Aspectos Institucionais para o Smart Grid no Brasil : riscos, oportunidades e desafios regulatórios Cássio Lourenço Ribeiro Universidade de Brasília, Brasil | http://www.gern.unb.br | [email protected]| BIOGRAFIA Graduando em Direito pela Universidade de Brasília, Brasil. Pesquisador do Núcleo de Direito Setorial e Regulatório (NDS) da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília e de seu Grupo de Estudos em Direito de Recursos Naturais (GERN). Pesquisador Bolsista do Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias de Comunicação (CCOM) da UnB. RESUMO O conjunto de tecnologias denominado smart grid revolucionará o setor elétrico em diversos de seus aspectos institucionais, tais como técnicas de operação, modelos de tarifação, padrões de consumo, prestação de serviços. Essas alterações ensejam uma releitura do conjunto normativo que rege o setor para análise dos limites e possibilidades postos pelos atuais instrumentos regulatórios. A oportunidade que se tem é de ressignificar o núcleo essencial dos serviços de energia elétrica, em referência ao postulado da centralidade do indivíduo na adoção de padrões de consumo e definições de política energética. Com isso em mente, discute-se a formulação de um marco regulatório para o smart grid, à luz, em particular: do uso racional dos recursos energéticos, da busca pelo serviço adequado, do novo horizonte para a geração distribuída, dos novos papéis das distribuidoras e da convergência de infraestruturas que aproxima os serviços de energia elétrica e telecomunicações. Palavras-Chave Regulação, infraestrutura, convergência, smart grid. 1 ABSTRACT The smart grid set of technologies will shift the electric power sector in several of its institutional aspects, such as operation techniques, pricing models, consumption patterns, distributor’s provision of services. These changes demands a new reading over the the sector’s regulatory framework for an analysis of the limits and possibilities brought by actual regulatory instruments. The underlying opportunity is to reframe the electricity core services, in reference to the postulate of the centrality of the individual over the adoption of consumptions patter and energy policy settings. Bearing this in mind, the paper discusses the creation of a regulatory framework for the smart grid in Brazil, taking specially in account: a rational use of energy resources, the search for the appropriate service, the new horizon for distributed generation, the new roles for the distribution utilities and the infrastructure convergence, which approximates energy telecommunications services. Key Words Regulation, infrastructure, convergence, smart grid. 1. INTRODUÇÃO O Plano Nacional de Energia 2030 (PNE) prevê uma expansão média do consumo de energia elétrica em torno de 4% ao ano. Esse cenário tornaria necessário o aumento, nas próximas duas décadas, dos atuais 69 mil MW de capacidade instalada para algo em torno de 225 mil MW, a ser suprido primordialmente pela expansão da oferta (mediante aproveitamento de novos potenciais hidráulicos - sobretudo na região Norte - e expansão da base termelétrica), tendo como estratégias complementares, dentre outros, o gerenciamento da demanda, a geração distribuída e a microgeração, assim como o incremento da eficiência energética. Essa questão está posta ao setor elétrico como emblema do seu papel estratégico. Responder aos desafios de expansão do potencial gerador do país é tarefa que passa pela harmonização dos discursos e práticas de índole tecnológica, econômica e regulatória. O acesso a redes de energia elétrica é base para o crescimento econômico de um país, para o desenvolvimento social e humano de sua população1 e também para a existência 1 “This situation (lack of electricity supply) entrenches poverty, constrains the delivery of social services, limits opportunities for women, and erodes environmental sustainability at the local, national and global levels. Much 2 and em escala de atividades e serviços tais como os de saúde, educação, transporte e telecomunicações2. Em outras palavras, não há falar em Estado contemporâneo, e, por conseguinte, em efetivação de direitos e garantias constitucionais sem que esse discurso dependa, tangencie, seja condicionado ou de qualquer maneira redimensionado por considerações referentes à prestação dos serviços de energia elétrica. Mesmo a formulação de políticas públicas setoriais encontra uma série de especificidades que postulam a necessidade de um olhar mais atento. Não se fala em pequena escala no setor elétrico. Em se tratando do porte das infra-estruturas envolvidas, os empreendimentos demandam sempre a mobilização de capital da ordem de milhões, quando não bilhões de reais. Nesse setor, qualquer tributo encontrará uma das maiores e certamente mais cativa base de contribuintes do país. Qualquer perda sistêmica de energia impactará, de forma inevitável, a conta final de consumo. Qualquer construção de nova unidade geradora terá o potencial de trazer consigo as controvérsias ambientais que hoje pautam, por exemplo, os debates sobre a construção das Usinas de Belo Monte e do Rio Madeira. É nesse contexto que, a pouco e pouco, os especialistas vêm anunciando um conjunto de tecnologias que integra sensoriamento, telecomunicações e processamento de dados ao sistema elétrico para criar as chamadas ‘redes inteligentes’: o smart grid. Dentre outras promessas, esse conjunto tecnológico seria o responsável por significativos ganhos de eficiência energética, por permitir automação e operação remota do sistema, por melhorar a fiscalização e monitoramento das condições de rede e qualidade de energia, por incrementar a capacidade de tomada de decisões nas diferentes fases do setor, por viabilizar tecnicamente a o consumo programado, inteligente, de energia, dentre outros.3 greater access to energy services is essential to address this situation and to support the achievement of the MDGs”.United Nations, The Energy Challenge for Achieving the Millenium Development Goals, 2005. Disponível em: http://esa.un.org/un-energy 2 As estimativas eram de que, em 2006, apenas os cinco maiores mecanismos de busca na internet consumiriam cinco gigawatts de eletricidade, o que equivale à quantidade de energia necessária para fazer funcionar a cidade de Las Vegas. Gifford, Raymond; Peters, Adam. Power Gridlock. In: Progress Snapshot Release 3.1. Janeiro de 2007. 3 Nas palavras de Jain e Goswami, “a smart grid can be defined as a collection of applications or technologies that make the electricity distribution grid more observable, controllable, automated, responsive and resilient. It transforms the way power is generated, delivered, consumed and accounted for, enables better energy distribution and gives end-users the ability to monitor and control their energy usage. The convergence of information and communication technologies with the electricity distribution grid makes this possible” 3 Em termos pouco técnicos, o que o smart grid faz é inaugurar a inteligência digital a um dos últimos resquícios da nossa tecnologia analógica: o setor elétrico. Essa transformação está calcada em três pilares, sendo eles (a) o sensoriamento, com a função de captar as informações de rede e tecnologicamente representado pelos smart meters; (b) as telecomunicações, com a função de transmitir as informações de rede, podendo se dar com tecnologias que usam a própria rede elétrica para a transmissão de dados (Power Line Communications, v.g.) ou com tecnologias de transmissão de dados desvencilhadas da rede de energia elétrica (GSM, GPRS, UMTS, SMS, etc); e, finalmente, (c) o processamento, com a função de “interpretar” as informações em trânsito, tomar decisões de forma independente, etc. Função Tecnologia Sensoriamento Captar informações da rede Smart Metering Telecomunicações Transmitir as informações PLC, GPRS, UMTS... Processamento “Interpretar” as informações Tabela 1. As bases do Smart Grid Softwares Diversos 4 Nos tópicos que seguem, analisaremos alguns dos possíveis impactos da implementação do smart grid; qual tem sido a experiência regulatória internacional para balizar a chegada da tecnologia e caminhos para a construção de um marco regulatório para o smart grid no Brasil, discutindo os parâmetros normativos já existentes, o que tem sido feito pelos agentes reguladores, aspectos gerais sobre a redefinição dos padrões de consumo e distribuição, a convergência entre os serviços de energia elétrica e telecomunicações – com destaque para a Power Line Communications. Finaliza com a indicação de alguns temas que demandarão pesquisas específicas, tais como defesa da privacidade dos usuários de energia, reforma tarifária do setor, habilitação do comércio de energia pelos consumidores e liberalização dos consumidores cativos. Goswami, D. and Jain, D. Infrastructure Convergence: Tapping Smart Grids for Renewing Growth in the Indian Telecoms Sector, 5th Communication Policy Research South Conference (CPRsouth5), Xi’an, China, 2010. 4 As bases tecnológicas foram apresentadas pelo professor Cyro Vicente Boccuzzi no curso “Smart Grid: Conceitos, Oportunidades e Tendências”, promovido pelo Instituto Acende Brasil no dia 19 de fevereiro de 2011. 4 2. POSSÍVEIS IMPACTOS DA IMPLEMENTAÇÃO As aplicações decorrentes da incidência de sensoriamento, telecomunicações e processamento de dados sobre as redes de energia são virtualmente tão numerosas quanto aquelas que vêm revolucionando dia após dia o setor de telecomunicações. Pense-se, ilustrativamente, em planos pré-pagos de energia, em tarifas sensíveis ao horário de consumo, ou mesmo em eletrodomésticos programados para interpretar as informações de carga da rede e otimizar seu consumo de energia. Esse novo modelo do sistema elétrico, mais interativo, é capaz de promover maior eficiência no consumo de energia, melhor administração dos picos de consumo, melhor monitoramento da qualidade da energia ao longo de cada fase da indústria e ainda é capaz de impulsionar a geração distribuída em escala residencial. Os impactos concretos da adoção das redes inteligentes ainda são incertos. Sendo uma tecnologia recente, ainda que promissora, poucos países avançaram na sua implementação5. A responsável pela expansão ou contração do horizonte de possibilidades das redes inteligentes, será, de toda sorte, a conjunção da regulação superveniente, da estrutura dos incentivos econômicos e da própria evolução tecnológica. Para isso concorrem todos os agentes setoriais: Estado, delegatárias e sociedade civil. Seja como for, uma das poucas certezas que se tem hoje é a de que o smart grid revolucionará de tal forma o que hoje se entende por serviços de energia elétrica que alguns autores arriscam a afirmativa de que as redes inteligentes serão a maior alteração arquitetural do modelo setorial desde 1893: “As the industry shifts its supply sources, builds transmission, and increases its energy efficiency efforts, the technologies at the core of its operations will shift dramatically. Over the next thirty years, the industry will adopt the socalled Smart Grid, and the architecture of the system will shift from one based exclusively on large sources and central control to one with many more smaller sources and decentralized intelligence. The Smart Grid will mark a total transformation of the industry’s operating model – the first major architectural change since alternating current became the dominant system after the Chicago World’s Fair in 1893.” 6 Uma revolução dessas dimensões não ocorre sem demandar atualizações nos discursos técnicos, econômicos e jurídicos que regem o setor elétrico. Não se trata aqui de 5 O projeto mais antigo de que se tem notícia é o ENEL Telegestore, na Itália. Lá, desde 1995... Dele se trata mais adiante. 6 Fox-Penner, Peter. Smart power: climate change, the smart grid, and the future of electric utilities. Island Press, 2010. 5 anunciar categoricamente as mudanças que virão para o setor nacional de energia elétrica, especialmente porque as definições de ‘se’, ‘quando’, ‘como’ e ‘em que extensão’ esse setor buscará realizar o horizonte de possibilidades engendrado pelas redes inteligentes são definições de políticas setoriais que dependem, muito mais do que de supostos ganhos de utilidade, da conjunção de interesses legítimos que endossam escolhas políticas. Assim, o que segue são tão somente algumas das possibilidades aventadas pela literatura recente que vem discutindo, cada vez mais, as redes inteligentes de energia. a. Gerenciamento pelo Lado da Demanda e Tarifação Dinâmica Uma das maiores preocupações do setor regulado de energia elétrica é a busca por padrões de consumo que sejam capazes de administrar, de forma consciente e no curto prazo, os picos de consumo, ao mesmo tempo em que, sem reduzir o bem-estar propiciado pelo uso de energia, reduzam a demanda futura de longo prazo. O instrumento regulatório à disposição para balancear esses objetivos é a tarifa, que, ao projetar fixa no tempo a recuperação de todos os custos prudentes das concessionárias, as incentiva a promover programas de eficiência energética e de sensibilização da demanda. Essa projeção dos custos das concessionárias é revista periodicamente de forma a se estipular novas ‘previsões’, novas ‘médias’ de custos, cada vez menores e capazes de promover, cada vez mais, modicidade tarifária, eficiência, etc. A definição das tarifas nesse modelo vigente está nas mãos, portanto, de uma articulação entre Poder Concedente e delegatárias, e é, ao fim e ao cabo, definido pelo Poder Concedente em prol de interesses públicos que refletem os interesses individuais de cada usuário do serviço de energia (grosso modo: existência de um serviço de qualidade e modicidade tarifária). O que a estrutura tarifária vigente não reflete, contudo, são as estruturas instantâneas de custos operacionais e de alocação dos recursos – e para um setor em que a geração ocorre na exata medida, nem além e nem aquém, do consumo instantâneo de energia elétrica, o gerenciamento das tarifas pelo lado da demanda é uma das ferramentas que pode promover um uso mais racional dos recursos. O gerenciamento pelo lado da demanda só é concebível, por sua vez, em um cenário em que as tarifas variem em um espaço temporal reduzido, ou seja, em um cenário em que os consumidores encontrem, por exemplo, incentivos econômicos a consumir mais 6 energia em horários de consumo agregado (menor tarifa) e menos energia em horários de pico (maior tarifa). Essa tarifação dinâmica apenas se torna possível na medida em que o smart grid permite que os usuários do serviço tenham à mão novas informações instantâneas de seus consumos e na medida em que se tenha à disposição instrumentos para aferir, de forma instantânea e remota, o consumo de energia.7 8 b. Greening of the Grid (“A smart grid is a green grid”) Aquilo que se denomina greening of the grid é uma decorrência direta do ganho de eficiência que a tecnologia smart grid incrementa às redes de energia. O conceito é simples: quaisquer ganhos de eficiência energética representam, no início da cadeia, uma menor demanda por novas unidades geradoras e acabam por reduzir de forma significativa os impactos ambientais resultantes da atividade industrial do setor de energia. Mas não é só, a nova tecnologia torna economicamente viável uma nova plêiade de conexões à rede daquelas geradoras de matriz renovável, especialmente os parques geradores de energia eólica ou solar que, não raras vezes, estão localizados distantes dos grandes centros consumidores e mesmo das redes de transmissão. A tecnologia também é responsável pela habilitação da microgeração distribuída, isto é, aquele modelo de sustentabilidade energética de unidades residenciais a partir da geração pelo uso preponderante da energia solar ou pelo processamento de resíduos. Essa operação não é tecnicamente viável em um dumb grid, e a sua viabilização certamente será responsável não apenas por uma redução significativa da demanda agregada por grandes 7 A leitura remota dos medidores de energia e o desenvolvimento de interfaces residenciais de administração do consumo, capazes de informar e mesmo programar padrões de consumo são funcionalidades que tomam lugar a partir da adoção dos smart meters, também denominados medidores eletrônicos ou medidores inteligentes. Uma dessas interfaces foi desenvolvida pela Google, e já está disponível para alguns usuários da Alemanha, da Austrália, do Canadá, do Reino Unido, dos Estados Unidos e da Nova Zelândia. Para conhecer a Google Powermeter, acesse: http://www.google.com/powermeter/about/. 8 Ressalve-se que o que se entende por greening of the grid nos Estados Unidos tem uma acepção muito mais ampla que aquela que aqui se propõe. Lá essa temática diz respeito primordialmente à transição de sua matriz de geração de energia elétrica – com ampla predominância de combustíveis fósseis ou nucleares – para fontes mais limpas e renováveis, tais como a eólica e a solar. Mas mesmo essa acepção está associada aos ganhos do smart grid, na medida em que habilita a microgeração distribuída dos consumidores com base nessas fontes, altera padrões de consumo e promove ganhos de eficiência energética que reduzem a necessidade de expansão do parque gerador. É nesses termos, com enfoque nos impactos ambientais decorrentes da modernização do grid, que nos apropriamos do conceito. Para mais, ver Tomain, Joseph P. Steel in the Ground – greening the grid with the iUtility. In: Public Law & Legal Theory Research Papers, no 10-05, University of Cincinnati College of Law, 2009. 7 unidades geradoras, como também será a responsável pelo aumento da composição agregada das geradoras eólicas e solares à matriz nacional. Percebe-se, portanto, que, a tecnologia smart grid é um padrão tecnológico alinhavado com as necessidades de minoração dos impactos ambientais que a indústria energética pode gerar. Um exemplo de programa modelo que vem sendo implementado com o propósito de propagar a idéia de microgeração distribuída renovável é o programa Farnesina Verde, lançado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros da Itália9. Em cooperação com a Enel Green Power, esse programa é responsável pela criação do primeiro sistema fotovoltaico solar na Embaixada da Itália em Brasília. No Brasil, o projeto conta ainda com a parceria da Companhia Energética de Brasília – CEB, da Agência Nacional de Energia Elétrica, a Fiat e a Itaipu Binacional. O projeto tem repercussões regulatórias fundamentais. O sítio da Embaixada fala que ele “envolve um modelo de troca de energia entre a Embaixada e a CEB que constitui algo inovador para o mercado brasileiro”10 – por certo no que diz respeito à comercialização dessa energia, aspecto que é analisado em tópico próprio. c. Fiscalização e Monitoramento das Fases de Geração, Transmissão, Distribuição e Consumo A indústria elétrica tradicional, analógica, é definida como aquela em que os agentes da cadeia produtiva geram, transmitem e comercializam energia aos consumidores. Esse é um modelo secular que foi desenvolvido para assegurar e expandir o fornecimento de energia, razão pela qual elegeu como informação decisiva para as suas políticas e operações a quantidade de carga demandada pelo sistema. Ao longo dos anos, o avanço da regulação e a complexificação das operações de rede fez surgir preocupações adicionais, referentes não mais ao mero fornecimento de energia, mas agora referentes à saúde da rede, à carga em trânsito, aos pontos de desperdício crítico, à qualidade da eletricidade, etc. Essas preocupações não são apenas operacionais, elas dizem respeito à própria qualidade do serviço prestado e servem como ponto de partida para a fiscalização e auditoria do serviço, seja pela agência reguladora, seja por órgãos de controle externo. Em um padrão de rede analógica de energia, essas informações são de difícil coleta e interpretação, fazendo 9 Acessível no site do Ministero degli Affari Esteri : http://www.esteri.it/MAE/IT/Ministero/FarnesinaVerde/ Acessível na página: http://www.ambbrasilia.esteri.it/Ambasciata_Brasilia/Archivio_News/news_verde.htm 10 8 com que o processo de tomada de decisões seja relativamente lento e tornando todo o setor um corpo reativo a problemas imediatos – um apagão, por exemplo –, e não um corpo pró-ativo, ou preventivo, capaz de automatizar a tomada de decisões sobre as operações de rede para, ao administrar de forma inteligente os recursos disponíveis, garantir o melhor serviço. Aplicações do smart grid incrementam inteligência à rede de forma tal que a rede se torna capaz de comunicar a um centro de controle e disponibilizar informações sobre a qualidade da energia entregue ao consumidor final, a carga total da rede, condições físicas das instalações, etc. Esse tipo de informação permite às concessionárias e prestadoras de serviço ter uma ciência em tempo real sobre as diversas condições de trabalho das redes de energia e, em posse delas adotar uma postura mais pró-ativa em termos de tomada de decisões e melhora da qualidade do serviço. E se considerarmos as decorrências disso para uma eventual auditoria no setor, veríamos não só que as informações tornam-se sobremaneira mais acessíveis, como também tornam todo o setor mais transparente. Além disso, o processamento de dados se traduz em automação de serviços, o que reduz o tempo de recuperação de um eventual blecaute e mesmo, por exemplo, na operação remota de subestações de energia. Apenas analisando essas informações de carga que se tornam disponíveis, o sistema poderia identificar e administrar remotamente as populares ‘gambiarras’, que a Agência Nacional de Energia Elétrica estima, em sua Chamada 011/2010 – Projeto Estratégico “Programa Brasileiro de Rede Elétrica Inteligente”, serem responsáveis por aproximadamente 8,7% do consumo da energia atualmente produzida no país, ou o equivalente à produção da futura Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira. d. Cyber-Security e Privacidade dos Consumidores Manter a integridade do fluxo de informações ao longo do smart grid será um dos mais significativos desafios para o setor elétrico. A segurança das novas operações que se estabelecem entre os agentes das fases de geração, transmissão, distribuição, comercialização e mesmo consumo é pressuposto da própria viabilidade econômica da nova tecnologia. Os smart meters são pontos extremamente atrativos para hackers maliciosos e qualquer falha pode ser facilmente monetizável. Cada nova falha identificada nesses medidores eletrônicos representaria um “billion dollar bug” para toda a indústria elétrica. Além disso, alterar as 9 vulnerabilidades de um padrão físico para um padrão digital também altera a escala dos seus impactos. A depender da falha, seu impacto potencial tem a escala do próprio smart grid, o que pode variar entre a dimensão do sistema que atende a uma unidade rural isolada e a dimensão de todo um continente.11 Informações de consumo específicas, armazenadas em bancos de dados das distribuidoras de energia elétrica, expõem hábitos e comportamentos dos consumidores. Modernas técnicas analíticas poderiam identificar a localização exata de cada aparelho que consuma energia em uma residência e ainda traçar a rotina dos residentes a partir de informações tais como quando o indivíduo toma banho, assiste televisão, lava suas roupas, carrega seu celular, trabalha em seu computador, tira férias, etc.12 Estando hoje o ato de consumir energia atrelado a uma responsabilidade social do indivíduo, poder-se-ia eventualmente cogitar sobre a natureza pública ou privada de certas informações de consumo, e, com isso, colocar dúvidas sobre quão ampla ou restrita deve ser a esfera de privacidade do indivíduo no que diz respeito à sua atuação como usuário do serviço de energia. e. Novos Padrões de Serviço de Distribuição, Consumo e Comercialização Encerrando, mas de nenhuma forma exaurindo, o rol de possíveis impactos da implementação das redes inteligentes de energia, temos a alteração dos padrões de distribuição, de consumo e de comercialização de energia. Compreender essa alteração em suas dimensões operacionais e conceituais é fundamental para as análises jurídicas que serão propostas nos tópicos seguintes. O ponto de partida proposto é a afirmativa de que o smart grid essencialmente redefine o papel do usuário de energia elétrica, confere-lhe uma posição de centralidade e protagonismo nas definições que envolvem o serviço de energia elétrica. E assim o fazendo, a atividade de consumo também redimensiona as atividades que lhe são tangentes: a distribuição e a comercialização. 11 Na busca pela identificação de uma dessas falhas, pesquisadores já desenvolveram um worm que se propaga entre smart meters, o que não seria de todo surpreendente: os medidores são construídos com um hardware e software de fácil obtenção e estarão sujeitos a muitas das ameaças já existentes. McDaniel, Patrick; McLaughlin, Stephen. Security and Privacy Challenges in the Smart Grid. In: Secure Systems, maio-junho de 2009. 12 Para mais informações, Quinn, Elias Leake. Privacy and the New Energy Infrastructure. In: Center for Energy and Environmental Security Working Paper No 09-001, 2008. 10 No que diz respeito à atividade de consumo, trata-se agora de equipar o usuário de energia com ferramentas capazes de gerenciar o uso da eletricidade de forma a, tendo como ponto de partida o nível de utilidade final que cada consumidor espera de seus equipamentos, administrar a qualidade, quantidade e momento do consumo de energia em função do preço instantâneo do quilowatt, da carga total da rede elétrica, do consumo resultante do seu bairro, e outras variáveis virtualmente infinitas. Pense-se, por exemplo, em todo um bairro integrado cujas máquinas de lavar “conversem” entre si para acertar o horário de funcionamento de cada uma ao longo da madrugada com vistas a usufruírem todas do quilowatt mais barato. Com a possibilidade de armazenamento de pequenas cargas, pense em uma casa cujos residentes, em viagem, tenham programado seus aparelhos para comprar energia da distribuidora quando o preço estiver baixo e revender essa energia à distribuidora quando a “cotação” do quilowatt subir. Com esse horizonte, é de se esperar a viabilidade econômica e técnica de existência em escala de novos procedimentos e tecnologias, a dizer: o carro elétrico, a cogeração13, a geração distribuída14. Na perspectiva do consumidor, isso significa a possibilidade de desenvolver um padrão próprio de consumo, adequado às suas necessidades e ao seu perfil. Com a disseminação dos equipamentos de perfil smart, será possível imaginar algo como uma Apple Store onde diversas companhias disponibilizam ‘apps’ e serviços que os usuários de energia elétrica poderão ‘instalar’ em suas casas para reconfigurar os parâmetros de operação de todos os equipamentos de forma a adequá-los a determinados perfis de consumo. Cada unidade residencial deixa, portanto, de ser uma unidade capaz de apenas consumir energia e passa a ser também um pequeno núcleo onde se concebe a geração 13 Cogeração: “Processo operado numa instalação específica para fins da produção combinada das utilidades calor e energia mecânica, esta geralmente convertida total ou parcialmente em energia elétrica, a partir da energia disponibilizada por uma fonte primária.” Resolução Normativa ANEEL no 235, de 14 de novembro de 2006. 14 Geração distribuída: “Modalidade de aquisição de energia elétrica passível de ser contratada pela Unidade Suprida nos termos do art. 14 do Decreto nº 5.163, de 2004.” Resolução Normativa ANEEL no 206, de 22 de dezembro de 2005. Cumpre observar que a legislação brasileira (art. 14, inciso II do Decreto nº 5.163, de 2004) considera a cogeração uma modalidade de geração distribuída, ou seja, as disposições para geração distribuída, no Brasil, se aplicam em gênero às operações de cogeração. Por esse motivo, em termos regulatórios, toda vez que se tratar de ‘geração distribuída’, ali deve entender-se também contemplada as hipóteses de ‘cogeração’. 11 (microgeração) e o armazenamento de energia elétrica. Com o smart grid, um bairro residencial é capaz de, por exemplo, desvencilhar-se do fornecimento de energia da distribuidora e passar a administrar – seja por poucos minutos, seja por algumas semanas ou o tempo que for – toda a demanda de energia de seus residentes a partir da carga que é gerada e armazenada pelas suas próprias unidades residenciais. Smart microgrids use the utility bulk power supply to best advantage, but can operate independently when necessary to maintain perfect service, or to capitalize on energy cost-saving opportunities. These smart, decentralized microgrids are also what will enable cleaner alternative sources of energy, specially solar power with backup storage in homes and offices, to most rapidly reach their full potential.15 Em termos estruturais, trata-se de uma radical transformação do papel das distribuidoras de energia elétrica, tradicionalmente tidas como detentoras de um monopólio natural de fornecimento de energia elétrica. Posto que esse é um monopólio regulado e presumindo-se que a regulação vindoura permita esse tipo de operação, o que teríamos é a transformação do papel das distribuidoras de fornecedoras exclusivas de energia para fornecedora exclusiva daquele excedente que os seus consumidores não puderem obter pela administração de carga. Aqui estará, possivelmente, uma das maiores discussões regulatória que o setor elétrico enfrentará a partir da vinda do smart grid. Mais que os demais impactos elencados, a redefinição dos serviços de distribuição e da atividade de consumo é algo que dependerá muito mais do discurso jurídico que concorre para a regulação setorial, e bastante menos de discussões de ordem técnica ou econômica. Está em jogo, como se poderá ver ao longo do texto, a própria ressignificação do núcleo essencial do serviço de energia elétrica. *** * * * *** Para que possa cumprir as suas promessas, o smart grid dependerá fundamentalmente de um posicionamento oficial do Estado, por intermédio dos seus órgãos setoriais. A própria atratividade do investimento que será demandado para realizar a transição do dumb para o smart grid dependerá de uma regulação específica, especialmente no que diz 15 Galvin, Robert; Yeager, Kurt. Perfect Power: how the microgrid revolution will unleash cleaner, greener, and more abundant energy. McGraw-Hill, Inc, 2009. 12 respeito a quanto desses investimentos deverão ser ressarcidos às concessionárias. E aqui cumpre notar que, a despeito do pouco ou nada de concreto que a regulação atual informa sobre redes inteligentes, a indústria parece já estar se adiantando ao processo. Agências especializadas de notícias já noticiam investimentos na nova tecnologia por algumas das delegatárias, especialmente distribuidoras de energia. Em janeiro de 2010 era anunciado que a Light Cesa e a Light Energia estariam desenvolvendo um programa para a nova tecnologia com orçamento total de R$ 35 milhões para três anos.16 Em dezembro do mesmo ano, noticiava-se um investimento de R$ 2 milhões da EDP para o desenvolvimento de um sistema que uniria tecnologia smart grid e monitoramento climático.17 Um mês depois era noticiado o investimento de R$ 60 milhões que a Cemig empreenderia apenas em 2011 para projetos voltados para greening of the grid.18 Para além dos investimentos, alguns projetos piloto estão, a pouco e pouco, sendo implementados em pequenas regiões. Em setembro de 2010 noticiava-se que a Copel planejava investir R$ 350 milhões para reforçar o sistema elétrico de Curitiba, fazendo largo uso do smart grid.19 Três dias depois, já se falava que a Light testaria o sistema em 300 unidades consumidoras da Zona Sul do Rio de Janeiro e que a Cemig também faria testes em Minas Gerais.20 Já em novembro de 2010 era a vez de noticiar o projeto da Eletropaulo no bairro do Ipiranga e da Eletrobrás em Paritinins, ambas em São Paulo.21 3. A EXPERIÊNCIA REGULATÓRIA INTERNACIONAL O título deste tópico poderia ser tido por inadequado. Não há hoje em todo o mundo um único país que tenha já concluído a fase de transição tecnológica para o smart grid. Mesmo os mais avançados na implementação do novo padrão ainda muito pouco realizaram em termos regulatórios, à exceção, talvez, do que se observa na Itália. Nos demais casos, o que se tem de mais concreto são propostas políticas, ou motivações específicas associadas à 16 Brasil Energia, Light pretende investir R$ 12,3 mi em P&D, 4 de janeiro de 2010. 17 Brasil Energia, EDP avança em smart grid, 3 de dezembro de 2010. 18 Canal Energia, Cemig foca em projetos de P&D voltados para renováveis e smart grid, 7 de janeiro de 2011. 19 Canal Energia, Copel investe R$ 350 mi para reforçar sistema elétrico da capital paranaense, 27 de setembro de 2010. 20 Brasil Energia, Light e Cemig: R$ 63 mi em Smart Grid, 1 de outubro de 2010. 21 Brasil Econômico, AES Eletropaulo inicia projeto de redes inteligentes, 30 de novembro de 2011; Valor Econômico, Eletrobrás vai testar tecnologia “smart grid” em Paritins, 4 de novembro de 2010. 13 adoção das redes inteligentes em seus países. Discute-se, a seguir, os propósitos que guiam a transição nos Estados Unidos, na União Europeia, na Itália, e, por fim, na Coréia do Sul. a. Estados Unidos e a Federalização do Setor Elétrico A quase totalidade dos estudos que tratam do plano de smart grid nos Estados Unidos associa a tecnologia ou a uma estratégia de desenvolvimento sustentável e segurança energética auxiliado pelos ganhos de eficiência – greening of the grid – ou então a uma estratégia de alavancar a economia e a geração de empregos a partir dos US$ 11 bilhões que o American Recovery and Reinvestment Act do governo de Barack Obama destinou para investimentos na tecnologia. Ao lado, contudo, das prioridades estratégicas de segurança energética, desenvolvimento sustentável, alavancagem da economia e geração de empregos, existe uma análise estrutural do setor elétrico norte-americano que tem escapado aos estudiosos de smart grid: a sua propensão a revolucionar a estrutura institucional regulatória do setor, federalizando-o. O desenvolvimento da indústria elétrica norte-americana pode ser separado em quatro períodos históricos.22 De 1882 a 1935, a indústria mudou de local e competitiva para estadual e regulada, tornando-se a maior indústria regulada em níveis interestadual e federal. A seguir, o período de 1935 a 1965 foram os anos dourados da eletricidade, com grande expansão industrial acompanhando o próprio crescimento do país. De 1965 até o presente, a indústria passou por sérios problemas causados pela frustração das suas tentativas de reformas. A quarta fase é a contemporânea, em que o setor responde aos desafios da mudança climática. Em termos de estruturação regulatória, portanto, pode-se dizer que a última reforma significativa foi a de 1935, com a passagem do Public Utility Holding Company Act. Grosso modo, o que o novo sistema fazia era regionalizar as concessionárias, limitando-as a um certo alcance geográfico, geralmente àquele de um estado, e atribuindo-lhes o monopólio sobre a região. O que se buscava alcançar era um modo de manter os preços baixos (os consumidores não teriam de serem cobrados por custos exorbitantes praticados 22 O modelo é proposto em Tomain, Joseph P. Steel in the Ground – greening the grid with the iUtility. In: Public Law & Legal Theory Research Papers, no 10-05, University of Cincinnati College of Law, 2009, pp. 937940. 14 pelas antigas holdings) ao mesmo tempo em que se promovia a expansão do serviço para abarcar novos consumidores: “Firms were granted government-backed monopoly status through what is known as the regulatory compact (...). In reliance on that compact, firms undertook a service obligation within an exclusive territory. Utilities were given the incentives to sell as much electricity as they could and had an obligation to serve their local customers. The government would protect that service territory and would effectively ensure that privately-operated firms would earn a reasonable return on their capital investment. In other words, the more generation that the utility built, the more it earned for its shareholders. It also meant that the utility could invest in transmission and distribution, privately owning those wires, and earn returns on those investments while avoiding competition”23. Essa estruturação regional do setor elétrico fez de sua expansão nos trinta anos subseqüentes um trunfo estadual, fortalecendo e fazendo aproximar os monopólios de seus agentes reguladores estaduais. Essa é uma realidade perceptível ainda hoje nos Estados Unidos, que tem a competência formal e material de regulação do setor elétrico subtraído do Congresso e da Casa Branca. Isso representa, sob a ótica operacional, inúmeras complicações em termos de descentralização do despacho de energia e carência de padronizações técnicas para os equipamentos e redes de energia, por exemplo. Sob a ótica regulatória, a dificuldade em compatibilizar os interesses dos estados para projetos setoriais dificultam a existência de políticas públicas setoriais coordenadas, contribuindo para a estagnação do próprio setor. O smart grid, contudo, parece ser uma via de reforma do atual quadro institucional. A busca por eficiência energética, mecanismos de integração de fontes renováveis à matriz geradora e meios mais inteligentes de administração da carga são, com segurança, preocupações que transcendem o âmbito federal e ecoam nos interesses estaduais. A vantagem adicional é que a implantação do novo padrão tecnológico pode iniciar-se – e até restringir-se, se for o caso – localmente, em redes de distribuição dos próprios estados. Isso é o que está por trás, por exemplo, do conceito de smart microgrid, proposto no recente livro de Robert Galvin e Kurt Yeager, dois grandes entusiastas da tecnologia.24 23 Tomain, Joseph P. Steel in the Ground – greening the grid with the iUtility. In: Public Law & Legal Theory Research Papers, no 10-05, University of Cincinnati College of Law, 2009, pp. 939. 24 A obra é apontada como uma das responsáveis pela mudança da opinião pública norte-americana a respeito da urgência e importância da reforma do setor elétrico. No seu verso lê-se: “While largely unrecognized by the public and government officials, North America’s aging, inefficient, and dangerously unreliable electrical 15 À medida que, todavia, as redes locais tornem-se inteligentes, é esperado que surjam incentivos para novas interconexões, por exemplo, entre estados limítrofes. Essa é possivelmente uma das principais motivações para que o Department of Energy e o National Institute of Standards (NIST) houvesse, com o apoio de empresas de distribuição de energia, fabricantes de equipamentos, empresas de telecomunicações e tecnologia da informação, estipulado 80 padronizações em setembro de 2009 como forma a garantir a interoperabilidade de protocolos e equipamentos nas áreas de telecomunicações, processamento de dados e energia25. Não se nega, portanto, que está em curso um esforço para, no menos otimista dos cenários, reduzir a “soberania” dos estados em prol de um setor elétrico mais integrado. Será, portanto, questão de tempo até que se proponha a criação de órgãos federais – ainda que compostos por dirigentes estaduais – para operar, por exemplo, um despacho centralizado de energia e mesmo tomar as vezes das atuais agências reguladoras estaduais. b. União Europeia e a Agenda Ambiental A principal iniciativa da União Europeia para o smart grid teve início em 2005, e objetiva formular e promover a visão de desenvolvimento das redes de eletricidade da Europa para 2020 e além. Trata-se da SmartGrids European Technology Platform for Electricity Networks of the Future, que tem como premissas e objetivos mais gerais: abordagem setorial centrada no usuário, segurança de fornecimento, liberalização de mercados, interoperabilidade da rede de energia da Europa, geração distribuída, uso de fontes renováveis de energia, greening of the grid, gerenciamento pelo lado da demanda, atenção à agenda ambiental, etc. Em 2007, com a Agenda 20-20-20 para 2020, o smart grid passou a ser visto como um dos caminhos mais promissores para a realização dos objetivos traçados (até 2020: redução de 20% nas emissões de gases estufa em comparação aos níveis de 1990, 20% de infrastructure is crumbling. In an era of precise digital power demands and serious environmental concerns, this system is also needlessly wasteful, bleeding energy throughout the creation, delivery, and use of that electricity. In short, our electric power infrastructure is as incompatible with the future a horse trails were to automobiles. If not urgently renewed and literally reinvented, North America’s electrical grid is rapidly approaching a crisis point for which we are already paying an exorbitant price. The future is now.” Galvin, Robert; Yeager, Kurt. Perfect Power: how the microgrid revolution will unleash cleaner, greener, and more abundant energy. McGrawHill, Inc, 2009. 25 NIST. NIST Framework and Roadmap for Smart Grid Interoperability Standards. National Institute of Standards and Technology, Setembro de 2009. Disponível em: http://www.nist.gov/public_affairs/releases/upload/smartgrid_interoperability_final.pdf. 16 consumo de energia provido por fontes renováveis e redução de 20% nos níveis primários de consumo de energia, a ser alcançado pelo incremento da eficiência energética). É esperado que a adoção de medidas pela União Europeia, no lugar de ações isoladas de cada país, maximize a efetividade e promova ganhos de escala. Um ponto a se destacar é que o estabelecimento de metas para a União Europeia, e não para os países isoladamente, permite que sejam coordenadas metas individuais distintas – embora complementares, que levem em consideração especificidades de cada Estadomembro. Assim, para cumprir a meta de 20% de consumo de energia provido por fontes renováveis, pretende-se, por exemplo, estipular uma meta de 10% para Malta e outra de 49% para Suécia. Uma estratégia como essa poderia guiar, no Brasil, as perspectivas de retorno dos investimentos da nova tecnologia, priorizando, em um momento inicial, a implantação do smart grid nas áreas em que representar maior impacto. É o que está subjacente à proposta de smart microgrids: Recognizing this reality, many countries in the developed world are applying the smart microgrid concept as an essential vehicle for accelerating the modernization of their electricity supply systems. The European Union’s Parliament has, for example, called upon its members to make their national power grids smart and independent so that regions, cities, and citizens can produce and share energy in accordance with the same open-access principles that now apply to the Internet. For example, these efforts include converting individual sections of their bulk power systems into smart microgrids. This enables the essential intelligence to be added in a manner that avoids server disruptions while ensuring that the real savings to consumers and utilities alike are most quickly realized.26 Subjacente a esses esforços encontra-se o projeto de implementação de uma malha elétrica pan-europeia (Pan-European energy networks), capaz de promover o desenvolvimento de um sistema interativo de geração e distribuição de energia alinhado com as perspectivas da Agenda 20-20-20 e a de integração europeia pelo compartilhamento de infraestruturas. Além dos ganhos que a malha pan-europeia promoverá a despeito do smart grid, aliar os dois projetos dará uma escala e, por conseguinte, maior peso aos desenvolvimentos paralelos que tem promovido, a saber: desenvolvimento de baterias, 26 Galvin, Robert; Yeager, Kurt. Perfect Power: how the microgrid revolution will unleash cleaner, greener, and more abundant energy. McGraw-Hill, Inc, 2009 17 processamento de dados, ou tecnologias de informação e comunicação (TICs), microgrids e geração distribuída. Não se deve, contudo, confundir essas iniciativas com um processo de ‘desestatização’ (no sentido de retirada do âmbito de incidência da soberania estatal) das prerrogativas regulatórias sobre o setor elétrico. O que a União Europeia tem promovido é, em verdade, o estabelecimento de metas ‘complementares’ para os setores nacionais de energia elétrica e, tal como aqui, uma vez definidas as metas setoriais, ainda resta um significativo espaço para que os Estados estipulem políticas setoriais que aliem essas metas às metas nacionais e, a partir dessas políticas, formulem seus arcabouços regulatórios. Dispondo sobre eficiência energética e serviços de energia, a Diretiva 2006/32/EC do Parlamento e Conselho Europeu, de 5 de abril de 200627, traz uma série de prescrições que se coadunam com as necessidades e promessas do smart grid. O décimo artigo, por exemplo, dispõe sobre tarifas que promovam a eficiência energética, prescrevendo uma reforma que remova assimetrias ineficientes e mantenha aquelas que integrem estruturas tarifárias com uma finalidade social. O décimo segundo artigo dispõe sobre a auditoria de energia, que deve ser um processo “eficiente”, de “alta qualidade” e “independente”. O décimo terceiro artigo dispõe sobre medição e contas de consumo mais informativas, que devem refletir o consumo individual no tempo atual de uso na medida em que essa facilidade for “tecnicamente possível”, “razoável financeiramente” e “proporcional às potenciais economias de energia”. Em 26 de janeiro de 2011, a Comissão Europeia emitiu um Comunicado28 com vistas a, como iniciativa integrante da Estratégia de 2020, endereçar uma Europa eficiente em recursos naturais. Ali, a eficiência energética parece tomar as vezes do que foi o discurso de desverticalização industrial no final do século passado, ou seja, é tida como uma forma de garantir aporte de investimentos setoriais. Anunciam também que partirá da União Europeia as diretrizes aos Estados Membros para a implementação do smart grid em seus territórios. Ali, a tecnologia é anunciada como forma de garantir a eficiência energética, suportar o aporte de energias renováveis e construir uma infraestrutura necessária aos veículos elétricos. 27 28 Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2006:114:0064:0064:en:pdf Disponível em: http://ec.europa.eu/resource-efficient-europe/pdf/resource-efficient_europe_en.pdf 18 c. Itália, o Protagonismo das Operadoras e o Pioneirismo Regulatório29 Não raras vezes as reformas regulatórias surgem em resposta a necessidades de reduzir preços e tarifas finais e encontrar novas estratégias de financiamento setorial. Esses são objetivos que a Itália vem, ao longo da última década, tentado alcançar através da liberalização do setor elétrico e da criação de mecanismos de incentivo à concorrência. Com efeito, um relatório de 2006, enviado pelo presidente da Autorità per l’energia elletrica e il gas, Alessandro Ortis, ao Parlamento e ao Primeiro Ministro da Itália, alertava para a incapacidade do regulador italiano em evitar que os crescentes custos de energia se refletissem nas tarifas de energia elétrica, especialmente para as grandes famílias, cujo consumo estivesse entre 3,500 e 7,500 kWh, e que, à época, arcavam com custos 42% maiores que a média europeia. Ali, a reforma tarifária dizia respeito à criação de uma estrutura capaz de incentivar os usuários a adotarem padrões de consumo mais virtuosos. A proposta era criar bases para a adoção de uma nova forma tarifária, estruturada não mais em faixas de quantidade de consumo, mas agora em quantidade de consumo em função do horário. Uma proposta dessas apenas é concebível, apenas é factível quando já se tem como horizonte tecnológico mínimo os medidores eletrônicos. Nesse sentido, é digno de nota o fato de o Relatório de 2005 afirma que essa proposta teria partido de distribuidoras operando no setor, mas que, de toda sorte, a Autorità ainda precisaria aguardar o posicionamento oficial de órgãos do governo italiano: “in questo senso attendiamo i necessari indirizzi, dal Governo e dal Parlamento, per avviare La definizione di tariffe sociali nel quadro complessiva della struttura tariffaria”30 O Relatório do ano subseqüente tratou de um tema que, a princípio, pode não guardar qualquer relação com essa discussão da reforma tarifária: os certificati bianchi. São incentivos oficiais a iniciativas de consumidores para economias energéticas que foram introduzidos a partir de Decretos Ministeriais editados em julho de 2004 e regido por regras 29 Para compreender o contexto recente que condiciona a regulação de energia elétrica na Itália, sugere-se a leitura dos Relazione Annuale Sullo Stato dei Servizi e Sull’Attività Svolta, enviados pelo Presidente da Autorità per l’energia elletrica e il gas, Alessandro Ortis, ao Parlamento e ao Primeiro Ministro da Itália. Estão disponíveis na página http://www.autorita.energia.it/it/relaz_ann/10/10.htm. 30 Itália. Relazione Annuale Sullo Stato dei Servizi e Sull’Attivittà Svolta – Presentazione del Presidente Alessandro Ortis. Autorità per l’energia elettrica e il gas, Roma, 23 de junho de 2005. 19 técnicas e econômicas definidas pela Autorità per l’energia elletrica e il gas. As estimativas oficiais são de que os certificados geraram a economia anual correspondente à produção equivalente de uma geradora de 160MW, ou então ao consumo anual de uma pequena cidade de 380 mil habitantes. Para um parque gerador com as características do parque italiano, isso significa dizer que se conseguiu evitar a emissão equivalente de 750 toneladas de dióxido de carbono para a atmosfera.31 O ponto de contato entre o sucesso dos certificati bianchi (2006) e o teor da proposta de reforma tarifária (2005) poderia muito bem ser a disponibilidade, já naquela época, do smart metering. Assim, uma análise dos projetos que foram submetidos à Autorità para a ‘certificação branca’ poderia confirmar a suspeita de que parcela significativa dos resultados se deve ao protagonismo das operadoras do setor na implementação de recursos e tecnologias alinhavadas com a modernização do sistema rumo a redes inteligentes de energia. Não por acaso, o projeto de smart metering mais antigo de que se tem notícia no mundo, o Enel Telegestore, remonta à década de 90 começou a ser implementado antes mesmo que o órgão regulador houvesse cogitado regulamentar os medidores eletrônicos.32 Com efeito – e aqui se nota o protagonismo regulatório italiano, foi ‘apenas’ 2005, com a sua Resolução no 230, que a Autorità tornou obrigatório a todas as distribuidoras de eletricidade a instala medidores eletrônicos para os seus usuários de baixa tensão, incluindo os usuários residenciais. As distribuidoras estavam livres para escolher o tipo de medidor, que deveria apenas satisfazer a uma série de requerimentos técnicos mínimos. A transição ocorreria de forma gradual: até 2008, os medidores deveriam ser distribuídos a pelo menos 25% dos consumidores; até o final de 2009, a pelo menos 65%; até o final de 2010, a 90% e, finalmente, até o final de 2011, a 95%. 31 Idem, 2006. Uma apresentação do Sr. Sergio Rogai, representante da Enel Distribuzione, em conferência realizada em Washington (2006), traz o histórico do projeto. Lá consta que, desde a década de 90, a Enel teria experimentado sistemas para administrar remotamente os medidores, constatando a sua eficiência para os consumidores industriais. A viabilidade para os consumidores em baixa tensão foi constatada apenas após a realização de um projeto piloto com 70.000 aparelhos de medição, 40.000 dos quais em Roma. Em 1998, já tinham concluído business plan para implementação massiva de smart meters e já contratavam a produção desses equipamentos. À época, nem a Autorità nem qualquer outro órgão regulador do mundo abordavam essas questões. Por certo que sequer a Enel tinha consciência de que trabalhavam para o desenvolvimento de uma das bases tecnológicas que integrariam, anos depois, o smart grid. Para acessá-la: http://www.narucmeetings.org/Presentations/ENEL.pdf 32 20 Passados dois anos, a Autorità editou novos atos tendo em vista os medidores eletrônicos. As principais são a Resolução no 235/2007, que estabeleceu parâmetros para a ativação de medidores elétricos e a operação remota do sistema; a Resolução no 35/2008, que padroniza um protocolo de comunicação para transmissão de documentos e informações e cria um registro público dos operadores contendo informações essenciais de usuários e consumidores; e, por fim, a Consulta de 8 de março de 2010, que contém orientações a respeito do controle exercido sobre distribuidoras o que se submetem aos incentivos para monitorar – via operação de medidores eletrônicos – os consumidores envolvidos na interrupção do serviço. Concomitante a essa atuação regulatória, a Autorità, com a sua Resolução no 40, de 26 de fevereiro de 2007, iniciou um procedimento para avaliar o impacto da geração distribuída no sistema elétrico italiano. O objetivo era subsidiar a atualização do quadro regulatório, especialmente no que diz respeito às condições para o acesso à rede de energia e possíveis arranjos para a comercialização da energia produzida. São dois os trunfos imediatos desse procedimento, que, coordenados, estabelecem um ciclo virtuoso de incentivos setoriais: (a) a regulação da hipótese das geradoras virtuais33 - uma das grandes inovações que se deve destacar; e (b) uma notável proliferação das fontes renováveis de energia elétrica. O relatório desse procedimento de 2007 foi aprovado pela Resolução no 223/2010 e teve os seus pontos sintetizados em um press release de 16 de dezembro de 2010. Ali, o título do release enunciava o boom de pequena geração distribuída, que passava a totalizar mais de 74 mil unidades geradoras, 95% das quais unidades fotovoltaicas. Em termos relativos, esse número informa que, em menos de um ano, a geração distribuída em escala residencial mais que dobrou na Itália. Em termos absolutos, informa o sucesso do estímulo regulatório e anuncia uma nova questão que demandará os esforços da Autorità, qual seja, mecanismos para administrar essa carga que sejam capazes de manter elevados os níveis de segurança e confiabilidade do sistema sem deixar de incentivar a expansão da geração distribuída. 33 Esse assunto é discutido adiante, no tópico 4 “A propósito dos novos perfis de consumidores e distribuidoras”, item a “Redefinindo geração distribuída: a hipótese das geradoras vituais”, onde se faz referência à experiência italiana. 21 d. Coréia do Sul e a Aposta Tecnológica A Coréia do Sul é categórica em afirmar o papel central da reestruturação das suas redes de energia como meio de incentivo à sua crescente competitividade internacional. Isso tanto pela redução dos custos de produção dos seus produtos, como também pelo que parece ser a sua principal motivação: uma agressiva aposta na vanguarda tecnológica do smart grid para a projeção industrial em mais uma série de produtos. Para esse tigre asiático, o novo padrão tecnológico mundial para o setor elétrico é uma aposta tecnológica que compõe a sua “visão nacional”34 de desenvolvimento econômico sustentável. Mesmo ao se considerar a escala de seu território ou a existência de uma única companhia de transmissão e distribuição, os estágios e prazos estipulados pelo governo surpreendem. Já em 2012 os principais projetos-piloto estariam já operando. Oito anos depois, em 2020, a nova tecnologia já haveria tornado inteligente e interligadas as redes de energia de todos os seus centros metropolitanos. Por fim, em 2030, estaria já operando uma rede inteligente nacional, expandida a partir da rede inteligente que havia sido instalada nos centros metropolitanos. A elevada taxa de urbanização do país e a existência, lá, das melhores redes de banda larga do mundo certamente contribuem para tornar factível o cumprimento dessas metas. A clara sinalização do governo sobre os direcionamentos, especialmente em relação aos investimentos esperados para a transição entre os dois modelos e o seu posicionamento no âmbito de um projeto nacional de competitividade, contudo, pode ser o elemento diferencial da Coréia do Sul em relação às redes inteligentes. Dentre as diversas iniciativas (o projeto piloso de Jeju, por exemplo), destaque-se como ilustrativo da aposta tecnológica da Coréia a cooperação que firmaram com o Estados Unidos, mais especificamente com o estado de Illinois. Essa cooperação está centrada em 34 Kim, Jinho; Park, Hong-Il. A National Vision: policy directions for the smart grid in Korea. In: IEE power & energy magazine, janeiro-fevereiro de 2011. 22 quatro canais: (a) desenvolvimento de um modelo de política e negócios; (b) pesquisa e desenvolvimento; (c) vanguarda tecnológica; e (d) capacitação de forças de trabalho35. • Desenvolvimento de um modelo de política e negócios - O desenvolvimento de um modelo político envolve o convencimento de dirigentes quanto a necessidade de adoção do novo padrão tecnológico. Além disso, as políticas supervenientes haveriam de estar alinhavadas com os novos modelos de negócios da indústria energética, para que a transformação seja rentável também para os atuais agentes; • Pesquisa e Desenvolvimento - Será necessário fazer convergir o capital intelectual desses dois agentes políticos, especialmente via cooperação no desenvolvimento de pesquisa das unidades de sistemas de energia elétrica e cybersecurity das universidades e centros de pesquisa. Tudo isso a partir de uma gestão que envolva governos, universidades e setor produtivo; • Vanguarda tecnológica - A aposta está em três áreas que supostamente representarão um impacto mais imediato no mercado: (i) smart buildings, especialmente nos grandes centros urbanos que demandam melhor gerenciamento de carga; (ii) smart communities, ou projetos piloto de vanguarda, como modelo de empreendimentos de maior dimensão; (iii) smart transportation, com o desenvolvimento de soluções para a adoção em escala dos veículos elétricos. • Capacitação da força de trabalho - A capacitação de força de trabalho específica será elemento vital para manter a posição de vanguarda tecnológica e competitividade global da Coréia e Illinois. Essa estratégia englobaria mesmo reformas curriculares para introduzir jovens estudantes no tema. *** * * * *** Estabelecer quais são as motivações para a implantação do smart grid no Brasil não é tarefa de importância secundária para as atualizações regulatórias que deverão tomar lugar. As normas que forem projetadas para esse e outros setores regulados, aqui e lá, serão manifestações de um projeto público superior que se pretende buscar com o auxílio do novo 35 Hamilton, Bruce; Summy, Matthew. Benefits of the Smart Grid: part of a long-term economic strategy. In: IEE power & energy magazine, ‘In My View’ section, janeiro-fevereiro de 2011. 23 padrão tecnológico. É de se esperar, portanto e por exemplo, que o sistema regulatório desenvolvido pela Coréia do Sul seja mais permissivo a determinadas formas de financiamento público e privado, ou mesmo então é de se esperar uma regulação federal mais ostensiva por parte dos Estados Unidos quando comparado ao que vinha ocorrendo até então. A experiência regulatória da Itália talvez seja o mais compatível com a realidade do setor elétrico brasileiro e as propostas que lá lograram sucesso poderiam inspirar, aqui, discussões mais direcionadas. Não se pode confundir, de toda sorte, o direcionamento das discussões com a mera importação de formatos regulatórios, especialmente ao se considerar que se trata aqui de desenvolver um conjunto normativo capaz de articular as questões próprias do setor elétrico brasileiro com outras questões da agenda nacional (redução das desigualdades regionais, por exemplo) ao mesmo tempo em que espelha e realiza a legislação nacional que governa o setor. 3. A CONSTRUÇÃO DE UM MARCO REGULATÓRIO PARA O SMART GRID O domínio teórico das normas que regem o setor regulado de energia elétrica brasileiro é uma das chaves para a formulação de políticas públicas e regulatórias capazes de realizar, a um só tempo, os objetivos setoriais (modicidade tarifária, eficiência energética, universalização do acesso ao serviço) e propósitos mais gerais da ordem constitucional (desenvolvimento econômico sustentável, uso racional dos recursos naturais, tutela da autonomia e privacidade individuais).36 Uma vez que se qualifiquem os serviços de energia elétrica como competências públicas, é de se esperar que os horizontes de possibilidade revelados por esse novo cenário tecnológico e institucional ensejem um renovado olhar sobre os dispositivos normativos que regem o setor. 36 “Com efeito, tratando-se de competências públicas, não é difícil concluir que tais atividades estão, sim, vinculadas teleologicamente: de modo geral, devem ter por objetivo concorrer intensamente para a realização das finalidades que justificam a própria existência do Estado brasileiro. De tal sorte, os princípios próprios (setoriais) de uma política energética, por exemplo, são, em verdade, instâncias e densificações daqueles mais amplos presentes no texto constitucional, como os que constam dos arts. 1º e 3º. É sobretudo de uma vinculação a princípios e objetivos que se trata aqui” Loureiro, Luiz Gustavo Kaercher. Premissas para uma leitura integrada da indústria da energia na Constituição e para identificação de uma política energética constitucional – a propósito dos arts. 173 e 175 da Carta. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Direito Público, ano 8, n. 29, abr. 2010. 24 Toda a redefinição do marco regulatório – seja pela atividade interpretativa, seja pela atividade legiferante – deve ter em conta a potencial redefinição do núcleo essencial dos serviços de energia elétrica. A verdadeira emancipação que se anuncia para novos padrões de consumo não se restringe à busca por eficiência energética, aos aspectos tarifários, aos benefícios ambientais ou aos incrementos de qualidade final da energia elétrica. Trata-se aqui de postular a descentralização do Estado sobre as definições que envolvem a nossa política energética em prol da centralidade do indivíduo que, optando ou não por gerar sua própria energia limpa, por exemplo, transforma o seu consumo de energia em um instrumento de manifestação dos seus posicionamentos políticos acerca da composição final da nossa matriz energética. O que se propõe a seguir é uma breve discussão a respeito do conteúdo de algumas das normas aplicáveis ao setor energético, tendo como paradigma essas novas questões. Está fora do escopo deste estudo o aprofundamento das análises ou uma completa revisão da legislação pertinente. Ressalve-se, por fim, que a eleição de um modelo regulatório não se confunde com escolhas de índole técnica, mas antes endossa reflexões sobre um projeto público jamais acabado, sempre sujeito a disputas (re) interpretativas, capazes de ressignificar as disposições de todo um arcabouço jurídico. a. Os Parâmetros já Existentes para a Indústria da Energia – Aproveitamento Racional das Fontes Energéticas e Serviço Adequado A análise da legislação geral e específica aplicável aos serviços de energia elétrica revela a existência de dois parâmetros, dois fundamentos legais que, coordenados, podem direcionar a formulação (a) de um eventual marco legal para o smart grid no Brasil, (b) de um eventual “Programa Brasileiro para a Rede Elétrica Inteligente” – como se convencionou chamar, e (c) mesmo de significativa parcela da regulação específica de competência da Agência Nacional de Energia Elétrica necessária para a transição tecnológica. São eles, genericamente, o uso racional das fontes energéticas e a promoção do serviço adequado. O aproveitamento racional das fontes energéticas é conceito aplicável tanto ao setor elétrico quanto ao setor de petróleo e o de energia nuclear. Existe também para o setor mineral, sob o signo de ‘uso racional e eficiente dos recursos minerais’ (art. 3º, inciso V da 25 Lei no 8.876, de 2 de maio de 1994) e para o setor de águas, sob o signo de ‘uso múltiplo dos recursos hídricos’ (art. 4º, inciso XII da Lei no 9.984, de 17 de julho de 2000), o que pressupõe uma sua racionalidade e eficiência de uso.37 Para a indústria energética, seu dispositivo central é o art. 1º da Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997, que dispõe, dentre outros, sobre a Política Energética Nacional. Ali se especifica que as políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia visarão aos objetivos de: • Promover o desenvolvimento, ampliar o mercado de trabalho e valorizar os recursos energéticos (II); • Proteger os interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos (III); • Proteger o meio ambiente e promover a conservação de energia (IV); • O suprimento de energia elétrica nas diversas regiões do país (VII); • Utilizar fontes alternativas de energia, mediante o aproveitamento econômico dos insumos disponíveis e das tecnologias aplicáveis (VIII); • Atrair investimentos na produção de energia (X); • Ampliar a competitividade do país no mercado internacional (XI) Apenas esses dispositivos bastariam, por certo, para pautar a quase totalidade das discussões atuais que envolvem o setor energético nacional, e não apenas o setor elétrico. De fato, muitos dos programas e legislações específicas estão alinhavados com o que prescrevem os incisos acima. Pense-se, a título ilustrativo, no Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica – PROCEL (Decreto S/No, de 18 de julho de 1991), no Programa Nacional de Desenvolvimento Energético dos Estados e Municípios – PRODEEM (Decreto S/No, de 27 de dezembro de 1994), no Programa Nacional de Eletrificação Rural “Luz no Campo” (Decreto S/No, de 2 de dezembro de 1999) e no Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica “Luz para Todos” (Decreto no 6.642, de 25 de abril de 2008). O que o conceito de ‘aproveitamento racional dos recursos energéticos’ informa são os parâmetros gerais para a definição ulterior de políticas setoriais e marcos regulatórios 37 Por certo que existe também para outros setores regulados e ramos do direito. Destacamos esses casos pois, em especial, dão margem para a suposição de um conceito mais genérico de ‘uso racional e eficiente dos recursos naturais’, muito embora a existência de uma disciplina própria para algo como os setores afeitos aos recursos naturais (aqueles de energia elétrica, mineração, petróleo, gás natural, biocombustíveis) deva ser buscada em uma análise dos dispositivos constitucionais. 26 para a indústria da energia. Isto é, ali estão estipulados os elementos que devem ser considerados pelos órgãos do poder Executivo na formulação de políticas, pelo poder legislativo na edição de normas sempre que se tratar do tema ‘energia’. Dirigem-se, portanto, ao Estado, lato sensu. Acontece que as atividades de energia, por imposição constitucional, dizem respeito a competências públicas38, o que, no caso do setor elétrico, pelas legislações a que se submete, também condiciona o seu exercício à realização de um serviço adequado. Importa para as considerações acerca de um marco regulatório para o smart grid justamente pelo potencial que tem de subverter o que entendemos hoje por ‘serviços de energia elétrica’. O ponto de partida para redimensionar o núcleo essencial do serviço de energia elétrica é a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. É ali que estão consolidados os parâmetros para caracterizar o ‘serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários’ (art. 6º), que são a satisfação das condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas (art. 6º, § 1º). Dessas condições, a norma destaca a ‘atualidade’ para especificar que compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço (art. 6º, § 2º). Esses dispositivos que apresentam novas instâncias para caracterizar ‘serviço adequado’ nada de concreto dizem sobre como distinguir serviço regular do irregular, contínuo do descontínuo, eficiente do ineficiente, e daí por diante. Essas distinções só podem surgir da experiência concreta de prestação do serviço. Pouco seria, por outro lado, afirmar que a sua função é apenas a de atuar como fundamento legal para a definição, através da atuação de agências reguladoras, das instâncias concretas de ‘serviço adequado’. Ela, mais especificamente, autoriza os órgãos competentes a estipular a obrigatoriedade de adoção, por parte das delegatárias da atividade de competência pública, de determinadas ‘técnicas’, ‘equipamentos’ na medida em que isso acarretar, por exemplo, maior ‘atualidade’ do serviço prestado. 38 A esse respeito, Loureiro, Luiz Gustavo Kaercher. Premissas para uma leitura integrada da indústria da energia na Constituição e para identificação de uma política energética constitucional – a propósito dos arts. 173 e 175 da Carta. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Direito Público, ano 8, n. 29, abr. 2010 27 Em síntese, um eventual marco regulatório ou política setorial para o smart grid deve harmonizar-se com esses dois parâmetros já existentes no ordenamento jurídico brasileiro: o aproveitamento racional dos recursos energéticos – como decorrência necessária do substrato, da materialidade própria do recurso natural envolvido na atividade –, e a redefinição do núcleo essencial de serviço adequado de energia elétrica – como decorrência necessária do traço formal, isto é, do tratamento constitucional e legislativo que é dedicado àquelas competências públicas delegáveis, tidas como ‘serviços públicos’. b. Iniciativas Tomadas pelos Agentes Reguladores Cumpre observar que a Agência Nacional de Energia Elétrica e o Ministério de Minas e Energia já estão dando seus primeiros passos rumo a um modelo jurídico, econômico e tecnológico mais compatível com as necessidades regulatórias e com as necessidades operacionais do smart grid. Sendo esse novo modelo capaz de redimensionar sensivelmente não apenas padrões tecnológicos, como também é, sobretudo, capaz de redimensionar o que hoje entendemos constituir o núcleo essencial dos serviços de energia elétrica, é esperado que, nesse esforço, sejam identificadas defasagens em diversas normas que hoje regem o setor energético. Passemos, portanto, ao elenco das iniciativas que sinalizam as primeiras inovações políticas e regulatórias: • Agência Nacional de Energia Elétrica – Consulta Pública sobre smart metering Em 2009 a Agência Nacional de Energia Elétrica instaurou a Consulta pública no 015/2009 com o objetivo de orientar as discussões a respeito da implementação de medição eletrônica em baixa tensão. Os termos da consulta falam em funcionalidades mínimas dos medidores eletrônicos, ao que as contribuições apontam para a necessidade prévia de se deliberar sobre a sua obrigatoriedade. Outros falavam ainda que as funcionalidades mínimas não devem ser universais, mas antes estabelecidas em face de perfis distintos de usuários. Aqui já se começou a institucionalizar o esboço de discussões que demandarão uma atenção própria, tais como a microgeração distribuída e o modelo de energia pré-paga para segmentos mais pobres de usuários de energia. 28 As conclusões da Nota Técnica no 0107/2009/SRD/ANEEL apontam para a necessidade de a ANEEL continuar “promovendo a interação com os agentes envolvidos no tema”, postura necessária quando se constata “opiniões nem sempre convergentes por parte dos envolvidos no processo”. Levanta-se dúvidas quanto à influência desta implantação sobre o comportamento do usuário, as decorrentes novas relações entre a distribuidora e seus consumidores e, ainda, o correspondente reflexo sobre o nível tarifário. Constata-se também incertezas em relação ao procedimento mais adequado de implantação desta nova tecnologia por parte dos próprios agentes envolvidos. • Agência Nacional de Energia Elétrica – Proposta de alteração metodológica da estrutura tarifária da distribuição Em agosto de 2009, a Agência Nacional de Energia Elétrica iniciou uma série de Consultas Públicas para subsidiar ações de re-estruturação do sistema tarifário do setor elétrico. Grosso modo, busca-se aperfeiçoar a estrutura tarifária vigente para induzir o uso eficiente da rede pela carga por meio de sinalização tarifária econômica. Não é propriamente uma ação que tenha sido tomada em vista do smart grid, mas vai de encontro às suas necessidades regulatórias. As conclusões da Nota Técnica no 271/2009-SRE-SRD/ANEEL, por exemplo, já sinalizam para a necessidade de alteração na forma de cálculo de determinadas tarifas, do reagrupamento dos componentes tarifários, dentre outros. O que está por trás da revisão regulatória, cumpre dizer, é a existência de uma racionalidade tarifária que antecede a desverticalização, a segmentação da indústria elétrica em distintas fases. Assim, essa racionalidade estaria cega a, dentre outros, a estrutura monopolista das distribuidoras de energia, fazendo com que, ao se apropriar do excedente do consumidor para equiparar receita e custos marginais, a eficiência global da indústria seja reduzida quando em comparação aos mercados que operam em concorrência perfeita. A sinalização tarifária econômica seria, nesse caso, um instrumento regulatório capaz de emular a concorrência perfeita, na medida em que estimula os consumidores a usar de maneira eficiente os ativos que compõem o sistema elétrico. • Ministério de Minas e Energia – Grupo de Trabalho para um “Programa Brasileiro de Rede Elétrica Inteligente” 29 Em abril de 2010, o Ministério de Minas e Energia publicou a sua Portaria no 440, estabelecendo um Grupo de Trabalho para subsidiar um “Programa Brasileiro de Rede Elétrica Inteligente – Smart Grid”, com o intuito de identificara o estado da arte de programas tipo smart grid no Brasil e no mundo, elaborar proposta de adequação das regulamentações e das normas gerais dos serviços públicos de distribuição de energia elétrica, identificar fontes de recursos para financiamento, dentre outros. O grupo seria composto por representantes do Ministério de Minas e Energia (MME), Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Centro de Pesquisa em Energia Elétrica (CEPEL), Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e Operador Nacional de Energia Elétrica (ONS). Não se tem notícias do andamento ou do resultado dos seus trabalhos. • Agência Nacional de Energia Elétrica – Chamada estratégica de P&D39 Em julho de 2010, a Agência Nacional de Energia Elétrica anunciou a sua Chamada 011/2010 – Projeto Estratégico “Programa Brasileiro de Rede Elétrica Inteligente” com o intuito de (a) identificar tecnologias e atividades de suporte necessárias para promover o desenvolvimento do smart grid; (b) fornecer respostas que subsidiem desafios regulatórios e de legislação suscitados pela nova tecnologia; (c) traçar um roadmap para migração tecnológica do setor elétrico; (d) subsidiar os estudos do Grupo de Trabalho criado pelo Ministério de Minas e Energia. As entidades intervenientes são o Ministério de Minas e Energia, o Ministério das Comunicações, a Agência Nacional de Telecomunicações e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. 39 O Projeto Estratégico da Agência Nacional de Energia Elétrica aponta como principais desafios para implantação do smart grid no Brasil: (a) integração de geração distribuía e fontes renováveis de energia às redes de distribuição; (b) desenvolvimento e padronização das tecnologias específicas, como por exemplo, na conexão de geração distribuída e fontes renováveis de energia e nas formas de comunicação através da rede; (c) utilização de gerenciamento pelo lado da demanda, baseada em inteligência centralizada ou distribuída, como forma de se obter sustentabilidade e eficiência energética das redes de distribuição de energia; (d) desenvolvimento de tecnologias de mercado tais como, por exemplo, plataformas de software adequadas; (e) tecnologias de resposta da demanda como, por exemplo, permitindo resposta a sinais de preço, freqüência ou tensão; (f) análise socioeconômica e tarifária objetivando a modicidade; (g) testes de laboratório e certificação para as diferentes novas tecnologias; (h) iniciativas de projetos demonstrativos como, por exemplo, demonstrando operações integradas de eletricidade e mercado; (i) capacitação, treinamento e qualificação profissional; (j) definição de fontes de recursos; (k) infraestrutura de telecomunicação; (l) conscientização da sociedade. 30 4. A PROPÓSITO DOS NOVOS PERFIS DE CONSUMIDORES E DISTRIBUIDORAS Uma das transformações capitaneadas pelo smart grid que certamente se deparará com significativas resistências regulatórias para se realizar reside justamente no “último dos elos” da cadeia industrial do setor de energia elétrica, qual seja, aquele elo referente às relações entre prestadora do serviço de distribuição e consumidores. É ali que as transformações operacionais se vêem acompanhadas de grandes mudanças também no perfil dos consumidores e das distribuidoras, guiando o setor para novas formas de interação entre essas duas figuras e entre elas e geradoras, transmissoras e comercializadoras de energia. O dumb grid, ao olhar para essa interação, apenas consegue captar o usuário do serviço como um ponto de carga, como um sujeito passivo de todo o processo que é capaz apenas de consumir (de maneira ineficiente) toda a energia que é produzida. Para essa rede analógica, as distribuidoras são prestadoras de serviço com a função específica de fazer chegar o fornecimento de energia a esses pontos de consumo. O smart grid revoluciona esse modelo tradicional do setor elétrico, e faz isso a partir, sobretudo, pela emancipação do usuário do serviço, agora capaz de articular-se com outros consumidores para coordenar seus painéis solares usados para geração distribuída de forma a não mais depender do fornecimento da distribuidora central, por exemplo. O que se postula como novidade, voltamos a dizer, é a centralidade do indivíduo nesse revigorado setor regulado de energia e, como eixo central das transformações, a sua adoção como referencial para ressignificar o núcleo essencial dos serviços de energia elétrica. A seguir, discutimos a ‘geração distribuída’ como uma das formas de atuação do usuário no setor e as suas implicações para a extinção do vínculo que tradicionalmente se faz entre ‘atividade exercida pelas distribuidoras’, por um lado, e ‘fornecimento de energia’, pelo outro. 31 a. Redefinindo Geração Distribuída40 – A hipótese das Geradoras Virtuais A Lei no 10.848, de 15 de março de 2004 (art. 2º, § 8º, II, ‘a’) reconheceu a geração distribuída como uma das fontes de energia das quais as distribuidoras podem valerse para honrar a sua obrigação de atendimento à totalidade de seus mercados. É interessante observar que a redação desse dispositivo não estabelece nenhuma restrição sobre quem deva ser o proprietário dessa energia, deixando a possibilidade de ser essa uma contratação realizada com quaisquer das figuras a quem não é vedada a geração ou a comercialização de energia elétrica41, incluindo-se, a priori, até mesmo os consumidores nesse universo. Tudo o que dispõe a Lei no 10.848/2004 sobre a geração distribuída é a sua forma de contratação, que atende a dois critérios: (a) dar-se-á sob a forma de contratação regulada (art. 2º, caput); (b) está dispensada de licitação (art. 2º, § 10). A limitação subjetiva, isto é, a definição de quem são os agentes aptos a exercer a geração distribuída está disposta no artigo 14 do regulamento dessa norma legal, o Decreto 5.163, de 30 de julho de 2004: Para os fins deste Decreto, considera-se geração distribuída a produção de energia elétrica proveniente de empreendimentos de agentes concessionários, permissionários ou autorizados, incluindo aqueles tratados pelo art. 8º da Lei no 9.074, de 1995, conectados diretamente no sistema elétrico de distribuição do comprador (...) 42 Essa previsão legal contida no regulamento da Lei no 10.848, de 2004 desautorizaria a venda de energia gerada ou estocada por consumidor, que não é um agente 40 Em termos pouco técnicos, a geração distribuída é uma modalidade de geração que tem como nota característica a proximidade física entre centro gerador e centro consumidor, razão pela qual é tradicionalmente contraposta à geração centralizada. Sob a ótica operacional, trata-se de uma modalidade genérica de geração que não se vincula a uma tecnologia específica, que pode derivar de diferentes fontes primárias de energia, renováveis ou não, assim como não implica em propriedade sobre seus equipamentos, isto é, o consumidor pode ou não ser proprietário de uma unidade de geração distribuída, e também pode ou não adotá-la para suprir consumo próprio. 41 Um exemplo clássico de agente do setor elétrico a quem é vedada a geração de energia elétrica são justamente as distribuidoras; é o que se lê no art. 4º, § 5º, inciso I da Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995: “As concessionárias, as permissionárias e as autorizadas de serviço público de distribuição de energia elétrica que atuem no Sistema Interligado Nacional não poderão desenvolver atividades de geração de energia elétrica”. A única hipótese – e, ainda assim, tácita – em que é vedada a comercialização de energia é no caso do autoprodutor que não tenha alcançado excedente de produção. Essa a leitura a contrario sensu do Art. 28, inciso II do Decreto no 2.003, de 10 de setembro de 1996: “Mediante prévia autorização do órgão regulador e fiscalizador do poder concedente, será facultada a compra, por concessionário ou permissionário de serviço público de distribuição do excedente da energia produzida”. 42 Os agentes tratados pelo art. 8º da Lei no 9.074, de 1995 são aqueles que realizam o aproveitamento de potenciais hidráulicos, iguais ou inferiores a 1.000 kW, e a implantação de usinas termelétricas de potência igual ou inferior a 5.000kW. Esses empreendimentos apenas necessitam ser comunicados ao Poder Concedente, dispensam concessão, permissão ou autorização. 32 concessionário, permissionário ou autorizado de serviço de energia elétrica. Esse dispositivo é retrato da ótica subjacente à dinâmica tradicional da indústria energética, em que o consumidor é mero sujeito passivo, o fim a que se destina toda a cadeia produtiva, mas que com ela não se confunde. Essa racionalidade, que embasa não só esse dispositivo, como também tantos outros, é cega às novas formas de atuação, de perfil ativo, que o consumidor pode tomar a partir do novo horizonte de possibilidades desvelado pelo smart grid. A iminência da disseminação de recursos que permitam a geração distribuída em escala reduzida, residencial, pelo uso de painéis fotovoltaicos, por exemplo, aliado à possibilidade de o smart grid poder ser programado para coordenar microgerações distribuídas de forma a torná-las, sob a perspectiva operacional, um único potencial gerador, uma “geradora virtual de energia”, de carga não desprezível, faz surgir a necessidade de que o consumidor de energia elétrica possa ser visto também como integrante da cadeia produtiva, como agente setorial gerador de energia.43 E destaque-se que o uso em escala dessas microgerações distribuídas, coordenadas por uma rede inteligente, deve ser vista inclusive como estratégia de expansão do potencial gerador renovável, especialmente porque as principais fontes de geração distribuída a serem adotadas para uma escala residencial são a solar e a de processamento de rejeitos. Nesse sentido, embora os consumidores não possam vender à distribuidora a energia que produzem através de geração distribuída por uma restrição meramente formalobjetiva (não são concessionários, permissionários ou autorizados de serviço de energia), é possível que esta opção seja compatível com propósitos que a legislação demonstra serem subjacentes à própria geração distribuída. Por óbvio que essa compatibilidade material não tem o condão de autorizar esse tipo de contratação de energia, tudo o que faz é demonstrar que 43 É evidente que as implicações da hipótese da geradora virtual transcendem o reconhecimento de um papel ativo para os consumidores de energia. A legislação italiana, por exemplo, associa a hipótese da geradora virtual a uma estratégia de expansão da matriz geradora e à promoção da concorrência setorial. É o que dispõe o artigo 30, parágrafo 9º da Lei no 99/09, que prevê que, “afim de elevar o nível de concorrência no mercado da eletricidade na região da Sardenha, a Autoridade de eletricidade e gás (...) adota medidas temporárias destinadas a ampliar o fornecimento de energia na mesma região, através da identificação de um mecanismo de mercado que permita a compra e venda de capacidade virtual até a conclusão da infraestrutura de energia integrada com a rede nacional” (“al fine di elevare il livello di concorrenza del mercato elettrico nella regione Sardegna, l’Autorità per l’energia elettrica e il gás (...) adotta misure temporanee finalizzate ad ampliare l’offerta di energia nella medesima regione mediante l’individualizione di um meccanismo di mercato che consenta l’acquisizione e la cessione di capacita produttiva virtuale sino alla completa realizzazione delle infrastrutture energetiche di integrazione com la rete nazionale”). Essa hipótese foi prontamente regulamentada pela Autorità per l’energia elettrica e Il gás na sua Resolução no 150/09, 16 de outubro de 2009. As primeiras medidas não temporárias para as geradoras virtuais viriam apenas um ano depois, com a Resolução no 146, de 22 de setembro de 2010, que definiu os procedimentos competitivos para a venda da capacidade virtual para 2011. 33 a geração distribuída, nos termos em que se a propõe, está alinhavada com uma certa política setorial que se deixa transparecer nas demais normas legais que regulam esse assunto. Vejamos. Retomando o mesmo art. 14 do Decreto no 5.163, de 30 de julho de 2004, a sua parte final e seus incisos I e I estabelecem que, ainda que sejam concessionários, permissionários ou autorizados de serviço de energia conectados diretamente no sistema elétrico de distribuição do consumidor, não serão considerados empreendimentos de geração distribuída as hidrelétricas com capacidade instalada superior a 30MW (inciso I) e as termelétricas, inclusive de cogeração, com eficiência energética inferior a setenta e cinco por cento (inciso II). Mais adiante, o parágrafo único faz uma ressalva a este inciso, estabelecendo que “os empreendimentos termelétricos que utilizem biomassa ou resíduos de processo como combustível não estarão limitados ao percentual de eficiência energética prevista no inciso II do caput”. Em termos pouco técnicos, o que esses dispositivos proclamam é que hidrelétricas grandes demais ou termelétricas não eficientes o bastante não devem beneficiar-se do regime jurídico especial que se dedica à geração distribuída. Mas caso a termelétrica seja menos potencialmente danosa (por usar biomassa ou resíduos de processo como combustível), e cumpra os demais requisitos, tanto o formal (ser concessionária, permissionária ou autorizada do serviço de energia), quanto o material (estar diretamente conectada à rede de distribuição do consumidor), ela será sim considerada um empreendimento de geração distribuída. Além disso, a primeira parte do caput explicita ainda que também se considerará sim geração distribuída os empreendimentos de aproveitamento de potenciais hidráulicos, iguais ou inferiores a 1.000 kW e a implantação de usinas termelétricas de potência igual ou inferior a 5.000 kW (art. 8º da Lei no 9.074, de 1995), que a princípio não se beneficiariam do regime jurídico especial por estarem dispensados de concessão, autorização ou permissão. Um exercício simples de indução permite concluir o que é que aproxima, por um lado, (a) aproveitamentos de potenciais hidráulicos iguais ou inferiores a 1.000 kW, (b) aproveitamentos termelétricos de potencial igual ou inferior a 5.000 kW ou (c) que se utilizem de biomassa ou resíduos de processo como combustível; e os afasta, pelo outro lado, de (a’) hidrelétricas grandes demais e (b’) termelétricas não eficientes o bastante. O critério recepcionado pela legislação ordinária para estipular o regime jurídico da geração distribuída 34 só pode ser aquele segundo o qual essa modalidade de geração, além de atender à carga local, está em conformidade com um aproveitamento energético o menos danoso ao meio-ambiente. Esse, por certo, é o caso da geração distribuída em escala residencial, cuja autorização legal (via reforma do Decreto no 5.163/2004) representaria apenas uma autorização legislativa para corrigir uma assimetria que distancia o setor tanto do aproveitamento racional dos recursos energéticos quanto do serviço adequado. b. Redefinindo as Atividades de Distribuição de Energia Elétrica Observando o mesmo art. 2º, caput da Lei no 10.848, de 15 de março de 2004, lemos em sua primeira parte que “as concessionárias, as permissionárias e as autorizadas de serviço público de distribuição de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional deverão garantir o atendimento à totalidade de seu mercado”. Aqui está configurada uma obrigação de serviço que pode contribuir para a identificação do núcleo essencial do serviço público de distribuição de energia elétrica (sabe-se que é algo que deve atender à totalidade de um mercado), ainda que nada especifique sobre que atividades constituam esse serviço, ou sobre como ou devam ser executadas. Observe-se ainda que, embora se diga que as distribuidoras devam “garantir o atendimento à totalidade de seu mercado”, nada do texto legal faz crer que, em princípio, o ‘atendimento’ esteja restrito ao fornecimento de energia elétrica, ou mesmo que, em qualquer situação, o atendimento deva necessariamente envolver o fornecimento de energia elétrica. Isso significa dizer que, mesmo se considerarmos a situação em que consumidores conseguem garantir o seu suprimento de energia elétrica sem depender da distribuidora,44 essas prestadoras de serviço estariam obrigadas a universalizar o seu atendimento se, e na medida 44 Isso poderia se dar nas situações em que essa unidade é capaz de gerar toda a energia que consome, fazendo amplo uso de geração distribuída, por exemplo, ou nas situações em que uma unidade residencial adquire a energia diretamente de outras unidades residenciais adjacentes ou no mínimo próximas. Em todo caso, essas duas hipóteses (geração distribuída difundida e trocas energéticas entre unidades residenciais sem a intermediação de distribuidoras) representam uma das habilidades operacionais do smart grid, que é justamente a de, administrando cargas e gerações locais, poder programar circuitos de energia locais que, mesmo integrantes do Sistema Interligado Nacional, conseguem operar à margem das unidades distribuidoras. É o que anunciam Galvin e Yeager em citação que resgatamos: “Smart microgrids use the utility bulk power supply to best advantage, but can operate independently when necessary to maintain perfect service, or to capitalize on energy cost-saving opportunities. These smart, decentralized microgrids are also what will enable cleaner alternative sources of energy, specially solar power with backup storage in homes and offices, to most rapidly reach their full potential.” Galvin, Robert; Yeager, Kurt. Perfect Power: how the microgrid revolution will unleash cleaner, greener, and more abundant energy. McGraw-Hill, Inc, 2009 35 em que, houver outras atividades que se reputem constitutivas de serviço público de distribuição de energia elétrica. Existem, de toda sorte, restrições objetivas a que atividades pode uma distribuidora de energia exercer. A principal delas é a vedação legal encontrada no art. 4º, § 5º, inciso V da Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995, a que as prestadoras de serviço público de distribuição de energia elétrica “desenvolvam atividades estranhas ao objeto da concessão, permissão ou autorização, exceto nos casos previstos em lei e nos respectivos contratos de concessão”45. Embora possa ser considerado um dispositivo que, restringindo, estabiliza o núcleo essencial de serviços de energia de distribuição, esse inciso também apresenta ao Poder Concedente um instrumento para direcionar ou habilitar as distribuidoras ao exercício de atividades mais compatíveis com o novo padrão de serviço de distribuição: o contrato de concessão. Assim, na ausência de uma autorização legal para o exercício de atividades que se façam necessárias em vistas da implementação do smart grid, o Poder Concedente poderia valer-se do contrato de concessão como instrumento apto a direcionar a mudança do núcleo essencial dos serviços de energia. Em termos mais concretos, é esperado que as atividades exercidas pelas distribuidoras deixem de ser vistas primordialmente como a atividade de fornecimento de energia elétrica realizada em um mercado monopolizado e exclusivo (tal qual preconizado pelos norte-americanos para seus regulatory compact em 1935) e passe a envolver novas atividades, tais como atividades relacionadas à informatização de rede, processamento dos dados captados por smart metering, dentre outros. 5. SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES E CONVERGÊNCIA DE INFRAESTRUTURAS A incidência de serviços de telecomunicações ao funcionamento das redes de energia elétrica caracteriza a convergência de infraestruturas e faz surgir questionamentos sobre a condição de prestação desses serviços para – talvez mesmo pela – exploradora do serviço público de energia elétrica, em especial a concessionária ou permissionária do serviço 45 As outras vedações, dos incisos I a IV são a que essas prestadoras desenvolvam atividades: relacionadas à geração e transmissão de energia elétrica (I e II); de venda de energia a consumidores livres ou que tenham optado por comprar energia de produtor independente (III); de participação em outras sociedades, ressalvado o disposto no contrato de concessão e para captar, aplicar e gerir os recursos financeiros necessários à prestação do serviço (IV). 36 de distribuição. Exploradoras do serviço de energia teriam a opção de construir seus próprios serviços de comunicação privada, mas os elevados investimentos requeridos e custos de manutenção limitam a viabilidade dessa opção. Os estudos de Divy Jain e Divakar Goswami apontam que a tendência mundial seria a de exploração de modelos inovadores de negócios entre concessionárias de serviço de telecomunicações e energia elétrica como forma de agregar valor ao smart grid. Focusing on bridging the communication gap between the utility and field devices can be a good starting point for the telecoms service providers. However, in the long run, service providers should also attempt to transform themselves from communications network providers to energy management solution providers.46 As telecomunicações são, ao lado do sensoriamento e do processamento de dados, uma das bases tecnológicas imprescindíveis ao smart grid. Elas são as responsáveis por comunicar dados dos smart meters aos centros de processamento de informações e, assim o fazendo, agregam valor ao grid e a quem quer que a ele se conecte. A seguir, discutimos os dispositivos incidentes, respectivamente, para a hipótese de esse serviço ser prestado a partir da rede de energia elétrica (Power Line Communications) e para a hipótese de esse serviço ser prestado desvencilhado da rede de energia. a. Transmissão de Dados pela Rede Elétrica – Power Line Communications A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), depois da realização de audiência pública47, regulamentou a utilização das instalações de distribuição de energia elétrica para a comunicação digital ou analógica de sinais por meio da sua Resolução 46 10.Goswami, D. and Jain, D. Infrastructure Convergence: Tapping Smart Grids for Renewing Growth in the Indian Telecoms Sector, 5th Communication Policy Research South Conference (CPRsouth5), Xi’an, China, 2010, página 9. As atividades como ‘management solution providers’ envolveriam possivelmente (a) a coleta e análise de dados, (b) a redução dos picos de consumo e (c) tarifação dinâmica. Parece-nos, de toda sorte, precipitado falar em conformações mais específicas para as prestadoras, seja do setor elétrico, seja do setor de telecomunicações. O que é certo, com a convergência de infraestruturas, é tão somente uma tendência ao surgimento, aqui e lá, de novas formas de atuação que diluam a fronteira entre o núcleo essencial da prestação de serviço em um e outro setor. 47 Trata-se da Audiência Pública no 010/2009, realizada no período de 12 de março a 11 de maio de 2009. Destaquem-se as propostas de adequação terminológica, especialmente a de alteração de Power Line Communications (PLC) para Broadband over Power Lines (BPL), de forma a fazer-se corresponder à Resolução Anatel no 527, de 8 de abril de 2009. Em voto, a Diretora Joísa Saraiva, da ANEEL, esclarece que “a Resolução visa a abranger a comunicação de sinais pelas redes de distribuição de maneira mais ampla, não se restringindo à ‘banda larga’”. 37 Normativa no 375, de 25 de agosto de 2009. O fundamento legal vem do artigo 73 da Lei Geral de Telecomunicações (Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997), que especifica: “as prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis”48 (grifos aditados) A abertura intersetorial contida em ‘outros serviços de interesse público’ está hoje disciplinada para os setores de energia elétrica e de petróleo pelo Regulamento Conjunto para Compartilhamento de Infra-estrutura entre os Setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo, anexo à Resolução Conjunta ANATEL-ANEEL-ANP no 1, de 24 de novembro de 1999. Ali também se está a tratar de norma direcionada a ‘prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo’ enquanto que, para o setor elétrico, fala em ‘exploradores de serviços públicos de energia elétrica’ (incisos I e II, art. 2º). Esse Regulamento Conjunto, de um lado, estabelece diretrizes básicas e condições de compartilhamento de infra-estruturas e, de outro, disciplina as bases contratuais que deverão ser observadas entre a prestadoras de serviços de telecomunicações e energia elétrica. É, portanto, norma específica ante o artigo 73, supra, da Lei Geral de Telecomunicações, e norma geral ante a Resolução Normativa no 375/2009 da ANEEL, que, por sua vez, regulamenta tão somente a situação específica do uso das instalações de distribuição de energia elétrica para a Power Line Communications. Desconsiderando, em vista do objeto de discussão, os serviços referentes ao setor de petróleo, teríamos que o compartilhamento de infra-estruturas: • Não pode comprometer o atendimento a parâmetros de qualidade, segurança e proteção ao meio ambiente, assim como de obrigações associadas às concessões, permissões ou autorizações outorgadas ou expedidas pelo Poder Concedente e de boas práticas internacionais para prestação dos respectivos serviços (art. 5º); • Deve estimular a otimização de recursos, a redução de custos operacionais, além de outros benefícios aos usuários dos serviços prestados (art. 6º); 48 Sendo a Power Line Communications serviço de telecomunicações de interesse coletivo, uma vez disponível na rede, qualquer um que a solicite deve ser atendido, incluindo-se eventuais agentes especializados na operação de smart grid. 38 • Não transfere controle e gestão da infra-estrutura, senão sobre a capacidade excedente definida pelo detentor (distribuidora, in casu), e nas condições de compartilhamento por ele estabelecidas (art. 8º); • Poderá ser negado apenas por razões de limitação na capacidade, segurança, estabilidade, confiabilidade, violação de requisitos de engenharia ou de cláusulas e condições emanadas do poder concedente (§ 3º, Art. 11). Em se adotando a Power Line Communications como a tecnologia de telecomunicações encarregada de comunicar dados dos smart meters aos centros de processamento de informações, resta facilmente demonstrável, ao menos sob a perspectiva do setor elétrico, que o compartilhamento da rede de energia está perfeitamente alinhavado com as diretrizes regulatórias. O que, por sua vez, a Resolução Normativa no 375/2009 da ANEEL realiza é o delineamento desse compartilhamento de infra-estruturas entre um agente titular de concessão ou permissão federal para prestar o serviço público de distribuição de energia elétrica e uma pessoa jurídica detentora de autorização nos termos da regulamentação da Agência Nacional de Telecomunicações para a exploração comercial de serviço de telecomunicações utilizando a tecnologia PLC. Aqui, em vista do smart grid, o destaque é para o artigo 10, § 4º. Lá se afirma que, “caso a distribuidora deseje utilizar a infraestrutura do Prestador de Serviço de PLC para atendimento às suas necessidades e interesses dos serviços públicos de distribuição de energia elétrica, o contrato de uso comum deve conter as condições para essa utilização". Cumpre notar que esse requisito formal, qual seja, a previsão contratual das condições uso da Power Line Communications como tecnologia de telecomunicação para o smart grid, configura uma exceção à regra do artigo 3º, qual seja, “a de que as distribuidoras que atuam no Sistema Interligado Nacional não podem desenvolver atividades comerciais com o uso da tecnologia PLC”49. 49 As exceções a essa vedação de uso, por parte das distribuidoras, da PLC para desenvolvimento de atividades, seriam aquelas (a) decorrentes de previsão legal; (b) decorrentes de previsão no contrato de concessão (hipóteses formais do art. 3º); (c) voltadas para as atividades de distribuição de energia elétrica (hipótese material do art. 10, § 4º e art. 3º, parágrafo único); (d) voltadas para a aplicação em projetos sociais, com fins científicos ou sociais (hipótese material do art. 3º, parágrafo único). Nos termos da Resolução Normativa em comento, apenas as hipóteses formais (a, b) habilitariam a distribuidora ao uso comercial da PLC, ao passo que as hipóteses materiais (c, d) habilitariam tão somente o seu uso privativo, não comercial. Dessa feita, se carente de 39 Em um cenário futuro, motivado pela convergência de objetos sociais que o smart grid poderá promover entre distribuidoras de energia e certas prestadoras de serviços de telecomunicações, a dúvida que resta é se seria possível uma mesma pessoa jurídica obter concessão ou permissão federal para prestar o serviço de distribuição e autorização da ANATEL para exploração comercial de serviço de telecomunicações utilizando PLC. Se a Resolução Normativa no 375/2009 da ANEEL é o nosso paradigma, a resposta é a de que seria necessária a sua separação empresarial para compatibilizar o uso da PLC como tecnologia de comunicações para o smart grid (uso privativo da “distribuidora de energia elétrica”) com o provimento de transmissão de dados pela rede ao consumidor final (uso comercial da “prestadora de serviços de telecomunicações”). Outros pontos que merecem ser destacados seriam: • O Prestador de Serviço de PLC pode utilizar as instalações de distribuição de energia elétrica para a transmissão analógica ou digital de sinais, e disponibilizar seus serviços de telecomunicação aos seus clientes, de acordo com as normas e padrões técnicos da distribuidora, o disposto nesta Resolução e na regulamentação de serviços de telecomunicações e de uso de radiofreqüências da Anatel (art. 4º); • Cabe à distribuidora estabelecer, no contrato de uso comum de suas instalações com o Prestador de Serviço de PLC, cláusulas que definam responsabilidades e prazos para ressarcimento por eventuais danos causados a sua infraestrutura e que assegurem a prerrogativa de a mesma fiscalizar as obras do prestador de serviços, tanto na implantação do sistema quanto na manutenção e adequação. (Art. 10, § 1º); • Havendo necessidade de modificação ou adaptação das instalações da distribuidora, os custos decorrentes devem ser atribuídos ao Prestador de Serviço de PLC (art. 11); • Quaisquer receitas que a distribuidora tenha pelo uso das instalações de distribuição nas atividades com o uso do PLC são revertidos em prol da modicidade tarifária (art. 15). De tudo quanto foi exposto, é possível concluir que a regulamentação existente dá suporte para a adoção da Power Line Communications como tecnologia de telecomunicações fundamento legal ou contratual, qualquer projeto piloto de smart grid que usar PLC como tecnologia de comunicação para transmissão de dados entre smart meters e centros de processamento de dados poderá ser alegado como uso privativo pela distribuidora tanto como tecnologia voltada para atividade de distribuição de energia elétrica (c), como tecnologia voltada para projeto social com fim científico, experimental (d). 40 encarregada de comunicar dados dos smart meters aos centros de processamento de informações, tanto em face do Regulamento Conjunto ANATEL-ANEEL-ANP/1999 (nas hipóteses que envolvam redes de geração ou transmissão), quanto em face da Resolução Normativa no 375/2009 da ANEEL (nas hipóteses que envolvam redes de distribuição). A vedação do art. 3º dessa Resolução ao uso comercial do PLC pelas distribuidoras de energia pode, contudo, ser contraproducente à conformação institucional das inovações que o smart grid promoverá. A isso voltaremos nas conclusões desse estudo. b. Transmissão de Dados Desvencilhada da Rede Elétrica Os agentes que prestam serviço de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica podem valer-se de tecnologias de telecomunicação desvencilhadas da rede elétrica para comunicar dados dos smart meters aos centros de processamento de informações. Haveria eles, nessa hipótese e submetendo-se às regras de direito privado, de firmar contrato com prestadora de serviço de telecomunicações habilitada, nos termos da Agência Nacional de Telecomunicações, para exercício da atividade. Essa hipótese encontra fundamento legal no art. 25, § 1º da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. In verbis: “sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados” A ‘responsabilidade’ referida logo no início do dispositivo é aquela sobre os prejuízos que a contratada causar ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros (art. 25, caput). Mesmo com essa restrição, a terceirização continua a ser possivelmente uma das estratégias mais utilizadas pelas prestadoras de serviço público para, dentre outros, redução dos seus custos. Em tese, e a partir dessa norma, todas as operações de instalação e operação das tecnologias (sensoriamento, telecomunicações e processamento de dados) que integram o smart grid poderiam ser integralmente contratadas com empresas especializadas, que detenham a expertise de anos de atuação com tecnologias de informação e comunicação (TICs). 41 O mesmo art. 25, caput, ao explicitar que “incube à concessionária a execução do serviço concedido”, impõe um limite material sobre que atividades podem ser contratadas com terceiros. O limite é material posto que carente de critérios formais de definição a priori de, em concreto, o que constitui o núcleo essencial ‘serviço concedido’ e deve ser executado exclusivamente pela concessionária, que, afinal de contas, é quem se submeteu à concorrência pública. Da mesma forma, não se especifica que critérios devem ser adotados para definir o que é e como diferenciar ‘atividade inerente’, ‘atividade acessória’ e ‘atividade complementar’ ao serviço concedido. A transmissão de dados desvencilhada da rede elétrica é uma alternativa que encontra uma série de padrões tecnológicos capazes de responder às necessidades do smart grid. São aventadas as tecnologias Global System for Mobyle Communications (GSM), General Packet Radio Service (GPRS), Universal Mobile Telecommunications Service (UMTS), Short Message Service (SMS), Local Area Network (LAN), Mesh e ZigBee. A Ampla, a Coelce, a CPFL Piratininga e a CEB têm adotado GPRS para suas operações; a Elektro deve adotar Mesh em Campos do Jordão; várias concessionárias dos Estados Unidos já anunciam a adoção de ZigBee.50 Seja como for, uma vez assegurada a interoperabilidade entre esses padrões em um único grid, o desafio não parece ser a escolha de um padrão em detrimento de outro, mas antes formas de tornar essa escolha uma decisão comercial de cada concessionária, de forma a atender as especificidades de suas necessidades. 6. PONTOS PARA ULTERIOR REFLEXÃO a. Garantias de Privacidade dos Usuários de Energia As informações específicas de consumo obtidas pelo smart metering integram a esfera de privacidade dos usuários do serviço de energia elétrica e, assim o sendo, devem ser resguardadas contra quaisquer destinações indevidas que distribuidoras de energia elétrica ou prestadoras de serviço de telecomunicações possam pretender. A regulação superveniente deverá dispor sobre as limitações decorrentes a que essas delegatárias se submetem e, sobretudo, deverá dispor sobre um sistema claro de responsabilização desses agentes contra 50 Lamin, Hugo. Medição Eletrônica em Baixa Tensão: aspectos regulatórios e recomendações para implementação. Tese de Dissertação de Mestrado em Engenharia Elétrica, Faculdade de Tecnologia. Brasília: Universidade de Brasília, 2009. 42 quaisquer abusos. Novas produções acadêmicas poderiam identificar as normas aplicáveis a essas hipóteses, discutindo, dentre outros: • a aplicabilidade do artigo 140 da Resolução Normativa ANEEL no 414, de 9 de setembro de 2010 (“a distribuidora é responsável (...) pelas informações necessárias à defesa de interesses individuais, coletivos ou difusos”) como mecanismo de responsabilização das distribuidoras sobre abusos que cometerem sobre as informações de consumo; • a incidência hipotética do vindouro Marco Regulatório Civil da Internet sobre as prestadoras de serviço de telecomunicações que atuarem como prestadoras de serviço de Power Line Communications, especificamente no que diz respeito à privacidade dos ‘usuários’, guarda de logs de navegação (consumo) e mecanismos de responsabilização dos intermediários; • a aplicabilidade genérica de institutos tais como a responsabilização objetiva nessas hipóteses e a necessidade de regulação complementar, via lei ordinária ou Resolução Normativa da Agência Nacional de Energia Elétrica e Agência Nacional de Telecomunicações para a tutela complementar da privacidade dos usuários de energia elétrica. b. Reforma Tarifária do Setor Elétrico A alteração da estrutura tarifária vigente exigirá mais do que técnicas contábeis capazes de estabelecer uma maior aproximação do preço pago pelo consumo e os custos instantâneos de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. A tarifa paga pelo serviço de energia elétrica deve cumprir uma função pública, que é expressa pelas políticas setoriais expressas em normas ou em programas do poder Executivo. Assim, além de estudos sobre as normas que disponham sobre a tarifação de “serviços públicos” em gênero e de serviços de energia em espécie, faz-se necessário um estudo sobre o conteúdo normativo das funções públicas a que se prestam as tarifas de energia elétrica, assim como sobre as formas de compatibilizar essas funções públicas com os benefícios da tarifação dinâmica. c. Comercialização de Energia Elétrica pelos Consumidores Postulada a centralidade do indivíduo na redefinição do núcleo essencial dos serviços de energia elétrica, resta saber quais as formas a partir das quais ele pode exercer um papel de protagonista na comercialização de energia (seja a produzida por geração distribuída, 43 seja a estocada nos momentos de menor cotação do quilowatt). A tarefa aqui proposta é menos de análises da atual legislação (centrada na racionalidade do setor tradicional de energia elétrica, que vê o consumidor como mero sujeito passivo) e mais de estudo das atualizações regulatórias que poderiam ser feitas para autorizar operações tais como: • A comercialização, pelos consumidores, da energia elétrica produzida ou estocada para as distribuidoras de energia; • A comercialização de energia elétrica entre unidades residenciais, remunerando-se, conforme o caso, as distribuidoras pelo uso da rede; • A participação da geradora virtual de energia, composta pela potência coordenada de microgerações distribuídas, em leilões de energia. 7. CONCLUSÕES O setor regulado de energia elétrica se depara com um conjunto tecnológico capaz de promover eficiência energética, disseminar o uso de fontes renováveis de energia, incrementar os instrumentos de monitoramento e fiscalização da rede e, talvez mais fundamentalmente, tornar o padrão de consumo de energia elétrica sensível a variações instantâneas dos custos de geração de energia e adaptável a perfis distintos de usuários do serviço. Tendo como bases tecnológicas o sensoriamento (smart metering), as telecomunicações (PLC, GPRS, etc) e processamento de dados (tecnologias de informação e comunicação – TICs), o smart grid insere os serviços de energia elétrica na era digital. A sua implementação traz o desafio de atualização do arcabouço regulatório brasileiro, hoje calcado na lógica unidirecional que, há muito, rege a indústria analógica de energia elétrica. A oportunidade que se tem é a de redimensionar o núcleo essencial dos serviços de energia elétrica tendo como parâmetro o postulado da centralidade do indivíduo nesse novo setor regulado, que agora passa a ter meios de estipular padrões de consumo e geração distribuída que reflitam suas escolhas de ordem político-econômica a respeito, por exemplo, da composição final de parcela da matriz energética brasileira. Essa possibilidade de adoção de uma postura pró-ativa, mais que reativa, por parte dos usuários finais de energia também traz consigo as discussões sobre a responsabilidade social do indivíduo pelos padrões de consumo que adota, fazendo-se cogitar sobre funcionalizações da energia elétrica. 44 Em comunicação imediata com os novos usuários, as distribuidoras de energia elétrica tenderão ao exercício de novas atividades que até então não eram tidas como constitutivas do serviço que prestam. A pouco e pouco, essas atividades poderão deixar de ser as de atendimento da carga do seu mercado, podendo vir a ser as de fornecimento apenas da carga que os usuários ‘optam’ contratar da distribuidora, na medida em que passam a poder comercializar carga com unidades residenciais adjacentes ou mesmo na medida em que passam a adotar geração distribuída em escala. Com a convergência de infra-estruturas expressa na informatização da rede, também passa-se a discutir interfaces entre serviços tradicionais de distribuição de energia elétrica e serviços de telecomunicações e processamento de dados. O estado da arte da regulação de smart grid no Brasil avança de forma bastante tímida. Uma transformação tecnológica setorial capaz de protagonizar o indivíduo como agente e ainda subverter as noções tradicionais dos serviços subjacentes logo faz surgir a necessidade de que se identifiquem quais são as específicas motivações nacionais para a sua implementação e quais são as formas de expressar tais motivações em um projeto público superior, que atue no sentido de realização de liberdades e garantias constitucionais. Em outros termos, cumpre identificar que apropriações discursivas os atores públicos se permitem realizar a respeito dessa transformação que opera em um setor regulado tão integrado a temas da agenda política: desigualdades regionais, crescimento econômico sustentável, escassez de recursos naturais, impactos ambientais pela expansão do parque gerador, dentre tantas outras. O que se propôs foi uma análise descompromissada de algumas normas gerais aplicáveis ao setor de energia, para que se pudesse extrair delas parâmetros capazes de nortear a construção de um marco regulatório nacional compatível com a adoção de redes inteligentes. In casu, os parâmetros gerais para a indústria da energia vêm expressos pelo binômio ‘aproveitamento racional dos recursos energéticos’ (art. 1º da Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997) e ‘busca de serviço adequado’ (art. 6º da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995). Mais adiante, abordou-se a problemática jurídica da geração distribuída em escala residencial, com destaque à vedação a contrario sensu da sua comercialização (art. 14 do Decreto no 5.163, de 30 de julho de 2004). A redação dos dispositivos vigentes, retratando a dinâmica e a técnica tradicionais da indústria energética, não reconhece o consumidor como 45 agente capaz de também gerar, armazenar e articular cargas de forma a emancipar-se do fornecimento central das distribuidoras. Essa vedação desautoriza o consumidor a vender energia à rede, desautoriza grupos de consumidores a coordenar suas microgerações distribuídas para emular a geradora virtual de energia, e desautoriza o sistema a gerar circuitos locais de energia, microgrids, que se fizerem necessário para manter o serviço adequado. Essa emancipação do usuário, aliada à redefinição dos serviços de distribuição, levou à análise do art. 4º da Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995, que indicou limites materiais e formais à prestação de novas formas de serviços de distribuição de energia. Contudo, ainda que vedada a comercialização de energia produzida por geração distribuída em escala residencial – do lado do consumo – e o desenvolvimento de atividades estranhas ao objeto da concessão, permissão ou autorização – do lado da distribuição –, as próprias normas que, por um lado restringem, pelo outro sinalizam instrumentos para a atualização regulatória. Assim é que uma eventual alteração do Decreto no 5.163/2004, autorizando a comercialização da energia produzida por geração distribuída em escala residencial revela-se compatível com o critério que já vem sendo adotado para reconhecer e beneficiar os demais empreendimentos que adotam o mesmo processo de geração energética. De forma similar, assim é que o poder concedente, ainda que sem uma clara disposição legal acerca dos novos serviços de energia, pode articular os parâmetros já existentes para a indústria da energia e discriminar, nos respectivos contratos de concessão, novas atividades que se façam desejáveis. Seja como for, no atual estágio da indústria energética, a adoção do smart grid em qualquer país parece ser um caminho inevitável caso se opte por uma rota de desenvolvimento econômico que atenda aos imperativos de competitividade industrial, uso racional dos recursos naturais, eficiência energética e responsabilização social do indivíduo pelo consumo de energia. A distinção e a vanguarda regulatória, tecnológica e econômica será, inquestionavelmente, mérito daqueles Estados que melhor articularem seus atores públicos e privados rumo à atualização da racionalidade e práticas subjacentes dos seus setores energéticos. 46 8. AGRADECIMENTOS Agradecemos ao Instituto Acende Brasil pela oportunidade de participar do curso “Smart Grid: Conceitos, Oportunidades e Tendências”, realizado no Rio de Janeiro ao longo do dia 19 de fevereiro de 2011. 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Aranha, Márcio Iório (Org.); Lima, João Alberto de Oliveira (Org.). Coletânea de Normas e Julgados de Telecomunicações: Lei Geral de Telecomunicações referenciada. Brasília: Grupo de Estudos em Direito das Telecomunicações da Universidade de Brasília, 2009. 2. Blake, Mariah. Grid unlocked. In: Washington Monthly, Can Washington Power Up American Inventiveness? A special report on entrepreneurship. Maio-junho de 2009. 3. Brasil. Plano Nacional de Energia 2030. Brasília: Ministério de Minas e Energia e Empresa de Pesquisa Energética, 2007. 4. Brown, A. and Salter, R. Smart Grid Issues in State Law and Regulation. Galvin Electricity Initiative and Harvard Electricity Policy Group, 45-89, 2010. 5. European Union. Directive 2006/32/EC of the European Parliament and of the Council on energy end-use efficiency and energy services. In: Official Journal of the European Union, 2006. 6. European Union. A resource-efficient Europe - Flagship initiative under the Europe 2020 Strategy. Communication from the Comission to the European Parliament, the Council, the European Economic and Social Committee and the Committee of the Regions, 2011. 7. Fox-Penner, Peter. Smart power: climate change, the smart grid, and the future of electric utilities. Island Press, 2010. 8. Galvin, Robert; Yeager, Kurt. Perfect Power: how the microgrid revolution will unleash cleaner, greener, and more abundant energy. McGraw-Hill, Inc, 2009. 47 9. Gifford, Raymond; Peters, Adam. Power Gridlock. In: Progress Snapshot Release 3.1. Janeiro de 2007. 10. Goswami, D. and Jain, D. Infrastructure Convergence: Tapping Smart Grids for Renewing Growth in the Indian Telecoms Sector. In: 5th Communication Policy Research South Conference (CPRsouth5), Xi’an, China. Dezembro de2010. 11. Hamilton, Bruce; Summy, Matthew. Benefits of the Smart Grid: part of a long-term economic strategy. In: IEE Power & Energy Magazine, ‘In My View’ section, janeirofevereiro de 2011. 12. Itália. Relazione Annuale Sullo Stato dei Servizi e Sull’Attivittà Svolta – Presentazione del Presidente Alessandro Ortis. Autorità per l’energia elettrica e il gas, Roma, 23 de junho de 2005. 13. Itália. Relazione Annuale Sullo Stato dei Servizi e Sull’Attivittà Svolta – Presentazione del Presidente Alessandro Ortis. Autorità per l’energia elettrica e il gas, Roma, 2006. 14. Kim, Jinho; Park, Hong-Il. A National Vision: policy directions for the smart grid in Korea. In: IEE power & energy magazine, janeiro-fevereiro de 2011. 15. Lamin, Hugo. Medição Eletrônica em Baixa Tensão: aspectos regulatórios e recomendações para implementação. Dissertação de Mestrado em Engenharia Elétrica, Faculdade de Tecnologia. Brasília: Universidade de Brasília, 2009. 16. Loureiro, Luiz Gustavo Kaercher. Premissas para uma leitura integrada da indústria da energia na Constituição e para identificação de uma política energética constitucional – a propósito dos arts. 173 e 175 da Carta. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Direito Público, ano 8, n. 29, abr. 2010 17. McDaniel, Patrick; McLaughlin, Stephen. Security and Privacy Challenges in the Smart Grid. In: Secure Systems, maio-junho de 2009. 18. Quinn, Elias Leake. Privacy and the New Energy Infrastructure. In: Center for Energy and Environmental Security Working Paper No 09-001, 2008. 48 19. Tomain, Joseph P. Steel in the Ground – greening the grid with the iUtility. In: Public Law & Legal Theory Research Papers, no 10-05, University of Cincinnati College of Law, 2009. 20. United Nations, The Energy Challenge for Achieving the Millenium Development Goals, 2005. 21. United States. NIST Framework and Roadmap for Smart Grid Interoperability Standards. National Institute of Standards and Technology, Setembro de 2009. 49