O PAPEL DA FAMÍLIA NO DESENVOLVIMENTO DO HÁBITO DE LEITURA: PERSPECTIVAS NA FORMAÇÃO DOCENTE Gabriela Rodrigues Garcia de Lima* Rafael Bianchi Silva** RESUMO Este artigo nasce de uma pesquisa de conclusão de curso de Pedagogia. O interesse pelo tema nasceu de uma experiência de estágio na qual pode-se observar que os pais de um aluno se recusaram a colaborar com o filho em uma atividade de leitura alegando não terem tempo para isso. Surgiu a curiosidade de investigar como os futuros docentes estão sendo preparados para trabalhar com a parceria da família nesta fase de desenvolvimento do hábito de leitura da criança. Como objetivo principal, pretendeu-se diagnosticar como os alunos em formação docente acreditam que pode ser trabalhada essa parceria com a família, como estão sendo preparados para mediar essa relação e se consideram necessário melhor preparo para trabalhar com este processo em sala de aula. Para isto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica na qual foi discutida a relação família-escola, a importância do hábito de leitura e as influências que a família exerce na criança para desenvolver tal forma de conduta. Posteriormente realizou-se pesquisa de campo na forma de entrevista semi-estruturada, na qual os alunos do curso de Pedagogia foram questionados sobre o tema. A pesquisa diagnosticou que é necessário melhor preparo dos docentes com relação ao seu próprio hábito de leitura para que possam realizar a mediação deste hábito com seus alunos. Durante a entrevista a maioria dos alunos relataram que o tema foi tratado superficialmente durante o curso e que não se sentem totalmente preparados para abraçarem a família como parceira no desenvolvimento do habito de leitura da criança, o que ressalta a necessidade de se levar mais discussões sobre o tema nos cursos de formação. PALAVRAS-CHAVE: Formação docente, Família, Leitura, Criança. THE FAMILY FUNCION ON DEVELOPMENT HABIT OF READING: PERSPECTIVES ON TEACHER EDUCATION ABSTRACT This article comes from a study of conclusion for Education (Pedagogy course). Interest in the subject grew out of an internship experience in which one can observe that the parents of a student refused to cooperate with the child in a reading activity claimed not to have time for that. It emerged the curiosity to investigate how future teachers are prepared to work in partnership with families in this phase of development of reading habits of children. As main objective, we intended to diagnose how students in teacher education believe that this partnership can be worked with the family as being prepared to mediate this relationship and if considerer needed better preparation for working with this process in the classroom . For this, we performed a literature research in which we * Pedagoga. Email: [email protected]. Doutorando em Educação (Unesp/Marília). Mestre em Educação (UEL). Email: [email protected] ** discussed the family-school relationship, the importance of reading habits and the influences that family plays in the child to develop a way of conduct. Subsequently, it was realized a field research in the form of semi-structured interview, in which students of the Faculty of Education were questioned on the subject. The research is diagnosed that it’s necessary a better preparation of teachers in relation to their own reading habits so that they can accomplish the mediation of this habit with your students. During the interview the majority of students reported that the subject was treated superficially during the course and do not feel fully prepared to embrace the family as a partner in developing the reading habit of children, underscoring the need to take more discussions the subject in the training courses. KEYWORDS: Teacher education, Family, Reading, Child. 1. INTRODUÇÃO Em dias que muito se fala na participação da família no contexto educacional da criança, pouco se discute em como a família pode influenciar no hábito de leitura da criança e como o professor pode trabalhar como mediador na busca de construir uma parceria entre escola e família nesta importante fase de desenvolvimento. O presente artigo - que nasceu de uma pesquisa realizada como trabalho de conclusão do curso de Pedagogia - busca responder tal inquietação tomando como a seguinte questão: quais as perspectivas dos docentes em formação com relação a participação da família no desenvolvimento do hábito de leitura da criança? Levando em consideração a importância do hábito de leitura, e o dever da família em colaborar com o processo educacional da criança, este artigo pretende descrever uma pesquisa realizada ao longo do ano de 2011 que teve como objetivo diagnosticar se os futuros docentes em formação inicial no curso de Pedagogia se sentem preparados para trabalhar em parceria com a família, além de levantar quais as formas que acreditam que tal processo pode ocorrer. Para isto, iniciamos o percurso com uma breve discussão sobre a presença da família no contexto escolar e como sua presença pode colaborar com o desenvolvimento da criança. Em um segundo momento, levantamos a importância do habito de leitura. Por fim, através da entrevista semi-estruturada traçamos o diagnostico de como os futuros docentes estão sendo preparados para trabalhar com a relação família-leitura em sala de aula. 2. FAMÍLIA E ESCOLA, PARCERIA NECESSÁRIA AO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA Para iniciar a contextualização da relação família e escola, utilizamos as palavras de Parolin (2010a, p.46) que aponta os responsáveis por transmitir valores e atitudes às crianças: Antigamente, a tarefa de construir valores e atitudes era exclusivamente da família. Hoje, as crianças vão cedo para as creches, berçários e escolas de Educação Infantil, originando uma nova filosofia para os educadores e para a escola, que é a grande parceira da família. A mesma autora aponta que o desenvolvimento da aprendizagem da criança ocorre de forma favorável ou não, dependendo dos movimentos desta parceria. A família é a responsável por inserir a criança no ambiente de aprendizagem, contribuindo para que ela possa se descobrir, se aceitar e sentir-se confiante em sua realidade, encarando as complexidades para adquirir novas aprendizagens. Já a escola possui dentre suas atribuições: oportunizar a socialização entre os alunos, permitir que construam novos conhecimentos e dividam experiências pessoais, para que possam ampliar suas concepções, respeitando as crenças e a cultura dos outros. Mas apesar de ser considerada de grande importância, a história desta relação passou por grandes transformações ao longo da história. Como afirma Cunha (2000), a escola surgiu no século XVII como instituição de apoio as famílias que precisavam educar os seus filhos, ganhando espaço no século XIX ao assumir profissionalmente a responsabilidade de educar, tomando, de certa forma, a função antigamente realizada pela família. Os pais, qualquer que seja a classe social a que pertençam, não querem que a escola apenas instrua seus filhos. Querem que ela os eduque no sentido mais amplo da palavra, que transmita valores morais, princípios éticos, padrões de comportamento. Há muito se fala na escola como espaço de formação da personalidade do futuro adulto. O problema é que, ao longo de sua evolução, a escola tornou-se mais do que uma simples instituição de apoio à família: ela posicionou-se contra a família! (CUNHA, 2000, p. 449-450) Assim, ao longo do tempo, a família teve de reconhecer a necessidade da escola para a formação dos seus filhos, o que não implica na transmissão de toda responsabilidade da educação das crianças para a instituição escolar: Parolin (2010b) também se posiciona com relação a esse acirrado conflito: a família insatisfeita com a educação dos seus filhos culpa as atitudes tomadas pela escola; por outro lado, quando os profissionais da educação são questionados sobre a educação das crianças, apontam a falta da participação da família neste processo. Como podemos perceber está é uma relação que ainda necessita de severas mudanças para que alcance seu objetivo principal: contribuir para o desenvolvimento da criança, cada instituição exercendo a sua função, sem jogar uma para outra a responsabilidade que lhe cabe. Família e escola devem assumir essa parceria reconhecendo sua necessidade e conseqüências positivas que derivam dessa ação conjunta, como poderá ser visto, por exemplo, na questão do hábito de ler. 3. O PODER DA LEITURA O mundo corresponde a produção do ser humano, na qual a sua interação com o mundo físico, com o meio ambiente, com outros homens e consigo mesmo correspondem com a maneira em que ocorre essa interação: Antes mesmo de serem capazes de expressar sua experiência de modo simbólico, as crianças são levadas a perceber que os seres humanos adultos são incapazes de entender a expressão de suas reações naturais com as coisas, pois ao longo da vida social foi sendo gestada uma ruptura radical entre os adultos e a natureza. Por isso, todos se empenham para que nelas aflore a expressão simbólica do mundo, pela qual devem exprimir as suas experiências elementares e naturais. Desde cedo, requer-se que as crianças sejam capazes de falar, pois a fala organiza as condições para uma intercomunicação com os adultos. O mundo, traduzido simbolicamente, emerge no plano da consciência dos indivíduos em tudo diferente da natureza, pois é o próprio mundo cultural. (RODRIGUES, 2001, p. 247) O mesmo autor aponta que a influência realizada pelos adultos no modo como as crianças pensam atuando como elemento fundamental para a construção da estrutura simbólica, que por sua vez, servirá de suporte para a organização das formas de expressão e adaptação da crianças ao mundo (incluindo aqui as sensações internas corpóreas como sede, fome, calor, frio, dor, etc.). Para poder viver neste mundo, é necessário que a criança se relacione com o que já existe, conhecimento, adaptando-se e modificando pela sua ação, o contexto a sua volta. Chegamos a importância da linguagem enquanto organizador mental e suas expressões. A liberdade para aprender e dominar o mundo é, portanto uma conquista que permite os seres humanos a se manifestarem, desenvolvendo o que comumente chamamos de autonomia. Enquanto operador, destaca-se que a “a boa leitura é uma confrontação crítica com o texto e as idéias do autor” (BAMBERGER, 2008, p.10). Esta forma de leitura crítica ocorre quando o leitor coloca em confronto as idéias do autor e as suas concepções previamente existentes, elevando sua criatividade e construindo novas concepções. Falamos de um processo de interação entre dois mundos distintos que são postos em jogo no ato de leitura. Para que esses processos aconteçam, é necessário que desde os primeiros contatos com a prática de leitura, esta seja realizada de forma contextualizada, ou seja, deve ter relações com o mundo vivencial do sujeito humano. Assim como revela Freire (2008, p.11), antes mesmo de realizar a leitura da palavra escrita é necessário que este realize a leitura de mundo: A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. O mesmo autor aponta que o sujeito em fase de alfabetização é o responsável pela criação do seu conhecimento, sendo que o educador exerce a tarefa de instigar o desenvolvimento de tais habilidades. Quando chega a escola, ele traz consigo sua leitura de mundo, o que o torna capaz de descrever o que já conhece. O professor interfere neste momento orientando o aluno nas trilhas da linguagem escrita, ultrapassando a forma de representação oral. Como bem afirma Bamberger (2008, p.9), o direito de ler “[...] significa igualmente o de desenvolver as potencialidades intelectuais e espirituais, o de aprender e progredir”. Os livros são os portadores dos conhecimentos historicamente construídos, que são transmitidos de uma geração para outra e que dificilmente seriam difundidos por outros meios. O autor indica que uma das possíveis causas para o desinteresse das crianças pelo hábito de leitura, é o fato de que, por não saberem ler direito, encontram dificuldades e não há outros que lhe ofereçam suporte para o desenvolvimento da prática de leitura, tornando-se esta cada vez mais desinteressante. Os primeiros contatos com a leitura promovem na criança o sentimento de satisfação as necessidades. Quando esse interesse não se modifica e perde-se o interesse pela aventura, a motivação para o ato de ler é reduzida, chegando em muitos casos a levar a criança a parar de ler completamente. Além desses pontos, podemos citar também como fatores de desinteresse da criança pelo ato de ler, a falsa concepção de que a leitura se restringe as atividades obrigatórias da escola, deixando-a de lado após concluir o período escolar. Uma das grandes falhas apontadas por Freire (2008) está relacionada a prevalência da quantidade sobre a qualidade no momento em que se avalia as habilidades de leitura no contexto escolar. Muitos educadores se preocupam com a leitura de muitas páginas em um curto espaço de tempo, sem ao menos avaliar a qualidade do texto e se é adequado a faixa etária do leitor. Essas atitudes levam os alunos a realizarem a leitura apenas por obrigação, formando uma concepção pessimista sobre o ato de ler. Por esses motivos, o hábito de leitura deve ultrapassar os obstáculos das atividades obrigatórias. O incentivo deve ocorrer de forma que os conteúdos sejam adequados às necessidades intelectuais e às mudanças de ambiente em que a criança está inserida. Bamberger (2008) cita que o gosto e a capacidade de ler é justificada, comumente em pesquisas pelo fato destas estarem inseridas em um grupo social que lê com freqüência ou ainda, a sujeitos que possuem graduação superior e que necessitam da leitura para sua vida profissional. Ao avaliar a freqüência de leitores em uma biblioteca pública, Silva (2004) revela os fatores que influenciam esses sujeitos a freqüentarem este ambiente: A clientela de uma biblioteca pública caracteriza-se, sobretudo, pela heterogeneidade e dispersão de domicílio. É variável a faixa etária, mesmo em se tratando de setor infantil e juvenil, e muito diferenciados são os usuários sob os aspectos sócioculturais e níveis de leitura. É um tanto difícil atraí-los, a princípio, pois a maioria ainda não adquiriu o hábito de ler, por falha das instituições encarregadas – a família e a escola. (SILVA, 2004, p. 35) Por esse motivo a criança se torna leitora quando interage com o livro, quando tem a motivação necessária para compreender o livro e não apenas ter o contato com ele. Por isso é necessário que família e escola caminhem unidas nesta tarefa, para que a compreensão de leitura para criança ocorra dentro das suas possibilidades tornando-se significativo para ela. Maimoni e Bortone (2001) revelam em pesquisas realizadas sobre os benefícios da participação da família no contexto escolar da criança, que esta interação deve ocorrer de forma que estimule os esforços e proponha experiências de enriquecimento cultural às crianças. Os pais envolvidos são aqueles que participam das atividades escolares e extracurriculares quando solicitados pela criança, auxiliando nas decisões e no seu desenvolvimento na escola. Os professores que sentem a presença da família na escola acolhem melhor os alunos e com a segurança do envolvimento dos pais, as crianças demonstram comportamentos de maior interesse pela educação, mas quando os alunos revelam bom desempenho na escola, influenciam a participação da família na escola. Ter a família como parceira neste processo pode trazer muitas vantagens para o desenvolvimento da criança em sala de aula: O adulto, mediador da leitura, encarna o papel do professor, na construção da aula; na biblioteca escolar ou pública funde-se com o trabalho do bibliotecário; mãe, pai, avó, tia ou irmão maior, incorporam em casa essa função, considerada fundamental para a formação das crianças, porque é nas relações histórico-culturais que as crianças se humanizam (ARENA, 2006, p.8). Não basta dizer que a família pode participar do desenvolvimento do hábito de leitura da criança. É necessário apontar o que pode ser feito para que as famílias estimulem o hábito de leitura das crianças. Esse processo é exemplificado por Maimoni e Bortone (2001, p.39) através do procedimento chamado de “leitura conjunta”: [...] em que ações bem definidas são passadas aos pais, a fim de que escola e família saibam claramente o que fazer. Assim, a escola não se sente ameaçada pela interferência dos pais e estes podem realizar suas aspirações de acompanhar mais de perto seus filhos na escola, colaborando efetivamente para que melhorem no seu desempenho em leitura. Além disso, o tempo gasto pelos pais é mínimo, facilitando a tarefa que lhes é proposta, qual seja a de ouvir o filho ler para o pai ou para a mãe, por pelo menos cinco minutos diariamente. Mas para que medidas como essas ocorram é necessário realizar um trabalho de orientação com as famílias, para tomarem conhecimento de como podem colaborar de forma positiva a esta fase de desenvolvimento: [...] os pais são orientados nesse procedimento a nunca punirem os filhos pelos erros, mas a mediarem sentimentos de competência, através de expressões verbais que mostrem os progressos do aluno, promovendo a sua auto-estima positiva [...] (MAIMONI E RIBEIRO, 2006, p. 297) O trabalho de orientação propõe também a participação na busca por respostas que surgem durante a prática de leitura, por exemplo, a busca pelo significado de uma palavra desconhecida no dicionário. Ao mesmo tempo, a participação nas atividades de leitura com os filhos leva os pais a aperfeiçoarem sua atuação como leitor. Nesta experiência, o pai age como um mediador, reformulando ou monitorando o processo de compreensão da criança. Esta não lerá o texto de qualquer maneira, pois terá de entendê-lo para que seu ouvinte também entenda. Nesse processo, ela ativará os recursos de entonação e pontuação, o que, por sua vez, auxiliam na compreensão do texto. Como a criança faz previamente a escolha do texto a ser lido e, nessa escolha, ela considera as preferências do seu pai, espera-se que a criança escolha aquilo que para ela faça sentido, ou seja, aquilo que lhe é compreensível. Assim, a tarefa de leitura, que era solitária e nem sempre pressupunha compreensão, passa, dessa forma, a ter caráter de uma “contação de história”, o que faz dela uma partilha. (MAIMONI; BORTONE, 2001, p. 40) Ao apontarem os benefícios da parceria da família nas atividades de leitura da criança, Sandroni e Machado (1998, p. 12) revelam: Numa casa onde os pais gostam de ler, mesmo que não disponham de uma boa biblioteca, a criança cresce valorizando naturalmente aqueles objetos cheios de sinais que conseguem prender a atenção das pessoas por tanto tempo. A criança percebe, desde muito cedo, que o livro é uma coisa boa, que dá prazer. Os pais que não têm, eles próprios, o hábito de ler deveriam pensar na importância de tentar mudar de comportamento, tanto em benefício dos seus filhos quanto de si mesmos. Podemos considerar com os relatos acima que realmente a família tem como causar impactos nos hábitos de leitura das crianças, mas é necessário que sejam orientados de como devem participar de maneira que esses estímulos ocorram de forma positiva ao desenvolvimento das habilidades da criança. 4. A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES EM INVESTIGAÇÃO No que diz respeito ao professor, a intervenção na relação família, criança e leitura, demanda, além de preparo, reconhecimento da importância de incentivar este processo. Mas antes mesmo disso, é necessário alertar sobre o preparo dos profissionais para trabalhar a leitura em sala de aula. Kramer (1997) reafirma a importância dos futuros docentes se formarem leitores ativos, para assim concretizar a formação de leitores em sala de aula: [...] Mais do que formar o hábito de ler, trata-se então de, junto com ele, criar o gosto de ler e de se concretizar, nas escolas e fora delas, práticas reais de leitura e escrita de crianças e de adultos. Isso significa que as políticas de formação de professores precisam ser concebidas, consideradas e implementadas no interior e como parte de uma efetiva política cultural e como condição de efetivação de uma também urgente política científica (KRAMER, 1997, p.27). A autora destaca ainda a importância de tornar cada vez mais presente nos cursos de formação de professores, as práticas de leitura e escrita, tomando-as como elementos essenciais para formação docente. Proporcionar acesso a tecnologia é de grande importância, mas se as experiências e as fases de construção do conhecimento não forem levadas em consideração, a prática docente passa a perder sua credibilidade. Com relação ao desenvolvimento do hábito de leitura da criança, é possível que o professor abrace a família como parceira no incentivo desse processo. Conforme apontam Sandroni e Machado (1998, p. 11), “se deve ser um hábito, a leitura deve começar a ser sugerida ao indivíduo o mais cedo possível. Por isso, a casa, a família, os pais são os primeiros incentivos à criança...” . Os autores ainda destacam que a família que apresenta o habito de leitura, são aquelas que já tem este habito aguçado. Alertam, porém, que esse perfil de família é a minoria nos dias de hoje. Para traçar o diagnostico de como os docentes em formação estão sendo preparados para trabalhar com a relação família-leitura em sala de aula, foi utilizado como instrumento de pesquisa, entrevista semi-estruturada aplicada com 9 alunos do curso de Pedagogia da cidade de Londrina, sendo eles estudantes de três instituições distintas (1 rede pública e 2 rede privada de ensino superior)†. Durante a seleção dos alunos, deu-se preferência aos alunos dos últimos períodos do curso, já que a ênfase das perguntas é nas experiências vividas pelos alunos durante o curso. Durante a entrevista os alunos foram questionados se durante o curso tiveram alguma orientação de como trabalhar com a relação família-leitura, se isso ocorreu e caso positivo, de que forma. Questionou-se também se sentem necessidade de maior abordagem sobre o tema e se acreditam que esta parceria com os pais nesta importante fase de desenvolvimento da criança é realmente importante e se pretendem trabalhar com este processo. Alguns entrevistados afirmaram que o tema foi abordado durante o curso. Dentre eles a maior parte relatou que o tema foi trabalhado apenas em discussões, na qual ocorriam ligações quando se falava sobre a presença da família no contexto escolar da criança, não sendo apresentadas metodologias de intervenção ou como o docente poderia mediar a relação família-leitura em sala de aula: “Apesar de ter sido abordado, acredito que é necessário discutir mais sobre este assunto, pois muito se fala sobre a participação dos pais. na aprendizagem das crianças, mas os professores devem ter melhor preparo para mediar esta relação e por acreditar na importância do ensino da leitura, os professores devem conhecer formas de motivar a família a participar deste momento tão importante de contato da criança com o livro” (SIC C3) Apenas um entrevistado - A2 - relatou um projeto realizado em sua instituição: a “Sacola da leitura” corresponde a materiais confeccionados pelos alunos, que foram doados para uma instituição carente para que os professores pudessem realizar a integração família, criança e leitura. Com relação a este dado podemos reafirmar o que diz Ferreira e Dias (2002) sobre a prevalência da formação técnica sobre as atividades concretas, o qual desvaloriza o preparo do professor para situações que encontrarão no seu futuro profissional. Apesar dos entrevistados reconhecerem a importância do hábito de leitura e da participação dos pais nesta fase de desenvolvimento da criança, muitos apontaram para a dificuldade de acesso com os familiares. A integração família-escola é de extrema ††† A identificação dos alunos ocorre da seguinte forma: “A” e “C” correspondem aos alunos pertencentes a instituições da rede privada e “B” os alunos de uma instituição pública de ensino superior, seguido de número de identificação individual. importância, quando esta relação ocorre bem, o desempenho da criança se reflete de forma positiva. São elas que compõem o meio em que a criança vive, portanto precisam motivar o seu desenvolvimento, pois como assim como descreve Vigotski (1984), as crianças interiorizam as experiências externas, imitando as atitudes dos mais velhos. “Indiscutivelmente os pais têm fundamental importância na aquisição da leitura da criança. Em estágios pude observar que os alunos que em mais facilidade em ler, são as crianças que tem a presença dos pais na escola a fim de acompanhar o progresso dos filhos neste processo, os que possuem incentivo ganhando ou tendo oportunidade de ter livros em casa e principalmente, os que lêem junto com os pais” (SIC B1). Além da dificuldade de aproximação com a família, os entrevistados apontam a falta de interesse por parte deles, foram citados argumentos com relação aos pais procurarem a escola apenas quando são chamados ou quando precisam resolver algum problema, dificultando a aproximação da instituição de ensino com o objetivo de colaborar com o desenvolvimento da criança: “É uma pena os pais apenas imaginarem que devem aparecer para conversar com os professores e com a coordenação pedagógica apenas quando são chamados, ou seja, aparecer quando o problema surge, deveria ser uma parceria diária, uma troca de informações, só assim, poderíamos conhecer um pouco do histórico cultural, familiar e emocional da criança” (SIC C1) Apesar de reconhecerem a importância da relação com a família para enriquecer o desenvolvimento do hábito de leitura da criança, não há relatos sobre o conhecimento de métodos que podem ser aplicados pela escola para fortalecer esta relação. Ferreira e Dias (2001) lançam como forma preventiva, um projeto que modifique constantemente o projeto de formação de professores, para que se favoreça o contato com os objetos de estudo. Os entrevistados que já possuem experiência na área da educação, apesar de se destacarem com respostas mais seguras durante a entrevista. Em nenhum caso houve o reconhecimento ao curso de formação pelo preparo para lidar com este processo. “Sinto falta de melhor preparo para trabalhar com os pais como incentivadores, pois sabemos que muitos aspectos influenciam essa pratica como: estrutura familiar e tempo disponível para as crianças, o que torna mais difícil o trabalho do professor que deve ser flexível com relação a aproximação com os pais, para que a aprendizagem da criança e o bom relacionamento famíliaescola não sejam comprometidos” (SIC C3) Sem indicar qualquer mérito específico aos respectivos cursos de graduação que frequentam, alguns entrevistados mencionaram algumas ações que podem ser aplicadas em sala de aula para que se possa trabalhar a relação família, criança e leitura, como: o envio de livros para casa, cobrando a participação da família no auxilio a criança, lendo e acompanhando as primeiras fases de contato da criança com o livro; outra medida citada foi o incentivo aos pais a presentearem a criança com livros adequados a sua faixa etária, demonstrando que apóiam este hábito. “Hoje posso falar para os pais dos meus alunos o quanto é fundamental contar uma história, quero passar para os meus alunos, ainda que na infância, o prazer em descobrir a leitura pelo simples prazer, sem obrigatoriedade” (SIC C2) Até mesmo apontando dificuldades para se ter uma boa relação com a família, os entrevistados sugerem a realização de um trabalho de orientação com a família, conscientizando-a da importância do hábito de leitura e de que podem colaborar com o desenvolvimento deste hábito na criança e de que forma podem fazê-lo. “[...] quanto ao professor, faz parte do trabalho esclarecer também as dúvidas dos pais e mostrar qual a importância da leitura no desenvolvimento da criança” (SIC A2). Maimoni e Ribeiro (2006) também defendem esta idéia. Acreditam que neste processo de incentivo à família no hábito de leitura da criança, ela deve ser orientada a nunca punir os erros dos filhos no momento da leitura compartilhada, mas sim destacar suas competências, mostrando seu progresso, elevando sua auto-estima. Os entrevistados reconhecem que a família não tomará a iniciativa ou até mesmo vai acatar a sugestão de participarem dos momentos de leitura da criança se não tiverem ao menos a orientação de sua importância e de como podem fazê-lo. “[...] acredito que o professor pode orientar os pais como participar do processo de aprendizagem das crianças, não esperando que os pais se prontifiquem a participar, pois na maioria dos casos eles não sabem como fazê-lo.” (SIC C3). Esperar a família procurar a escola pode se tornar comprometedor para o processo de ensino-aprendizagem. Como agente mediador, o docente poderia levar a orientação aos pais, abraçando-os como parceiros no incentivo ao desenvolvimento da criança: “Enquanto educadora devo estar motivada a trabalhar para uma tarefa que possa ter um retorno positivo quanto negativo, além de projetar esta atividade com os pais e as crianças, pois haverá muitas reclamações quanto a falta de tempo e tudo mais, mas buscaria trabalhar uma proposta em que juntos, escola, família e educadores pudéssemos compartilhar experiências” (SIC C1) Para construir uma parceria entre família e escola, Cunha (2000) defende que não se deve julgar os responsáveis por estarem ausentes do contexto educacional da criança, mas sim, atuar enquanto trabalho conjunto, aproximando as duas instituições. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de ocorrer em dois tipos de instituição - pública e privada -, a pesquisa não detectou diferenças significativas nos resultados encontrados. As dificuldades e a falta de abordagem do tema durante o curso de graduação – ou seja, formação inicial foi constatada nos dois contextos, seja por disciplinas que tentam suprir a necessidade de abordar o tema ou até mesmo a ausência de se levar o debate com mais clareza para as salas de formação docente. Considera-se também que além de reconhecer a participação da família no desenvolvimento do hábito de leitura da criança, os docentes em formação alertam para a necessidade de melhor preparo nos cursos de graduação para se trabalhe com esse processo de forma significativa. Vale ressaltar que esta pesquisa não teve o objetivo de desvalorizar o trabalho realizado nos cursos de formação de professores, mas sim de acrescentar informações coletadas que possam levar adaptações aos projetos destes cursos, afim de atender as necessidades vigentes. Partindo desta premissa, defende-se a necessidade de desenvolvimento de projetos que atuem na relação escola-família a partir da temática das estratégias de leitura dentro dos cursos de Pedagogia - assim como o descrito pelo entrevistado A2 (Sacola da Leitura) - para que sejam utilizados como instrumentos em sua atuação em sala de aula. Seguindo esta linha de pesquisa, é possível estender a investigação para a visão da família sobre o tema, e investigar se acreditam que podem colaborar com o desenvolvimento do hábito de leitura da criança e quais as dificuldades que encontram para estarem presentes no contexto educacional dos pequenos. Do mesmo modo, o projeto citado pelo entrevistado A2 pode servir de parâmetro para futuras pesquisas sobre modelos de projetos a serem apresentados como exemplos aos docentes em formação e aos docentes que possuem interesse em trabalhar o desenvolvimento do hábito de leitura da criança em parceria com a família. REFERÊNCIAS BAMBERGER, Richard. 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