UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
BRUNA FROGERI FERNANDES
“NÓS NÃO VALEMOS NADA!”: UMA ANÁLISE SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO
E SUBJETIVIDADE DOS MOTORISTAS DE ÔNIBUS DE CURITIBA.
CURITIBA
2013
BRUNA FROGERI FERNANDES
“NÓS NÃO VALEMOS NADA!”: UMA ANÁLISE SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO
E SUBJETIVIDADE DOS MOTORISTAS DE ÔNIBUS DE CURITIBA
Monografia apresentada à disciplina Monografia II
como requisito parcial para a conclusão do Curso de
Psicologia do Setor de Ciências Humanas, Letras e
Artes da Universidade Federal do Paraná.
Orientadora: Profª. Lis Andréa Pereira Soboll.
CURITIBA
2013
AGRADECIMENTOS
À Professora Lis Andréa por aceitar orientar este trabalho mesmo após a inscrição para
disciplina ter encerrado, pelas supervisões, pela confiança e incentivo.
Aos motoristas que tão prontamente aceitaram participar da pesquisa.
Ao Elver e à Mônica pelo acompanhamento no estágio, por dividirem comigo suas experiências
profissionais.
Ao Jardel, meu namorado, pelo companheirismo.
À minha irmã Krícia, pela amizade.
Aos meus amigos.
À Jandyra.
RESUMO
Esta pesquisa objetivou investigar a organização do trabalho do transporte coletivo de Curitiba e
sua relação com o sofrimento dos motoristas, sofrimento esse que culmina no processo de
adoecimento mental vivenciado por alguns dos trabalhadores desse grupo profissional. A fim de
cumprir esse objetivo, a pesquisa contemplou a realização e análise de entrevistas realizadas com
quatro desses profissionais e, também, uma pesquisa documental sobre as principais entidades no
âmbito do transporte coletivo na cidade. O material foi tratado a partir da análise qualitativa de
Bardin e os resultados foram analisados tomando como referência a teoria da Psicodinâmica do
Trabalho. A discussão dos dados evidenciou que o sofrimento que os motoristas dizem enfrentar no
desenvolvimento de sua atividade laboral estão relacionadas com as normas internas, muitas vezes
paradoxais, da organização do trabalho, e em especial no que tange ao controle e a vigilância do
trabalhador. Observou-se, ainda, que os profissionais não têm reconhecimento pelo seu trabalho, o
que impede a transformação do sofrimento em prazer e leva o trabalhador a engajar-se em
estratégias defensivas. As estratégias defensivas utilizadas pelos motoristas visam o seu
autocontrole no trabalho e tem a finalidade de suportar ao máximo as irritações do dia-a-dia. A
ideologia defensiva tem um valor funcional em relação à produtividade na medida em que por meio
do excesso de autocontrole, o que culmina na alteração da afetividade, o trabalhador torna-se mais
produtivo e dócil, o que permite a perpetuação do ciclo de exploração. Infere-se, assim, que o
trabalho como motorista de ônibus no transporte coletivo de Curitiba, nas atuais circunstâncias, é
possível por meio da exploração do sofrimento desses trabalhadores, da defesa utilizada por eles.
Concluiu-se que o lugar dado ao trabalhador nessa organização do trabalho tem um impacto
negativo sobre a sua identidade, a armadura da saúde mental, o que está relacionado ao sofrimento
patogênico do trabalhador e ao processo de adoecimento psíquico vivenciado por uma parcela
significativa desses profissionais.
Palavras-chave: Motoristas. Saúde mental. Sofrimento.
RESUMEN
Este estudio objetiva investigar la organización del transporte público en Curitiba y su relación
con el sufrimiento de los automovilistas, que culmina en el proceso de la enfermedad mental
experimentada por algunos trabajadores de este colectivo profesional. A fin de cumplir ese
objetivo, la investigación contempló la realización y análisis de entrevistas realizadas con cuatro
de esos profesionales y, también, una investigación documental sobre las principales entidades
en el ámbito del transporte colectivo en la ciudad. El material fue tratado a partir del análisis
cualitativo de Bardin y los resultados fueron analizados tomando como referencia la teoría de la
Psicodinâmica del Trabajo. En la discusión de los datos se evidenciou que el sufrimiento que los
conductores dicen enfrentar en el desarrollo de su actividad laboral están relacionadas con las
normas internas, muchas veces paradoxais, de la organización del trabajo y en especial en el que
tange al control y la vigilancia del trabajador. Se observó, aún, que los profesionales no tienen
reconocimiento por su trabajo, lo que impide la transformación del sufrimiento en placer y lleva
el trabajador la engajar-si en estrategias defensivas. Las estrategias defensivas utilizadas por los
conductores visan su autocontrol en el trabajo y tiene la finalidad de soportar al máximo las
irritaciones del día-a-día. La ideología defensiva tiene un valor funcional en relación a la
productividad en la medida en que por medio del exceso de autocontrol, lo que culmina en la
alteración de la afectividad, el trabajador se hace más productivo y dócil, lo que permite la
perpetuação del ciclo de explotación. Se infiere, así, que el trabajo como conductor de autobús
en el transporte colectivo de Curitiba, en las actuales circunstancias, es posible por medio de la
explotación del sufrimiento de esos trabajadores, de la defensa utilizada por ellos. Se concluyó
que el lugar dado al trabajador en esa organización del trabajo tiene un impacto negativo sobre
su identidad, la armadura de la salud mental, lo que está relacionado al sufrimiento patógeno del
trabajador y al proceso de adoecimento psíquico vivenciado por una cuota significativa de esos
profesionales.
Palabras clave: Conductores. Salud mental. Sufrimiento
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 7
2. QUADRO DE REFERÊNCIA TEÓRICO ........................................................................ 9
2.1. O CAMPO DA SAÚDE MENTAL E TRABALHO ......................................................... 9
2.2. A SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO PRECARIZADO ............ 13
2.3. ENTRE O SOFRIMENTO E O ADOECIMENTO MENTAL .................................... 17
2.4. UMA CARACTERIZAÇÃO SOBRE AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS
MOTORISTAS DE ÔNIBUS .............................................................................................. 24
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................................... 33
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ....................................................................................... 36
4.1. A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ........................................................................ 36
4.1.1. As condições de trabalho ....................................................................................... 36
4.1.2. Os horários para o cumprimento do itinerário ....................................................... 38
4.1.3. As relações de trabalho .......................................................................................... 38
4.1.3.1. Fiscais e supervisores ..................................................................................... 39
4.1.3.2. Os passageiros ................................................................................................. 45
4.1.3.3. O relacionamento entre pares .......................................................................... 46
4.1.3.4. O relacionamento com os cobradores ............................................................. 47
4.1.4. “Nossa! Parece que tão me perseguindo!”: o controle sobre o trabalho dos
motoristas ......................................................................................................................... 48
4.2. UMA ANÁLISE ACERCA DAS RELAÇÕES DE PODER: OS MOTORISTAS
DE ÔNIBUS DE CURITIBA E O IMBRÓGLIO INSTITUCIONAL ................................ 52
4.2.1. A Urbs .................................................................................................................... 53
4.2.2 As empresas de transporte coletivo e a Urbs........................................................... 54
4.2.3. O sindicato dos trabalhadores ............................................................................ 57
4.3. UMA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PARADOXAL: O SISTEMA DE
TRANSPORTE COLETIVO DE CURITIBA ..................................................................... 62
4.4. UMA ANÁLISE DO SOFRIMENTO NO TRABALHO............................................. 65
4.4.1. O Reconhecimento ................................................................................................. 65
4.4.2. As Estratégias Defensivas ...................................................................................... 70
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 80
6. REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 85
7. ANEXOS ............................................................................................................................. 94
7
1. INTRODUÇÃO
“Nenhuma outra técnica para a conduta da vi da prende o indivíduo tão firmemente à
realidade quanto à ênfase concedida ao trabalho (Arbeit), pois este, pelo menos,
fornece-lhe um lugar seguro numa parte da realidade, na comunidade humana. A
possibilidade que esta técnica oferece de deslocar uma grande quantidade de
componentes libidinais, sejam eles narcísicos, agressivos ou mesmo eróticos, para o
trabalho profissional (Berufsarbeit) e para os relacionamentos humanos a ele
vinculados empresta-lhe um valor que de maneira alguma está em segundo plano
quanto ao de que goza como algo indispensável à preservação e justificação da
existência em sociedade” (FREUD, 1930 Das Unbehagen in der Kultur).
Seria alentador abordar o trabalho como meio de vi da e de conquista da dignidade
humana e observar o alívio do esforço/sofrimento do trabalhador em face dos avanços
tecnológicos e do conheci mento cientí fico acumulados na história da humanidade. Entretanto,
o que se constata no mundo do trabalho é um dista nciamento crescente entre práticas
organizacionais e direitos sociais conquistados pelos trabalhadores. É o paradoxo que encobre
o trabalho contemporâneo, sua combi nação com a precarização social, com o adoecimento
dos indivíduos e a destruição ambiental (FRANCO; DRUCK; SELIGMANN- SILVA, 2010).
A relevância do estudo na área da saúde mental do trabalhador se dá visto que o
adoecimento mental relacionado ao trabalho já é considerado uma enfer midade emer gente e
preocupante para a Saúde Pública (WATANABE et al., 2010). Além disso, esse adoecimento
se reflete nos índices afastamentos e benefícios que, em sua últi ma instância, onera o Sistema
Único de Saúde (SUS) e o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) do nosso país
(WATANABE et al., 2010). No caso dos motoristas de ônibus da cidade de Curitiba, o
adoecimento mental vem sendo apontado na mídia, desde 2007, como um problema que afeta
uma parcela signi ficativa desses profissionais. A matéria “Motoristas de ônibus estão no
„Li mite‟”, publicada no jornal Gazeta do Povo1, edição de 16 de abril de 2007, deu maior
visibilidade ao assunto. Nela, há o relato de que, de acordo com o Sindi moc, si ndicato que
representa a categoria profissional na capital e nos municípios vizi nhos, 8% dos filiados estão
de licença médica devido a distúrbios psicológicos ou psiquiátricos.
1
MOTORISTAS
ESTÃO
NO
LIMITE.
Disponível
<http://abp.org.br/2011/medicos/clippingsis/exibClipping/?clipping=4339>. Acesso em: 02/09/2012.
em:
8
Além disso, o estudo da Procuradoria Regional do Trabalho da Nona Região (PRT,
2012), em que foram analisados os afastamentos dos motoristas de ônibus pelo INSS, de uma
das empresas de transporte coletivo de Curitiba, entre os anos de 2006 e 2012, também mostra
a relevância de uma maior investigação sobre o tema. Essa pesquisa , com base no Nexo
Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP 2) para o CNAE 49213, evidenciou que dos 50
motoristas que tiveram seu afastamento devido à doença com relação de nexo presumido
epidemiologicamente com o trabalho, 29
têm diagnóstico de transtor nos mentais e do
compor tamento (CID F), ou seja, 58% dos casos, uma parcela significativa dos afastamentos.
A saúde do motorista está relacionada à qualidade do serviço prestado, pois, caso o
trabalhador esteja adoecido, isso pode resultar em erros e acidentes que colocam em risco a
vida de um grande número de pessoas. O comportamento desses profissionais, assim como as
condições de seu trabalho, tem grande relevância social, visto que o transporte coletivo é uma
atividade essencial à população e de muita responsabilidade. Além disso, o sistema de
transporte público coletivo de Curitiba é bastante enaltecido nas propagandas realizadas pela
prefeitura da cidade, dessa forma, é pertinente investi gar a saúde mental dos seus operadores,
os grandes atores desse sistema.
Como pode ser observado na reportagem e no estudo citado acima, é, sobretudo, o
adoecimento mental que vem ocasionando o afastamento dessa categoria profissional de seus
postos de trabalho. Diante dessa constatação, vários questionamentos motivaram a realização
deste estudo: porque o adoeci mento dessa categoria profissional vem, sobretudo, ocorrendo
pela via psíquica? Partindo do principio de que a organização do trabalho está relacionada ao
adoecimento do trabalhador, em que medida estudar sobre essa organização pode clarificar
reflexões sobre o sofrimento/adoeci mento vivido por esses motoristas? E, de modo inverso, o
que o sofri mento pode nos di zer sobre a organização do trabalho?
Tem-se como pressuposto o fato de que trabalhar não é apenas uma atividade, não é
apenas produzir, “é também e sempre viver junto”, é ainda, uma relação social que envolve
2
O NTEP refere-se a relação que se estabelece entre entidade mórbida/ doença/ agravo à saúde
(Agrupamento da Classificação Internacional de Doenças - CID) e o segmento econômico (CNAE) do
empregador O NTEP rompe com o paradigma do nexo técnico individual entre o trabalhador e o agravo de
sua saúde ao trazer para o núcleo da investigação a figura do meio ambiente do trabalho como elemento
antecessor determinante ou condicionante do fenômeno mórbido. . Foi instituído pela Lei 11.430/2006,
que modificou o artigo 21-A da Lei nº 8.213/91.
3
Classificação Nacional de Atividades Econô micas número 4921, referente ao transporte coletivo de
passageiros, com itinerário fixo, municipal e em região metropolitana.
9
relações de equidade, de poder e de dominação (DEJOURS, 2012b, p. 38). De acordo com
Dejours (2012b), é necessário ter em mente que o engajamento da subjetividade do
trabalhador ocorre em um mundo hierarquizado, ordenado e repleto de constrangi mentos,
ainda perpassado pela luta de domi nação. As questões de ordem técnica, segundo ele, estão
mediati zadas
pelas
relações
hierárquicas,
"relações
de
solidariedade,
relações
de
subordinação, relações de formação, relações de reconheci mento, relações de luta e relações
conflituais" (DEJOURS, 1994, p. 138). Ressalta-se que esta pesquisa tem como pretensão
situar-se no campo político da Saúde do Trabalhador, falar desse lugar e não apenas do lugar
técnico da psicologia ao analisar a questão da saúde mental, o sofri mento vivenciado pelos
motoristas.
Com base no exposto, objetivou-se compreender, neste estudo, a relação entre a
organização do trabalho do sistema de transporte coletivo de Curitiba e o sofrimento
vivenciado pelos motoristas, tendo como referência a teoria da Psicodinâmica do Trabalho.
Contudo, desde aqui se esclarece que o objetivo do estudo não é realizar conclusões sobre o
tema, apenas considerações que permi tam refletir sobre a temática. Dessa for ma, sabe -se que
essa problemática não se esgotará nesse breve estudo.
Tendo em mente as concepções descritas acima, o estudo foi organi zado da seguinte
for ma: revisão de literatura dividida em quatro capítulos (o campo da saúde mental e trabalho;
a saúde mental no contexto do trabalho precarizado; entre o sofrimento e o adoecimento
mental; e, uma caracterização sobre as condições de trabalho dos motoristas de ônibus). A
parte dos resultados e discussão da pesquisa contemplou uma análise da organi zação do
trabalho do transporte coletivo de Curitiba, o que foi organizado em três capítulos (um sobre a
organização do trabalho; outro sobre as relações de poder no âmbi to do transporte coletivo; e
um terceiro referente ao paradoxo nessa organi zação do trabalho). A análise também contou
com um capítulo sobre o sofrimento dos motoristas no trabalho.
2. QUADRO DE REFERÊNCIA TEÓRICO
2.1. O CAMPO DA SAÚDE MENTAL E TRABALHO
10
De acordo com as esti mativas da Organização Mundial da Saúde, os chamados
transtor nos mentais menores afetam cerca de 30% dos trabalhadores ocupados e os
transtor nos mentais graves, cerca de 5 a 10% (JACQUES, 2003). Além disso, em nosso país,
segundo o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), os transtornos mentais ocupam a
terceira posição entre as causas de concessão de benefício previdenciário como auxílio
doença, afastamento do trabalho por mais de 15 dias e aposentadorias por invalidez
(MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL, 2001). Os dados divulgados pelo Laboratório de
Saúde do Trabalhador da Universidade de Brasília também confir mam a relevância do tema,
uma vez que demonstram um aumento de 260% do número de afastamentos por doenças
mentais de 2000 a 2006. Diante dos números cada vez mais abundantes de transtor nos
mentais e do comportamento associados ao trabalho, o que se constata nas estatísticas,
verifica-se um interesse crescente nos últi mos anos por questões relacionadas aos vínculos
entre trabalho e saúde/doença mental.
O campo da Saúde Mental e Trabalho deverá assumir cada vez maior i mportância para
os profissionais de saúde e da produção, como também para a or ganizações de trabalhadores
que procuram condições mais saudáveis de trabalho (SELIGMANN SILVA, 1986). Segundo
Seligmann Silva (1994) nesse campo passaram a ser exami nados os processos saúde/doença
vinculados à vida laboral, por meio de uma ótica distinta das anteriormente adotadas, tanto
pelo enriquecimento dos eixos de análise, quanto pelo estabelecimento de uma perspectiva em
que a fi nalidade das investi gações assumem diretrizes éticas. Os estudos visam investi gar os
aspectos “adoecedores” do trabalho, inclusive aqueles que possam estar servindo
simultaneamente aos interesses da produção. De acordo com a autora, utilizar a denomi nação
Saúde Mental do Trabalho
Seria focalizar também a saúde mental como processo onde as agressões dirigidas à
mente pela vida laboral são confrontadas pelas fontes de vitalidade e saúde
representadas pelas resistências de natureza múltipla, individuais e coletivas, que
funcionam como preservadoras da identidade, dos valores e da dignidade dos
trabalhadores (SELIGMANN SILVA, 1986, p.59).
Segundo Seligmann Silva (1986), o campo da Saúde Mental do Trabalho é
fundamental mente sócio-político, entretanto, moldado basicamente por forças econômicas,
que atuando por meio de estratégias organizacionais e tecnológicas, utilizam o corpo e a
mente do trabalhador como instr umentos de produção, ao mesmo tempo em que o afeta
morbigenamente. Essas ações, que causam o adoeci mento psíquico ao trabalhador, se
exercem por meio de distintas vias (social, psicológica e do próprio corpo do trabalhador,
11
instr umentalizado pelo processo laboral), em cami nhos que se cruzam numa trama de
complexas interações. Dessa forma, a relação entre saúde mental e os aspectos de uma
sociedade não pode ser considerada como reducionismo teórico, uma vez que se trata de um
binômio i ndivisível. Assim, apesar de teorizações que concebem a doença mental isolando a
pessoa do contexto social, o fato é que tal dissociação é indevida (ANGERAMI-CAMON,
1986).
A temática da saúde mental e trabalho já tem um cami nho percorrido no Brasil, uma
vez que estudos, pesquisas e atividades de intervenção na área surgiram em nosso país na
década de 1980. Mesmo anterior mente a esse período já se desenvolviam atividades que
enfatizavam a saúde mental daqueles que trabalham, entretanto, tais perspectivas não se
enquadram na área da Saúde Mental e Trabalho. Nesse contexto, o trabalho, suas condições e
organização eram tomados como pano de fundo, e, se privilegiava a oferta de assistência
psicoterápica aos trabalhadores. Além disso, na década de 1940, as denomi nadas ciências do
compor tamento também já se ocupavam da saúde mental das pessoas que trabalham, na qual a
medicina ocupava-se da esfera psicológica (SATO; BERNARDO, 2005). Para esses autores,
ao abstrair as condições concretas e as relações de trabalho, uma vez que ambas as
abordagens buscam a gênese dos problemas de saúde mental no universo intra -individual,
essas contribuíram para a construção da explicação culpabilizadora da vítima.
Ao contrário de concepções individualizantes, a Saúde Mental e Trabalho pertence ao
campo da Saúde do Trabalhador e, por isso, confor me a for mulação de Saúde Coletiva
descrita por Minayo- Gomez e Thedi m-Costa (1997), toma as relações de trabalho e sua
historicidade como matriz de leitura. Tal como é definido por esses autores, a Saúde do
Trabalhador refere-se a “um corpo de práticas teóricas interdisciplinares – técnicas, sociais,
humanas – e interinstitucionais, desenvolvidas por diversos atores situados em lugares sociais
distintos e infor mados por uma perspectiva comum” ( MINAYO-GOMEZ; THEDIMCOSTA, 1997, p. 25). Essa perspectiva é resultante de todo um patrimônio acumulado no
âmbi to da Saúde Coletiva, com raízes no movi mento da Medicina Social latino -americana e
infl uenciado pela experiência italiana.
De acordo com Bouyer (2010), no Brasil, nos anos de 1980 e 1990, o estudo das
patologias do trabalho esteve centrado de um lado, na organi zação do trabalho (tida como
patogênica e deter mi nante essencial do adoecimento) e nas condições de trabalho; e no outro
lado, nas síndromes e nos adoeci mentos q ue acometiam os trabalhadores. Entre estes dois
12
extremos, segundo o autor, permanecia uma lacuna na compreensão de como as mazelas da
organização do trabalho se convertiam em adoecimentos na estr utura biológica ou mental do
trabalhador. Estes estudos pecavam no estabelecimento de um nexo causal, cientificamente
verificável, entre a organização do trabalho e o adoecimento i ndividual. A solução para esta
lacuna entre o coletivo e o i ndividual, para Boyer (2010) pode ser equacionada, pela
Psicodinâmica do Trabalho, uma vez que essa se concentra na coletividade do trabalho (numa
dada organi zação do trabalho) e não apenas em indivíduos isolados. Além disso, os seus
conceitos permitem compreender o espaço entre o que está dado na dimensão coletiva (a
patogenia de uma deter mi nada organi zação do trabalho) e as suas manifestações na totalidade
biopsíquica do sujeito – não apenas a sua “nor malidade sofrente” (DEJOURS, 2012a, p. 36),
mas também as patologias ou as descompensações psicopatológicas (BOYER, 2010). Além
disso, segundo o autor, a Psicodinâmica do Trabalho tem demonstrado poder de
transfor mação nas or gani zações do trabalho em benefício dos que sofrem no ambiente
laborativo.
A psicodinâmica do trabalho analisa a constituição do sofrimento mental a partir da
percepção dos próprios trabalhadores. Estuda as vinculações entre o sofri mento e a
organização do trabalho, i nvesti gando também as dinâmicas pelas quais se constroem
sistemas coletivos de defesa e de compromisso ético nos locais de trabalho. As for mas de
exploração do sofrimento mental e das próprias defesas psicológicas individuais e coletivas
também são exami nadas por meio dessa teoria, que se utiliza do referencial psicanalítico para
a análise dos fenômenos subjetivos (SELIGMANN-SILVA, 1994).
Sobre o tema da saúde mental e trabalho, é nítido que a produção técnico-científica na
área teve crescimento nos últi mos anos (SATO; BERNARDO, 2005). Contudo, se os
condicionantes dessas investi gações estiverem ligados a interesses ligados à lógica econômica
que já influenciou tantas pesquisas, a for ma de conduzir as indagações não irá revelar, de fato,
o sofrimento relacionado aos dispositivos organizacionais que visam a maxi mização dos
lucros (SELIGMANN-SILVA, 1994). Por isso, de acordo com a autora, o desafio
metodológico está associado a um desafio político. Como defi ne Cancrini e Togliatti (1979),
quando se reduz o sofrimento mental a um problema orgânico e individual, alia -se aos
interesses que procuram negar a influência de condições laborais sobre a saúde mental.
Entretanto, os estudos recentes na área vem “oferecendo elementos no sentido de
fortalecer os argumentos e socializar o debate acerca da importante participação das
13
condições e da organização do trabalho na vivência dos problemas de saúde / doença menta l”
(SATO; BERNARDO, 2005, p. 875). De encontro a isso também se observa o aumento de
serviços dirigidos aos trabalhadores. Todavia, mui tos dos problemas que i mpulsionaram o
desenvolvimento dessa área ainda persistem.
A precarização, consequência perversa do conflito entre capital e trabalho
(WATANABE et al., 2010), passou a ser característica central do trabalho contemporâneo e
das novas relações de trabalho (FRANCO; DRUCK; SELIGMANN- SILVA, 2010). Nessa
conjuntura a saúde do trabalhador é atingida (WATAN ABE et al., 2010).
2.2. A SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO PRECARIZADO
A precarização do trabalho, segundo Franco, Druck e Seligmann-Silva (2010, p. 234)
afeta a sociedade como um todo e não se restri nge apenas à di mensão econômica. De for ma
mul tidimensional, essa deteriora todo o tecido social, “conduzindo a um processo de
desfiliação e de despertencimento social, causa direta de vulnerabilidade social e da
desfiliação”. Além disso, “a precarização do trabalho é um processo central, comandado pelas
novas exi gências tecnológico-econômicas da evolução do capitalismo moderno” (CASTEL,
19984, p. 409 apud FRANCO; DRUCK; SELIGMANN-SILVA, 2010). É possível definir que
no âmbito da sociedade salarial delineia-se, “uma era de precarização global que consolida a
perda da razão social do trabalho, com sérios i mpactos no i magi nário social, gerando
violência e adoecimentos, caracterizando uma condição de vulnerabilidade e desfiliação
social”. O processo de despertencimento social, é produzido no seio da flexibiliza ção, pelo
binômio terceirização/precarização, conduz à fragilização dos laços e dos referenciais de
pertenci mento social, levando, à desagregação social, com a proliferação da violência social,
sofrimento e adoecimento, com ênfase para as patologias muscul oesqueléticas (LER/DORT) e
os transtor nos mentais, cada vez mais frequentes, sem limites de classe, gênero, etnia, idade
etc. (FRANCO; DRUCK; SELIGMANN-SILVA, 2010, p.234).
Outra questão relevante para a análise do trabalho precarizado são os avanços
tecnológicos e as novas organizações do trabalho, que não trouxeram o fi m do trabalho
penoso, acentuaram as desigualdades e a inj ustiça social e trouxeram for mas de sofri mento
4
CASTEL, R. As metamorfoses da questão soci al: uma crônica do salário. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.
14
mais complexas e sutis do ponto de vista psíquico (LANCMAN, 2011). Segundo Gaulejac
(2007), as evoluções tecnológicas, que poderiam libertar o homem do trabalho, parecem, ao
inverso, colocá-lo sob pressão, uma vez que o alívio do fardo físico, por meio da tecnologia, é
compensado por investi mento subjetivo aumentado. Assim, apesar de aliviar a fadiga física, o
aparato tecnológico no trabalho aumenta a pressão psíquica sobre o trabalhador. A pressão
pelo tempo, pelos resultados e também pelo medo têm consequências terríveis sobre ele,
gerando “compor tamentos de adição, estresse cultural, se nti mento de invasão, contra o qual é
difícil de se defender, e sofrimentos que o indivíduo esconde; do contrário, se fossem
expressos, ele ficaria visado” (GAULEJAC, 2007, p.214). Além disso, de acordo com Bouyer
(2010), na produção de diferentes tipos de serviços observa-se o maior controle do trabalho e
menor autonomia para a livre elaboração dos modos operatórios e das estratégias de ação, o
que i mpacta, signi ficativamente a relação saúde trabalho.
Apesar dos elevados patamares tecnológicos alcançados e m nossa sociedade, o mundo
da produção conti nua, predomi nantemente, estr uturado e se movendo pela acumulação de
capital e lucro, o que leva à progressiva hipotrofia e perda de uma razão social do trabalho,
tendo como ressonância a perda do sentido do trabalho (FRANCO; DRUCK; SELIGMANNSILVA, 2010). Para as autoras, a lógica produtiva permanece a mesma que orientavam as
relações capital/trabalho no século XIX, aprofundando a apropriação privada da riqueza
socialmente gerada e dos elementos da natureza, cons olidando o mercado como eixo da
sociedade. Esta lógica, segundo elas, limita, ou mesmo exti ngue, as possibilidades do trabalho
se constituir um meio de desenvolver a dignidade, a solidariedade e as potencialidades do ser
humano.
Segundo Gaulejac (2007), o mundo parece cada vez mais insensato, visto que os
ganhos de produtividade não i mpedem as demissões, as ações têm alta ou baixa sem ligação
clara com os desempenhos efetivos, e as empresas fecham apesar de serem rentáveis. De
encontro com a perda social do trabalho, tal como definido por Franco, Druck e SeligmannSilva (2010), o autor explica que quando a lógica fi nanceira faz sentido por si mesma, as
relações entre o mundo do dinheiro e o mundo do trabalho dissipa -se, fazendo com que o
trabalho humano perca suas signi ficações primeiras. Para esse autor, o sentido do trabalho é
colocado em suspenso quando a atividade é avaliada a partir de critérios que não tem sentido,
visto que a constr ução de nor mas preestabelecidas não per mite medir a qualidade do serviç o
prestado. Nesse universo gerencialista, “a subjetividade é moldada sobre objetivos, resultados,
15
critérios de sucesso, que tendem a excl uir tudo aquilo que não é útil ou rentável. O valor
comercial tende a se i mpor a qualquer outra consideração” (GAULEJAC, 2007, p. 154).
Tal como defi nem Franco, Dr uck e Seligmann-Silva (2010), a precarização do
trabalho é um processo complexo, uma vez que mantém a relação capital/trabalho em sua
essência, ao tempo em que altera as suas for mas de existência. A par tir desse processo, há a
neutralização e anulação da regulação social do trabalho (com a conseqüente perda de direitos
conquistados pelos movi mentos sociais), naturalizando o trabalho precário, banalizando a
injustiça social e a violência no trabalho (principal mente, a violência psicológica). Disseminase, assim, “uma era de precarização social e de trabalho socialmente desagregador, terreno
fértil para o sofrimento e o adoecimento dos indivíduos, confi gurando o trabalho patogênico”
(FRANCO; DRUCK; SELIGMANN- SILVA, 2010, p. 230).
Franco, Dr uck e Seligmann- Silva (2010) apontam que atual mente observa-se a
precarização da saúde dos trabalhadores. Essa vem incidindo de modo marcante na saúde
mental, que é indissociável da saúde como um todo. Para as autoras, trata -se da fragilização
(orgânica, existencial e identitária) dos sujeitos pela organi zação do trabalho com
intensificação da multiexposição. No Brasil, essa fragilização é acrescida das limitações
impostas, em grande parte das empresas em nome de uma equivocada c ontenção de custos,
postura que menospreza o que seriam investi mentos em saúde e segurança dos trabalhadores e
revela uma negação do valor da proteção à saúde e a vida.
Além disso, a precarização no mundo do trabalho, ao mi nar a identidade individual e
coletiva, conduz a fragilização dos agentes sociais e organi zações sindicais, o que enfraquece
as possibilidades de enfrentamento dessas condições. Então, a partir da “precarização da
organização coletiva, aumenta tanto a vul nerabilidade social quanto a i ndi vidual”. “A
insegurança e a desproteção, vivenciados por todos e por cada trabalhador/a, produzem
reações e desdobramentos de di ferentes tipos – incl usive transtornos psíquicos” (FRANCO,
DRUCK; SELIGMANN- SILVA, 2010, p.233).
Segundo Sato e Bernardo (2005), os trabalhadores têm condições de reconhecer as
situações de risco do trabalho para sua saúde, entretanto, não têm tido outra opção que não a
submissão a essas condições.
Essa submissão consciente a condições inadequadas, particularmente no que diz
respeito ao ritmo de trabalho e às pressões cotidianas, parece estar se tornando um
fator adicional de sofrimento psíquico que merece uma atenção especial da área de
Saúde Mental e Trabalho. (SATO; BERNARDO, 2005, p.876).
16
Dejours (2012a) explica que uma das conseqüências da precarização no mundo do trabalho é
a insensibilidade frente ao sofri mento al heio, visto que nesse contexto cada trabalhador deve
antes de tudo se preocupar em resistir e portanto, a percepção do sofri mento al heio constitui
uma di ficuldade que prejudica os esforços de resistência. De acordo com Sato e Bernardo
(2005), esse contexto parece ser pouco propício para o desenvolvimento de práticas
embasadas no discurso da Saúde do Trabalhador, cedendo espaço para o discurso da Saúde
Ocupacional/ Medicina do Trabalho.
Como aponta m Vasconcelos e Faria (2008, p.454) o que ocorre na atualidade é que as
práticas de Saúde Mental coexistem com uma pressão por produtividade crescente, num
ambiente competitivo, no qual os sujeitos devem estar sempre prontos para mudar e se adaptar
às demandas do mercado. A sociedade propõe ao sujeito uma ordem alienada: “pede -lhe que
mude para se adaptar, que se adapte para obedecer, que obedeça para que nada se altere senão
em função dos interesses daqueles
que detêm o poder político e econômico” (KALINA;
KOVADLOFF, 1983 5 apud ANGERAMI-CAMON, 1986, p.135).
Segundo Vasconcelos e Faria (2008), as ações no âmbito da saúde do trabalhador
ocorrem nas empresas somente quando os sintomas se transfor mam em doenças e essas se
transfor mam em “redução de produtividade”. Além disso, os programas de saúde estão dentro
de uma função de tradução ideológica, “mais relacionados à estratégia da competitividade da
organização do que com uma real preocupação com a saúde física e mental dos integrantes da
organização”. Assim, os programas de saúde acabam sendo intervenções de caráter pontual,
paliativo, sem uma i nvestigação das causas de sofrimento e sem o engajamento e apoio dos
dirigentes da organi zação (VASCONCELOS; FARIA, 2008, p.458).
Gaulejac (2007) afirma que ao i nvés da sociedade estar a serviço do desenvolvimento
econômico, é necessário pensar uma economia a serviço do bem comum. Os direitos sociais
que defendem a vida são inegociáveis e que é necessário resgatar a dignidade no trab alho e
sua função social (FRANCO; DRUCK; SELIGMANN-SILVA, 2010). Segundo Gaulejac
(2007), a crise que atravessamos na sociedade atual não é uma crise econômica, uma vez que
conti nuamos a produzir riqueza, mas, antes de tudo ela é uma crise simbólica que atinge as
relações entre o econômico, o político e o social. Convém, confor me o autor, pensar a gestão
5
KALINA, E.; KOVADLOFF, S. As ceri môni as da destrui ção. Livravia Francisco Alves Editora S.A., Rio de
Janeiro, 1983, p. 100.
17
reinscrevendo-a em uma preocupação antropológica, “uma gestão humana dos recursos, mais
do que uma gestão dos recursos humanos” (GAULEJAC, 2007, p.145)
.
Além disso, a precarização do trabalho é uma constr ução histórica, e portanto,
modificável. Os adoecimentos e acidentes de trabalho também são evitáveis. A prevenção,
ainda que envolva diversos níveis de complexidade, aponta para a necessidade de “civiliza r” o
mundo do trabalho a partir de elementos básicos, que precisam ser traduzidos em políticas
públicas. As práticas de enfrentamento da precarização social do trabalho precisam ser
fortalecidas e são uma necessidade em defesa da vida. Essas têm sido exerc idas por agentes
sociais diversos, tais como sindicatos de trabalhadores, o Estado - Ministério Público do
Trabalho (MPT), Tribunal Regional do Trabalho (TRT), Centro de Referência em Saúde do
Trabalhador (Cerest), Superintendência Regional do Trabalho e E mprego (SRTE) e Fundação
Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro) – e
universidades. No cotidiano das práticas de Saúde Pública e das atividades clínicas, é
necessário que as atividades sejam realizadas em nome da cidadania social que se encontra
em retrocesso no mundo (CASTEL, 20096 apud FRANCO; DRUCK; SELIGMANN-SILVA,
2010).
Os reflexos da precarização do mundo do trabalho são o aumento extraordinário da
produtividade e da riqueza. Porém, por outro lado assiste-se “a erosão do lugar acordado à
subjetividade e à vida no trabalho” (DEJOURS, 2012b, p. 43). Nesse ponto abre-se o espaço
para o sofrimento e, talvez, posteriormente, para o processo de adoecimento, o que será o
tema do próxi mo capítulo.
2.3. ENTRE O SOFRIMENTO E O ADOECIMENTO MENTAL
De acordo com Lancman (2011, p.31), o trabalho tem uma função psíquica, uma vez
que é um dos grandes alicerces de constituição do sujeito e de sua rede de signi ficados.
Segundo a autora, “processos como reconheci mento, grati ficação, mobilização, mobilização
da inteligência, mais do que relacionados à realização do trabalho, estão ligados à constituição
da identidade e da subjetividade”. Quando esses processos encontram-se impedidos ou
6
CASTEL, R. La montée des i ncerti tudes: travail, protections, statut de l‟individu. Paris: Seuil, 2009.
18
dificultados, abre-se o espaço para o sofrimento e talvez, posteriormente, para as
descompensações psicopatológicas.
Borsoi (2007) descreve que é preciso considerar que a saúde/doença mental trata de
um processo que expressa determi nadas condições da vida e também deter minada capacidade
dos indivíduos para o enfrentamento dos desafios, conflitos e agressões apresentados pela
realidade na qual vivem. Assim, sofri mento psíquico e doença mental são processos
qualitativamente disti ntos e “o espectro da inter -relação saúde mental e trabalho abrange,
portanto, do mal estar ao quadro psiquiátrico, inclui ndo o sofri mento mental” (GLINA et al.,
2001, p.608).
Segundo Dejours (1992), a organi zação do trabalho exerce sobre o sujeito uma ação
específica, cujo impacto é o aparelho psíquico e em certas circunstâncias, eme rge o
sofrimento relacionado ao choque entre a história individual do sujeito (dotada de desejos e
esperanças), e uma organização do trabalho que os ignora. Esse sofrimento, de natureza
mental, começa quando o sujeito, já não pode fazer nenhuma modificação na sua tarefa no
sentido de tor ná-la mais de acordo com as suas necessidades fisiológicas e a seus desejos
psicológicos – isso é, quando a relação homem- trabalho é bloqueada (DEJOURS, 1992).
Segundo Dejours (2012a, p.35), “se o sofri mento não se faz acomp anhar de
descompensação psicopatológica, é porque contra ele o sujeito emprega defesas que l he
permitem controlá-lo”. Os mecanismos de defesa têm a finalidade de evitar a descompensação
e conservar um equilíbrio possível, com a condição que se preserve o c onfor mismo aparente
do comportamento e satisfaça aos critérios sociais de nor malidade (DEJOURS, 1992). Eles
têm o objetivo de mascarar conter e ocultar uma ansiedade particularmente grave frente a um
perigo e um risco reais. Além disso, a ideologia defensi va garante a coesão grupal e exclui
quem não partil ha do conteúdo da ideologia; tem sempre um caráter vital, necessário,
obrigatório e fundamental, substituindo os mecanismos de defesa individuais (DEJOURS,
1992).
Dejours (1992) defi ne ainda que a ideologia defensiva tem um valor funcional em
relação à produtividade, o que ele designa como exploração do sofri mento. Dessa for ma, o
sofrimento mental não pode ser considerado apenas como uma consequência deplorável ou
um aconteci mento lamentável, visto que em certos casos ele se revela propício à produção,
sendo o próprio instr umento para obtenção do trabalho. “O trabalho não causa o sofri mento, é
o sofrimento que produz o trabalho”, e o que é explorado pela organi zação do trabalho é,
19
principalmente, os mecanismos de defesa contra esse sofrimento (DEJOURS, 1992, p.103). O
autor explica que para aumentar a produção, basta puxar a rédea do sofrimento psíquico,
contudo, se os limites e as capacidades de cada um não forem respeitados, arrisca -se
ocorrerem as descompensações. Todavia, a exploração do sofrimento pela organização do
trabalho não cria doenças mentais específicas, pois essas dependem, em últi ma estância, da
estrutura das personalidades. Com efeito, o autor descreve que a estr utura de personalidade
explica a forma sob a qual ocorre a descompensação e seu conteúdo, mas não é suficiente para
explicar o momento escolhido.
Segundo Dejours (2011a, p. 188), a noção de sofrimento, tal como for mulada pela
psicopatologia do trabalho, permite realizar um passo fundamental em relação às concepções
clássicas, “deslocando o centro de gravidade das doenças mentais, para os estados que estão
aquém da doença, o que permi te pensar o humano e a psicologia do trabalho de forma
concreta”. É por isso que a psicodinâmica do trabalho priorizou o estudo da nor malidade:
Essa normalidade não é concebida como simples ausência de doença, mas como o
resultado, sempre precário, de estratégias defensivas elaboradas para resistir ao que,
no trabalho, é desestabilizador, ou mesmo deletério, para as funções psíquicas e para
a saúde mental, tornando essa normalidade em si mesma enigmética. No centro da
investigação estão o sofrimento e a normalidade, com um conceito arraigado de
„normalidade do sofrimento‟.(DEJOURS, 2011a, p. 226).
De acordo com Dejours (2011b, p.180), o sofri mento pode ter dois destinos diferentes:
a sublimação, por um lado, e a repressão pulsional, a auto-aceleração ou a ideologia
defensiva da profissão, por outro. A subli mação, segundo ele, adéqua novas possibilidades
para a dialética desejo/sofrimento e “assegura em relação ao sofrimento uma saída pulsional
que não faz desmoronar o funcionamento psíquico e somático”. Já no caso dos trabalhadores
submetidos à execução de atividades repetitivas, as defesas contra o sofri men to são a
repressão pulsional, a auto-aceleração ou a ideologia defensiva da profissão. Essas, acabam
que por subtrair os desejos do sujeito, favorecendo o desenvolvi mento de uma lógica da
alienação na vontade do outro. Além disso, os coletivos originados p ela sublimação estão,
segundo Dejours (2011b) preferencialmente aos , passíveis de ter uma ação significativa sobre
a organi zação do trabalho.
Para Dejours e Abdoucheli (1994) o sofrimento mental‚ pode ser definido como a
experiência subjetiva inter mediária entre doença mental descompensada e o bem-estar
psíquico. Para esses autores, o sofri mento i mplica em um estado de luta do sujeito contra as
forças (ligadas à organização do trabalho) que o empurram em direção à doença mental. Essa
20
conceituação abarca, tal como eles afirmam, uma defi nição negativa do sofrimento, o que foi
designado na teoria de Dejours como “sofrimento patogênico”, isso é, o sofrimento que
emer ge quando todas as possibilidades de adaptação ou de ajustamento à organização do
trabalho pelo sujeito, para colocá-la em concordância com seu desejo, foram utilizadas, e a
relação subjetiva com a or ganização do trabalho está bloqueada.
Isto é, quando não há nada além de pressões fixas, rígidas, incontornáveis,
inaugurando a repetição e a frustração, o aborrecimento, o medo, ou o sentimento de
impotência. Quando foram explorados todos os recursos defensivos, o sofrimento
residual, não compensado, continua seu trabalho de solapar e começa a destruir o
aparelho mental e o equilíbrio psíquico do sujeito, empurrando-o lentamente ou
brutalmente para uma descompensação (mental ou psicossomática) e para a doença.
(DEJOURS; ABDOUCHELI, 1994, p. 137).
Contudo, Dejours e Abdoucheli (1994) levam em consideração a bivalência do sofrimento,
dessa forma, abordam também sobre o sofri mento criativo, o qual, segundo os autores, se
refere justamente a um desafio para a psicopatologia do trabalho, ou seja, definir as ações a
fi m de modificar o destino do sofrimento do sujeito e favorecer a sua transfor mação em
criatividade (e não sua eliminação). Quando isso é possível, ele traz uma contribuição que
beneficia a identidade e aumenta a resistência do sujeito ao risco de desestabilização psíquica
e somática. Então, dessa for ma o trabalho funciona como um mediador para a saúde. Caso
contrário, a situação de trabalho, as relações de trabalho e as escolhas gerenciais empregam o
sofrimento no sentido de sofrimento patogênico e o trabalho funciona como mediador da
desestabilização e da fragilização da saúde (DEJOURS ; ABDOUCHELI, 1994). Ainda para
os autores, o sofrimento é i nevitável e ubíquo, ele tem raízes na história singular de todo
sujeito e repercute no teatro do trabalho, ao entrar numa relação de complexidade com a
organização do trabalho. Além disso, pode-se definir que o sofri mento não se trata de uma
noção puramente descritiva, mas de um conceito possuidor de uma fonte empírica e dinâmica
e uma consistência teórica e metapsicológica. É em função dele, ao i naugurar uma lógica
essencialmente defensiva ou essencialmente criativa que conhecemos as condições sociais e
psicológicas envolvidas nesse processo.
De acordo com Brant e Mi nayo- Gomez (2004), a transfor mação do sofrimento em
adoecimento pode ser compreendida por meio do poder disciplinar que foi aperfeiçoado como
uma nova técnica de gestão dos i ndivíduos. Os autores explicam que com o advento da
medicina científica no século XXI, novas for mas de conheci mento e práticas institucionais
21
tornaram o sujeito desvinculado do seu sofri mento. Nessa ocasião, a fim de conhec er o fato
patológico o médico precisou abstrair o sujeito e houve um quase silenciamento do paciente.
Nesse contexto, os sintomas foram concebidos como deter mi nantes naturais das doenças,
deixando de lado a articulação entre o sujeito e o sofri mento. Assi m, os sintomas deixaram de
ser representados como tentativa de solução de um conflito, de uma reconciliação do ser e,
perdida a sua condição de “um bem” do i ndivíduo, esse passou a se fi gurar apenas como sinal
de uma patologia. O sujeito deu, então, lugar ao paciente, representado como um conjunto de
órgãos e tecidos, lógica essa que lançou as bases para a construção da identidade do doente.
De modo semelhante, quando o sofri mento é manifestado na empresa, os gestores e
trabalhadores ficam sem referencial. Em conseqüência, tornam-se necessários, no cotidiano
do trabalho, a consulta aos profissionais de saúde. É nesse ponto que se dá o processo de
destruição do trabalhador da sua condição de sujeito, processo esse fundado numa relação que
envolve profissionais da saúde, gestores, trabalhadores e familiares. No encami nhamento do
trabalhador ao profissional de saúde, segundo os autores, “dimensões conti ngentes à
existência humana vêm sendo diagnosticados como transtor nos psiquiátricos” ( BRANT;
MINAYO-GOMEZ, 2004, p.218). Para esses autores, na esfera do trabalho ocorre um
processo de transfor mação do sofrimento em adoecimento caracterizado pela negação e
psiquiatrização do sofrimento; atribuição e incorporação da identidade de doente;
interpretações individualiza ntes e descontextualizadas; além de um elevado controle
disciplinar.
Para Freud (1930) a expressão do sofrimento é decorrente da percepção de perigo (real
ou i magi nário), iminente. Segundo o autor a vida é árdua e proporciona sofrimentos diversos
e o mal-estar sentido pelo sujeito é inerente à condição humana. De acordo com Brant e
Minayo-Gomez (2009) essa peculiaridade parece ser esquecida pela maioria dos autores no
âmbi to da Saúde do Trabalhador, uma vez que na maioria das pesquisas o trabalhador é
relegado à posição de doente ou de víti ma sofredora, distinguindo-se da positividade que
Freud atribui à manifestação do sofrimento. Para Brant e Minayo -Gomez (2009, p.239), a
demonstração do próprio sofrimento revela-se como um bem do sujeito, i ndispensável para
uma “boa vida”. Contudo, “sua i nterpretação como “pré- morbidade” destrói essa condição e
contribui para a produção do adoecimento, i ndependentemente da presença ou ausência de
doença”.
Brant e Mi nayo- Gomez (2009, p.238) consideram que
22
Uma vez manifestado, o sofrimento tem como destinos: somatização – busca de
uma etiologia corporal para aquele sofrimento; psiquiatrização – expressões próprias
da existência humana diagnosticadas como doença mental; medicalização abusiva
ou desnecessária; licença médica excessiva; internação hospitalar e aposentadoria
por invalidez inde vida. (BRANT; MINAYO-GOMEZ, 2009, p. 238).
Entre outras explicações, essas mani festações do sofrimento nor mal mente são associadas a
fraqueza, debilidade cognitiva, desequilíbrio emocional e conflitos familiares. Dessa forma, o
sofrimento, visto unicamente como algo decorrente do próprio sujeito, culpabiliza o
trabalhador pelas suas vivências (BRANT; MINAYO-GOMEZ, 2009).
Como ressalta Foucault (2000 7 apud VASCONCELOS; FARIA, 2008), a doença
mental está sempre relacionada a valores e julgamentos de uma dada cultura, e, nas
organizações essa está relacionada ao fracasso, ao sujeito com o qual não se pode contar,
alguém frágil e “problemático”. Diante dessa situação os trabalhadores se calam, uma vez que
a exposição dessa identificação provoca angústia e medo de perder o lugar conquistado na
organização (VASCONCELOS; FARIA, 2008). Esses autores apontam que o silêncio e a
busca por soluções rápidas têm domi nado o “mundo” coorporativo, especial mente favorecido
pela evolução científica da farmacologia.
Gaulejac (1997) afirma que convém analisar a “loucura” no âmbito do trabalho como
uma violência e não tanto como uma patologia. Para ele, o sofrimento psíquico e os
problemas de relacionamento são efeitos dos modos de gerenciamento. Segundo Dejours
(2012b), a evolução das for mas de or ganização empresarial, do trabalho e de gestão repousa
em princípios que sugerem o sacrifício da subjetividade em nome da rentabilidade e da
competitividade. Entre esses princípios se destaca a avaliação quantitativa e objetiva do
trabalho, e a individualização. Sobre o primeiro aspecto, o autor explica que as avaliações de
grande complexidade e sofisticação, levam a absurdos e a injustiças intoleráveis em relação à
contribuição efetiva dos trabalhadores. Visto que o “essencial do trabalhar revela da
subjetividade, o que é mensurável não diz respeito ao trabalho”, servindo, sobretudo, como
meio de i nti midação e dominação (DEJOURS, 2012b, p. 42). Já a individualização, se gundo
principio das novas organi zações do trabalho, refere-se ao efeito do processo de concorrência
generalizada entre as pessoas, equipes e serviços. Para o autor, os contratos por metas, a
avaliação individualizada dos desempenhos, a concorrência general izada entre os
7
FOUCAULT, M.. Doença mental e psicologi a. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000.
23
trabalhadores e a precarização das for mas de emprego levam ao desenvolvi mento de condutas
desleais entre pares e à ruína das relações solidárias. Tais práticas de gestão resultam no
isolamento de cada indivíduo, na solidão e a desagregação do viver junto (DEJOURS, 2012b).
As conseqüências desses princípios organizacionais do trabalho é o agravamento das
patologias mentais do trabalho em todo o mundo ocidental, o aparecimento de novas
patologias, os suicídios realizados nos locais de trabalho, o que não ocorria antes do domínio
neoliberal (DEJOURS, 2012b). Contudo, nor mal mente tende a se focalizar o problema sobre
o comportamento das pessoas, mais do que sobre os processos que o geram. Se contraponto a
esse fato, Gaulejac (2007, p.225) explica que “quando o assédio, o estresse, a depressão ou,
mais geralmente, o sofri mento psíquico se desenvolvem, é a própria gestão que deve ser
questionada”. De acordo com o autor, o estresse, por exemplo, antes de ser uma “doença”
pessoal, é um fenômeno social. Quando o sofrimento se expressa sob a forma de sintomas
somáticos ou psicossomáticos, ele depende de uma abordagem médica, todavia, na origem, o
problema não é médico.
Se ele se traduz por sintomas individuais, ele provém de um mal -estar provocado
pelas condições de trabalho. Suas fontes não são psicológicas. Elas são inscritas em
um modo de funcionamento da organização que „desorganiza‟ os equilíbrios de base
dos empregados e provoca mal-estares que desaparecem quando a pressão do
trabalho é aliviada (GAULEJ AC, 2007, p.231).
Diante dessas constatações, Gaulejac (2007) questiona se nesse contexto é pr udente falar em
doenças e aceitar que o seguro-doença assuma os seus custos, visto que a pressão do trabalho
é a sua causa. Para o autor, nesse contexto, o encobri mento da responsabilidade da empresa
leva a uma dupla armadilha: o agravamento contínuo das perturbações e das despesas de
saúde, de um lado; e uma cegueira sobre a degradação das condições de trabalho e de suas
conseqüências sociais, por outro. Faz-se necessário restabelecer as ligações entra a gestão dos
recursos humanos e a saúde mental, a fi m de sair dessa armadilha.
O poder gerencialista tem como propósito canalizar a ener gia psíquica a fi m de
transfor má-la em força de trabalho. Portanto, é responsabilidade da empresa “gerenciar” as
conseqüências de seu modo de gestão, visto que “os processos de mobilização psíquica têm
conseqüências sobre a saúde daqueles que a supor tam” (GAULEJAC, 2007, p. 232). As
empresas que praticam um tipo de gerenciamento danoso à saúde do trabalhador, de acordo
com o pesquisador, usufr uem de uma i mpunidade total quanto as suas conseqüências
humanas, sociais e financeiras. Assim, cabe à coletividade assumir seus custos, ao passo que
as mesmas se queixam de pagar excessivos encargos. Gaulejac (2007) afirma que a gestão
24
deveria oferecer instrumentos adequados para avaliar os custos sociais e psíquicos, tal como
aqueles que ela criou para avaliar os benefícios e as perdas financeiras. Isso seria o sinal de
que essa não é mais uma ideologia a serviço do poder dominante, mas uma ciência a serviço
do interesse geral. Como efeito, o alívio da pressão no trabalho permitiria reduzir as despesas
de saúde que essa acarreta (GAULEJAC, 2007).
Esse estudo tem por objetivo analisar a relação entre a organização do trabalho e o
sofrimento vivenciado pelos motoristas de ônibus coletivos de Curitiba. Para tanto,
considerou-se relevante realizar uma revisão de literatura sobre as condições de trabalho
desses profissionais, o que pode ser visto no próxi mo capítulo.
2.4. UMA CARACTERIZAÇÃO SOBRE AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS
MOTORISTAS DE ÔNIBUS
De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (C.B.O, 2012), os motoristas
de ônibus urbano (código 7824-10) trabalham em empresas de ônibus de transporte coletivo
de passageiros, urbano, metropolitano e rodoviário de longa distância. Esses trabalhadores são
assalariados, com carteira assinada, atuam sob supervisão, de for ma individual ou em duplas.
O seu trabalho contempla as segui ntes atividades: condução e vistoria de ônibus e trólebus de
transporte coletivo de passageiros urbanos, metropolitanos e ônibus rodoviários de longas
distâncias; verificação do itinerário de viagens; controle do embarque e desembarque de
passageiros; orientação quanto a tarifa, itinerários, pontos de embarque e desembarque e
procedimentos no interior do veículo; também executam os procedimentos a fim de garantir a
segurança e o confor to dos passageiros.
Segundo a C.B.O (2012), o exercício dessa ocupação requer carteira de habilitação,
ensino fundamental completo e curso básico de qualificação, incluindo mecânica e
eletricidade
de
veículos
automotores.
Esses
profissionais,
também se
habilitam
periodicamente para conduzir ônibus, e o pleno desempenho das atividades ocorre após três
ou quatro anos de experiência. A CBO (2012) ainda descreve que as condições gerais de
exercício da atividade laborativa dos motoristas de ônibus urbano refere -se ao trabalho nos
veículos, em horários irregulares, em sistema de rodízio e sob press ão de cumprimento de
horário. As atividades desses profissionais são desenvolvidas em confor midade com leis e
regulamentos de trânsito e de direção de veículos de transporte coletivo. Esses trabalhadores
25
permanecem em posição desconfortável por longos perí odos de tempo e estão sujeitos a
acidentes e assaltos, o que pode provocar estresse; há, ai nda, a ausência de instalações
sanitárias nas paradas de ônibus, provocando desconforto.
Pesquisa realizada por Sato (1991) aponta que mesmo sendo bastante detalhada, a
descrição da C.B.O não contempla todas as variações do trabalho do motorista e, ainda que
existam regras a serem seguidas pela empresa e pelo motorista, na realidade verifica -se a
existência de uma prática distinta, em mui tos aspectos, daquela planejad a.
Sobre a análise das condições de trabalho dos motoristas de ônibus urbano, Mendes
(1997) define que essa é uma tarefa complexa, em decorrência dos diversos aspectos que
caracterizam a atividade. Diferente de outros profissionais, o motorista exerce suas funções
“extra- muros” da empresa, o que os dei xa sujeitos a intempéries como o cli ma, a violência, as
condições de tráfego e do trajeto das vias (BATTISTON; CRUZ; HOFFMANN, 2006),
acarretando a uma maior possibilidade de imprevistos e tornando ampla a aná lise deste
trabalho (MENDES, 1997). Battiston, Cruz e Hoffmann (2006) defi nem que caracterizar essas
condições é relevante, uma vez que estas inter ferem no estado psicofisiológico do trabalhador,
traduzi ndo-se em irritabilidade (que pode levar a um comportamento agressivo na direção),
insônia (associada à sonolência nas horas de trabalho e di mi nuíndo os reflexos) e também os
distúrbios na atenção (função cognitiva essencial para a direção segura).
Battiston, Cruz e Hoffmann (2006), descrevem que o estudo das condições de trabalho
desse grupo de trabalhadores deve analisar os seguintes aspectos: a carga de trabalho (produto
da relação entre as exi gências do trabalho e a capacidade de desempenho e de enfrentamento
do trabalhador); o posto de trabalho (pouco mais de 1,5 m², causando restrição dos
movi mentos, precárias instalações para o conforto e segurança do motorista); o ruído e as
vibrações; a temperatura; as posturas forçadas; e os movi mentos repetitivos do membro
superior
(causando
os
transtornos
musculoesqueléticos)
(BATTISTON;
CRUZ;
HOFFMANN, 2006). Segundo esses autores, as condições de trabalho que i nter ferem no
bem-estar do trabalhador incluem a percepção das tarefas, das relações sociais de trabalho, da
hierarquia, do controle e do sentido que o trabalho toma para o ele, da carga real ou sentida,
das condições físicas e ergonômicas do ambiente, entre outras. Quando essas condições não
são adequadas, se traduzem em uma série de problemas de saúde física e mental, visto que,
como já mencionado, interferem nos estados psíquico, físico e biológico do trabalhador.
26
A Fundação Joaqui m Nabuco, realizou uma pesquisa sobre as condições de trabalho e
de vida dos motoristas de ônibus em Recife no ano de 1982. Esse estudo apontou como
dificuldades do trabalho dos motoristas: jornadas de trabalho excessivas e longas, com horas extras de acordo com a conveniência das empresas; defeitos nos veículos; falta de sanitários
nos pontos fi nais; pressões de tempo para cumpri mento de horários; esforço físico demasiado;
e relacionamento conflituoso com passageiros e com as chefias (FUNDAÇÃO JOAQUIM
NABUCO, 1982). Transcorridos 30 anos da publicação desse trabalho, os estudos mais
recentes apontam que as condições de vida e trabalho desses profissionais não melhoraram.
De acordo com Al meida (2002), estas condições apenas se agravaram, o que o autor constata
a partir dos relatos dos motoristas no Departamento de Psicologia do Departamento Estadual
de Trânsito de Pernambuco (DETRAN-PE).
Outros estudos que tratam sobre as condições de trabalho desses profissionais citam a
falta de instalações sanitárias, de água potável e de local adequado para as refeições, fazendo
com que utilizem das instalações de bares, ainda que contra as regras da empresa
(BATTISTON; CRUZ; HOFFMANN, 2006). Segundo Mendes (1997), essas condições de
trabalho são apontadas como fator de vergonha e humilhação pelos profissionais. Paes Machado e Levenstei n (2002), em estudo em com os motoristas de ônibus de Salvador (BA),
apontam que os intervalos entre as viagens e para a refeição são considerados insuficientes, o
que é agravado pelos atrasos nos percursos. E Battiston, Cr uz e Hoffmann (2006) também
chamam atenção para o fato de que o tempo da rota i nterfere nos i ntervalos que o profissional
pode fazer durante sua jornada de trabalho.
De acordo com Smi th (1987 8 apud BATTISTON; CRUZ; HOFFMANN, 2006), as
características do local de trabalho do motorista que podem produzir estresse psicológico são:
a carga de trabalho inadequada; o ambiente hostil; a ambi güidade de funções; a falta de
tarefas estimulantes; a sobrecarga cognitiva; o relacionamento conflituoso; a falta de controle
sobre as tarefas ou sobre a tomada de decisões; e a falta de apoio social por parte de
supervisores, companheiros de trabalho ou familiares. La ncaster e Ward (20029 apud
SOARES; THIELEN, 2010) afirmam haver correlação entre estresse e acidentes de trânsito,
8
Smith, M. J. Occupational stress. In Salvendy, G. (Org.), Handbook of human factors. Nova York: Wiley,
1987.
9
LANCASTER, R.; WARD,R. The contri bution of i ndi vi dual factors to dri vi ng behavior: implications for
managing work related road safety. HSE Research Report 020: HSE Books, 2002.
27
além disso, Oliveira e Pinheiro (2007) encontraram uma relação entre os acidentes e o número
de horas trabalhadas, ou seja, os motoristas que realizam a jornada de trabalho mais extensa
estão mais propensos a se envolver em acidentes. Para Soares e Thielen (2010, p.14), as
condições precárias de trabalho “incidem diretamente sobre o desempenho do motorista,
sobretudo na sua capacidade de gerenciar os riscos no trânsito”. Esse profissional exerce seu
trabalho num ritmo i ntensificado, cujas conseqüências prejudicam suas habilidades e se
sobrepõem ao efeito de técnica que enfoca o manejo de comportamentos de risco. Os autores
explicam que o motorista pode optar por comportar-se com segurança no trânsito, contudo
“está sujeito prioritariamente por condições de trabalho que obscurecem seu j ulgamento”.
Tais condições são expressas pelo ritmo intensificado pela pressão do controle
minucioso de tempo entre cada parada no itinerário de viagem, o cumprimento de
exaustivas horas-extra que podem fazê-lo conduzir como se estivesse alcoolizado, os
contratos precários de trabalho e benefícios, ou mesmo o constrangimento
ergonômico do posto de trabalho. O ritmo de trabalho não pode ser ditado pelo
capital, pois assim gera conseqüências danosas no trânsito como os acidentes ou
colisões. (SOARES; THIELEN, 2010, p. 14).
Estudos descrevem que as especificidades do trabalho dos motoristas englobam: a
falta de controle sobre o trabalho (SATO, 1991); jornada de trabalho irregular e excessiva
(OLIVEIRA; PINHEIRO, 2007) ; pressão exercida pelo controle severo do cumpri mento do
horário no iti nerário (SILVA; GÜNTHER, 2005); a vulnerabilidade a assaltos e roubos
(PAES-MACHADO; LEVENSTEIN, 2002); os acidentes de trânsito e trabalho (SOARES;
THIELEN, 2010); e, relacionamentos i nterpessoais instáveis com os passageiros e fiscais
(BATTISTON; CRUZ; HOFFMANN, 2006).
Como descrito por Battiston, Cr uz e Hoffmann (2006), os conflitos i nterpessoais no
trabalho são um fator, dentre outros, que podem produzir estresse psicológico. Os
relacionamentos i nterpessoais dos motoristas acontecem com os passageiros, os fiscais, os
cobradores e outros motoristas. Com relação aos passageiros, que são a razão de existir o
transporte coletivo, a relação é instável, visto que os profissionais citam haver ora um bom
relacionamento, ora uma relação de embate. De acordo com Mendes (1997), os passageiros
são a causa constante de conflitos e são a eles que os motoristas atribuem suas principais
dificuldades no trabalho. Os conflitos são percebidos também, por esses profissionais, como
decorrentes de fal has do sistema, tais como horários superlotados e as más condições dos
veículos. Eles apontaram que as reclamações de passageiros são excessivas e nem sempre
consistentes e que os usuários lhes cobram uma autoridade que muitas vezes eles não
28
possuem. Observa-se, assim, que as cobranças são paradoxais, como, por exemplo, quando o
trabalhador cita: “há a necessidade de desenvolver maior velocidade em função do tempo,
mas os passageiros quei xam da velocidade” (MENDES, 1997, p.5). Dessa for ma, para superar
atrasos devido ao trânsito, muitas vezes os motoristas têm atitudes que poderiam causar
acidentes. Por isso, Mendes (1997) descreve que as dificuldades encontradas no trânsito
refletem-se diretamente no relacionamento com o passageiro.
Essa relação de instabilidade, segundo Battiston, Cr uz e Hoffmann (2006), também
aparece quando o assunto são os fiscais. Sobre a questão, o que se destaca é o fato do
reconheci mento conferido pelos motoristas ao poder desses profissionais, o que implica na
frustração pela impossibilidade de controle da sua própria atividade de trabalho. Com relação
ao fato do motorista não ter poder sobre o trabalho, Sato (1995) aponta que isso tem relação
com a fiscalização constante sobre esses trabalhadores, seja pelos passageiros, fiscais ou
outros motoristas. Já no que se refere à relação entre pares e com os cobradores, Battiston,
Cruz e Hoffmann (2006) indicam que ela é amistosa, que esses profissionais compartilham as
mesmas condições de trabalho e se solidarizam uns com os outros. Apesar disso, a atividade
do motorista é solitária, visto que assumem a responsabilidade pelas vidas que transporta m e
pela sua própria, e não compartilham com ni nguém as decisões que tem que tomar para
desempenhar sua tarefa com segurança (BATTISTON; CRUZ; HOFFMANN, 2006).
Outro aspecto ressaltado por Battiston, Cr uz e Hoffmann (2006) é a i mpossibilidade
do controle da própria atividade de trabalho por parte dos motoristas. Apesar desses
trabalhadores permanecerem a maior parte da jornada de trabalho fora dos portões da
empresa, há a atribuição de normas rígidas de fiscalização no que diz respeito ao
cumpri mento de horários e cuidados com o veículo (uma vez que são responsáveis por
qualquer dano ao mesmo). Ai nda que cumprir o horário estabelecido não dependa apenas do
motorista, e sim, essencialmente, das condições de tráfego (fl uxo de veículos, condições do
clima, horário, etc), esses pesquisadores descrevem que o tempo para o cumpri mento de cada
rota é predeterminado e o controle do processo de trabalho, por parte do profissional, é quase
nulo. “A participação nas decisões da empresa é apontada como tarefa do sindicato , embora
os motoristas pouco se engajem em lutas pela melhoria da qualidade de seu trabalho”. Como
apontam os autores, a comunicação é falha tanto no que se refere às inovações e mudanças
organizacionais e institucionais quanto a projetos e lutas do própr io sindicato.
29
Nesse contexto, entretanto, há for mas de controle por parte das empresas, o que pode
ser observado a partir dos descontos feitos no salário sobre avarias nos ônibus. “Qualquer que
seja o problema – multas por infrações de trânsito, acidentes com danos ao veículo, rodas
danificadas no meio-fio – se considerados culpados, os motoristas arcam com as despesas de
reparo, sendo este valor descontado na fol ha de pagamento” (BATTISTON; CRUZ;
HOFFMANN, 2006, p.341). De acordo com Souza (1996), as situações de maior incômodo
aos motoristas referem-se justamente às responsabilidades financeiras, tais como pagar multas
de trânsito, peças quebradas do ônibus e consertos resultantes de acidentes ou colisões. As
reclamações dos passageiros também se constituem como uma ameaça aos motoristas, uma
vez que representam a possibilidade de uma avaliação negativa do desempenho da sua função
e acarreta punições (MENDES, 1997).
Sato (1991) descreve que os motoristas têm um conheci mento prévio sobre as
possibilidades e limitações do poder que detém e percebem seu trabalho como penoso por não
conseguirem lidar com suas variabilidades. De outro modo, eles consideram que a
organização do seu trabalho não é flexível o suficiente para que pudessem transfor má -la de
acordo com as exi gências de sua atividade. Para a pesquisadora, a percepção de descontrole
sobre o trabalho tem por referência o conheci mento anterior de que a programação e a tabela
planejadas a priori determinam um andamento diferente do andamento real. Esse desc ontrole
é sentido como gerador de nervosismo pelos motoristas de ônibus. Reconhecer a limitação do
poder de modificação ou de interferência nos contextos “penosos” de trabalho gera a
confor mação de um trabalho “duro de agüentar”, pois o motorista é obrigad o a suportar e a
submeter-se a situações complicadas e difíceis (SATO, 1991).
Sato (1991), descrevendo sobre a penosidade do trabalho dos motoristas, cita que essa
não se refere simplesmente à exi gência de esforços que provocam i ncômodo e sofri mento ao
trabalhador, mas que ela passa a existir quando são ultrapassados os limites do supor tável. “A
violação do limite supor tável dá-se quando sobre estes esforços, sentidos como demasiados, o
trabalhador não tem controle (SATO, 1991, p. 55). Dessa forma, dadas as características,
necessidades e limites subjetivos, “o trabalho é „penoso‟ quando o trabalhador não tem
conheci mento, poder e instrumentos para controlar os contextos de trabalho que suscitam
vivências de desconforto e desprazer”, quando ele não tem contr ole da situação (SATO, 1991,
p. 72). Além disso,
Estar sofrendo pressão constantemente seja da empresa ou de outras formas de fiscalização,
seja dos passageiros ou das intempéries que o trânsito oferece no dia-a-dia de seu trabalho,
30
faz com que essa atividade receba sobrecargas com as quais os motoristas não sabem lidar
(BATTISTON; CRUZ; HOFFMANN, 2006, p. 340).
A partir da descrição dessas condições, observa-se que a irritação sentida pelo
motorista sofre determi nações objetivas e subjetivas, pois depend e tanto dos contextos de
trabalho, como das características de cada motorista (SATO, 1991). Contudo, Sato (1991)
alerta para o fato de que as determinações objetivas parecem ser relevantes na vivência da
irritação desses profissionais. Ela descreve que o adoecimento dos motoristas ocorre quando
não é possível manter o equilíbrio que permi te ao trabalhador exercer o controle sobre os
contextos de trabalho que o incomodam, o irritam e que exi gem dele esforço a mais, ou seja,
“quando há uma exi gência do trabalho maior do que é possível corresponder, havendo
transgressão do ritmo e li mite subjetivo” (SATO, 1991, p. 72). A ruptura, para os motoristas
de ônibus, se expressa na saúde. “É quando as coisas saem dos seus l ugares, quando força
demais, provoca nervosismo, estado de nervo abalado” (SATO, 1991, p. 72). Não havendo
mecanismos adequados para lidar com esses estados emocionais, dá -se um “processo de
transfor mação da subjetividade e a pessoa fica doente, fica nervosa, fica irritante” (SATO,
1991, p. 73). Isto leva a um desgaste mais rápido desses profissionais e, consequentemente, à
aposentadoria precoce (SATO, 1991).
Sato (1991) explica que o esgotamento da saúde do motorista a ponto de tor ná-lo
incapacitado para o trabalho, mesmo que temporariamente, ocorre quando os motoristas
sentem que foi violado o seu li mite subjetivo do suportável. Nesse processo se dá o desarranjo
da subjetividade, que é objetivado em manifestações psicológicas e fisiológicas. A autora
explica que aquilo que se exterioriza como descontrole ocorre em função do excesso de autocontrole adotado pelo trabalhador, visando suportar o máxi mo possível as irritações. Observase que o poder para interferir no trabalho a fi m de respeitar o limite subjetivo é o elemento
que parece ter maior peso no jogo de forças que possibilita o controle ou leva à ruptura
(SATO, 1991).
Sobre o adoecimento nessa classe trabalhadora, vários estudos têm demonstrado que
os motoristas de ônibus apresentam um adoecer e morrer diferenciado da população geral. Em
uma revisão de literatura produzida por Santos Júnior (2003), que analisou trabalhos
publicados em um período de 15 anos (1987- 2001) sobre morbidade e mortalidade de
motoristas de ônibus, verificou-se que estes trabalhadores estão expostos a uma enor me gama
de fatores nocivos (físicos, quí micos, biológicos e ergonômicos), os quais podem produzir
31
diversas categorias de doenças relacionadas ao trabalho. De acordo com o Winkleby et al.,
(1988), motoristas de ônibus têm alta morbidade e mortalidade por três principai s grupos de
doenças: doenças do aparelho cardiovascular, doenças do aparelho gastrointestinal e doenças
do aparelho osteomuscular, essas últimas sendo causadas principalmente pelo sedentarismo e
a vibração do corpo inteiro. Estudos realizados em Campi nhas (SP) demonstraram uma
associação positiva tanto entre o tempo acumulado de trabalho e a pressão arterial
(CORDEIRO et al., 1993), como entre o tempo acumulado de trabalho e as perdas auditivas
(CORDEIRO et al., 1994). Outro estudo com os motoristas do transporte coletivo urbano da
cidade de Florianópolis, realizado por Battiston, Cr uz e Hoffmann (2006), apontaram que o
alto índice de dores na coluna e nas pernas (76,2%), cabeça e pescoço (81%), representam a
fadiga resultante da atividade desempenhada por esses profissionais. Sobre o grande número
de adoecimento desses trabalhadores, Winkleby et al. (1988) observaram altos índices de
absenteísmo.
“Entre os principais impactos organizacionais das condições de trabalho penosas,
destacam-se o aumento do absenteísmo, da rotatividade e dos conflitos” (MENDES, 1997, p.
7). Sobre o assunto, Dejours (2011b), ao explicar as estratégias defensivas individuais,
descreve que em certas circunstâncias pode acontecer de o trabalhador não conseguir,
isoladamente, manter os ritmos de trabalho ou manter seu equilíbrio mental. Assi m, a saída
será individual e duas soluções lhe são possíveis: a saída do emprego ou as faltas contí nuas.
Observa-se, então que é a ausência ao trabalho que per mite a conti nuidade na empresa.
Contudo, do ponto de vista da or ganização, os absenteísmos causam uma série de transtor nos,
em especial relacionados à sobrecarga de trabalho para outros funcionários (MENDES, 1997).
Com relação ao adoecimento mental entre os motoristas de ônibus, Ramos (1991)
descreve sobre a maior incidência, entre outras doenças, de desordens mentais,
psiconeuróticas e distúrbios da personalidade destes trabalhadores em relação a população
geral. Em um estudo realizado em São Paulo (SP), que analisou a presença de distúrbios
psiquiátricos menores em motoristas e cobradores de ônibus, também encontrando uma
prevalência destes distúrbios de 20,3% no conjunto dos dois grupos de trabalhadores (28% em
cobradores e 13% em motoristas) (SANTOS, 1992).
Lei gh e Fries (1992), identificaram em 1992 que os motoristas de ônibus estavam
entre as ocupações com maiores índices de incapacidade . Pesquisa mais recente confir ma a
manutenção deste quadro, uma vez que Santos Júnior (2003) aponta que o exercício dessa
32
profissão nas atuais condições de trabalho a que estão submetidos os motoristas em
praticamente todo o mundo, danifica a saúde destes trabalhadores, causando adoecimentos,
variadas formas de sofrimento físico e/ou mental e mortes prematuras.
“O trânsito, o contato com passageiros e a press ão decorrente das exi gências de
cumpri mento dos horários são fatores que tornam o cotidiano de trabalho extremamente
estressante e criam um cli ma de per manente nervosismo” (MENDES, 1997, p.6). Além destas
repercussões, outro aspecto relevante que amplia as consequências nocivas do trabalho é a
contami nação da vida fora do trabalho pelos fatores ansiogênicos da função (DEJOURS,
2011b). Dessa for ma, as condições de trabalho causam i mpacto no relacionamento do
trabalhador com familiares e amigos, podendo levar até mesmo à comportamentos auto
destrutivos e de grande risco para a sociedade, como o consumo de álcool (MENDES, 1997).
Entretanto, não podemos estabelecer uma relação de causalidade direta entre essas condições
e o aparecimento de distúrbios, pois uma série de componentes sócio-psico-biológicos
interferem neste processo (MENDES, 1997).
Sato (1991), ao delimitar o conceito de trabalho penoso a partir do conheci mento
prático dos motoristas de ônibus da cidade de São Paulo, refere que o modelo monocausal
pautado na objetividade e adotado na legislação para compreender a relação saúde e trabalho
se mostra limitado para estudar a penosidade, visto que não é possível identificar e eleger um
agente específico da condição de trabalho do motorista profissional, ca paz de sintetizar a
noção de “trabalho penoso”. A pesquisadora descreve que os motoristas concebem o trabalho
como unidade, como totalidade, cuja configuração é deter minada pela interação dinâmica
entre os seus componentes, que se apresentam sempre na sua interação com os demais. Dessa
for ma, diferente da concepção dos arti gos que tratam das condições de trabalho dos
motoristas, Sato (1991) descreve que seria fictício atribuir apenas a componentes isolados a
causa da penosidade do trabalho.
Para Sato (1991), uma intervenção pautada na elimi nação ou a mi ni mi zação da ação
de elementos identificados como motivo de penosidade, isoladamente, através de medidas de
proteção individual e coletiva, não garantem o êxito da atuação preventiva, já que modi ficar
os conte xtos de trabalho necessita repensar o trabalho na sua totalidade. Para assim proceder,
é preciso considerar, simultaneamente, a dimensão objetiva e subjetiva, a saúde física e
mental, tendo-se por referência a busca do equilíbrio que garante o controle sob re o trabalho.
Para tanto, as for mas de organi zação do trabalho devem ser repensadas de modo decisivo, já
33
que a centralização do poder desempenha um papel importante na oscilação entre controle e
ruptura e nucleia a delimitação do conceito de Trabalho Penoso. Considera-se essa reflexão de
Sato (1991) de extrema relevância, uma vez que a maioria dos estudos sobre o tema, tal como
o de Battiston, Cruz e Hoffmann (2006), apesar de trazerem significativas contribuições para
a análise das reais condições de trabalho dos motoristas de ônibus, acabam que por concluir
apenas a necessidade de mudanças pontuais no processo de trabalho, tal como a existência de
programas de educação para o trânsito, programas educacionais e de conscientização que
levem até esse profissional o ensino de técnicas de alongamento e auto-correção postural, e o
redesenho das cabines e do posto de trabalho. Como aponta Ramos (1991), não bastam
mudanças pontuais sem uma intervenção real nas condições de operação. De acordo com
Mendes (1997) as mudanças nas condições de trabalho dos motoristas de ônibus são de
responsabilidade dos diversos atores envolvidos no processo. Além disso, a melhora das
condições de trabalho desses profissionais pode ter um efeito positivo no desempenho da
atividade, considerada prioritária à população.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Esta pesquisa teve por objetivo investigar a organi zação do trabalho do transporte
coletivo de Curitiba e sua relação com o sofri mento dos motoristas, sofri mento esse que
cul mi na no processo de adoeci mento mental vivenciado por uma parcela significativa dos
motoristas na cidade. A fim de cumprir esse objetivo, a execução da pesquisa contemplou a
realização e análise de entrevistas realizadas com esses profissionais e, também, uma pesquisa
documental sobre as principais entidades no âmbito do transporte coletivo na cidade.

Entrevistas
Foram entrevistados 4 motoristas de ônibus da cidade de Curitiba, no período de
dezembro de 2012 e janeiro de 2013. Optou-se por entrevistar os profissionais em seus
próprios postos de trabalho, durante a execução da sua atividade laborativa. Foram
convidados para responder a entrevista apenas os profissionais que trabalham em linhas sem a
presença de cobradores. Esse foi o critério para a realização das entrevis tas, visto que se
considerou que a presença desses últimos poderia interferir nas respostas dos motoristas,
prejudicando análise dos resultados deste estudo. Respeitando -se essa exigência, os
34
profissionais entrevistados foram definidos por acessibilidade e adesão nos ter minais de
ônibus/ pontos de ônibus da cidade, em horários em que não há grande circulação de
passageiros.
No contato com os motoristas, foi lhes explicado que a entrevista ti nha caráter sigiloso
e que essa seria utilizada para a realização de um estudo que trata das condições de trabalho
dos motoristas de ônibus da cidade de Curitiba. Optou-se por não falar que o estudo ti nha
como foco de investigação a saúde mental desses profissionais, a fim de não tendenciar as
respostas durante a entrevista. Todos os profissionais aceitaram participar da pesquisa. Eles
responderam uma entrevista semi-estr uturada, a qual o roteiro pode ser visto em anexo ( p.94).
Como define Minayo (1999), o “roteiro é sempre um guia, nunca um obstáculo”. É dentro
dessa visão que o roteiro foi elaborado e utilizado nesta pesquisa, visto que o diálogo entre
trabalhador e pesquisadora extrapolou, em todas as ocasiões, os questionamentos previamente
elaborados no roteiro. Cada entrevista durou cerca de uma hora e posteriormente elas foram
transcritas. Foram respeitadas todas as condições éticas para a realização desta pesquisa.
Caracterização dos participantes
TABELA 1 – CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES
Participantes
Tempo de
trabalho
Posto de
trabalho
Motorista 1
16 anos
Motorista 2
10 anos
Motorista 3
10 anos
Motorista 4
2 anos
Trabalha em
ônibus com via
exclusiva de
circulação.
Trabalha em
ônibus com via
exclusiva de
circulação.
Trabalha em
micro ônibus
convencional,
que ligam os
bairros ao
centro. Divide
o trânsito com
os demais
automóveis.
Ingressou no
setor de
transportes
como cobrador
e
posteriormente
passou para
função de
Ingressou no
setor de
transportes
como cobrador
e,
posteriormente
passou para
função de
Trabalha em
ônibus que
realiza
integração
entre alguns
ter minais e
tubos da
cidade. Divide
o trânsito com
os demais
automóveis.
Ingressou no
setor de
transportes
como
motorista. Já
trabalhou em
diversas linhas
de ônibus,
Ingressou no
setor de
transportes
como cobrador
e
posteriormente
passou para
função de
35
Experiência
Profssional
motorista. Já
trabalhou em
diversas linhas
de ônibus,
sempre na
mesma
empresa.
motorista.
Trabalha cerca
de 2 meses por
ano como
motorista no
transporte
coletivo de
passageiros, e
durante os
outros meses do
ano
desempenha
essa função em
outro ramo. Já
trabalhou em
diversas linhas
de ônibus,
sempre na
mesma
empresa.
sempre na
mesma
empresa.
motorista. Já
trabalhou em
diversas linhas
de ônibus,
sempre na
mesma
empresa.
Atual mente
exerce dupla
função (dirige
e cobra a
passagem dos
usuários).
Os sujeitos da pesquisa têm idade entre 45 e 56 anos.
 Análise das entrevistas
O material foi tratado a partir da análise qualitativa de Bardin. Os resultados foram
analisados tomando como referência a teoria da Psicodinâmica do Trabalho.
 Pesquisa Documental
A pesquisa documental foi realizada a partir de uma análise das notícias referentes aos
motoristas de ônibus de Curitiba e das principais entidades no âmbito do sistema transporte
coletivo na cidade. A coleta de dados foi realizada nos se guintes meios de comunicação: no
site do jornal Gazeta do Povo, jornal de grande circulação na cidade; no site da Radio Banda
B, estação de rádio que publica na sua pági na da inter net denúncias anôni mas realizadas pelos
motoristas; e no site G1, portal de notícias da emissora Rede Globo. Além disso, também foi
realizada uma busca no site da Urbs e nos documentos que regem a instituição, a fi m de
investigar a criação e desenvolvimento do transporte coletivo na cidade. A pesquisa
documental também contemplou uma análise referente ao Sindicato dos motoristas e
36
cobradores de ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Si ndi moc) e ao Si ndicato das
empresas de ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Setransp), realizada por meio de uma
investigação no site dessas instituições, assim como por meio das notícias de jornal. Também
foi utilizada a análise de conteúdo qualitativa proposta por Bardin para análise destes dados.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Segundo Dejours (1992, p. 25), o sofri mento mental está relacionado à organi zação do
trabalho. Essa é defi nida como “a divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa (na medida em
que ele dela deriva), o sistema hierárquico, as modalidades de comando, as relações de poder,
as questões de responsabilidades etc.”. Pautando-se no princípio de que a relação do sujeito
com a organi zação do trabalho pode gerar fragilizações mentais e causar adoecimento
(DEJOURS, 1992), considerou-se relevante realizar uma análise mais abrangente sobre a
organização do trabalho do sistema de transporte coletivo de Curitiba.
4.1. A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor e engolir a labuta?
Chico Buarque - Cálice
4.1.1. As condições de trabalho
Observa-se que as condições de trabalho dos motoristas de ônibus de Curitiba
assemelham-se bastante daquelas encontradas em outras regiões do país, descritas
anterior mente na revisão de literatura sobre o tema.
Três dos profissionais entrevistados
ingressaram no setor de transporte como cobradores de ônibus e posteriormente passaram
para a função de motorista. Além disso, todos eles trabalham na mesma empresa desde que
ingressaram nesse setor. Esses profissionais trabalham de 6 a 7 horas diárias, dependendo da
tabela de horários que têm que cumprir, têm fol ga de um dia por semana, que alter na a cada
mês entre o sábado e o domingo e dizem não serem obrigados a fazer horas extra. Entre as
atividades do motorista, está a de chegar à garagem al guns minutos antes do horário definido
para a saída do ônibus, para conferir se tudo está funcionando no veí culo, como também para
37
marcar o tempo da saída. Além disso, em deter minados trechos da viagem eles marcam o
horário em uma tabela impressa, modelo que está em substituição pelo computador de bordo.
A remuneração pela atividade profissional, segundo os entrevistados, é de 1500 reais, porém
alguns motoristas disseram que esse valor sofre descontos devido às multas aplicadas pela
Urbs.
Um dos entrevistados relatou sua insatisfação quanto às tabelas de horário estipuladas
pela empresa, uma vez que alguns motoristas têm uma pausa não remunerada na sua jornada
de trabalho. Assi m, o trabalhador está disponível por um período de 9 horas para a empresa,
durante todos os dias de trabalho, mas apenas 6 horas são remuneradas. No que se refere às
férias, são de 30 dias, normal mente não sendo possível tirá-las no mês de venci mento,
podendo atrasar alguns meses. Já um dos motoristas infor mou que na empresa na qual
trabalha, por uma nor ma i nter na, os motoristas tiram férias somente quando estiver para
vencer os dois anos consecutivos de trabalho, o que resulta em estresse e cansaço por parte
dos profissionais.
Sobre a questão do banheiro, o profissional que trabalha no micro ônibus relatou que
devido aos horários apertados estipulados pela Urbs, normal mente não sobra tempo p ara ir ao
banheiro durante a jornada de trabalho. Ele disse que nor mal mente está atrasado em relação
aos horários, principalmente durante a semana, já que o trânsito e o fl uxo de usuários são
maiores. Além do tempo apertado, outro agravante citado por esse entrevistado é a falta de
sanitários, visto que na linha a qual opera não há banheiro que possa utilizar. Já os outros três
profissionais, que trabalham em li nhas que fazem integração com ter mi nais, relatam conseguir
utilizar os sanitários enquanto os passageiros embarcam no ônibus; dois deles disseram
utilizar os sanitários quando necessário, mesmo que esteja atrasado, já o outro profissional
admi tiu ir somente se estiver sobrando tempo, de acordo com a tabela estipulada pela Urbs.
4.1.2. “É trânsito, fiscal, passageiro e horário: os quatro inimigos da vida de motorista”
Observou-se que as di ficuldades apontadas pelos motoristas durante a execução da sua
atividade laborativa são de fundamental importância para o entendi mento da organizaçã o do
trabalho na qual esses profissionais estão inseridos. Por isso uma análise pautada nessas
dificuldades mostrou-se relevante nesta etapa do estudo. Contudo, neste capítulo foram
38
analisados também os aspectos para além daqueles defi nidos pelos motoristas como
dificuldades, de modo a englobar as relações de trabalho de um modo mais amplo.
4.1.2. Os horários para o cumprimento do itinerário
Uma das dificuldades apresentadas pelos profissionais foi o tempo estipulado pela
Urbs para a realização do trajeto. Esse horário, segundo os entrevistados, foi estipulado há
mui tos anos (26 anos, segundo um dos entrevistados), e naquela época as condições da cidade
(expansão e número de pessoas), assim como as condições do trânsito, eram outras. Além
disso, três dos profissionais entrevistados relataram que se pudessem modi ficar algo em seu
trabalho, alterariam os horários para o cumpri mento das viagens, de modo a dei xá -los mais
flexíveis. Dois dos trabalhadores disseram que durante a semana é mais complicado cumprilos. De acordo com um deles, durante o fi m de semana “eles aumentam a tabela, aumentam o
horário”, contudo, durante a semana, período em que “tem mais passageiro, pára mais para
entrar, demora mais para subir e para descer, (...) eles diminuem o tempo. (...) Tem mais
gente, mais fluxo e diminui o tempo!”.
De acordo com entrevista à Rádio Banda B, do dia 16 de fevereiro de 2010,
disponível on line, um motorista relatou que os motoristas estão submetidos à pressão
psicológica e condições inadequadas de trabalho. Segundo ele, maior pressão é com relação
aos horários que os motoristas são obrigados a cumprir, obrigatoriedade que também foi
mencionada nas entrevistas. Sobre o assunto, os motoristas de ônibus com i ntegração com
ter minais responderam que não sofrem penalidade se não conseguirem cumprir o horário
estabelecido; já o motorista do microônibus disse que uma prática na empresa a qual trabalha
é tirar da escala os motoristas que nor mal mente não conseguem cumprir o horário, mudando os de linha.
4.1.3. As relações de trabalho
De acordo com Dejours (2012b, p. 38) trabalhar não é apenas uma atividade, não é
apenas produzir, “é também e sempre viver junto”. Dessa for ma, entende -se “por „relação do
trabalho‟ todos os laços humanos criados pela organização do tra balho” (DEJOURS, 1992, p.
75). No caso dos motoristas de ônibus, os laços que, durante a entrevista, se mostraram
relevantes para essa análise foram: com os fiscais da Urbs, supervisores da empresa,
39
passageiros, outros motoristas e com os cobradores. As relações traçadas no trabalho são
importantes em ter mos de preservar ou prejudicar a saúde mental (CODO, 2002).
4.1.3.1. Fiscais e supervisores
Apesar de qualificado como necessário o trabalho de fiscalização realizado pelos fiscais
da Urbs, dois dos motoristas entrevistados referem uma visão bastante negativa sobre esses
profissionais. Segundo esses entrevistados, os fiscais por “qualquer coisa querem meter a
caneta”, são “sarna”, ficam dando multas “para dizer que são bons” e “arrecadar dinheiro
para a Urbs”. Na visão dos entrevistados, ao invés desse profissional primeiramente
“advertir, (...) explicar, para na segunda vez ele punir, não! Eles já não querem saber!” .
Observa-se, por essas expressões utilizadas pelos motoristas, um conflito bastante
pessoalizado em relação aos fiscais. Isso não foi observado apenas na fala dos trabalhadores,
visto que confor me descrito em matéria pública10 sobre as multas abusivas da Urbs, o então
prefeito de Curitiba, Luciano Ducci, não questionou as nor mas dessa instituiçã o ou a posição
das empresas diante dessas nor mas, mas “a falta de coerência dos fiscais” na aplicação das
mul tas. Observa-se na fala do prefeito, assim como na dos próprios motoristas, que os fiscais
são vistos como os verdadeiros opressores dos demais operadores do transporte coletivo.
Contudo, uma das denúncias do motorista entrevistado pela Rádio Banda B, no dia 16
de fevereiro de 2010, foi em relação às multas abusivas às quais os profissionais estão
submetidos no trabalho, situação que ocorre com freqüência e envolve tanto as empresas do
setor quanto a Urbs, responsável pela fiscalização do transporte coletivo na cidade. Outra
notícia sobre esse assunto, publicada no jornal Gazeta do Povo, no dia 7 de março de 2009,
descreve que os motoristas e cobradores ficaram assustados após a mudança na for ma de
cobrança realizada pela Urbs, uma vez que os possíveis erros durante a jornada de trabalho
passaram a ser motivo de desconto no salário ao final do mês. Segundo a reportagem, até
dezembro de 2007, a Urbs co municava a infração com base no relatório do fiscal, antes de
mul tar. Entretanto, após a mudança, uma notificação de multa é expedida pela Urbs e as
empresas agem de acordo com as suas nor mas, podendo recorrer em caso de dúvida.
10
LUCIANO DUCCI DETERMINA SUSPENSÃO DE MULTAS A COBRADORES. Banda B,
26 agosto 2011. Disponível em: < http://ba ndab.pron.com.br/j orna lis mo/ luc ia no-ducc ideterm ina- suspens ao-de-m u ltas-a- cobrado res-272 98/>. Acesso em: 20/12/2012.
Curitiba,
40
A respeito das multas abusivas, uma notícia disponível no site da Rádio Banda B,
datada do dia 26 de agosto de 2011, explica que Luciano Ducci, prefeito de Curitiba na época,
deter minou à Urbs uma revisão no estatuto que rege a atividade de motoristas e cobradores de
ônibus e a suspensão de multas admi nistrativas. O prefeito disse que “não se pode multar
alguém por sentir frio”, fazendo referência à situação enfrentada pelos cobradores das
estações-tubo da cidade que eram mul tados por utilizarem agasalhos que não faziam parte do
unifor me para se protegeram do frio durante o inver no. Após discutir o assunto com o
presidente da Urbs, Marcos Isfer, o prefeito determinou as medidas e disse confiar na
competência e sensibilidade da Urbs para resolver a situação.
De acordo com o edital 11 do concurso público para os agentes de fiscalização da Urbs,
algumas das atribuições desse cargo são:
Verificar em campo e orientar o cumprimento dos regulamentos do sistema de
transporte coletivo, táxis, transporte comercial e equipamentos urbanos, fazendo
cumprir a legislação pertinente, e regulamentos específicos, informando à Unidade
ocorrências e sugerindo alterações visando melhorias dos sistemas. Emitir registros
de ocorrências e/ou autos de infração. Prestar informações e orientações aos
usuários. Fazer cumprir o regulamento interno, normas, termos de permissão de uso
(...). Tomar providências em situações de emergência para garantir a operação de
transporte coletivo.
A indi gnação para com esses profissionais, por parte dos motoristas, aumenta na med ida em
que eles citam irregularidades na função do fiscal. De acordo com um entrevistado, ocorrem
casos em que em deter mi nado horário o motorista é multado, pelo fiscal, em um ponto da
viagem, sendo que naquele período ele estava em outro trecho, o que, se gundo o profissional,
“não tem lógica”. Sobre as multas, um dado relevante encontrado nas entrevistas foi que o
participante da pesquisa que exerce o cargo há menos tempo apontou que o abuso das multas
aplicadas pelos fiscais decorre das próprias normas or ganizacionais, ou seja, por motivos para
além daqueles pessoais, como citado pela maioria dos entrevistados. Esse profissional afirmou
que, na empresa na qual trabalha, havia um motorista que era ex fiscal. Segundo o
entrevistado, “ele foi mandado embora da Urbs porque a Urbs obrigava que eles tivessem
uma cota de multa mensal. (...) Daí ele falou „vou multar se precisar‟. (...) Ele foi mandado
embora por justa causa, até! Daí entrou na justiça, recorreu e ganhou!”.
11
http://www.pciconcursos.com.br/concurso/urbs -urbanizacao-de -curitiba-sa-pr-vagas-ate-1039>. Acesso no dia
21/02/2013.
41
Com base nessa explicação realizada pelo motorista, infere-se que a noção de
“carrasco”12 se aproxima da fi gura do fiscal do transporte coletivo de Curitiba. O trabalho
desse profissional “carrasco”, como é o caso dos fiscais, tendo metas de aplicação de
penalidades a serem atingidas mensal mente, como explicou o entrevistado, “consiste em
cometer uma inj ustiça contra outrem, sem que este tenha a possibilidade de se defender, sem
que ele esteja preparado, às suas costas, sem face a face, sem que ele o saiba, a coberto”
(DEJOURS, 2012ª, p. 80). Já quem ordena o “trabalho sujo”, segundo Dejours (2012a, p. 80)
está, na maioria dos casos, “protegido (...) por toda uma série de inter mediários que o
executam e for mam um a nteparo entre ele” e os sujeitos a serem punidos. Dessa for ma,
infere-se que é por meio do trabalho do profissional fiscal que se forma a engrenagem entre a
Urbs e as empresas de transporte para com os motoristas, permi tindo o exercício do controle
hierárquico no transporte coletivo de Curitiba. Além disso, o trabalho dos fiscais, sendo
incumbidos de realizar o que é próprio da organização do trabalho, pode gerar o que Dejours
(2012a) denomi nou de “sofrimento ético”. Segundo o autor, esse é o sofrimento que o sujeito
experi menta ao cometer, por causa de seu trabalho, atos que condena moral mente.
Ainda pode-se mencionar que essa concorrência generalizada entre os funcionários,
equipes e serviços, como reflexo da gestão do transporte coletivo (visto que segundo o
trabalhador, os fiscais teriam metas de multas a atingir mensalmente ), acaba levando ao
desenvolvimento de condutas desleais entre os trabalhadores e à ruína das relações solidárias.
Dejours (2012b) explica que tais práticas de gestão resultam no isol amento de cada i ndivíduo,
na solidão e a desagregação do viver junto. Como o próprio autor aponta, entre as
conseqüências desse tipo de prática organizacional está o aparecimento das patologias mentais
do trabalho.
Da mesma for ma que é com os fiscais, os motoristas percebem o conflito com os
supervisores da empresa também como um problema pessoal. Na fala do entrevistado mais
novato na profissão, a razão de a maioria dos motoristas não gostar dos supervisores está
relacionada à própria função deles na empresa:
12
A origem dessa palavra, segundo site, está relacionada historicamente ao trato com pessoas que não
queriam seguir os ditames da lei, dessa forma, para que a lei fosse cumprida, o trato para com esses indivíduos
era mediado por um profissional. Quem se ocupava dessa tarefa, para que os outros não precisassem “sujar as
mãos” era o carrasco. (HTTP://origemdapalavra.com.br/palavras/carrasco/ . Acesso em:03/02/2013).
42
Se a pessoa é meu supervisor, tá me supervisionando, tá vendo como a gente tá
trabalhando, o que que tá fazendo...daí o que ele faz? Ele faz o relatório e manda
para a empresa, daí esse motorista é chamado lá, pra responder a algum erro que
ele cometeu. Aí que dá os problemas, que o motorista acha que é pessoal.
Como pode ser percebido por meio dos relatos, a questão do trabalho fica escamoteada e o
debate se desloca para questões pessoais. Para Dejours (1992), esse deslocamento que se dá
no âmbito das relações de poder é uma situação típica do setor terciário, em que a atmosfera
de trabalho tem como efeito principal o envenenamento das relações entre os empregados,
criando suspeitas, rivalidades e perversidade de uns para com os outros. Considera -se essa
reflexão pertinente, no caso do Sistema de Transporte Coletivo de Curitiba, pois pelas
próprias normas institucionais aos quais os trabalhadores estão submetidos, esti mula -se o
conflito entre eles, o que certamente tem conseqüências no trabalho e na s ubjetividade dos
mesmos. Dessa for ma, “de um conflito no sentido vertical, as contradições passam a se dar
então no plano horizontal” (DEJOURS, 1992, p.76). Segundo o autor, essa é uma das for mas
de controle no setor terciário e uma trama assim elaborada é densa e coerente, sendo difícil a
fuga ou a não participação no sistema. Além disso, de acordo do Dejours (1992, p. 75) “não
podemos considerar como epifenômeno ou como questão acessória a discriminação que opera
a hierarquia com relação aos trabalhadores”, visto que essa “faz parte i ntegrante das táticas de
comando”.
Segundo um dos entrevistados, as multas ainda conti nuam ocorrendo, mesmo após o
decreto que proíbe a sua aplicação ter sido assinado. Ele explicou que quando é mul tado por
um fiscal, um comunicado da Urbs, sobre a mul ta, é encami nhado à empresa. Na fala do
profissional,
Se você não concorda, você tem que falar com a empresa, você tem que falar com o
chefe lá. (...) E aí ele fala, „ele é seu e assina aí‟, é assina ou assina! E depois que
você assinar, ele até recorre, mas não é assim! Você não tem que assinar... você tem
que primeiro fazer a defesa, ser julgado, para depois né? Mas não. (...) Ou assina
ou fica sem trabalhar...
Percebe-se, embutido nessas práticas, “nada de imprecisões, de sutilezas capazes de
despertar a curiosidade, o questionamento, a perplexidade” do trabalhador (DEJOURS,
2012a, p. 68). É como se o motorista acusado estivesse desarmado diante de toda a
parafernália que instrumentaliza a produção das provas ao seu respeito: relatórios realizados
pelos fiscais e supervisores sobre o cometi mento de infrações e as circunstâncias nas quais
foram realizadas (por quantos quilômetros o motorista dirigiu na ilegalidade), e demais
43
documentos enviados para a empresa, como as reclamações dos usuários que entram em
contato com a central de atendi mento e i nfor mações da Prefeitura Municipal de Curitiba. “É
uma luta desigual: de um só lado todas as forças, todo o poder, todos os direitos”
(FOUCAULT, 2002, p.76), de outro, o trabalhador solitário, não podendo contar nem mesmo
com o seu sindicato diante dessa prática injusta, o que será abordado posteriormente.
Ainda sobre a postura da empresa diante dessas penalizações, o profissional responde
que a empresa “não quer nem saber”, “pensa só em lucro e não está nem aí para você”.
Visto que as multas eram aplicadas de acordo com a quilometragem, em algumas
circunstâncias essas acabavam acarretando uma perda significativa no salário. O mesmo
ocorre quando acontecem acidentes de trânsito com batida do veículo em outros automóveis.
Nesses casos, o motorista paga a franquia do seguro do outro automóvel (cerca de 1000 reais)
e mais o conserto do ônibus, segundo um dos entrevistados. Um dos motoristas contou,
também, que pelo letreiro da lateral do ôni bus com o nome da linha ter quei mado, já foi
obrigado que pagar cerca de 150 reais, o que precisou parcelar em três vezes. As mul tas,
segundo ele, vinham diretamente descontadas na fol ha de pagamento.
A maioria das multas que acontecem, de acordo com um motorista, são por excesso de
velocidade. Outro entrevistado afirmou que na época anterior a questão do abuso das mul tas
por parte da Urbs ser noticiado na mídia,
se você estava com a barba um pouquinho por fazer, você era multado, daí multava
a empresa e descontavam da gente. É... de boné, por exemplo, (...) tem gente que
usa boné branco. Você era multado! Você só pode usar boné preto, azul ou cinza,
entendeu? Só por coisas banais. Que nem aconteceu do rapaz da estação tubo lá,
que colocou um cobertor, um negócio lá para se proteger do frio e foi multado. A
Urbs multou por ele estar deixando tudo fora do padrão, e não sei o que, da onde se
viu uma coisa dessas?
Pelas situações relatadas pelos entrevistados, observa -se a presença da penalidade diante de
mi nuciosidades, detalhes e banalidades. Além disso, observa -se que essas não têm relação de
proporção direta com os atos cometidos. Contudo, após os abusos na aplicação das multas
serem expostas na mídia e após a mudança de gestão no sindicato dos trabalhad ores, o
motorista explica que a Urbs “deixou um pouco mais flexível”. Segundo ele, como a Urbs não
é uma empresa 100% do município, tendo uma par te dela que é privada, os fiscais da urbs não
poderiam multar os motoristas. “Se não se transforma na indústria da multa. O dinheiro das
multas, que era para ir para o município está indo para a pessoa, né. É ações da Urbs” .
44
Além disso, segundo ele, como os fiscais não são da Secretaria Municipal de Trânsito (Setran)
ou do Departamento de Trânsito do Paraná (Detran), não podem mais multar os motoristas,
apenas a empresa. O trabalhador conta que após as mudanças referidas acima, “ a empresa
vem e cobra da gente, né. Tipo assim „você tá barbudo, cara, fica aí e não vai sair na escala
hoje‟, „cara, você não pode trabalhar com esse boné, cara‟”. Dessa for ma, percebe-se por
meio dessa prática um remanejamento do poder de punir, que outrora era realizado pela Urbs.
Se antes o trabalhador era punido fi nanceiramente pela Urbs (por meio dos fiscais) por
trabalhar com a barba por fazer, agora é constrangido pela própria empresa, não podendo
trabalhar nessas ocasiões, a fim de que essa não seja penalizada. Infere -se que atual mente, é
por meio dessa tática que a organização do trabalho ati nge seus objetivos. Analisam-se três
aspectos a partir dessa situação: que a proibição das multas aplicadas aos motoristas não
ocorreu por uma nova sensibilidade do lugar do trabalhador nessa organização do trabalho
(visto que ele ainda é penalizado); que a nova política em relação às “ilegalida des” cometidas
pelos motoristas, exemplificada acima, se configura como um terreno fértil para o
desenvolvimento do assédio moral organi zacional; e que a organização do trabalho utiliza e
reorganiza o poder de punir confor me seus objetivos econômicos.
Outro motorista explicou que as multas foram substituídas por palestras em que se
explica ao profissional o modo correto de atuação. Essas diferentes respostas podem referir a
diferença no posicionamento de cada empresa após o decreto que proíbe a aplicação de multas
aos cobradores e motoristas ter sido assinado. Porém, o que é comum a todas essas
possibilidades é o exercício da disciplina. As estratégias de disciplina que são operadas dentro
das instituições tem a fi nalidade de tornar o trabalhador mais produtivo e eficiente. A
combi nação dessas operações de poder com a vigilância garante o controle da força de
trabalho dos trabalhadores (FOUCAULT, 2002). Dessa forma, as relações hierárquicas
estabelecem o lugar que cada um deve ocupar nas organizações, infl uenciando a conduta dos
trabalhadores (GONÇALVES; BUAES, 2011).
4.1.3.2. Os passageiros
Como descrito acima, outra dificuldade apontada por esses profissionais no exercício
de seu trabalho é a relação com os passageiros. Tal como no caso dos fiscais, foi observada
uma visão negativa por parte de alguns profissionais sobre os usuários do transporte coletivo:
“xucrão”, “tiozão” e “povo enchendo o saco” foram algumas das expressões para qualificá-
45
los. Segundo um dos entrevistados, a maioria das pessoas “embarca, passa a catraca e tá
beleza, não incomodam! Mas tem pessoas que vem, sabe, e parece que vem predisposto a
arrumar confusão”. Os motoristas sentem que são mal vistos pela população e explicaram
que os usuários cobram e reclamam demais, sendo difícil satis fazê-los. De acordo com um
profissional “é complicado! Você anda demais, „você está louco, você está louco‟. Se você
anda de menos „ô, motorista, tá se arrastando?‟”. Contudo, dois entrevistados mencionaram
ter uma boa relação com os passageiros.
Infere-se, ainda, que essa visão negativa sobre a população, por parte dos motoristas,
decorre do fato de que os passageiros são vistos como uma ameaça a esses profissionais, o
que remete as próprias nor mas que os motoristas são submetidos em seu trabalho. Isso po de
ser percebido, por exemplo, quando o motorista explica que os usuários podem ligar para a
central de atendi mento e i nfor mações da Prefeitura Municipal de Curitiba reclamando da sua
postura profissional. As conseqüências desse fato, segundo ele, é que a infor mação é
repassada para empresa e essa aplica uma penalidade ao motorista. De acordo com um
profissional, “você pode ligar e inventar um monte”, e nessas ocasiões a palavra do usuário é
sempre vista como correta. Um dos motoristas ainda comenta que os conflitos com
passageiros são constantes: “eles te xinga, te grita e vem em cima de você aqui. Teve uns
rabudo aí que já tomou uns tabefe! Já teve casos de neguinho apanhar no volante! Vários,
vários...”. Contudo, o motorista entrevistado que trabalha no transporte coletivo de
passageiros apenas durante alguns meses do ano, refere que uma das razões da irritação dos
passageiros para com os motoristas se deve a falta de conheci mento desses últi mos em relação
às suas condições de trabalho:
Eles não entendem muito assim, não sabem que é horário, não sabem das condições
da gente. Chega lá e não querem saber. Eu acho injusto também, né. Uns ajuda,
outros não ajuda, sobra para você resolver o problema. „Mas você está atrasado,
motorista‟. O tempo é curto, você te m bastante passageiro para pegar e a empresa
não colabora para te ajudar, a resolver o seu problema, eles querem te punir ainda.
A fala do motorista evidencia que as falhas da or gani zação do trabalho são assumidas
individual mente pelo trabalhador (é um problema dele, o qual ele tem que resolver). Além
disso, é sentida, por esse profissional, uma falta de solidariedade tanto da empresa, quanto em
relação aos passageiros. Tal como definido por Mendes (1997) sobre a realidade do trabalho
dos motoristas em Belo Horizonte, observa-se que, pelo menos em parte, o relacionamento
46
entre motoristas e passageiros do transporte coletivo de Curitiba é instável devido as próprias
questões que per meiam a organi zação do trabalho, o que Mendes (1997) referiu como “falhas
do sistema”.
Quando os motoristas citam suas relações no trabalho, observa-se o desgaste que essas
trazem ao trabalhador, evidenciando relações que produzem sofri mento. No que se refere à
saúde mental no trabalho, pode-se afir mar que essa desestruturação das relações afetivas no
ambiente laborativo é fonte suplementar de sofrimento e a “desorganização dos investi mentos
afetivos provocada pela organização do trabalho pode colocar em perigo o equilíbrio mental
dos trabalhadores” (DEJOURS, 1992).
4.1.3.3. O relacionamento entre pares
Todos os motoristas entrevistados afirmaram ter relações amistosas para com os outros
motoristas, o que pode ser percebido pela for ma que uns denomi nam os outros:
“companheiros de trabalho”, “amigo” e “parceiro”. Um dos motoristas explicou que
quando esses trabalhadores estão reunidos, o que nor mal mente acontece no i ntervalo entre as
tabelas, o clima é de descontração. Contudo, durante a entrevista um dos profissionais
reclamou da falta de envolvi mento quanto à luta por mel hores condições de trabalho, o que
pode ser percebido quando ocorrem as greves. Segundo ele,
você tá fazendo a greve, ao invés de ir na assembléia, eles vão para porta da
empresa, para saber o resultado da assembléia pra já ir trabalhar. Porque a
maioria das vezes a gente perde, né! (...) Tem 6 na assembléia, 200 na porta da
empresa, esperando o resultado. (...) „Ah, não sei, não vou ficar perdendo tempo lá
não‟, é o que eles falam! Tem 12 mil funcionários em geral, cobrador e motorista,
se vai 2 mil vai muito.(...) Tivemos conquistas, mas dava pra conquistar mais, bem
mais. Mas um só não ganha, né? Mas ninguém levanta as mão, uns 2 levanta a mão
e ninguém quer levantar.
Na visão desse profissional, a categoria, apesar de ter relações amigáveis, é desunida
na l uta por seus i nteresses, o que prejudica a mudança das condições de trabalho. Para ele,
“na convivência beleza, mas vamos pro pau? Ninguém vai!”.
Ele ainda refere que os
trabalhadores têm responsabilidade quanto a essa situação vivenciada, visto que “ se fosse
unida, a categoria, e exigisse alguma coisa” a situação teria se alterado, contudo, “o patrão
tem a categoria na mão”. Segundo Dejours (2012a, p. 19) a mobilização coletiva tem sua
principal fonte de ener gia na cólera contra o sofrimento e a i njustiç a considerados
47
intoleráveis, contudo, “o sofri mento somente suscita um movi mento de solidariedade e de
protesto quando se estabelece uma associação entre a percepção do sofrimento alheio e a
convicção de que esse sofri mento resulta de uma inj ustiça”, caso contrário, “não se levanta a
questão da mobilização numa ação política, tampouco a questão de justiça e injustiça”. Além
disso, observou-se durante as entrevistas uma postura desacreditada por parte dos motoristas
quanto as melhorias nas suas condições de trabalho, uma vez que eles afirmaram que não há
como a situação ser alterada, que “não tem como mudar” que “é isso ou não é”. Observa-se,
assim, uma tolerância dos trabalhadores quanto às injustiças e uma postura de resignação
diante de “um fenômeno” sobre o qual não se pode exercer nenhuma infl uência e, ai nda, a
atenuação das reações de indignação por parte de alguns entrevistados.
Diante desse paradigma da precariedade da mobilização coletiva contra o sofri mento,
Dejours (2012a) explica que o problema passa a ser o do desenvolvimento da tolerância à
injustiça. Essa discussão será mais bem desenvolvida adiante, quando abordada a questão das
estratégias defensivas. Por enquanto, basta dizer que essa passividade coletiva é consequência
da falta de perspectivas (econômica, social e política) alternativas (DEJOURS, 2012a), e que
ela possibilita o aumento progressivo da exploração.
4.1.3.4. O relacionamento com os cobradores
Visto que três dos motoristas entrevistados entraram no setor de transportes e
posteriormente assumiram o cargo de motoristas, observou-se uma visão respeitosa sobre
esses profissionais, apesar de um entrevistado ter explicado que um comentário comum dentre
os motoristas é que “cobrador não faz nada” e, um entrevistado ter referido que o cargo de
cobrador demanda menos responsabilidades em comparação com o cargo de motorista. Além
disso, todos os entrevistados afirmaram já ter trabalhado em ônibus com cobrador e quando
perguntados como era a relação entre eles, evidenciou-se certa falta de co municação entre
esses profissionais, visto que eles disseram que cada um fazia a sua tarefa sem interferir na
atividade de trabalho do outro. Alguns dos entrevistados ainda explicaram algumas condições,
semel hantes as vivenciadas pelos motoristas, as que e stão submetidos os cobradores, tais
como assaltos, vandalismo e nor mas rí gidas por parte da Urbs. Segundo um motorista,
“sabendo disso, tudo certo, amiguinho!”.
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4.1.4. “Nossa! Parece que tão me perseguindo!”: o controle sobre o trabalho dos motoristas
De acordo com Soares e Thielen (2010) há uma avançada tecnologia aplicada no
maqui nário dos veículos e no sistema infor mati zado de gerenciamento do transporte coletivo
urbano, o que visa ampliar a produtividade do serviço. Isso pode ser observado na cidade d e
Curitiba a partir do Sistema Integrado de Monitoramento, um sistema de controle de tráfego
que visa dar mais fluidez ao fl uxo de veículos nas ruas da cidade. De acordo com reportagem
do site G1 (10/04/2012), esses sistema foi colocado em operação pela Urbs e a Prefeitura de
Curitiba em abril de 2012. Os ônibus do transporte coletivo foram adaptados com
computadores de bordo, com GPS, tela e botões de alarme que per mitem contato i mediato
com o Centro de Controle Operacional (CCO).
O Sistema Integrado de Monitoramento que monitora mais de 1,9 mil veículos da
Rede Integrada de Transportes (RIT) da região metropolitana de Curitiba e teve o custo de
71,8 milhões de reais para sua implantação, foi apelidado pelos motoristas de ônibus, segundo
reportagem de Marchiori para Gazeta do Povo (09/2012), como “dedo-duro”, visto que “o que
os olhos dos fiscais da Urbs não vêem, as câmeras do Centro de Controle e Operações (CCO)
têm flagrado”. De acordo com a reportagem, 21 operadores do CCO controlam
aproxi madamente 21 mil viagens diárias dos ônibus da cidade e para alcançar a precisão
quanto as metas de horário. O sistema conta com aparelhos GPS i nstalados em 1.920 ônibus
e, além de comunicar imprevistos, esses equipamentos indicam, o status do cumpri mento de
metas de horários, “dedurando” os ônibus atrasados. Segundo reportagem de Marchiori
(18/08/2012), com essas infor mações, “os técnicos das empresas responsáveis pelas linhas
enviam mensagens de até 140 caracteres para alertar sobre as metas”. Apesar disso, Marchiori
ainda relata que segundo a Urbs, há um cuidado para que o motorista não seja pressionado
com essas mensagens que chegam ao pai nel de controle dos veículos e eles só podem ler ou
responder com o carro parado. Segundo a reportagem, o CCO também comunica sobr e vias
interditadas e outras ocorrências que interferem no dia a dia do motorista e a fluidez do
tráfego.
No que se refere a esse aparato tecnológico instalado nos ônibus, três dos
profissionais, durante as entrevistas, julgaram o como sendo válido, e um deles disse que a
empresa tem o direito de monitorar os ônibus, que é um patri mônio dela. Os profissionais
afirmaram que a tecnologia não i nter fere muito no trabalho e um deles mencionou que est á
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havendo muitos problemas com o sistema, visto que ao i nvés de agilizar o processo, a
tecnologia não está consegui ndo oti mi zar o trabalho em algumas das situações para qual se
destina. Segundo esse profissional, a nor ma diante de um i mprevisto (como por exemplo, uma
pista com trânsito intenso devido a colisão entre veículos), é que os motoristas devem esperar
uma mensagem no computador de bordo (a ser enviada pela CCO) que prescreve o que deve
ser feito (desviar o itinerário ou esperar, por exemplo) . Para o profissional, isso vem
demorando mais do que se os motoristas pudessem decidir por si próprios o que deve ser feito
diante de um i mprevisto. Percebe-se, assim, que objetivo do aparato tecnológico era um maior
controle sobre a atividade laboral dos motoristas visando otimi zar o processo, contudo, como
pode ser percebido pela explicação do entrevistado isso ainda não foi possível em algumas
situações. Como aponta Soares e Thielen (2010), o trabalho dos motoristas de ônibus vem
sendo controlado mi nuciosamente por i nstr umentos de gestão que servem à oti mi zação dos
procedimentos de trabalho e essa tecnologia de gestão tor na o trabalhador supostamente
descartável e desvalorizado. Além disso, observa-se no exemplo aci ma que o saber intelectual
do trabalho é transferido para as máquinas infor mati zadas, “que se tornam mais inteligentes”,
distanciando a subjetividade do exercício de uma cotidianidade autêntica (ANTUNES;
ALVES, 2004, p.347), e negando o saber-fazer do trabalhador.
Segundo o profissional entrevistado que está a menos tempo na profissão,
Para nós não interfere muita coisa, né. Na verdade isso é mais para eles
fiscalizarem a gente do que para a gente ter uso. Porque não interfere em muita
coisa, o horário tá ali para ser cumprido e pronto, tem que fazer, não altera muita
coisa. Altera porque dá uma controlada e tal , mas para nós eu não vejo muita coisa.
Mandar mensagem para eles, isso pode ser pelo telefone.
Dessa for ma, na visão do profissional o aparato tecnológico instalado nos ônibus não
tem utilidade senão como meio de controle, já que suas outras funções são facilmente
substituíveis por métodos até então utilizados. Contrasta-se com essa “falta de utilidade”
apontada pelos trabalhadores, que di zem i nclusive que atual mente “eles não te obrigam a
cumprir o horário”, a explicação dos entrevistados sobre a utilização do instrumento, onde se
evidencia o controle exercido pelo aparato. Apontando para o computador de bordo um dos
motoristas explica: “verde eu estou no horário, vermelho eu estou adiantado e amarelo eu
estou atrasado”. Com referência nessas sinalizações e algumas marcações de horário no
painel, o profissional diz que ti nha o prazo de um mi nuto para arrancar dali, “se não acusa
50
atrasado”, segundo ele, “tem que cumprir direitinho”. Dessa for ma, confor me apontado
acima, se observa que a finalidade maior do instr umento remete a uma pressão para o
cumpri mento do horário, ou seja, uma fi nalidade de controle.
Acredita-se que esse instrumento, por meio do controle sutil que desempenha, sendo
quase que i mperceptível pelos motoristas (que afir mam que atual mente não há a obri gação do
cumpri mento do horário), seja o meio pelo qual a organização atinge seus objetivos na
atualidade, em uma época na qual foram escancarados para sociedade os abusos das multas
aplicadas aos trabalhadores do setor de transportes (e assina do o decreto que proíbe a sua
aplicação). Por esse motivo, a organi zação do trabalho, não pode mais se valer desse artifício
(multas) para alcançar a precisão quanto as metas de horário e aumento de lucratividade.
Contudo, isso pode ser alcançado com a i mplantação do aparato tecnológico nos ônibus e do
Centro de Controle Operacional (CCO). Sob o ponto de vista da lucratividade o controle do
tempo é algo relevante, pois quanto maior o número de viagens que um ônibus fizer, menos
recursos a organização do trabalho terá que dispor (ônibus, funcionários, etc.) e sua
lucratividade será aumentada.
Ainda é preciso ser dito que com o apelo da organi zação do trabalho ao controle por
meio do aparato tecnológico instalado nos ônibus, o conflito personificado na figura do fiscal
pode deixar de existir, uma vez que nesse contexto não haverá mais uma pessoa para a qual os
trabalhadores podem dirigir sua fúria frente à pressão que a organi zação do trabalho lhes
impõe. Além disso, como já dito, a tecnologia é um meio de controle quase que i mperceptível
aos trabalhadores, algo neutro. Nesse novo paradigma, acredita -se que o controle quanto ao
cumpri mento de horário é internalizado pelo trabalhador, visto que o ele afirma que a
organização não obriga mais o cumpri mento do horár io. Da mesma for ma, o conflito entre a
organização do trabalho e o trabalhador continua não sendo visível. Além disso, perante a
população o aparato tecnológico nos ônibus, meio sutil de controle sobre o trabalho do
motorista, é visto como ícone de moder nidade de uma cidade “modelo”, desenvolvida. Dessa
for ma, o controle excessivo sobre a atividade laborativa desses profissionais se perpetua,
contudo, não sem dei xar marcas na subjetividade do trabalhador , como evidenciado no relato
de um dos entrevistados. Nesse, ao explicar sobre o trabalho dos fiscais e sobre mecanismos
institucionais do sistema de transporte coletivo, o trabalhador parece ter tido um insight, que
remete a um próprio efeito subjetivo que essas condições de trabalho provocam:
51
É necessário: fiscal da Urbs, fiscal de itinerante, fiscal secreto... Nossa! Parece que
tão me perseguindo!Perseguindo porque o GPS aqui é para cuidar do carro, aí tem
o fiscal itinerante que vem à paisana dentro do carro, te multa. Tá dirigindo, tem o
aparelho te cuidando, tem mais o fiscal te cuidando dentro do carro. Aí, tem o
telefone que é disponível, você (passageiro) pode ligar e inventar um monte. Eles
não estão nem aí, eles escrevem. Você pode fazer isso aí. Eles não querem saber se
você está certa. Se você ligou lá, você está certa. E isso não é certo.
Pelo sistema de vigilância e controle (evidenciado pelos múltiplos mecanismos citados pelo
trabalhador acima), percebe-se que essa organi zação do trabalho assemel ha-se do panoptismo,
tal como é conceituado por Foucault (2012). O panoptismo é um sistema caracterizado por
uma inspeção constante, em que “o olhar está alerta em toda parte” a fi m de observar os
indivíduos, de for ma que o sujeito é visto, mas não vê. Isso pode ser percebido na organização
do trabalho do transporte coletivo de Curitiba por meio, por exemplo, da figura do fiscal
itinerante ou até mesmo do fiscal de rua que o multa e ele fica sabendo do fato apenas
posteriormente (já que parece não haver comunicação entre esses profissionais), como
também pelo uso do aparato tecnológico nos ônibus, que per mite localizar e vigiar o
trabalhador. Além disso, algo relevante nessa organi zação é o fato de que o exercício da
disciplina, finalidade do panoptismo, se di funde no campo social, visto que se i nstr umen taliza
os passageiros e a sociedade em geral, a fim de exercer esse controle também para com o
trabalhador, garanti ndo a eficácia do sistema de vi gilância e controle: o funcionamento da
disciplina de maneira difusa, múltipla e polivalente. Esse sistema induz o sujeito a um estado
consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder e
faz com que esse não se acrescente de fora. O i mpacto subjetivo desse sistema pode ser
percebido quando o trabalhador diz sentir-se perseguido e ameaçado por esse métodos e pelas
pessoas as quais vive cotidianamente, que passam a ser percebidas como “i ni mi gas” (fiscais e
passageiros), como foi abordado acima. Evidencia-se, dessa forma, que a desagregação dos
laços entre os trabalhadores está relacionado com a for ma de gestão e seus mecanismos de
controle/ vigilância do trabalhador.
Quando per guntado ao entrevistado sobre quem eram, então, os ami gos da vida de
motorista, ele responde: “amigo só você mesmo e Deus!”. A partir das falas do profissional,
podemos perceber o impacto subjetivo dessas formas de controle para os motoristas, que
cul mi nam na sua solidão e na falta de solidariedade no trabalho. Assim, cada indivíduo fica
sozinho, na solidão frente à injustiça. Evidencia-se que a isso ocorre como conseqüência do
modelo de gestão do sistema de transporte coletivo de Curitiba.
52
Tal como apontam vários pesquisadores que investi garam as condições de trabalho
dos motoristas (SATO, 1991; BATTISTON; CRUZ; HOFFMANN, 2006), o excesso de
controle sobre a atividade laborativa desses profissionais foi um dado encontrado também na
realidade curitibana. Analisa-se, que as dificuldades que os motoristas dizem ter no exercício
de sua profissão estão bastante relacionadas, direta ou indiretamente, ao controle da
organização do trabalho sobre sua atividade laboral.
4.2. UMA ANÁLISE ACERCA DAS RELAÇÕES DE PODER: OS MOTORISTAS DE
ÔNIBUS DE CURITIBA E O IMBRÓGLIO INSTITUCIONAL
De que me vale ser filho da santa?
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Chico Buarque - Cálice
O trabalho dos motoristas de ônibus de Curitiba é influenciado tanto pelas
deter minações do órgão gestor do serviço, no caso, a Urbanização de Curitiba S.A ( Urbs),
como das deter mi nações das empresas prestadoras do serviço. Dessa forma, ai nda no âmbito
da organização do trabalho no transporte coletivo de Curitiba, é conveniente contemplar neste
estudo uma análise sobre as relações de poder que envolvem essas entidades, assim como o
sindicato dos trabalhadores (Sindi moc) e o sindicato das empresas de transporte coletivo
(Setransp). De acordo com Faria (2004) é por meio das relações de poder que o sentido do
poder pode ser compreendido, e esse pode ser definido como a
Capacidade de um grupo (social ou politicamente organizado) de definir e realizar
os seus interesses objetivos e subjetivos específicos, mesmo contra a resistência ao
exercício desta capacidade e independentemente do nível estrutural em que tal
capacidade esteja principalmente fundamentada (FARIA, 2004, p. 141)
4.2.1. A Urbs
De acordo com o Estatuto Social da Urbs (2012, p.2) a Urbs “é uma sociedade por
ações e de economia mista, com personalidade jurídica de direito privado, declarada de
utilidade pública e constituída e com as atribuições e responsabilidades definidas pela Lei
53
Municipal nº 6.155, de 26 de junho de 1980 e por suas alterações”. De acordo com o site 13 da
URBS, a Sociedade foi criada com o objetivo de admi nistrar o Fundo de Urbani zação de
Curitiba (FUC), para desenvolver obras de infraestrutura, programas de equipamentos
urbanos e atividades relacionadas ao desenvolvimento urbano da cidade. Contudo, ao longo
dos seus 47 anos, às suas funções origi nais foram acrescidos demais tarefas. No histórico da
empresa, disponível no site 14, consta que a Urbs é a empresa responsável pelas ações
estratégicas de planejamento, operação e fiscalização que envolvem o serviço de transporte
público, além do gerenciamento e administração de equipamentos urbanos de uso comercial
da cidade, instalados em bens públicos. Nesse histórico consta que em 1986 ela passou a
gerenciar o Sistema de Transporte Coletivo de Curitiba e em 2010 realizou a pri meira
licitação do transporte público urbano da cidade.
De acordo com o Estatuto Social da Urbs (2012, p. 2) essa entidade, “na qualidade de
admi nistradora do Fundo de Urbanização de Curitiba, agirá como concessionária de serviços
públicos, nos ter mos dos contratos de concessão fir mados com o Executivo Municipal”. Além
disso, esse estatuto estipula que a participação da Prefeitura Municipal de Curitiba no capital
da Urbs, sempre será de no mí ni mo 51% das ações com direito a voto. Segundo nota de
esclarecimento de 2011, no site 15 da Câmara Municipal de Curitiba, atualmente 99,9% das
ações da Urbs pertencem ao município, e 0,1% aos demais acionistas, o que é necessário para
caracterizar a participação do capital privado na entidade.
Sobre essa instituição, foi dito pelo pesquisador Mansur Gibran (em matéria publicada
no jor nal Gazeta do Povo (03/04/2011) pelos jornalistas Köni g, Boreki e Azevedo) que a
escolha dos acionistas não ocorre de forma aberta e que o processo seguramente não é
transparente. Segundo ele, os 0,1% das ações da Sociedade dão o poder de decisão a 13
pessoas (dois vereadores ocupantes ou ex-ocupantes de cargos públicos e quatro instituições).
Em 1963, momento de criação da Urbs, os sócios eram necessários para que ela funcionasse
como uma sociedade anôni ma (S/A). O Departamento Inter sindical de Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos ( Dieese), na mesma matéria, também apontou a falta de critérios claros da
instituição para definir o valor da tarifa de ônibus. Ai nda com relação a essa instituição, foram
13
http://www.urbs.curitiba.pr.gov.br/institucional/atuacao>. Acesso em:16/12/2012.
14
http://www.urbs.curitiba.pr.gov.br/institucional/nossa-historia>. Acesso em: 16/12/2012.
15
http://www.cmc.pr.gov.br/ass_det.php?not=16696 . Acesso em: 23/12/2012.
54
vários os fatos noticiados nos meios de comunicação que remetem a abuso s da Urbs na
aplicação de multas aos motoristas e cobradores do transporte coletivo , como foi abordado no
capítulo anterior.
4.2.2 As empresas de transporte coletivo e a Urbs
No que se refere ao sindicato patronal, no site 16 do Sindicato das empresas de ônibus
de Curitiba e Região Metropolitana (Setransp), consta que a entidade sur giu em 1949 e
atual mente tem 29 empresas associadas.
Sobre a relação entre a Urbs e as empresas de transporte coletivo de Curitiba, em texto
de opinião da Gazeta do Povo (07/04/2010), Lafaiete Neves, doutor em Desenvolvimento
Econômico pela UFPR, apontou o favorecimento da Urbs em relação a algumas empresas no
seu processo de licitação, em 2010. Isso, pois dentre outros aspectos, o edital determinava
experiência de mais de 20 anos no modal de transporte coletivo típico de Curitiba e o
pagamento de 250 mil hões de reais para aquelas empresas que vencessem o edital. Já em
outras circunstâncias a Urbs e as empresas parecem entrar em relação de embate,
principalmente quando o assunto são os interesses econômicos, o que engloba os direitos dos
trabalhadores. Isso pode ser percebido pelas notícias relatadas adiante.
Em matéria da Gazeta do Povo, do dia 13 de fevereiro de 2012, Geron, Trisotto e
Leitóles explica m que os motoristas e cobradores decidiram entrar em greve por tempo
indeter mi nado após a recusa da proposta apresentada pelo Setransp. O sindicato patronal
apresentou uma proposta de 7% de aumento total (cerca de 1,37% aci ma das perdas da
inflação), enquanto os trabalhadores exi giam 40% de aumento. Além de reivindicações por
mel horia salarial, a reportagem afir ma que os trabalhadores apresentaram uma pauta com
mais de 50 reivindicações. De acordo com a matéria, a Urbs se pronunciou sobre o assunto da
greve dizendo que se trata de uma negociação entre o si ndicato patronal e o dos trabalhadores
e que não vai se manifestar. Como aponta uma reportagem do mesmo jornal, datada do dia 15
de fevereiro de 2012, após quase dois dias de paralisação, motoristas e cobradores aceitaram a
proposta feita pelo sindicato patronal e encerraram greve. Com esse acordo, os trabalhadores
vão receber reajuste salarial de 10,5%, vale-alimentação de 200 reais e abono único de 300
reais.
16
http://empresasdeonibus.com.br/2011/index.php/setransp/. Acesso em: 26/12/2012.
55
O embate devido às questões econômicas entre as empresas e a Urbs pode ser
percebido por meio do i nfor me publicitário do Setransp, disponível no dia 30 de dezembro de
2012 no site17 do jornal Gazeta do Povo. O infor me, na página on-line do jornal, ocupava o
espaço destinado à propagandas de serviços e produtos. Dessa for ma, observa -se que a
infor mação não se refere a uma notícia do jornal, mas a uma opinião do Setransp que ocupa
um l ugar destinado à publicidade. O documento, intitulado “transporte coletivo vive a maior
crise da sua história, empresas estão em situação financeira grav íssima e pedem socorro”
refere que as empresas de ônibus da cidade vêm passando por uma grave crise econômico financeira, como nunca se viu na história do transporte coletivo de Curitiba e Região
Metropolitana. Nesse, as empresas questionaram “as decisões equivocadas da Urbs”,
apontadas como causa da crise financeira que as empresas vêm passando. Segundo a
publicidade, “o rombo nas contas das empresas ultrapassa dezenas de milhões de reais, fora
ações judiciais que cobram outros prejuízos causados pelo não cumprimento de clausulas
contratuais” com a Urbs. No infor me publicitário, o sindicato patronal ainda critica a lei que
proíbe a dupla função dos motoristas dos microônibus, pois “na contramão de tudo que existe
de mais moder no em ter mos de bilhetagem eletrônica, a Prefeitura Municipal sanciona uma
lei que obriga o retor no de cobradores em veículos onde a própria Urbs deter mi nou que não
mais existisse esses profissionais”. Essa medida ocasionará custos às empresas, tanto no que
se refere à contratação de mão de obra, quanto a readequação dos veículos, custos que,
segundo o Setransp, não serão ressarcidos.
De acordo com a matéria publicada na Gazeta do Povo (05/12/2012) por Trisotto e
Senkovski, foi sancionada (em 27 de novembro de 2012) a lei que proíbe as empresas
concessionárias de serviços de transporte coletivo em Curitiba de determinar aos motoristas a
cobrança das passagens. Diante dessa situação, o Setransp infor mou que irá questionar
judicialmente a constitucionalidade da medida. O único motorista en trevistado que
desempenha a dupla função, disse considerar que a cobrança de passagens é a principal
dificuldade durante o exercício da sua atividade laborativa, visto que essa tarefa tira o foco do
motorista diante da sua principal função. Contudo, ele mostra-se descrente de que a dupla
função realmente será proibida. De acordo com a reportagem do dia 15 de maio de 2012, o
exercício da dupla função coloca em perigo a população, visto que devido as determinações
17
http://www.gazetadopovo.com.br>. Acesso: 30/12/ 2012.
56
de horário estipuladas pela Urbs, o trabalhador não tem tempo de primeiro cobrar e depois
dirigir, o que acarreta em atrasos e excesso de velocidade.
Para Trisotto e Senkovski, o fi m da dupla função é uma reivindicação da categoria,
contudo a medida deverá onerar o sistema já deficitário. Segundo a matéria publicada por
esses autores, a Urbs acumulou um prejuí zo de cerca de 53 milhões de reais entre março e
novembro de 2012. Já as empresas de transporte alegam um déficit de 100 milhões de reais
em seus cofres, provocado pelo desequilíbrio entre as obrigações previstas no contrato com a
Urbs e o pagamento recebido por elas. Entretanto, em matéria publicada no jornal Gazeta do
Povo em 4 de dezembro de 2012, a Urbs afir ma estar rigorosamente em dia com todas as suas
obrigações contratuais perante as empresas operadoras do sistema e descartou possíveis
pendências, despesas estas que são custeadas, segundo a Urbs, pelo governo do estado.
Devido a essa crise financeira a qual dizem passar as empresas do transporte coletivo,
de acordo com reportagem de Senkovski e Trisotto no jor nal Gazeta do Povo (30/11/2012),
elas dividiram o 13º salário dos motoristas e cobradores em 4 parcelas. Sobre o assunto, a
Urbs em nota de esclarecimento 18 infor ma que o poder público está rigorosamente em di a
com todas as suas obrigações contratuais perante as empresas operadoras do transporte
público, inclusive no que se refere à verba relativa ao 13º salário dos funcionários, referindo
em reportagem de Senkovski para o jornal Gazeta do Povo (28/11/2012) que “vai se
posicionar de maneira fir me no caso de haver atrasos”. Sobre esse assunto, um dos motoristas
questionou as empresas, durante a entrevista, quanto a esse parcelamento e, principalmente, o
lugar dado aos trabalhadores no “ranking” de prioridades dessa instituição. Segundo e le,
Os cara falam que não tem dinheiro, o nosso décimo foi pago em quatro vezes! Não
tem como os cara falar que não tem dinheiro! Pô, você vai pegar um ônibus, você
vai na Urbs e você carrega o seu cartão 30 dias, paga a vista, e tão dizendo que
não tem dinheiro. (...) Só esse ano que acabou agora compraram mais duas
empresas e falam que não tem dinheiro para pagar nosso décimo terceiro. Pagou
em 4 vezes. Nem pagou, falta mais uma parcela ainda.
Além disso, um dos motoristas entrevistados denuncia uma relação de cumplicidade
entre a Urbs e as empresas que acaba por prejudicar os trabalhadores, como é no caso das
mul tas. Ao explicar essa questão o motorista percebe relações de poder entre as empresas e a
18
http://www.urbs.curitiba.pr.gov.br/noticia/nota-de-esclarecimento. Acesso em: 26/12/2012.
57
Urbs que estão relacionadas às penalizações que sofre no exercício do seu trabalho, que o
prejudicam. Segundo ele,
Que o meu patrão, a empresa e o grupo patronário têm ações na Urbs, com certeza!
Na verdade é quase um monopólio. (...) A Urbs é uma sociedade anônima. Com
certeza tem um dedinho lá deles.(...) O patronato é dono de todas as empresas. Tem
um grupo aí e esse grupo tem 37%. Esse grupo pioneiro aí. Fora o que tem por fora,
tem até avião. (...) Eles que mandam, né. A Urbs pune nós, os funcionários. Nós
pagamos o mesmo patrão, porque o dinheiro vai para eles mesmos, né. Os patrões
punem nós, paga de um lado e tira do outro. Paga pouquinho de um lado e tira
quase tudo. (...) É o mesmo patrão, é o mesmo dono, o mesmo grupo...
Frente a situação paradoxal dessa organização do trabalho, que remunera o trabalhador pelo
exercício de sua atividade laborativa, ao mesmo tempo em que recebe novamente parte dessa
remuneração por meio das multas, o trabalhador refletindo sobre o assunto chegar a conclusão
de que a Urbs e a empresa na qual trabalha têm relações mui to próxi mas, se constitui ndo
como “o mesmo patrão”, um “mesmo gr upo”. Essa é a explicação encontrada por ele como
passível de justificar as nor mas e punições abusivas para com os trabalhadores. Um dos
motoristas também afirmou acreditar que entre a Urbs e as empresas há uma relação de
dependência, uma vez que a Urbs cria as normas e as empresas têm que cumpri -las. Também
foi ressaltado o fato de que a Urbs “fiscaliza a empresa de uma maneira complicada”, e que
essa também tem que pagar multas diante de i mprevistos. Quando perguntado como a
empresa se posiciona diante das multas dadas aos funcionários por parte da Urbs, dois dos
trabalhadores referem que é de for ma “totalmente conivente”. De acordo com um
trabalhador, “a Urbs sempre multou as empresas, isso aí sempre aconteceu, mas sempre
quando tinha a negociação” dos interesses dos trabalhadores “lá na Urbs com a prefeitura, a
empresa sempre se posicionava do mesmo lado, entende?”
4.2.3. O sindicato dos trabalhadores
De acordo com infor mação do site 19 do Sindicato dos motoristas e cobradores de
ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Si ndi moc), a entidade foi fundada em 1990,
depois do desmembramento de uma entidade da classe a nível estadual. Confor me descrito no
site da instituição, durante o seu período de funcionamento, houve momentos de glórias e
lutas e também momentos obscuros e atual mente se busca “a limpeza e o fi m dos vícios que já
ocorreram no passado”. Pôde ser percebido, por meio de uma breve pesquisa documental
19
http://www.sindimoc.com.br/index.php?area=historia. Acesso em: 28/12/2012.
58
sobre a entidade, que essa tem um histórico que evidencia fatos de violência e corrupção. A
partir desses fatos, infere-se historicamente a prioridade da instituição, ou pelo menos de parte
dos envolvidos na direção do sindicato, não esteve relacionada à defesa dos direitos dos
motoristas e cobradores, mas ao contrário, esteve a serviço da opressão da classe, o que pode
ser evidenciado pelas situações relatadas abaixo.
Em notícia publicada no G1, portal de notícias da rede Globo, no dia 31 de agosto de
2010, há a i nfor mação de que o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organi zado
(Gaeco) prendeu o então presidente do Sindimoc, Denilson Pires, que foi acusado de
apropriação indébita e formação de quadrilha. Outras três pessoas também foram presas, uma
delas por porte ilegal de arma. Na ocasião, foram encontrados cerca de 110 mil reais no
sindicato. O Gaeco refere um suposto esquema de fraudes no si ndicato e além de Denilson,
“foram presos, sob as mesmas acusações o tesoureiro e candidato à presidência do sindicato,
Valdecir Bolette, o advogado do Sindi moc, e o ex-vereador de Curitiba, cassado em 2008 sob
acusação de abuso do poder econômico, Valdenir Dielle Dias. De acordo com o Mi nistério
Público, o advogado seria o mentor das fraudes e teria ascendência sobre os dirigentes da
entidade.”
20
De acordo com Carriel, em reportagem de Ribeiro para o jornal Gazeta do Povo
(01/09/2010), a prisão de Denilson Pires foi mais um episódio turbulento nos 20 anos de
existência do Sindimoc. O sindicato, criado em 1990, teve o seu pri meiro pre sidente, o
motorista José Martins Costa, cassado em 1994 sob acusação de irregularidades. Em 1998,
Aristides da Silva, segundo presidente, foi executado com sete tiros em Itapoá, Santa Catarina
e, até hoje os assassinos não foram identificados. Já em janei ro de 2009, o secretário-geral da
instituição, Alcir Teixeira, conhecido como “Zico”, foi morto ao chegar em casa. De acordo a
reportagem de autoria de Cabral, para o jornal Gazeta do Povo (27/09/2010), Zico dizia ter
descoberto irregularidades no sindicato e ameaçava denunciar. Ele teria gravações de reuniões
do Sindi moc que comprovariam as denúncias. Após sua morte as gravações foram
encontradas e entregues ao Gaeco do Mi nistério Público. As denúncias referem-se a um
acerto entre o sindicato e uma fornecedora de cestas básicas para os funcionários das
20
LÍDER DO SINDICATO DE MOTORISTAS DE CURITIBAÉ PRESO. G1, portal de notíci as da gl obo. Brasil,31
agosto 2010. Disponível em: < http://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/08/lider-do-sindicato-de-motoristas-decuritiba-e-preso.html>.Acesso em: 22/12/2012.
59
empresas de ônibus. Segundo a reportagem, “as cestas conti nham produtos inferiores e não
sofriam a devida fiscalização pelo sindicato, que em troca recebia 120 mil reais por mês. As
gravações ainda mostram co nversas entre os dirigentes do Sindi moc a respeito de
funcionários fantasmas”.
O filho de “Zico”, Anderson Teixeira, foi candidato à presidência do Sindi moc pela
oposição e atualmente preside a entidade. Segundo a reportagem de Cabral, cinco dias antes
das eleições na instituição, ele foi alvo de um suposto atentado de quatro tiros. Essa mesma
reportagem explica que Anderson Teixeira concorreu contra a chapa da até então diretoria que
tinha o tesoureiro do sindicato, Valdecir Bolette, como candidato à pres idência, e o vereador
Denílson Pires, até então presidente, como candidato a vice. A matéria de autoria de Ribeiro,
Trisotto e Ribeiro, do Jornal Gazeta do Povo (31/08/2010) afirma que o Gaeco, em suas
investigações, apontou que um mesmo gr upo comanda o si ndicato desde a sua fundação. De
acordo com Trisotto e Azevedo, autores de matéria do dia 30 de setembro de 2010, apesar do
clima tenso, a votação para a presidência do sindicato transcorreu sem problemas. A chapa da
oposição foi escolhida por cerca de 70% dos votos e durante a contagem dos votos o
candidato a presidência pela chapa situacionista, Valdecir Bolette, afirmou que discordava do
resultado e iria questionar a votação judicialmente.
De acordo com matéria publicada no G1, portal de notícias da red e Globo, em 18 de
janeiro de 2012, o Ministério Público do Paraná denunciou à Justiça ex-diretores e
funcionários vinculados ao Sindimoc e, entre os acusados de desvio de dinheiro da entidade
está o vereador de Curitiba Denilson Pires (ex-presidente do Sindimoc), que já foi preso em
2010 pelo Gaeco. De acordo com a reportagem, as denúncias variam entre for mação de
quadrilha, peculato e falso testemunho. Entre os anos de 2006 e 2010, Denilson e outras
quatro pessoas participaram de um desvio de 8.125 milhões de reais do Sindimoc. Ai nda está
descrito na notícia que o ex-funcionário do sindicato, Márcio Ramos, e outras três pessoas
coagiram as testemunhas do inquérito que apura irregularidades e desvio de verbas no
sindicato, no Mi nistério Público do Paraná, no período de janeiro e fevereiro de 2011. Eles
prometeram cargos e ajuda financeira para que as testemunhas mudassem o depoimento
concedido à Procuradoria do Trabalho. O escrivão também foi denunciado, pois para o
Ministério Público ele sabia que declarações eram falsas.
No que se refere ao posicionamento do sindicato diante da l uta dos trabalhadores por
mel hores condições de trabalho, uma notícia do jornal Gazeta do Povo de autoria de Marés
60
(16/02/2012) que trata sobre o fim da última greve da categoria, pa rece abordar o assunto.
Segundo a reportagem, no momento do acordo o clima era de insatisfação entre os motoristas.
Contudo, diante dessa situação, “a direção do Sindimoc consegui u convencer os cerca de 3
mil grevistas presentes em assembléia” de que, caso a proposta fosse rejeitada e o caso fosse
para dissídio, o resultado poderia ser ainda menos satisfatório. Galindo, autor da reportagem
do jornal Gazeta do Povo (31/08/2010) afirma que o Sindi moc é um si ndicato poderoso e
sempre foi influente: tem mais de 11 mil filiados e atua em um negócio milionário, visto que
o sistema de transporte coletivo movi menta 700 milhões ao ano. O privilégio das questões
econômicas em detri mento do interesse coletivo dos trabalhadores, no sindicato, foi
evidenciado tanto pelas notícias de jornal, quanto na fala dos motoristas entrevistados, que
não se sentem representados pela instituição.
No que se refere às entrevistas, o trabalhador mais novato no cargo e aquele que
exerce a função de motorista em poucos meses do ano referi ram uma postura bastante
semel hante sobre o sindicato dos trabalhadores. Um deles refere que o Si ndi moc na sua anti ga
gestão era um“sindicato patronal, então quem mandava lá eram os patrões”. Outro
entrevistado disse que nem sempre o si ndicato age de modo a favorecer os trabalhadores,
tanto que antigamente o sindicato patronal e o sindicato dos trabalhadores “fechavam o
acordo entre eles”, o que contribui u para que os trabalhadores ficassem 12 anos sem receber
aumento. Segundo ele,
É complicado, viu? A gente sabe que tem muito peixe grande lidando aí, muitos
interesses, muito dinheiro envolvido. Então a gente não sabe de que lado que eles
jogam, sebe? Quando vão determinar alguma coisa para nós, a gente sabe que na
maioria das vezes a gente sai perdendo. Aí tem motorista que acha que o sindicato
não serve para nada, que o sindicato tá ali só para ganhar dinheiro.
Alguns entrevistados também j ulgaram que a entidade em sua nova gestão é mais favorável
em relação aos interesses dos trabalhadores e localizam al gumas vitórias da classe devido a
essa mudança na direção. Foi comum, durante as entrevistas, a denomi nação por parte dos
motoristas da entidade em sua anti ga de gestão como “outro sindicato” e, na gestão atual,
como “novo sindicato”. Uma das melhorias apontada por um deles refere-se ao abono de 200
reais. Segundo o entrevistado,
“em 20 anos do outro sindicato dos cobradores e motoristas, a nossa cesta básica
era uma porcaria, (...) a gente carregava aquela cesta no ombro, pegava ônibus.
Agora é uma beleza! Agora aumentou o valor da cesta e não é mais aquele pacote,
você pode comprar, é ticket agora, entendeu? Bem mais prático...”.
61
Outra mel horia apontada foi em relação às multas, visto que o sindicato resolveu a
questão das últi mas multas aplicadas ao trabalhador e ele ganhou a causa. Entretanto, sobre a
mudança na direção do sindicato, um dos entrevistados explicou que somente mudou a
“mosca” e que a exploração aos trabalhadores permanece igual.
Pela pesquisa documental contemplada neste estudo, obs erva-se que as relações de
poder e relações trabalhistas que geram sofri mento ao trabalhador são amplamente
denunciadas pela mídia. Contudo, essa denúncia permanece em al gumas circunstâ ncias sem
conseqüência política e, ainda, “parece compatível com uma crescente tolerância à injustiça”,
familiarizando a sociedade civil com a adversidade e domesticando as reações de indignação
(DEJOURS, 2012a, p.25). Diante dessas denúncias, que evidenciam situações de violência,
injustiça e i mpunidade (que envolvem favorecimento de algumas pessoas em detri mento da
coletividade) infere-se que essas têm constituído, incl usive, uma preparação psicológica para
padecer a adversidade. Isso, pois favorecem a resignação dos trabalhadores diante de
mel horias em suas condições de trabalho e contribuem, também, para o medo e coação das
pessoas intencionadas em modificar essa realidade.
A gestão do transporte coletivo, da qual fazem parte as insti tuições citadas, é um
aspecto fundamental para a análise do processo saúde/doença vivenci ado pelo trabalhador. As
notícias de jornal, assim como a fala dos trabalhadores evidenciam relações entre essas
diversas instituições responsáveis pela situação vivenciada pelos motoristas, assim como
retratam transfor mações constantes que infl uenciam dir eta e/ou indiretamente o seu trabalho.
Observa-se, a partir das notícias de jornal e das falas dos trabalhadores, que cada uma dessas
instituições tem seus interesses políticos e econômicos, contudo, quando o assunto é a
exploração do trabalhador, parece haver uma relação de conveniência entre elas. Esse fato,
entre outros, parece confor mar a organi zação do trabalho paradoxal que é o sistema de
transporte coletivo de Curitiba, tema a ser tratado no próxi mo capítulo.
4.3. UMA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PARADOXAL: O SISTEMA DE
TRANSPORTE COLETIVO DE CURITIBA
Como é difícil, Pai, abrir a porta (Cálice!)
Chico Buarque - Cálice
62
Como pode ser observado nos relados dos dois capítulos anteriores, observa-se uma
característica peculiar na organi zação do trabalho do transporte coletivo de Curitiba: o
paradoxo. Esse pode ser percebido em i númeras situações, tais como: na questão da s cotas
mensais de multa a serem aplicadas pelo fiscal aos motoristas, explicadas pelo entrevistado;
pagamento de mul tas por esse profissional sem previamente ter o direito de defesa;
dimi nuição do tempo prévio das viagens durante os dias da semana, dias os quais há um
maior número de passageiros e fl uxo de veículos das ruas; uma organização do trabalho que
estipula prazos insuficientes para realização das viagens, pressiona o trabalhador para cumpri los (por meio de multas, do computador de bordo que indica os horários) e, ao mesmo tempo
o multa por excesso de velocidade; entre outras questões. Observa -se, que esse último aspecto
remete a regulamentos i ncompatíveis entre si presentes nessa organi zação do trabalho. Nessa
situação, o trabalhador não consegue, na maioria das viagens, cumprir o horário (regra 1) sem
transgredir o limite de velocidade (regra 2). Assim, o trabalhador se vê impedido de fazer
corretamente o seu trabalho (DEJOURS, 1992), pois não há como realizar sua atividade
laborativa sem infringir uma das nor mas. Para Gaulejac (2011) a presença de exi gências
incompatíveis entre si é uma das características de um sistema paradoxal. Nesse, a
organização se transfor ma em um sistema de mediação que “concebe e utiliza dispositivos
para permitir a coexistência de elementos necessários à produção mais ou menos
incompatíveis ou antagônicos” (GAULEJAC, 2011, p.85).
Nesse ponto, observa-se que diferente do que é definido por Foucault (2002), da
aplicação da punição com a finalidade de prevenir seu reaparecimento, sugere -se nessa
organização do trabalho a existência de um movi mento contrário, que objetiva garantir a
ocorrência dessas “ilegalidades”. Um paradoxo, já que tudo é “ilegal” e passível de punição.
Dessa for ma, infere-se que já que as quebras de regras são inevitáveis (por tanto, per mitidas),
essas ocorrem de modo conveniente à gestão, visto que para cada ilegalidade foi encontrada a
pena que convém à organização do trabalho: o pagamento em dinheiro que favorece seu
desenvolvimento fi nanceiro.
Na fala do trabalhador, “a Urbs quer que a gente trabalhe de graça pra ela, porque
nós não fazemos nada e ela enche de infrações”. Já o motorista entrevistado em reportagem
da Gazeta do Povo (07/03/2009), referiu que “daqui a pouco vamos pagar para trabalhar”.
Infere-se que nesse contexto, cada i ndivíduo encontra-se “preso numa universalidade punívelpunidora” (FOUCAULT, 2002, p. 149). Para Gaulejac, (2011) o cerceamento é grande e o
63
indivíduo não pode se desvencilhar desse sistema que emite mensagens contraditórias e não
permite escapatória, seja o que fizer será pego em erro e isto destrói a possib ilidade de reação
para sair desta dominação. “Ele se encontra então em uma situação sem saída e insustentável,
na i mpossibilidade de optar entre exigências ao mesmo tempo obri gatórias e antagônicas”
(GAULEJAC, 2011, p.86).
Ao exercer sua atividade laborativa o motorista comete i nfrações que remetem as
próprias falhas da organização do trabalho, contudo isso é percebido como um erro do seu
trabalho. Como explica Dejours (2008) para trabalhar é preciso transgredir o que está
prescrito, portanto ocorre o paradoxo entre o prescrito e o real e, quando ocorre um i ncidente,
é a própria boa vontade do trabalhador que se vol ta contra ele, pois será acusado de não
respeitar as prescrições, um sinal de indisciplina ou incompetência. Observa -se, assim, que os
trabalhadores são confrontados com a i mperfeição da or ganização do trabalho no exercício da
sua atividade laborativa (DEJOURS, 2011e). Além disso, no sistema de transporte coletivo de
Curitiba os motoristas arcam/arcavam financeiramente com essas falhas (pagamento de
mul tas). Dessa maneira, a falha que é própria da organização do trabalho passa a ser percebida
a nível individual, como uma i ndisciplina do trabalhador. Além disso, de acordo com Finger
(2012),
O que parece ser um paradoxo da gestão é, na verdade, as contradições do sistema
capitalista, deslocada como paradoxos da organização. A contradição é inerente ao
capital, o paradoxo é uma dissimulação discursiva dessa contradição, ele muda a
dimensão da contradição ao mudar uma contradição, que é do sistema, para uma
contradição que é pessoal e que se apresenta, na aparência, como um paradoxo. Na
contradição capital e trabalho, com os objetivos de exploração para atingir o lucro e
controle ideológico dos trabalhadores se busca, por meio da gestão, colocar
paradoxos para que o indi víduo, por exemplo, ao mesmo tempo em que tem
autonomia, ele tem que se submeter às regras. (FINGER, 2012, p. 138).
Observe-se que as nor mas e a vigilância as quais estão submetidos os motoristas
durante o exercício de sua atividade laborativa, implicam em uma coerção ini nterrupta, em
que se realiza a sujeição constante do indivíduo (FOUCAULT, 2002). Nesse processo, ao
arcar financeiramente com as falhas da organização do trabalho, observa -se a obediência do
trabalhador. Essa obediência se dá “a uma autoridade que se exerce conti nuamente sobre ele e
em tor no dele, e que ele deve deixar funcionar automaticamente nele” (FOUCAULT, 2002, p.
106). É por meio dessa submissão do trabalhador, de sua obediência ao arcar, em partes,
financeiramente com seu próprio trabalho que a organização do traba lho alcança(va) o
incremento de seus objetivos econômicos.
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Sobre o paradoxo ainda podemos citar os indícios de que o sindicato dos trabalhadores
é/foi conivente e atuante na exploração do trabalhador; e, que a organi zação do trabalho do
transporte coletivo na cidade até esses assuntos serem noticiados na mídia, pagava os salários
dos trabalhadores “com uma mão”, para “tirar com a outra” uma parte do pagamento através
de multas abusivas. Essas nor mas i nternas foram qualificadas como “sem lógica”, “sem
sentido” e “sem pé nem cabeça” durante as entrevistas. Dessa forma, percebe-se que mesmo
não sendo um ato consciente, visto que o conflito entre o trabalhador e a organi zação do
trabalho encontra-se deslocado, esses sujeitos denunciam o todo tempo a organi zação do
trabalho paradoxal a qual pertencem. Contudo, apesar de qualificadas como sem sentido pelos
trabalhadores e percebidas durante a realização desse trabalho como bastante paradoxais,
aponta-se a partir dessa caracterização que há uma lógica por detrás des sa gestão, isto é, a
lógica na qual os fi ns j ustificam os meios: a lógica da l ucratividade desenfreada. Observa-se
uma “violência destrutiva, apresentada como a conseqüência de uma racionalidade
econômica, vivida como total mente irracional” (GAULEJAC, 2007, p. 208). Como aponta
Faria (2004, p. 164), “o lucro é a ética do capital”. Nessas circunstâncias, toda a questão
humana do trabalho é abandonada, vista como perda de lucratividade. Perde-se de vista as
finalidades sociais e humanas, ainda que essas sejam constitutivas da própria existência da
instituição (GAULEJAC, 2007).
“Temos o hábito de apresentar as relações de trabalho em ter mos políticos ou em
ter mos de poder” (DEJOURS, 1992, p. 75). Enfati za-se a importância da análise desses
aspectos, como dos demais elementos da or ganização do trabalho para refletir sobre o tema da
saúde mental dos trabalhadores, uma vez que essa envolve fatores fundamentais para a análise
do processo de sofrimento vivenciado pelo sujeito, que operam direta ou i ndiretamente sobr e
ele. Todavia, a análise sobre a organi zação do trabalho não é suficiente para investigar o
processo de sofrimento/adoecimento vivenciado pelo trabalhador. Como o sofri mento não é
imediatamente identi ficável e sim possível de investigação por meio dos sis temas defensivos,
aponta-se a necessidade da palavra, do comentário do trabalhador acerca da sua situação de
trabalho, assim também como da interpretação (DEJOURS, 1992). Somente a partir desses
pré-requisitos é possível ler o sofrimento operário. Segundo Dejours (1992, p. 138), o
esquema de interpretação utilizado “é a própria organização do trabalho, a ser decodificada,
por meio dos avatares que ela sofre na sua interiorização coletiva”. Dessa forma, o próxi mo
capítulo aborda o processo de sofrimento vivenciado por esses profissionais no trabalho, o
65
que pode levar ao ser adoecimento, tendo como referência a teoria da psicodinâmica do
trabalho.
4.4. UMA ANÁLISE DO SOFRIMENTO NO TRABALHO
O engajamento da subjetividade do trabalhador ocorre em um mundo hi erarquizado,
ordenado e repleto de constrangi mentos, perpassado pela luta de domi nação (DEJOURS,
1994), aspectos os quais se procurou investigar nos capítulos anteriores. Dessa forma, é
necessário ter em mente que o sofri mento vivenciado pelos motoristas está relacionado a essas
questões, as questões que remetem à organi zação do trabalho do transporte coletivo de
Curitiba. A análise do sofri mento desses profissionais foi pautada em dois aspectos da teoria
da psicodinâmica do trabalho: o reconheci mento e as estratégias defensivas. Dejours (2012b,
p.106) explica que “a retribuição simbólica conferida pelo reconheci mento pode fazer sentido
em relação às expectativas subjetivas quanto à realização de si mesmo”, dessa forma, é
através do reconheci mento que o sofri mento advindo do trabalho pode encontrar um sentido e
ser, assim, subvertido em prazer (DEJOURS, 2012b, p. 106). Já o estudo das estratégias
defensivas é relevante, pois esse é o recurso utilizado pelo trabalhador para “resistir ao que,
no trabalho, é desestabilizador ou mesmo deletério, para as funções psíquicas e para a saúde
mental”. Dessa for ma, é por meio de sua investi gação que é possível estudar a “nor malidade
do sofrimento” (DEJOURS, 2011c, p. 226).
4.4.1. O Reconhecimento
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade?
Mesmo calado o peito resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Chico Buarque – Cálice
Um i mportante aspecto a ser considerado para a análise da saúde mental dos
trabalhadores é o reconhecimento. Isso, pois ele é decisivo na dinâmica da mobilização
subjetiva e da personalidade no trabalho (DEJOURS, 2012a). De acordo com Dejours
(2012b), os julgamentos sobre o trabalho realizado, em um segundo momento podem ser
deslocados do registro do fazer para o do ser, podendo transfor mar o sofri mento em prazer e
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contribuir com a grati ficação identitária. Isso, pois a relação entre identidade e trabalho é
mediada pelo outro, no j ulgamento de reconheci mento (DEJOURS, 2012b). Dessa for ma, é
porque o trabalho pode oferecer gratificações importantes no registro da identidade que se
pode obter a mobilização subjetiva, a inteligência e o zelo dos sujeitos que trabalham. A
identidade é a armadura estr utural da saúde mental, portanto, “toda descompensação
psicopatológica supõe um titubear ou uma crise de identidade. Assim, a dinâmica do
reconheci mento das contribuições à organi zação do trabalho engaja, de facto, à problemática
da saúde mental” (DEJOURS, 2012b, p. 108).
Sobre esse assunto, ao falar da relação entre a empresa e os funcionários, um
trabalhador explica um comentário corrente entre os motoristas na empresa a qual trabalha a
partir de uma prática organi zacional:
Muita pegação no pé, muita cobrança. Não dão valor para o funcionário. Lá, os
pneus são marcados, você pode perceber que os pneus são marcados. Tem umas
mancinhas no pneu, porque não pode raspar pneu e tal, entendeu? O pessoal
costuma dizer na garagem que a gente vale menos que aquela bolinha lá, do pneu.
Porque quem raspar aquele pneu ali, você paga 5 reais. (...)Aí a gente fala que a
gente vale menos do que aquela bolinha, aquela marquinha, para a empresa. Nós
não deve valer nada, não deve valer nada. Lá o que vale é os carros, o número. Nós
não valemos nada!”
Esse trabalhador diz que se vê trabalhando “meio de graça, por merreca”. Na sua
opinião, a empresa “tem que expandir, mas valorizar o que tem, os trabalhadores que a
fizeram crescer”. A partir desses relatos reflete-se que os trabalhadores não se sentem
reconhecidos e valorizados pelas organizações da qual fazem parte. Uma vez que “o
reconheci mento pode transfor mar o sofri mento em prazer” (DEJOURS, 2012b, p. 40), a
ausência do reconheci mento tem drásticas conseqüências sobre o indivíduo e o coletivo.
Implica, inicialmente, em um i mpedi mento de derivar o sofrimento pela signi ficação social
levando o i ndivíduo a uma dinâmica patogênica de descompensação psíquica ou somática
(DEJOURS, 2011d). Observa-se, também na fala do trabalhador a falta de esperança em ser
reconhecido. Essa falta de reconhecimento leva ao sofrimento e é capaz de desestabilizar a
identidade e a personalidade e de levar à doença mental (DEJOURS, 2012a). Além disso, a
falta da retribuição esperada faz sur gir senti mentos de inj ustiça (o que pode ser visto abaixo) e
o ambiente de confiança se degrada (DEJOURS, 2008).
O motorista que trabalha apenas alguns meses por ano no transporte coletivo,
mostra-se bastante indignado ao observar a disparidade entre a sua condição (“ Não tenho
dinheiro para pagar o SPC, cara!”) e a condição do empregador (que tem 11 empresas no
67
estado; recebe o dinheiro adiantado – visto que a maioria dos passageiros recarrega o cartão
de transporte para o mês inteiro; e diz não ter dinheiro para pagar o 13º salário dos
trabalhadores). Vendo-se como alguém que contribuiu para o sucesso da or gani zação e não
valorizado por esse feito, o trabalhador sofre, indigna-se. Segundo ele:
Você trabalha bastante ali e o patrão só engordando, só enricando (...) Porque
aqui, é que nem eu falei pra você, é um monop ólio aqui. É tudo de um dono só! Mas
aí fala que não tem dinheiro! E aí vai fazer o que? Botar fogo nos ônibus? O certo
era fazer isso né.
A fala desse trabalhador di z ai nda do senti mento de inj ustiça e indi gnação frente as
suas condições de trabalho e da falta de reconheci mento por seu esforço. Também ilustra, de
um modo indireto o conflito com a or ganização do trabalho. Infere-se que o trabalhador fala
de um desejo de penalizar o padrão através da destruição d o i nstr umento de trabalho
(propriedade do patrão), e não percebe que trama que defi ne as suas condições de
trabalho/saúde são mais amplas, o sistema inj usto e responsável pelo seu sofrimento no
trabalho. “A frustração, a revolta e a agressividade reativas, não conseguem encontrar uma
saída”. Sabe-se muito pouco sobre os efeitos da repressão desta agressividade sobre o
funcionamento mental dos trabalhadores, contudo, presume-se sua i mportância na relação
saúde/trabalho (DEJOURS, 1992, p.75). Ao fi m da entrevista esse trabalhador comenta que
deixará o trabalho: “É, eu vou vazar daqui! (...) eu estou de saco cheio! É do jeito que eu tô
já... Eu não quero aposentar aqui não! Eu não quero isso, eu vou vazar. (...) É porque eu
estou estressando, cara! Entra ano e sai ano, não muda!”. No caso desse trabalhador,
observa-se que não podendo gozar dos benefícios do reconheci mento do seu trabalho nem
obter assim o sentido de sua relação para com o trabalho, ele “se vê reconduzido ao seu
sofrimento e somente a ele” (DEJOURS, 2012a, p. 35). Frente a essa situação, uma das
possibilidades encontradas pelo trabalhador é abandonar o emprego.
Nos casos em que a dinâmica do reconheci mento está paralisada o sofrimento não
pode mais ser transfor mado em prazer, não encontra mais sentido . “Pode, neste caso, apenas
ir se amontoando e engajar o sujeito em uma dinâmica patogênica que, ao ter mo, leva a
descompensação psíquica e somática” (DEJOURS, 2012a, p. 35).
Foi observado ainda durante as entrevistas, que um tema corrente comentado pelos
motoristas é a questão da sua responsabilidade no trabalho. Esse trabalhador, por exemplo,
explica que pela responsabilidade da sua função, o salário é muito baixo:
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O salário de motorista é 1500 reais e tem mais desconto, o carro é pra 180 pessoas,
um carro desse é mais de 1 milhão de reais, bem mais! Você tem a responsabilidade
de cumprir com isso, mas não é reconhecido por isso. É uma responsabilidade, um
carro desse valor na sua mão, um monte de vidas aí, horário para cumprir. (...)Não
é valorizado, é muita coisa para você cuidar:cuidar do horário, velocidade do
carro, frear brusco, passageiro, é muita coisa... (...) Muito pouco reconhecimento
pela quantidade de responsabilidade que a gente tem aqui.
A partir da fala desse trabalhador, nota-se, tal como defi ne Dejours (2012b), que o
trabalhador ao oferecer sua contribuição à empresa, (submetendo-se aos riscos de seu
trabalho, mobilizando sua i nteligência e subjetividade), espera ou aspira uma retribuição.
Essa, “não é apenas a retribuição material, o salário, mas uma retribuição simbólica, o u
mesmo „ moral‟. Esta retribuição toma uma for ma extremamente precisa: o reconheci mento”
no duplo sentido da palavra, ou seja, referindo-se tanto à gratidão, como ao reconheci mento
da realidade da contribuição do trabalhador à organi zação do trabalho, real idade esta que não
é visível, mas é imprescindível a toda organização (DEJOURS, 2012b, p. 39).
O salário é visto pelo trabalhador como um meio pelo qual ele adquire
reconheci mento, tanto da empresa na qual é funcionário, quanto de seus familiares e amigos.
Para ele, “todo mundo acha” que o salário é baixo, “só quem não acha são os patrões”. Ele
afirma que os familiares e amigos não acreditam quando ele fala o valor da sua remuneração,
que eles “pensam „nossa, motorista de ônibus!‟ Coitados se eles soubessem...”. Com essa
frase sugere-se que o valor do salário é motivo de vergonha e humilhação do trabalhador
frente a outras pessoas. Já outro entrevistado refere que mui tas das conquistas que teve na sua
vida ocorreram devido ao trabalho como motorista, contudo, mesmo assi m ele se vê apenas
“só mais como um número” para a empresa. O trabalhador explica que houve casos em que
seus colegas se acidentaram e “a empresa (...) tirou o dela da reta e deixou o cara na mão”.
Uma vez que a sublimação aparece mediante a apreciação qualitativa do julgamento pelo
outro, por meio do reconheci mento, infere-se, portanto, que essa pode encontrar-se
prejudicada no contexto de trabalho dos sujeitos desta pesquisa.
Já os motoristas que trabalham a mais tempo na profissão referem que o
relacionamento com a empresa é tranqüilo, como foi a respostas para maioria das perguntas, e
que eles sentem que seu trabalho é reconhecido e útil. Segundo um desses sujeitos,
Se você trabalha certinho, eles nem incomodam. Mas é... se eu precisar, pagar um
final de semana... é que as vezes acontece, né? Se eu quero ir viajar, preciso folgar
dois dias, eu chego e converso com eles, digo „ó, posso pagar tal pessoa pra fazer
pra mim?‟ „Não, não, pode pagar tranqüilo‟, porque eu não dou problema pra eles,
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né? Cumpro o horário certinho, não falto. Com eles é normal. (...)Eu, em 22 anos,
eu tenho 4 faltas. Fui viajar... só que eu avisei eles, né? „to indo viajar e tal‟. „Daí
quando você voltar você tira as faltas‟. No mais... e nem atraso também.
Esses motoristas, que afir ma m serem vistos como um bons funcionários na empresa,
referem que o relacionamento com a instituição “é tranqüilo se você não atrasa, se você não
tem faltas”. Quando per guntado a um deles como é o relacionamento da empresa com esses
outros trabalhadores, ele explica que a atuação da empresa “vai depender dos motoristas”:
“Se o cara trabalha certinho, não tem problema, não pegam no pé, nada. Agora, se
começar a faltar (...) alguma coisa está errada, né? Daí eles começam a... mas se
não, não. O tratamento é de igual pra igual”.
Durante toda a entrevista desse trabalhador observam-se omissões na sua fala. Esse
reconheci mento do qual fala do trabalhador, refere-se a um reconheci mento instrumental.
Percebe-se, nesse caso, que o que é reconhecido não é o que se faz, o esforço dispendido e a
inventividade, mas os resul tados em ter mos de di nheiro (SELIGMANN-SILVA, 1994).
Segundo Seligmann-Silva (1994, p.97) a “utilização de senti mentos e da estimulação do
orgulho pelo trabalho bem feito são al gumas das técnicas adotadas pelo poder que recebem
fortalecimento considerável da disciplinação, favorecendo a eficácia da mesma, preparando o
terreno para garantir a aceitação das exigências disciplinares”.
Segundo Dejours (2011c), a falta de reconheci mento provoca o risco de uma
desestabilização da identidade e a descompensação psicopatológica. “Se o reconheci mento não
aparece, os sujeitos engajam-se em estratégias defensivas a fim de evitar a doença mental,
com consequências para a organi zação do trabalho” (DEJOURS, 2012b, p. 110), o que será
abordado adiante.
4.4.2. As Estratégias Defensivas
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada, prá a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
Chico Buarque - Cálice
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O estudo das estratégias defensivas utilizadas pelos motoristas de ônibus do transporte
coletivo de Curitiba pautou-se essencial mente na análise das falas dos entrevistados sobre três
aspectos. O primeiro refere-se à como os profissionais fazem para lidar com as dificuldades
encontradas no trabalho (dificuldades essas já expostas acima); o segundo, o que o trabalho
como motorista pode causar na saúde; e o terceiro, a explicação dos profissionais sobre o
motivo pelo qual alguns trabalhadores adoecem. Apesar do último aspecto não fazer parte do
questionário de for ma explícita, houve na maioria das entrevistas um comentário dos
entrevistados sobre o tema.
Quando per guntados sobre o que o trabalho como motorista de ônibus coletivo poderia
causar na saúde, todos os entrevistados imediatamente responderam que era o estresse.
Posteriormente, al guns entrevistados citaram a perda de audição provocada pelo barulho do
ônibus e o trabalhar sentado como origem de possíveis doenças. Segundo um motorista, há
mui tos profissionais “encostados” pelo INSS e “muitos adoecidos trabalhando ainda”. Ele
ainda menciona que “tem muito louco trabalhando”, fazendo referência aos trabalhadores
com estresse e ansiedade que não querem se afastar do trabalho devido a redução na
remuneração (tornando-a insuficiente para o pagamento de contas e o sustento da família) e a
perda da carteira de habilitação. Dessa forma, o profissi onal explica que esses trabalhadores
“não querem se entregar” e, por isso “tem muito louco aí, chapado...” trabalhando.
As estratégias que os profissionais disseram ter para lidar com as dificuldades do
trabalho foram “não esquentar a cabeça”, “não levar a sério o trabalho”, “levar na
esportiva”, “continuar tranqüilo” e “ficar em banho maria” Além disso, alguns deles
referiram que os motoristas que adoecem, adoecem por não conseguirem cumprir essa regra,
por “levarem muito sério a coisa”, “levarem na risca”, irem “guardando” e “ se
remoendo”, não consegui ndo “filtrar” ou “se desligar”. Segundo um deles:
Eu não levo a sério isso daqui não. Não levo mesmo. Eu estou trabalhando aqui.
Larguei o ônibus aqui, saí do serviço, fica aqui, maluco! Tem cara que não, que
leva sinal de dedo, xinga a mãe do cara, o cara guarda aquilo. Aí, ele não consegue
filtrar, sabe? Leva e aí o cara pira, né! O cara xinga de filha da puta, xinga o outro
cara e o cara fica aqui ó, se ele descer do carro aqui ele já perdeu o direito. (...)Ah,
eu não tô nem aí! É que nem eu falei, eu saio daqui, eu larguei o ônibus.... (...)
Xingou, „ah, a sua mãe também!‟ e um abraço! Mas tem cara que não, tem cara que
fica espumando aqui! Tem hora que tipo assim, não é que você sofra na hora ali,
tem dia que estressa mesmo, passageiro também, me tira do sério, mas eu, graças a
Deus, eu filtro né! De uma hora para outra, já era, já tô suave já, tranqüilo! Mas
tem cara que não! A maioria do pessoal não consegue! Eu não, eu saio daqui e tô
de boa! Levo na esportiva (...)Tem cara que fica se remoendo ali, aí o cara pira. Se
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eu recebo um sinal de dedo, ou qualquer coisa assim e é primeira viagem, aí fica
tudo diferente, atrapalha já, fico tenso.
Outro trabalhador explica o que seria a estratégia de “não levar tão a sério” o trabalho:
Mas não bagunçando, né? Mas não esquentar a cabeça por qualquer coisinha. Tipo
um carro que atravessa na frente (...) isso é grave. Atravessou? Leva na boa!
Porque não vai resolver nada, né? Quer dizer, vai resolver pra mim, se eu não
levar a sério, a minha saúde vai ficar tranqüila. Não vou esquentar muito, não vou
me estressar muito. Agora se a pessoa faz isso, qualquer coisinha já tá xingando, e
tal, aí o prejuízo é dele, da saúde dele, né?
Dejours (2011b) situa diferentes funções das defesas em um coletivo de trabalho, que
podem se estr uturar como defesas de proteção, defesas de adaptação e, ainda, as defesas
baseadas na exploração. Observa-se, nas falas acima, que uma estratégia defensiva utilizada
pelos trabalhadores é a da racionalização, o que Dejours (2011b) define como sendo o
fundamento das defesas de proteção. Essas consistem em modos de pensar, sentir e agir
compensatórios, que são utilizados para supor tar o sofri mento e tendem, a perder sua eficácia,
segundo o autor, quando as adversidades da realidade do trabalho se intensificam. A
racionalização é um mecanismo no qual se atribuem explicações coerentes do ponto de vista
lógico, ou aceitáveis do ponto de vista moral, para uma atitude, ação, idéia ou um senti mento
(LAPLANCHE; PONTALIS, 2004). Observa-se que esse mecanismo auxilia o trabalhador a
manter o autocontrole enquanto exerce sua atividade laborativa e, portanto, auxilia no
enfrentamento do sofri mento, sem, contudo, tem força para mobilizar mudanças na
organização do trabalho.
Considera-se que os dados encontrados neste estudo se assemelham daqueles
encontrados por Sato (1991), sobre o trabalho dos motoristas de ônibus em São Paulo. A
partir da fala dos profissionais entrevistados em Curitiba, podemos inferir ta l como
mencionado pela autora, que o trabalho como motorista nas atuais condi ções demanda um
excesso de autocontrole por parte desses profissionais. Infere-se que o trabalhador utiliza
estratégias defensivas que visam o autocontrole (“filtrando”, “não esquentando a cabeça” não
“levando a sério o trabalho” e “desligando-se”) diante das situações estressantes do dia-a-dia.
Por meio dessas, o trabalhador objetiva suportar ao máxi mo as irritações a fim de não
adoecer, como explica o próprio trabalhador acima. Segundo Sato (1991, p.75) “é necessário
mui tas vezes ter autocontrole para continuar trabalhado, denotando que quando não é possível
controlar os contextos de trabalho „penosos‟, é necessário controlar a si mesmo”.
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Tal como pode ser analisado a partir da fala dos sujeitos desta pesquisa ao explicarem
sobre o motivo que leva alguns profissionais ao adoecimento, Sato (1991) explica que esse
ocorre entre os motoristas quando não é possível manter o equilíbrio que per mite ao
trabalhador exercer o controle sobre os contextos de trabalho que incomodam e irritam
(quando o trabalhador não consegue “filtrar”, não consegue mais permanecer no “banho
Maria”, segundo os entrevistados). Dessa forma, a r uptura, como denomi nado o adoecimento
pela autora, está relacionado ao excesso de autocontrole adotado, visando supor tar o máxi mo
possível as irritações no trabalho. Não havendo mecanismos adequados para lidar com esses
estados emocionais, dá-se um “processo de transfor mação da subjetividade e a pessoa fica
doente, fica nervosa, fica irritante” (SATO, 1991, p. 73). O que leva a um desgaste mais
rápido desses profissionais e, consequentemente, a sua aposentadoria precoce (SATO, 1991).
Outro ponto relevante para o estudo das estratégias defensivas parece u ser a questão
do tempo/adaptação do motorista ao trabalho. Isso, pois se observou que apesar de
singularidades quanto às estratégias defensivas utilizadas pelos entrevistados, houve
diferenças substanciais entre a fala dos trabalhadores que exercem a função de motorista de
ônibus coletivo de passageiros por um período menor (o que se chamou de trabalhadores
menos adaptados) em comparação com a fala dos motoristas que exercem há função há mais
tempo (trabalhadores mais adaptados). O primeiro grupo englobou tanto o entrevistado mais
novato na profissão (2 anos), quanto o sujeito que apesar de trabalhar há 10 anos como
motorista, exerce, durante todos os anos, a função no transporte coletivo de passageiros
somente durante cerca de 2 meses por ano. Já os outros motoristas desempenham sua
atividade há mais tempo (10 e 16 anos), durante todo o período do ano.
Observou-se que o primeiro grupo ( menos adaptados) enfati zou, em alguns momentos
da entrevista, o quanto o trabalho é estressante, o que foi ressaltado várias vezes pelo
motorista mais novo na função. Esse, disse estar estressado e precisando de descanso, já o
outro motorista afir mou estar “estressando”. Em contrapartida, os profissionais mais
adaptados a função, apesar de terem mencionado que uma das conseqüências do trabalho
como motorista na saúde é o estresse, durante toda a fala ressaltaram que o trabalho é
“tranqüilo” e as relações de trabalho são “tranqüilas” ou “nor mais”. Na fala do profissional
que desempenha a função há mais tempo (16 anos) isso apareceu de modo mais acentuado,
visto que ele utilizou as expressões “é tranqüilo”, “é sossegado” e “bem gostoso” pelo
menos uma vez a cada resposta, não apresentando quei xas sobre o seu trabalho. Até mesmo a
73
questão das multas, algo amplamente noticiado na mídia como abusivo para c om o
trabalhador, esse entrevistado disse serem justas (ele explica que os trabalhadores acham que
fazem tudo da maneira correta, porém as reclamações sobre seu comportamento e as multas
evidenciam que eles estão enganados). De acordo com Dejours (2011b) as defesas de
adaptação e de exploração se baseiam na negação do sofrimento e na submissão ao desejo da
produção. São funcionais para a empresa porque os trabalhadores assumem, como suas, as
metas de produtividade e de excelência, tomando como seu o desejo da organização.
(DEJOURS, 2011b). Dessa for ma, “centrado sobre si mesmo”, sobre o seu autocontrole, “o
indivíduo „esquece‟ de se interrogar sobre o funcionamento global ” da organização,
“particularmente sobre a violência que nela reina”. Além disso, a negação da realidade gera
uma aniquilação e uma incapacidade de se defender (GAULEJAC, 2007, p. 189).
Analisa-se que os profissionais que desempenham sua função há mais tempo, têm o
discurso organi zacional mais internalizado em comparação com os motoristas ma is novos,
chamados de “calouro” por um dos entrevistados. Essa submissão vol untária, observada
nesses trabalhadores, caracteriza uma patologia social em que as relações profissionais são
utilizadas como estratégia para o crescimento na hierarquia (DEJOURS, 2012a). O
trabalhador adere a esse discurso quando consente com práticas marcadas pelo sofrimento e
pelo uso conti nuado de defesas, como recurso para garantir seu emprego. Ao i nvés de
protestar contra as condições geradoras de sofri mento, mostra -se adaptado, integrado e feliz.
Essa patologia é resultado da radicalização dos princípios da racionalidade econômica nas
relações de trabalho (MENDES, 2007), como conseqüência, o sujeito se faz i nstr umento e
aliena seu desejo na vontade do outro (FERREIRA, 2007).
Os “calouros” parecem não ter internalizado, ai nda, todas as regras da ideologia
defensiva que per mite a continuidade no trabalho e ainda “falham” na sua utilização, visto que
um aborrecimento logo no i nício da jornada de trabalho, tal como citado pelos do is motoristas
do primeiro grupo, “atrapalha”, “altera o humor”, deixando o motorista “tenso”. Infere-se
que é devido a essa “falha” que esses profissionais foram os únicos que mostraram sinais de
indignação frente as nor mas que são submetidos no trabalho e também devido a isso eles não
conseguem negar o sofri mento (admi tindo estarem estressados), diferente dos motoristas do
primeiro gr upo. O que ai nda contribui para essa análise é o fato de que ambos os
trabalhadores “menos adaptados ao trabalho” afirmaram que uma das estratégias que utilizam
frente ao estresse do dia-a-dia é “desligar de tudo” ao fim da jornada de trabalho (ir “para
74
casa e não pensar mais nisso, senão a gente fica louco”), o que não apareceu na fala dos
demais entrevistados. Infere-se que se essa estratégia se faz necessária para esses
profissionais, é porque eles ainda permanecem, ao menos em parte, “ligados” durante o
exercício do seu trabalho, o que per mite a alteração do humor, o estresse e a tensão frente às
situações desagradáveis. Nesses casos, observa-se que apesar da evidencia do sofrimento,
esses trabalhadores parecem ter, ai nda, sua capacidade afetiva preservada, já que se abalam
diante das situações estressantes, são comovidos por elas, percebem-nas como estressantes e
também o risco delas para sua saúde. Já os demais trabalhadores entrevistados, que parecem
ter a estratégia defensiva mais “solidificada”, aparentam insensibilizados contra tudo aquilo
que os fazem sofrer, por isso não se observa nenhuma crítica, nenhuma revolta, so fri mento ou
indignação, nenhuma queixa sobre o trabalho. O trabalhador parece não ter a capacidade de
comover-se, torna-se submisso e adaptado. Com essa estratégia o trabalhador visa cultivar a
resistência, ou seja, a capacidade de aguentar fir me o tempo todo a qualquer intempérie sem
se ferir ou adoecer (DEJOURS, 2012a). Observa-se nesse processo a exploração das defesas
pela organização do trabalho e, assim, a transfor mação do humano em um recurso explorável
(GAULEJAC, 2007).
Diante do sofri mento, um dos motoristas do primeiro grupo disse planejar sair do
emprego (já tendo procurado outro meio de sustento), e o outro, pede por férias por estar
senti ndo-se estressado e reflete que alto í ndice de adoecimento mental sofrido pela sua
categoria profissional está associado justamente à falta de descanso. Além disso, um desses
profissionais foi o único a comentar sobre a preocupação quanto ao alto índice de afastamento
do trabalho por adoecimento mental na sua categoria profissional. Ele também foi o único a
relatar, durante a entrevista, o senti mento de medo: medo de “bater o carro, derrubar
alguém, machucar alguém”, contudo, disse estar se acostumando com a situação. Tal como
explica Dejours (1992), percebe-se que os “calouros” estão sendo submetidos ao teste da
ideologia-defesa e se não suportarem esse ambiente de trabalho deverão sair do trabalho. A
fala dos profissionais desse primeiro grupo foi de essencial relevância para a análise da
organização do trabalho (capítulos anteriores), uma vez que esses evidenci aram a exploração
a qual os profissionais estão submetidos no trabalho e a relação conflituosa e paradoxal que
envolvem a or ganização do trabalho, o que não seria possível observar somente analisando a
fala dos motoristas mais adaptados ao trabalho.
75
Ainda sobre a reflexão dos mais adaptados/ menos adaptados ao trabalho, considerouse relevante mencionar a explicação do motorista entrevistado que desempenha sua função há
mais tempo (trabalha há 22 anos na empresa e desempenha a função de motorista há 16 ano s,
tendo trabalhado anteriormente como cobrador). Ele disse que durante os primeiros 6 anos
saiu do trabalho 4 vezes (“não tá dando mais, eu pegava e saia fora...”). As desistências do
trabalhador ( mesmo que na época ele fosse cobrador) podem ser um indíc io da dificuldade
que ele enfrentou para adaptar-se a essa organização do trabalho. Além disso, o seu
compor tamento de desistir do trabalho por quatro vezes parece entrar em conflito com o fato
de ele ter sido o trabalhador que durante as entrevistas, mais enfatizou o quanto o seu trabalho
é tranqüilo e o quanto estava satisfeito. Infere-se que as estratégias que per mitiram seu acesso
à adaptação, de modo a ele perceber tudo como tranqüilo e, como conseqüência, seu
permaneci mento no trabalho, também foram aquelas que cul minaram na alteração de sua
afetividade, tornando o trabalhador
insensível contra aquilo que o faz sofrer. Observa-se,
nesse ponto, que agir e padecer são como as faces opostas da mesma moeda (ARENDT,
2007) e que o engajamento na estratégia defensiva é danoso à saúde do trabalhador. Infere-se,
assim, que o trabalho como motorista de ônibus no transporte coletivo de Curitiba, nas atuais
circunstâncias, é possível por meio da exploração do sofrimento, da estratégia defensiva
utilizada pelo trabalhador.
A partir da percepção da perturbação da subjetividade dos motoristas (que envolve
portanto, a afetividade, visto que essa está na base da subjetividade (DEJOURS, 2012a)) ao
trabalhador engajar-se na ideologia defensiva, pode-se voltar a questão descrita a pouco sobre
a falta de engajamento político dos trabalhadores na luta por mel hores condições de trabalho.
Foi dito anteriormente que “o sofrimento somente suscita um movi mento de solidariedade e
de protesto quando se estabelece uma associação entre a percepção do sofrimento alheio e a
convicção de que esse sofri mento resulta de uma inj ustiça”, caso contrário, “não se levanta a
questão da mobilização numa ação política, tampouco a questão de justiça e injustiça”
(DEJOURS 2012a, p. 19). Todavia, o autor explica que essa percepção do sofri mento alheio
provoca um processo afetivo, “indispensável à concretização da percepção pela tomada de
consciência” (p.46) e que a sensibilidade para com o sofri mento de outrem, depende
inevitavelmente da relação do sujeito para com seu próprio sofrimento. Como já mencionado,
encontrou-se indícios, nesta pesquisa, de que o engajamento dos motoristas na ideologia
defensiva leva a uma alteração da afetividade, ou seja, do modo pelo qual o corpo vivencia
76
seu contato com o mundo (DEJOURS, 2012a), fazendo com que o trabalhador mantenha -se
insensibilizado diante daquilo que o faz sofrer. Dessa for ma, a i mpossibilidade de exprimir e
elaborar o sofri mento constitui um obstáculo ao reconhecimento do sofri mento alheio. Além
disso, “a intolerância afetiva para com a própria emoção reacional acaba levando o sujeito a
abstrair-se do sofrimento alheio por uma atitude de i ndiferença – logo, de intolerância para
com o que provoca seu sofri mento” (DEJOURS, 2012a, p. 46).
Dessa for ma, observa-se a estratégia defensiva do individualismo, que leva ao
enfraqueci mento da solidariedade. Mesmo os trabalhadores partilhando coletivamente da
vivência do trabalho, da cadência e da disciplina, “os operários são confrontados um por um,
individual mente e na solidão, às violências da produtividade” ( DEJOURS, 1992, p. 39).
Assim, analisa-se que a falta de engajamento político dos motoristas na l uta por melhores
condições de trabalho esteja relacionada com o próprio engajamento deles na ideologia
defensiva. Tal estratégia defensiva pode constituir-se, ainda, como objeto de cooperação, visto
que contribuem de maneira decisiva para a coesão do coletivo de trabalho (DEJOURS,
2012a). Dessa for ma, observa-se que a cooperação dos trabalhadores tem uma “relação
estreita com os procedimentos defensivos contra o sofri mento decorrente dos processos de
organização do trabalho” (DEJOURS, 2011b, p.173). Isso poderia explicar a existência de
relações ami gáveis entre a categoria profissional dos motoristas, que, no entanto, não se
constituem como relações de solidariedade. Confor me cita Dejours (2012a) essa estratégias
defensivas têm uma função primordial de adaptação e de fuga contra o sofrimento, mas são o
meio essencial de banalização da injustiça social. Já que a percepção do sofrimento alheio
constitui uma dificuldade subjetiva suplementar, que prejudica os esforços de resistência no
trabalho, assim, cabe a cada trabalhador nesse contexto de trabalho precarizado negar o
sofrimento alheio e calar o seu (DEJOURS, 2012a).
Nesse ponto, também se torna per tinente mencionar a exploração do sofri mento pela
organização do trabalho. Percebe-se, neste contexto, que a ideologia defensiva tem um valor
funcional em relação à produtividade na medida em que por meio do excesso de autocontrole,
o que cul mi na na alteração da afetividade, o trabalhador torna-se mais produtivo e dócil, não
se percebe enquanto alvo de abuso de poder, fica em “banho Maria” frente aquilo que causa o
seu sofrimento e per mi te a perpetuação do ciclo de explora ção. De encontro com essa
reflexão, um dos entrevistados explica, do seu ponto de vista, o porquê a Urbs ai nda não
redefiniu os horários para o cumpri mento das frotas, estipulados há muitos anos:
77
Eu acredito que a Urbs só não mudou o horário ainda por causa dos louco! Por
causa dos louco, porque se todo mundo rodar certinho ninguém vai dar para
cumprir o horário. De jeito nenhum dá pra cumprir o horário. Mas tem uns louco
que fazem loucura, sei lá., consegue fazer. Então se ele consegue fazer, por que eu
não consigo? A Urbs pensa assim, entendeu? Então aí fica assim como tá.
Contudo, em maior ou em menor grau, todos os profissionais entrevistados afirmaram fazer
essas “loucuras”, ou seja, transgredir nor mas para adaptar a defasagem entre o trabalho
prescrito e o trabalho real. Essas transgressões incluem comportamentos que favorecem os
interesses da organização do trabalho, tais como: não ir ao banheiro quando necessário;
“aumentar a velocidade para compensar o atraso”; “correr demais”; “passar no sinal
amarelo”; “fazer as coisas mais rápido”; “pisar um pouco mais”. Como também
compor tamentos que apenas permitem que o trabalhador escape da punição: u m dos
motoristas mencionou que “corta viagem”, comportamento que consiste em esperar no ponto
final até o horário da viagem segui nte quando ocorre um grande atraso. Entretanto, devido a
implantação do aparato tecnológico que per mite localizar os ônibus, essa estratégia não vem
sendo mais viável. Tal como definido por um trabalhador “você tem que andar que nem
louco” afi m de que o sistema de transporte coletivo de Curitiba funcione. Infere-se que pela
adesão dos trabalhadores “eles se tornam os principais atores de uma domi nação que eles
suportam” (GAULEJAC, 2007, p. 308) e é por essa adesão que a situação e a domi nação se
perpetuam.
Segundo Gaulejac (2011) numa gestão paradoxal existe a presença de exi gências
incompatíveis entre si às quais é necessário submeter -se sem desobedecer ou agir de outra
maneira. Percebe-se pelas falas acima, que uma das
estratégias dos motoristas diante da
defasagem entre o real e o prescrito é a autoaceleração no trabalho (“fazer as coisas mais
rápido”) e com o ônibus (“aumentar a velocidade para compensar o atraso”). Essa
estratégia, segundo Dejours (2011c), ocorre comumente diante do trabalho repetitivo e sob
controle de tempo, onde a i mposição das cadências e, sobretudo a repetição estão em conflito
com o funcionamento psíquico espontâneo. Nessas situações a atividade fantasmagórica
(produto da imaginação para escapar ou fugir de uma situação real) além de inútil ao trabalho
torna-se um estorvo na execução da tarefa. O autor explica que ela provoca desatenção ao
trabalhador, faz com que sua cadência baixe e altera sua concentração, o que pode acarretar
acidentes de trabalho. Dessa for ma, os fantasmas tornam-se algo avesso à adaptação ao
trabalho. Dejours (2011c, p. 230) explica que os trabalhadores “obtêm o sossego como
resultado de expurgo de qualquer atividade fantasmagórica de sua consciência. Em outros
78
ter mos, os operários procuram produzir em si uma paralisia do funcionamento psíquico”, o
que ocorre por meio da autoaceleração. Por meio desse processo é alcançada a repressão da
pulsão, e assim “não há mais conflito entre funcionamento psíquico e or gani zação do
trabalho” (DEJOURS, 2011c, p. 230). Sugere-se que é por meio do engajamento nessa
estratégia defensiva a própria percepção do risco que envolve o trabalho como motorista é
alterada, o que está relacionado ao fato dele “correr demais” e “passar no sinal amarelo”,
colocando em vul nerabilidade sua vida, a dos passageiros e demais pessoas com quem divide
o trânsito.
Considera-se que a estratégia defensiva utilizada pelos motoristas permite, por um
lado, a não confrontação com a organi zação do trabalho (isto é, a perpetuação dos inte resses
dessa organização) e, por outro, um equilíbrio precário ao trabalhador, que se não entrar no
pacto da ideologia defensiva terá sua saúde prejudicada e terá ameaçada a sua continuação no
trabalho. Dessa for ma, é por meio do engajamento na estratégia defensiva que o motorista
torna-se corpo útil à organização do trabalho. Em outras palavras, é por esse mecanismo que
há a transfor mação de “cada i ndivíduo em trabalhador e cada trabalhador em i nstr umento
adaptado às necessidades da empresa” (GAULEJAC, 2007, p. 308). Nesse processo “uma boa
parte de sua ener gia psíquica é captada (...) e transfor mada em força de trabalho a serviço da
rentabilidade financeira” (GAULEJAC, 2007, p. 308).
De encontro com os dados analisados neste estudo, segundo Sato (1991) o
adoecimento nessa classe de trabalhadores está relacionado ao excesso de autocontrole
adotado, visando suportar o máxi mo possível as irritações no trabalho. Não havendo
mecanismos adequados para lidar com esses estados emocionais, dá -se um “processo de
transfor mação da subjetividade e a pessoa fica doente, fica nervosa, fica irritante” (SATO,
1991, p. 73). No caso do adoeci mento mental, Dejours (2011d) explica que ele ocorre quando
o indivíduo perde o contato com o real e o reconheci mento com o outro, cul mi nando, segundo
o autor, em sua alienação mental. Foi dito que os trabalhadores mais adaptados ao trabalho
negam a realidade e o próprio sofrimento que as condições de trabalho lhe acarretam. Além
disso, não há um reconheci mento sobre o seu trabalho por parte das empresas, a não ser um
reconheci mento instrumental. Sugere-se que essa situação se configura como contexto
propício para o desenvolvimento de descompensações mentais. Dessa for ma, o sofri mento e o
adoecimento mental desses trabalhadores não pode ser considerado apenas como uma
consequência deplorável ou um aconteci mento lamentável, visto que, tal como define Dejours
79
(1992), até um certo momento esse se revela propício à produção, sendo o próprio
instr umento para obtenção do trabalho.
A fala de trabalhador é esclarecedora, nesse sentido. Quando per guntado a ele sobre o
posicionamento da empresa diante dos adoeci mentos, ele explica: “só tem um médico lá, você
chega lá com dor no pé ele te dá uma Cibalena para você tomar lá, e boa, te dá um doril.
„Ah, tô com insônia por causa dos horário‟, te dá um doril e abafa! É só isso!”. Esse
trabalhador infere que nada vem sendo feito a fi m de prevenir os adoeci mentos e denuncia
uma atitude no sentido de “abafá-los”, ou seja, escondê-los, sonegando os direitos do
trabalhador. Assim, i nfere-se que além do fato de que a organi zação do trabalho beneficia -se
do processo de adoecimento/sofri mento vivenciado pelo trabalhador (ou seja, de seu
“desarranjo subjetivo”, que per mi te que o motorista negue os riscos de seu trabalho e,
portanto ande mais depressa; não se abale diante das situações estressantes e, portanto não as
perceba como tal; e, pri ncipalmente seja dócil frente ao processo de exploração), ela dispõe os
sujeitos a fim de garantir o sucesso do processo de dominaçã o que exerce ao trabalhador. Em
meio a essa disposição dos sujeitos, está o fiscal, profissional que aplica as multas abusivas
aos motoristas, e a figura do médico, quem ocupa o lugar de esconder o adoecimento, o grito
do trabalhador, sua denúncia acerca do processo de exploração que a organização do trabalho
exerce para com ele. Nessa conjuntura a organi zação do trabalho omite -se de suas
responsabilidades e dos danos os quais ela mesma produziu.
Diante do que foi exposto acima, percebe-se a necessidade da implementação de
mudanças no processo de trabalho dos motoristas, o que deve contar com a participação
desses trabalhadores, enquanto sujeitos de sua vida e sua saúde, capazes de contribuir para o
avanço da compreensão do impacto do trabalho sobre o proce sso saúde doença e de intervir
politicamente para a transfor mação desta realidade (SANTOS JÚNIOR, 2003).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Tal vez o mundo não seja pequeno (Cale-se!)
Nem seja a vida um fato consumado (Cale-se!)
Quero inventar o meu próprio pecado (Cale-se!)
Quero morrer do meu próprio veneno (Pai! Cale -se!)
Quero perder de vez tua cabeça! (Cale-se!)
Minha cabeça perder teu juízo. (Cale-se!)
80
Quero cheirar fumaça de óleo diesel (Cale-se!)
Me embriagar até que alguém me esqueça (Cale-se!)
Chico Buarque – Cálice
Esta pesquisa objetivou investi gar a organização do trabalho do transporte coletivo de
Curitiba e sua relação com o sofri mento dos motoristas, sofri mento esse que cul mi na no
processo de adoecimento mental vivenciado por alguns desses trabalhadores. Observou-se que
as dificuldades que os motoristas dizem enfrentar no desenvolvi mento de sua atividade
laboral estão relacionadas com as nor mas i nter nas, muitas vezes paradoxais, da organização
do trabalho, e em especial no que tange ao controle e vigilância do trabalhador. Nesse
processo, as relações de trabalho são prejudicadas, vistos que as pessoas que estão no
convívio com o trabalhador são instr umentalizadas, pela organização do trabalho, para exercer
o controle para com esse profissional: os fiscais, por meio de seus relatórios e aplica ção de
mul tas; e os passageiros e a população em geral, por meio de sua reclamação na central de
atendi mentos e infor mações da prefeitura de Curitiba, o que acarreta, nos dois casos, uma
penalidade ao motorista. Dessa forma, entende-se que essas relações de trabalho, percebidas
como ameaça pelos entrevistados, são reflexos do modo de gestão do transporte coletivo de
Curitiba, que contribui para a destr uição das relações afetivas desses profissionais no trabalho
e produz a falta de solidariedade entre eles, a solidão e o sofrimento ao trabalhador. Foi
observado também a presença de regulamentos i ncompatíveis entre si na organi zação do
transporte de Curitiba, uma das características de um sistema paradoxal (GAULEJAC, 2011),
de modo que não tor na-se possível o motorista realizar sua atividade sem infringir nor mas.
Dessa forma, esse profissional comete infrações que remetem as próprias falhas da
organização do trabalho, contudo isso é percebido como um erro do motorista e i nterpretado
como i ncompetência ou i ndisciplina.
As fal has da organização do trabalho são assumidas individual mente pelo motorista,
são um problema o qual ele tem que resolver. Contudo, em uma análise sobre o sofrimento
vivenciado por esses profissionais, observou-se que eles não se sentem reconhecidos pela
empresas na quais trabalham por oferecer a sua contribuição (submetendo -se aos riscos do
trabalho,
mobilizando sua inteligência e subjetividade). Como existe a falta do
reconheci mento, não há a transfor mação do sofri mento em prazer (DEJOURS, 2 012b) e o
trabalhador “se vê reconduzido ao seu sofri mento e somente a ele” (DEJOURS, 2012a, p. 35),
tendo que engajar-se em estratégias defensivas a fim de evitar a doença mental (DEJOURS,
81
2012b). Observou-se que esses trabalhadores utilizam estratégias defensivas que visam seu
autocontrole no trabalho (“filtrando”, “não esquentando a cabeça”, não levando a sério o
trabalho”, “ficando em banho maria” e “se desligando”), com a finalidade de suportar ao
máxi mo as irritações do dia-a-dia. Além disso, percebeu-se diferenças substanciais entre a
fala dos trabalhadores que exercem a função de motorista de ônibus coletivo de passageiros
por um período menor (o que se chamou de trabalhadores menos adaptados) em comparação
com a fala dos motoristas que exercem a função há mais tempo (trabalhadores mais
adaptados). Isso foi de fundamental impor tância para o entendi mento das estratégias
defensivas utilizadas por essa categoria profissional. Encontrou-se indícios, nesta pesquisa, de
que o engajamento dos motoristas na ideologia defensiva leva a uma alteração da afetividade,
ou seja, do modo pelo qual o corpo vivencia seu contato com o mundo (DEJOURS, 2012a).
Observou-se que os trabalhadores mais adaptados referem que o trabalho é tranqüilo, não
expressam qualquer sinal de indignação frente as nor mas as quais estão submetidos, e são
insensíveis contra tudo aquilo que os fazem sofrer, negando a realidade e o próprio sofrimento
que tais condições de trabalho lhe acarretam, submetendo-se, assim, ao desejo da produção. Já
os trabalhadores menos adaptados aparentam ai nda fal har na utilização das estratégias
defensivas que visam o autocontrole no trabalho, isso pois ressaltam, ao contrário do pri meiro
gr upo, o quando sua atividade é estressante e demonstram i ndignação frente as nor mas da
Urbs, a conivência da empresa para com essas nor mas, e também frente as situações que
remetem a exploração dos trabalhadores por parte do seu próprio sindicato. Apesar de uma
evidência maior do sofrimento, observa-se que os motoristas desse grupo ainda têm sua
capacidade afetiva preservada. Além disso, observou-se que a falta de engajamento político
dos motoristas na luta por melhores condições de trabalho esta relacionada ao próprio
engajamento deles na ideologia defensiva.
Percebe-se, que a ideologia defensiva tem um valor funcional em relação à
produtividade na medida em que por meio do excesso de autocontrole, o que cul mina na
alteração da afetividade, o trabalhador torna-se mais produtivo, não se percebe enquanto alvo
de abuso de poder, fica em “banho Maria” frente aquilo que causa o seu sofrimento e permite
a perpetuação do ciclo de exploração. A organização do trabalho beneficia -se do processo de
sofrimento vivenciado pelo trabalhador (ou seja, de seu “desarranjo subjetivo”, uma vez que
esse permite que o motorista negue os riscos de seu trabalho e, por tanto ande mais depressa;
não se abale diante das situações estressantes e, portanto não as perceba como tal; e,
82
principalmente seja dócil frente ao processo de exploração). Infere -se, assim, que o trabalho
como motorista de ônibus no transporte coletivo de Curitiba, nas atuais circunstâncias, é
possível por meio da exploração do sofrimento, da defesa utilizada pelo trabalhador. Assim,
percebe-se que “o trabalho não causa o sofrimento, é o sofri mento que produz o trabalho”
(DEJOURS, 1992, p.103) e que agir e padecer são como as faces opostas da mesma moeda
(ARENDT, 2007). O engajamento na estratégia defensiva, apesar de garantir um equilíbrio
precário, é danoso à saúde do trabalhador, na medida em que altera a sua afetividade de for ma
a resistir ao que é prejudicial.
Nessa linha de raciocínio, infere-se, que nas atuais circunstâncias de trabalho dos
motoristas, contextualizadas neste estudo, o processo de adoeci mento desses trabalhadores
está relacionado ao excesso de autocontrole, tal como já foi apontado por Sato (1991).. No
caso do adoecimento mental, Dejours (2011d) explica que ele ocorre quando o indivíduo
perde o contato com o real e o reconhecimento com o outro, cul mi nando, segundo o autor, em
sua alienação mental. Foi dito que os trabalhadores mais adaptados ao trabalho negam a
realidade e o próprio sofrimento que as condições de trabalho lhe acarretam. Além disso, não
há um reconheci mento sobre o seu trabalho por parte das empresas, a não ser um
reconheci mento instrumental. Sugere-se que essa situação se configura como contexto
propício para o desenvolvimento de descompensações mentais. Além disso, o sofri mento e o
adoecimento mental desses trabalhadores não pode ser considerado apenas como uma
consequência deplorável ou um aconteci mento lamentável, visto que, tal como define Dejours
(1992), até um certo momento esse se revela propício à produção, sendo o próprio
instr umento para obtenção do trabalho.
Buscou-se, chamar atenção, ainda, ao lugar dado ao trabalhador nessa organização do
trabalho, o que diz também do lugar dado ao trabalhador na sociedade atual. Por meio do
estudo das relações de poder entre as instituições no âmbito do transporte coletivo (Urbs, as
empresas e o sindimoc), foi notado uma tentativa, por parte de cada uma dessas entidades, de
se eximir de suas responsabilidades para com o trabalhador e uma relação de conveniências
quando o assunto é o incremento da lucratividade por meio de sua exploração. Como cita o
trabalhador, “eles só querem saber do lucro, só querem saber do lucro”, “pensa só em lucro
e não está nem aí para você”. Observa-se tanto pelos relatos dos trabalhadores, quantos pelas
notícias publicadas na mídia, que o sindicato dos trabalhadores também parece estar inserido
83
nesta lógica, visto que as notícias evidenciam que historicamente as condutas do sindicato não
foram em prol dos trabalhadores.
O lugar do trabalhador, nessa organi zação do trabalho também foi destacado no título
deste estudo, a partir da fala de um dos motoristas entrevistados: “Nós não valemos nada”,
disse o trabalhador, “menos do que aquele pinguinho no pneu”. Observa-se, portanto que os
motoristas ocupam um lugar não reconhecido (não são reconhecidos pelo seu esforço), um
lugar de explorado, de punido, lugar onde além da força de trabalho, o trabalhador é
explorado a ponto de arcar financeiramente com o seu trabalho para a manutenção do
emprego. Explorado pelas três entidades responsáveis por zelar pelos seus direitos e sua
saúde, mas que ao invés disso lidam com o trabalhador confor me as convém em ter mos
financeiros, deixando-os em segundo plano. Lugar no qual a sua condição de sujeito, a sua
subjetividade é negada. Demarca-se que estamos falando sobre esse lugar neste estudo, e é ele
que se buscou enfati zar durante a análise. Isso, pois é neste e deste lugar que o trabalhador
vem adoecendo, no momento da sua vida no qual trabalha. Nesse âmbito, questiona -se: qual é
o impacto do l ugar ocupado pelo trabalhador nessa organização do trabalho (e modo mais
abrangente, na nossa sociedade), em ter mos da sua identidade?
Sabendo que o trabalho tem uma função psíquica, uma vez que é um dos grandes
alicerces de constituição do sujeito e de sua rede de si gnificados (LACMAN, 2008), e que a
identidade é a armadura estrutural da saúde mental (DEJOURS, 2012b), infere -se que esse
lugar ocupado pelo trabalhador nesse contexto está relacionado ao sofri mento patogênico e ao
processo de adoecimento psíquico vivenciado por esse grupo de trabalhadores. Infere -se que
tal lugar é desestruturante, levando o trabalhador a uma crise de identidade, o que cul mi na em
sua descompensação psicopatológica.
Buscou-se analisar o sofrimento a partir dos processos que os geram, o adoecimento
não como uma patologia do trabalhador, mas como um reflexo de uma violência para com ele
e, talvez, até mesmo como um sinal de saúde, visto que é por meio desse adoecimento que o
sujeito consegue deixar de se submeter às condições danosas à sua saúde. Interpretamos,
dessa maneira, o adoecimento como uma expressão do sofri mento, como um grito do
trabalhador, sua denúncia acerca do processo de exploração que a organização do trabalho
exerce para com ele, uma tentativa de solução de um conflito. Como ressalta Brant e Minayo Gomez (2009), a expressão do sofrimento é “um bem” do sujeito. Acredita -se que o
adoecimento é a for ma encontrada pelo trabalhador para denunciar as condições de trabalho
84
que não cessam de se degradar, a destruição da sua condição de sujeito, a dureza das
condições de trabalho, o contexto violento e paradoxal do qual faz parte.
Nesse contexto questiona-se, tal como descreve Gaulejac (2007) se é prudente falar
em doenças e aceitar que o seguro-doença assuma os seus custos, visto que a pressão do
trabalho é a sua causa. Para o autor, o encobrimento da responsabilidade da empresa leva a
uma dupla armadilha: o agravamento contínuo das perturbações e das despesas de saúde, de
um lado; e uma cegueira sobre a degradação das condições de trabalho e de suas
conseqüências sociais, por outro. Dessa for ma, o autor aponta a necessidade de restabelecer as
ligações entra a gestão dos recursos humanos e a saúde mental. Para ele, o poder gerencialista
tem como propósito canalizar a energia psíquica a fim de transfor má -la em força de trabalho.
Portanto, infere-se que é responsabilidade da organização do trabalho “gerenciar” as
conseqüências de seu modo de gestão que tem acarretado danos à saúde dos trabalhadores.
Diante do adoecimento mental vivenciado pelos motoristas de ônibus de Curitiba,
infere-se, dessa forma, que é a própria gestão do sistema de transporte coletivo da cidade que
deve ser questionada, o que engloba a Urbs, as empresas de ônibus e o si ndicato dos
trabalhadores. Afi nal, essas entidades praticam um tipo de gerenciamento danoso à saúde do
trabalhador, e até então, usufr uem de uma i mpunidade total quanto as suas conseqüênci as
humanas, sociais e financeiras. Tal como aponta Gaulejac (2007) a gestão deveria oferecer
instr umentos adequados para avaliar os custos sociais e psíquicos, tal como aqueles que ela
criou para avaliar os benefícios e as perdas financeiras. Isso seria o sinal de que essa não é
mais uma ideologia a serviço do poder dominante, mas uma ciência a serviço do interesse
geral. Como efeito, o alívio da pressão no trabalho per mitiria reduzir as despesas de saúde que
essa acarreta (GAULEJAC, 2007).
O transporte coletivo é essencial e
Requer intervenções cuidadosas não só no sentido da preservação do direito social
ao acesso a um transporte de boa qualidade (...), mas também no sentido da
preservação do direito dos trabalhadores à sua saúde. Estas duas questões devem ser
compatibilizadas e não antagonizadas. Até porque no caso de um maior estresse
entre os motoristas de ônibus com a supressão do trabalho do seu auxiliar, pode -se
ocasionar no limite, ao longo do tempo, um aumento do número de acidentes de
ônibus e, aumentar os riscos de problemas de saúde entre motoristas (SOUZA,
1996).
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7. ANEXOS
Rote iro de e ntre vista:
1) Fale sobre o seu trabalho.
2) Há quanto tempo trabalha como motorista? Como foi a sua inserção na profissão?
3) Qual foi a sua trajetória na empresa? Já trabalhou em outras empresas?
4) Como funciona a questão das fol gas, férias e as pausas na jornada de traba lho?
5) Como é ser motorista de ônibus para você?
6) Quais são as suas dificuldades no trabalho? O que você faz para lidar com elas?
7) Se você pudesse mudar algo no seu trabalho, o que você mudaria?
8) O que mantém você neste trabalho?
9) Como é a relação com os passageiros/ cobradores/ fiscais/ supervisores?
10) Como você percebe a relação dos trabalhadores com o sindicato? E com a empresa? E
com a Urbs?
11) Como você se vê nessa profissão?
12) Como você acha que é visto?
13) O que você acha que o trabalho como motorista pode provocar na saúde? Por quê?
14) Há um alto índice de afastamentos do trabalho por adoecimento mental entre os
motoristas de ônibus de Curitiba. O que você pensa sobre isso?
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nós não valemos nada! - Assédio Moral Organizacional