ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
Autos nº 017.03.001371-9
Espécie: Declaratória
Autor: KREUTZ E FILHO LTDA
Réu: ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO
______________________________________________________________________________
Vistos etc.
Trata-se de Ação Declaratória de Inexistência de Débitos
proposta por KREUTZ E FILHO LTDA contra o ESCRITÓRIO CENTRAL DE
ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO – ECADE, já qualificados.
Alega a autora que opera no ramo de hotelaria e, em
11/06/2003, foi autuada pela requerida pela infringência dos direitos autorais, ante suposta
sonorização ambiente. Refere que não possui nenhum sistema de som ambiente, inocorrendo
qualquer violação de direitos autorais, sendo descabida a cobrança. Aduz que o uso de
aparelhos de televisão e rádio nos apartamentos do hotel não enseja a cobrança dos direitos
dos autores das peças musicais. Requer a citação da ré e o julgamento pela procedência dos
pedidos para declarar a não infringência dos direitos autorais e a inexistência do débito de R$
12.414,26 (doze mil quatrocentos e quatorze reais com vinte e seis centavos). Postula a
produção de provas. Valora a causa e junta documentos (fls. 02/28).
Citado, o réu apresentou CONTESTAÇÃO, na qual aduziu que a
autora não possui autorização para executar publicamente obras musicais sobre as
modalidades de sonorização ambiental, pois possui sonorização em seus quartos e demais
cômodos do estabelecimento. Alegou que o cálculo do valor cobrado está de acordo com as
disposições legais atinentes à espécie. Requereu o julgamento pela improcedência dos
pedidos (fls. 41/84).
No prazo para resposta, a ré apresentou RECONVENÇÃO, na
qual alegou que é o órgão competente para arrecadação da receita relativa aos direitos
autorais decorrentes de obras musicais, entre outras. Referiu que a autora, atuante do ramo
de hotelaria, disponibiliza a seus hóspedes televisores nos quartos, os quais transmitem
obras musicais sem a autorização da reconvinte, o que infringe o disposto na legislação.
Requereu o julgamento pela procedência dos pedidos para condenar a autora ao pagamento
dos direitos autorais, no valor de R$ 18.431,46 (dezoito mil, quatrocentos e trinta e um reais
com quarenta e seis centavos) e a aplicação da multa prevista no artigo 109 da Lei nº
9.610/98, sobre o total do débito. Valora a causa e junta documentos (fls. 85/141).
Em RÉPLICA, a autora ratificou os termos da inicial (fls.
150/153).
Em CONTESTAÇÃO à RECONVENÇÃO, a autora alegou que
não possui nenhum sistema de som ambiente, inocorrendo qualquer violação de direitos
autorais, sendo descabida a cobrança. Aduziu que o uso de aparelhos de televisão e rádio
nos apartamentos do hotel não enseja a cobrança dos direitos dos autores das peças
musicais. Requereu o julgamento pela improcedência da reconvenção (fls. 154/157).
Por despacho, foi saneado o feito (fl. 169).
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Durante a instrução foram ouvidas 04 (quatro) testemunhas (fls.
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192/194 e 218/219).
Foi cumprido o mandado de constatação (fls. 224, verso).
Em ALEGAÇÕES FINAIS a autora requereu o julgamento pela
procedência da ação e a improcedência da reconvenção, enquanto que a ré deixou escoar in
albis o prazo para os memoriais (fls. 228/232)
Vieram os autos conclusos.
É o RELATÓRIO. Passo a FUNDAMENTAR.
1.
Com efeito, a Lei nº 9.610/98, que consolida a legislação sobre
direitos autorais no país preceitua, em seu artigo 68, in verbis, que:
"Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão
ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e
fonogramas, em representações e execuções públicas.
§1º - Considera-se representação pública a utilização de obras
teatrais no gênero drama, tragédia, comédia, ópera, opereta, balé,
pantomimas e assemelhadas, musicadas ou não, mediante a participação de
artistas, remunerados ou não, em locais de freqüência coletiva ou pela
radiodifusão, transmissão e exibição cinematográfica.
§ 2º - Considera-se execução pública a utilização de composições
musicais
ou
lítero-musicais,
mediante
a
participação
de
artistas,
remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em
locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a
radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição
cinematográfica.
§3º - Consideram-se locais de freqüência coletiva os teatros, cinemas,
salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de
qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais,
estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais,
órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e
estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou
aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras
literárias, artísticas ou científicas." – grifos nossos.
Nesse sentido, percebe-se que a legislação estabelece, de
maneira explícita, a proibição da utilização de composições musicais, bem como sua
execução pública, em locais de freqüência coletiva, dentre os quais se enquadram os hotéis,
decorrendo, por tabela, a obrigatoriedade da autora/reconvinda em recolher a receita relativa
aos diretos autorais dos respetivos compositores junto à ré/reconvinte.
Assim porque a transmissão pública de obras musicais pela
autora a obriga a reparar civilmente os respectivos compositores das manifestações de arte,
especialmente porque a obtenção de lucro junto ao mercado de consumo enseja, como
contrapartida, o dever de ressarcir o 'inventor'...o que é decorrência lógica, de bom-senso e
justa dentro de uma sociedade capitalista de consumo.
2.
Considerando os termos das CONTESTAÇÕES de fls. 41/84 e
154/157, as res in iudicium deducta dizem com a disponibilização no hotel de propriedade da
autora de sonorização ambiente e a possibilidade da cobrança dos direitos autorais em razão
de tal atividade.
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3.
Pois, é incontroverso – independendo, pois, de prova (CPC,
artigo 334, inciso III), o fato da autora disponibilizar aparelhos televisores junto aos quartos
de seu hotel, o qual, aliás, foi comprovado mediante a juntada do cartão de fl. 133, em que há
menção expressa a 'televisores' nos aposentos.
Ademais, consta do mandado de constatação de fls. 224, verso,
que, dentre os 29 (vinte e nove) apartamentos disponíveis no hotel, 25 (vinte e cinco)
possuem aparelhos de televisão, além de 01 (um) aparelho no hall de entrada do
prédio.
Não bastasse, os próprios testigos da autora/reconvinda,
ALCIMAR SANTOS e RUI DEBASTIANE, afirmaram em seus depoimentos (fls. 193/194), que
há televisores nos quartos, sendo que RUI, inclusive, confirmou que na sala de café havia
som ambiente.
A jurisprudência do STJ não destoa, in verbis1:
4.
"Direito autoral. Aparelhos de rádio e de televisão nos quartos de
motel. Comprovação da filiação. Legitimidade do ECAD. Súmula nº 63 da Corte.
Lei nº 9.610, de 19/2/98.
1. A Corte já assentou não ser necessária a comprovação da filiação
dos autores para que o ECAD faça a cobrança dos direitos autorais.
2. A Lei nº 9.610/98 não autoriza que a disponibilidade de aparelhos
de rádio ou de televisão nos quartos de motéis e hotéis, lugares de
freqüência coletiva, escape da incidência da Súmula nº 63 da Corte.
3. Recurso especial conhecido e provido."
5.
9.610/98, determina que:
Não obstante, o artigo 29, inciso VIII, da mesma Lei nº
"Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da
obra, por quaisquer modalidades, tais como:
(...)
VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística
ou científica, mediante:
a) representação, recitação ou declamação;
b) execução musical;
c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos;
d) radiodifusão sonora ou televisiva;
e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência
coletiva;
f) sonorização ambiental;
g)
a
exibição
audiovisual,
cinematográfica
ou
por
processo
assemelhado;
h) emprego de satélites artificiais;
i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de
qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados;
j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas". – grifos nossos.
6.
Já quanto à multa prevista no artigo 109 da Lei de
Direitos Autorais, tem-se que afronta deveras o disposto no artigo 5º da Lei de Introdução ao
Código Civil (Decreto-lei nº 4.657/42), o qual determina que: 'Na aplicação da lei, o juiz
atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum', porquanto sua
incidência à razão de 20 (vinte) vezes o valor devido levaria à inviabilização da atividade
praticada pela autora, sem falar nas aberrantes desproporcionalidade e irrazoabilidade.
1
STJ, S2,
Endereço:
Resp. Nº 556340, Rel. Menezes Direito, julgado em 09/06/2004..
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O excerto do STJ no mesmo sentido2:
"CIVIL E PROCESSUAL. DIREITO AUTORAL. SONORIZAÇÃO MECÂNICA. ACADEMIA
DE GINÁSTICA. CONDENAÇÃO. MULTA INDEVIDA. LEI N. 9.610/98, ART. 109. LICC,
ART. 5º. CPC, ART. 209. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS NS. 282 E
356-STF.
I. A elevada multa prevista no art. 109 da novel Lei n. 9.610,
equivalente a vinte vezes o valor devido originariamente, não é de ser
aplicada a qualquer situação indistintamente, porquanto objetiva, por seu
caráter punitivo e severa conseqüência, não propriamente penalizar atraso ou
omissão do usuário, mas, sim, a ação de má-fé, ilícita, de usurpação do
direito autoral, o que não se revela na hipótese, em que o estabelecimento
comercial, modesto, utilizava a sonorização mecânica apenas como elemento
coadjuvante da atividade fim, sem intenção fraudulenta direta, como se dá
em casos de contrafação mediante produção de cópias desautorizadas de fitas
e "CD".
II. Temperamento que se põe na aplicação da lei, sob pena de se
inviabilizar a própria atividade econômica desenvolvida pelo usuário, com
prejuízo geral, em contrário ao princípio insculpido no art. 5º da LICC.
III. A ausência de prequestionamento do tema referente ao art. 209
do CPC impede o seu exame no âmbito desta Corte, ao teor das Súmulas ns. 282
e 356 do C. STF.
IV. Recurso especial não conhecido."
7.
Destarte, é de ser reconhecido que no
estabelecimento comercial da autora há, efetivamente, disponibilização de sonorização
ambiente e radiodifusão televisiva, do que decorre a legalidade da cobrança relativa aos
direitos autorais por parte da requerida, impondo-se, pois, o julgamento pela
IMPROCEDÊNCIA dos pedidos formulados na ação e a PROCEDÊNCIA PARCIAL da
reconvenção.
POSTO ISTO,
JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na
Ação Declaratória de Inexistência de Débitos proposta por KREUTZ E FILHO LTDA contra o
ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO – ECADE e JULGO
PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na Reconvenção para
CONDENAR KREUTZ E FILHO LTDA a pagar ao ESCRITÓRIO CENTRAL DE
ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO – ECADE a importância de R$ 18.431,46 (dezoito mil,
quatrocentos e trinta e um reais com quarenta e seis centavos), acrescida de juros de mora
legais, a contar da citação, e correção monetária, pelos índices do INPC/IBGE, desde o
ajuizamento da reconvenção, tudo com fundamento no artigo 269, inciso I, do CPC.
CONDENO a autora/reconvinda nos ônus de sucumbência de
ambas as demandas – despesas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em
R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), com fundamento no artigo 20, §§3º e 4º, do CPC.
Registre-se. Publique-se. Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, aplique-se o novel artigo 475 do CPC.
Dionísio Cerqueira, 05 de janeiro 2008.
2
STJ, 4T,
Endereço:
Resp. Nº 439441, Rel. Aldir Passarinho Junior, julgado em 26/11/2002.
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RAFAEL FLECK ARNT
Juiz de Direito
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