Sagaran
a
Guimarães Rosa
"Lá em cima daquela
serra,
passa boi , passa
boiada,
passa gente ruim e boa
passa a minha
O livro principia por uma epígrafe, extraída de uma quadra de desafio, que sintetiza os
elementos centrais da obra : Minas Gerais, sertão , bois vaqueiros e jagunços , o bem e
o mal.:
O título
O título do livro, Sagarana, remete-nos a um
dos processos de invenção de palavras mais
característicos de Rosa- o hibridismo. Saga é
radical de origem germânica e significa "canto
heróico", "lenda" ; rana vem da língua
indígena e quer dizer "à maneira de " ou
"espécie de “.
Contos
•O Burrinho Pedrês;
•A volta do marido pródigo,
•Sarapalha;
•Duelo;
•Minha Gente;
•São Marcos;
•Corpo Fechado;
•Conversa de Bois;
•A hora e vez de Augusto Matraga;
Características
da
obra
•Linguagem
Guimarães Rosa cria neologismos em Sagarana,
utilizando-se de palavras formadas por derivações sufixal,
prefixal, parassintética e também por abreviação, composição
aglutinada e composição justaposta. A obra é repleta de
neologismos que se sobressaem em composições e derivações
novas, além “de novos tipos de construção frasal.
•Fabulação
Suas narrativas, repletas de incidentes, casos fantásticos e
imaginários, contém às vezes mais de uma “história”
dentro da “história”. De um modo geral, esses casos
secundários são postos em função do principal: têm a
finalidade de comprovar ou preparar terreno para a
história principal.
•Espaço e
personagens
Em carta a João Conde, Guimarães Rosa revela que
Sagarana se passaria no interior de Minas Gerais, na
paisagem das fazendas e vaqueiros (mundo da infância e
juventude do autor) .
As histórias são ligadas entre si pelo espaço em que
acontecem, e captam os aspectos sociais, físicos e
psicológicos do homem interiorano.
•Provérbios e quadras
É outra característica do estilo rosiano que
evidencia um gosto bem popular: o gosto por
ditados e provérbios, além das quadrinhas que
harmonizam as noites sertanejas, sob um céu
palpitante de luar e de estrelas que pululam
encantadas dos sons gotejantes das melodias
populares.
•Narração
Os contos O Burrinho Pedrês, A Volta do Marido
Pródigo, Sarapalha, Duelo, Conversa de bois e A hora e vez
de Augusto Matraga são narrados em terceira pessoa.
Já nos contos São Marcos, Minha Gente e Corpo
Fechado o narrador aparece em primeira pessoa, foco
narrativo ilumina os passos do protagonista, mas também
revela certas sutilezas que servem para esclarecer o sentido
mais profundo da história.
Análise dos contos
O
BURRINHO
PEDRÊS
Resumo:
Sete de Ouro, um burrinho já idoso é escolhido para servir de montaria num
transporte de gado. Um dos vaqueiros, Silvino , está com ódio de Badu , que
anda namorando a moça que ama. Corre o boato entre os vaqueiros, de que
Silvino pretende vingar-se do rival.
De fato Silvino atiça um touro e o faz investir contra Badu que , porém,
consegue dominá-lo. Continua a murmúrio de que Silvino vai matar Badu.
No caminho de volta, este , bêbado , é o último a sair do bar e tem que
montar no burro. Anoitece e Silvino revela a seu irmão o plano de morte.
Contudo, na travessia do Córrego da Fome, que pela cheia transformara-se
em rio perigoso, vaqueiros e cavalos se afogam . Salvam-se apenas Badu e
Francolim , um montado e outro pendurado no rabo do burrinho.
Estudo do conto:
O autor procura mostrar, tendo como pano de fundo o
mundo dos vaqueiros, que todos têm a sua hora e sua vez de
ser útil. É um conto que metaforiza a experiência da velhice e
transforma um animal em herói. "Sete de Ouros", burro velho e
desacreditado, personifica a cautela, a prudência e a muito
mineira noção de que nada vale lutar contra a correnteza. E
dessa forma simples o autor tenta expressar a realidade, a qual
muitas vezes desvalorizamos aqueles que julgamos não serem
espertos. Somos preconceituosos, pois a figura de um burro é
usada em nossa sociedade, desde muito tempo, para
caracterizar as pessoas, que não possuem tanto conhecimento.
Guimarães acaba por desmentir essa realidade, através do
conto.
Duelo
Resumo
-Turíbio é traído pela mulher com o ex-praça
Cassiano Gomes.
-Turíbio quer vingar-se mas mata por engano o
inocente irmão de Cassiano.
-Cassiano persegue Turíbio durante meses
-Turíbio vai para São Paulo.
-Cassiano morre do coração, por ter exigido demais
de si mesmo durante a perseguição.
-Antes de morrer contrata os serviços de um
caboclo que lhe devia favores, um tal Timpim Vintee-um.
-Ao voltar de São Paulo, acompanhado por um
sujeito franzino, ansioso para rever a mulher é
assassinado pelo acompanhante que era o próprio
Timpim que o acompanhava para ter certeza da
identidade da vítima.
Estudo do conto
Neste conto o autor caracteriza bem as personagens, dando
mostras de que é um profundo conhecedor da alma humana. É
interessante a forma com que ele as nomeia e apelida, nos remetendo a
maneira simples de muitas pessoas tratarem umas às outras e também
o uso do exagero, para exaltar as características da personalidade de
cada uma.
A narrativa é feita em terceira pessoa e com narrador onisciente,
que além de saber o que se passa na mente de cada um dos
integrantes do conto, manifesta sua opinião em dadas situações e
conversa com o leitor em outras. Não é determinado o tempo gasto para
o desenvolvimento de toda trama, mas acredita-se ser um tempo de
média à longa duração. O humor está presente no conto , como um
recurso para atrair o interesse do leitor e agradá-lo.
O título é uma particularidade, pois devemos entender que duelo
nesse caso se revela como a luta entre o fraco e o forte, sendo sempre
vencida pelo fraco de modo covarde, e não no sentido literal da palavra.
Visão de mundo do autor
João Guimarães Rosa, possuía uma grande visão
cosmopolita, por ser diplomata, e sua grande cultura em
geral, inclusive falava vários idiomas fluentemente, e por
ter nascido no interior de Minas Gerais e posteriormente ter
conhecido diversas regiões do Brasil, pode construir uma
obra bastante fiel à realidade e envolvente e, além disso,
poética. Guimarães nunca foi um autor estritamente
regionalista, seu vocabulário é universal. A leitura de
Sagarana mostra a coexistência das expressões sertanejas,
dos termos eruditos, de expressões técnicas e científicas. E,
principalmente de palavras e modalidades de locução que
ele mesmo inventava. Por esse motivo sua obra, com um
todo, é muito especial.
Conclusão
O livro Sagarana nos leva à importantes reflexões, a partir de
textos simples que o autor construiu com base em uma linguagem
inovadora, com todos os seus neologismos, no entanto rica. É
também , uma mistura de realidade, ficção, fantasia e muita
imaginação, por meio de mitos, do imaginário popular, folclore e
toda a beleza da cultura popular.
O livros apesar de ter sido escrito há muito tempo, se revela
atual diante das questões abordadas.
O autor conseguiu comprovar sua genialidade ao tratar de
questões simples com tamanha magia que nos envolve durante a
leitura e leva nossa imaginação a criar e recriar novos mundos.
"Quando escrevo, repito o
que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um
léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de
ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco.
Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os
grandes rios,
pois são profundos como a
alma de um homem.
Na superfície são muito
vivazes e claros,
mas nas profundezas são
tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos
homens."
João Guimarães Rosa
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