A OLIGARQUIA BULHÕES NA IMPRENSA EM GOIÁS (1866-1912)
Patrícia Simone de Araújo1; Robson Mendonça Pereira2
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Bolsista PBIC/CNPQ, graduanda do Curso de História, UnUCSEH/UEG.
2
Orientador, docente do Curso de História, UnUCSEH/UEG.
RESUMO
A afirmação do grupo político dos Bulhões Jardim, em Goiás, foi sedimentada desde
os fins do Império, através da estruturação dos partidos políticos, o que lhes proporcionou
uma base de sustentação até a Primeira República. Dessa forma, procuramos apresentar nesse
trabalho os principais projetos políticos defendidos pelos Bulhões Jardim através da imprensa
goiana. Este grupo criou vários jornais e opúsculos ao longo da segunda metade do século
XIX pilares que deram a estes o suporte para a sustentação do seu poder. Entre os mais
importantes para nossa análise destacamos: Província de Goiás, o Jornal de Goiás e o Jornal
Bocayuva.
Palavras-chaves: Bulhões Jardim; poder oligárquico; coronelismo.
INTRODUÇÃO
A afirmação do grupo político dos Bulhões, em Goiás, foi sedimentada desde os fins
do Império, através da estruturação dos partidos políticos, o que lhes proporcionou uma base
de sustentação até a Primeira República. Dominou toda a conjuntura política, no mais longo
período oligárquico que Goiás conheceu, de 1878 a 1912, com breves interrupções
(MORAES, 1974).
Em História de uma oligarquia: os Bulhões, de Maria Augusta Sant’anna de Moraes
(1974), encontra-se uma análise crítica pioneira sobre o coronelismo em Goiás através do
estudo de uma das oligarquias predominantes durante a Primeira República, justamente a dos
Bulhões Jardim. Neste trabalho Moraes procurou esboçar as origens do poder político dos
Bulhões sob o viés de análise de Max Weber, que irá marcar diversas outras análises
posteriores. Remete-se ao Segundo Império e ao envolvimento desse clã-familiar nas
inúmeras querelas políticas locais. Outro dilema perceptível se dá em relação às
1
representações negativas construídas pelos viajantes europeus sobre a província, com o qual
acaba concordando “reforçando as idéias de isolamento da região e do atraso vivido por
Goiás...” (CHAUL, 1998, p.10), outro ponto de convergência de analistas que se voltaram
para o mesmo tema do coronelismo e das práticas políticas na passagem do Império para
República na região.
O autor Nasr N. Fayad Chaul na obra, Coronelismo em Goiás: estudos de casos e
famílias realiza um estudo que se contrapõe a esta tese de que durante o período da República
Velha, Goiás seria um território decadente, isolado e atrasado, fato que teria acarretado a
inexpressividade da política e da economia goiana, na configuração do poder nacional, idéia
sustentada principalmente por Francisco Itami Campos (1987). Nasr N. Fayad Chaul alega
que a hipótese de inexpressividade da política goiana no âmbito federal não se sustenta por
que com o advento dos trilhos da estrada de ferro (uma das maiores bandeira de luta do grupo
político bulhônico foi justamente o prolongamento dos trilhos da estrada de ferro) a
agricultura teve um enorme crescimento, interligando Goiás ao país e inserindo o Estado, no
mercado nacional, em dimensões nunca experimentadas antes. A pecuária, para o autor em
questão, “possibilita a Goiás sair do isolamento econômico em que se encontrava estabelecer
as bases estruturais para o crescimento e a posterior ascensão da agricultura, através dos
trilhos das estradas de ferro” (CHAUL, 1988, p. 35).
O presente trabalho teve como objetivo analisar, através dos jornais e opúsculos sob
responsabilidade do clã bulhônico, os principais projetos de modernização (como a navegação
do Rio Araguaia-Tocantins e o prolongamento da estrada de ferro) defendidos pelos Bulhões,
e como esses projetos foram fundamentais para a manutenção do poder desse grupo familiar.
MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa adotou como eixo teórico de análise a proposta da Nova História Política.
Promovida continuamente em pesquisas recentes esta nova orientação enfatiza os estudos de
cunho biográfico apoiados em apurada análise em torno do papel exercido por personagens e
agentes políticos, tendo em vista sua inserção num contexto social, cultural e econômico mais
abrangente (LEVILLAIN, 1996). Com a modernidade, ampliou-se significativamente a esfera
pública de poder, o Estado passou a ter diversos tipos de atribuições: legislar, regulamentar,
subvencionar, controlar a produção, a construção de moradias, a assistência social, a saúde
2
pública, a difusão da cultura, etc (RÉMOND, 1996, p. 24). Com isto se torna possível falar
em uma “dimensão política dos fatos coletivos”, afirmando-se como um objeto de pesquisa do
historiador.
Nas décadas de 1980 e 1990, surgiram novas linhas de pesquisa historiográfica que
procuram um novo enfoque para o campo da cultura, marcada pela influência penetrante da
antropologia e da teoria literária (HUNT, 1995, pp. 1-29). As pesquisas passaram a se orientar
pela análise do discurso, redobrando “o interesse tradicional que os historiadores tinham pela
leitura dos textos que, supõe-se exprimem intenções ou, ao contrário, as traem e visam a
dissimular os projetos ou discordâncias, também forneceu métodos de tratamento e
interpretação” (RÉMOND, 1996, p. 30).
Por isso, utilizando desses instrumentais foram selecionados os seguintes jornais e
opúsculos: Província de Goiás e o Jornal Bocayuva, todos sob a direção do clã bulhônico.
Nestes constam artigos e opiniões de seus expoentes sobre os principais assuntos nos quais se
envolveram: a) abolicionismo; b) navegação do rio Araguaia-Tocantins; c) prolongamento
dos trilhos da Estrada de Ferro; d) autonomia provincial; e) luta contra o oficialismo político;
f) republicanismo; entre outros projetos modernizadores sintonizados com as demandas
requeridas em nível nacional.
No primeiro momento analisamos a produção historiográfica centrada no fenômeno do
coronelismo em Goiás durante a Primeira República e fizemos o levantamento e
posteriormente consultamos a essa documentação na hemeroteca do Arquivo Histórico do
Estado de Goiás (AHEG) e no Instituto de Pesquisas Históricas do Brasil Central da
Universidade Católica de Goiás (IPEHBC/UCG).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os Bulhões são herdeiros da tradição política das famílias Félix de Souza e Rodrigues
Jardim. Os membros da família Bulhões tiveram acesso a uma formação privilegiada própria
da elite burocrática imperial do período. A maioria dos integrantes do clã terminaram seus
estudos superiores na Faculdade de Direito de São Paulo (Largo do São Francisco). Ao
voltarem com seus títulos de bacharéis para Goiás estavam impregnados por ideais
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iluministas, principalmente pelos princípios positivistas de Comte e pelas concepções de
Spencer, como nos informa a autora Moraes: “Os Bulhões mais se aproximavam de Comte,
intitulavam-se livres pensadores, evolucionistas (Darwin) e materialistas” (MORAES, 1974,
p. 97).
A análise dos jornais e opúsculos escritos pela família Bulhões Jardim nos possibilitou
identificar como o clã bulhônico estava impregnado pelos princípios do positivismo, como o
do progresso possível de ser materializado na modernização material de Goiás em
consonância com as províncias mais adiantadas, caso de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais. Na maioria dos artigos pesquisados, o termo “decadente” é utilizado diversas vezes
como um dos principais elementos caracterizadores da sociedade goiana da época, citado
como situação a ser superada e não como decorrência de um destino trágico. Reproduzia-se
assim, a mesma visão de atraso e decadência decantada pelos viajantes europeus que
visitaram Goiás no final do período colonial até os anos iniciais da Independência. Essa
representação parece ter impregnado os governantes goianos a ponto de incorporar fortemente
em seus discursos as imagens de um tempo áureo (ligado a extração do ouro durante o século
XVIII) que se seguiu a ruralização da economia goiana (erroneamente interpretada como
período de estagnação), quando a pecuária se sedimentou como principal atividade (CHAUL,
1997).
A elite local no primeiro momento parece não ter aderido inteiramente ao ideal de
progresso e modernização almejado pelos Bulhões Jardim. Contudo, o Jornal Provincia de
Goyaz, de propriedade do clã Bulhões, pode ser considerado como uma arma crucial
estratégica para conseguir o apoio dos grandes pecuaristas. Manipulando o discurso do
progresso seus redatores almejavam manipular a elite goiana de acordo com suas
conveniências:
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O redator da Província de Goiás tem sabido levar a imprensa na verdadeira altura
que ela deve ocupar em um país civilizado. 1
A classe popular estava praticamente excluída da política goiana, o que não queria
dizer que houvesse uma opinião homogênea no seio da elite local. Em alguns episódios
relatados no jornal Província de Goyaz, demonstra-se claramente a aversão à política de
modernização defendida pelo clã bulhônico por parte de um setor da sociedade. O ataque
desferido contra a Estrada de Ferro de Rio Claro por “revoltosos” que destruíram parte de
seus trilhos, fora cometido, segundo o opúsculo a mando de religiosos católicos. Esse fato
ajuda a entender por que os Bulhões defendiam laicização do ensino, pois “sempre se
manifestaram opositores ao clero” (MORAES, 1974, p. 97). Ao comentar sobre tal
acontecimento os Bulhões declararam no mesmo jornal que esses atos foram cometidos:
por alguns fanáticos, que pelos seus desmandos deturparão a doutrina de paz e
fraternidade ensinada pelo Evangelho [...] Estes fatos, como bem o disso o Correio
Paulistano, “alem de nos cobrir de ridículo, atestam o atraso de nossa civilização”. 2
Devido ao seu prestígio e sua astúcia política o clã bulhônico conseguiu cooptar um
contingente significativo do eleitorado goiano, já que José Leopoldo de Bulhões Jardim foi o
primeiro presidente eleito em Goiás por sufrágio universal. Todavia, ele renunciou ao cargo
de presidente da Província de Goiás para assumir um cargo no âmbito federal. Além de líder
regional foi deputado estadual, senador federal vindo a ocupar por duas vezes o cargo de
Ministro da Fazenda.
Os fundos públicos do município eram precários, o clã bulhônico juntamente com
outros chefes locais empregaram seus próprios recursos na realização das obras públicas
(como na navegação do rio Araguaia-Tocantins), já que não podiam contar com o apoio
financeiro do governo central. Percebe-se que deste quadro resultou na indistinção entre
função oficial e vida privada permitindo a extensão do poder oriundo do cargo público para a
dominação com fins estritamente particulares. Carvalho Franco reflete a partir desses fatos,
como ficam explícitos os obstáculos sociais à tendência de burocratização do aparelho fiscal:
... de uma parte, um servidor público cujos vínculos com o ambiente em que vivia
não eram compensados por uma atitude profissional capaz de garantir um certo rigor
no desempenho de sua atribuições funcionais; de outro lado, o descuido em
formalizar as práticas administrativas, o que seguramente advinha da falta de
1
2
Provincia de Goyaz, Goiás, 08 de fevereiro 1870, p. 01.
Provincia de Goyaz, Goiás, 09 de julho de 1870, p. 01.
5
importância mesma dessas providências, visto como referidas práticas se
alicerçavam, na realidade, sobre uma ordem consuetudinária (CARVALHO, 1997,
p.125).
CONCLUSÃO
A luta dos Bulhões Jardim, pela modernização de Goiás foi um dos principais
estratagemas político que lhes garantiram o poder. Esse poder sustentava-se sob os pilares da
dominação pessoal que transforma aquele que sofre numa criatura domesticada: proteção e
benevolência lhe são concedidas em troca de fidelidade e serviços reflexos (FRANCO, 1997).
A política de modernização dos Bulhões tratava-se de um jogo político caracterizado por um
sistema de reciprocidade em que somente uma pequena parcela da sociedade goiana
(obviamente a que detinha de maior poder aquisitivo) participava e recebia os benefícios. A
classe popular estava praticamente excluída desse jogo político e por isso não se sentia
motivada em aderir qualquer política de modernização que fosse alterar sua realidade. Como
nos informa o autor Nasr Fayad Chaul (2001), para o povo, o cotidiano de sua realidade
bastava e satisfazia suas necessidades básicas diante do resumido universo de possibilidades
ofertadas pela Província.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHAUL, Nasr Fayad. Caminhos de Goiás: da construção da decadência aos limites da
modernidade. Goiânia: Editora da Universidade Federal de Goiás, 1997.
CHAUL, Nasr Fayad (coord.). Coronelismo em Goiás: estudos de casos e famílias. Goiânia:
mestrado em História/UFG; Kelps, 1998.
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. 4.ed. São Paulo:
Fundação Editora da UNESP, 1997.
MORAES, Maria Augusto Sant’anna. História de uma oligarquia: os Bulhões. Goiânia:
Oriente, 1974.
RÉMOND, René. Por uma história política. Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1996.
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