sua autêntica vocação é a de ser instrumento para um diálogo sempre aberto com o real (...). O pensamento dialético materialista recusa por princípio a atitude de se munir de uma cartilha estabelecida a priori para encetar o diálogo com a natureza” (Branco, 1989213). Para Reeves (1986)214, “a natureza não tem de se adaptar à nossa maneira de pensar. É a nós que cabe mudar a maneira de pensar para que ela se adapte à natureza”. “O imperativo que nos coloca não é, portanto, o de ‘mudar de mundo’, como diz Edgard Morin (‘il nous faut changer de monde’) , mas sim o de mudar a maneira de pensar o mundo, de forma a ajustá-lo às novas faixas do real...”(Branco, 1989215). Portanto, a concepção dialética implica contradição das relações processuais que integram a natureza, imprescindível à compreensão da unidade do real, ou seja, “pensar a contradição como passo para a intelecção dos processos do universo” (Lenin, 1976)216. Nesse contexto incorpora-se o conceito de matéria e movimento como interdependência absoluta, partindo do princípio de que “na natureza o movimento é sempre movimento de alguma coisa, 211 Citado por Branco, DCN p. 271. Branco, DCN p. 279. 213 Branco, DCN, p. 273-274. 214 Reeves, Op. Cit, p. 161. 215 Branco, DCN p. 276. 216 Lenin, Vladimir I. Sur la quesion de la dialeique. Cahiers Philosophiques. Ouvres. 38. Paris: Sociales, 1976 p. 343-344. 212 76 e não há fenômenos naturais observados que nos revelem uma matéria isenta de movimento” (Branco, 1989)217. Branco (1989)218 retoma a discussão do em si ao para nós contida em Kant, numa perspectiva materialista, como vital para a inteligibilidade do pensamento engelsiano. Nesse sentido busca explicar que a expressão “dialética da natureza” não exclui o caráter subjetivo do reflexo constitutivo do conhecimento, estando, portanto, bem patenteado no imperativo da transposição do em si no para nós. “Este considerar da ligação cognoscitiva entre o ‘subjetivo’ e o ‘objetivo’ afigura-se condição necessária para a correta compreensão do sentido preciso da expressão dialética da natureza” (1989)219. Quando se fala da natureza e se diz que a dialética é da natureza, torna-se evidente em Engels (DN) de que natureza está se falando: realidade objetiva, refletida pela consciência humana já que o reflexo cognitivo está objetivamente limitado pela situação histórica, resultante do intercâmbio entre o homem e a natureza. Embora “o projeto da dialética da natureza tenha permanecido inconcluso, sou tentado a supor que se pretendeu ter em consideração essa dupla manifestação do Natural”, afirma Branco (1989)220. Essa intenção, ainda que não tratada de forma evidente, parece estar clara em Engels (1979)221 quando diz que “é precisamente a transformação da natureza pelo homem e não apenas a natureza enquanto tal, que constitui o mais essencial e direito fundamento do pensamento humano”. Engels deixa claro que “o principal fundamento objetivo da nossa consciência não é apenas a natureza em si, mas uma natureza transformada e a própria ação transformadora que sobre ela se exerce” (Branco,1989)222, tornando absurda a ideia da dicotomia entre pensamento humano e o real, entre o espírito e a matéria, e em última instância, entre a natureza e a sociedade. Portanto, a dialética da natureza implica apropriação ou reapropriação das forças produtivas (Badaloni, 1976)223 ao estabelecer uma relação entre a prática social e o trabalho prático das ciências. “Se a ação prática transformadora da natureza fundamenta o próprio pensar, este, por sua vez, viabiliza novas formas de intervenção do homem junto à natureza, e desse modo a ciência pode concorrer para uma definição contínua da relação do homem com o mundo” (Branco, 1989)224. Para compreender tal relação, Engels (DN) aponta para a impossibilidade de basear o momento do pensamento apenas no interior do próprio pensar. O fundamento não se encontra 217 Branco, DCN, p. 100. Branco, DCN p. 102-107. 219 Branco. DCN, p. 107. 220 Branco. DCN p. 109. 221 Engels, DN, p. 20. 222 Branco, DCN, p. 110. 223 Badaloni, Nicola. Sulla Dialettica della Natura di Engels e sull’aualià di una Dialeica Materialista. Annali V.XVII. Milano: Feltrinelli, 1976, p. 53. 224 Branco, DCN, p. 111. 218 77 só no plano interno, ou seja, nas leis do pensamento, mas na necessidade de se externalizar, situando-se também nas leis da natureza. Tal fato demonstra que a atividade prática humana através da qual transforma a natureza é que constitui o fundamento do pensar, e não apenas a natureza intransformada. Essa reflexão evidencia que é através da prática que se condiciona o pensamento, o qual elabora o conhecimento, e não partindo do pensamento em si, conforme concebe o idealismo. A propugnação feita por Engels da dialética da natureza como ciência das conexões, o velho princípio da estabilidade e o conhecimento da natureza como algo de separado (em si) são banidos, observando que “enquanto houver homens a história da natureza permanecerá inseparável da história desses mesmos homens, dado que se condicionam mutuamente” (Marx & Engels, 199)225. Ao entender o homem como natureza, esta passa a caracterizar-se ao mesmo tempo como sujeito e objeto, sem implicar necessariamente que as realidades naturais, enquanto tais sejam consideradas puramente “recursos humanos”. Torna-se aqui imprescindível apresentar, mesmo que de forma sintética, os diferentes planos filosóficos que implicam necessária compreensão da importância da dialética da natureza, numa perspectiva engelsiana. No plano ontológico a unidade do real consiste em sua materialidade. A dialética da natureza implica conceito de matéria ontologicamente aberta, partindo do princípio de que a realidade objetiva existe independentemente da consciência que a reflete, onde “a categoria da matéria abarca não apenas os fenômenos naturais (fenômenos da natureza, o ser físico), mas também o ser social, aspecto fundamental que exprime a originalidade contida nesta definição categorial” (Branco, 1989)226. Propõe o retorno à evidência, à compreensão da natureza tal qual se apresenta, pondo fim aos sucessivos idealismos vividos ao longo dos dois milênios. No plano gnosiológico a natureza é entendida como sinônimo de realidade objetiva, precedendo a atividade cognitiva: o primado do ser em relação ao pensar, ou seja, apenas se pode conhecer o que existe. Assim, o conhecimento se caracteriza também como um fenômeno aberto, não limitado, que além de refutar os caracteres da metafísica, contrapõe-se à concepção de verdades acabadas. Conforme Engels (1976)227, se a unidade do real consiste na sua materialidade, a prova dessa materialidade é dada pelo progresso do conhecimento em geral e do conhecimento científico em particular. Portanto, ao mesmo tempo em que o sujeito busca a compreensão da realidade objetiva, que se converte em conhecimento, também se constitui objeto desse complexo processo natural. Isto quer dizer que “a estrutura do sujeito é inseparável, desde a sua origem, da realidade objetiva. O sujeito 225 Marx, Karl & Engels, Friedrich. A Ideologia Alemã (Feuerbach). S. Paulo: Hucitec, 1991, p. 27. Branco, DCN, p. 138. 227 Engels, AD. 226 78 do conhecimento integra essa própria objetividade de que pretende dar conta” (Branco, 1989)228. Afirma Piaget (1969)229 que “... não há mais um direito de fronteira entre o sujeito e o objeto”. A ruptura das concepções duais implica a urgência da transdisciplinaridade como progresso do conhecimento da realidade objetiva. No plano da práxis tem-se a prática social, que constitui a base do processo cognitivo, negando a clássica dicotomia entre conhecimento e atividade prática. A instauração da práxis como elemento mediador se caracteriza como atividade transformadora do mundo natural e social, ou seja, da realidade objetiva. Com base em tais pressupostos, torna-se possível superar a concepção externalizada da natureza (plano gnosiológico) e entender a materialidade da realidade objetiva, desprovidas das tradições mistificadoras, expressas tanto pelo idealismo quanto pela metafísica (plano gnosiológico e, por conseguinte, epistemológico), para, através da prática social, tendo a práxis como mediadora, proporcionar a necessária transformação com vistas a uma apropriação social da natureza, em busca da justiça social. 228 Branco, DCN, p. 144. Piaget, Jean. Logique et Connaissance Scientifique. Paris: Gallimard, 1969, p. 1244 (Enciclopedie de la Pleiade n. 22). 229 79