A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO E SUA INFLUÊNCIA NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NO ENSINO MÉDIO Leticia Caroline de Oliveira1 Rosecler Vendruscolo2 Vanessa Schivinski Mamoré3 Lauro Rafael Cruz4 Eixo Temático: A docência na escola e na formação de professores Resumo O presente trabalho tem como objetivo geral refletir sobre a relação professor-aluno, baseado em acontecimentos observados na disciplina de Educação Física no Ensino Médio da Escola Estadual Professor Teobaldo Leonardo Kletemberg. Trata-se de um relato de experiência resultante da iniciativa do subprojeto denominado “A perspectiva da cultura corporal em distintos contextos da formação docente na Educação Física escolar” do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), do Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Paraná. A inserção na escola acompanhando a professora desta disciplina - seja observando, auxiliando na rotina, na organização das atividades coletivas nos permitiu olhar de forma mais apurada sobre o desenvolvimento das aulas de Educação Física e identificar uma dificuldade: uma parte dos alunos insiste em jogar futsal e não aceita conhecer novos conteúdos. Então, tomando por base a perspectiva da cultura corporal, o ensino e o aprendizado de outras manifestações corporais têm sido visto com um dos maiores desafios neste contexto da Educação Física. Essa preocupação não está desvinculada ao entendimento do professor como o mediador, aquele que deve ter uma relação empática com seus alunos, e capacidade de ouvir, refletir, discutir o nível de compreensão dos mesmos e da criação das pontes entre o seu conhecimento e o deles. Nesse papel, o docente tem o desafio de estimular novas aprendizagens entre os alunos e, particularmente, nas aulas de Educação Física, fazer com que os mesmos percebam que não existem apenas os esportes hegemônicos e que outras possibilidades de práticas corporais sistematizadas podem ser tão ou mais interessantes. Contudo, tornar a escola um lugar agradável para aprendizagens significativas não depende somente do trabalho do professor e sua disciplina, é preciso uma participação efetiva e conjunta de outros funcionários da escola e professores, da família e dos alunos. Estas são as primeiras constatações deste estudo, em fase de desenvolvimento, sobre a relação-professor nas aulas de Educação Física. Palavra chave: Relação Professor-aluno. Aulas de Educação física. Práticas corporais. 1 Universidade Federal do Paraná, Licenciatura em Educação Física, [email protected]; 2 Professora Doutora, Universidade Federal do Paraná, [email protected]; 3 Professora da Rede Estadual de Ensino do Paraná, PIBID/CAPES, [email protected]; 4 Universidade Federal do Paraná, Licenciatura em Educação Física, [email protected]. PIBID/CAPES, PIBID/CAPES, 1 Introdução O estudo tem como objetivo geral apresentar reflexões sobre a relação professoraluno analisando acontecimentos observados nas aulas de Educação Física do ensino médio de uma escola pública. A inserção nesta escola ocorreu a partir de agosto de 2015 pelo subprojeto “A perspectiva da cultura corporal em distintos contextos da formação docente na Educação Física escolar” do Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID) relacionado ao curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR). A formação inicial do docente, foco principal deste programa, desenvolve-se prioritariamente pela inserção do acadêmico no cotidiano da escola e nesse contexto, o mesmo passa por um processo inicial de observação e posteriormente auxilia o/a professor(a) supervisor do referido subprojeto PIBID em intervenções nas aulas de Educação Física, na Escola Estadual Professor Teobaldo Leonardo Kletemberg. O processo de acompanhamento nas aulas da professora desta disciplina nos permitiu olhar de forma mais apurada em relação à intervenção educativa e identificar uma dificuldade: uma parte dos alunos insiste em jogar futsal e não aceita conhecer novos conteúdos propostos a partir da perspectiva da cultura corporal (SOARES et al., 1992). Então, a prática e a reflexão sobre outras manifestações corporais no processo de ensino-aprendizagem sistematizado na disciplina com base nessa perspectiva pedagógica/metodológica têm sido vistas com um dos maiores desafios enfrentados pela professora e os alunos que participam do programa PIBID, junto a ela. Entre os professores de Educação Física uma parcela encontra-se descontente com sua profissão e, portanto, observa-se o abandono do trabalho docente e o desinvestimento pedagógico (FRAGA, BESS; CÉSARE, 2015). Esse abandono dos afazeres docente tem sido relacionado a vários fatores, um deles é o alto nível de indisciplina nas aulas, o desrespeito do aluno com o professor de Educação Física e, consequentemente, a falta de reconhecimento do mesmo. Essa realidade parece comprometer seriamente a relação entre o professor e o aluno, a qualidade da aula e o interesse dos alunos pela mesma. Nesse sentido, com base na experiência de formação inicial e continuada da docência proporcionada pela parceria entre a universidade e a escola por meio do programa PIBID, buscamos compreender como a relação professor-aluno se manifesta no desenvolvimento de uma proposta de trabalho no contexto educacional mencionado, a luz de saberes docentes mobilizados em sua prática a partir de uma proposta de trabalho e do comportamento dos sujeitos desse processo educativo. Relação professor-aluno Em um contexto geral, a relação professor-aluno, seja em escolas públicas ou particulares, influencia em diversos fatores o processo de ensino e aprendizagem, principalmente na aquisição de conhecimentos por parte do aluno. O planejamento de ensino e a didática, e mais especificamente a exposição de conteúdos e os recursos utilizados, servem como base para facilitar o aprendizado dos mesmos. Diante desse fato, uma pergunta recorrente é: qual(is) o(s) fatore(s) que mais influencia(m) o aprendizado significativo por parte dos alunos? A fim de contextualizar a pergunta acima, visualizamos que o ensino vai muito além de apenas organizar e expor conteúdos. Se o professor focar apenas em passar o conteúdo e 2 esperar que o aprendizado aconteça, pode lhe restar a frustração. Existe uma série de condicionantes, condições e recursos envolvidos nesse aprendizado, e principalmente, por lidar com os alunos falantes, conforme Tardif (2014), o professor precisa desenvolver comportamentos que sejam relevantes para os mesmos. Logo, uma condição central do processo de ensino-aprendizagem é a interação entre professores e alunos. Conforme nos fala Müller (2002), essa relação não pode ser desvinculada das normas da instituição de ensino e de seu programa de trabalho e do grupo de sujeitos envolvidos nessa realidade educacional. Sendo assim, surge um conflito que merece ser reflexão: Como podemos construir uma relação de ensino-aprendizagem nas aulas de Educação Física que se baseia na diversidade de classes sociais, de culturas, de valores e objetivos? Descreveremos brevemente o contexto educacional no qual convivemos para entender um pouco essa preocupação, trata-se de uma escola em um bairro mais carente, com uma classe social mais baixa e com realidades culturais diferentes. Citamos a seguir alguns exemplos de observações que retratam o que mencionamos acima. Existiram alguns momentos em que perguntamos, em conversas espontâneas, para os alunos o que eles achavam da escola e quais eram suas intenções depois de sair daquele ambiente, vários responderam que não gostavam da escola, avaliaram como chata ou não gostavam de seus colegas. Eles ainda assumiam que não gostavam, por exemplo, da matéria ou dos professores, e por isso não se esforçavam. Uma das explicações para essa percepção dos alunos pode ser a fase em que se encontram, pois a maioria dos alunos nessa idade é adolescente e, normalmente, passam por conflitos interiores e de autoafirmação (MÜLLER, 2002), o que, ao se somar a sua condição sociocultural e a seus gostos, pode estar dificultando sua identificação com os valores escolares. Também constatamos que essa situação de conflito acaba influenciando em um encaminhamento ao ensino superior, vários alunos não pretendiam ingressar em uma universidade, apenas um aluno nos disse que queria prestar vestibular para medicina e por isso mudaria de escola no próximo ano. Essas declarações foram mencionadas tendo em vista que o ensino médio tem um direcionamento para a futura atividade profissional ou para a continuidade dos estudos no ensino superior e este último não parece estar entre as preocupações destes alunos. Além disso, ao ler vários textos de alunos sobre as práticas que ocorreram nas aulas de Educação Física podemos notar que a maioria estava com muitos erros de ortografia ou eram textos bem curtos, sem progredir no assunto, mostrando uma dificuldade na escrita. Esses dados parecem demonstrar uma dificuldade da escola em revelar-se como uma possibilidade de preparação dos cidadãos e como um meio para a mudança de nível social, a partir da formação que recebe e que no futuro pode ser o diferencial para sua vida. Nas palavras se Müller (2002, p. 276), significa que “A escola, como um todo, passa por uma crise de sentido: os alunos não sabem por que vão a ela, a falta de significação do que é estudar, a evasão, a reprovação e a violência que existem nas mais diferentes formas acabam por transformar esta relação professor-aluno ainda mais conflitante e difícil de ser trabalhada.” Esse panorama da escola incide fortemente na Educação Física escolar. Aqui retomamos a nossa questão principal, o olhar para o aluno, seus interesses e expectativas, assim como para as suas dificuldades nas aulas de Educação Física. Acreditamos, a partir da proposta dimensionada pela perspectiva da cultura corporal, que será 3 necessário um maior envolvimento do professor, priorizando e valorizando o aluno no processo educacional. Nesse sentido, a relação professor-aluno, por se tratar de uma relação humana, poderá ser entendida como parte desse processo de compromisso com a qualidade do ensino e da aprendizagem. E a Educação Física poderá contribuir para a valorização da escola de tal forma que possa atingir seu papel socializador e didático. Saberes do docente O professor que está aberto às novas experiências, sentimentos e problemas de seus alunos, bem como demonstra carinho e afetividade nas palavras ditas ao mesmo, pode auxiliar e confortar quando este necessita adaptar os conhecimentos recebidos, sem que haja repulsão ao conteúdo apresentado, ou até mesmo ao próprio ato de aprender algo novo. No contexto escolar que estamos inseridos, por exemplo, o desafio do professor para com os alunos do ensino médio nas aulas de Educação Física é fazer com que os mesmos reflitam sobre o fato de que não existem apenas os esportes hegemônicos e que outras possibilidades de práticas corporais sistematizadas podem ser tão ou mais interessantes tem sido uma constante nas aulas. Nesse sentido, o esforço na direção de proporcionar elementos da cultura corporal aos jovens, contempla os seguintes conteúdos: handebol (a maioria dos alunos não conhecia, nem ao menos um mínimo contado), basquete (a maioria dos alunos não sabe jogar também e diz que é chato e não gosta), futsal de forma adaptada (a grande maioria dos alunos participa e a parte da Educação Física que mais agrada), punhobol (a grande maioria não participou por querer vôlei e em um contexto geral os alunos reclamaram muito por achar chato) e a corrida de orientação (muitos alunos gostaram e participam da prática). Estamos em andamento com outros conteúdos e objetivos de aula, como as ginásticas, tentando levar ginásticas circenses e acrobáticas para atrair os alunos, até o momento os mesmos têm gostado muito dessas práticas e têm participado mais se comparado aos esportes, mas mesmo assim uma parte dos alunos ainda insiste em jogar futsal e não aceita conhecer novas práticas. Logo, essa situação conflitante de negação aos conteúdos planejados e postos em prática, passa pela avaliação entre os alunos do não gostar do que faz ou considerar chatas as atividades. Então, compreendemos que desenvolver o gosto em aprender novas prática nas aulas de Educação Física não é algo simples, mas, sim, um desafio que exige esforço contínuo e a longuíssimo prazo. Por meio de uma pergunta em que os alunos5 deveriam escrever sobre como eles estavam percebendo a relação entre eles e a professora no desenvolvimento dos conteúdos, verificamos que uma minoria destes alunos (3) declara que a interação com o professor não é boa porque há uma cobrança para que todos os alunos devam fazer as atividades e que muitos não as realizam como podemos ver nos trechos abaixo: Acho que cada vez pior, pois os professores acham que todos devem fazer as atividades, então acho bem ruim a relação dos professores e alunos (Aluna Lucia). 5 A pergunta foi realizada pela acadêmica bolsista durante as aulas de Educação Física. A professora responsável pelas aulas não teve contato com os alunos nesse momento de coleta das opiniões destes discentes. Também, esclarecemos que os alunos não precisavam se identificar e estavam cientes que seria incluído em um trabalho de relato de experiência. 4 Acho que está indo de mal a pior, já que a maioria dos alunos não se importa com o que é passado nas aulas dessa matéria (Aluno João). Contudo, a maioria (81) dos alunos declarou achar a relação boa, uma vez que há maior interação que em outras disciplinas e também respeito, ajuda, paciência e amizade. Vejamos alguns recortes dos escritos nesse sentido: Depende muito da proposta de aula, às vezes acontecem discussões sobre o que queremos e chegamos a um acordo, isso é bem importante para que a relação entre nós seja boa (Aluna Maria). Uma relação boa, pois aprendemos coisas diferentes, exploramos a educação física, não é só jogar bola, e nosso professor mostra isso (Aluno Marcos). É ótima a relação com os professores e aprendemos coisas novas e diferentes. Esse ano aprendemos coisas inovadoras (Aluna Carla). Como apontamos acima, o professor como o mediador de todos esses momentos e fatores, pode tentar criar pontes entre o seu conhecimento e o deles a partir de uma relação empática com seus alunos e de sua capacidade de ouvir, refletir, discutir o nível de compreensão dos mesmos (BARBOSA, 2011). Também, reforçamos que para ensinar o aluno a gostar de um conteúdo específico precisa-se estar atento à metodologia de ensino que busque a participação ativa, crítica e reflexiva destes nas aulas. Nesse sentido, o professor deixa de ser o “dono do saber” e passa a ser um mediador, alguém que acompanha e participa do processo de construção e das novas aprendizagens do aluno em seu processo de formação, por exemplo, ainda que o professor necessite atender um aluno em particular, a ação estará direcionada para a atividade de todos os alunos em torno dos mesmos objetivos e do conteúdo da aula. Dessa forma, o professor aprende que para exercer sua função precisa combinar autoridade, respeito e afetividade (BARBOSA, 2011). Esses desafios fazem parte da educação e do papel do professor, pois educar, de acordo com Barbosa (2011, p. 3), é “proporcionar ao aluno conhecer a si próprio, leva-lo à consciência de poder ser mais, reconhecendo que é chamado a encontrar-se no mundo com o outro e não mais solitário em seu ‘mundo’”. Portanto, o professor, o mediador, deve estar atento a todos os elementos necessários para que o aluno aprenda e se desenvolva em todas as suas potencialidades. Por outro lado, é importante destacar que uma boa qualidade de atuação da escola não pode exclusivamente depender da vontade de um e outro professor. É necessária a participação efetiva e conjunta da escola, da família, do aluno e de outros profissionais ligados à educação. Considerações finais Refletir acerca da relação professor-aluno empreendida em aulas de Educação Física do ensino médio de uma escola pública foi o objetivo principal desse estudo. A proposta 5 dimensionada para as aulas com base na perspectiva da cultura corporal compreende uma seleção de conteúdos e uma metodologia de ensino que não era a prática recorrente na escola. Visualizamos, então, uma negação da prática dos conteúdos por parte dos alunos e por outro lado, no olhar da professora, a necessidade de pensar estratégias para ampliar o gosto por outras práticas nas aulas de educação física. Logo, a prática de ensino da professora de Educação Física tem materializado algumas mudanças, ela tem tentado desenvolver conteúdos diferenciados de esportes, direcionando para o trabalho com ginástica, lutas, jogos e danças dentre outros elementos da cultura corporal. Muitas vezes para manter uma relação boa com os alunos, professores praticam apenas futsal e vôlei, pelo fato de os alunos gostarem mais, e os que não gostam acabam sem fazer nada na aula. Mas este não é o caso da professora que estamos acompanhando por meio do subprojeto referido. A tentativa de mudança na prática tem gerado conflitos e negociações constantes com os alunos, e essa situação, parece implicar em uma relação em que a grande maioria dos deles a considerou boa. O compromisso com a qualidade do ensino e a preocupação com aprendizagem dos alunos repercute na relação do professor com os mesmos, essa interação põe os professores diante da disposição para compreender as particularidades destes e seus contextos situacionais. Também, com base na expectativa didático-pedagógica dimensionada na perspectiva da cultura corporal, o aluno é visto como indivíduo ativo no processo ensinoaprendizagem. Dessa forma, o docente estará cumprindo o papel de mediador realizando mais que o simples passar o conteúdo. O professor ao ponderar, enquanto profissional da educação ou acadêmico que almeja iniciar a carreira docente, que não é melhor que ninguém, e que deve sempre aprender seja com outros professores ou até mesmo com os alunos. Assim, uma prática educativa que auxilie o desenvolvimento de alunos críticos-reflexivos, pautada na construção do conhecimento compartilhado, é um desafio que precisa pouco a pouco ser conquistado e por meio do contexto do trabalho olhar e perceber os obstáculos como possibilidades de construção do novo. Também, não podemos deixar de mencionar que, de acordo com Barbosa (2011), para que essas mudanças aconteçam e a escola consiga ser valorizada, é necessário que todos caminhem juntos (gestores, professores, alunos, pais e sociedade), educando para um mundo mais igual e cumprindo assim um dos papéis mais importante na educação: formar seres que possam refletir sobre tudo. Por fim, cabe esclarece que o objetivo não era criar possíveis métodos de ensino, mas relatar acontecimentos e colocar questionamentos acerca de um processo: o aprendizado, sob o viés das relações humanas professor-aluno e dessas relações com a Instituição escolar. Referências BARBOSA, R. M. Qual a importância da relação professor-aluno no processo ensinoaprendizagem? EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, ano 16, n. 160, p. 1-11, Septiembre de 2011. http://www.efdeportes.com/. 6 FRAGA, A. B.; DESSBESEL, G; CÉSARO, H. L. Educação Física: um filme chileno sobre a estética do abandono. Revista Movimento. Porto Alegre, v. 21, n. 03, p. 847-852, jul/set. de 2015. MÜLLER, L. de S. A interação professor-aluno no processo educativo. Revista Integração Ensino-Pesquisa-Extensão. São Paulo, ano VIII, n. 31, p. 276-279, Novembro/2002. SOARES et. al. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992. TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2014. 7