Um estudo sob a óptica da teoria do agenciamento sobre a accountability e a relação Estado-sociedade Autores: JOÃO HENRIQUE MEDEIROS DE ALBUQUERQUE (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO) CACILDA SOARES DE ANDRADE (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO) GEIZIANE BRAGA MONTEIRO (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO) JULIANA CÂNDIDA RIBEIRO (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO) RESUMO O presente estudo teve por objetivo investigar como a accountability poderia dirimir a assimetria informacional existente na relação sociedade (principal) e governantes (agentes). Para nortear essa pesquisa, utilizou-se o método dedutivo, fundamentado em material documental-bibliográfico, concernente ao objetivo anteriormente citado, cuja formatação apresentou um caráter exploratório-descritivo. Esse estudo concluiu que a accountability dá uma contribuição relevante à sociedade no que diz respeito ao equilíbrio do nível informacional na relação principal-agente no Estado. Nesta relação é visível a existência de abismos informacionais, visto que a figura do Estado nem sempre materializa a comunicação com a sociedade, devido a ineficácia nos canais de informação que por vezes negligenciam atributos relevantes nesse processo, como clareza, tempestividade e transparência na evidenciação das informações geradas, concorrendo para existência da assimetria informacional. Entretanto, é imperativo que a sociedade, em sua posição de proprietária dos recursos que o Estado administra saia da passividade e fiscalize as ações dos governantes eleitos por ela mesma, através do controle social, que é o seu maior instrumento de cobrança dos governantes, com isso podendo exigir que os preceitos aspirados pela accountability, como transparência, tempestividade, inteligibilidade e clareza nas informações, sejam alcançados e com isso diminuindo ao máximo os possíveis ruídos informacionais que existem na relação principal-agente no Estado. 1. INTRODUÇÃO Na história das sociedades em diversas oportunidades, foi observado o não alinhamento dos interesses dos governantes com o dos governados; no Brasil não foi diferente. A sociedade brasileira no decorrer dos tempos, em diversos momentos presenciou conflito de interesses na relação sociedade-governante; esses conflitos podem ser compreendidos sob a ótica da Teoria do Agenciamento. Essa teoria postula que nas relações contratuais em uma firma, sempre haverá conflitos na relação principal-agente; emergindo como fruto desses conflitos de interesses surge à assimetria informacional, que preconiza que há grupos dentro da firma, que possuem informações mais privilegiadas do que a de outros grupos. Essa relação pode ser visualizada no Estado, quando o principal (sociedade) não tem o mesmo nível de acessibilidade às informações que os agentes (governantes eleitos), gerando com isso uma dúvida no tocante à utilização dos recursos públicos, visto que em diversas ocasiões os serviços disponibilizados pelo Estado não atendem à demanda social, tanto no quantitativo como no qualitativo. Para tentar dirimir a assimetria informacional concernente à alocação dos recursos públicos existentes nessa relação, os agentes governamentais têm por obrigação prestar contas de seus atos perante a sociedade, entretanto não só com demonstrativos comprobatórios da alocação dos recursos, mas também, proporcionar que essas informações sejam transmitidas da forma mais transparente possível. Esse conceito de prestação de contas é denominado na literatura de accountability. Diante desse quadro, emerge o seguinte questionamento: Como a accountability poderia contribuir para dirimir a assimetria informacional na relação principal-agente no Estado? Para a resposta de tal questionamento, tomou-se como objetivo geral do estudo em tela, a investigação de como a accountability poderia dirimir a assimetria informacional existente na relação entre a sociedade (principal) e os governantes (agente). Foi utilizado na pesquisa, o método dedutivo, fundamentado em material bibliográfico concernente ao objetivo anteriormente citado, cuja formatação apresentou um caráter exploratório-descritivo. 2. SOCIEDADE E ESTADO No decorrer dos séculos, o significado da palavra sociedade variou na mesma proporção que a própria sociedade o fez, no entanto, para esse estudo será tomado o conceito de Bobbio (1997, p. 1210) que afirma que: Sociedade civil é o espaço das relações do poder de fato e o Estado é o espaço das relações do poder legítimo. Assim entendidos, Sociedade civil e Estado não são duas entidades sem relação entre si, pois entre um e outro existe um contínuo relacionamento. A origem da palavra sociedade vem do latim societas, uma "associação amistosa com outros". Societas é derivado de socius, que significa "companheiro" e, assim o significado de sociedade é intimamente relacionado àquilo que é social. Está implícito no significado de sociedade que seus membros compartilham interesse ou preocupação mútua sobre um objetivo comum. Como tal, sociedade é muitas vezes usada como sinônimo para o coletivo de cidadãos de um país, governados por instituições nacionais que lidam com o bem-estar cívico. Os indivíduos durante sua existência fazem parte de diversas sociedades, concomitante ou subseqüentemente e estas podem ser distinguidas em sociedades contingentes e sociedades necessárias, segundo Salvetti Netto apud Slomski (1999, p. 07): a) Sociedades Contingentes: São as sociedades circunstanciais, aquelas que podem deixar de existir, tais como as sociedades esportivas, econômicas, filantrópicas, etc. b) Sociedades Necessárias: As sociedades necessárias subdividem-se em três espécies: familial, religiosa e política. A família, segundo Rosseau (2002, p. 26): “é a mais antiga de todas as sociedades e a única natural”, entretanto a família não esgota a aptidão essencial do homem para a vida social, nem está em condições de atender a todas as necessidades humanas. Por estes dois motivos, a família é insuficiente para criar uma união comunitária; precisa-se de uma ampliação e de um complemento a essa comunidade, que afiance que a disposição essencial do homem para viver em sociedade encontrará uma satisfação cabal e que não deixará de ser satisfeita nenhuma das necessidades a que a família é incapaz de atender. Segundo Azambuja (1992, págs. 01 e 02): Além dessas, há uma sociedade, mais vasta do que a família, menos extensa do que as diversas Igrejas e a humanidade, mas tendo sobre as outras uma proeminência que decorre da obrigatoriedade dos laços com que envolve o indivíduo; é a sociedade política, o Estado. Não é pretensão deste artigo conceituar Estado, afinal, a sua definição é mutável, visto que seu conceito está ligado a determinadas variáveis, como o período histórico que é utilizado na pesquisa, a perspectiva adotada pelo autor e, sobretudo sua posição ideológica. Portanto, para esse estudo, será tomado o conceito de Azambuja (1992, p.04) que afirma que o Estado: É uma sociedade à base territorial, dividida em governantes e governados, e que pretende, nos limites do território que lhe é reconhecido, a supremacia sobre todas as demais instituições. De fato, é o supremo e legal depositário da vontade social e fixa a situação de todas as outras organizações. Põe sob seu domínio todas as formas de atividade, cujo controle ele julgue conveniente. Essa sociedade – o Estado – diferentemente das outras sociedades, que o indivíduo pode vir a pertencer durante sua existência que a seu bel-prazer pode ingressar ou se retirar, envolve o indivíduo em um emaranhado de contratos formais e/ou informais, transformando o indivíduo em um cativo de seu julgo, como afirma Azambuja (1992, p. 04): “Da tutela do Estado, o homem não se emancipa jamais”. 3. TEORIA DO AGENCIAMENTO E ASSIMETRIA INFORMACIONAL Nos primórdios das atividades comerciais, devido à baixa complexidade das transações exercidas pelas entidades, geralmente, o proprietário da entidade era também o seu gestor; nesse contexto como a propriedade e a gestão da empresa eram concentradas em uma só pessoa, não havia problemas de não alinhamento dos interesses do gestor e do proprietário. Entretanto, com o aumento da complexidade das transações da empresa, o outrora, proprietário-gestor não tinha mais condições de concentrar sob sua tutela todas as atividades de gestão da empresa, forçosamente então, foi necessário que o proprietário delegasse para uma outra pessoa as atividades de gestão da entidade. Por sua vez, o indivíduo que foi incumbido pelo proprietário de gerir a entidade, dependendo do critério de avaliação utilizado na empresa para aferir seu desempenho, ele pode vir a tomar decisões que não estejam totalmente alinhadas com os interesses da empresa. Esses conflitos de interesses entre proprietários e gestores, concorrem para uma série de problemas nas empresas, podem ser abrandados ou explicados pela teoria do agenciamento. Segundo Jensen & Meckling apud Oliveira Filho (1996), “a teoria do agenciamento consiste na relação contratual na qual o principal encarrega o agente de prestar algum serviço em seu benefício, delegando certos poderes de decisão”. A teoria do agenciamento tem como pressuposto elucidar as relações contratuais entre os membros de uma entidade, levando em consideração que esses membros são motivados exclusivamente pelos seus interesses pessoais. Segundo Eisenhardt (1989, p. 58), “A unidade de análise da teoria do agenciamento é o contrato que rege a relação entre o principal e o agente, o foco da teoria está em determinar o contrato mais eficiente que venha reger a relação principal-agente (tradução livre)”. Esses contratos são de naturezas distintas, podendo ser formais ou informais, dependendo das relações entre as partes interessadas no mesmo; portanto pode-se inferir que todas as relações existentes em uma entidade serão regidas por contratos e esses por sua vez, são peças fundamentais na manutenção do equilíbrio das relações existentes dentro de uma entidade. Se alguma das partes não está satisfeita com os termos do contrato – um funcionário que não está satisfeito com sua remuneração dentro da empresa ou que não vê perspectivas de ascensão dentro da mesma – pode sentir-se desmotivado para contribuir com as atividades da entidade podendo acarretar em prejuízos para a empresa. Até o momento, o presente trabalho só tratou a relação principal-agente no contexto de proprietário-gestor, entretanto essa relação pode ser expandida para diferentes tipos de relação como será abordado mais adiante. Segundo Eisenhardt (1989, p.58), a teoria do agenciamento está relacionada com a resolução de dois problemas que podem vir a ocorrer na relação de agência: O primeiro problema de agency surge quando os desejos ou objetivos do principal são conflitantes e o segundo é a dificuldade/custo para o principal verificar o que o agente está fazendo de fato. (tradução livre). Segundo Jensen apud Eisenhardt (1989), a teoria do agenciamento foi desenvolvida sob duas abordagens principais a: Teoria Positivista da Agência e a Teoria do PrincipalAgente. Essas duas vertentes convergem no tocante à unidade de análise, que é o contrato entre o principal e o agente e ainda tem visões semelhantes no que concerne às pessoas, às informações e à organização, entretanto elas diferem em seu tratamento matemático; os pesquisadores que enveredaram pela corrente positivista focaram seus estudos em identificar situações nas quais, o principal e o agente irão provavelmente ter objetivos conflitantes e por isso descrevem os mecanismos de governança como limitadores do comportamento dos agentes, com isso a abordagem positivista não usa o rigor matemático que é usado pela teoria do principal-agente. Emergindo como fruto do não alinhamento de interesses entre o principal e o agente, surge à assimetria informacional, que de acordo com Hendriksen e Van Breda (1999, p.139): O trabalho mais recente na área de teoria de agency tem-se concentrado nos problemas causados por informação incompleta, ou seja, quando nem todos os estados são conhecidos por ambas as partes e, assim, certas conseqüências não são por elas consideradas. Tais situações são conhecidas como assimetrias informacionais. No estudo em tela, utilizou a Teoria Positivista da Agência, pois para subsidiar o objetivo da pesquisa foi necessário que fossem abordadas as situações em que os interesses dos agentes (governantes) não estivessem em consonância com os interesses do principal (sociedade), concorrendo para que fosse aberto um abismo informacional nessa relação, abismo tal, que não deveria existir, visto que o poder, como postula o parágrafo único do Art. 1º da Lei Maior, “emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. 4. TEORIA DO AGENCIAMENTO NO ESTADO Este estudo utilizou-se apenas da relação de agência no contexto proprietário-gestor, entretanto, como foi citado, essa relação é mais flexível e abrangente. Essa relação pode ser expandida para a esfera pública, configurando a sociedade como principal e os governantes eleitos como agentes. Corroborando com a idéia de conflito de agência na relação sociedadegovernantes, Siffert Filho apud Slomski (2005, p.30) apresenta três condições necessárias para que haja esse conflito: 1. o agente (o gestor público) dispõe de vários comportamentos possíveis a serem adotados; 2. a ação do agente (gestor público) afeta o bem-estar das duas partes; 3. as ações do agente (gestor público) dificilmente são observáveis pelo Principal (cidadão), havendo, dessa forma, assimetria informacional. A abordagem evidenciada por Siffert Filho faz uma alusão aos fatores que contribuem para existência de conflito na relação Estado-sociedade. O Estado na figura de gestor dos recursos financeiros aportados pela sociedade, que por sua vez é a mantenedora do Estado, atua de diversas formas e comportamentos. Em muitos casos é possível visualizar que os planos de governo nem sempre estão em consonância com os anseios da coletividade, pois o gestor mesmo na figura de representante do povo é dotado de certo nível de autonomia na gerência dos recursos financeiros. Sendo assim se materializa a insatisfação popular, pois como as reivindicações sociais não são atendidas, é provável que a sociedade exija efetividade na aplicação dos recursos públicos, os quais segundo a constituição devem ser geridos, de forma a garantir bem-estar social. Neste contexto, configura-se a disparidade das ações governamentais efetivamente realizadas e os informes (prestação de contas) à sociedade, pois além do nível informacional se configura um cenário representativo de insatisfação, pois a sociedade como proprietária tem o direito de tomar conhecimento da alocação dos seus recursos. 5. DEFINIÇÃO DE ACCOUNTABILITY Não existe tradução para o português do conceito de accountability. Este conceito surgiu em meados dos anos 80 em países de língua inglesa e não é definido de modo uniforme. Alguns enfatizam o dever de prestar contas, outros pontuam o dever de transparência e ainda como o dever de eficiência daqueles responsáveis pela realização da atividade financeira do Estado. Na visão de Kluvers (2003), tradicionalmente, accountability tem definido em termos de interpretação e explicação das ações e decisões tomadas; sem uma accountability adequada, o gerenciamento dos recursos pode, na melhor das hipóteses, ser ineficazes e incompetentes e, na pior das hipóteses, corrupta. (tradução livre) Segundo Gray e Jenkins apud Kluvers (2003, p.58): “Accountability é uma obrigação de se apresentar uma explicação e responder pela execução dos recursos para aqueles que confiaram esses recursos”. (tradução livre) Segundo Aucoin e Heintzman (2000, p.47): A função de controle da accountability reside no âmago da democracia, na maioria dos modelos constitucionais, porque cada uma à sua forma, busca assegurar que o Estado não abuse ou faça mau uso, de seus poderes autoritários e coercitivos. (tradução livre) 5.1. ACCOUNTABILITY E SUA RELEVÂNCIA PARA A SOCIEDADE Segundo Cobari (2004), a dificuldade de tradução do termo accountability parece estar associada com sua prática ainda embrionária no Brasil. A accountability aproxima-se do conceito da obrigação de se prestar contas dos resultados obtidos em função das responsabilidades que decorrem de uma delegação de poder (autoridade), conseqüentemente, há a geração de uma responsabilidade, que é a de prestar contas de seu desempenho e seus resultados. Accountability é um importante elemento de governança, que envolve responsabilidade por decisões e ações, freqüentemente para prevenir o abuso de poder e outras formas de comportamento inapropriado por parte dos gestores. Segundo Ferreira e Lima (2006, p.03): Quando se fala em accountability existe uma vinculação natural com prestação de contas, controle e transparência, pelo próprio sentido do termo e pela relevância que o mesmo possui nas relações econômicas e políticas. Afirmam Aucoin e Heintzman (2000, p.49): Os cidadãos, o poder legislativo e a administração pública precisam assegura-se que a autoridade pública e os recursos estatais esteja sendo usados em consonância com a lei, políticas públicas e nos serviços públicos. Isso constitui, precisamente, na maior dimensão da accountability. (tradução livre). A prática do exercício permanente da accountability e do controle social pode elevar a administração pública na medida em que se amplia a confiança mútua entre Estado e a sociedade. Quanto melhor governança, mais eficiente tende a ser o governo e, por conseguinte, mais benefícios serão gerados para a sociedade. Poder-se-ia discutir a accountability política, que em si tem relevância direta na ligação entre representantes e representados. Neste caso, levando em consideração a relevância da informação no exercício da cidadania, o desafio seria o de buscar formas de minimizar a assimetria da informação e as conseqüentes perdas nesse processo. Ainda segundo Cobari (2004.), no processo de controle social, a transparência e o acesso à informação são fatores condicionantes, uma vez que só se pode controlar aquilo de que se tem conhecimento efetivo. Por isso, a qualidade da informação é preponderante para que essa participação ativa da sociedade se efetive. A assimetria da informação acaba concorrendo para o distanciamento entre sociedade e governo, já que muitas vezes, a informação sem relevância é utilizada para a manutenção do próprio sistema, fazendo com que a informação imprecisa sobre os atos da Administração Pública acabe aumentando a desconfiança e o descrédito da sociedade em relação ao governo. Cobari (2004) coloca que nas sociedades democráticas, é natural, esperar que os governos tenham postura responsável com relação aos cidadãos, pois estes são os proprietários do Estado; seu funcionamento e manutenção só se dão através do pagamento de impostos, efetuados pelos cidadãos. Poder-se-ia visualizar como uma espécie de relação “empresarial” em que os cidadãos investem seus recursos e o governo os gerencia com o único objetivo de gerar benefícios para a própria sociedade. Como resultado disso, tem-se a relação em que o cidadão é o mandante, o principal e o Estado é a delegação, seu agente. Na construção da cidadania, a educação política é necessária para que as partes compreendam seus papéis, mudando a situação ainda hoje encontrada: de um lado o Estado sem consciência de quem são seus mantenedores; e, de outro, o cidadão com sua atitude passiva, sem noção de seu papel na sociedade. Porém, é necessário ter em mente que o controle social não se faz a partir da abundância de informações, mas da disponibilidade de informações suficientes e de entendimento simples para o cidadão médio que dela faz uso, dado que o controle e acesso à informação são cruciais para exercer o poder. Conforme Romano et. al. (2005), as iniciativas de monitoramento, através da democratização do acesso a informações, aumentam a capacidade da sociedade civil de influenciar a esfera pública. O aumento de recursos de conhecimento se traduz em um aumento das oportunidades de formar opinião e propostas na sociedade. Ao mesmo tempo, a pressão e a reivindicação de informações exercidas sobre os organismos estatais forçam a adoção de políticas de informação, tornando-as mais transparentes e permeáveis ao controle societal. Pode-se dizer que o conceito de informação está se transformando, deixando de ser apenas publicidade, passando a necessidade de transparência, isto acontece na medida em que a sociedade não se satisfaz apenas com a informação dos episódios ocorridos na gestão pública, mas quer que lhe conceda as razões de tais acontecimentos e que se justifique o relacionamento destes, levando em conta os objetivos do Estado e os desejos da comunidade. Transparência pressupõe comunicação eficaz que, por sua vez, pressupõe linguagem adequada e viabilidade de acesso à informação. Entretanto, não há nenhuma surpresa na constatação de que a linguagem é um dos maiores entraves ao desenvolvimento da transparência na gestão dos recursos públicos. Romano et. al. (2005) afirma que, ainda que o acesso à informação por si só represente uma mudança nas relações de poder, para que os atores da sociedade civil possam empregar estas informações em suas estratégias políticas de maneira qualificada, é necessário capacitá- los. Significando que é preciso, traduzir ou decodificar a linguagem técnica para permitir seu uso político, o que melhora a capacidade dos atores da sociedade civil de analisar as ações governamentais, verificando se os recursos pertencentes a ela estão sendo bem aplicados. A informação pressupõe algo que possa ser útil ao usuário, no sentido da tempestividade e da confiabilidade. Sendo assim, é necessário observar o critério da compreensibilidade da informação posta à disposição dos cidadãos. Mosher (1968) entende que accountability é sinônimo de responsabilidade objetiva, como um conceito oposto a responsabilidade subjetiva. Enquanto a responsabilidade subjetiva vem de dentro da pessoa, a accountability, sendo uma responsabilidade objetiva, acarreta a responsabilidade de uma pessoa ou organização perante uma outra pessoa por alguma coisa ou por algum tipo de desempenho. Campos (1990, p.33) a partir da explicação de Mosher, se destaca a idéia do caráter de obrigatoriedade embutida no conceito de accountability: “Se esta não é sentida subjetivamente (da pessoa perante si mesma) pelo detentor da função pública, deverá ser exigida de fora para dentro”. Behn (1998, p. 39) opina no que concerne a evolução da accountability: Os sistemas tradicionais de accountability foram desenhados para estabelecer e reforçar a confiança pública na probidade de seu governo. Agora precisamos de um novo sistema de accountability que estabeleça e reforce a confiança pública no desempenho governamental. Corroborando com essa idéia Newcomer (1999, p.07) afirma que: A doutrina governamental ao longo das duas últimas décadas tem sido a de tornar o governo accountable pelo desempenho. Este conceito significa que o desempenho de programas e de políticas públicas serão medidos e que os funcionários, considerados responsáveis pelos resultados mensurados das ações governamentais, serão julgados segundo este critério. Em virtude da cobrança por transparência dos gastos governamentais, a “Carta Cidadã” (Constituição Federal de 88) implementou na Administração Pública o princípio da publicidade dos atos e fatos da administração no sentido de se contribuir para a democratização das informações no que concerne a prestação de contas do governo. Para se concretizar a transparência se faz necessário uma diminuição de carga de termos técnicos visto que, com esta concepção as informações não estariam claras para a sociedade não possibilitando a efetiva comunicação e causando a chamada assimetria informacional. A Constituição Federal de 1988 em seu art. 37 trata do principio da Publicidade dos atos e fatos na Administração Pública. Explicitando a necessidade de transparência na aplicabilidade e gestão dos recursos públicos. Segundo Meirelles (1996, p.89): A publicidade, como princípio de administração pública (CF, art. 37, caput), abrange toda atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos como, também, de apropriação de conhecimento da conduta interna de seus agentes. Essa publicidade atinge, assim, os atos concluídos e em formação, os processos em andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamentos das licitações e os contratos com quaisquer interessados, bem como os comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos competentes. Tudo isto é papel ou documento público que pode ser examinado na repartição por qualquer interessado, e dele pode obter certidão ou fotocópia autenticada para os fins constitucionais. No Ordenamento Jurídico Brasileiro, a accountability está inserida tanto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como na legislação complementar (Lei nº 101/2000) conforme relação que segue: Na consagração dos princípios republicano e democrático (Art. 1º da CF); No princípio da prestação de contas (Art. 70 da CF); No dever de eficiência, transparência e publicidade (Art. 37 da CF); Na existência de mecanismos de controles técnicos da gestão (Tribunais de Contas, Ministério Público, Poder Judiciário, Poder Legislativo, Controle Interno, Agências Reguladoras, Ouvidorias etc.); Na existência de mecanismos de controle social, a exemplo do direito a voto, da ação popular, da denúncia perante os tribunais de Contas e o Ministério Público, do orçamento participativo etc. (CF, art 5º, XXXIII, XXXIV, XXXV, LXXIII, art. 14, 31 §3º, art. 74, §2º); Nas regras presentes na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) com ênfase no planejamento, no controle e transparência da gestão pública (art. 1º § 1º da LRF). 6. RELEVÂNCIA DA ACCOUNTABILITY NO MITIGAR DA ASSIMETRIA INFORMACIONAL A assimetria informacional tem sido uma das causas do afastamento ocorrido entre o Estado e a Sociedade. Este afastamento, por sua vez, deve-se ao fato das informações entre estes dois sujeitos não serem prestadas de forma eqüitativa, clara e entendível, fazendo com que não exista comunicação. A comunicação entre o principal (sociedade) e o agente (Estado) não ocorre de forma efetiva, pela inexistência de canais de comunicação eficientes e não haver meios efetivos de informação sofre os fatos ocorridos na Administração Pública. A partir da visualização deste cenário, detecta-se um alto grau de insatisfação popular em relação aos serviços prestados pelo Estado; visto que, este nem sempre atende as reivindicações sociais gerando desconfiança na gestão dos recursos financeiros que foram aportados pela sociedade. Neste contexto, é notória uma inquietação popular em que a sociedade deixa a região de conforto (Passividade) e passa a analisar de forma crítica e reflexiva as ações dos gestores públicos cobrando transparência. Da visualização deste plano anteriormente descrito emerge a existência de um conflito de informação no qual a figura do emissor (Estado) não materializa a comunicação com o receptor (sociedade) devido aos ruídos existentes nesse processo (assimetria informacional). Como mediadora deste conflito informacional existente aparece a figura da accountability com os atributos de transparência, clareza e tempestividade da informação, aproximando ainda mais a relação entre a sociedade e o Estado. Figura 01 - Ausência da accountability causando a assimetria informacional Recursos Financeiros 2 1 Estado Accountability Sociedade 4 3 Prestação de Contas Assimetria Informacional Fonte: Elaboração própria 1. A sociedade (principal) disponibiliza os recursos financeiros para serem geridos pelo Estado, através dos impostos, taxas, contribuições de melhoria e contribuições sociais como determina o Art. 145 da Constituição Federal de 1988; 2. O Estado, por sua vez, irá gerir tais recursos para a manutenção do seu funcionamento e gerar benefícios à sociedade, ou seja, é responsável por realizar os gastos dos recursos públicos e evidenciar a aplicabilidade de tais recursos; 3. A utilização destes recursos deve ser evidenciada, através da prestação de contas à sociedade, detentora dos recursos financeiros que foram aportados ao Estado para serem geridos. 4. Caso a informação não seja evidenciada com os requisitos de clareza, inteligibilidade, tempestividade, ou seja, ausência de accountability, não se materializa a comunicação entre a sociedade e o Estado, resultando na figura da assimetria informacional, distanciando a relação sociedade-Estado. Figura 02 - Atuação da accountability Processos Licitatório s 2 Prestação de Contas Accountability 1 Administração Pública 4 3 Sociedade Aproximação entre Estado e Sociedade Fonte: Elaboração própria 1. A administração pública para realizar seus gastos se utiliza os recursos financeiros que foram “investidos” pela sociedade, com o intuito de manter o funcionamento do Estado e cumprir com o seu papel de gestora, que seria o de gerar benefícios para a comunidade; 2. Estes gastos são realizados através dos processos licitatórios, que irão permitir, em tese, a escolha da melhor alternativa para a administração pública e conseqüentemente, para a sociedade, porém para que estes recursos sejam aplicados da melhor forma, faz-se necessário que estes procedimentos sejam públicos e que possibilite o acesso às informações de maneira fácil, prática e entendível por parte da sociedade; 3. A utilização destes recursos gera uma obrigação por parte do Estado de prestar contas dos recursos utilizados à sociedade, pois como foi abordado, no estudo em tela, a sociedade é o usuário principal destas informações, pois é a proprietária e mantenedora do Estado. A realização da prestação de contas à sociedade de forma transparente, clara e concisa, pode ser obtida através da utilização da accountability nos procedimentos realizados pelo Estado; 4. A figura 2 evidencia que o uso da accountability como norteadora das ações do Estado irá permitir uma maior aproximação entre Estado e Sociedade, pois as informações geradas serão munidas de maior clareza e transparência, resultando numa comunicação efetiva, que diminua o abismo informacional existentes entre estes dois agentes. 7. CONCLUSÃO O estudo em tela concluiu que a accountability oferece uma contribuição relevante à sociedade no que diz respeito ao equilíbrio do nível informacional na relação sociedade (principal) e governantes (agentes). Nesta relação, é visível a existência de abismos informacionais, visto que a figura do Estado nem sempre materializa a comunicação com a sociedade, devido a ineficácia nos canais de informação que por vezes negligenciam atributos relevantes nesse processo, como clareza, tempestividade, transparência e inteligibilidade na evidenciação das informações geradas, concorrendo para a existência da assimetria informacional. A accountability e o direito público de acesso às informações são meios importantes de controlar o abuso do poder, por conseguinte, provendo um tipo de harmonia entre o poder e a responsabilidade, pois obriga aos gestores públicos a discutir abertamente com a sociedade no que concerne ao que eles estão fazendo, como estão gastando, como poderiam racionalizar esse gasto. Práticas de accountability mais contundentes podem limitar a liberdade de agir dos agentes (governantes), e em conseqüência disso, eles podem procurar meios de subverter, contornar e controlar os sistemas de accountability que podem ser impostos por eles mesmos. Os agentes geralmente controlam a preparação das informações que são expostas aos principais, e isso fornece oportunidades para possíveis “maquiagens” nas informações, que podem supervalorizar obras que não deveriam receber tanto recursos, por exemplo. Entretanto, é imperativo que a sociedade, em sua posição de proprietária dos recursos que o Estado administra, saia de uma posição passiva e fiscalize as ações dos governantes, através do controle social, que é o seu maior instrumento de cobrança dos governantes. 8. REFERÊNCIAS AUCOIN, P.; HEINTZMAN, R. The Dialetics of Accountability for Performance in Public Management Reform. International Review of Administration Sciences, v. 66, p.45-55, 2000. AZAMBUJA, D. Teoria geral do Estado, 29ª ed., São Paulo: Globo, 1992. BEHN, R.D., O Novo Paradigma da Gestão Pública e a Busca da Accountability Democrática. Revista do Serviço Público, Brasília, Ano 49, n. 4, 1998. BOBBIO, N. Dicionário de Política, 10ª ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. CAMPOS, A. M., Accountability: Quando Poderemos Traduzí-la para o Português ? Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, Ano 24, n. 2, 1990. COBARI, E.C. Accountability e Controle Social: Desafio à Construção da Cidadania. 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