pg 4 :: o independente :: florianópolis jornal do CMI Floripa | número dois | janeiro 2005 o independente :: pg 5 jornal do CMI Floripa | número dois | janeiro 2005 nTRANSPORTE Na contramão de uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que demonstra uma suposta tendência de que prefeituras evitam reajustar as tarifas do transporte coletivo em anos eleitorais, foram constatados aumentos nas passagens em diversas cidades do país. A questão é que o IBGE realiza a pesquisa somente nas seis maiores capitais, excluindo cidades menores do estudo. Não por acaso, os aumentos surgem após o término das eleições e no período de férias - quando estudantes têm dificuldades para articular manifestações que revertam o reajuste. Exigindo a redução da tarifa e o Passe-Livre, estudantes e entidades comunitárias afirmam que o transporte coletivo não pode ser considerado uma mercadoria. Para as entidades, o transporte coletivo é um setor fundamental para o funcionamento de uma cidade. Sendo o meio de transporte mais utilizado, é responsável pela locomoção da população ao local de trabalho, de estudo e de lazer. Tarifa de ônibus aumenta novamente Aumento em Florianópolis acompanha reajustes em todo o Brasil camarada d. Aumento em todo Brasil Os recentes aumentos das tarifas de ônibus são reflexos de uma política nacional de reajuste. Na mesma proporção crescem movimentos para resistir e barrar estes aumentos. Diversas manifestações foram organizadas em Maceió (Alagoas), Joinville (Santa Catarina), Aracaju (Sergipe), Belo Horizonte (Minas Gerais), Recife (Pernambuco) e Pelotas (Rio Grande do Sul) e, recentemente, em São Paulo, devido ao aumento das passagens do metrô e trens, administrados pelo Governo do Estado. Em Florianópolis As empresas de ônibus, insatisfeitas com a revogação do aumento em julho de 2004, quando milhares de pessoas pararam a cidade e conseguiram reverter um aumento tarifário (ver matéria abaixo), entraram com um pedido de suspensão contra a decisão da Justiça Federal. No dia 16 de agosto as empresas pediram um aumento de 6,8%, baseado no índice da inflação daquele mês. O Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Florianópolis (Setuf) anunciou, na noite de 18 de dezembro, o aumento de 6,8%, baseado em uma decisão judicial. A Prefeitura não emitiu nenhum comunicado e no domingo, 19 de dezembro, as passagens de Florianópolis se tornaram mais caras. No dia 20 de dezembro, o Setuf soltou nota anunciando que desejaria um reajuste de 33%. Porém, a Prefeitura, ainda sob administração de Ângela Amin, afirmou que não foi consultada para conceder o aumento. Não por ser contrária, mas por achar o índice de 15,6% mais adequado. O impasse está entre aumentar tudo de uma vez ou em pequenas doses, evitando que a população sinta muito a diferença. Além disso, assim como no resto do Brasil, o aumento surge no período de férias escolares, para evitar que estudantes organizem novas revoltas. No dia 21 de dezembro houve uma assembléia, por volta das 18h, em frente ao Terminal do Centro, para discutir as possíveis ações contra este novo reajuste e possíveis outros aumentos. A assembléia, convocada pelo Movimento pelo Passe-Livre, teve como ponto central a criação de Conselhos de Bairros, horizontais e sem ligações com partidos políticos. Os Conselhos teriam a função de dar as condições para a população estar constantemente organizada e pronta para articular a resistência ao aumento e outras lutas de seu interesse. Ao meio dia, alunos e alunas do Cefet fecharam a Avenida Mauro Ramos por alguns minutos. No Terminal do Rio Vermelho, moradores e moradoras se manifestaram e entraram em confronto com a Polícia. Às 19h, após a assembléia, 50 pessoas fecharam a Avenida Paulo Fontes, em frente ao Terminal do Centro, recebendo apoio da população. Às 19h40 a manifestação seguiu em passeata pela Avenida Paulo Fontes. Em frente à Assembléia Legislativa manifestantes realizaram a Operação Porta Aberta, abrindo a porta traseira do ônibus e entrando gratuitamente, como uma forma de manifestação contra o abusivo aumento. Policiais Militares entraram no ônibus e retiraram algumas pessoas que nem ao menos estavam na manifestação. Em seguida a avenida foi novamente fechada, até o Comandante da Polícia ameaçar prender alguns manifestantes tratando o ato com truculência. Nos dias 21 e 22, membros do Movimento pelo Passe-Livre entregaram panfletos convocando as pessoas para a criação dos Conselhos e para resistir ao aumento. Manifestantes fecham ponte: em julho a população de Florianópolis conseguiu reduzir a tarifa de ônibus depois de dez dias de mobilizações Pulando catracas O ano de 2004 acabou exatamente como começou em Florianópolis: em luta! Com alguns fatos significativos neste hiato de tempo. Entre esses fatos, uma das maiores, senão a maior revolta estudantil e popular da história da cidade – a Revolta da Catraca de julho de 2004 –, a promulgação da lei do passe-livre, que virou realidade em dezembro, e uma série de outros exemplos significativos de luta para a cidade, para o Estado e para o país, como, por exemplo, a greve dos bancários e as paralisações dos praças militares. No dia 21 de dezembro, com 24 horas apenas de aviso, o Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Florianópolis (Setuf) ousou aumentar os preços das tarifas. É preciso observar que se aprendemos algo com a Revolta da Catraca, nossos adversários aprenderam também. Agora o aumento do transporte é precedido de larga preparação do terreno. A autorização para o aumento de 6,81%, dada pela justiça, datava de agosto, e presume-se que desde então os empresários gostariam de aplicá-la. No entanto, esperaram a semana do Natal, repassando um aumento relativamente pequeno, no recesso da maioria absoluta dos estabelecimentos de ensino, no recesso do poder judiciário, no recesso do movimento sindical, inclusive passando por cima do Conselho Municipal de Transporte, que na realidade, nos momentos de crise, demonstra sua fragilidade e inutilidade diante da sanha dos empresários. Diante do presente de Natal bem arquitetado pelo Setuf, força superior, que controla um setor estratégico da cidade sem qualquer regulação, a população sentiu-se prostrada. O Movimento pelo Passe Livre convocou assembléia para o Terminal de Integração do Centro da capital, reunindo uma centena de pessoas, que em seguida paralisaram por cerca de quarenta minutos a Avenida Paulo Fontes, em frente ao terminal. As atividades de assembléias duraram mais dois dias, reunindo um número um pouco menor de pessoas, o que é relativamente natural, em virtude do período do ano. Porém, dez mil panfletos foram distribuídos, um carrinho de som foi utilizado na discussão com a população, que mais uma vez encontrou o pessoal da “resistência”, que luta por um transporte coletivo público, estatal, decente e de qualidade. Essa mini-jornada dos dias 21, 22 e 23 de dezembro na capital, coroaram um ano de intensa luta em relação ao transporte coletivo, e marcou posição no sentido de marcelo pomar que a discussão do transporte é um problema de médio e longo prazo, e que é preciso mudar a concepção do Estado acerca dos transportes coletivos urbanos, para que não sejam vistos como um negócio lucrativo à verdadeiras máfias às expensas do povo trabalhador e de seus filhos. Enquanto o transporte coletivo não for visto como uma questão de Estado, de acesso e democratização, revoltas vão estourar Brasil adentro. Deve ser pauta das juventudes organizadas em geral, encampar a luta de forma independente, sem restrições partidárias, pela construção de movimentos pelo passe-livre nas suas cidades, abrindo uma ampla discussão sobre o transporte coletivo, e buscando associação à luta pela construção de um movimento nacional pelo passe livre. Está convocado para o dia 29 de janeiro, no Fórum Social Mundial 2005, na estrutura do Caracol Intergalactika, uma Plenária Nacional do Movimento pelo Passe-Livre. Trabalhemos para nos encontrarmos lá. estudantes protestam contra o aumento de tarifas de ônibus em Maceió. textos e fotos em: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/12/301493.shtml → Revolta do Buzu, Salvador. textos e fotos em: http://www.midiaindependente.org/pt/blue//2003/09/262484.shtml Os dez dias que embalaram Floripa Em junho de 2004, a Pre- cara do país. feitura de Florianópolis anunciou Se em 2003 as manifestaque o juiz da 2a Vara da Fazenda, ções contra o aumento da tarifa e Domingos Paludo, havia autorizado a implantação do Sistema Integrado um aumento de 33% nas tarifas de de Transporte não obtiveram êxito, transporte coletivo, número, se- depois de 2004 Florianópolis nunca gundo a Prefeitura, necessário para mais seria a mesma. A Prefeitura bancar os custos do Sistema Inte- anunciou o aumento da tarifa que grado de Transporte. O juiz utilizou entraria em vigor no dia 28 de as planilhas de custos das próprias junho. A Campanha pelo Passeempresas de ônibus para tomar sua Livre deu início, então, ao que ficou decisão. Mas, mesmo concedendo o conhecido como “A Revolta da aumento, o juiz acusou uma série Catraca”. No dia 27 de junho, estude irregularidades no cálculo ta- dantes acamparam na Universidade rifário. Grande parte dos ítens era Federal de Santa Catarina. No dia supervalorizada. seguinte, marcharam até o TermiA prefeita Ângela Amin, nal do Centro, bloquearam todas tentando obter uma boa impressão as entradas e saídas dos ônibus. A para sua administração, anunciou população aderiu à manifestação e que iria reajustar somente 15,6%. foi desencadeado um movimento Ângela precisava melhorar sua popular único na história da cidade. imagem em relação ao transporte, Participaram intensamente diversas :: Marcelo Pomar é membro do já que desde o início de sua associações de moradores, o Fórum Movimento pelo Passe-Livre administração o reajuste passou dos Transportes e a Campanha pelo – Florianópolis/SC e da Juventude Revolução Independente (JRI) de 270%. Porém, com este novo Passe-Livre. [email protected] aumento a média das tarifas de O Movimento pela Florianópolis se tornaria a mais www.midiaindependente.org | (copyleft) é livre e estimulada a reprodução do conteúdo deste jornal desde que não seja para fins comerciais, que a fonte [autor + cmi] seja citada e esta nota incluída Redução da Tarifa demonstrou sua capacidade de organização e força em dois sentidos. Em primeiro lugar, com a própria conquista – a Prefeitura não conseguiu implantar o aumento nas passagens. Em segundo, com a singular forma de organização fora dos partidos políticos e sem lideranças autoproclamadas. Em julho de 2004, as pessoas de Florianópolis puderam participar de um movimento baseado na democracia direta, ou seja, um movimento que possibilitou intensa participação popular nas discussões e decisões. Durante dez dias o Movimento pela Redução da Tarifa ocupou as pontes que ligam a ilha ao continente, as principais avenidas e os terminais de ônibus. Ameaçou o poder público, convocando uma imensa manifestação para o dia 8 de julho. A Prefeitura, o Governo do Estado e a Câmara de Vereadores decretaram ponto facul- tativo. E, para finalizar, o juiz federal Jurandi Borges Pinheiro revogou o aumento das tarifas pois, nas palavras dele: “é de conhecimento público que se instalou na cidade um verdadeiro caos social advindo da justa revolta dos usuários em decorrência dos exorbitantes preços atribuídos às passagens do transporte coletivo.” E continua: “Já são nove dias de verdadeiro ‘combate’ nas ruas de Florianópolis, onde estudantes, lideranças comunitárias e a população em geral deixaram extravasar a revolta decorrente do aumento das tarifas.” :: camarada d. é integrante do CMI Floripa e do Movimento pelo Passe-Livre – Florianópolis/SC [email protected] mais sobre o problema do transporte coletivo em Floripa - textos, fotos, áudios e vídeos: http://www.midiaindependente.org/pt/blue//2004/11/293777.shtml Qual é o problema do Sistema Integrado de Transporte? Ou o que é o Transporte Integrado no Sistema O Sistema Integrado de Transporte (SIT) foi inaugurado no dia 3 de agosto de 2003. Num clima de dúvida e desinformação, e com duas semanas de atraso devido a liminares judiciais contra o SIT, conseguidas pelos movimentos sindical e comunitário junto ao Ministério Público, o novo modelo de transporte viário de Florianópolis começou a funcionar marcado por arbitrariedades e desrespeito à população. O SIT consiste em 9 terminais de integração, distribuídos em regiões estratégicas da cidade (7 na ilha e 2 no continente), dividindoa também em 7 regiões tarifárias, com 6 patamares diferentes, variando entre R$ 1,05 (linhas sociais) e R$ 2,75. A concepção de integração da Prefeitura é de que, se for preciso utilizar dois ônibus para chegar ao destino, não é preciso pagar duas passagens integrais. Se o preço do segundo ônibus for o mesmo do primeiro, não haverá necessidade de pagar mais nada. Se os preços forem diferentes, será cobrado o preço do mais caro. Mas apenas as pessoas que podem comprar o “Cartão Cidadão” podem fazer a integração. O alto custo e a falta de controle sobre a tarifa são os principais problemas do transporte coletivo em Florianópolis. Apenas as empresas têm acesso ao banco de dados que contém as informações sobre os gastos para funcionamento das linhas. É através desse banco de dados que se calcula o preço das passagens. Mesmo na ação judicial que permitiu o aumento da tarifa em 2003, o juiz da 2ª Vara da Fazenda da Capital, Domingos Paludo, admite que “o sistema integrado é muito caro para o usuário e não o beneficia”. Porém os problemas do SIT não se reduzem ao preço da tarifa – uma das mais caras do Brasil. O número de horários diminuiu. Dessa forma, as pessoas se acumulam, esperando o próximo horário, e praticamente todos os ônibus estão levando um número muito maior de passageiros/as. Isso ilustra uma lógica de diminuição de custos visando maiores lucros. Em 1996 a prefeita Ângela Amin apresentou a proposta do Sistema Integrado de Transporte. Esta proposta teve um orçamento gigantesco, o que levou a prefeitura a declarar que não teria condições de arcar sozinha com os custos das obras. Abriu, então, processo de licitação pública para a construção de 7 dos 9 terminais de integração da cidade. Onze empresas compraram o edital de licitação. Cinco delas (Transol, Canasvieiras, Insular, Estrela e Sul Catarinense) se uniram num consórcio, a Cotisa, e apresentaram a proposta que foi aceita. O acordo com a prefeitura previa a doação dos terrenos para a Cotisa, que por sua vez arcaria com a construção dos terminais de integração. Isso significa que a prefeitura doou a maioria dos terrenos, patrimônios públicos, para algumas empresas reverterem sua mercadoria, o transporte, em lucro privado.