FORMAÇÃO CONTINUADA DE MATEMÁTICA – UMA ANÁLISE DE INFLUÊNCIAS NA PRÁTICA DOCENTE DE PROFESSORES DO 2° CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL Antonio Sales1- UNIDERP- [email protected] Iraci Cazzolato Arnaldi2- UNIDERP- [email protected] INTRODUÇÃO O despertar da sociedade para a importância da educação, como fator de superação das desigualdades sociais, tem sido o principal motivo dos investimentos substanciais, dos últimos anos, na Formação Continuada de professores do ensino fundamental. A rigor, a preocupação com o esboço do perfil do professor tem seus primórdios na Europa, na segunda metade do século XVIII, quando se buscava definir se este deveria ser leigo ou religioso. As outras questões levantadas na época estavam relacionadas com o caráter empregatício desse profissional, forma de sua nomeação e se o magistério deveria constituir-se num corpo profissional ou o trabalho deveria continuar individualizado. Hoje as questões são outras: interroga-se se a universidade está preparando, adequadamente, o professor para o exercício do magistério. Discutem-se as questões metodológicas, objetivos de ensino e formas de condução do trabalho, ou postura profissional. Em conseqüência do volume dos debates, surgem as novas concepções sobre o significado de ensinar e aprender, e a necessidade de uma constante atualização profissional (NÓVOA,1995) . Nesse contexto de atualização profissional estão inseridos os Cursos de Formação Continuada. Um programa cujo objetivo é superar a dicotomia entre o saber e o saber fazer, em sala de aula. 1 Licenciado em Matemática e Mestre em Educação. Professor dos cursos de Matemática e Administração da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (UNIDERP). Coordenador do Projeto de Pesquisa. 2 Licenciada em Matemática e Mestre em Educação. Professora dos Cursos de Matemática e de Pedagogia da UNIDERP, atualmente participando da equipe Did@TIC – IMAG – França, como estagiaria. Atuou como colaboradora no Projeto. Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática Nos últimos anos, os professores 2 da Rede Municipal de Ensino de Campo Grande, MS, (REME) têm sido objeto de constantes convites e convocações para serem atualizados e qualificados através de Curso de Formação Continuada (CFC). Embora os professores das séries iniciais do Ensino Fundamental sejam os que dispõem de menos tempo para serem atendidos em suas dificuldades e participarem de CFC, eles têm sido contemplados, também, ainda que em menor escala. No entanto, será que se pode afirmar que a sua prática pedagógica mudou em decorrência dessa assistência continuada através de CFC? Os investimentos em CFC têm produzido resultados que justifiquem a sua continuidade da forma como vêm sendo oferecidos? Em busca de respostas a perguntas dessa natureza a Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (UNIDERP) com o apoio da Fundação Manoel de Barros (FMB), realizou uma pesquisa, cujo objetivo foi desvelar as influências que os cursos de Formação Continuada vêm exercendo sobre o professor, no sentido de contribuir para a redefinição das suas dimensões pessoais e práticas pedagógicas. O trabalho foi executado pelos professores Antonio Sales e Iraci Cazzolato Arnaldi, contou com a assessoria do Prof. Dr. Celso Correia de Souza e com a participação da acadêmica de Matemática, Heloísa Helena Nantes Chaia, inscrita no Programa de Iniciação Científica da UNIDERP. A pesquisa teve por objetivo analisar o resultado dos cursos de Formação Continuada ministrados aos professores das séries iniciais da Rede Municipal de Ensino, a partir de algumas variáveis como: formação acadêmica, predisposição para o estudo e atualização, sua reação para com os cursos de Formação Continuada e acompanhamento técnico-pedagógico. Na Rede Municipal de Campo Grande, MS (REME), a Formação Continuada dos professores tem sido associada à produção do aluno e a produtividade deste vem sendo avaliada desde 1999, por iniciativa da própria Secretaria. Em novembro de 2001, a 3ª avaliação apresentou os resultados descritos a seguir: 40,27% dos alunos da REME obtiveram notas na faixa 6 |-- 8 pontos e 8,16% na faixa 8 |--| 10 pontos na avaliação de Matemática. Desta forma, 48,43% dos alunos alcançaram a nota de aprovação. Em Português foram Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática 3 aprovados 22,64% dos alunos e a maioria dos alunos (52,56%) obteve notas na faixa de 4 |-- 6 pontos. O resultado mais positivo foi obtido em redação com 60,09% de aprovação.(RELATÓRIO DA FAPEC, fevereiro de 2002) Os dados do relatório acima revelam a presença indiscutível de estrangulamento nos processos de ensino e aprendizagem, apesar dos investimentos na Formação Continuada dos Professores. A presente pesquisa teve por objetivo desvelar um dos possíveis fatores desse estrangulamento, a influência desses Cursos na prática do professor. Como toda pesquisa se desenvolve à luz de um referencial teórico que norteia a investigação e a análise, nos parágrafos seguintes faz-se a abordagem da questão metodológica. A QUESTÃO METODOLÓGICA Embora uma pesquisa totalmente qualitativa pudesse fornecer respostas satisfatórias a muitas questões levantadas, partindo de indicadores sobre a qualidade das condições em que são aplicadas as informações obtidas nos Cursos de Formação Continuada, optou-se por recorrer aos métodos qualitativo e quantitativo, uma vez que o fenômeno investigado, a educação, nunca é plenamente quantificável. Neste trabalho optou-se por analisar as questões abertas sob a visão fenomenológica, por ser ampla a ponto de extrapolar os limites dos cursos ministrados formalmente, chegando até ao ambiente e condições de trabalho, tendo em vista que fatores externos ao indivíduo interferem no seu comportamento e nos resultados do seu fazer. Sabe-se que a educação, o fenômeno aqui investigado, é uma experiência que integra uma estrutura multifacetada e não apenas a soma das coisas ou das experiências anteriores. Por essa razão, considerou-se que analisar a Formação Continuada dos professores apenas do ponto de vista determinístico seria incorrer num reducionismo que culminaria por impedir a compreensão tanto do fenômeno educacional, quanto do fenômeno humano, uma vez que o homem age “podendo introduzir em sua resposta elementos inteiramente imprevistos e imprevisíveis” (REZENDE,1990, p. 46). Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática 4 Para a fenomenologia, não há aprendizagem humana enquanto esta é reduzida em função do paradigma proposto: animal, mecânico, sociológico, econômico, ideológico. E se falarmos de reducionismo é exatamente para dizer que, embora todas essas abordagens possam ter uma importante contribuição a dar, esta última é modificada de modo profundo quando se integra na estrutura global do fenômeno humano. (REZENDE, 1990,p.50) Segundo Marly E. Dalmazo A. André (1992, p.11): A fenomenologia enfatiza os aspectos subjetivos do comportamento humano e preconiza que é preciso penetrar no universo conceptual dos sujeitos para poder entender como e que tipo de sentido eles dão aos acontecimentos e às interações sociais que ocorrem em sua vida diária. O mundo do sujeito, suas experiências cotidianas e os significados atribuídos às mesmas são, portanto, os núcleos de atenção na fenomenologia. Na visão dos fenomenólogos é o sentido dado a essas experiências que constituem a realidade, ou seja, a realidade é 'socialmente construída'. Um fator importante dessa linha de pensamento é que leva em consideração a visão que o indivíduo tem do objeto. Uma visão que é criada na interação do indivíduo com o meio onde vive, no convívio com os colegas e alunos e no contato com o próprio conteúdo a ser trabalhado. A pesquisa foi realizada com 400 professores das 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental e o instrumento continha 22 perguntas, das quais 6 abertas e 16 obejtivas, e a amostra foi obtida visando uma confiabilidade de 95%. As questões objetivas receberam um tratamento quantitativo; pois a quantificação não dispensa a consideração de fatores qualitativos e vice-versa. ELEMENTOS DE ANÁLISE NÍVEL DE ESCOLARIDADE Dos professores entrevistados, 62,12% têm curso superior completo e 30,30% o estão cursando. Desses, a grande maioria (58,00%) são pedagogos, embora não tenham especificado a especialidade, e menos de 4,00% possuem pós-graduação. Esta é uma informação de grande importância, pois coloca a Rede Municipal de Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática 5 Ensino de Campo Grande e, por extensão, a Capital de Mato Grosso do Sul, em igualdade com os grandes centros do País. Ela revela que cerca de 62,00 % do total de professores, que atuam nas 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental, já possuem habilitação ou estão se habilitando em Pedagogia. Por outro lado, o ensino de Matemática não parece ser prioridade para nenhum deles, tendo em vista que nenhum professor tem habilitação nessa área. CURSOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA Com relação ao CFC, os dados revelaram que a principal promotora é a própria Secretaria de Educação e que, apesar disso, o professor participa dos mesmos “espontaneamente, pelo desejo de aprofundar os conhecimentos e melhorar a prática pedagógica”. É significativo também o número (18,94%) dos que participam para evitar conflitos com a administração escolar. É possível que esses 18,94% representem aqueles profissionais para os quais nada mais resta saber ou fazer tendo em vista que o que está posto é, pedagogicamente, suficiente para resolver os problemas da aprendizagem e que as dificuldades existentes são de outra ordem. Mas, e os que participam espontaneamente, que justificativa apresentam para tal atitude? Essa participação espontânea foi justificada pela necessidade que o professor sente de estar em contínua atualização, especialmente nos componentes curriculares em que os alunos apresentam maior dificuldade de aprendizagem, como é o caso de Matemática. As mudanças nos programas e nas concepções de aprendizagem têm sido o fator que mais desestrutura o profissional da educação vindo, em segundo lugar, a consciência de que apenas o conhecimento adquirido na universidade não é suficiente. Essa consciência de incompletude é um componente salutar na vida de todo profissional, porque evita a fossilização do saber. No entanto, não ficou suficientemente claro se o professor referia-se a esse sentimento de incompletude ou se, num ato inconsciente de contradição3, denunciou o curso que o habilitou de não 3 Em outro momento o professor afirmara que o curso de graduação lhe fornecera os requisitos suficientes para o exercício da profissão. Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática 6 lhe oferecer o mínimo necessário à execução da tarefa. Os CFC, ministrados pelos técnicos da Secretaria, parecem ter atendido melhor às expectativas do professor, pela sua adequação, continuidade e aprofundamento. Em seguida estão aqueles que são ministrados por elementos ligados a uma Universidade. Das instituições de ensino superior, existentes nesta capital, sabe-se de quatro que possuem projetos de assessoria na área de CFC que são executados por profissionais que têm, ou tiveram no início da sua carreira profissional, vínculo com o ensino público, estadual ou municipal, nos níveis fundamental e médio e atuam nos cursos de licenciatura como supervisores de estágio. Conhecem, portanto, não apenas os anseios do professor mas também as suas carências. Além disso, possuem um compromisso com a qualidade do material intelectual oferecido e com a melhoria da qualidade de ensino em Campo Grande e no Estado. A metodologia tem sido o principal enfoque dos CFC e, em segundo lugar, os conteúdos. Mas, será essa a necessidade do professor? Quais as necessidades ou preferências desse profissional, com relação a CFC? Essa foi a questão seguinte. Nesse item era perguntado ao professor qual a sua preferência com relação ao enfoque dos CFC: se conteúdo, metodologia, aspetos teóricos da educação ou temas relacionados com o relacionamento entre o professor e o aluno. Desses, 56,06% preferem que os cursos abordem a questão metodológica contra 39,39% que preferem aprofundamento dos conteúdos e 25,00% que estão preocupados com o relacionamento e há os que preferem todas as abordagens. Novamente deparamo-nos com uma contradição. Enquanto mais de 50% estão insatisfeitos com a abordagem dos CFC, outra parcela igual dos entrevistados preferiria essa mesma abordagem. Seria o problema da forma como os CFC são ministrados ou a condição de existência do professor? Uma existência marcada pela incerteza dos objetivos e pela inconsciente incorporação da negação da importância do seu fazer pode ser refeita com CFC? Em parágrafos anteriores foi afirmado que as necessidades do professor não foram ainda detectadas por aqueles que se propõem assessorá-los em seu fazer. No entanto, o que pensa o professor a esse respeito? Essa foi uma questão levantada ao se perguntar se os “cursos têm sido adequados à sua realidade”. Dos entrevistados, 39% entendem que sim enquanto 58% afirmaram que em apenas alguns casos os Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática 7 CFC atendem às suas necessidades. Novamente a questão permanece: essas necessidades são reais ou imaginárias? São desconhecidas apenas para os executores de projetos de CFC ou também o professor ainda não as definiu? Perguntado sobre isso, apenas quatro professores responderam afirmando que “muitas vezes o palestrante não tem preparação”, “as nossas necessidades são diferentes conforme a vida real de nosso bairro, a mente de nossas crianças.” e “os cursos têm tentado ajudar. Porém nem sempre podemos nos ausentar da sala de aula, devido à carga horária etc.”. Tem-se, dessa forma, a indicação da necessidade do professor: tempo, hábito e condições para estudo e planejamento. Como os CFC poderão construir esse hábito apesar de o sistema lhe ser desfavorável? Os CFC, na perspectiva dos seus ministrantes, devem produzir algo mais do que reflexão. Devem estimular a leitura posterior e uma mudança na postura do profissional. Mas, tem o professor aprofundado os seus conhecimentos após os CFC? Têm sido influenciados de tal modo que buscam complementar o aprendido, através de uma reflexão pessoal suplementada por uma leitura específica? A resposta é não. Os dados disseram que 64% dos professores informam ler assuntos gerais. Possivelmente, leituras esparsas que muito vagamente poderão contribuir para o seu fazer pedagógico. NECESSIDADE DE CFC EM MATEMÁTICA O fato de 93% dos entrevistados indicar ser necessário que um programa de Formação Continuada seja mantido, reflete as dificuldades enfrentadas por esse profissional para lidar com esse componente curricular. As justificativas apresentadas refletem bem a necessidade do professor de 2° ciclo (3ª e 4ª séries) em relação ao componente curricular Matemática e os CFC nessa área. Eles esperam um CFC que proporcione “trocas de experiências. Novos conhecimentos e técnicas. Confecções de materiais didáticos novos e diferentes para uma aula motivada”. Eles buscam “novas metodologias”; querem “aprender novas formas de passar esse conteúdo” e concebem que “através desses cursos o professor tem oportunidade de ampliar seus conhecimentos e melhorar o seu fazer pedagógico”. Estão conscientes de que “o professor deve buscar mais conhecimentos Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática 8 na área de jogos matemáticos para que seus alunos adquiram mais habilidades de raciocínios matemáticos” e “aprimorar conhecimentos, sanar dúvidas existentes”. Um CFC em Matemática “é necessário para o aprimoramento da nova metodologia e maior qualidade em nosso trabalho” e entendem que “ irá nortear o meu trabalho, assim promovendo um maior desenvolvimento referente à disciplina citada acima”, tendo em vista que “a maioria dos alunos têm muitas dificuldades em matemática”. Ao dizer que “a educação é dinâmica, em qualquer área é necessário que o professor tenha a possibilidade de estar sempre aprendendo e aprimorando seus conhecimentos e os cursos de Formação Continuada favorecem essa prática”, o professor revela que o seu envolvimento total com os afazeres da sala de aula não impediu que ele perceba o dinamismo do processo educacional. “Porque nada é estático. Tudo se modifica a todo tempo e precisamos acompanhar tantos conteúdos, metodologias e a nova geração de alunos que recebemos”, diz o professor. Os novos pressupostos da aprendizagem e objetivos do ensino da Matemática também fazem-se presentes em seu discurso “porque a matemática que ensinamos hoje requer raciocínio e entendimento do porquê aprender e antes era mecânico. Aprendia-se porque tinha que aprender e pronto” e “ é necessário que o professor demonstre, na prática, determinados conteúdos que na maioria das vezes ele apresenta de forma convencional”. Diante do desafio de caracterizar um bom CFC em Matemática, o professor assim o define: “Quando há muita troca de experiências. Confecções de materiais didáticos. Metodologia de como ministrar um conteúdo novo”; quando ensina trabalhar com “material dourado” e “Tangram – que seja aplicável e de fácil compreensão, recursos acessíveis, metodologia motivadora”, “com fundamentação teórica, abordando a metodologia”. Que “busque inovar as metodologias e a didática dentro da sala de aula. Que desenvolva condições relativas ao aproveitamento do aluno no seu contexto social”. “Um curso que se trabalhe na prática com oficinas”, “construção do número e aplicação prática da geometria” e que “traga sugestões de trabalho com novas metodologias que motivem o aluno ao aprendizado”. Um bom CFC em Matemática é “aquele que consegue integrar teoria e prática possibilitando ao professor adquirir o conhecimento específico àquele conteúdo e diferentes Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática 9 metodologias para aplicá-lo”. Que ensine trabalhar com a Seqüência Didática4” e “fundamentos matemáticos”. É “aquele que faça o professor refletir sobre a importância da aprendizagem significativa para o aluno e sugerir leituras práticas de desenvolvimento de conteúdo; contextualizar os conteúdos de matemática” e “que retrata a vida cotidiana, do professor (trabalha 3 períodos ), e que o aluno não tem condições de estudo; que fosse realmente a realidade da educação” e “ nos mostra como ministrar matemática de acordo a cada vivência de cada comunidade escolar”. Um bom CFC em Matemática é desenvolvido em três momentos distintos: “1º momento: a trabalhar com material dourado; 2º momento: confeccionar materiais alternativos; 3º momento: adquirir mais segurança; todos relacionados com o material.” O PROFESSOR LEVA PARA A SUA SALA DE AULA OS CONHECIMENTOS ADQUIRIDOS NOS CFC? Quando perguntado se não colocou em prática algum ensinamento adquirido nos CFC as respostas são reveladoras, tendo em vista que o professor admite que deixou de trabalhar com “material dourado”, “números decimais, fracionários, tangram”, “jogos e brincadeiras de matemática”, “português e matemática”, “utilização de calculadora”, “trabalho com atividades em vídeos”, “reestruturação de testes”, “fuso horário e aplicação de gráficos”, “trabalhar em grupos com jogos” e “muitos”. As razões apresentadas foram: “porque preciso dominar mais o manuseio deste material”, “não há tempo de planejamento para a confecção de materiais e recursos para isso”, “por falta de tempo de confeccionar os materiais”, “algumas sugestões são inviáveis, devido a vários fatores envolvendo a sala, a realidade da escola, do aluno e etc...”, “não batem com a realidade, esse cursos são mais fantasias. Porém dou uma peneirada e uso o que sobrou”, ‘porque não eram aplicáveis à minha realidade em sala de aula” e “porque me senti insuficientemente apta para aplicar”. No entanto, há aqueles que afirmam que “nunca cheguei neste ponto”, “em todos os cursos aproveito e coloco em prática”, “sempre que recebo orientação 4 Documento elaborado pela Secretaria Municipal de Educação para nortear a prática docente nas escolas da Rede Municipal de Ensino de Campo Grande, MS. Atualmente a REME conta com mais de oitenta escolas, somente na região urbana. Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática 10 procuro colocar em prática” e “a maioria eu pratiquei”. “Sempre que ministro minhas aulas, busco recursos nas orientações que tenho recebido em cursos”. “Todos os cursos que recebi coloquei na prática”. Mas, e como o professor se relaciona com as propostas metodológicas apresentadas nos CFC? Apenas 45,00% dos professores aceitam prontamente as sugestões metodológicas propostas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebe-se que os Cursos de Formação Continuada, embora não resultem, de imediato, em profissionais nota 10, contribuem para a desalienação do professor que, no seu constante fazer, vê-se envolto na mesmice do seu dia-a-dia, mantendo-se ausente das novas propostas pedagógicas e com dificuldades para compreender as mudanças pelas quais passa a sociedade e as necessidades intelectuais da sua clientela. Os CFC vão ao encontro do professor como ele é “encarnado, não o abstrato homem da especulação". O homem "inteiro - emoção, afeto, pensamentos, comportamento... Ali na realidade pré-reflexiva da cotidianidade”. (PIMENTEL, 1993, p.23) Sob esse prisma, a arte de ensinar, a metodologia, não é um processo acabado e não há uma metodologia adequada a todos os momentos, alunos e conteúdos. Vivemos em uma sociedade em contínua transformação, exigindo que se proceda a uma transição do velho paradigma educacional para um novo conceber e fazer; mas o preço da transição parece muito alto. O conhecimento do estágio em que se encontra o professor da REME pode ser desilusório para todos os que voltam os seus olhares para o presente em busca de uma solução imediata e simplista para os problemas educacionais. Dada a complexidade do fazer pedagógico e do viver relacional do ser humano, os mitos e paradigmas a serem rompidos e reconstruídos, as angústias que oprimem cada geração, as incertezas do caminhar diante da obscuridade do caminho trazem relutância e exigem tempo para que o professor incorpore o novo fazer. Na fala do professor, percebe-se uma insegurança com relação aos conteúdos específicos, uma preocupação com as transformações sociais, as novas necessidades dos alunos e a necessidade de troca de experiências. Há professores Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática 11 seguros de que a sua formação inicial é suficiente, talvez por desconhecer o amplo espectro de cada componente curricular que deve ministrar. A ampliação dos conhecimentos a que ele se refere sugere a sua prontidão para conhecer, e a informação de que ele dedica tempo para leitura posterior fornece um referencial para os CFC. Talvez o professor necessitasse mais de diálogo e de troca de experiências, do que de cursos que estão sendo realizados. Na área de Matemática, o fato de não existir entre os entrevistados nenhum que tivesse optado pelo curso de matemática, embora 93% deles tenham concluído, ou estejam cursando, o ensino superior, fica evidente que o professor não tem afinidade com esse componente curricular. Essa constatação explica a dificuldade de o professor levar para a sala de aula as alternativas metodológicas propostas nos CFC de Matemática. Olhando mais especificamente "As influências da formação continuada de Matemática na prática docente do professor", corremos o risco de manter uma postura simplista de que o professor que faz CFC tem que melhorar a sua prática, mesmo que a escola continue a mesma, que a estrutura administrativa seja inflexível e inoperante e que a comunidade permaneça alheia aos objetivos da educação. Às vezes aceitamos como uma lei natural que o aluno aprende sempre, independentemente de querer ou não, independentemente de ter sonhos ou não, independentemente de a sociedade estar voltada para isso ou não. Isso implica vê-lo como um caso isolado nesse contexto todo de descaso e incompreensão, de exploração e desrespeito para com a própria vida. Daí o fato de os CFC visarem estabelecer uma malha de relacionamentos que dá ao professor uma nova visão de educação em que a prática é determinada pela escola e cada aluno é um indivíduo. Uma visão simplista diria que a função do professor é ensinar e poderia reduzir este ato a uma perspectiva mecânica, descontextualizada. É provável que muitos dos nossos cursos de formação de professores limitem-se a esta perspectiva. Entretanto, sabe-se que o professor não ensina no vazio, em situações hipoteticamente semelhantes. O ensino é sempre situado, com alunos reais em situações definidas. E nesta definição interferem os fatores internos da escola, assim como as questões sociais mais amplas que identificam uma cultura e um momento histórico-político. Com isso quero dizer da não neutralidade pedagógica e Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática 12 caracterizar o ensino como um ato socialmente localizado.(CUNHA, 1999,p.24) A participação espontânea de 83,00% dos professores nos CFC foi justificada pela necessidade que o professor sente de estar em contínua atualização, fato que insere o professor da REME num contexto mais amplo. É possível dar como certo que os CFC evitam o isolamento do professor. O professor diz participar de cursos de Formação Continuada em busca de novos conhecimentos. O que ele quer dizer com isso? O que significa novos conhecimentos para o professor? Pelo que foi visto, esses novos conhecimentos são exemplos práticos de como trabalhar a disciplina em sala de aula. Enfim, com relação aos Cursos de Formação Continuada, a fala do professor é paradoxal; por um lado diz que os conteúdos dos cursos não são aplicados à realidade e, por outro, os ministrantes mostram a aplicação e justificam o que apresentam. O professor pede que os conteúdos sejam ministrados em forma de oficinas, mas entendem que os ministrantes se esforçam para justificar a aplicação. O problema se concentra no saber-fazer. Evidentemente que outros fatores, mais de ordem sociológica do que pedagógica interferem no processo e a solução exigiria um olhar mais amplo para as questões educacionais, pois, na sociedade concreta, com o seu perfil capitalista, a simples transmissão da cultura não é suficiente; o pedagógico, além de ser fortalecido, deve partilhar espaços com a formação profissional, com a preparação para o trabalho e para o exercício da cidadania pautado em princípios éticos, em que a Cultura e preparação para o trabalho deveriam caminhar de mãos dadas num exemplo fidedigno de interdisciplinaridade. Mas como fazer isso, no curto espaço de tempo que a criança permanece na escola? Essa relação cultura-trabalho seria a mola propulsora da motivação para a aprendizagem mas, em que espaço isso se daria? Muitas questões que afetam a educação e afligem o professor ainda permanecem. Palavras Chaves: Formação Continuada Professor Ensino Fundamental Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática 13 Referências Bibliográficas: ANDRÉ, Marly Eliza D. A. A Contribuição do Estudo de Caso Etnográfico para a Reconstrução da Didática. São Paulo, Faculdade de Educação da USP, 1992. (Tese de Livre-Docente). ANDRÉ, M.E.D.A. & LÜDKE, Menga. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo, E.P.U.- Editora Pedagógica e Universitária, 1986. CUNHA, Maria Isabel da. O Bom Professor e sua Prática. 10.ed. Campinas,SP: Papirus, 2000. NÓVOA, António (org). Profissão professor. 2.ed. Porto, Portugal:Porto Editora, 1995. PIMENTEL, Maria da Glória. O Professor em Construção. São Paulo: Papirus, 1993. REZENDE, Antonio Muniz de. Concepção fenomenológica da educação. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1990.