UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura Enologia e arquitectura Realizado por: Mariana dos Santos Ferreira Quaresma Orientado por: Prof. Doutor Arqt. Fernando Manuel Domingues Hipólito Assistente de orientação: Mestre Arqt. José Maria de Brito Tavares Assis e Santos Constituição do Júri: Presidente: Orientador: Arguente: Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha Prof. Doutor Arqt. Fernando Manuel Domingues Hipólito Prof. Doutor Arqt. Rui Manuel Reis Alves Dissertação aprovada em: 7 de Outubro de 2014 Lisboa 2014 U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura Enologia e arquitectura Mariana dos Santos Ferreira Quaresma Lisboa Setembro 2014 U N I V E R S I D A D E L U S Í A D A D E L I S B O A Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura Enologia e arquitectura Mariana dos Santos Ferreira Quaresma Lisboa Setembro 2014 Mariana dos Santos Ferreira Quaresma Enologia e arquitectura Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura. Orientador: Prof. Doutor Domingues Hipólito Arqt. Fernando Manuel Assistente de orientação: Mestre Arqt. José Maria de Brito Tavares Assis e Santos Lisboa Setembro 2014 Ficha Técnica Autora Mariana dos Santos Ferreira Quaresma Orientador Prof. Doutor Arqt. Fernando Manuel Domingues Hipólito Assistente de orientação Mestre Arqt. José Maria de Brito Tavares Assis e Santos Título Enologia e arquitectura Local Lisboa Ano 2014 Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação QUARESMA, Mariana dos Santos Ferreira, 1989Enologia e arquitectura / Mariana dos Santos Ferreira Quaresma ; orientado por Fernando Manuel Domingues Hipólito, José Maria de Brito Tavares Assis e Santos. - Lisboa : [s.n.], 2014. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa. I - HIPÓLITO, Fernando Manuel Domingues, 1964II - SANTOS, José Maria de Brito Tavares Assis e, 1962LCSH 1. Adegas - Projectos e construção 2. Enoturismo - Portugal 3. Adega Mayor (Campo Maior, Portugal) 4. Adega Quinta do Vallado (Peso da Régua, Portugal) 5. Dominus Winery (Califórnia, Estados Unidos) 6. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 7. Teses - Portugal - Lisboa 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Wineries - Design and construction Wine tourism - Portugal Adega Mayor (Campo Maior, Portugal) Adega Quinta do Vallado (Peso da Régua, Portugal) Dominus Winery (California, United States) Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations Dissertations, Academic - Portugal - Lisbon LCC 1. NA6423.P8 Q37 2014 À minha mãe. AGRADECIMENTOS Ao Professor Doutor Arquitecto Fernando Hipólito, por ter aceite a orientação desta dissertação, pela partilha de conhecimentos, pelo apoio, disponibilidade e incentivo demonstrados ao longo do trabalho. Ao Mestre Arquitecto José Maria Assis e Santos, pelo acompanhamento, pelo interesse demonstrado desde o início, pela ajuda e disponibilidade. Aos meus pais, pelo apoio incondicional e por tudo o que me proporcionaram ao longo destes anos. Ao meu irmão, à minha família e ao Fred, pelo apoio e motivação, fundamentais. Aos meus amigos, pela amizade e paciência. À Isabel M., pela disponibilidade, ajuda e companhia. À N., por toda a ajuda e força transmitida, sempre. “A explicação das formas em função de determinada circunstância é em verdade difícil, sobretudo a sua compreensão total, e assim como um bom vinho só poderá apreciar-se bebendo-o e não raciocinando sobre a sua fórmula química, assim uma forma só poderá compreender-se vivendo-a, bem como à sua circunstância e não apenas ouvindo descrições a seu respeito ou consultando suas reproduções.” TÁVORA, Fernando (2006) – Da organização do espaço. 6.ª ed. Porto : FAUP. APRESENTAÇÃO Enologia e arquitectura Mariana dos Santos Ferreira Quaresma A partir do final do século XX a identidade da adega tem vindo a sofrer mudanças significativas. A presente dissertação desenvolve-se a partir de uma abordagem de âmbito nacional, contextualizando a história da produção de vinho e o tipo de edifício associado à mesma ao longo dos tempos. Desde o carácter vernacular de um espaço, construído por necessidade e integrado na habitação, característico da maioria das regiões ligadas ao meio rural em Portugal, ao carácter contemporâneo de uma obra da autoria de um arquitecto, que associa a indústria da produção de vinho à promoção turística, actuando como elemento impulsionador das marcas produtoras e do território em que estas estão inseridas. De modo a ilustrar a articulação do conceito do Enoturismo com a Arquitectura serão apresentadas três obras, consideradas de referência nesta temática, sendo que duas são em Portugal e representam as duas zonas de maior actividade vitivinícola – o Douro e o Alentejo – e a terceira situa-se numa das capitais mundiais do vinho – a Califórnia. O presente trabalho procura reunir as principais referências da redefinição destes espaços industriais, igualmente associados a uma forte componente cultural e tradicional. Palavras-chave: contemporaneidade. Arquitectura, enologia, adega, indústria, enoturismo, PRESENTATION Oenology and architecture Mariana dos Santos Ferreira Quaresma From the late 20th century winery’s identity has been going through significant changes. This dissertation develops from a nationwide approach, contextualizing the wine production history with the associated type of building over time. From the vernacular character of a space, built by need and as a part of the house, typical of most rural regions of Portugal, to the contemporary character of an architect’s work, that merges the wine production industry to tourism promotion, operating as a booster element to the production brands and the territories where they are established. In order to illustrate the articulation between Wine Tourism concept and Architecture it will be presented three projects, considered references in this subject, considering that two of them are in Portugal and represent the two major wine activity areas – Douro and Alentejo – and the third is located in one of the world’s wine capitals – California. This paper demands to gather the main references of these industrial spaces redefinition, which are also associated to a strong cultural and traditional component. Keywords: Architecture, oenology, winery, industry, wine tourism, contemporaneity. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1 – Paisagem vinícola do Douro. (Sousa, 2005, p. 51) ...................... 30 Ilustração 2 – Transporte de vinho em barricas num barco rabelo no Rio Douro (Sousa, 2005) ............................................................................................................. 32 Ilustração 3 – Cave com pipas de vinho (Sousa, 2005) ....................................... 32 Ilustração 4 – Regiões vitivinícolas e respectivas regiões de Denominação de Origem (DO). (Portugal, 2014) ................................................................................. 39 Ilustração 5 – Processo vinificação. (Ilustração nossa, 2014). ............................ 44 Ilustração 6 – Garrafeira no Château Lafite Rothschild em Pauillac, Médoc, França. (Woschek et al., 2012, p. 17) ..................................................................... 45 Ilustração 7 – Casa Minhota. (Moutinho, 1995, p. 54) .......................................... 47 Ilustração 8 – Habitação em Santarém. (Antunes et al., 1988, p. 200) .............. 47 Ilustração 9 – Exemplo de uma oficina vinária, Douro (Fauvrelle, 1999, p. 54) 49 Ilustração 10 – Armazém com pipas de vinho (Sousa, 2005, p. 148) ................ 50 Ilustração 11 – Cubas num armazém de vinho (Sousa, 2005, p. 102) ............... 50 Ilustração 12 – Armazém com pipas de vinho (Sousa, 2005, p. 450) ................ 51 Ilustração 13 – Cubas no piso superior (Sousa, 2005) ......................................... 51 Ilustração 14 – Planta da casa da Quinta do Bom Retiro, Douro ([adaptação a partir de:] Fauvrelle, 1999, p. 117)........................................................................... 52 Ilustração 15 – Centro de vinificação Sogrape Vinhos S.A. (Sogrape Vinhos, 2014) ............................................................................................................................ 55 Ilustração 16 – Interior da adega, processo de engarrafamento, início do século XX, no edifício original da empresa José Maria da Fonseca em Azeitão. (Leite, 2012) ............................................................................................................................ 56 Ilustração 17 – Casa-museu José Maria da Fonseca na actualidade, Azeitão. (Ilustração nossa, 2014) ............................................................................................ 56 Ilustração 18 – Centro de Vinificação Fernando Soares Franco, José Maria da Fonseca, Azeitão. (Leite, 2012) ............................................................................... 56 Ilustração 19 – Bodega Ysios, Santiago Calatrava. (Woschek et al., 2012, p. 104) .............................................................................................................................. 63 Ilustração 20 – Sala de depósitos, Bodega Ysios, Santiago Calatrava. (Woschek et al., 2012, p. 104) ................................................................................. 63 Ilustração 21 – Sala de barricas, Bodega Ysios, Santiago Calatrava. (Webb, 2005, p. 16) ................................................................................................................. 63 Ilustração 22 – Adega Marqués de Riscal, Frank O. Gehry. (Marqués de Riscal, 2011) ............................................................................................................................ 64 Ilustração 23 – Bodegas Protos, Rogers Stirk Harbour + Partners. (Rogers; Alonso y Balaguer, 2014) .......................................................................................... 65 Ilustração 24 – Secção esquemática. Bodegas Protos, Rogers Stirk Harbour + Partners. (Rogers; Alonso y Balaguer, 2014)......................................................... 65 Ilustração 25 – Quinta da Touriga, António Leitão Barbosa. (Barbosa, 2006, p. 73) ................................................................................................................................ 67 Ilustração 26 – Quinta da Touriga, António Leitão Barbosa. (Barbosa, 2006, p. 79) ................................................................................................................................ 67 Ilustração 27 – Planta, Quinta da Touriga, António Leitão Barbosa. (Barbosa, 2006, p. 73) ................................................................................................................. 68 Ilustração 28 – Secções, Quinta da Touriga, António Leitão Barbosa. (Barbosa, 2006, p. 79) ................................................................................................................. 68 Ilustração 29 – Quinta do Portal, Siza Vieira. (Woschek et al., 2012, p. 81) ..... 70 Ilustração 30 – Interior do armazém, Quinta do Portal, Siza Vieira. (Woschek et al., 2012, p. 83) .......................................................................................................... 70 Ilustração 31 – Quinta do Portal, Siza Vieira. (Ordem dos Arquitectos, 2010, p. 64) ................................................................................................................................ 70 Ilustração 32 – Quinta do Portal, Siza Vieira. (Ordem dos Arquitectos, 2010, p. 63) ................................................................................................................................ 70 Ilustração 33 – Plantas dos pisos, Quinta do Portal, Siza Vieira. (Woschek et al., 2012, p. 83) .......................................................................................................... 71 Ilustração 34 – Fachada principal e entrada, Adega Casa da Torre, Carlos Castanheira. (Basulto, 2010b).................................................................................. 72 Ilustração 35 – Planta, Adega Casa da Torre, Carlos Castanheira. (Basulto, 2010b) ......................................................................................................................... 72 Ilustração 36 – Adega Casa da Torre, Carlos Castanheira. (Patrício, 2010, p. 114) .............................................................................................................................. 73 Ilustração 37 – Alçados e secções, Adega Casa da Torre, Carlos Castanheira. (Patrício, 2010, p. 115) .............................................................................................. 73 Ilustração 38 – Imagem tridimensional da adega na envolvente, Adega HO, Frederico Valsassina. (Valsassina, 2011, p. 125) ................................................. 74 Ilustração 39 – Imagem tridimensional do pormenor do deck, Adega HO, Frederico Valsassina. (Valsassina, 2011, p. 120) ................................................. 74 Ilustração 40 - Imagem tridimensional, Adega HO, Frederico Valsassina. (Valsassina, 2014) ..................................................................................................... 75 Ilustração 41 – Plantas dos pisos, Adega HO, Frederico Valsassina. (Valsassina, 2011, p. 122) ........................................................................................ 75 Ilustração 42 – Plantas dos pisos, Adega HO, Frederico Valsassina. (Valsassina, 2011, p. 123) ........................................................................................ 76 Ilustração 43 – Localização das adegas referenciadas em Portugal. (Ilustração nossa, 2014) ............................................................................................................... 77 Ilustração 44 – Jacques Herzog e Pierre de Meuron (Herzog & de Meuron, 1997, p. 4). .................................................................................................................. 80 Ilustração 45 – Suva Building, Basel, Herzog & De Meuron. (Mack, 1996, p. 36) ...................................................................................................................................... 84 Ilustração 46 – Pormenor da fachada, Suva Building, Basel, Herzog & De Meuron. (Mack, 1996, p. 44) .................................................................................... 84 Ilustração 47 – Signal Box Auf dem Wolf, Basel, Herzog & De Meuron. (Mack, 1996, p. 34) ................................................................................................................. 86 Ilustração 48 – Pormenor da fachada, Signal Box Auf dem Wolf, Basel, Herzog & De Meuron. (Mack, 1996, p. 33) ........................................................................... 86 Ilustração 49 – CaixaForum, Madrid, Herzog & De Meuron. (Basulto, 2010a) . 87 Ilustração 50 – Pormenor, CaixaForum, Madrid, Herzog & De Meuron. (Basulto, 2010a) ......................................................................................................................... 87 Ilustração 51 – Planta de localização, Dominus Winery, Herzog & de Meuron. (Betsky, 1998, p. 8) .................................................................................................... 88 Ilustração 52 – Fachada. (Spiluttini, 2008, p. 66) .................................................. 90 Ilustração 53 – Alçados. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 184) ............................ 91 Ilustração 54 – Plantas dos pisos. (Betsky, 1998, p. 14) ...................................... 92 Ilustração 55 – Secções transversais. (Betsky, 1998, p. 13) ............................... 93 Ilustração 56 – Zona de recepção e acessos no piso 0. (Betsky, 1998, p. 16) . 93 Ilustração 57 – Circulação e zona administrativa no piso 1. (Betsky, 1998, p. 16) ...................................................................................................................................... 93 Ilustração 58 – Corte transversal, modelo tridimensional - entrada sala de barricas e acesso ao primeiro piso. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 187) ......... 94 Ilustração 59 – Corte transversal, modelo tridimensional – entradas zona de depósitos. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 187) .................................................... 94 Ilustração 60 – Corredor de ligação no primeiro piso. (Spiluttini, 2008, p. 67) .. 95 Ilustração 61 – Pormenor da fachada. (Betsky, 1998, p. 9) ................................. 97 Ilustração 62 – Detalhe de secção na fachada. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 191) .............................................................................................................................. 97 Ilustração 63 – Modelo tridimensional. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 182-183) ...................................................................................................................................... 97 Ilustração 64 – Secção detalhada - pormenores da fachada. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 186) ............................................................................................... 98 Ilustração 65 – Álvaro Siza Vieira. (Ordem dos Arquitectos, 2010, p. 80) ......... 99 Ilustração 66 – Escola Superior de Educação de Setúbal, Álvaro Siza Vieira. (Trigueiros, 1995, p. 26) .......................................................................................... 102 Ilustração 67 - Escola Superior de Educação de Setúbal, Álvaro Siza Vieira. (Trigueiros, 1995, p. 29) .......................................................................................... 102 Ilustração 68 – Fundação Serralves, Álvaro Siza Vieira (Cremascoli, 2013, p. 47) .............................................................................................................................. 103 Ilustração 69 – Fundação Serralves, Álvaro Siza Vieira (Cremascoli, 2013, p. 47) .............................................................................................................................. 103 Ilustração 70 – Igreja de Santa Maria, Álvaro Siza Vieira (Cremascoli, 2013, p. 42) .............................................................................................................................. 104 Ilustração 71 – Igreja de Santa Maria, Álvaro Siza Vieira (Sveiven, 2014) ...... 105 Ilustração 72 – Igreja de Santa Maria, Álvaro Siza Vieira (Cremascoli, 2013, p. 43) .............................................................................................................................. 105 Ilustração 73 – Vista aérea. (Google, 2013) ......................................................... 106 Ilustração 74 – Esquisso, Álvaro Siza Vieira. (Castanheira, 2007, p. 316) ...... 107 Ilustração 75 – Esquisso, Álvaro Siza Vieira. (Castanheira, 2007, p. 315) ...... 107 Ilustração 76 – Vista Sul. (Siza, 2008, p. 229) ..................................................... 108 Ilustração 77 – Pormenor entrada. (Ilustração nossa, 2013) ............................. 108 Ilustração 78 – Zona de engarrafamento. (Ilustração nossa, 2013) ................. 110 Ilustração 79 – Circulação e depósitos de vinho branco. (Ilustração nossa, 2013) .......................................................................................................................... 110 Ilustração 80 – Depósitos de vinho tinto. (Ilustração nossa, 2013) ................... 110 Ilustração 81 – Zona de recepção da uva. (Ilustração nossa, 2013) ................ 110 Ilustração 82 – Sala de barricas. (Ilustração nossa, 2013) ................................ 111 Ilustração 83 – Plantas dos pisos 0 e 1. (Woschek et al., 2012, p. 27) ............ 112 Ilustração 84 – Planta piso 2. (Castanheira, 2007, p. 321) ................................ 112 Ilustração 85 – Alçado Sudeste e secção longitudinal. (Siza, 2008, p. 236) ... 113 Ilustração 86 – Secção longitudinal e alçado Nordeste. (Siza, 2008, p. 237).. 113 Ilustração 87 – Alçados Sudoeste e Noroeste e secções transversais. (Siza, 2008, p. 238)............................................................................................................. 113 Ilustração 88 – Vista Poente. (Castanheira, 2007, p. 328) ................................. 114 Ilustração 89 – Piso 1. (Ilustração nossa, 2013) .................................................. 116 Ilustração 90 – Terraço e fachada piso 2. (Castanheira, 2007, p. 335)............ 116 Ilustração 91 – Pormenor da fachada. (Ilustração nossa, 2013) ....................... 117 Ilustração 92 – Terraço ajardinado. (Ilustração nossa, 2013) ............................ 117 Ilustração 93 – Piso 1. (Ilustração nossa, 2013) .................................................. 117 Ilustração 94 – Piso 0. (Ilustração nossa, 2013) .................................................. 117 Ilustração 95 – Cristina Guedes e Francisco Vieira de Campos. (Guedes; Campos, 2009) ......................................................................................................... 118 Ilustração 96 – Unidade Industrial da Inapal Metal Autoeuropa, Palmela, Menos é Mais. (Basulto, 2008) ........................................................................................... 120 Ilustração 97 - Unidade Industrial da Inapal Metal Autoeuropa, Palmela, Menos é Mais. (Basulto, 2008) ........................................................................................... 120 Ilustração 98 – Planta de localização dos Bares de Gaia, Menos é Mais. (Basulto, 2009) ......................................................................................................... 121 Ilustração 99 – Bar de Gaia (2002), Menos é Mais. (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2014) ................................................................................................... 122 Ilustração 100 – Bar de Gaia (2002), Menos é Mais. (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2014) ................................................................................................... 122 Ilustração 101 – Ar de Rio (2008), Menos é Mais. (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2014) ................................................................................................... 122 Ilustração 102 – Pormenor da estrutura, Ar de Rio (2008), Menos é Mais. (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2014) .................................................... 122 Ilustração 103 – Teleférico - Estação Alta, Vila Nova de Gaia, Menos é Mais. (Basulto, 2012) ......................................................................................................... 123 Ilustração 104 – Teleférico - Estação Baixa, Vila Nova de Gaia, Menos é Mais. (Basulto, 2012) ......................................................................................................... 123 Ilustração 105 – Pormenor Teleférico - Estação Alta, Vila Nova de Gaia, Menos é Mais. (Basulto, 2012) ........................................................................................... 124 Ilustração 106 – Pormenor Teleférico - Estação Alta, Vila Nova de Gaia, Menos é Mais. (Basulto, 2012) ........................................................................................... 124 Ilustração 107 – Edifício original e a nova adega da Quinta do Vallado. (Ilustração nossa, 2013) .......................................................................................... 125 Ilustração 108 – Vista geral dos edifícios pré-existentes e das intervenções – hotel e adega. (Cremascoli, 2013, p. 94) .............................................................. 127 Ilustração 109 – Esquisso. Secção esquemática. (Woschek et al., 2012, p. 47) .................................................................................................................................... 128 Ilustração 110 – Volume integrado na vinha. (Ilustração nossa, 2013) ............ 129 Ilustração 111 – Caminho pela rampa de acesso à cobertura. (Ilustração nossa, 2013) .......................................................................................................................... 129 Ilustração 112 – Circulação exterior e saída de cargas e descargas. (Ilustração nossa, 2013) ............................................................................................................. 130 Ilustração 113 – Cobertura e zona de recepção da uva. (Ilustração nossa, 2013) .......................................................................................................................... 130 Ilustração 114 – Pormenor de um acesso exterior e vistas. (Ilustração nossa, 2013) .......................................................................................................................... 130 Ilustração 115 – Lagares em granito. (Ilustração nossa, 2013) ......................... 130 Ilustração 116 – Planta de cobertura. (Guedes + Decampos, 2012, p. 60) ..... 132 Ilustração 117 – Planta à cota 131 m. (Guedes + Decampos, 2012, p. 62) .... 132 Ilustração 118 – Plantas à cota 128 m e 122 m. (Woschek et al., 2012, p. 45) .................................................................................................................................... 133 Ilustração 119 – Planta à cota 119 m. (Guedes + Decampos, 2012, p. 65) .... 134 Ilustração 120 – Secções transversais da cave de barricas. (Guedes + Decampos, 2012, p. 66) .......................................................................................... 134 Ilustração 121 – Zona de depósitos de vinho tinto. (Ilustração nossa, 2013) .. 135 Ilustração 122 – Túnel de ligação entre a zona de produção e a zona de armazenamento. (Ilustração nossa, 2013) ........................................................... 136 Ilustração 123 – Cave de barricas, pormenor. (Ilustração nossa, 2013) .......... 136 Ilustração 124 – Cave de barricas. (Guedes + Decampos, 2012, p. 67).......... 137 Ilustração 125 – Zona de degustação de vinhos. (Ilustração nossa, 2013) ..... 138 Ilustração 126 – Pormenor do revestimento. Exterior da zona da entrada. (Ilustração nossa, 2013) .......................................................................................... 138 Ilustração 127 – Localização – Requena e La Portera. (Ilustração nossa, 2011) .................................................................................................................................... 139 Ilustração 128 – Identificação da Adega Cooperativa La Unión, La Portera. (Ilustração nossa, 2014) .......................................................................................... 139 Ilustração 129 – Percentagens dos conteúdos programáticos para o Centro Enológico. (Ilustração nossa, 2011) ...................................................................... 141 Ilustração 130 – Esquemas de análise do espaço e programa. (Ilustração nossa, 2011) ............................................................................................................. 143 Ilustração 131 – Referências, La Portera. (Ilustração nossa, 2011) ................. 144 Ilustração 132 – Planta de identificação das partes do programa. (Ilustração nossa, 2011) ............................................................................................................. 144 Ilustração 133 – Planta com esquema de relações. (Ilustração nossa, 2011) 144 Ilustração 134 – Identificação das áreas de actuação. (Ilustração nossa, 2012) .................................................................................................................................... 145 Ilustração 135 – Planta piso 0 - Adega. (Ilustração nossa, 2012) ..................... 146 Ilustração 136 – Planta piso 1 - Adega. (Ilustração nossa, 2012) ..................... 147 Ilustração 137 – Planta cobertura - Adega. (Ilustração nossa, 2012) ............... 147 Ilustração 138 – Secções - Adega. (Ilustração nossa, 2012)............................. 148 Ilustração 139 – Planta - Restaurante. (Ilustração nossa, 2012) ...................... 149 Ilustração 140 – Planta - Spa. (Ilustração nossa, 2012) ..................................... 150 Ilustração 141 – Planta - Recepção e Quartos. (Ilustração nossa, 2012) ........ 151 Ilustração 142 – Planta, alçado e secção dos Quartos. (Ilustração nossa, 2012) .................................................................................................................................... 152 Ilustração 143 – Painel de sistematização da primeira análise do lugar. (Ilustração nossa, 2011) .......................................................................................... 173 LISTA DE ABREVIATURAS DO – Denominação de Origem ETSA-UPV – Escuela Técnica Superior de Arquitectura – Universidad Politécnica de Valencia FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto ha – Hectare IVDP – Instituto do Vinho do Porto IVV – Instituto da Vinha e do Vinho JNV – Junta Nacional do Vinho SUMÁRIO 1. Introdução ................................................................................................................ 27 2. História, vinho e adegas .......................................................................................... 29 2.1. Contextualização Histórica ................................................................................ 29 2.2. O vinho e a adega ............................................................................................. 38 2.3. Arquitectura do vinho ......................................................................................... 57 3. Casos de estudo ...................................................................................................... 79 3.1. Herzog & de Meuron – Dominus Winery ........................................................... 80 3.2. Álvaro Siza Vieira – Adega Mayor ..................................................................... 99 3.3. Menos é Mais – Adega Quinta do Vallado ...................................................... 118 4. Trabalho prático ..................................................................................................... 139 5. Conclusão .............................................................................................................. 153 Referências ............................................................................................................. 155 Bibliografia .............................................................................................................. 161 Apêndices .................................................................................................................. 163 Lista de apêndices ...................................................................................................... 165 Apêndice A ............................................................................................................. 167 Apêndice B ............................................................................................................. 171 A arquitectura na enologia 1. INTRODUÇÃO O tema escolhido para investigação, que resultou na presente dissertação de mestrado, surgiu na sequência do trabalho desenvolvido na unidade curricular de Projecto, no último ano do curso ao abrigo do programa Erasmus em Espanha, cuja proposta envolveu a reconversão de uma adega, complementada por um programa enoturístico. A temática, pouco comum no âmbito da arquitectura, suscitou interesse e a decisão de a estudar prendeu-se com o facto de ser, precisamente, uma área pouco explorada. Projectar uma adega, baseada em princípios que não se limitam meramente às técnicas de produção, é uma prática recente. A partir desta afirmação, a presente investigação procura abordar as questões pertinentes ao entendimento da temática de um modo objectivo. A decisão de delimitar a história do vinho e das adegas ao contexto nacional deveu-se ao facto de ser um assunto extenso, tanto a nível temporal como espacial, daí a determinação de abordar apenas o que se entendeu ser pertinente para contextualizar o tema. Tal como as referências da arquitectura do Enoturismo foram escolhidas por ilustrarem o que caracteriza o conceito português, comparativamente ao conceito espanhol, através de obras de arquitectos cujo trabalho é mais ou menos conhecido, mas que são o resultado desta imagem moderna da adega. As obras de referência em Portugal apresentadas são apenas alguns exemplos do conjunto de edifícios construídos sob esta temática, contudo são os que entendemos ser a adequação correcta entre o conceito e o espaço ao território, tirando partido do uso de variadas técnicas de construção e aplicação de materiais, integrando a tradição e a tecnologia. Numa primeira parte, uma breve introdução histórica contextualiza a produção e comercialização do vinho em Portugal, referindo factos como a importância da exportação, os contributos para a economia e o consequente desenvolvimento de regiões como o Douro. No subcapítulo seguinte, é feita uma descrição do processo de vinificação de modo a compreender melhor o funcionamento de um edifício com esta tipologia específica e alguns exemplos referentes à arquitectura popular nas regiões agrícolas portuguesas. O final do capítulo pretende caracterizar a adega na actualidade, e ainda a sua importância e incorporação no conceito do turismo ligado ao vinho. O espaço dedicado à produção de vinho passou por várias etapas, através de variadas tipologias construtivas. E é a partir do percurso tipológico da adega ao longo dos tempos que chegamos ao tema central do trabalho, a definição de um Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 27 A arquitectura na enologia espaço que actualmente tem um carácter contemporâneo, depois de ter sido vernacular, rústico e industrial. E ainda relativamente à sua apropriação, a partir de uma abordagem turística, promovendo um vinho, uma marca e um território. Efectivamente, a arquitectura transforma-se num elemento igualmente promocional, articulando uma série de componentes que se definem como Enoturismo. No terceiro capítulo as três obras analisadas são o reflexo desta adaptação de um espaço que deixa de ser puramente industrial para passar a ser visitável e fruível. A selecção dos casos de estudo baseou-se no facto de serem três referências relevantes na divulgação da arquitectura aplicada à produção de vinho, uma nos Estados Unidos e duas em Portugal: a precursora Dominus Winery, em Napa Valley, California, da autoria dos arquitectos suíços Herzog & de Meuron, construída em 1995; a Adega Mayor no Alentejo, projectada por Álvaro Siza Vieira em 2007; e a Adega da Quinta do Vallado, no Douro, pela dupla Menos é Mais. Por fim, o quarto capítulo apresenta o trabalho realizado em Proyectos 4, na Universidad Politécnica de Valencia, cujo projecto propunha um Centro Enológico, inserindo-se deste modo na temática abordada na presente investigação. O respectivo programa compreendia a reconversão de uma adega existente e espaços de lazer e alojamento, no âmbito do Enoturismo. A articulação entre o trabalho de pesquisa e o trabalho prático foca-se essencialmente na análise da adega e no (re)tratamento do espaço de produção/armazenamento, preterindo os restantes espaços de maior carácter turístico nos exemplos apresentados e nos casos de estudo. De facto, houve uma intenção de evidenciar a arquitectura dos espaços dedicados à elaboração de vinho, daí ter-se dado menos destaque aos espaços complementares, embora relacionados com o tema, como hotéis e restaurantes. Deste modo, tendo as recentes obras como materialização deste novo conceito, podemos afirmar que, actualmente, o processo da elaboração do vinho é a única regra que se impõe, deixando o restante afecto à intervenção do arquitecto, que actua com base numa preocupação pela qualidade deste tipo de espaço que antes não existia. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 28 A arquitectura na enologia 2. HISTÓRIA, VINHO E ADEGAS 2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA “A produção vitivinícola, cuja dimensão temporal se estende por milénios, cruza diversas esferas culturais e sociais do Homem, ao mesmo tempo que é acompanhada pela História da Arquitectura.” (Margarido1, 2009, p. 3) A história do vinho português remonta ao ano 2000 a.C. com o cultivo da vinha na região do Vale do Tejo e Sado. A passagem dos romanos pela Península Ibérica contribuiu bastante para o desenvolvimento do fabrico do vinho, através de técnicas, materiais e conhecimentos, alguns deles ainda hoje preservados e utilizados em algumas zonas. Aliás “[...] foi com os romanos, profundamente letrados nas principais técnicas agrárias, que se generalizou a cultura do vinho e da vinha no Alentejo.” (Vinhos do Alentejo, 2011). A produção e o consumo fizeram parte da história do país desde essa época, no entanto ganharam uma nova dimensão com os Descobrimentos, que transformaram Portugal num importante centro de distribuição, permitindo levar o produto nacional ao resto do Mundo, cuja fama e procura de então prospera até aos dias de hoje. No século XVIII o vinho do Porto torna-se o mais popular, principalmente em Inglaterra. As exportações aumentam significativamente, pelo que em 1703 é assinado, entre os dois países, o Tratado de Methuen, que procurou regulamentar as trocas comerciais, protegendo o produto com taxas aduaneiras preferenciais. Nesta altura, para além dos vinhos do Douro, eram igualmente exportados, para países como a América do Norte, França e Brasil, vinhos da Bairrada, de Carcavelos ou da Madeira. Em meados do século o sector ultrapassou uma situação menos favorável, devendo-o à Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro ou Real Companhia Velha2, fundada por Marquês de Pombal em 1756. A Região do Douro é por esta altura nomeada a primeira região vitivinícola demarcada a nível mundial (Ilustração 1). 1 Raquel Margarido, arquitecta pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, autora da dissertação de Mestrado Adegas contemporâneas : um novo discurso na arquitectura vernacular ou o boom do eno-arquitecturismo? (2009). 2 A Real Companhia Velha (1756 – 2002) é considerada a empresa, dedicada à defesa da qualidade do Vinho do Porto, mais importante a nível nacional e a mais ampla a nível cronológico, não comparável a nenhuma outra companhia na História do Portugal Contemporâneo, de tal forma que ainda hoje mantém a denominação e marca. Foi a companhia pombalina que mais resistência criou, por parte dos populares e a que mais ataques, por parte dos comerciantes ingleses sofreu. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 29 A arquitectura na enologia Embora a produção de vinho no país não se limitasse ao Douro e se fizesse representar através de outras regiões, distintas no tipo de solo, no tipo de plantação e naturalmente, no tipo de vinho. No entanto, o Porto foi um importante centro de distribuição do produto, cujo transporte fluvial se fazia nos barcos rabelos 3 (Ilustração 2). Curiosamente há registo de exportação para Inglaterra, muitos anos antes, de Moscatel de Setúbal, em 1381. Ilustração 1 – Paisagem vinícola do Douro. (Sousa, 2005, p. 51) Apesar da cultura do vinho ser comum de Norte a Sul do país, a identidade própria do Douro, pela paisagem, pela localização e consequente projecção comercial, levou a região a ser alvo de elevado interesse. Foi igualmente importante no contexto socioeconómico em Portugal, na perspectiva da população que contribuiu para o desenvolvimento do território, lutando pela subsistência, contra as adversidades do local, através dos meios que dispunham. O reconhecimento das características ímpares das vinhas cultivadas em socalcos e do património construído vernacular resultaram na classificação do Douro como Património da Humanidade, dada em 2001 pela UNESCO. 3 Rabelo é a designação da embarcação fluvial destinada ao transporte das barricas de vinho. Construído em madeira, tinha influências nórdicas. Tinha cerca de 20 metros de comprimento, o fundo era chato, não tinha quilha e navegava com uma vela apenas, de forma quadrangular. Fazia a ligação entre as quintas produtoras ao longo do Douro e o Porto e Vila Nova de Gaia. Com o surgimento da linha no final do século XIX e mais tarde com a rede rodoviária o transporte fluvial nestes barcos caiu em desuso, sendo os que actualmente ainda existem apenas usados para fins turísticos. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 30 A arquitectura na enologia Ao longo da história, as salas das barricas ou caves assumem-se espaços com características singulares, alvos de interesse devido à atmosfera que proporcionam e à história e cultura que carregam (Ilustração 3). Lugares que se podem apelidar de místicos, como por exemplo neste texto do início do século XX, retirado de O Douro. Principaes Quintas, Navegação, Culturas, Paisagens e Costumes, em que Manuel Monteiro4 descreve o início do empreendimento da Real Companhia Vinícola, situado “[...] no alto de Gervide5, tranquilo platô da velha serra de Quebrantões, entre umbelas verdes de pinheiros e com vistas para colinas alegres” como sendo “labiríntico o traçado, grandioso o projecto, estrepitante a faina das edificações que dentro em pouco se mostraram como a mais vasta armazenagem e a mais completa oficina do comércio vinícola português” (2005, p. 145), destacando a dimensão do mesmo como “Verdadeiramente monumentais os armazéns causam, com efeito, a admiração de quantos os visita, porque nada esqueceu, nada lhes falta e tudo se encontra na ampla área dos 60 000 metros quadrados que ocupam.” (Monteiro, 2005, p. 145). O autor faz referência às visitas, assinalando o facto de estas já se fazerem por esta altura, por parte de “todos os que se importam com a economia nacional e especialmente se interessam pelos vinhos do Douro” (Monteiro, 2005, p. 145), Num armazém destinado aos vinhos durienses relata a primeira impressão como sendo “subjugante em face da colossal aglomeração de vasilhas que se espraiam, ordenadas em extensas fileiras, arruando, sobrepostas e empilhadas por entre sólidas colunas de ferro que sustentam os vigamentos dos pisos superiores.” (Monteiro, 2005, p. 146). Com uma linguagem característica do século XX, este crítico caracteriza os espaços de um modo poético e detalhado, referindo-se às caves e à disposição linear das barricas: Essas oito mil urnas vinárias, empardecidas e até bolorentas, em rimas horizontais, que formam o ingentíssimo depósito de uma omnipotente soberania comercial de quem todas as encostas de uma abençoada terra vinhateira são tributárias, […] guardam em si todas as nuances do aroma, da cor e do gosto do mais apreciável néctar mundial, gerado aliás numa zona acidentada e áspera da velha Lusitânia. (Monteiro, 2005, p. 146) 4 Manuel Monteiro (1879 – 1952). Natural de Braga, estudou Direito em Coimbra. Republicano, torna-se o 1º Governador Civil de Braga, após a Revolução de 5 de Outubro de 1910. Arqueólogo e etnógrafo. Foi Ministro da Justiça do governo de Bernardino Machado, em 1914 e de novo em 1917. Dedicou-se ao estudo da arquitectura românica em Portugal, como crítico e historiador de arte, publicando vários livros sobre o tema. 5 Gervide é uma localidade pertencente ao concelho de Vila Nova de Gaia. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 31 A arquitectura na enologia Caracteriza as cubas maiores e o seu “feitio de cone truncado, emborcando cada uma entre cem e cento e cinquenta pipas e originando todas um peso brutalíssimo só capaz de sopesar-se com a possante e inesquecível musculatura metálica que lhes é inferior” (Monteiro, 2005, p. 146), assim como o sistema pelo qual se faz o seu enchimento, acrescentando que “há um terceiro andar aonde é levado o líquido que os abastece, derivando também secretamente por um perfeito sistema de veias condutoras, onde o vinho decorre ao abrigo da acção directa do ar.” (Monteiro, 2005, p. 147). Referindo-se às caves, onde em estantes repousam as garrafas de vinho espumante, o autor comenta: Dentro dessa formidável galeria subterrânea, que tem 429 metros de extensão e se abre ao fundo da Avenida Vilar de Allen, fora da acção da luz, sob uma temperatura perenemente baixa e uma atmosfera constantemente húmida, vai-se operar a transformação prodigiosa de um líquido branco opaco, insípido e até desagradável numa bebida límpida, efervescente, deliciosa… (Monteiro, 2005, p. 148) Ilustração 2 – Transporte de vinho em barricas num barco rabelo no Rio Douro (Sousa, 2005) Ilustração 3 – Cave com pipas de vinho (Sousa, 2005) Em meados do século XIX, grande parte das vinhas foram devastadas por uma série de pragas, que atingiram a Europa. Com a necessidade de recuperar toda a produção, o sector desenvolveu-se, renovou os métodos de plantação, introduziu novas castas e a área de vinha aumentou. “Igualmente a implementação do ensino técnico agrícola Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 32 A arquitectura na enologia em Portugal em 1852, contribuiu para o alargamento dos conhecimentos ligados à vitivinicultura e ao avanço tecnológico nos processos de vinificação.” (Pereira 6, 2007, p. 7) Mais tarde, durante o Estado Novo foi criado um plano económico destinado a regular a produção e comercialização do sector. Passou a ser necessário um organismo de coordenação que orientasse e fiscalizasse os organismos corporativos. Foi criada a Federação dos Vinicultores do Centro e Sul de Portugal7. A importância do vinho na economia portuguesa traduziu-se na vastidão da cultura da vinha e no seu lugar na economia agrária, constituindo uma actividade produtiva fundamental. No entanto, a vinicultura portuguesa sofreu, desde sempre, crises quase permanentes, que assentavam principalmente em causas internas onde predominava a falta de organização ao nível da produção e do comércio. (Federação dos Vinicultores do Centro e Sul de Portugal ao Instituto da Vinha e do Vinho) A criação de adegas cooperativas era assim regulamentada pela Federação, que estabelecia a ligação entre a vinicultura e o poder público. Entretanto esta foi sucedida pela Junta Nacional do Vinho (1937-1986), cuja política de actuação se estendia à produção e ao comércio do vinho. Mais tarde, uma das mudanças associadas à entrada de Portugal na União Europeia foi a reestruturação dos organismos de coordenação económica, o que fez com que a JNV fosse substituída pelo Instituto da Vinha e do Vinho (Portugal, 2014)8. A política de qualidade dos vinhos portugueses foi reforçada com as classificações Denominação de Origem9 e Vinho Regional10, que por sua vez começaram a ser 6 Maria da Conceição Pereira, autora da dissertação de Mestrado em Estudos do Património da Universidade Aberta - Acção e Património da Junta Nacional do Vinho (1937-1986) (2007). 7 "Organização corporativa dotada de grandes meios de acção e crédito para poder retirar do mercado os excessos de produção e armazená-los para anos de escassez substituindo, assim, a especulação e a concorrência por um regime normalizado de preços." (Decreto-Lei nº 23 231, de 17 de Novembro de 1933) 8 Instituto da Vinha e do Vinho - Organismo oficial que coordena e controla a organização institucional do sector vitivinícola, acompanha a política comunitária e prepara as regras para a sua aplicação, audita o sistema de certificação de qualidade, participa na coordenação e supervisão da promoção dos produtos vitivinícolas e é a instância de contacto junto da EU; assegura o funcionamento e preside, através do seu Presidente, à Comissão Nacional da OIV (Decreto-Lei nº 304/86, de 22 de Setembro). 9 Denominação de Origem - Esta designação é aplicável a produtos cuja originalidade e individualidade estão ligados de forma indissociável a uma determinada região, local, ou denominação tradicional, que serve para identificar o produto vitivinícola, sendo considerada a origem e produção nessa região ou local determinado e a qualidade ou características especificas, devidas ao meio geográfico, factores naturais e humanos. Para beneficiar de uma DO, todo o processo de produção é sujeito a um controlo rigoroso em todas as suas fases. As castas utilizadas, os métodos de vinificação, as características organolépticas são apenas alguns dos elementos verificados para a atribuição desse direito cabendo às Entidades Certificadoras efectuar o controlo, de forma a garantir a genuinidade e qualidade dos vinhos. Decreto-Lei nº.212/04, de 23 de Agosto, art. 2º, alínea a). (Portugal, 2014) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 33 A arquitectura na enologia regulamentadas pelas Comissões Vitivinícolas Regionais11, que têm um papel fundamental na preservação da qualidade e do prestígio dos vinhos portugueses.” (Portugal, 2014). Neste momento o país tem reconhecidas 33 DO e 8 Indicações Geográficas12 (Portugal, 2014). No âmbito da promoção turística de determinada região e do tipo de vinho específico de cada uma existem outros importantes instrumentos de organização – as Rotas do Vinho. Neste momento existem onze13, distribuídas pelas várias regiões demarcadas, do Minho ao Alentejo. São na maioria zonas rurais, zonas de um interior naturalmente afastado da modernidade, que se vêm dinamizadas através destes percursos de promoção e divulgação turística, de incentivo ao conhecimento do vinho, das adegas, assim como à descoberta do território, das tradições e cultura próprias de cada local (Portugal, 2014). SITUAÇÃO ACTUAL - ENOTURISMO Enoturismo, Turismo do Vinho ou Turismo Enológico são termos relativamente recentes. O conceito junta o turismo à indústria de produção de vinho e tem vindo a ganhar relevância desde o século XX. Para além da França, Espanha e Itália, no berço do vinho que é a Europa, fazem parte do conjunto das regiões vitivinícolas mais conhecidas a nível mundial países como a Argentina, o Chile, a Austrália e a África do Sul. Assim como os “[...] Estados Unidos detêm a liderança em termos de produção, apesar de concentrada na Califórnia.” (Margarido, 2009, p. 24), detêm igualmente a maior projecção no turismo do vinho. No entanto em Portugal a introdução deste conceito tem poucos anos, apesar do país possuir as condições necessárias para ser associado a este tipo de turismo. A Carta Europeia do Enoturismo, que o define como sendo "[...] todas as actividades e recursos turísticos, de lazer e de tempos livres, relacionados com as culturas, materiais e imateriais, do vinho e da gastronomia autóctone dos seus territórios." 10 Vinho Regional - Menção tradicional especifica prevista para a rotulagem dos vinhos com direito a indicação geográfica. A referência a esta menção dispensa a utilização de Indicação Geográfica Protegida (IGP). Decreto-Lei nº.212/04, de 23 de Agosto, art. 8º, alínea b). (Portugal, 2014) 11 Comissões Vitivinícolas Regionais - associações interprofissionais regidas por estatutos próprios. 12 Indicação Geográfica - Designação é aplicável a produtos com direito a indicação geográfica produzidos numa região específica cujo nome adoptam, elaborados com, pelo menos, 85% de uvas provenientes dessa região e de castas previamente estabelecidas. À semelhança dos vinhos com denominação de origem, são controlados por uma entidade certificadora. Decreto-Lei nº.212/04, de 23 de Agosto, art. 2º, alínea b). (Portugal, 2014) 13 Rota dos Vinhos Verdes, Rota do Vinho do Porto, Rota do Vinho do Dão, Rota da Vinha e do Vinho do Oeste, Rota dos Vinhos do Alentejo, Rota da Vinha e do Vinho do Ribatejo, Rota do Vinho da Bairrada, Rota das Vinhas de Císter, Rota dos Vinhos da Beira Interior, Rota dos Vinhos de Bucelas, Colares e Carcavelos e Rota dos Vinhos da Península de Setúbal – Costa Azul. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 34 A arquitectura na enologia (Portugal. Ministério da Economia. Turismo de Portugal, 2014) foi criada em 2006 e veio estabelecer os fundamentos e objectivos de modo a promover um desenvolvimento sustentável entre a defesa e promoção do património histórico, cultural e natural do vinho. Por lo tanto, el turismo de sol y playa va dejando paso a otras clases de turismo que son un reclamo para todos los visitantes, tanto a nivel nacional como internacional. El turismo rural, el cultural y el gastronómico están ganando peso dentro de una de las ofertas turísticas más ricas del mundo. En concreto, una tradición tan arraigada en nuestro país como es la tradición vitivinícola está convirtiendo al sector turístico en un reclamo para todos aquellos que buscan unas experiencias únicas rodeadas de viñedos.14 (Lazo15, 2007, p. 38) Além de poder ser encarado como uma iniciativa para obter benefícios numa adega, transformando-a num produto turístico, deve-se ter em conta a importância de um bom modelo de gestão e um crescimento sustentável. De maneira a respeitar o que está directa ou indirectamente relacionado com a adega, como as questões culturais e históricas. “Consiste en conocer las instalaciones de una bodega y realizar un recorrido por todo el proceso de elaboración del vino, desde la zona de recepción de la uva hasta la planta de embotellado, pasando por las naves de fermentación y crianza.”16 (Lazo, 2007, p. 88) O enoturismo é concebido por um conjunto de actividades que podem incluir uma visita guiada à adega, incluindo zona de produção e caves, vinhas e jardins, alojamento, com ou sem experiências em espaços de lazer e relaxamento, como spas. O vinho pode ser degustado juntamente com a gastronomia regional e adquirido no local, isto é, um restaurante e uma loja são cada vez mais elementos programáticos obrigatórios num projecto que tenha como objectivo dedicar-se a este tipo de turismo. Cada vez es más frecuente que un grupo de personas se acerque hasta las bodegas en plenas zonas rurales, ávida de nuevas experiencias o deseosa de entrar en el 14 "Entretanto o turismo de praia e sol vai perdendo terreno para outros tipos de turismo, que têm igualmente visitantes, tanto a nível nacional como internacional. O turismo rural, cultural e gastronómico está ganhando peso dentro de uma das ofertas turísticas mais ricas do mundo. Ou seja, uma tradição tão enraizada no nosso país como é a tradição vitivinícola está a tornar-se uma preferência para todos aqueles que procuram experiências únicas rodeadas de vinhas" (Tradução nossa) 15 Tese de doutoramento em Engenharia Agrária Gestión del enoturismo en la D.O. Ribera del Duero de España, por Mónica Matellanes Lazo. Universidad de Valladolid, Escuela Técnica Superior de Ingenierías Agrarias, Departamento de Ingeniería Agrícola y Forestal. 2007. 16 "Consiste em conhecer as instalações de uma adega e realizar um percurso pelo processo de elaboração do vinho, desde a zona de recepção da uva até à zona de engarrafamento, passando pelas áreas de fermentação e estágio" (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 35 A arquitectura na enologia atrayente mundo del vino. [...] Vender vino es vender cultura y es vender identidad de un territorio y de un paisaje en estado puro.17 (Lazo, 2007, p.1) Os turistas procuram nos destinos vitivinícolas a autenticidade do consumo de um produto histórico e mundialmente apreciado, aliada ao conhecimento da sua produção. O apreciador de vinho naturalmente torna-se um curioso entusiasta pelo processo que antecede o produto final. O conceito junta cultura, tradição, turismo, gastronomia e arquitectura. De um ponto de vista turístico é importante entender a intenção da visita a determinado destino e os seus atributos chave. Este é um turismo de custo médio/alto e com um determinado tipo de público-alvo, que exige um grau de qualidade elevado. Os produtores encaram o enoturismo como uma forma de gerar lucro e reconhecem o seu potencial económico e turístico. Deixaram de ver desvantagens no facto de a adega se tornar um lugar público, que recebe visitantes e que tem por isso de obedecer a todo um conjunto de normas. De forma a tirarem partido do interesse do visitante, os empresários apostam na promoção dos vinhos que produzem não só através das provas mas também da venda do mesmo no próprio local, tornando-se frequente incluir uma loja da adega, estrategicamente integrada no percurso da visita. [...] a atitude de associar uma produção vinícola com uma arquitectura de referência contendo um quadro histórico próprio, prende-se com a questão do enraizamento de uma determinada produção, ao fazer referência ao seu passado por meio dos seus valores patrimoniais. Nesta perspectiva, a ancoragem histórica de um produto cuja propriedade de origem remonta a uma realidade temporal anterior, aliada ao contributo de uma encenação arquitectónica e de contexto de localização, permite uma valorização instantânea para as massas, bem como um reconhecimento e apropriação imediatos. (Margarido, 2009, p. 32) A relação das componentes económica, turística e cultural resulta numa marca que junta uma empresa produtora de vinho que por sua vez se alia a um arquitecto de renome, cuja criação assume o papel de elemento físico atractivo, para promover um produto. “Architects are being challenged to rethink the winery as a bold contemporary expression of tradition and innovation, agriculture and technology, production and 17 “Cada vez é mais frequente que um grupo de pessoas se dirijam às adegas em plenas zonas rurais, procurando novas experiências e desejosas de entrar no atractivo mundo do vinho. Vender vinho é vender cultura e é vender identidade de um território e de uma paisagem em estado puro.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 36 A arquitectura na enologia hospitality.”18 (Webb, 2005, p. 6). Deste modo, as soluções arquitectónicas tornam-se importantes contributos para a indústria do enoturismo. Given the sophisticated technological equipment required for up-to-date production of quality wine, a customized, attractive design of production facilities makes sense not only in terms of streamlining the operational sequence but also because it permits the winery to project a positive, customer-oriented image.19 (Woschek et al., 2012, p. 23). O turismo relacionado com o vinho e com a visita à própria adega fez aumentar as obras de alteração e ampliação no edifício, por parte das empresas produtoras, para que possam acompanhar o cada vez mais competitivo mundo do enoturismo. O potencial do edificado vitivinícola é notório, "porque as adegas mais antigas são pequenas herdades e quintas com extraordinários edifícios com as mais variadas dimensões, uns mais rústicos, outros mais nobres, mas todos com características únicas e extremamente vincadas [...]” (Serra, 2013, p. 19). A diversidade topográfica e climatérica, os diferentes tipos de solos e as singularidades de cada região reúnem as condições que tornam Portugal um país de preferência deste tipo de produto turístico. “Não é por acaso, que na última década, e em diversas latitudes, vários produtores de vinho “de autor” atribuíram aos seus escaparates produtivos essa distinção, confiandoos ao desenho de outros “autores” renomeados.” (Grande20, 2007, p. 13) Ao percorrer o universo vinhateiro pelo mundo, recolheu-se uma selecção de exemplos diversificados e ilustrativos de adegas contemporâneas, que captaram a atenção essencialmente graças à sua arquitectura distinta, que incluem no seu interior para além do espaço de produção um outro de carácter social, que abraça o visitante numa perspectiva de revelação, o que gera de alguma forma uma relação especial entre o homem, o lugar e o processo de fabrico nas suas formas mais essenciais. (Serra, 2013, p. 21) Os dois mundos distintos do vinho e da arquitectura encontram assim nesta temática, pontos de convergência, que propõem dois objectivos: “[...] drawing architects into the fascinating world of viniculture, and giving vintners and wine-estate owners the opportunity to discover the exciting and rewarding possibilities of contemporary architecture in the world of wine”. (Woschek, 2011, p. 7). 18 “Os arquitectos têm sido desafiados a repensar a adega como uma expressão contemporânea arrojada de tradição e inovação, agricultura e tecnologia, produção e estadia.” (Tradução nossa) 19 “Dado o sofisticado equipamento tecnológico necessário à, cada vez mais moderna, produção de vinho de qualidade, o design das instalações de produção personalizado e atractivo faz sentido não só em termos de simplificação da linha operacional mas também porque permite que a adega projecte uma imagem positiva e orientada ao cliente.” (Tradução nossa) 20 Nuno Grande (1966 - ). Arquitecto, licenciado pela Universidade do Porto em 1992. Docente no Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra desde 1993. Crítico de arquitectura, tem vários textos publicados. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 37 A arquitectura na enologia No próximo capítulo a dimensão arquitectónica no enoturismo terá uma abordagem mais profunda, desde a compreensão do processo de vinificação a uma análise histórica da caracterização da adega da tipologia popular à industrial, em Portugal. A introdução deste conceito é relativamente recente, no entanto já causou impacto suficiente para mudar a ideia, principalmente, visual da adega. Em termos cronológicos o tema do vinho é bastante mais abrangente no turismo que na arquitectura, logo é na contemporaneidade que assentam as bases das referências actuais, exploradas mais à frente na presente dissertação. 2.2. O VINHO E A ADEGA VINHO – O PROCESSO “The basic principle of winemaking has not changed substantially since ancient times, when people crushed grapes by stomping on them with their bare feet.”21 (Woschek et al., 2012, p. 20). O vinho “É o produto obtido pela vinificação/fermentação alcoólica, total ou parcial de uvas frescas, provenientes de vários tipos de castas22 (Vitis Vinifera), cujos bagos são esmagados, prensados ou transformados por outros processos tecnológicos permitidos por lei.” (Portugal, 2014) Para além do sumo extraído da uva e do álcool o vinho é composto por diversos ácidos, taninos23 e vitaminas. Depende das características físicas, químicas e biológicas do solo em que é plantada a vinha. Assim como na arquitectura o edifício depende da composição do terreno em que é construído. “[…] no conjunto, topografia, orografia, geologia, pedologia, drenagem, clima, casta, intervenção humana, são factores que influenciam a produção de vinho, isto é, o seu Terroir24.” (Serra25, 2013, p. 15). Portugal, sob o clima temperado mediterrâneo, oferece as melhores condições para a produção de vinho, sendo que 21 “O princípio básico da vinificação não mudou substancialmente desde os tempos antigos, quando as pessoas esmagavam as uvas ao pisá-las com os pés descalços.” (Tradução nossa) 22 Casta - Nome usado para designar as videiras que apresentam um conjunto de características comuns; também é o usado o termo variedade. Uma mesma casta em solos e climas diferentes origina vinhos diferenciados, sendo que alguns componentes aromáticos próprios da casta se mantêm. (Portugal, 2014) 23 Taninos - Elementos da maior importância na qualidade dos vinhos, são responsáveis por algumas das suas características organolépticas. Pertencem ao grupo dos polifenóis (matérias corantes de sabor amargo que influenciam a estrutura do vinho) e estão presentes não só nas uvas (películas, engaços e grainhas), mas também nos barris de madeira onde o vinho estagia. Os taninos conferem ao vinho potencial de envelhecimento, estrutura, corpo e sabor. (Portugal, 2014) 24 Terroir - Termo de origem francesa que traduz a influência de diversos factores na qualidade das uvas das vinhas: solos, clima ou microclima, casta, meio ambiente, etc. (Portugal, 2014) 25 Maria do Rosário Serra, arquitecta pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, autora da dissertação de Mestrado Eno Arquitectura – Adegas Contemporâneas (2013). Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 38 A arquitectura na enologia dispõe de catorze regiões vitivinícolas26, divididas ao longo de 237.786 hectares de superfície do continente e ilhas (Ilustração 4). São de referir igualmente as “[...] grandes virtudes do vinho português, que são a diversidade de castas (Portugal é o país com mais castas no mundo), a tradição dos vinhos de lote e a ligação do vinho a uma paisagem e a uma cultura distintas.” (Garcias, 2010). Ilustração 4 – Regiões vitivinícolas e respectivas regiões de Denominação de Origem (DO). (Portugal, 2014) Separados pela região onde são produzidos, os vinhos resultam das diversas castas, cujas características variam consoante os solos e o clima de cada zona. (Re)Conhecido pelas suas particularidades, o Douro “Não se trata só de um vale dramaticamente entalado entre ríspidas encostas.”, cuja “[...] constituição do solo de xistos e a feição do relevo determinam as possibilidades de tipos únicos de cultivo, em 26 Minho/Vinho Verde, Trás-os-Montes, Douro, Terras de Cister/Távora-Varosa, Bairrada/Beira Atlântico, Terras do dão, Beira Interior/Terras da Beira, Lisboa, Tejo, Península de Setúbal, Alentejo, Algarve, Madeira e Açores. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 39 A arquitectura na enologia que, desde as hortaliças ao vinho, ao azeite e às frutas, o padrão atingido é o do excepcional.” (Antunes et al., 1988, p. 187) O cultivo da vinha no Douro está sob a influência de variados aspectos que o tornam único e especial, daí ser reconhecido mundialmente. Desde a riqueza de castas, algumas centenárias, à exposição solar devido às encostas e respectivos declives e orientações, das diferenças de altitude à forma como as filas de videira são plantadas, numa paisagem domada e moldada pelo homem ao longo do tempo. [...] as encostas já não são simples encostas de elevações imponentes: tabuleiros sucessivos de verdura, sustidos por muros de pequenas pedras, dão conta duma obra paciente, persistente e hercúlea, a que os olhos nunca se acostumarão, porque a sensação de respeito persistirá com o hábito. (Antunes et al., 1988, p. 188) Igualmente histórico, herdado da civilização romana, o cultivo da vinha no Alentejo é dos mais importantes para o país. Sob a política do Estado Novo perdeu vastas áreas de vinha para os campos de trigo e centeio, restabelecendo-se mais tarde e através de um forte movimento associativista. Nasceram daqui as adegas cooperativas que revitalizaram o vinho alentejano, empresas que aliam a tradição à tecnologia mais actual. Caracterizado pelas planícies a perder de vista, o Alentejo, ao contrário da inevitável limitação de crescimento do Douro, assiste constantemente ao aparecimento de novas áreas nunca exploradas para a produção de vinho. A evolução do sistema de rega fez com que este desenvolvimento seja possível, combatendo as desvantagens do clima seco. De facto, “A influência romana foi tão peremptória para o desenvolvimento da viticultura alentejana que ainda hoje, dois mil anos após a anexação do território [...]” (Vinhos do Alentejo, 2011) alguns métodos são preservados. O mais tradicional é a talha de barro27, usada na fermentação de mostos e, posteriormente para armazenagem de vinho (Vinhos do Alentejo, 2011). No entanto, “Portugal ainda não é associado a um país que produz vinhos de alta qualidade, mas o percurso que o sector tem feito nas últimas duas décadas coloca-nos no patamar dos melhores.” (Garcias, 2010), devido ao “[...] investimento tecnológico em adegas, da selecção de castas e da plantação de vinhas [...]” (Garcias, 2010). Regiões estigmatizadas como o Ribatejo, a Estremadura ou o Algarve estão a renascer para os vinhos de qualidade. Outras mais prestigiadas, como o Dão, a Bairrada e os 27 Talha de barro - Recipiente de barro cozido, utilizado no Alentejo para o fabrico do vinho. Estes recipientes bojudos e de vários tamanhos são revestidos no seu interior por pez, para que o vinho não entre em contacto com o barro (infovini). Podiam conter até 2000 litros de mosto, com pesos próximos de uma tonelada e uma altura de quase dois metros (Vinhos do Alentejo, 2011). Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 40 A arquitectura na enologia Vinhos Verdes, atraem cada vez mais a atenção dos principais críticos e publicações internacionais. E da Madeira continuam a sair vinhos fortificados e eternos com adeptos em todo o mundo. Mas os verdadeiros motores do país são o Alentejo e o Douro. (Garcias, 2010) No processo de produção do vinho, a vindima é a primeira e uma das fases mais importantes (Ilustração 5), sendo que a escolha da data tem de ser cuidadosamente determinada consoante o ponto ideal de amadurecimento das castas de modo a garantir a qualidade do futuro vinho (Portugal, 2014). Em vinhas que tenham áreas relativamente pequenas a uva é colhida manualmente, cujo processo apesar de lento é mais selectivo e rigoroso. Vinhas de maior dimensão justificam que o produtor recorra à apanha da uva através de meios mecânicos. Depois de colhidos, os cachos são transportados para a adega e de seguida, na recepção faz-se a pesagem, a uva é escolhida e seleccionada numa mesa (Infovini, 2009). Uma amostragem é analisada pelo laboratório a fim de serem medidas as especificações necessárias (concentração em açúcar, teor alcoólico provável, acidez total, pH). Na adega, é necessário destinar uma zona de cargas e descargas, preferencialmente ampla e de fácil acesso aos veículos agrícolas que fazem o transporte das uvas. Nos projectos mais recentes é cada vez mais frequente identificar a intenção de distanciar a entrada industrial da entrada social, o que dá origem a tipologias reguladas pela organização e disposição de áreas e circulações privadas e públicas. O fabrico do vinho era iniciado na casa dos lagares, onde eram depositados os bagos através de janelas baixas [...]. A primeira operação era a pisa ou corte do lagar, trabalho muito duro em que os homens agarrados em filas esmagavam a uva. Este trabalho era feito à noite, permitindo o repouso do mosto até ao dia seguinte, altura em que os homens (agora cerca de metade) iam novamente para o lagar. (Fauvrelle, 1999, p. 58) A fase que se segue no processo do vinho é a de desengace e esmagamento da uva, em que o engaço28 é separado do bago que por sua vez ao ser esmagado faz com que a película rompa, libertando a polpa e o sumo (Infovini, 2009), e dê origem ao mosto29. Algumas adegas fazem questão de manter o método tradicional do esmagamento da uva com os pés, o chamado pisar da uva, cuja vantagem passa pela “The pressure and the softness of the human foot combined to extract a maximum of 28 Engace - Parte verde e lenhosa do cacho que serve de suporte aos bagos da uva. (Portugal, 2014) Mosto - Sumo da uva que não sofreu fermentação. (Portugal. Ministério Da Agricultura E Do Mar. Instituto Dos Vinhos Do Douro E Porto (2014)) 29 Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 41 A arquitectura na enologia fruit, colour and tannins from the grapes.”30 (Woschek et al., 2012, p. 47). No entanto esta técnica está a cair em desuso, a escolha de meios mecanizados de esmagamento da uva recai sobretudo nas vantagens que esta apresenta em termos de produtividade e eficiência, assim como de higiene. Embora “It soon became clear, however, that the new technology did not produce the same concentrated, balanced, richly fruity wines as before.”31 (Woschek et al., 2012, p. 47). O produto resultante – mosto - é seguidamente colocado em cubas de inox32 para dar início ao processo de fermentação33, a fase mais complexa e importante da produção. O sumo da uva é convertido em vinho na primeira parte desta fase - a fermentação alcoólica, ou seja, o processo de transformação do açúcar das uvas em álcool etílico provocado por leveduras34 (Portugal, 2014). Seguidamente é necessário fazer-se a remontagem, que consiste em retirar o líquido através de uma torneira na parte inferior na cuba (Infovini, 2009). Liquido esse que está sob uma acumulação das substâncias sólidas da uva, a chamada manta. Nesta fase o mosto entra em contacto com o ar o que permite fornecer o oxigénio necessário ao desenvolvimento das leveduras. O líquido que se retirou volta a ser introduzido no reservatório a fim de homogeneizar o mosto dentro da cuba, constituindo o circuito da remontagem, que vai ser efectuado várias vezes. A próxima etapa é a fermentação maloláctica, que é provocada por bactérias lácticas que transformam o ácido málico em ácido láctico, que pode ocorrer ainda durante a fermentação alcoólica. Nesta operação diminui-se a acidez do vinho, afina-se a sua expressão aromática e consegue-se uma maior estabilidade na conservação (Portugal, 2014). Depois de terminado o processo de fermentação o vinho é armazenado e inicia o estágio, que pode durar entre seis meses a um ano, ou mais. Esta duração varia consoante o tipo de vinho, se é tinto ou branco, a qualidade do mesmo e o fim 30 “A pressão e a suavidade do pé humano misturadas extraem o máximo de fruta, cor e taninos das uvas.” (Tradução nossa) 31 “Tornou-se claro, no entanto, que a nova tecnologia não produzia os mesmos vinhos concentrados, equilibrados e frutados como antes.” (Tradução nossa) 32 Antigamente os depósitos eram em madeira ou em betão. Algumas adegas continuam a usar as cubas de madeira, chamados balseiros, como é o caso do Vinho do Porto; os de betão caíram em desuso. 33 Fermentação - Transformação produzida por um fermento sobre uma substância orgânica, por vezes acompanhada de despreendimento de gás carbónico, da formação de álcool, de ácidos e de compostos complexos. (Portugal, 2014) 34 Levedura - Trata-se de um fungo microscópico unicelular que se encontra nas películas da uva e que desencadeia o processo da fermentação alcoólica; as leveduras existem nas películas das uvas mas em caso de insuficiência, podem ser inoculadas no mosto para permitir a fermentação. (Portugal, 2014) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 42 A arquitectura na enologia comercial a que se destina. O recipiente de armazenamento mais utilizado é a barrica de madeira, geralmente em carvalho e com a capacidade média de 225 litros (Portugal, 2014). Assim, o vinho é conservado de forma a manter as características e ganhar outras, devido ao contacto com a madeira: “The effect a barrel has on the wine, and the intensity of this effect, is determined by the degree of contact the wine has with the wood of the barrel and by the wood’s aromatic properties, which come from its kind, age and method of toasting.”35 (Woschek et al., 2012, p. 23). O espaço destinado às barricas é normalmente a sala mais característica de uma adega. Sujeita a manter um ambiente específico com graus de temperatura e humidade controladas é, por tradição, construída ao nível do subsolo. Antes de ser engarrafado o vinho tem de passar pela trasfega. Este processo tem a função de separar o vinho, que é extraído da barrica, das partículas que se depositaram no fundo (Infovini, 2009). À operação de eliminação das partículas dá-se o nome de clarificação, embora nem todos os vinhos passem por esta fase. Por fim, o vinho é engarrafado e rotulado. A utilização da rolha de cortiça deve-se às suas propriedades de conservação, garantindo a qualidade do vinho, que continua a amadurecer na garrafa. O processo de produção de vinho pode variar, do branco para o tinto, do rosé para o espumante. Foi feita uma descrição das fases mais importantes, comuns a quase todos os tipos de vinho. Cada etapa exige um determinado espaço e o seu desempenho industrial obedece a uma série de normas e condições. E apesar disso a inovação e o interesse pela valorização destes edifícios contornam a arquitectura meramente funcional, explorando formas de elevar a experiência de visitar uma adega e percorrer a história do vinho através de uma obra ímpar. O conhecimento deste conjunto de etapas é importante na medida em que há um circuito a cumprir, quase como uma linha de montagem. Para definir os espaços é crucial saber detalhadamente o tipo de função que cada um vai desempenhar, assim como as dimensões e os tipos de materiais adequados. O capítulo seguinte é por isso dedicado às adegas. 35 “O efeito que uma barrica tem no vinho, e a intensidade desse efeito, é determinado pelo grau de contacto que o vinho tem com a madeira da barrica e com as respectivas propriedades aromáticas, que derivam do tipo, idade e método de torrefacção”. (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 43 A arquitectura na enologia Ilustração 5 – Processo vinificação. (Ilustração nossa, 2014). ADEGA – O ESPAÇO As primeiras tipologias relativas aos espaços dedicados ao vinho surgiram através das villas Romanas, que provaram que desde sempre o Homem dedicou uma parte do próprio espaço habitacional ao fabrico e armazenamento do vinho, reconhecendo-o como um bem valioso. Na Idade Média a produção de vinho era uma das principais ocupações do clero, pelo que os espaços dedicados à mesma se associaram aos mosteiros. A construção vitivinícola teve maior expressão em França: “O château afecto à vitivinicultura não encontra precedentes históricos pelo facto de que ousa pela primeira vez exprimir a autonomia edificatória desta actividade enquanto exterioriza uma vocação que pretende ir além do nível funcional.” (Margarido, 2009, p. 13) (Ilustração 6). No corpo de uma construção rural estão sempre expressos os factores humanos e naturais que, conjugados, lhe deram origem. [...] a casa, o moinho, a capela ou a adega manifestam o vínculo que os liga aos valores tradicionais, à economia ou às condições ecológicas. (Antunes et al., 1988, p. 211) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 44 A arquitectura na enologia Ilustração 6 – Garrafeira no Château Lafite Rothschild em Pauillac, Médoc, França.36 (Woschek et al., 2012, p. 17) Portugal tem um historial de arquitectura vitivinícola de maior carácter vernacular. Até ao século XX a adega era apenas uma estrutura secundária de apoio à moradia, que servia de apoio à prática da agricultura, cujo agricultor era igualmente o produtor e, porventura, o único consumidor. “A Arquitectura do vinho, embora sempre localizada em estruturas habitacionais, foi constantemente reconhecida e valorizada ao longo da sua história, devido à importância que a Cultura do Vinho adquiriu ao longo de várias décadas.” (Silva37, 2012, p. 70). As construções rurais eram feitas à medida das necessidades e resultavam da manufactura e do uso de materiais locais e técnicas artesanais. A arquitectura vernacular desenvolveu tipologias distintas ao longo do país, no entanto a presença de uma unidade vinícola ligada à habitação é comum a várias, nomeadamente as regiões do Douro, Estremadura, Ribatejo e Alentejo. Nos levantamentos de tipos de casas de arquitectura popular é possível verificar que, em diversas situações, nas construções era dada prioridade à produção agrícola, dedicando todo o rés-do-chão aos animais e aos produtos resultantes das explorações. Em Portugal, embora se verifique vestígios de adegas romanas e monásticas, é nas adegas tradicionais onde se assenta a história da arquitectura do vinho portuguesa. Estas estruturas habitacionais e agrícolas de pequena escala, continham apenas dois a 36 Datada do século XIX, esta garrafeira armazena mais de 20 000 garrafas, cujos vinhos mais antigos são de 1797. 37 Rita Silva, arquitecta pela Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada do Porto, autora da dissertação de Mestrado O fabrico do vinho como acto de criação – Melgaço na Rota do Enoturismo (2012). Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 45 A arquitectura na enologia três espaços vitivinícolas, o do lagar, o da adega e o das cubas, uma vez que a produção de vinho era escassa e apenas para consumo próprio, devido aos poucos recursos económicos da população. (Silva, 2012, p. 70) Diferenciando-se das tipologias representativas das regiões Norte do país, cujas casas apresentam normalmente dois pisos (Ilustração 7), o exemplo desta casa tipicamente ribatejana de um piso apenas, localizada em Santarém, ilustra a importância do espaço destinado à adega, cuja dimensão é maior que qualquer outro compartimento (Ilustração 8). Identificamos a adega pela representação em planta das barricas de diferentes tamanhos, e do lagar38, junto às paredes exteriores. A preocupação funcional, da “janela da entrada da uva vindimada e pela larga porta da saída dos cascos.” (Antunes et al., 1988, p. 200) é evidente e traduz o desenvolvimento tipológico deste tipo de construção. Do construtor rural recebemos o legado do seu engenho e da economia das suas soluções, admiráveis pela sinceridade formal, a coerência entre a construção e o ambiente que a rodeia, a natural compreensão dos valores espaciais e a sua tradição em situações variadas e de elevado sentido estético, em suma, a mensagem duma verdadeira superação, natural e harmónica, das suas necessidades materiais. (Antunes et al., 1988, p. 211) 38 O lagar (espécie de tanque) destinado à pisa da uva era tradicionalmente de granito; mais tarde começaram a ser construídos em betão. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 46 A arquitectura na enologia Ilustração 7 – Casa Minhota. (Moutinho, 1995, p. 54) Ilustração 8 – Habitação em Santarém. (Antunes et al., 1988, p. 200) Não é possível atribuir dimensões fixas a uma adega, as suas características variam consoante uma série de elementos que vão desde a área de cultivo ao volume de produção, do tipo de casa em que está inserida ao local a que pertence. Pode ser uma dependência de uma pequena habitação ou um armazém de área considerável. Inicialmente aparece quase sempre ligada a um ou mais lagares, sendo que mais tarde o espaço passa a ter de albergar os elementos mecânicos, assim como os depósitos. No caso do Douro, da condicionante orográfica nascem construções adaptadas à inclinação, desde as casas aos terrenos de cultivo. As três sub-regiões – Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior – têm as suas especificidades, que se reflectiram no desenvolvimento do ordenamento do território ao longo dos tempos. Na distribuição das construções distinguem-se “[...] as que pertencem à unidade fundamental de exploração agrícola – a quinta -, dos míseros povoados que se escondem pelos barrancos, das povoações marcadas pelo cunho do negócio, até um polvilhar rarefeito de casinhas e casotas [...]” (Antunes et al., 1988, p. 188) junto aos acessos mais próximos. Na descrição da arquitectura característica da produção vinícola desta zona em meados do século XX, em Arquitectura Popular em Portugal, encontramos o Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 47 A arquitectura na enologia confronto entre “o grupo de armazéns onde se faz o bom vinho [...] até ao casarãoarmazém pretencioso, que, patriarcalmente, pontificava às fainas”. (Antunes et al., 1988, p. 193) Estas quintas, dispersas pelas encostas que acompanham o rio são até hoje a imagem das grandes produtoras do vinho do Porto e do Douro. A proximidade da cidade, que por sua vez é o porto das trocas comerciais e a ligação ao exterior, teve influência no desenvolvimento da construção nesta altura, evitando que se limitasse unicamente ao vernacular e aos materiais locais, afastando em certa medida a tipologia de arquitectura popular desta região de outras do país, interiores e alienadas dos centros urbanos. Influência essa “[...] que se sente ou se pressente num certo tipo de rasgamentos, em varandas envidraçadas, no uso da cal, da telha e até da cor, misturados com lousas, chapas de zinco e outros produtos industriais”. (Antunes et al., 1988, p. 192) Em Quintas do Douro – As Arquitecturas do vinho do Porto, de Natália Fauvrelle39 encontramos a definição de quinta, cujo vocábulo “procede do português arcaico quintã que, segundo Alberto Sampaio, juntamente com outras formas de propriedade, como o casal, derivou da desagregação da villa romana, sendo composta por habitações, pomares, terras, soutos, vinhas, etc.” (1999, p. 7). “A particularidade da casa da Região do Douro está em colocar o edifício dos lagares atrás da casa, de modo a que o vinho escorra pela força da gravidade através de caleiras de granito até aos tonéis, depositados no andar de baixo.” (Fauvrelle, 1999, p. 51), sendo que mais tarde estas instalações passaram a estar destacadas da casa, devido à necessidade de espaço de armazenamento, e para além disso “Desta forma era evitada a infiltração do cheiro dos vinhos nas casas [...]” (Fauvrelle, 1999, p. 52). Deste modo a intervenção no Douro, tanto construtiva como em relação ao cultivo, contornou o problema do relevo tirando partido da gravidade. Neste exemplo, a diferença de cotas entre os espaços é visível na planta (Ilustração 9), o que permite que o vinho seja depositado nos recipientes através de caleiras que fazem a ligação entre os lagares e o espaço de armazenamento. Apesar de ser possível usar a madeira na construção de lagares, o mais comum é a pedra. Podem ser de xisto ou granito, sendo o segundo o mais utilizado. 39 Natália Fauvrelle – conclui o Mestrado na área de património e restauro da Faculdade de Letras da Universidade do Porto com a tese Quintas do Douro – As Arquitecturas do vinho do Porto, em 2000. Dedica-se à investigação de temas como o património, a história e a vitivinicultura da região do Douro, sendo autora de várias publicações e colaborando em vários livros. Faz uma Pós-Graduação em Museologia, tendo sido Coordenadora dos Serviços de Museologia do Museu do Douro. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 48 A arquitectura na enologia Ilustração 9 – Exemplo de uma oficina vinária, Douro (Fauvrelle, 1999, p. 54) “Traditionally in Europe winemaking, barrels of wine are stored on a cellar – in other words, underground.” (Woschek et al., 2012, p. 23). E “[...] independentemente do local onde é implantada, “a cave deve ser construída de forma a poder manter-se fresca, limpa e livre de quaisquer cheiros ou humidade, e ao abrigo de ruídos, trepidações ou vibrações” (Margarido, 2009, p. 18 apud Gonçalves, 1984. p. 265). É referida a importância da temperatura do espaço onde o vinho é guardado, que deve ser baixa, assim “[...] a exposição a norte permite fugir do calor excessivo assim como dos ventos mais fortes. Quando tal não é possível é sempre aconselhada a presença de árvores que amenizam as temperaturas.” (Fauvrelle, 1999, p. 57) Além disso deve ser “[...] larga e com pé direito mais elevado, exigido pelo arejamento que os vinhos necessitam. Outro dos cuidados a ter com o vinho é a luz, que não deve ser em demasia.” (Fauvrelle, 1999, p. 57). A presença da luz deve ser controlada, preferencialmente através de aberturas na zona superior da parede, no entanto se for o caso da adega ser enterrada recorre-se apenas à luz artificial, o que se verifica em construções menos antigas. É conhecido por ser um local que necessita de uma humidade relativa, controlada pela pouca entrada de luz que evita o calor e carecendo sempre de ar renovado. As barricas estão dispostas sobre assentos, os chamados Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 49 A arquitectura na enologia canteiros40, que as “[...] elevam para que não apodreçam em contacto com o solo” (Fauvrelle, 1999, p. 57), assim como “[...] para permitir fácil acesso, detectar fugas e evitar transferências bruscas de temperatura.” (Margarido, 2009, p. 22). É comum que a base de suporte de uma fileira de barricas seja uma estrutura que permita empilhálas (Ilustração 10). São espaços simples, as salas de barricas, despretensiosos, que oferecem o protagonismo unicamente aos objectos que guardam o vinho (Ilustração 11). Geralmente, na construção desta época, as salas de armazenamento de vinho das quintas mais importantes, e consequentemente maiores e com melhores condições, são espaços amplos e de pé direito relativamente generoso, cuja cobertura varia, sendo plana ou de duas águas, enquanto os materiais predominantes são o ferro e a madeira (Ilustração 12 e Ilustração 13). Ilustração 10 – Armazém com pipas de vinho (Sousa, 2005, p. 148) Ilustração 11 – Cubas num armazém de vinho (Sousa, 2005, p. 102) Hoje em dia, em construções novas ou em renovações existem preocupações que se mantêm e que são as mesmas de antigamente, pois o processo de vinificação não mudou, apenas se modernizou. Como foi descrito atrás, as diversas etapas do processo de fabrico do vinho exigem espaços com determinadas características. Enquanto a sala de armazenamento pode ser um local quase de repouso, de contemplação, o restante programa de uma adega tem de ser encarado como um edifício industrial. Nas zonas em que estão dispostos os depósitos, em que ocorre o processo de fermentação, a ventilação é um elemento de extrema importância, devido aos gases nocivos que se libertam para a atmosfera. Uma das experiências que retemos de uma visita a uma adega é sem dúvida a memória olfactiva. Principalmente 40 Canteiro: Assento de madeira, pedra ou cimento, disposto no chão das caves ou armazéns, sobre o qual se colocam as vasilhas de madeira. (Portugal, 2014) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 50 A arquitectura na enologia na época da vindima, os odores intensificam-se e é importante que o espaço esteja preparado para deixar entrar e sair o ar. Ilustração 12 – Armazém com pipas de vinho (Sousa, 2005, p. 450) Ilustração 13 – Cubas no piso superior (Sousa, 2005) A circulação é igualmente importante nestes espaços, assim como a “[...] disposição formal dos tanques ou cubas que facilite a manobra de pessoal, maquinaria e elementos circulatórios [...] e pela colocação das prensas em cantos ou espaços periféricos.” (Margarido, 2009, p. 22) Bailey e Baldwin41 consideram que o ponto crítico no planeamento da adega contemporânea passa por definir, em planta, as relações de proporções entre as diferentes áreas. Acrescentam ainda que o agrupamento da zona administrativa, do laboratório e da sala de prova podem ser benéficos para os movimentos e gestão necessária inerentes a esta actividade. (Margarido, 2009, p. 22) Ainda na análise de algumas quintas durienses, Fauvrelle dá-nos a conhecer as alterações que o edifício principal da Quinta do Bom Retiro (século XVIII) sofreu ao longo dos tempos. A adaptação de um espaço de carácter familiar para um espaço empresarial está ilustrada nesta planta de 1994 (Ilustração 14), cujo projecto foi já da autoria de um arquitecto. Várias zonas foram transformadas, incluindo a adega, cujo espaço foi necessário “[...] remodelar de acordo com as novas funções: os lagares são 41 Bailey, Roger; Baldwin, Gary - Winery Design in the 21St Century. The Australian & New Zealand Wine Industry Journal [Em linha]. 17:6. 2007 Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 51 A arquitectura na enologia destruídos para dar lugar às máquinas exigidas pelas técnicas modernas de vinificação. Esta estrutura foi feita para albergar as cubas de cimento e esconder da paisagem as cubas de aço inoxidável.” (Fauvrelle, 1999, p. 127) Ilustração 14 – Planta da casa da Quinta do Bom Retiro, Douro ([adaptação a partir de:] Fauvrelle, 1999, p. 117). Desta forma, é impossível dissociar a quinta da produção vinícola e do Douro, devendo “[...] ser encarada como um documento histórico uma vez que gera em seu redor uma rede de condições naturais e criações culturais, englobando a própria paisagem, que tal como os edifícios, é fruto da acção construtora do homem.” (Fauvrelle, 1999, p. 225). Este conjunto é, por estas razões, incomparável a outros tipos de explorações vinícolas no resto do país. A herança histórica representativa desta região e a carga patrimonial que esta suporta distinguem-na do resto do país, que tem assistido, principalmente a partir do século XIX, ao desenvolvimento de regiões vitivinícolas igualmente seculares, e ao aparecimento de novas, sustentadas pelos avanços da indústria. “Também a renovação tecnológica que se inicia entre os anos 1950 e 1980 vem denegrir a qualidade arquitectónica do património original, conduzindo a um desviar de direcções entre conteúdo e suporte, ou seja, entre vinho e arquitectura.” (Margarido, 2009, p. 15). A forma de construir e produzir mudou com a Revolução Industrial e o Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 52 A arquitectura na enologia vinho passou a ser comercializado em maiores quantidades e, consequentemente, mais acessível. Os produtores passaram a vender e a transformaram-se em empresários em vez de usarem o produto apenas para consumo próprio e venda de pequenas quantidades. O processo do vinho foi igualmente afectado pelas mudanças, assistindo à substituição de técnicas artesanais por máquinas e por exemplo, “[...] da pisa e esmagamento das uvas pela acção humana por esmagadores mecânicos” (Margarido, 2009, p. 19). A construção deste tipo de edifícios, espaços de produção e armazenamento sofreram melhoramentos com a introdução de mão-de-obra qualificada e materiais nobres. Com a industrialização, os sistemas construtivos simplificam-se, o uso de elementos préfabricados aumenta e crescem as empresas que se dedicam ao fabrico e montagem dos mesmos, o que reduz definitivamente, a realização deste tipo de construção in situ. Antes da introdução dos depósitos em aço inoxidável, era a própria estrutura que desempenhava essa função. O vinho fermentava entre paredes de betão. Apesar de estarem em desuso para a produção de vinho, espaços como este, podem ser alvo de reciclagem e dar lugar a espaços destinados a outra função. “Os grandes tonéis e depósitos de cimento que produziram milhões de litros de vinho foram substituídos por cubas de aço inoxidável, sistemas de refrigeração e pipas de carvalho para o envelhecimento do vinho.” (Infovini, 2009) A introdução dos depósitos em aço inoxidável muito contribuiu para mudanças na própria tipologia da adega, por exemplo, devido à sua dimensão era necessário serem colocados num espaço exterior quando o espaço interior não tinha capacidade para os albergar, como na maioria das vezes. Surgiram assim edifícios maiores, armazéns com o pé direito mais generoso ou em alguns casos, apenas estruturas que funcionavam como coberturas aos conjuntos de depósitos, deixando-os em parte, no exterior. A partir de 1960 a maioria das obras deste carácter são de ampliação e reestruturação de edifícios já existentes de empresas estabelecidas e cooperativas em expansão. Desta situação resultam tipologias pouco variadas, o que se traduz em edifícios de pouco interesse a nível arquitectónico. O melhoramento de alguns materiais ou técnicas de construção faz com que as diferentes partes do edifício, entre fundações, estrutura, vãos, coberturas e acabamentos evoluam de forma independente, o que pode dar origem a combinações dissonantes. “In these interventions, functionality was Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 53 A arquitectura na enologia the top priority, and results did not always blend harmoniously into their surroundings or the regional landscape.”42 (Woschek et al., 2012, p. 18) Apesar da evolução deste tipo de construção as tradições continuam a ser respeitadas, pois a cultura e história do vinho estão demasiado enraizadas no nosso país, por mais modernas que sejam as adegas do futuro. Hoje em dia podemos verificar que várias empresas de produção de vinho mais antigas mantiveram o edifício original, assim como algumas técnicas de produção e armazenamento tradicionais. Enquanto certas quintas vinhateiras optaram por manter, por exemplo, as caves de barricas intactas desde há décadas, preservando o espaço original, outras apostaram em intervenções contemporâneas no pré-existente ou em edifícios inovadores construídos de raiz. As adegas estão em transformação e já não há lugar para o pó nem para as teias de aranha. Autênticos laboratórios, regem-se por rígidas regras de laboração e de higiene. Obedecem a uma ciência apurada de dosagem, regulação de temperatura, acelerada ou lenta, mais ou menos química. Em alguns casos, uma adega é um espaço de verdadeira alquimia. (Castanheira43, 2014) Na segunda metade do século XX as principais empresas portuguesas investiram no melhoramento das instalações, construindo edifícios maiores e com novas preocupações funcionais, de acordo com as exigências da tecnologia em desenvolvimento. Exemplo disso foi a Sogrape Vinhos S.A., fundada em 1942 e produtora do vinho português mais internacional – Mateus Rosé – cujo volume crescente de produção nos anos 60 obrigou ao aumento das instalações. “[...] a construção das modernas instalações de Avintes constituía um momento histórico de profunda transformação das estruturas produtivas da Sogrape.” (Sogrape Vinhos, 2014). O edifício ficou concluído em 1967 e tinha “[...] capacidade de armazenamento para 19 milhões de litros e com seis modernas linhas de engarrafamento que atingiam a produção de 200 mil garrafas por dia.” (Sogrape Vinhos, 2014). É possível identificar características formais usadas de forma corrente na época, como é o caso da 42 “Nestas intervenções, a funcionalidade era a principal prioridade e os resultados nem sempre se misturavam harmoniosamente com a envolvente ou com a paisagem local.” (Tradução nossa). 43 Carlos Castanheira (1957 - ). Arquitecto português. Natural de Lisboa, estudou na Escola Superior de Belas Artes da Universidade do Porto entre 1976 e 1981. Em 1993 criou o escritório de arquitectura Carlos Castanheira & Clara Bastai, Arquitectos Lda juntamente com a arquitecta italiana Maria Clara Bastai. Ainda como estudante inicia a colaboração com o arquitecto Álvaro Siza, principalmente em projectos internacionais. Participa em júris de concursos de arquitectura, conferências, organiza exposições. É responsável pela coordenação das actividades da Casa da Arquitectura. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 54 A arquitectura na enologia cobertura inclinada em sistema shed44, comum a muitas construções industriais (Ilustração 15). Ilustração 15 – Centro de vinificação Sogrape Vinhos S.A. (Sogrape Vinhos, 2014) A casa José Maria da Fonseca45 é uma referência na história do vinho em Portugal, fundada em 1834, é a empresa mais antiga na produção de vinhos de mesa (Ilustração 16). Divide-se em duas unidades distintas: o edifício original – a Casa Museu - em Vila Nogueira de Azeitão, uma construção do século XIX que mantém as antigas caves onde estagiam os vinhos e os moscatéis mais distintos da marca (Ilustração 17); mais afastado do interior da Vila e junto das vinhas, localiza-se a unidade industrial responsável por toda a produção dos vinhos da empresa, o Centro de Vinificação Fernando Soares Franco (Ilustração 18), inaugurado em 2001. A área coberta de 9000 m2 abriga o programa destinado à produção de vinho, com capacidade para 6,5 milhões de litros. O mesmo espaço é partilhado pela mais avançada maquinaria e pelos métodos tradicionais, através de lagares e prensas verticais datadas do século XX. O reconhecimento da empresa que é hoje uma 44 Tipo de cobertura utilizada em edifícios industriais, cuja estrutura inclinada – ou em forma de “serrilha” permite iluminar espaços amplos, através de luz zenital. 45 José Maria da Fonseca (1804 - 1884). Natural da região do Dão, formou-se em Matemática na Universidade de Coimbra, estabelecendo-se depois em Vila Nogueira de Azeitão onde funda a empresa com o seu nome, em 1834. Contribuiu com inovações na indústria do vinho, como a introdução da utilização do arado e a comercialização do vinho em garrafa. Em 1857 foi-lhe conferida a Ordem da Torre e Espada de Valor, Lealdade e Mérito pelo rei D. Pedro V. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 55 A arquitectura na enologia referência na rota do enoturismo em Portugal valeu-lhe o primeiro lugar na categoria de Melhor Enoturismo sem Estadia na edição de 2012 nos Prémios W46. “The need to optimize the production sequence is no longer the sole driving factor in the planning of the many new buildings, extensions and conversions of mid-sized wine estates, wine companies and cellars. Striking visual and tactile design elements, such as an aesthetic staging of the wines, or materials reminiscent of wine production and certains terroirs, are also paramount.” (Woschek, 2011, p. 7) Ilustração 16 – Interior da adega, processo de engarrafamento, início do século XX, no edifício original da empresa José Maria da Fonseca em Azeitão. (Leite, 2012) Ilustração 17 – Casa-museu José Maria da Fonseca na actualidade, Azeitão. (Ilustração nossa, 2014) Ilustração 18 – Centro de Vinificação Fernando Soares Franco, José Maria da Fonseca, Azeitão. (Leite, 2012) 46 Prémios W – promovidos pelo enólogo e crítico de vinhos Aníbal Coutinho, contam já com 6 edições anuais. O objectivo passa por divulgar as empresas nacionais do sector vinícola através de um conjunto de categorias que vai do Melhor Vinho ao Melhor Enoturismo, do Melhor Produtor à Melhor Loja de Vinho. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 56 A arquitectura na enologia 2.3. ARQUITECTURA DO VINHO “[...] the evolution of contemporary wine architecture has been subject to varying influences in each country and region.”47 (Woschek et al., 2012, p. 19). A questão da classificação do espaço na sua componente funcional ou artística é debatida por Távora48, em Da organização do espaço, que supõe “[...] a possibilidade de separar estes dois aspectos tão profundamente interligados que se pode perguntar em que medida uma forma pode ser bela sem ser funcional e em que medida uma forma pode ser funcional sem ser bela.” (2006, p. 14). É evidente que em cada obra um dos aspectos predomina em relação ao outro, sendo que neste tipo de programa que estamos a analisar a componente técnica é determinante e pode até condicionar até certo modo a componente artística. A actual abordagem a este tipo de edifícios assenta precisamente nessa dualidade. Um programa puramente funcional que passa a ser lido como se de um museu se tratasse. A introdução da adega no portefólio de um arquitecto é igualmente uma afirmação da arquitectura industrial, da obra que tem mais para além de um mero carácter funcional. Ainda sobre os dois aspectos – funcional e artístico – cuja dissociação é reprovada por Fernando Távora: “[...] ainda há bem pouco tempo alguém nos dizia, a respeito do projecto de determinada instalação industrial, que não haveria necessidade de nele colaborar um arquitecto porque se tratava de obra unicamente funcional...” (2006, p. 15). À parte da questão económica dos derivados do turismo e da produção em determinada região, em que está localizada a infra-estrutura, é de extrema importância referir como a mesma se reflecte na envolvente física. Por razões óbvias, um edifício desta natureza está sempre integrado numa paisagem natural ou agrícola. Geralmente a sua implantação está destinada à proximidade da plantação de vinhas já existente, 47 “[...] a evolução da arquitectura do vinho contemporânea tem sido sujeita às diversas influências de cada país e região.” (Tradução nossa) 48 Fernando Távora (1923-2005). Arquitecto português. Nasceu no Porto e licenciou-se em Arquitectura na Escola de Belas Artes do Porto, onde mais tarde leccionou. Afirmou-se desde cedo como arquitecto moderno, integrando o modernismo na arquitectura tradicional portuguesa. Foi um dos poucos arquitectos portugueses a participar nos CIAM (Congressos Internacionais da Arquitectura Moderna). Autor de teorias de referência como O problema da casa portuguesa. Falsa arquitectura. Para uma arquitectura de hoje (1947), Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa (1955), como colaborador e Da organização do espaço (1962). É uma referência na arquitectura nacional e influenciou gerações precedentes, principalmente da Escola do Porto. Autor de obras como a Casa de Férias no Pinhal de Ofir (1958), o Mercado Municipal de Santa Maria da Feira (1959), a Ampliação das instalações da Assembleia da República, em Lisboa (1999) e a Casa dos 24, no Porto (2003). Foi reconhecido com a atribuição do Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Coimbra em 1993. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 57 A arquitectura na enologia seja uma construção de raiz ou uma alteração do pré-existente. Logo o arranjo exterior está à partida condicionado, ou determinado. A uma escala maior, edifícios de produção vitivinícola estão inseridos em zonas rurais e meios populacionais de baixa densidade. Esta situação, como já foi referida no capítulo referente ao enoturismo, acaba por gerar um conjunto de elementos dinamizadores em determinadas zonas, que estão na sua maioria afastadas dos grandes centros urbanos e têm carências a vários níveis. As Rotas do Vinho e as novas adegas de autor são elementos regeneradores deste tipo de zonas. Deste modo a população local e os visitantes encaram a adega de uma forma positiva, ao contrário do pensamento do século XX, cujas opiniões recaíam nas críticas sobre o aumento da construção de edifícios industriais e dos respectivos planeamentos precários. Ainda no mesmo texto, datado de 1962, Távora defende que “[...] uma instalação industrial mal implantada pode alterar totalmente, por exemplo, os valores dos terrenos envolventes, pode criar problemas de acessos e do tráfego, [...] pode alterar toda uma paisagem [...]” (2006, p. 63) e questiona “[...] já se pensou quanto uma instalação industrial mal localizada e inconveniente, com todas as suas consequências, pode afectar toda uma zona turística?” (2006, p. 64). Ora, hoje em dia e no âmbito do tema que estamos a analisar, podemos discutir estas afirmações e acusá-las de contraditórias. O intuito é precisamente tirar partido de uma instalação industrial para promover o turismo. É certo que uma adega é um complexo de dimensões relativas, não afecta o espaço envolvente num perímetro desmesurado. Quanto ao planeamento da zona afecta à adega, verifica-se uma clara, mas justificada, falta de relação (física) com tudo o que rodeia o edifício. Para além da obrigatoriedade de serem garantidos os acessos, nada mais acontece imediatamente junto à adega, à excepção das terras cultivadas. Podemos usar o termo objecto para caracterizar esta afirmação. O edifício não é mais nada senão um objecto, quase sempre destacado, que surge no meio da paisagem e acaba por ser o protagonista do conjunto. Não tem edifícios adjacentes, não vê os limites inerentes à escala urbana. Pode até ser comparado a uma escultura, que se ergue no espaço vazio, natural. Associada ao enoturismo, a adega deixa de ser apenas um edifício de produção e armazenamento e passa a ser encarado como um espaço destinado a visitas e obriga a alterações de programa e adaptações de tipologia. Para além de funcional a preocupação do autor do espaço passa a ser também sensorial. O visitante cria uma Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 58 A arquitectura na enologia espectativa em relação à visita, sabe que o local é caracterizado por aspectos que enriquecem o percurso e variam de espaço para espaço, como odores, oscilações de temperatura, diferenças de alturas e tipos de luminosidade, artificial ou natural. De certo modo estabelece-se uma relação entre o edifício e o visitante, porque não é uma visita ao acaso. O visitante predispõe-se a conhecer o processo de fabrico do vinho e acaba por dar valor a um espaço, que foi desenhado para ser ocupado e percorrido, nas diferentes fases da criação. Antes mesmo de conhecer o vinho, cuja prova é o objectivo ou a fase final do encontro, o visitante confronta-se com o espaço que o vai receber, e concebe de imediato uma ideia. A qualidade arquitectónica desses espaços é uma premissa para os espaços de produção e armazenamento de vinho, na dualidade de albergar a tecnologia necessária ao seu fabrico e as condições para proporcionar experiências interactivas com o visitante, com base nos temas do vinho e da viticultura. (Serra, 2013, p. 15) Um dos elementos de interesse arquitectónico passa pela forma como é feita a articulação entre a parte pública e a parte privada, ou seja, os visitantes circulam na zona de produção de vinho e é necessário que esse percurso esteja sob um sistema de segurança e que seja limitado. Um projecto permite ao autor controlar a quantidade do que fica visível e acessível ao visitante e cabe a este transformar a visita à adega através de um percurso pedonal rico a nível de transição de espaços de dimensão, materialidade e atmosfera variadas. En realidad, el enoturismo no se dirige a un turista espectador que mira el mundo del vino a través de un escaparate, sino que quiere participar e integrarse en una forma de vida y para conseguirlo está dispuesto a implicar a todos sus sentidos, buscando una experiencia y una compresión sensorial completa de todo lo que significa el mundo del vino. (Lazo, 2007, p. 4)49 O fenómeno da procura de novos conceitos e abordagens ao vinho deu origem a uma exposição intitulada “How Wine Became Modern: Design + Wine 1976 to Now.” que esteve patente de Novembro de 2010 até Abril do ano seguinte no San Francisco Museum of Modern Art (SFMOMA). A cultura do vinho tornou-se moderna e é explorada pelas mais variadas formas de arte, como a arquitectura, o design gráfico, o design industrial e ainda o cinema. Uma das intenções era surpreender os visitantes, que naturalmente estariam expectantes sobre histórias tradicionais acerca do vinho, até pela proximidade das terras vinhateiras da Califórnia. No entanto, a linguagem da 49 “Na verdade, o enoturismo não se dirige a um turista espectador que vê o mundo do vinho através de um escaparate, mas a um turista que quer participar e integrar-se numa forma de vida e para consegui-lo está disposto a envolver todos os sentidos, procurando uma experiência e uma compreensão sensorial completa de tudo o que significa o mundo do vinho.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 59 A arquitectura na enologia exposição procurou provocar e contrariar as expectativas: “Unorthodox displays are the rule.”50 (Loos, 2010). A exposição organiza-se em sete zonas, “[...] including one on how winery architecture has changed in the era of globalization and another on modern production.”51 (Loos, 2010). Mr. Urbach52 stated that the idea stemmed “from an observation and curiosity about why there was so much activity around wine in various design fields. There are probably a score of world famous architects who have done wineries in the last fifteen years and they’re not doing dairy farms or orange juice bottling plants.”53 (Basulto, 2010c) Ao longo da exposição há um forte apelo aos sentidos enquanto o visitante se encontra com os variados elementos em torno do vinho, o que resulta num percurso dinamizador e interactivo, marcado pela presença de texturas, odores, temperaturas ou materiais. Na zona dedicada às adegas contemporâneas e a edifícios relacionados com o tema, um mapa revela a localização de 200 projectos reconhecidos em todo o mundo. A uma escala mais próxima são identificados as 34 obras mais marcantes e, finalmente é dada maior atenção a quatro edifícios específicos - Clos Pegase Winery, Dominus Winery, Bodegas Baigorri e o Hotel Marqués de Riscal – cujos detalhes e modelos figuraram na exposição. No conjunto global, a única adega portuguesa a fazer parte da lista foi a Adega Mayor, da autoria de Álvaro Siza Vieira54. Este projecto, assim como a destacada Dominus Estate, da dupla suíça Herzog & de Meuron 55, vão 50 “Exibições pouco ortodoxas são a regra.” (Tradução nossa) “[...] incluindo uma sobre como a arquitectura vinícola tem mudado na era da globalização e outra sobre a produção moderna.” (Tradução nossa) 52 Henry Urbach. Curador de Arquitectura e Design do San Francisco Museum of Modern Art (2006 – 2011), organizou a exposição “How Wine Became Modern: Design + Wine 1976 to Now.”. 53 ”Sr. Urbach afirmou que a ideia surgiu “a partir da observação e da curiosidade acerca do porquê de existir tanta actividade em torno do vinho nas várias áreas do design. Provavelmente existe uma percentagem de arquitectos mundialmente famosos que fizeram adegas nos últimos quinze anos e não estão a fazer leitarias ou engarrafadoras de sumo de laranja.” (Tradução nossa) 54 Álvaro Siza Vieira (1933 - ). Arquitecto português, natural de Matosinhos. Formado pela Escola Superior de Belas Artes do Porto (1949 – 1955). Colaborou com o arquitecto Fernando Távora, seu mestre, entre 1955 e 1958. Autor de inúmeras obras reconhecidas a nível nacional e internacional, como a Casa de Chá da Boa Nova (1963), as piscinas de Leça da Palmeira (1966), o Museu Serralves (1997), o Serpentine Gallery Pavilion (2005), entre muitos outros. É a maior referência do modernismo português. Foi professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto e professor convidado na École Polythéchnique de Lausanne, na University of Pennsylvania, na Universidad de Los Andes de Bogotá, na Graduate School of Design of Harvard University. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa por várias ocasiões em instituições como a Universidad de Valencia, Espanha (1992), a Università de Palermo, Itália (1995), a Universidade Federal de Paraíba, Brasil (2000), a Universidade Técnica de Lisboa (2010), entre outras. Foi vencedor de prémios como o Pritzker (1992), o Mies van der Rohe Award for European Architecture (1988), o Prémio Leão de Ouro na Bienal de Veneza (2012), entre outros. 55 Jacques Herzog (1950 - ) e Pierre de Meuron (1950 - ) – fundaram o atelier Herzog & de Meuron em Basel, Suíça em 1978. Professores convidados na Graduate School of Design (GSD), da Universidade de Harvard desde 1994. Leccionam no Swiss Federal Institute of Technology Zurich (ETH) – Department of Architecture, Network City and Landscape, desde 1999 e são co-fundadores do ETH Studio Basel – Contemporary City Institute. Trabalham com uma equipa internacional composta por 38 Associados, liderando projectos por todo o Mundo, que vão desde a escala de uma moradia particular à escala 51 Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 60 A arquitectura na enologia ser objecto de análise no capítulo dos casos de estudo, mais à frente na presente dissertação. De Jacques Herzog a Frank Gehry, dos vales de Nappa na Califórnia aos da Rioja Alavesa, podemos hoje colher exemplos emblemáticos de projectos de arquitectura para adegas vinícolas - muitas vezes associadas a programas hoteleiros - que ajudam a promover a “marca” do produtor e da sua região através, entre outras, da “marca” do projectista. (Grande, 2007, p. 13) Apesar da história de produção de vinho ser mais recente nos EUA do que na Europa, é na região da Califórnia que o Enoturismo está mais desenvolvido, pois “a pesar de ser una zona relativamente joven en cuanto a tradición vitivinícola, sobre todo si se compara con el Centenario Mundo de tradición vitivinícola como es Europa, todo gira entorno al fenómeno del enoturismo.56 (Lazo, 2007, p. 11). Conhecida por ser a região precursora deste tipo de turismo: “Napa Valley led the way, notably through the initiatives of Robert Mondavi57, as well as by individuals and firms that are new to the business and are unconstrained by centuries of tradition.”58 (Webb, 2005, p. 6). Mondavi foi o impulsionador da produção de vinho na Califórnia com a construção da adega Opus One nos anos 70 (Margarido, 2009, p. 24). Desde então a produção e as empresas emergiram e o vinho tornou-se o principal motor económico da região. Um caso de referência é a já referida Dominus Winery, o primeiro projecto de uma adega a ter repercussão na arquitectura, da autoria da reconhecida dupla suíça Herzog & de Meuron, nos anos 90. Whether simple and functional, spectacular or revolutionary, purpose-built architecture can help wine companies and winemakers to realize virtually all their aspirations. In doing so, wine architecture plays an important role in promoting and sustaining the public’s fascination with all things connected with wine.59 (Woschek et al., 2012, p. 19). urbana. Vencedores de vários prémios, entre os quais o The Pritzker Architecture Prize (EUA) em 2001, o RIBA Royal Gold Medal (Reino Unido) e o Praemium Imperiale (Japão), ambos em 2007. 56 "Nesta zona de Napa, que apesar de ser uma zona relativamente jovem enquanto tradição vitivinícola, sobretudo se comparada com o Mundo Centenário de tradição vitivinícola como é a Europa, tudo gira em torno do fenómeno do enoturismo." (Tradução nossa) 57 Robert Mondavi (1913 – 2008). Conhecido produtor de vinhos americano, era descendente de italianos. A família, produtora de vinhos estabeleceu-se na Califórnia e foi em Napa Valley que fundou a própria empresa e se tornou no maior impulsionador da cultura vinícola da região. Em parcerias com produtores europeus levou os conhecimentos do “Velho Mundo” para o continente americano e produziu vários vinhos premiados. Entre outros reconhecimentos recebeu o Doutoramento em Enologia Honoris Causa em 2000. 58 “Napa Valley foi percursora, nomeadamente através das iniciativas de Robert Mondavi, assim como de individuais e empresas que são novas no negócio e não são condicionadas pelas tradições seculares.” (Tradução nossa) 59 “Quer seja simples e funcional, espectacular ou revolucionária, a arquitectura com um propósito pode ajudar as empresas de vinho e produtores a concretizar praticamente todas as suas aspirações. Ao fazêlo, a arquitectura do vinho desempenha um importante papel na promoção e na sustentação do fascínio do público por todas as coisas relacionadas com o vinho.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 61 A arquitectura na enologia Na Península Ibérica o aparecimento de projectos contemporâneos inseridos nesta temática deu-se a partir do século XXI, sendo que é a Espanha a detentora do maior número de obras vinícolas da autoria de nomes sonantes na arquitectura mundial. Em relação a Portugal está um passo à frente no desenvolvimento do enoturismo, como afirma Campo60: “El panorama vinícola español está siendo testigo de la llegada de grandes inversiones al sector en forma de infraestructura y tecnología, con la construcción de numerosas bodegas, a cual de todas más moderna e innovadora, así como de grandes hoteles de enoturismo.” 61 (Lazo, 2007, p. 3). As zonas da Ribera del Duero e La Rioja, no Norte de Espanha são os principais polos de atracção deste tipo de turismo no país. “Spanish wine producers were especially rigorous in pursuing new winery design.”62 (Woschek et al., 2012, p. 19). Do desenho vanguardista aliado à tradição enológica resultam vários exemplos construídos pelo território espanhol, através de nomes reconhecidos na arquitectura, nacional e internacional. Es en esta región española, La Rioja, donde una actividad tan antigua como es la de la elaboración del vino se ha empleado para cambiar la imagen exterior, diseñar botellas de forma más cuidadosa y asociarse a la arquitectura más vanguardista para remodelar o construir nuevas bodegas. 63 (Lazo, 2007, p. 38) Complexos vinícolas de escala considerável assumem-se como uma referência na paisagem. A intenção de destacar a obra, no meio de uma envolvente comum a todas, está presente na maioria do conjunto de projectos que vão surgindo nas rotas do vinho espanholas. Em Laguardia, Álava, uma sub-região de uma das mais importantes regiões vinícolas espanholas - La Rioja - do traço vanguardista do arquitecto espanhol Santiago Calatrava64, em 2001 nasceu a Bodega Ysios, um edifício alongado e de 60 Pancho Campo - Presidente de la Academia del Vino de España. “O panorama vinícola espanhol está a ser testemunha da chegada de grandes investimentos no sector através de infra-estruturas e tecnologia, com a construção de inúmeras adegas, qual delas a mais moderna e inovadora, assim como de grandes hotéis de enoturismo.” (Tradução nossa) 62 “Os produtores de vinho espanhóis eram especialmente rigorosos na procura de novos modelos de adegas.” (Tradução nossa) 63 "É nesta região espanhola, La Rioja, onde uma actividade tão antiga como a elaboração de vinho se está a empenhar em mudar a imagem exterior, desenhar garrafas de forma mais cuidada e associar-se à arquitectura mais vanguardista para remodelar ou construir novas adegas." (Tradução nossa) 64 Santiago Calatrava (1951 - ). Arquitecto espanhol, nasceu em Valencia, onde concluiu a PósGraduação em Urbanismo na Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Valencia, tendo depois estudado Engenharia e terminado o Doutoramento em Ciências Técnicas em Zurique. Iniciou a prática de arquitectura e engenharia na Suíça, tem várias obras reconhecidas em Espanha, no resto da Europa e ainda nos EUA. Caracterizadas pelas estruturas complexas, orgânicas e inspiradas na natureza, entre as mais icónicas encontram-se a Torre de Montjuic (1992), em Barcelona, a Gare do Oriente (1998), em Lisboa, a Ciudad de las Artes y de las Ciencias (2000), em Valencia, Turning Torso (2005), na Suécia e o New York City Ballet (2010), nos EUA. Foi distinguido com vários prémios, tanto através da arquitectura como da engenharia civil. 61 Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 62 A arquitectura na enologia cobertura curvilínea (Ilustração 19): “Calatrava has turned a functional production facility into an unforgettable image – a wave formation of wood and aluminium that mimics the Cantabrian mountain range to the north, and symbolizes the process of transforming grapes into wine”65 (Webb, 2005, p. 10). A estrutura ondulante de madeira tem continuidade no espaço interior, dando origem a uma dinâmica nas salas e nas respectivas alturas de pé direito (Ilustração 20). Ao centro, destaca-se a entrada do edifício, “[...] a section that contains the tasting room as well. From here, the visitor is treated to a majestic view out over the vineyards, but can also look into the barrel cellar with its overwhelming height and its 1,300 barriques.” (Woschek et al., 2012, p. 105) (iIlustração 21). Ilustração 19 – Bodega Ysios, Santiago Calatrava. (Woschek et al., 2012, p. 104) Ilustração 20 – Sala de depósitos, Bodega Ysios, Santiago Calatrava. (Woschek et al., 2012, p. 104) Ilustração 21 – Sala de barricas, Bodega Ysios, Santiago Calatrava. (Webb, 2005, p. 16) O impacto visual do metal está igualmente presente no projecto de Frank O. Gehry 66 para a Bodega Marqués de Riscal, a mais antiga da região de La Rioja e uma das mais importantes hoje em dia na promoção do enoturismo espanhol (Ilustração 22): 65 “Calatrava transformou uma unidade de produção funcional numa imagem inesquecível – uma formação ondulada de madeira e alumínio que mimetiza a montanha Cantábrica que se estende para Norte e simboliza o processo de transformação das uvas em vinho”. (Tradução nossa) 66 Frank O. Gehry (1929 - ). Arquitecto, nasceu no Canadá, naturalizou-se americano mais tarde. Associado ao Pós-Modernismo, é reconhecido pelas suas obras assumirem características menos convencionais, desde as formas curvas às superfícies metálicas. Os edifícios de maior referência são o Museu Guggenheim de Bilbao (1997), em Espanha e o Walt Disney Concert Hall (2003), em Los Angeles. Entre outros reconhecimentos, o arquitecto foi vencedor do Prémio Pritzker em 1989. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 63 A arquitectura na enologia “The winery claims to be the oldest and most innovative in the region, and it is also one of the largest”67 (Webb, 2005, p. 58). A “estrutura exuberante de Gehry é um afrodisíaco arquitectónico com cor e forma de uma fragrância de flamenco” expressada sobretudo pelas ondulantes folhas coloridas de titânio adossadas à fachada.” (Margarido apud Fowlow; Stanwick, 2009, p. 48). O projecto, localizado em Elciego ficou concluído em 2006 e o programa inclui um hotel, spa, restaurante e centro de congressos. ”Apesar da igualmente complexa geometria da organização interior, o edifício vive do exterior e para o exterior, dado dispor de terraços e passagens panorâmicos.” (Margarido, 2009, p. 48). Ilustração 22 – Adega Marqués de Riscal, Frank O. Gehry. (Marqués de Riscal, 2011) Na região da Ribera del Duero, o projecto do atelier Rogers Stirk Harbour + Partners68 para a extensão e melhoramento das instalações da Bodega Protos, localizada em Peñafiel, Valladolid é mais uma referência na arquitectura vinícola actual. O edifício, concluído em 2008, foi construído sobre o pré-existente. O programa organiza-se numa planta triangular sob uma estrutura formada por cinco arcos parabólicos, de forma a evitar demasiado impacto na envolvente (Ilustração 23). “The base of the building is buried, taking advantage of the thermal inertia and placing the areas for production and maturation of the wine, interpreting in a contemporary tone the 67 “A adega tem a pretensão de ser a mais antiga e a mais inovadora na região, e é além disso uma das maiores.” (Tradução nossa) 68 Rogers Stirk Harbour + Partners - atelier fundado em 1977 pelo arquitecto britânico Richard Rogers (1933 - ), vencedor do Prémio Pritzker em 2007 e autor de obras como o Centro Pompidou (1977), em Paris, o edifício Lloyd’s (1986), em Londres e o Terminal 4 do Aeroporto de Barajas (2005), em Madrid. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 64 A arquitectura na enologia traditional construction of the wineries.”69 (Rogers; Alonso y Balaguer, 2014) (Ilustração 24). Ilustração 23 – Bodegas Protos, Rogers Stirk Harbour + Partners. (Rogers; Alonso y Balaguer, 2014) Ilustração 24 – Secção esquemática. Bodegas Protos, Rogers Stirk Harbour + Partners. (Rogers; Alonso y Balaguer, 2014) 69 “A base do edifício está enterrada, tirando partido da inércia térmica e dispondo as áreas para a produção e maturação do vinho, interpretando num tom contemporâneo a construção tradicional das adegas.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 65 A arquitectura na enologia Contudo nas últimas décadas, surgiram inúmeras estruturas vinícolas da autoria de vários arquitectos, desde o Alentejo ao Douro. Erguidas em regiões de topografia e clima distintos, com essências de natureza pragmáticas distintas, na generalidade são concebidas para cumprir pressupostos turísticos, albergando em simultâneo espaços de produção, estágio, envelhecimento e componente social. (Serra, 2013, p. 12). Actualmente em Portugal, as empresas de produção de vinho vêm na arquitectura um elemento valorativo na divulgação da adega, e investem em projectos inovadores. Projectos de restauro e reestruturação, das casas antigas pertencentes a propriedades que se dedicam à produção de vinho, são feitos desde há anos, antes ainda do fenómeno do enoturismo. E para além desses, projectos de ampliação ou novas construções são uma realidade da arquitectura nacional da última década, contribuindo com uma nova abordagem, contrariando o rústico e o tradicional, e mantendo a mesma funcionalidade. Poderão ainda assim existir opiniões mais conservadoras em relação à mudança: “Wherever contemporary architecture is practised, its unfamiliar design language can initially feel unsettling, even offensive, to fans of traditional wine cellar culture.”70 (Woschek et al., 2012, p. 19), no entanto, “Increasingly, however, the old, pseudo-romantic winery atmosphere is giving way to the pursuit of aesthetics, lucidity, clarity and functionality.”71 (Woschek et al., 2012, p. 19). A contemporaneidade é um atractivo diferente, mas também estratégico, e os mais recentes projectos nacionais são a prova disso. De certa forma, a arquitectura torna-se um aliado, senão o mais, importante na promoção desta temática turística: […] resultou na percepção das entidades ligadas ao mundo vinícola, que seria necessário preservar e requalificar a arquitectura histórica já presente em variadas propriedades, surgindo alguns investimentos em projectos de recuperação de construções existentes, nas quintas, como antigos solares e casas próximas das adegas, no sentido de capacitar a região com algumas estruturas hoteleiras, assim como decidiram investir na renovação das suas adegas, com a construção de novos equipamentos de raiz assim como na recuperação de edifícios já existentes. (Serra, 2013, p. 20) Uma das primeiras intervenções no âmbito desta temática em território nacional foi a Adega da Quinta da Touriga, da autoria do arquitecto António Leitão Barbosa72. O edifício, localizado em Vila Nova de Foz Côa, foi construído em 2004 e venceu a 70 “Onde quer que a arquitectura contemporânea seja praticada, a sua invulgar linguagem de design pode inicialmente parecer inquietante, até mesmo ofensiva, para os fãs da cultura tradicional das adegas.” (Tradução nossa) 71 “No entanto, cada vez mais, a velha, pseudo-romântica atmosfera da adega vai dando lugar à busca da estética, lucidez, clareza e funcionalidade.” (Tradução nossa) 72 António Leitão Barbosa (1963 - ). Arquitecto português. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 66 A arquitectura na enologia primeira edição do Prémio de Arquitectura do Douro73 em 2006. “O edifício é constituído por duas naves paralelas que se apresentam desalinhadas, como se deslizassem uma sobre a outra, por razão de adaptação ao caminho pré existente.” (Barbosa, 2006, p. 66) (Ilustração 25). Os dois volumes partilham o mesmo tipo de estrutura em ferro, que é completada com o revestimento em xisto (Ilustração 26). À parte da zona funcional, “existe ainda uma sala destinada a provas de vinho que se apresenta como uma varanda sobre a nave do armazenamento e que possui simultaneamente uma janela orientada às vinhas.” (Barbosa, 2006, p. 66) (Ilustração 27). Adaptando-se à topografia, a adega divide-se em três níveis de modo a tirar partido da gravidade natural no processo de produção do vinho (Ilustração 28). Ilustração 25 – Quinta da Touriga, António Leitão Barbosa. (Barbosa, 2006, p. 73) Ilustração 26 – Quinta da Touriga, António Leitão Barbosa. (Barbosa, 2006, p. 79) 73 O "Prémio de Arquitectura no Douro” é um concurso que procura distinguir e promover boas práticas do exercício da arquitectura na Região Demarcada do Douro, enquanto território de actuação da Estrutura de Missão do Douro, desenvolvidas depois da classificação do Douro Vinhateiro como Património da Humanidade (2001) e concretizadas em intervenções de construção, conservação ou reabilitação de edifícios ou conjuntos arquitectónicos construídos. Com estes objectivos, o "Prémio de Arquitectura no Douro” visa ainda contribuir para estimular a excelência no ordenamento do território e na intervenção na paisagem de uma região sensível como é a Região Demarcada do Douro (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte). A primeira edição foi em 2006 e o Prémio é atribuído de dois em dois anos. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 67 A arquitectura na enologia Ilustração 27 – Planta, Quinta da Touriga, António Leitão Barbosa. (Barbosa, 2006, p. 73) Ilustração 28 – Secções, Quinta da Touriga, António Leitão Barbosa. (Barbosa, 2006, p. 79) A já referida Adega Mayor não é o único edifício inserido na temática vinícola a sair do traço do arquitecto Siza Vieira, que em 2003 projectou o armazém de estágio e envelhecimento de vinhos da Quinta do Portal. Localizado em Celeirós do Douro, concelho de Sabrosa, o edifício é uma das recentes construções de referência na arquitectura duriense. “À chegada deparamo-nos com o volume de um piso de forma regular e rectangular. [...] imagem cúbica e serrada de armazém onde a luz do sol não será muito desejada.” (Ordem Dos Arquitectos, 2010, p. 61), que contrasta com “O volume superior, com a Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 68 A arquitectura na enologia sua plasticidade, movimenta-se, ora apresentando a volumetria das suas formas, ora mostrando só a parede.” (Ordem Dos Arquitectos, 2010, p. 61) (Ilustração 29). O projecto é um complemento às infra-estruturas já existentes na Quinta, cuja produção de vinho teve início nos anos 90, pelo que não inclui programa de produção mas apenas de armazenamento (Ilustração 30). O armazém ficou concluído em 2008 mas só abriu ao público em 2010, tendo sido a obra vencedora da edição de 2010/2011 do Prémio de Arquitectura do Douro. “[...] o volume do edifício integra-se na topografia natural do terreno através do jogo de volumetrias e do relacionamento com os acessos e circulações.” (Ordem Dos Arquitectos, 2010, p. 61), dando resposta à preocupação funcional da entrada de visitantes, articulada com o acesso de mercadoria. Portugal’s Douro Valley is characterized by cork and slate – cork as a stopper for wine bottles, slate as the ground on which the vines grow. Both materials also envelop the new storehouse at Quinta do Portal, helping it to blend into the surrounding vineyards of the central Douro Valley.74 (Woschek et al., 2012, p. 80) A base do edifício, revestida a xisto, integra-o no solo e na envolvente (Ilustração 31). “Sobre o xisto, as paredes elevam-se em blocos de aglomerado de cortiça, castanho claro.” (Ordem Dos Arquitectos, 2010, p. 61). A escolha da cortiça para a fachada, que reveste uma área de 1.506 m2, ultrapassa a estética: “It became clear that cork is a first-rate, weather-resistant material that also provides very good insulation. For Siza, this was reason enough to use a layer of cork 10 centimetres thick [...]”75. Estes dois tons neutros contrastam com o volume no último piso que se destaca devido ao tom de terracota (Ilustração 32). As áreas de armazenagem ocupam os dois níveis de menor cota, cada uma com características distintas devido às exigências do envelhecimento de cada tipo de vinho, sendo que o restante programa - sala de provas, auditório e terraço – situa-se num terceiro e quarto níveis (Ilustração 33). “The planning of a building that was to function as a storage space for port wine as well as for red wine was challenging, as the two require different storage temperatures.” 76 (Woschek et al., 2012, p. 80). 74 “A região portuguesa do Douro é caracterizada pela cortiça e pelo xisto – cortiça como a rolha das garrafas de vinho, xisto como o solo em que crescem as uvas. Ambos materiais envolvem o novo armazém da Quinta do Portal, fazendo com que este se misture com as vinhas envolventes da região central do Douro.” (Tradução nossa) 75 “Tornou-se claro que a cortiça é um material de excelência, resistente à água e que garante um bom isolamento. Para Siza, estas razões foram suficientes para usar uma camada de cortiça de 10 cm de espessura [...]”(Tradução nossa) 76 “Projectar um edifício cuja função é armazenar tanto Vinhos do Porto como Vinhos do Douro foi desafiante, sendo que os dois requerem diferentes temperaturas de armazenagem.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 69 A arquitectura na enologia Ilustração 29 – Quinta do Portal, Siza Vieira. (Woschek et al., 2012, p. 81) Ilustração 30 – Interior do armazém, Quinta do Portal, Siza Vieira. (Woschek et al., 2012, p. 83) Ilustração 31 – Quinta do Portal, Siza Vieira. (Ordem dos Arquitectos, 2010, p. 64) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma Ilustração 32 – Quinta do Portal, Siza Vieira. (Ordem dos Arquitectos, 2010, p. 63) 70 A arquitectura na enologia Ilustração 33 – Plantas dos pisos, Quinta do Portal, Siza Vieira77. (Woschek et al., 2012, p. 83) Em Vila Nova de Famalicão, Carlos Castanheira redesenhou uma adega que “[...] já existia, pois na propriedade já se fazia bom vinho. A vontade de produzir mais, melhor e de acordo com as novas regras, obrigou a repensá-la e obrigatoriamente a aumentála.” (Castanheira & Bastai Arquitectos, 2014). O projecto de ampliação da Adega da Casa da Torre, concluído em 2009, manteve o embasamento em granito e elevou o edifício através de uma estrutura de madeira (Ilustração 34). A cobertura é sustentada por “[...] pilares centrais, indesejados e indesejáveis, e, por isso, reduzidos ao mínimo.” e por “[...] quatro escoras que se abrem a partir de um pilar, ajudando as vigas de cobertura.” (Castanheira & Bastai Arquitectos, 2014) (Ilustração 35). Paralela à cumeeira uma passagem elevada atravessa o armazém à 77 1 – Terraço, 2 – Vestíbulo, 3 – Auditório, 4 – Terraço da cobertura, 5 – Entrada principal, 6 – Área de provas, 7 – Sala de barricas de Vinho do Porto, 8 – Armazém de garrafas, 9 – Túnel de ligação, 10 – Sala de barricas, 11 – Zona técnica. (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 71 A arquitectura na enologia altura do topo dos depósitos e liga as duas entradas opostas (Ilustração 36). Sendo que uma entrada dá acesso ao escritório, que trespassa a fachada principal enquanto a outra permite aceder à zona exterior de maior cota na parte de trás do edifício (Ilustração 37). A cobertura de duas águas em telha de barro “[...] projecta-se sobre o lajeado da entrada, cobrindo acessos, sanitários e o "pipo" que é laboratório.” (Castanheira & Bastai Arquitectos, 2014) (Ilustração 34). Ilustração 34 – Fachada principal e entrada, Adega Casa da Torre, Carlos Castanheira. (Basulto, 2010b) Ilustração 35 – Planta, Adega Casa da Torre, Carlos Castanheira. (Basulto, 2010b) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 72 A arquitectura na enologia Ilustração 36 – Adega Casa da Torre, Carlos Castanheira. (Patrício, 2010, p. 114) Ilustração 37 – Alçados e secções, Adega Casa da Torre, Carlos Castanheira. (Patrício, 2010, p. 115) Voltando ao Douro, o projecto do arquitecto Frederico Valsassina78 para a nova adega é o mais recente investimento da Casa Agrícola Horta Osório. Localizada na Quinta do Fojo e Quinta Vale de Maria, em Santa Marta de Penaguião, a Adega HO surge destacada na zona mais elevada da propriedade, onde terminam os patamares de vinhas que percorrem a encosta até ao Rio Corgo (Ilustração 38). “O edifício aparece, assim, como continuidade da paisagem; materializa-se num volume de xisto artesanal, qual socalco de remate, cuja presença se funde com toda aquela extensão.” 78 Frederico Valsassina (1955 - ). Nasceu em Lisboa. Arquitecto, licenciado pela Escola Superior de Belas Artes em 1979, inicia a prática em nome próprio em 1986. Professor convidado da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa em 2005. Os Estúdios da R.T.P./R.D.P., Conjunto Habitacional Alcântara Rio, Art’s Business e Hotel Center no Parque das Nações são algumas das obras da sua autoria. Fez parte dos projectos do Convento das Mónicas e a Cobertura da Etar de Alcântara em parceria com Manuel Aires Mateus. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 73 A arquitectura na enologia (Valsassina, 2011, p. 124). O projecto é de 2011 e a sua construção terminou em 2013. As zonas dedicadas à produção estão enterradas, situadas na menor cota, enquanto as áreas sociais privilegiam o contacto com o exterior, como é o caso da área de recepção e a sala de provas acontecem no extremo mais alto da adega, junto a uma zona de deck exterior (Ilustração 39). A volumetria regular desenvolve-se ao longo de uma cobertura contínua, revelando pontualmente espaços vazios: “O vazio central, que intersecta o edifício transversalmente, individualiza funcionalmente duas zonas – zona social e zona industrial (produção) e assume-se como pórtico de chegada da matéria-prima.” (Valsassina, 2011, p. 124) (Ilustração 40). O equilíbrio do cheio/vazio é dado pela pedra (xisto) e pelo vidro, criando “[...] uma transição gradual entre interior e exterior, público e privado através de um grau de interioridade cada vez maior.” (Valsassina, 2011, p. 124). Num percurso descendente o programa desenvolve-se do exterior para o interior, gerando espaços cada vez mais fechados (iIlustração 42). Pretende-se que que esta área tenha um tratamento controlado da luz e que contenha a “história” do vinho, através da exposição de garrafas de colecção – será uma sala de estar em que se quer que o cheiro do vinho entranhe no visitante e que a marca do tempo perdure. (Valsassina, 2011, p. 124). Ilustração 38 – Imagem tridimensional da adega na envolvente, Adega HO, Frederico Valsassina. (Valsassina, 2011, p. 125) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma Ilustração 39 – Imagem tridimensional do pormenor do deck, Adega HO, Frederico Valsassina. (Valsassina, 2011, p. 120) 74 A arquitectura na enologia Ilustração 40 - Imagem tridimensional, Adega HO, Frederico Valsassina. (Valsassina, 2014) Ilustração 41 – Plantas dos pisos, Adega HO, Frederico Valsassina. (Valsassina, 2011, p. 122) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 75 A arquitectura na enologia Ilustração 42 – Plantas dos pisos, Adega HO, Frederico Valsassina. (Valsassina, 2011, p. 123) Com o presente capítulo foi possível ilustrar, através de algumas referências, a complementaridade da Arquitectura e o Enoturismo. Actualmente existem inúmeras obras nos mais variados países associados ao vinho que se podem incluir na temática apresentada, contudo decidimos explorar apenas alguns exemplos da Península Ibérica. O desenvolvimento do conceito em Espanha tem um avanço considerável em relação a Portugal, proporcional à área ocupada pela cultura vinícola no país. É possível distinguir abordagens distintas nos projectos portugueses e nos projectos espanhóis. A sobriedade e simplicidade caracterizam os conceitos aplicados pelos autores portugueses, produzindo uma arquitectura integrada na paisagem, de valores equilibrados. Os projectos que enriquecem as rotas vinícolas em Espanha são obras de intenções marcadas, que causam impacto com os seus traços mais arrojados. As quatro obras nacionais comentadas permitem-nos concluir que a zona de maior influência de arquitectura ligada à produção de vinho localiza-se no Norte do país, nomeadamente no Douro. O mapa abaixo identifica a negro os quatro projectos, Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 76 A arquitectura na enologia enquanto os dois pontos coloridos representam as duas obras que vamos comentar no próximo capítulo (Ilustração 43). Ilustração 43 – Localização das adegas referenciadas em Portugal. (Ilustração nossa, 2014) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 77 A arquitectura na enologia Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 78 A arquitectura na enologia 3. CASOS DE ESTUDO “Por um efeito que só os Deuses poderão explicar (Baco talvez...) a produção de um bom vinho assemelha-se hoje, mais do que nunca, à criação de uma obra de arte.” (Grande, 2007, p. 13) As três obras escolhidas, que ilustram o tema em questão, destacam-se pelas suas características particulares e pela relação com três determinadas envolventes, que por sua vez são distintas e únicas. Decidimos representar o reflexo que um projecto, distante a nível físico e temporal, tem em dois projectos nacionais e recentes, sendo que os três têm programas paralelos. Verificam-se elementos comuns e especificações que os diferenciam, sendo que todos são a interpretação de um espaço que conjuga a produção de uma bebida milenar e a arquitectura do presente, proporcionando ao visitante um percurso rico a nível sensorial. As obras são o resultado de influências e abordagens de três gerações de arquitectos distintas, salientando o facto da dupla de arquitectos Menos é Mais79 ter 30 anos a separá-los do arquitecto Álvaro Siza Vieira, enquanto a dupla dos arquitectos suíços, nascidos nos anos 50 marcaram, há já duas décadas atrás, a indústria do vinho com o seu primeiro projecto no continente americano. O exemplo pioneiro deste conceito foi a adega projectada nos anos 90 por Jacques Herzog e Pierre de Meuron em Napa Valley80, cuja tipologia arquitectónica e modelo turístico-industrial depressa se repercutiu pelo próprio continente americano, estendendo-se à Nova Zelândia, África do Sul e Europa. Em Portugal, as margens típicas do Douro, construídas em socalcos, receberam numa vinha centenária um projecto contemporâneo da dupla Menos é Mais, para a ampliação de uma adega já existente. Destacam-se a materialidade e adaptação do 79 Francisco Vieira de Campos (1962 - ). Arquitecto português. Licenciado em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (1992). Estagiou no atelier de Eduardo Souto de Moura entre 1989 e 1991. Lecciona a cadeira de Projecto na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto desde 2010. Cristina Guedes (1964 - ). Arquitecta portuguesa, nasceu em Macau e licenciou-se em 1991 na FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Estagiou no atelier de Siza Vieira entre 1989 e 1990. Fez uma pós-graduação em Planeamento no Departamento de Arquitectura da Universidade Lusíada do Porto (FAULP) em 1996, onde lecciona a cadeira de Projecto desde 1994. Leccionou no Departamento de Arquitectura da Universidade Autónoma em 2002-03. Os dois arquitectos mantêm desde 1994 o atelier Menos é Mais Arquitectos Associados no Porto, são autores de inúmeros projectos reconhecidos e o seu trabalho já foi nomeado para vários prémios: Premis FAD (2002), Prémio Secil 2006 e 2008, e Menções Honrosas. Participaram em exposições nacionais e internacionais. Conferencistas em diversas instituições e universidades, em Portugal e no estrangeiro, têm obra publicada em inúmeros livros e revistas. 80 Califórnia, Estados Unidos da América. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 79 A arquitectura na enologia edifício ao lugar, assim como ao despretensioso impacto que tem na paisagem e no pré-existente. Enquanto um edifício se funde com o terreno, o outro é alvo de atenções na planície alentejana. Álvaro Siza Vieira transporta para uma adega contemporânea a cal e a simplicidade da arquitectura tradicional, envolvida pela malha paralela das vinhas, em Campo Maior. Na adega californiana encontramos aspectos comuns às duas adegas portuguesas, como o facto de ser um objecto isolado na paisagem, envolvido pelas vinhas como a Adega Mayor e ter uma materialidade característica como acontece na Adega da Quinta do Vallado. 3.1. HERZOG & DE MEURON – DOMINUS WINERY “En fin, creemos que la arquitectura debería mezclarse más com la vida, fundir lo artificial y lo natural, lo mecânico y lo biológico…”81 (Herzog, 1997, p. 11) Ilustração 44 – Jacques Herzog e Pierre de Meuron (Herzog & de Meuron, 1997, p. 4). Jacques Herzog e Pierre de Meuron nasceram ambos em 1950, na cidade de Basel, Suíça. Depois de um percurso académico paralelo na ETH Zurich entre 1970 e 1975, fundam em conjunto o atelier de arquitectura em 1978 na sua cidade natal. São professores convidados na Graduate School of Design (GSD) da Universidade de Harvard desde 1994 e leccionam no Swiss Federal Institute of Technology Zurich (ETH) – Department of Architecture, Network City and Landscape desde 1999. São cofundadores do ETH Studio Basel – Contemporary City Institute. Além do escritório principal, em Basel, dispõem de escritórios em Hamburgo, Londres, Madrid, Nova Iorque e Hong Kong, 38 Associados e cerca de 362 colaboradores. Entre vários 81 “Enfim, acreditamos que a arquitectura deveria misturar-se mais com a vida, fundir o artificial e o natural, o mecânico e o biológico...” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 80 A arquitectura na enologia prémios e nomeações, destacam-se o Prémio Pritzker de Arquitectura (EUA) em 2001, o RIBA Royal Gold Medal (Reino Unido) e o Praemium Imperiale (Japão), ambos em 2007. Jacques Herzog, no discurso que fez após ter ganho, juntamente com Pierre de Meuron, o Prémio Pritzker 2001 descreve as intenções que os movem na arquitectura e importância da materialidade, sempre presente nos seus projectos. Reconhecemos neste comentário do próprio autor, a aplicação de um sistema cujo uso é invulgar, ou mesmo inexistente, em projectos de arquitectura neste presente caso de estudo, procurando valorizar elementos menos convencionais e que à partida pouco interesse suscitam: […] constantemente estamos intensificando y ampliando nuestra investigación respecto los materiales y las superfícies, a veces nosotros solos y a veces en colaboración com diversos fabricantes y laboratórios, com artistas e incluso com biólogos. [...] Buscamos materiales que sean tan inteligentes, tan virtuosos y tan complejos como los fenómenos naturales; materiales que no sólo deleiten las exigentes retinas de los assombrados críticos de arte, sino que sean verdaderamente eficaces y atractivos para nuestros sentidos: no sólo la vista, sino também el olfacto, el oído, el gusto y el tacto. (Herzog, 2001, p. 74)82 A sensibilidade e o interesse pela própria natureza é visível no seu discurso, a preocupação de estudarem processos químicos e biológicos permitem um conhecimento real dos materiais. “Estamos muy intrigados por aquellos processos que, aunque invisibles para el ojo humano, son extremadamente importantes, y finalmente responsables de formas, colores, y de la estabilidade física de un objeto.” 83 (Herzog & de Meuron, 1993, p. 8). De facto, esta afirmação pode ser associada à abordagem dos arquitectos ao próprio vinho. Apesar dessa constante relação com a natureza, negam o naturalismo como estratégia conceptual. Defendem uma abordagem própria, que não se deixa condicionar totalmente pelas restrições e obrigações construtivas nem deixa de ser fiel ao seu fascínio pela materialidade. “[…] tratamos de infiltrar el linguaje pragmático que se nos impone, com un nuevo linguaje 82 “Estamos constantemente a intensificar e a aumentar a nossa investigação acerca dos materiais e das superfícies, às vezes sozinhos e outras vezes em colaboração com diversos fabricantes e laboratórios, com artistas e inclusive com biólogos. [...] Procuramos materiais que sejam tão inteligentes, tão virtuosos e tão complexos como os fenómenos naturais; materiais que, não só agradem o olhar exigente dos temidos críticos de arte, mas que sejam verdadeiramente eficazes e atractivos para os nossos sentidos: não só a vista, mas também o olfacto, a audição, o paladar e o tacto.” (Tradução nossa) 83 “Estamos muito intrigados por aqueles processos que, apesar de invisíveis ao olho humano, são extremamente importantes, e finalmente responsáveis de formas, cores, e da estabilidade física de um objecto.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 81 A arquitectura na enologia – nuestro proyecto – para así transformar el produto.”84 (Herzog & de Meuron, 1993, p. 10). “Con la forma, el planeamento, la estrutura y la construcción, incluso com los materiales, la técnica de Herzog & de Meuron es arquitectónica hasta el punto del fanatismo.”85 (Kipnis, 1997, p. 27). Associar uma preocupação superficial aos seus projectos tem sido assunto de vários críticos, no entanto se a noção do aspecto exterior “[…] tiene algún sentido más profundo para Herzog & de Meuron que la mera analogia, es porque la oficina no aplica la cosmética a la arquitectura como teoria o práctica prestada.”86 (Kipnis, 1997, p. 28). In actual fact, the linguistic choice of an exterior seen as a wrapping or "informative skin", characteristic of contemporary architecture, appears frequently in the work of the two Swiss architects, who use it to create a sort of "special effect" which is highly original and yet economical.87 (Franzoia, 2002) A aplicação destas características da arquitectura da dupla de arquitectos pode ser verificada neste conjunto de algumas obras da sua autoria que vamos comentar, cujo elemento de interesse principal é a fachada e a materialidade que a define. O projecto para a companhia de seguros SUVA, em Basel, surgiu no âmbito do concurso para a ampliação do edifício. Na opção de manter ou demolir o pré-existente, os arquitectos escolheram mantê-lo e adicionar uma nova fachada. Construída em 1993, a estrutura sustenta uma “[...] glass skin with window-like elements arranged in horizontal strips.”88 (Mack, 1996, p. 37) em que são usados três tipos de vidro (Ilustração 45). Os painéis dos diferentes vidros são dispostos numa sequência que depende do que acontece no interior, em que por exemplo “The prismatic glazing in the upper third of each floor reflects ultraviolet light and prevents the stone facade from overheating.”89 (Mack, 1996, p. 37). 84 “[...] tratamos de infiltrar a linguagem pragmática que nos é imposta com uma nova linguagem – o nosso projecto – para assim transformar o produto.” (Tradução nossa) 85 “Com a forma, o planeamento, a estrutura e a construção, inclusive os materiais, a técnica de Herzog & de Meuron é arquitectónica até ao ponto do fanatismo.” (Tradução nossa) 86 “[...] tem algum sentido mais profundo para Herzog & de Meuron que a mera analogia, é porque a dupla não aplica a cosmética à arquitectura como teoria ou prática prestada.” (Tradução nossa) 87 “De facto, a escolha da linguagem de um exterior visto como um embrulho ou “pele informativa”, característica da arquitectura contemporânea, surge frequentemente no trabalho dos dois arquitectos Suíços, que a usam para criar uma espécie de “efeito especial” que para além de altamente original é ainda económico.” (Tradução nossa) 88 “[...] pele de vidro com elementos parecidos com janelas dispostos em faixas horizontais.” (Tradução nossa) 89 “O vidro prismático no terceiro superior de cada piso reflecte a luz ultravioleta e previne o sobreaquecimento da fachada de pedra.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 82 A arquitectura na enologia Além da extensão da fachada e de modificações no interior do edifício original, a proposta inclui um outro edifício mais baixo, localizado junto ao primeiro e em que “The glass strips continue on the new building, while the windows there are no longer placed as a facade in front, but are fixed as traditional sash windows.” 90 (Mack, 1996, p. 37). Existe uma intenção de assegurar a consistência entre o que é construído de raiz e o que é adicionado ao que já existe, por essa razão os arquitectos usam os mesmos elementos em toda a intervenção. Uma das principais preocupações foi a integração da fachada no edifício antigo, cuja fachada ostenta uns painéis de pedra datados dos anos 50 e devido à utilização do vidro continuam visíveis sob a nova estrutura (Ilustração 46). O conjunto resulta numa face mais contemporânea, que ao mesmo tempo respeita as características originais do edifício, criando uma dupla identidade, equilibrada e sóbria. A opacidade do vidro varia ao longo da fachada, dinamizando o volume e o carácter estático do vidro. Curiosamente, os arquitectos suíços usam igualmente uma trilogia na adega Dominus – as pedras de três tamanhos diferentes que compõem a fachada. The glass shell with its strip structure connects the old and the new buildings, despite their differing heights, into a homogeneous urban entity, marking the block perimeter where they intersect. At night, the illuminated glass facade gives the building a fragile and magical appearance.91 (Mack, 1996, p. 47) 90 “As faixas de vidro continuam no novo edifício, contudo as janelas já não são colocadas na fachada em frente, mas fixadas como janelas de caixilho tradicionais.” (Tradução nossa) 91 “O revestimento em vidro com a sua estrutura em painéis conecta-se com o edifício antigo e com o novo, apesar das suas diferentes alturas, numa entidade urbana homogénea, marcando o perímetro do bloco em que eles se interceptam. À noite a fachada de vidro iluminada confere ao edifício uma aparência frágil e mágica.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 83 A arquitectura na enologia Ilustração 45 – Suva Building, Basel, Herzog & De Meuron. (Mack, 1996, p. 36) Ilustração 46 – Pormenor da fachada, Suva Building, Basel, Herzog & De Meuron. (Mack, 1996, p. 44) Em comum com o SUVA Building e a Dominus Winery, a Signal Box Auf dem Wolf tem a volumetria regular e paralelepipédica e o modo como o material de revestimento é explorado e ainda como este se transforma em estrutura, para além da função da “pele”. A torre de controlo ficou construída em 1995 e o projecto define-se como “The linear structure of the tracks is taken up in the spectacular envelope of the concrete shell by means of 10-cm-wide copper bands, which lends the surface of the signal box, for all its compactness, a certain filigree quality and movement of line.”92 (Mack, 1996, p. 29). O aspecto exterior do volume torna imperceptível o facto de ser um edifício de seis pisos. No entanto à noite, é possível ver o interior através dos vãos e das características da fachada: “At night, the interior light shows the floor structure through the windows. The copper surface, depending on time of day, light, and weather 92 “A estrutura linear das faixas é transformada num espectacular envelope da casca de betão por meio de bandas de cobre de 10 cm de largura, que atribui à superfície da torre de controlo, por ser compacta, um certo movimento às linhas e uma qualidade de filigrana.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 84 A arquitectura na enologia conditions, takes up varying colors and tactile qualities.”93 (Mack, 1996, p. 34) (Ilustração 47). There is also a certain afinity with the glass strips of the SUVA building in Basel, with which the signal box also shares a similar approach: whereas in the SUVA building the existing, “historic” structure is preserved, in the case of the signal box, the architects “historicise” the contemporary prototype of a cast concrete signal box, by wrapping it up.94 (Mack, 1996, p. 29) “[...] linear structure of copper strips – tight at one point, twisted at another – forming the outer shell of the signal box.”95 (Mack, 1996, p. 30). Ou seja, as bandas de cobre, dispostas ao longo de toda a superfície do edifício, são trabalhadas através da torção, o que confere permeabilidade ao volume que não tem vãos nem outras aberturas (Ilustração 48). O efeito causado tem aspectos distintos ao longo do dia e ao longo do tempo, pelas propriedades do próprio metal e ainda consoante o modo como a luz incide na superfície. Numa associação à envolvente e ao programa em si, “The serial construction of the railroad tracks is translated into a filigreed facade, symbolically expressing the electronic functions of the building.”96 (Mack, 1996, p. 30), o que remete para um dos factores particulares da arquitectura de H&dM – a aplicação de materiais, que através de técnicas menos comuns, exploram e provam novas possibilidades. 93 “À noite, a luz interior mostra a estrutura dos pisos através das janelas. A superfície de cobre, dependendo da hora do dia, luz, e condições atmosféricas, adquire variadas cores e qualidades tácteis.” (Tradução nossa) 94 “Existe igulamente uma certa afinidade com as tiras de vidro do SUVA building em Basel, com o qual a torre de controlo partilha uma abordagem semelhante: enquanto no SUVA building, a estrutura existente e “histórica” é preservada, no caso da torre de controlo, os arquitectos “historicisaram” o contemporâneo protótpo de uma torre de controlo em betão, embrulhando-a.” (Tradução nossa) 95 “[...] a estrutura linear das bandas de cobre – apertadas num ponto, torcidas noutro – formando a casca externa da torre de controlo.” (Tradução nossa) 96 “A construção em serie dos carris da linha ferroviária é traduzida para a fachada em filigrana, expressando simbolicamente as funcionalidades electrónicas do edifício.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 85 A arquitectura na enologia Ilustração 47 – Signal Box Auf dem Wolf, Basel, Herzog & De Meuron. (Mack, 1996, p. 34) Ilustração 48 – Pormenor da fachada, Signal Box Auf dem Wolf, Basel, Herzog & De Meuron. (Mack, 1996, p. 33) Num projecto mais recente, a dupla suíça combina novamente a preservação do edifício pré-existente com uma ampliação. As paredes de tijolo da antiga central eléctrica remontam ao início da era industrial de Madrid, o que tornou inviável a demolição total do edifício. Deste modo, para o projecto CaixaForum a fachada foi mantida, a base e o topo da estrutura modificados e o interior inteiramente renovado. A proposta para o novo centro cultural e social ficou concluída em 2008 e veio complementar a estrutura urbana da cidade, resolvendo “Problems such as the narrowness of the surrounding streets, the placement of the main entrance, and the architectural identity of this contemporary art institution [...] in a single urban and sculptural gesture.”97 (Herzog & De Meuron, 2014). Ao ser elevado o edifício gerou uma base vazada que comunica com a praça contígua e com a rua (Ilustração 49). Ao nível da cobertura, “The surprising sculptural aspect of the caixaforum’s silhouette is no 97 “Problemas como as ruas envolventes serem estreitas, a colocação da entrada principal, e a identidade arquitectónica desta instituição de arte contemporânea [...] num único gesto escultórico e urbano.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 86 A arquitectura na enologia mere architectural fancy, but reflects the roofscape of the surrounding buildings.”98 (Herzog & De Meuron, 2014). O facto do aço corten se dissimular no conjunto não retira a identidade própria com que se afirma ao nível do solo. A variação do material resulta numa tonalidade impactante. E mais uma vez, os arquitectos demonstram a potencialidade do material, empregando-o de duas maneiras, através de módulos quadrangulares. Como revestimento opaco, numa zona mais baixa e com um aspecto rendilhado na parte superior do topo, deixando a luz atravessar para o interior do edifício (Ilustração 50). Ilustração 49 – CaixaForum, Madrid, Herzog & De Meuron. (Basulto, 2010a) Ilustração 50 – Pormenor, CaixaForum, Madrid, Herzog & De Meuron. (Basulto, 2010a) Su trabajo posee la precisión y la estructura de quien encuentra universos de diferencia entre ligeras deformaciones del trazo y del gesto. Pero tambiém na riqueza de textura y sensualidad de quienes son capaces de abandonarse al desorden de la materia. [...] La envolvente como superfície de articulación entre interior y exterior, donde se registran los valores públicos del objeto arquitectónico: el rostro del edifício. (Zaera, 1993, p. 26) 98 “O surpreendente aspecto escultórico da silhueta do CaixaForum não é apenas um mero capricho arquitectónico, pois reflecte a imagem das coberturas dos edifícios envolventes.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 87 A arquitectura na enologia DOMINUS WINERY “It is a foreign object of pure geometry, yet beautifully-sited and roughly, warmly local in color, texture, and chemistry.” (Matthews, 2007). Ilustração 51 – Planta de localização, Dominus Winery, Herzog & de Meuron. (Betsky, 1998, p. 8) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 88 A arquitectura na enologia Em meados dos anos 90, Napa Valley foi um dos epicentros da revolução de um conceito. Os autores do projecto inovador para uma obra destinada à produção de vinho, Jacques Herzog e Pierre de Meuron, conquistaram assim os Estados Unidos com uma nova abordagem à adega. Projectada em 1995 e terminada em 1998, a Dominus Winery situa-se em Yountville, Califórnia, na propriedade do produtor Christian Moueix99. Habitualmente associado à arquitectura inspirada na tradição europeia e reproduzida nas propriedades vinícolas americanas, o edifício assume-se, desta forma, como uma alternativa às conhecidas tipologias e desafia o pré-conceito. A integração e dissimulação da adega na paisagem justificam-se com a horizontalidade e despretensão da própria, ao mesmo tempo que a materialidade e a tonalidade dadas pela pedra nos remetem para a natureza. A intenção do proprietário era, aliás, que o projecto complementasse a vinha histórica de Napanook 100 em vez de competir com a mesma. Curiosamente é apelidada de the stealth winery101 pelos habitantes, precisamente por se fundir com a envolvente. Há na arquitectura de Herzog & de Meuron a procura de uma ética de funcionamento do edifício até ao mais pequeno detalhe. Essa busca começou em teoria no texto “A geometria oculta da natureza”, onde explicam que os elementos invisíveis a olho nu são responsáveis pela forma, cor ou estabilidade física de um objecto: uma montanha de granito tem forma e cor diferente de uma de calcário devido a diferenças de qualidade mineral nas suas estruturas moleculares. (Herzog apud Simões, 1995, p. 9) A percepção, à distância, não nos informa da particularidade que, só de perto, identificamos na fachada. Como é habitual em várias obras da sua autoria, a dupla de arquitectos suíça reveste o edifício com um sistema invulgar, que acaba por se tornar o elemento de maior interesse no projecto (Ilustração 52). “The long, low rectangle of the main facade is severe. But within the overall plain rectangular wall expression of the gabions there is a charming measure of finer detail.”102 (Matthews, 2007). Partindo 99 Christian Moueix (1946 - ). Natural de Libourne, França. Filho de Jean-Pierre Moueix, um famoso comerciante de vinho Bordeaux, estudou Agronomia em Paris e terminou os estudos em viticultura e enologia na University of California, em Davis. Em 1970 regressou a França para gerir as vinhas de que a família é proprietária, como La Fleur Petrus, Trotanoy em Pomerol, e Magdelaine e Belair-Monange em Saint Emilion, que continuam a produzir vinho, actualmente. Foi reconhecido através de prémios como Legendo f Wine pela James Beard Foundation em Nova Iorque, em 2008 e Man of the Year pela Decanter Magazine em Londres, em 2011. 100 O produtor Christian Moueix ao regressar a Napa Valley em 1981 descobriu a vinha Napanook, situada a Oeste de Yountville, cuja uva tinha dado origem a alguns dos melhores vinhos da região nos anos 40 e 50. Moueix, através de uma sociedade, iniciou a recuperação e desenvolvimento da vinha, até se tornar o proprietário da mesma, em 1955. 101 A adega invisível. (Tradução nossa) 102 “O rectângulo longo e baixo da fachada principal é austero. No entanto, a expressão dos gabiões no conjunto geral da parede rectangular acaba por ser uma fascinante medida do mais fino detalhe.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 89 A arquitectura na enologia do facto de ser um edifício de uso industrial, o programa é distribuído de forma simples, não deixando ao mesmo tempo de provar que é possível ser um espaço valorizado em termos de carácter arquitectónico. Os autores propõem “[…] um método conceptual de aproximação ao programa muito directo, sem necessitarem de princípios reguladores. […]” (Herzog apud Simões, 1995, p. 9), e neste caso: Sendo a estrutura material de um edifício o reflexo imediato da estrutura económicosocial que o produz, os arquitectos suíços Jacques Herzog & Pierre de Meuron têm sem dúvida uma oportunidade única, quase uma obrigação, de não fazerem uma classificação hierárquica entre materiais ou métodos construtivos, usando o betão, o cobre, a madeira, o metal, entre outros, sem qualquer preocupação, apenas a de reflectir sobre o conceito de arquitectura. (Herzog apud Simões, 1995, p. 9) Infelizmente, actualmente não é possível visitar a Dominus Winery, devido a regras de ordenamento que zelam pela preservação agrícola de Napa Valley. “It is an art collectors' art object, which we can be pleased to appreciate from a distance, and in photographs, grasping simply how elegantly its concept is embodied.”103 (Matthews, 2007). Ilustração 52 – Fachada. (Spiluttini, 2008, p. 66) 103 “É um objecto de arte de coleccionadores de arte, que nós podemos estar agradecidos por apreciar à distância, e em fotografias, compreendendo simplesmente o quão elegantemente inserido está este conceito.” Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 90 A arquitectura na enologia Programa: O edifício divide-se essencialmente em três partes funcionais: o armazém, onde funciona o engarrafamento; a zona de fermentação, composta pelos depósitos de grandes dimensões e a sala de barricas, onde o vinho estagia durante dois anos, que correspondem, respectivamente, às três fases de produção mais importantes. “All the breadth of winery functions, from greeting, management, and sales to receiving, processing, fermenting, bottling, and aging, are unified into the one pure building block.” (Matthews, 2007). Deste modo, o volume traduz-se num edifício linear e regular de aproximadamente 110 metros de comprimento por 25 metros de largura e 9 m de altura (Ilustração 53), centrado no terreno, que procura a integração na malha das vinhas, tal como explicam os autores: “El edificio se sitúa en el centro de los viñedos. Las viñas de California alcanzan una altura de dos metros, de modo que el edificio se integra en la textura lineal y geométrica de los viñedos.”104 (Herzog & de Meuron, 1997, p. 182). Ilustração 53 – Alçados. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 184) O piso térreo destina-se à parte funcional e organiza-se em zonas distintas, ocupadas pelas respectivas maquinarias e depósitos de apoio à produção de vinho e ainda pela zona de armazenamento, separadas duas passagens transversais (Ilustração 54) que garantem um fácil acesso ao exterior. A mais estreita, a Sul, resolve a recepção das cargas e descargas, o acesso dos veículos e a entrada na zona de engarrafamento e o próprio armazém, onde está guardado o vinho engarrafado pronto a ser expedido. Enquanto a passagem mais larga é o ponto de intercepção da via principal da propriedade (Ilustração 51 e Ilustração 54) e a entrada social do edifício. Como é 104 “O edifício situa-se no centro das vinhas. As vinhas da Califórnia alcançam uma altura de dois metros, de modo que o edifício se integra na textura lineare geométrica das vinhas.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 91 A arquitectura na enologia visível em planta, a zona dos depósitos tem quatro ligações às duas zonas exteriores cobertas, as tais passagens, no piso térreo e uma estrutura elevada que permite aceder à zona superior dos mesmos, como se verifica nas secções (Ilustração 55). A área de recepção distribui ainda o acesso ao primeiro piso e à sala de barricas (Ilustração 58): Inside the main archway, a suitably-large painting hangs over a simple bench on the tank room side. On the right or western side, a pair of openings balance the strong simple interior elevation, one to the stair and elevator up to the offices and event areas, the other through thick bottle-green glass doors to the tasting room and the sunken barrel room beyond it.105 (Matthews, 2007) Ilustração 54 – Plantas dos pisos. (Betsky, 1998, p. 14) Junto ao armazém, no topo funcional da adega, existe ainda uma zona técnica que é exterior mas está dissimulada pela fachada, de modo a não interferir com a forma da “caixa”: “At the far east end of the building, ground-level-to-parapet gabion walls of the larger fill rock serve to wrap an outdoor working courtyard, allowing any messy activity that might otherwise distract the purity of building-in-landscape to instead be chastely contained.” (Matthews, 2007). 105 “No interior do arco principal, uma pintura suficientemente grande está pendurada sobre um simples banco junto à sala de depósitos. À direita ou do lado ocidental, um par de aberturas equilibra a forte e simples elevação interior, uma para as escadas e elevador para os escritórios e áreas de eventos, outra através de portas de vidro espesso em verde garrafa para a sala de provas e para a sala de barricas afundada que se encontra por detrás.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 92 A arquitectura na enologia Ilustração 55 – Secções transversais. (Betsky, 1998, p. 13) No primeiro piso, sobre a sala de barricas, organiza-se a parte administrativa da adega, com os escritórios “[...] cased purely in glass, inset to the left several feet inward from the building wall.”106 (Matthews, 2007), tal como acontece com a sala de conferências. Entre estes compartimentos sobram espaços abertos ao exterior, “[...] wrapped at the perimeter by the continued horizontal syncopation of steel cross-braced gabions and mesh-trellised view slots.”107 (Matthews, 2007) (Ilustração 57). Ilustração 56 – Zona de recepção e acessos no piso 0. (Betsky, 1998, p. 16) Ilustração 57 – Circulação e zona administrativa no piso 1. (Betsky, 1998, p. 16) 106 “[...] encaixados puramente em vidro, inseridos à esquerda, vários metros para dentro a partir da parede do edifício.” (Tradução nossa) 107 “[...] envolvidos em todo o perímetro pela contínua composição horizontal dos gabiões em aço cruzado e faixas em malha entrelaçada.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 93 A arquitectura na enologia Espaço: Os cortes transversais ao longo do edifício permitem-nos distinguir pés direitos diferentes em determinados espaços, como no armazém, igualmente perceptível nas plantas. Neste tipo de edifícios as exigências industriais obrigam a que as altimetrias não sejam constantes, o que pode acabar por ser um elemento de interesse arquitectónico. Como é o caso da sala de depósitos, que requer uma altura considerável devido à dimensão dos mesmos. A circulação nesta área é funcional e a nível superior, faz-se através de uma estrutura apoiada nos próprios depósitos. No entanto dois corredores proporcionam a ligação entre essa zona central do volume e o espaço administrativo. Adjacentes à fachada, atravessam a área da entrada, como demonstram estes modelos seccionados (Ilustração 58 e Ilustração 59) e geram espaços com uma atmosfera singular: “The dark corridor of a walkway bridging the flat archway opening is magically illuminated with shards of brilliant light, a crystal cave turned of the simple gabions, concrete, and steel.”108 (Matthews, 2007) (Ilustração 60). Ilustração 58 – Corte transversal, modelo tridimensional - entrada sala de barricas e acesso ao primeiro piso. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 187) Ilustração 59 – Corte transversal, modelo tridimensional – entradas zona de depósitos. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 187) The latter abstract plane slides apart to let one into the sanctuary of this oenological pilgrimage spot. There one finds a simple, bare room with a single wood table. Flip the lights on, and one sees the barrel room stretching out at a slightly lower level below one. To further enhance the mystery, frosted glass blocks one´s views of the central aisle, thus carrying the games with symmetry into the heart of the building. Bare lightbulbs dangling from the ceiling enhance the artifice of humbleness. Everything about the architecture imposes a sense of isolation and simplicity, thus increasing the aura of the moment when one actually tastes the wine.109 (Betsky, 1998, p.15) 108 “O escuro corredor da passadeira que faz a ligação sobre a abertura é magicamente iluminado com fragmentos de luz brilhante, uma caverna de cristal transformada por simples gabiões, betão e aço.” (Tradução nossa) 109 “O mais recente plano abstracto afasta-se para deixar entrar no santuário deste local de peregrinação enológico. Aí encontra-se uma sala simples, vazia com uma única mesa de madeira. Ligam-se as luzes e vemos a sala de barricas estender-se num piso ligeiramente inferior. Para aumentar o mistério, uma parede de vidro fosco bloqueia a vista para a vista do corredor central, continuando os jogos com simetria Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 94 A arquitectura na enologia Ilustração 60 – Corredor de ligação no primeiro piso. (Spiluttini, 2008, p. 67) Materialidade: O clima em Napa Valley é caracterizado pelas oscilações extremas de temperatura: altas durante o dia e baixas durante a noite. A intenção dos autores de tirar partido deste facto deu origem à escolha da estrutura e dos materiais usados: o aço e a pedra. Optaram por um sistema alternativo, contornando o facto de “En los Estados Unidos el aire acondicionado se instala automaticamente para mantener estables las temperaturas. Las estratégias arquitectónicas relativas a la regulación de temperaturas haciendo uso de los muros son desconocidas.”110 (Herzog & de Meuron, 1997, p. 183). The drama of the approach, in which the aura of the vineyards one sees through the gateway is enhanced by the chiaroscuro effect of the hills beyond, turns into a close-up view that is more like that of one of the stone sheds typical of the Napa Valley. Then the mystery sets in again as one realizes the looseness of the facade, and one begins to see the buildings as a filigreed screen (“Jacques and Pierre sent us to Seville and the para o coração do edifício. Lâmpadas nuas penduradas no tecto reforçam o carácter humilde. Tudo na arquitectura impõe um sentido de isolamento e simplicidade, aumentando a aura do momento em que efectivamente se prova o vinho.” (Tradução nossa) 110 “Nos Estados Unidos o ar condicionado é automaticamente instalado para manter as temperaturas estáveis. As estratégias arquitectónicas relativas à regulação de temperaturas através do uso das paredes são desconhecidas.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 95 A arquitectura na enologia Alhambra to study Moorish architecture”. Cherise Moueix recalls).111 (Betsky, 1998, p.15) A fachada é composta por uma estrutura de aço regular preenchida por basalto de várias dimensões, tecnicamente designada por gabião112 (Ilustração 61 e Ilustração 62). A dupla habituou-nos a técnicas, pouco comuns na arquitectura, de trabalhar materiais, vulgarmente usados em construção. “No clasificamos materiales. No preferimos unos a otros.”113 (Herzog & de Meuron, 1993, p. 23). O uso deste sistema no edifício oferece diversas vantagens – é económico e exige pouca manutenção, funciona como isolamento e como sistema passivo de arrefecimento/aquecimento, e é ecológico, na medida em que proporciona a integração do edifício no lugar. “The gabion facade walls that provide for such aesthetic subtly in composition serve also to effectively moderate the valley climate for human and enological occupants alike.”114 (Matthews, 2007). Cualquiera que sea el material que usamos para hacer un edificio estamos fundamentalmente interesados en un encuentro específico entre aquél y el edificio. El material está ahí para definir el edificio, pero el edificio está en igual medida destinado a hacer visible el material.115 (Herzog & de Meuron, 1993, p. 22) A materialidade estreita a relação com a envolvente, devido ao basalto, cujo tom varia entre o verde-escuro e o preto. A fachada caracteriza-se desta forma por uma particular e irregular superfície texturada, ao mesmo tempo que assume uma forma regular e repetitiva, pela estrutura de aço (Ilustração 63). O encontro das pedras pode resultar num muro impenetrável ou numa parede esventrada – de dia a luz natural entra e à noite, do exterior vê-se a luz artificial por entre a fachada. Ao longo da fachada distinguem-se três dimensões de pedras, o que permite uma variação de entrada de luz e de ar, consoante a função do espaço contíguo no interior “Se podría describir nuestro uso de los gaviones como una espécie de cestería de piedra com 111 “A intensidade da aproximação, em que a aura das vinhas que vemos desde a entrada é reforçada pelo efeito claro-escuro das colinas ao fundo, torna-se numa vista aproximada que é mais como um telhado de pedra típico de Napa Valley. Depois, o mistério instala-se de novo quando nos apercebemos a ligeireza da fachada, e começamos a ver os edifícios como uma tela em filigrana (“Jacques and Pierre mandaram-nos a Sevilha e Alhambra para estudar a arquitectura Mourisca.” Recorda Cherise Moueix).” (Tradução nossa) 112 Um gabião é um tipo de estrutura armada, flexível, drenante e de grande durabilidade e resistência. É composto por uma malha de fios de aço galvanizado, em dupla torção, amarradas nas extremidades e vértices por fios de diâmetro maior. Na maioria dos casos, sob a forma de paralelepípedo, para serem preenchidas com pedras. O termo tem origem italiana – gabbione, aumentativo de gabbia, que significa «gaiola». Estas estruturas são normalmente utilizadas na estabilização de taludes, muros de suporte ou obras hidráulicas. 113 “Não classificamos materiais. Não preferimos uns a outros.” (Tradução nossa) 114 115 “Qualquer que seja o material que usamos para fazer um edifício estamos fundamentalmente interessados num encontro específico entre o mesmo e o edifício, O material está lá para definir o edifício, mas o edifício está igualmente destinado a tornar visível o material.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 96 A arquitectura na enologia diversos grados de transparência, algo más cercano a una piel que la construcción tradicional.”116 (Herzog & de Meuron, 1997, p. 183) (Ilustração 64). Ilustração 61 – Pormenor da fachada. (Betsky, 1998, p. 9) Ilustração 62 – Detalhe de secção na fachada. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 191) Na arquitectura de Herzog & de Meuron, os edifícios tornam-se objectos autónomos, cada edifício difere de desenho e materiais conforme o programa e o local, mas apesar disso, são explícitos dois instrumentos na sua arquitectura: o uso da repetição como técnica de composição, anulando todo um mérito artesanal e a escala não como função linear mas relativa à envolvente. (Herzog apud Simões, 1995, p. 9) Ilustração 63 – Modelo tridimensional. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 182-183) 116 “Poderia descrever-se o nosso uso dos gabiões como uma espécie de vime de pedra com variados graus de transparência, algo que se aproxima mais a uma pele que à alvenaria tradicional.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 97 A arquitectura na enologia No piso superior além do uso abundante do vidro, “Overhead the ceiling is clad in fine gray metal mesh, with perfectly minimal detailing at every boundary.”117 (Matthews, 2007). Enquanto no piso inferior as paredes transversais à fachada são de betão armado, criando, respectivamente, uma zona mais arejada e esventrada em cima e uma maciça e fechada em baixo (Ilustração 56). Pensamos que las superfícies de un edifício deben estar siempre ligadas a lo que ocurre en su interior. El oficio del arquitecto es precisamente el de decidir cómo se produce esta conexión. El concepto de esta unión puede estar tanto en la continuidad material y estructural, o en su separación intencionada.118 (Herzog & de Meuron, 1993, p. 21) Ilustração 64 – Secção detalhada - pormenores da fachada. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 186) 117 “Acima o tecto é revestido numa fina malha metálica, com detalhes perfeitamente minimalistas em cada limite.” (Tradução nossa) 118 “Pensamos que as superfícies de um edifício devem estar sempre ligadas ao que ocorre no seu interior. A função do arquitecto é precisamente decidir como se produz esta conexão. O conceito desta união pode estar tanto na continuidade material e estrutural, como na sua separação intencional.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 98 A arquitectura na enologia 3.2. ÁLVARO SIZA VIEIRA – ADEGA MAYOR “En su obra, la arquitectura en estado puro se convierte siempre en protagonista.”119 (Moneo120, 2004, p. 200) Ilustração 65 – Álvaro Siza Vieira. (Ordem dos Arquitectos, 2010, p. 80) Álvaro Joaquim de Melo Siza Vieira nasceu a 25 de Junho de 1933 em Matosinhos. Formou-se na Escola Superior de Belas Artes do Porto, concluindo o curso de Arquitectura em 1955, ano em que iniciou a colaboração com Fernando Távora, arquitecto e professor, a quem Siza chamou de mestre. O arquitecto leccionou em várias escolas de arquitectura, incluindo a Universidade do Porto, a École Polythéchnique de Lausanne, a University of Pennsylvania, a Universidad de Los Andes de Bogotá e a Graduate School of Design of Harvard University. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa por parte de várias instituições e foi vencedor de prémios como o Pritzker (1992), o Mies van der Rohe Award for European Architecture (1988), o Prémio Leão de Ouro na Bienal de Veneza (2012), entre outros. Autor de uma vasta obra, exposta e reconhecida nacional e internacionalmente, desenvolveu uma identidade arquitectónica própria, inspirada nos princípios modernistas, apelidada de poética e que é muitas vezes, quase uma escultura. É considerado por muitos “[...] el máximo representante de aquella arquitectura que engrana con lo popular, con el sentido de la construcción tradicional.”121 (Moneo, 2004, 119 “Na sua obra, a arquitectura em estado puro converte-se sempre em protagonista.” (Tradução nossa) Rafael Moneo (1937 - ). Arquitecto espanhol. Crítico e teórico reconhecido. Leccionou várias escolas de Arquitectura, incluindo as Universidades Técnicas de Madrid e Barcelona, na Universidade de Lausanne e nas Universidades de Harvard e Princeton. Recebeu o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Lovaina, Bélgica em 1993 e pela Real Escola Superior de Tecnologia de Estocolmo em 1997. Foi reconhecido através de vários prémios, entre eles o Prémio Pritzker de Arquitectura em 1996. 121 “[...] o máximo representante daquela arquitectura que funciona com o popular, com o sentido da construção tradicional.” (Tradução nossa) 120 Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 99 A arquitectura na enologia p. 200) e citando precisamente uma poetisa, “[...] Álvaro, a tua obra “é poema de geometria e de silêncio, ângulos agudos e lisos, porque entre duas linhas vive o branco” (Costa apud Sophia de Mello Breyner Andresen, 2013, p. 214). Em Inquietud teórica y estrategia proyectual en la obra de ocho arquitectos contemporáneos Moneo questiona “[...] pero, ¿cómo trabaja Siza? – y él lo ha dicho muchísimas veces – reconociendo la realidad. Está atento al paisaje, a los materiales, a los sistemas de construcción, los usos, a las gentes que ocuparán lo construido.” 122 (2004, p. 203). E é na base da realidade, da verdade, do respeito pelo lugar que a arquitectura de Siza assenta. É frequente o próprio referir a importância do primeiro contacto com o sítio, “Todo tiene un comienzo. Un lugar vale por lo que es y por aquello que quiere ser, cosas a veces opuestas pero nunca sin una cierta relación.”123 (Siza apud Moneo, 2004, p. 205). “Se a obra de Siza teria alguma característica fundamental, esta prendia-se com o modo como trabalhava o sítio.” (Hipólito124, 2011, p. 34). O equilíbrio entre a obra e o sítio, a relação do edifício com a paisagem e as referências, declaradas ou implícitas, são elementos que definem os trabalhos do arquitecto. "Siempre he pensado que la principal inquietud de Álvaro Siza ha sido aventurarse a descubrir los frágiles encuentros donde las cosas se lanzan señales unas a otras."125 (Santos, 2007, p. 6). Pegando neste comentário é essencial referirmos ainda o elemento “programa”, o modo como Siza organiza cada tipo de edifício de acordo com a sua função, assim como de quem o vai utilizar. Do interior com o exterior e entre os espaços interiores, “One of the key aspects of the architecture of Alvaro Siza is the buildings relationship with natural light.” (Sveiven, 2014). A luz percorre o espaço interior através do modo como Siza liga zonas distintas 122 “[...] mas, como trabalha Siza? – e ele disse-o muitíssimas vezes – reconhecendo a realidade. Está atento à paisagem, aos materiais, aos sistemas de construção, aos usos, às gentes que ocupam o construído.” (Tradução nossa) 123 “Tudo tem um começo. Um lugar vale por aquilo que é e por aquilo que quer ser, coisas às vezes opostas mas nunca sem uma certa relação”. (Tradução nossa) 124 Fernando Hipólito (1964 - ). Arquitecto português, nascido em Luanda. Licenciado pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa em 1987 e doutorado em Projectos de Arquitectura pela Escola Tècnica Superior d'Arquitectura de Barcelona da Universitat Politècnica De Catalunya em 2002. Docente da Universidade Lusíada de Lisboa desde Janeiro de 1988, onde exerce funções de Coordenador e Regente da Disciplina de Arquitectura II do 2º Ano e Regente de Projecto III do 5ºAno. Autor de algumas obras construídas, publicadas e nomeadas para exposições e prémios de arquitectura, entre as quais Sítio, Projecto e Arquitectura. Dedica-se também a projectos na área da Arquitectura de Interiores. 125 “Sempre pensei que a principal inquietude de Álvaro Siza tem sido aventurar-se a descobrir os frágeis encontros em que as coisas transmitem sinais umas às outras.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 100 A arquitectura na enologia através de pisos vazados, mezaninos e duplos pés direitos. Na sua obra, o espaço respira, as paredes não sufocam e as portas não o fecham. Siza sublinha o valor da transitoriedade, qualidade que exprime a maturação própria de quem busca resolver problemas de desenho - onde uma sombra define uma pala, um sentido inscreve uma rampa ou uma vista faz abrir um vão. [...] Descobre-se assim o seu sentido de reminiscência, de pertença a um sítio e a sua circunstância. (Carrapa, 2007, p. 67) Embora esteja inserida num programa pouco comum nos projectos da autoria do arquitecto, a obra que vamos comentar mais à frente tem elementos paradigmáticos a outras, nomeadamente a materialidade que é característica da assinatura de Siza, e as relações espaciais interiores e com o exterior. No caso da Escola Superior de Educação de Setúbal, a localização destacada do centro da cidade, permite o contacto do edifício com a paisagem e impõem limites menos rigorosos. Em termos formais, à semelhança da Adega Mayor, o edifício desenvolve-se num volume alongado que gera pátios nos topos, cada um com uma definição e função própria, e que se volta para si mesmo. Na sua descrição, “[...] pode falar-se de uma massa irregular espraiando-se no terreno, da qual foi escavado um molde rectangular, centrado e simétrico.” (Matos, 1994, p. 9), sendo que por estar “[...] colocado a uma cota média, encontra-se assim ligeiramente afundado para o lado do pátio porticado (Ilustração 66), e sobreelevado para o lado da cantina e recursos sobreelevação ampliada para sudeste, criando uma extensa plataforma nivelada [...]” (Matos, 1994, p. 13) (Ilustração 67). O observador é assaltado pela surpresa quando contempla, junto a essas outras colunas repetitivas, ordenadas, perfeitas na sua geometria, a familiaridade quase descorçoante de uma peça única na natureza. [...] A relação primitiva de abundância inverteu-se: entre artifício e natureza, aqui é a natureza a peça rara. (Matos, 1994, p. 13) Como acontece no Alentejo, o arquitecto tira proveito do próprio declive do sítio, o que transmite a ideia de que a implantação do edifício não é forçada, mas natural – “[...] é sinal da intocabilidade do terreno, de uma colonização do território que às vezes é leve, mal aflorando o solo.” (Matos, 1994, p. 13). Em relação ao interior, perante um programa de exigências próprias de uma instituição de ensino, “A modulação da retícula, a repetibilidade e sistemacidade dos pormenores e materiais parecem ter sido neste caso o suporte para a generosidade das áreas comuns. [...] e variedade dos espaços de sociabilidade, e a permeabilidade de todo o edifício,” (Matos, 1994, p. 17). Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 101 A arquitectura na enologia [...] o pátio da cantina, o pátio enterrado, o acesso por rampa à biblioteca, os terraços da associação de estudantes e frente à cantina, o átrio e seus prolongamentos, os corredores internos, os prados exteriores, etc., proporcionam possibilidades de encontro frequentes e em ambientes muito caracterizados de exposição ou intimismo, luz ou penumbra, som ou silêncio. (Matos, 1994, p. 17). Ilustração 66 – Escola Superior de Educação de Setúbal, Álvaro Siza Vieira. (Trigueiros, 1995, p. 26) Ilustração 67 - Escola Superior de Educação de Setúbal, Álvaro Siza Vieira. (Trigueiros, 1995, p. 29) O percurso de uma adega pode ser interpretado, por analogia, a uma visita a um museu. O objectivo de conhecer o que está exposto no interior acontece nos dois casos, e o arquitecto trabalha o espaço de modo a complementar esse objectivo com a própria arquitectura do edifício. Valoriza o caminho que o visitante percorre e define espaços com características distintas, consoante a função que acolhem ou simplesmente para qualificar um espaço que não se destina a estar ocupado. Um projecto de referência do arquitecto Siza Vieira é o Museu de Arte Contemporânea da Fundação Serralves (1991-1999) no Porto (Ilustração 68). Destaque mais uma vez para a ortogonalidade e o predomínio do branco, em que “These abstract and mute white walls with occasional openings, which frame unexpected views of the garden, create a minimal intrusion into the landscape [...]” (alvarosizavieira.com, 2014), enquanto o “[...] granite-clad base follows the variations of the ground along a slope descending by several meters from north to south.” (Alvarosizavieira.com, 2014). A organização do programa gera as relações de altimetria, luz/sombra e cheio/vazio, assim como as relações visuais entre os diferentes espaços no museu (Ilustração 69). Próximo à entrada do Museu há um balcão de recepção e informação. A partir deste espaço há uma passagem para um átrio quadrado com pé direito duplo e uma luz de tecto. Este átrio é centrado nos eixos longitudinais e transversais que definem a Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 102 A arquitectura na enologia construção. O posicionamento das aberturas neste átrio e nas salas adjacentes prolonga visualmente o eixo para o exterior, em todas as direcções cardinais. (Cremascoli, 2013, p. 45) Ilustração 68 – Fundação Serralves, Álvaro Siza Vieira (Cremascoli, 2013, p. 47) Ilustração 69 – Fundação Serralves, Álvaro Siza Vieira (Cremascoli, 2013, p. 47) A materialidade e a iluminação são igualmente paradigmáticas no projecto da Igreja de Santa Maria, em Marco de Canavezes, construída em 1996. O edifício, de planta simples e regular é rasgado “[...] por 3 grandes aberturas de 3,5 m de largura e 5 de altura, de grande profundidade, encaixadas na dupla parede curva interior, uma abertura horizontal contínua com peitoril a 1,3 metros do pavimento, ao longo da parede Sudeste.” (Cremascoli, 2013, p. 41), definindo assim a luz natural no interior da igreja. Materiality is signature in Siza’s work; the external walls are constructed of whitewashed reinforced concrete, the internal walls and ceilings of stucco, which is covered by tiles or marble where water runs. Wood, granite and marble comprise the floors, and the roof is created with zinc sheeting.126 (Sveiven, 2014) Materialmente, o edifício é marcado pelo uso, uma vez mais, de revestimento no embasamento exterior e ainda nas paredes interiores, até à altura dos vãos (Ilustração 70). O branco das obras de Siza ganha equilíbrio e a monotonia é quebrada com este apontamento, quase sempre em tons pétreos (Ilustração 71). O acesso principal não 126 “A materialidade é a assinatura do trabalho de Siza; as paredes exteriores são construídas em betão reforçado caiado, as paredes interiores e os tectos são estucados, que por sua vez é revestido por azulejos ou mármore em que a água escorre. Madeira, granito e mármore compõem o pavimento, e a cobertura é feita de chapa de zinco.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 103 A arquitectura na enologia está, conforme a tradição, voltado para a rua e resguarda deste modo a igreja e a zona exterior junto à entrada, “The church forms an “acropolis” as it stands on its site with its back turned to the noisy road.”127 (Sveiven, 2014) (Ilustração 72). O modo como o autor reinterpreta uma tipologia tradicionalmente definida como é o caso da igreja e como é o caso que estamos a tratar, a adega, oferece ao edifício um valor renovado, quebrando alguns paradigmas e exaltando a arquitectura. Ilustração 70 – Igreja de Santa Maria, Álvaro Siza Vieira (Cremascoli, 2013, p. 42) 127 “A igreja forma uma “acropolis”, uma vez que está assente no local de costas voltadas para a estrada ruidosa.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 104 A arquitectura na enologia Ilustração 71 – Igreja de Santa Maria, Álvaro Siza Vieira (Sveiven, 2014) Ilustração 72 – Igreja de Santa Maria, Álvaro Siza Vieira (Cremascoli, 2013, p. 43) A musical ordem do espaço, a manifesta verdade da pedra, a concreta beleza do chão subindo os últimos degraus, a luminosa contensão da cal, o muro compacto e certo contra toda a ostentação, e refreada e contínua e serena linha abraçando o ritmo do ar, a branca arquitectura e nua até aos ossos. Por onde entrava o mar. (Andrade, 2014, p. 132) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 105 A arquitectura na enologia ADEGA MAYOR “A perturbação da ordem existente gerou outra ordem: na corrente mansa da planície alentejana foi introduzido um ressalto significativo e duradoiro.” (Higino, 2007, p. 313) Ilustração 73 – Vista aérea. (Google, 2013) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 106 A arquitectura na enologia Construir num sítio excessivamente belo é um desafio tremendo para um arquitecto: há sempre o perigo de o destruir. Quando a paisagem canta (porque é ‘bela e incólume’, como afirma Siza no texto ao lado) é difícil conciliar a sobreposição de outra música. O belo é tirânico, pelo que não gosta de concorrência ou só suporta quando está à sua altura. (Higino, 2007, p. 313) Do projecto de Álvaro Siza Vieira para a adega do Grupo Nabeiro nasceu um volume alongado e horizontal, que contrasta com o azul do céu e o verde da terra, como contrasta uma casa caiada com a paisagem de Campo Maior, “[...] evocando a linearidade e a unicidade dos “montes alentejanos”. [...] o edifício assume uma monumentalidade próxima de uma fortaleza ou de um mosteiro, emergindo na planície como um guardião de preciosos tesouros “sacros”.” (Grande, 2007, p. 13) (Ilustração 73). A Adega Mayor, finalizada em 2007 “[...] é uma português, representando uma referência no enoturismo indústria vinhateira através do protagonismo da arquitectura que a alberga.” (Serra, 2013, p. 36). Ilustração 74 – Esquisso, Álvaro Siza Vieira. (Castanheira, 2007, p. 316) Ilustração 75 – Esquisso, Álvaro Siza Vieira. (Castanheira, 2007, p. 315) Pela precisa linguagem da forma, cor, textura, a arquitectura inscreve-se numa herança mais arcaica. Para fundar na paisagem um lugar institucional, um meio de vida, a marca de uma transcendência que transforma a natureza em cultura. (Carrapa, 2007, p. 67) Programa: Resguardada a Norte pela Serra de São Mamede e próxima do Guadiana a Sul, a localização da Herdade das Argamassas, sob um clima ameno, evita temperaturas extremas. A adega está implantada numa zona argilosa ligeiramente elevada em relação à vinha de 67 ha, plantada há vários anos na propriedade, juntamente com o Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 107 A arquitectura na enologia montado que a rodeia. Sem ser totalmente plana a envolvente tem uma suave ondulação e parece ser salpicada por sobreiros até perder de vista. O caminho de acesso à estrada principal é comum à Fábrica Delta Cafés, de modo que os edifícios estão próximos, mas destacados entre si. “O rectângulo de 40x120 metros da adega assenta na cavidade existente e ergue-se em muros quase cegos de 9 metros de altura.” (Siza, 2005, p. 312), deixando as faces de maior comprimento do volume livres de vãos (Ilustração 76). A entrada principal, pela qual acedem os visitantes, situa-se no topo Sudoeste à cota 312,00 metros (Ilustração 77), sendo que a passagem dos veículos agrícolas faz-se através de uma rampa, que culmina no topo oposto a uma cota 4 metros mais alta, direccionada à zona funcional da adega. “No espaço entre os dois topos estende-se, em paralelo, o complexo percurso de produção e a penumbra do armazenamento.” (Siza, 2005, p. 312). Ilustração 76 – Vista Sul. (Siza, 2008, p. 229) Ilustração 77 – Pormenor entrada. (Ilustração nossa, 2013) As áreas de maior dimensão e de carácter industrial – produção e armazenamento – encontram-se ao nível do solo, enquanto a respectiva cobertura é simultaneamente um longo terraço que se estende frente à sala de provas, no último piso. O desenvolvimento horizontal composto por estes espaços amplos contrasta com a Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 108 A arquitectura na enologia escala do conteúdo programático do topo sudoeste que se organiza em três níveis: “No volume vertical localizam-se as funções humanas, num piso intermédio destinado a suporte técnico e administrativo e ainda um piso superior de uso social.” (Carrapa, 2007, p. 68) (Ilustração 83). No piso 0, o átrio privilegia a luminosidade ao receber os visitantes. O mesmo espaço inclui um balcão de recepção e acessos verticais aos restantes pisos, assim como permite aceder à zona de produção. A visita guiada à adega encaminha o percurso para o restante programa do piso, desde logo diferenciado ao nível da luz e dos próprios materiais de revestimento - de um espaço iluminado de paredes brancas e portas de vidro passamos para um espaço escuro, em betão aparente e portas de aço inoxidável. Ao lado da loja e do armazém, visíveis nos desenhos, mas inacessíveis na parte inicial do percurso da visita, encontra-se um pequeno auditório, que proporciona o visionamento de um filme alusivo à história da marca, da produção de vinho e do projecto da adega. “Na Adega Mayor, o programa é a narrativa do ritual de maturação da uva, da fermentação ao lento estágio do vinho.” (Carrapa, 2007, p. 68). As uvas iniciam o caminho no lado oposto à entrada do visitante, na entrada de maior cota, “[...] following the flow of gravity, they travel through a downpipe into individual maceration tanks.” 128 (Woschek et al., 2012, p. 29). Voltando ao corredor central, percorremos o edifício no seu comprimento, paralelamente à zona de engarrafamento e dos depósitos de fermentação do vinho branco (Ilustração 78 e Ilustração 79). Junto à estrada das cargas e descargas encontramos os depósitos que contêm o vinho tinto, onde se distingue o uso de tonéis de madeira para além dos depósitos de inox (Ilustração 80). Sobre estes últimos assenta uma estrutura que permite o acesso ao nível da cota da rua, que neste caso é utilizada para tirar partido da gravidade (Ilustração 84 e Ilustração 85). Neste topo da adega funciona a recepção da uva, pelo que é necessário garantir o acesso e circulação aos veículos agrícolas (Ilustração 81). Toda a zona de produção descreve um L, que é visível em planta, resolvendo a distribuição funcional do piso zero de modo simples e prático, garantindo o correcto desempenho do processo de vinificação (Ilustração 83). 128 “[...] seguindo o fluxo da gravidade, elas viajam através de um tubo descendente até aos tanques de esmagamento.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 109 A arquitectura na enologia In a wine-production facility, the rooms in the work areas are arranged to accommodate the various phases of wine production. The fermenting cellar is actually a multi-purpose room, since the grape receiving, sorting, destemming, crushing, maceration, fermentation, pressing, and conveyance of the pomace takes place here.129 (Woschek et al., 2012, p. 23). Ilustração 78 – Zona de engarrafamento. (Ilustração nossa, 2013) Ilustração 79 – Circulação e depósitos de vinho branco. (Ilustração nossa, 2013) Ilustração 80 – Depósitos de vinho tinto. (Ilustração nossa, 2013) Ilustração 81 – Zona de recepção da uva. (Ilustração nossa, 2013) Ao centro da planta, adjacente à fachada Noroeste e ligeiramente enterrada está a sala de barricas, onde “The wine ages in numerous, seemingly endless rows of oak barrels.”130 (Woschek et al., 2012, p. 29), o espaço com a área mais generosa do piso térreo, cuja estrutura de paredes portantes de betão e alvenaria dispensa qualquer pilar (Ilustração 82). A sala de barricas dispõe de dois acessos, o que possibilita a continuidade do percurso depois dos visitantes atravessarem calmamente o espaço, em que incorporam toda a atmosfera que o envolve, desde os odores à temperatura. 129 “Numa instalação de produção de vinho, as salas nas áreas de trabalho são organizadas para compreender as várias fases da produção de vinho. A zona de fermentação é na realidade um espaço multifuncional, desde a recepção das uvas, triagem, desengace, esmagamento, maceração, fermentação, prensagem, e o transporte do mosto têm lugar aqui.” (Tradução nossa). 130 “O vinho envelhece em numerosas, aparentemente intermináveis filas de barricas de carvalho.” (Tradução nossa). Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 110 A arquitectura na enologia Ilustração 82 – Sala de barricas. (Ilustração nossa, 2013) Seguidamente na visita, os turistas são encaminhados de novo ao átrio da recepção e prosseguem para os próximos pisos. O piso 1 compreende as áreas destinadas aos funcionários da empresa – laboratório, sala de reuniões e escritório da administração (Ilustração 83). Finalmente, o último piso, dedicado aos visitantes e à promoção da marca, inclui sanitários, arrumos e copa para o apoio à prova de vinhos que se proporciona neste espaço, voltado ao terraço e à restante paisagem alentejana (Ilustração 84). No percurso da visita acontece um momento de pausa e aqui são dados a conhecer ao visitante os vinhos produzidos na adega ao mesmo tempo que se disfruta e contempla o espaço e a zona exterior. De volta ao piso 0, a visita culmina na loja, permitindo ao visitante/turista adquirir o vinho produzido na adega entre outros produtos da marca. A loja tem um acesso directo ao exterior, o que possibilita a saída directa do edifício, sem ser necessário voltar ao átrio de entrada. A área exterior adjacente à entrada do edifício garante ainda alguns lugares de estacionamento, sob uma ligeira estrutura de cabos de aço. Mais uma vez a questão funcional surge como definidora do espaço, sendo que nesta zona podem ocorrer cargas e descargas devido ao facto de aceder à sala onde está guardado o vinho embalado, pronto a ser comercializado. Estes espaços têm duplo acesso, ao interior e ao exterior, facilitando a circulação pública/privada (Ilustração 83). Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 111 A arquitectura na enologia Ilustração 83 – Plantas dos pisos 0 e 1.131 (Woschek et al., 2012, p. 27) Ilustração 84 – Planta piso 2. (Castanheira, 2007, p. 321) 131 1 – Entrada, 2 – Recepção, 3 - Loja, 4 – Armazém de garrafas, 5 – Linha de engarrafamento, 6 – Depósitos de fermentação (vinho branco), 7 – Despensa, 8 - Depósitos de fermentação (vinho tinto), 9 – Sala de barricas, 10 – Vestíbulo, 11 – Laboratório, 12 – Administração, 13 – Espaço vazio, 14 – Recepção da uva, 15 – Zona técnica. (Tradução nossa). Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 112 A arquitectura na enologia Ilustração 85 – Alçado Sudeste e secção longitudinal. (Siza, 2008, p. 236) Ilustração 86 – Secção longitudinal e alçado Nordeste. (Siza, 2008, p. 237) Ilustração 87 – Alçados Sudoeste e Noroeste e secções transversais. (Siza, 2008, p. 238) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 113 A arquitectura na enologia Espaço: É com naturalidade que na Adega Mayor a simplicidade exterior contrasta com a complexidade interior. Se a zona de administração pode ser considerada mais institucional, por todos os aspectos de logística associados aos trabalhadores e produção do vinho, a zona pública é a que corresponde à parte de produção, em que os espaços para o armazenamento do vinho são também áreas de prova e fruição, abertos aos sentidos. (Vieira, 2008, p. 66) Da força escultórica que a obra transmite, por ser “[...] um puctum no studium, quer dizer, marca o campo aberto da paisagem.” (Higino, 2007, p. 313) podem resultar variadas percepções e interpretações. A adega não confronta outra construção, não tem necessidade de se relacionar conceptualmente com o que existe, pois é a única presença (Ilustração 88). Apenas dialoga com a natureza: “O edifício desperta forças latentes e introduz outras novas. O seu mérito está em promover um equilíbrio em tensão entre as forças da paisagem e as da construção.” (Higino, 2007, p. 313). De facto, uma das justificações da implantação da adega estar no centro das vinhas, prende-se com a distância percorrida no transporte das uvas. Ou seja, assim os tractores demoram o mesmo tempo a chegar à recepção – a primeira etapa da vinificação – evitando comprometer a qualidade do vinho, devido ao facto da uva iniciar o processo de fermentação desde o momento em que é separada da videira. Ilustração 88 – Vista Poente. (Castanheira, 2007, p. 328) Na quase total inexistência de vãos abertos ao exterior, é um “[...] jogo inteligente de aberturas e vazios entre-pisos, que tornam esses dois mundos comunicantes [...]” Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 114 A arquitectura na enologia (Grande, 2007, p. 13), assim como o facto das altimetrias não serem constantes. São estas relações espaciais que fazem a luz natural chegar ao interior do edifício, cuja entrada acontece essencialmente em dois pontos: pelo topo Sudoeste, através da entrada principal no piso térreo e pelo topo oposto ao nível do último piso, pela abertura para o terraço. A sala de barricas é, minimamente, iluminada por luz artificial, no entanto recebe luz natural pelo vão rasgado no primeiro piso, criando igualmente contacto visual entre os dois espaços - “A window affords another look from above at the impressive wine cellar.”132 (Woschek et al., 2012, p. 29). Deste modo a opacidade das fachadas é compensada pelas passagens de luz entre os pisos, como o facto do vestíbulo no primeiro piso ter uma parte vazada, que permite a ligação com o átrio no piso 0. No mesmo piso, uma zona de pé direito duplo relaciona-o com o segundo piso e ainda com o terraço graças ao vão que proporciona luz natural a todas estas áreas interiores envolventes. As zonas de circulação do primeiro piso estão ocupadas por instalações de arte temporárias ou permanentes, o que propõe algum dinamismo a este espaço, que para o visitante é apenas um espaço de passagem (Ilustração 89). Proporcionando uma vista privilegiada sobre a paisagem e funcionando como espaço de contemplação, o terraço estende-se frente ao espaço de maior carácter turístico do edifício (Ilustração 90), a sala de provas, onde são degustados os vinhos mais característicos da marca e ainda a história da parceria do Comendador Rui Nabeiro com o arquitecto Álvaro Siza Vieira, que para além da arquitectura inclui peças de design. Curiosamente foi lançado recentemente um vinho, produzido na adega e de edição limitada, sob o nome “Siza”, homenageando o arquitecto. 132 “Uma janela oferece outro olhar sobre a impressonante sala de barricas.” (Tradução nossa). Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 115 A arquitectura na enologia Ilustração 89 – Piso 1. (Ilustração nossa, 2013) Ilustração 90 – Terraço e fachada piso 2. (Castanheira, 2007, p. 335) Materialidade: Toda a superfície exterior é dominada pelo branco, fazendo alusão às casas caiadas tradicionais do Alentejo e tirando partido da sua utilidade em questões térmicas: “The entire outer facade is white, featuring the same whitewash traditionally used on the houses in Alentejo. The paint reflects the sunlight and protects the interior from too much heat.”133 (Woschek et al., 2012, p. 27). Apenas na aproximação ao edifício damos conta da presença de textura na fachada, que de longe aparenta ser somente uma parede branca lisa. A textura é garantida pelo embasamento de alvenaria de tijolo maciço de 15 cm caiado (Ilustração 91). “Na penumbra das entranhas abre-se a longa nave de armazenamento, uma extensa caixa de betão com chão de pedra. Longas traves de madeira desenham linhas longitudinais para o assento das pipas.” (Carrapa, 2007, p. 68). Na sala de barricas a temperatura e a humidade têm influência no estágio dos vinhos, pelo que a escolha dos materiais tem de ser especialmente criteriosa. Às paredes de 45 cm da estrutura portante de betão do edifício junta-se uma parede dupla de alvenaria e ainda o isolamento, o que dá origem a cerca de 80 cm de separação do interior para o exterior. O suficiente para manter o ambiente ideal para os vinhos envelhecerem. No pavimento deste espaço, as juntas entre os blocos de pedra foram deixadas propositadamente por preencher, precisamente para deixar passar a humidade da terra para o interior. Neste espaço a temperatura é igualmente regulada pela cobertura ajardinada e pelo espelho de água que impede a acumulação de calor devido à exposição solar característica da localização geográfica (Ilustração 92). 133 “Toda a fachada exterior é branca, exibindo a mesma cal usada tradicionalmente nas casas no Alentejo. A pintura reflecte a luz solar e protege o interior do calor excessivo.” (Tradução nossa). Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 116 A arquitectura na enologia Ilustração 91 – Pormenor da fachada. (Ilustração nossa, 2013) Ilustração 92 – Terraço ajardinado. (Ilustração nossa, 2013) Uma grande porta de vidro separa a área da recepção da área de produção, pelo que a primeira não acusa a componente industrial da segunda por apresentarem revestimentos e materiais distintos, como já referimos. “Siza distingue estas fases do trabalho da adega, atribuindo, aos gabinetes e laboratórios, o conforto de pavimentos e lambris em mármore, alternando com soalhos e carpintarias em madeira, e de paredes e tectos estucados” (Grande, 2007, p. 13) (Ilustração 93) que contrastam com o betão aparente usado nas paredes das zonas funcionais da adega, cujo pavimento é revestido a resina epoxy (Ilustração 94). Várias exigências inerentes a este programa condicionam a aplicação dos materiais nestas áreas, isto é, garantir as necessidades de higiene e segurança nos espaços de trabalho torna-se um factor prioritário. Ilustração 93 – Piso 1. (Ilustração nossa, 2013) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma Ilustração 94 – Piso 0. (Ilustração nossa, 2013) 117 A arquitectura na enologia 3.3. MENOS É MAIS – ADEGA QUINTA DO VALLADO “Subversão e regra são temas que nos agradam: criar as regras para subverter.” (Guedes; Campos, 2009, p. 44) Ilustração 95 – Cristina Guedes e Francisco Vieira de Campos. (Guedes; Campos, 2009) Cristina Guedes nasceu em Macau em 1964. Francisco Vieira de Campos, nascido em 1962 é natural do Porto. Os arquitectos são ambos formados pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto e estagiaram com Siza Vieira e Souto de Moura, respectivamente. Na mesma cidade, fundaram em conjunto o atelier Menos é Mais Arquitectos Associados em 1994. Cristina Guedes lecciona a cadeira de Projecto no Departamento de Arquitectura da Universidade Lusíada do Porto desde 1994. Na mesma faculdade, Francisco de Campos foi docente da cadeira de Projecto entre 1998 e 2010. O arquitecto lecciona a mesma cadeira na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto desde 2010. Da sua obra construída contam-se projectos de pequena e maior escala, entre habitações particulares e uma série de equipamentos públicos. A dupla revela a importância do “[...] exercício de construir nas margens [...]” (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2014). São vários os projectos que se localizam em torno do Douro, o que proporciona a exploração de uma arquitectura intimamente ligada à topografia e à paisagem. E usando ainda o outro sentido da palavra, “Construir nas margens – também nos limites da disciplina.” (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2014). Os arquitectos afirmam ainda: “Subversão e regra são temas que nos agradam: criar as regras para subverter.” (Guedes; Campos, 2009, p. 44). Os seus projectos exploram as possibilidades tecnológicas, conjugando-as com processos construtivos mais arcaicos, justificando que “Não é o desejo de sofisticação construtiva que nos move, move-nos o desejo de potenciar as qualidades e atributos Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 118 A arquitectura na enologia dos materiais, bem como apurar as técnicas construtivas mais apropriadas para cada projecto.” (Guedes; Campos, 2009, p. 44). O material como elemento gerador da relação do projecto com o próprio programa, ou com a paisagem em que está inserido é uma constante no trabalho que desenvolvem. Anteriormente ao projecto para a Adega, os arquitectos projectaram duas fábricas no âmbito da indústria automóvel para a Autoeuropa, em Palmela. Os edifícios, de programas detalhadamente definidos, exigências e características a cumprir escrupulosamente deixam pouca margem para alguma liberdade arquitectónica na organização do espaço. Deste modo exploram-se as partes do programa que apresentam menos condicionantes, como revelam os arquitectos: “Nos projectos das fábricas (autoeuropa) as exigências da indústria – modulação, seriações e préfabricação - complementam-se com o desenho individualizado e personificado dos espaços de trabalho do staff.” (Guedes; Campos, 2009, p. 45). E afirmam ainda que “O potencial poético de imagens retiradas como fragmentos de ambientes da construção, e de infra-estruturas industriais interessam-nos como reciclagem do nosso processo de trabalho.” (Guedes; Campos, 2009, p. 45). Pensamos que cada projecto deve representar sempre um renovado empenho em captar o que é único e intransferível em cada episódio arquitectónico. A incorporação da circunstância, a atenção aos limites das possibilidades de realização, aos meios disponíveis, as condições de produção locais, às vivências e cultura dos lugares, a capacidade de utilização do projecto como ferramenta de leitura e reavaliação do território cultural e físico – são aspectos da nossa formação que estão presentes. (Guedes; Campos, 2009, p. 48) Na Unidade Industrial da Inapal Metal Autoeuropa, construída em 2006, a materialidade é o elemento dominante (Ilustração 96). Neste caso, foi escolhido “[...] um só material de revestimento (chapa metálica trapezoidal), que se adapta e uniformiza todas as situações de projecto. O material torna-se conceito e síntese da solução.” (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2009b). A chapa metálica, que é utilizada de duas maneiras, permite o revestimento opaco ou através da forma de favo de abelha, deixando passar a luz e o ar, e remete-nos para a própria materialidade do automóvel (Ilustração 97). Sendo que para além da forte componente técnica, proporciona “[...] efeitos inesperados de domesticação e humanização dos espaços sociais da unidade industrial.” (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2009b). Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 119 A arquitectura na enologia Ilustração 96 – Unidade Industrial da Inapal Metal Autoeuropa, Palmela, Menos é Mais. (Basulto, 2008) Ilustração 97 - Unidade Industrial da Inapal Metal Autoeuropa, Palmela, Menos é Mais. (Basulto, 2008) Nós constatamos que a pele pode ser revestimento ou estrutura: na Inapal Metal a pele é revestimento; no novo volume da Esplanada Ar de Rio a pele torna-se estrutura. Aparentemente com um mesmo tema formal – o favo de abelha – os dois projectos mostram diferentes materialidades. (Guedes; Campos, 2009, p. 48) O projecto Bares de Gaia propõe um conjunto de bares sob a forma de pavilhões metálicos junto ao Rio Douro com um conceito comum (Ilustração 98): O design foi definido por alguns conceitos-chave: grande simplicidade e máxima eficiência através de economia de meios, tudo com o intuito de procedimentos standard que geram soluções standard. Esta é a razão pela qual estamos perante um kit de módulos que pode ser fácil e livremente adaptado e combinado. (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2009a). Sob premissas como a efemeridade e a mobilidade os arquitectos partiram do princípio conceptual e do próprio design dos transportes. Essas intenções reflectem-se nos materiais usados, na forma e em detalhes particulares. A dupla afirma: “A pele não é uma nova temática no trabalho do nosso atelier, nem conceitos como standartização ou mobilidade.” (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2009a). Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 120 A arquitectura na enologia Os Bares ficaram concluídos em 2002 e em 2008 foi feita uma ampliação a um dos volumes. Como se pode verificar em planta, a flexibilidade dos dois módulos permite diferenciá-los, permitindo, por exemplo, enviesar um deles (Ilustração 98). As duas partes estão unidas por uma manga flexível, sugerindo a referência às mangas de apoio aos aviões (Ilustração 99). Ilustração 98 – Planta de localização dos Bares de Gaia, Menos é Mais. (Basulto, 2009) O projecto de ampliação do Ar de Rio em 2008 pedia uma esplanada adaptável às diferentes estações do ano (Ilustração 101). “O novo volume é a pele que se torna estrutura.” (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2009). Apesar do material ser comum ao projecto da Inapal, as aplicações e intenções não o são, provando a versatilidade do favo de abelha, cuja “[...] estrutura hexagonal autoportante [...] permite vencer um grande vão de 27 m de comprimento” (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2014). O volume da esplanada contrasta com restantes módulos, cujos materiais definem um espaço mais fechado e de limites claros, apesar do uso do vidro (Ilustração 100). A nova estrutura contraria o carácter estático dos volumes existentes e afirma-se como modelo estrutural, para além de funcionar como material de revestimento (Ilustração 102). “À precisão, rigor e repetição da estrutura contrapõem-se as suas ilimitadas possibilidades expressivas: jogos de sombra e luz, transparência, opacidade e invisibilidade.” (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2014). Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 121 A arquitectura na enologia Ilustração 99 – Bar de Gaia (2002), Menos é Mais. (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2014) Ilustração 101 – Ar de Rio (2008), Menos é Mais. (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2014) Ilustração 100 – Bar de Gaia (2002), Menos é Mais. (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2014) Ilustração 102 – Pormenor da estrutura, Ar de Rio (2008), Menos é Mais. (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2014) À semelhança do projecto da Adega, o Teleférico na Zona Histórica de Vila Nova de Gaia “[...] teve como desafio intervir numa paisagem tão impressionante e, simultaneamente, conciliar toda a complexidade tecnológica que caracteriza o programa de um teleférico.” (Guedes + Decampos, 2011). Projectado em 2007 e construído em 2011, o Teleférico é mais uma das intervenções da dupla de arquitectos que articula o Douro, o declive acentuado das suas margens e um programa particularmente técnico. E ainda a questão da materialidade, da preocupação prática e económica. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 122 A arquitectura na enologia O Teleférico “[...] tem uma componente lúdica e funcional, ligando as caves e os equipamentos de restauração da marginal ao metro e à Serra do Pilar, situados à cota alta.” (Guedes + Decampos, 2011). O projecto inclui duas estações de carácter distinto que apoiam a circulação do Teleférico em sítios opostos. A Estação Alta adossa-se à encosta e a respectiva cobertura funciona como entrada na cota mais alta, que é feita através de rampas (Ilustração 103). A Estação Baixa situa-se junto à Marginal do Rio Douro e o seu “[...] conceito arquitectónico reside numa estrutura simples e pragmática inspirada na ossatura de um barco [...]” (Guedes + Decampos, 2011), como explicam os arquitectos, justificando os materiais usados: “[....] um esqueleto de ferro com ripados verticais metálicos é suspenso sobre uma estrutura central (quilha) constituída por uma laje de betão que se apoia sobre um elemento central de betão longitudinal ao edifício, formando duas grandes consolas.” (Guedes + Decampos, 2011) (Ilustração 104). Ilustração 103 – Teleférico - Estação Alta, Vila Nova de Gaia, Menos é Mais. (Basulto, 2012) Ilustração 104 – Teleférico - Estação Baixa, Vila Nova de Gaia, Menos é Mais. (Basulto, 2012) A materialidade resume-se ao uso do betão e do metal, que conferem uma tonalidade neutra aos volumes, sendo que um é maciço e o outro transparente. O betão aparente predomina na Estação Alta e ao longo das rampas do percurso entre as ruas a diferentes cotas as paredes são “perfuradas”, deixando passar a luz e gerando vistas pontuais (Ilustração 105). Para contrastar com as paredes compactas de betão, o uso do ripado metálico dá algum dinamismo e ligeireza às estruturas. “A forma ritmada dada pelo ripado confere uma aparência mutante ao objecto, com suaves efeitos ópticos resultantes das mudanças de luz ao longo do dia.” (Guedes + Decampos, 2011) (Ilustração 106). Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 123 A arquitectura na enologia Ilustração 105 – Pormenor Teleférico - Estação Alta, Vila Nova de Gaia, Menos é Mais. (Basulto, 2012) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma Ilustração 106 – Pormenor Teleférico - Estação Alta, Vila Nova de Gaia, Menos é Mais. (Basulto, 2012) 124 A arquitectura na enologia ADEGA QUINTA DO VALLADO “A materialidade de um edifício parte de um conceito gerador, muitas vezes definido por uma referência concreta.” (Guedes; Campos, 2009, p. 46) Ilustração 107 – Edifício original e a nova adega da Quinta do Vallado. (Ilustração nossa, 2013) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 125 A arquitectura na enologia O projecto da dupla de arquitectos numa das quintas mais antigas do Douro funciona como um complemento do edificado preexistente, que data de 1716. A Quinta do Vallado pertenceu à lendária Dona Antónia Ferreirinha134 e mantém-se até hoje na posse dos seus descendentes. Numa das margens do afluente Rio Corgo, na localidade de Peso da Régua, “The extention imitates the natural form of the slope and is partially dug into the hill.”135 (Woschek et al., 2012, p. 45). Inicialmente e durante cerca de 200 anos a quinta dedicou-se à produção de vinhos do Porto, que posteriormente foram comercializados pela Casa Ferreira. Entretanto nos anos 90 a empresa decidiu alargar a actividade e criar uma marca própria. Iniciou-se assim um processo de reestruturação das vinhas e da adega, tendo como objectivo a produção de castas de grande qualidade e o melhoramento do sistema de plantação e condução da uva. A obra teve início em 2007 e a partir daí a marca desenvolveu-se, apostando fortemente no enoturismo. Em 2012 foi construída uma unidade hoteleira, projectada pelos mesmos autores da adega. “Another important goal in adding the new build was to better tie the wine estate in with the company-owned hotel, thereby allowing the estate to accommodate and profit from the growth of wine tourism in the Douro Valley.”136 (Woschek et al., 2012, p. 45). O volume de dois andares localiza-se na propriedade, junto do Wine Hotel, integrado num dos antigos edifícios da Quinta e aberto ao público desde 2005, sendo que em conjunto dispõem de 13 quartos. O hotel partilha com a adega o uso do xisto no revestimento, o que os relaciona visualmente, já que se encontram destacados entre si. A empresa conquistou o primeiro lugar dos prémios W, na edição de 2012, na categoria de Melhor Enoturismo com estadia. Retirar o protagonismo à casa da Quinta nunca foi uma das intenções dos dois projectos, o que resultou na procura de uma afirmação de cada um no local, respeitando o pré-existente histórico e emblemático e a paisagem em si. O uso do material local, o xisto, contrasta com o tom ocre das fachadas do edifício existente, 134 Dona Antónia Adelaide Ferreira ou Ferreirinha (1811-1896) foi uma das mulheres mais influentes no século XIX. Ficou conhecida por se dedicar ao cultivo do Vinho do Porto e pelas notáveis inovações que introduziu. Teve um papel importante na revitalização do Douro depois da crise que afectou a produção de vinho e a população que dela sobrevivia. Ajudou produtores, replantando vinhas, doando roupa e comida. Foi responsável pela construção de estradas, escolas e hospitais. 135 “A extensão imita a forma natural da encosta e está parcialmente enterrada na colina.” (Tradução nossa) 136 “Outro importante objectivo em adicionar o novo edifício foi para melhor integrar a propriedade vinícola com o hotel da empresa, permitindo assim que o mesmo local possa acomodar e lucrar através do crescimento do enoturismo no Douro.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 126 A arquitectura na enologia conferindo a cada um diferentes conceitos, da tradição à contemporaneidade (Ilustração 108). For Vieira de Campos, there were two key aspects: making use of traditional regional building materials, and emphasizing the building’s relationship to the surrounding landscape. He felt that the new structure should not compete with the estate’s existing historical buildings, but rather present a natural contrast to them.137 (Woschek et al., 2012, p. 45) Ilustração 108 – Vista geral dos edifícios pré-existentes e das intervenções – hotel e adega. (Cremascoli, 2013, p. 94) O caminho de acesso desde Peso da Régua permite uma percepção geral do edificado da propriedade na encosta oposta, enquanto não atravessamos o Rio Corgo. Mas, como é tradição no Douro, as casas das quintas exibem o nome nas fachadas, o que as identifica de longe. E após o impacto da casa que salta à vista pelo tom vibrante, “[...] a futuristic-looking, lengthy building stretches out next to it. The flat silvergrey exterior appears understated yet elegant.”138 (Woschek et al., 2012, p. 46). “A paisagem do Douro exprime o empenho de gerações, iniciada numa conjuntura de elevada pressão demográfica e avanço técnico primitivo. Ergueu-se uma paisagem monumental, em socalcos, atractiva e original [...]” (Fauvrelle, 1999, p. 66), tal como o pretende ser a intervenção dos arquitectos Menos é mais neste preciso local, cuja história e cultura são por si só um motivo para atrair atenções. Reconhecem que, 137 “Para Vieira de Campos havia dois aspectos chave: usar materiais locais de construção tradicional, e enfatizar a relação do edifício com a paisagem envolvente. Ele sentiu que a nova estrutura não deve competir com os edifícios históricos da propriedade, mas em vez disso apresentar um contraste natural com estes.” (Tradução nossa) 138 “[...] Um edifício alongado de aspecto futurístico estende-se perto dele. O exterior cinzento prateado aparenta ser discreto mas também elegante.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 127 A arquitectura na enologia numa zona protegida e classificada, “[...] as unique and astonishing as Douro, any intervention must be very precise. That’s why the first challenge was to underline the distinctive identity of the project while carefully respecting the landscape.”139 (King, 2014). Dado o forte impacto paisagístico da envolvente, caracterizado por uma arquitectura natural, Património Mundial, o projecto concentra-se em resolver a inserção de um novo volume, condicionado por um longo e expressivo muro portante em xisto, que desenha uma acentuada curva no terreno, e pela casa. (Campos, 2013, p. 93) O facto de os volumes estarem, em parte enterrados, diminui o impacto na paisagem e faz com que o total de área construída seja imperceptível no primeiro contacto com o edifício (Ilustração 109). “One would never think that more than 3,000 square meters of floor space for the production and storage of wine are concealed beneath.”140 (Woschek et al., 2012, p. 46). O aspecto maciço dos volumes é enfatizado pela ausência de aberturas, o que dá lugar à curiosidade de descobrir o que acontece no interior. O Armazém de Barricas, simultaneamente, autonomiza-se e dialoga com a paisagem, tomando como base a topografia dos socalcos do Douro. Uma grande massa encrostada no terreno remata numa consola. Assim o edifício ora se agarra ao solo, tornando-se rocha e barreira física, ora se solta, permitindo o seu atravessamento. (Guedes + Decampos, 2012, p. 60) Ilustração 109 – Esquisso. Secção esquemática. (Woschek et al., 2012, p. 47) Programa: O início da visita à adega faz-se através do atravessamento do caminho junto às vinhas que contornam os volumes (Ilustração 110). O percurso é ascendente, tal como o da uva, que chega à primeira etapa da produção na zona à cota mais alta (Ilustração 139 “[...] tão única e impressionante como o Douro, qualquer intervenção tem de ser bastante precisa. É por isso que o primeiro desafio foi sublinhar a distinta identidade do projecto, respeitando cuidadosamente a paisagem.” (Tradução nossa) 140 “Nunca se pensaria que mais de 3,000 metros quadrados de área construída para produção e armazenamento de vinho estão escondidos por baixo.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 128 A arquitectura na enologia 116). À medida que subimos aproximamo-nos destes grandes muros de xisto e damos conta de entradas e acessos dissimulados entre as curvas de nível, o que permite ocultar elementos técnicos que são necessários ao programa (Ilustração 111 e Ilustração 112). Ilustração 110 – Volume integrado na vinha. (Ilustração nossa, 2013) Ilustração 111 – Caminho pela rampa de acesso à cobertura. (Ilustração nossa, 2013) Os arquitectos afirmam, “A resolução de uma adega que funciona por gravidade obriga ao entendimento de todo o sistema produtivo e a um grande rigor, disciplina e restrição na implantação das cotas dos edifícios.” (Guedes + Decampos, 2012, p. 60). Tirando partido da topografia, a cobertura da sala dos depósitos funciona igualmente como zona de cargas e descargas dos veículos que transportam as uvas, que por sua vez são transferidas directamente para os depósitos, depois de pesadas e escolhidas na mesa (Ilustração 113). Dentro do edifício, a presença de lagares deve-se ao facto dos produtores fazerem questão de manter este método tradicional do esmagamento da uva com os pés e utilizá-lo numa pequena percentagem da apanha de cada vindima. São de granito, evocando o uso do material antigamente (Ilustração 115). Neste piso, os seis lagares estão nivelados com a cota de entrada, sendo que este espaço funciona como uma espécie de mezanino que antecede a nave que integra os depósitos de maior dimensão, cuja capacidade atinge os 50 000 litros (Ilustração 117). Uma estrutura metálica permite a passagem dos visitantes sobre os depósitos, contornando-os junto ao limite do espaço para depois descer e sair do compartimento, já à cota do piso seguinte (Ilustração 118). Da construção: a estrutura portante encaixa-se; as infra-estruturas disciplinam; os materiais em bruto fixam a geometria e apelam às qualidades sensoriais das suas superfícies. O programa define uma grande contenção, tanto espacial como formal, os Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 129 A arquitectura na enologia espaços desenham-se em função dos usos, da luz, da fruição das vistas e, principalmente, do bem-estar.” (Campos, 2013, p. 93) Ilustração 112 – Circulação exterior e saída de cargas e descargas. (Ilustração nossa, 2013) Ilustração 114 – Pormenor de um acesso exterior e vistas. (Ilustração nossa, 2013) Ilustração 113 – Cobertura e zona de recepção da uva. (Ilustração nossa, 2013) Ilustração 115 – Lagares em granito. (Ilustração nossa, 2013) Nas plantas assentes à cota 128 e à cota 122 é possível verificar a extensão do programa técnico do edifício, no entanto o percurso da visita não inclui a maioria das salas. Os arquitectos tiveram o cuidado de organizar o espaço de modo a que não haja interferências na circulação dos funcionários e do próprio vinho com a circulação dos visitantes, criando ainda situações que controlam o que está à vista e o que deve ser omisso. Assim, o percurso é limitado e alguns espaços ficam como que camuflados, através de barreiras compostas por barras de ferro verticais. A utilização Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 130 A arquitectura na enologia destas estruturas acaba por contrariar o efeito maciço que teria uma parede, por exemplo. No seguimento do percurso pela adega, o visitante é encaminhado para um túnel descendente que dá acesso à cave de barricas, o espaço mais característico do projecto (Ilustração 122). De um modo geral, nos projectos deste carácter a componente técnica desta sala é mais exigente ao nível da térmica, o que dá alguma liberdade ao arquitecto para desenhar um espaço, que só pela sua função, já se espera que seja criativo e cativante. “Tank and barrel storage areas usually make the strongest impression on visitors, which means that their fittings and interior design should be viewed with an eye to more than just practicality.”141 (Woschek et al., 2012, p. 23). Neste caso, como os arquitectos descrevem, “O projeto concilia a estrutura e infraestrutura na conceção de uma forma ancestral abobadada. Com volume exterior paralelepipédico e espaço interior abobadado, o Armazém de Barricas apresenta uma massividade que permite um bom desempenho térmico.” (Guedes + Decampos, 2012, p. 60) (Ilustração 120). No lado oposto à entrada, imperceptível ao visitante, existem pequenos espaços técnicos que apoiam a cave de barricas e ainda uma saída directa para o exterior, como a planta à cota 122 comprova (Ilustração 118). O facto do aspecto exterior, de linhas rectas não ser fiel ao interior, de linhas curvas, permite o aproveitamento do espaço intersticial entre os dois, como explicam os arquitectos, “A omissão do material não resistente da parede possibilita a criação duma caixa-de-ar, simultaneamente túnel de infraestruturas e sistema de ventilação natural.” (Guedes + Decampos, 2012, p. 60) e que se torna evidente em corte (Ilustração 120). A saída da cave de barricas faz-se pela mesma porta da entrada, devido ao facto do acesso no extremo oposto ser reservado aos funcionários. Voltamos a descer e chegamos ao espaço em que a visita culmina e ocorre a degustação de vinhos, podendo adquirir os mesmos, na respectiva loja que aí se encontra (Ilustração 119). O espaço é luminoso e funciona como um regresso ao exterior, após a sucessão de espaços interiores e carentes de luz natural. Este volume inclui ainda uma pequena copa de apoio à prova de vinhos, instalações sanitárias e acesso ao exterior (Ilustração 125). 141 “As áreas dos depósitos e das barricas normalmente causam maior impressão nos visitantes, o que significa que os seus acessórios e design interior devem ser vistos de uma perspectiva para lá da funcionalidade.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 131 A arquitectura na enologia Ilustração 116 – Planta de cobertura. (Guedes + Decampos, 2012, p. 60) Ilustração 117 – Planta à cota 131 m. (Guedes + Decampos, 2012, p. 62) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 132 A arquitectura na enologia Ilustração 118 – Plantas à cota 128 m e 122 m.142 (Woschek et al., 2012, p. 45) 142 1 – Zona de engarrafamento, 2 – Depósitos de fermentação (vinho branco), 3 - Sala de barricas, 4 – Zona técnica, 5 – Espaço de limpeza de barricas, 6 – Recepção das uvas, 7 – Depósitos de fermentação (vinho tinto), 8 - Laboratório, 9 – Espaço multifuncional. (Tradução nossa). Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 133 A arquitectura na enologia Ilustração 119 – Planta à cota 119 m. (Guedes + Decampos, 2012, p. 65) Ilustração 120 – Secções transversais da cave de barricas. (Guedes + Decampos, 2012, p. 66) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 134 A arquitectura na enologia Espaço: Depois do espaço da recepção da uva, a zona mais alta do projecto e a mais próxima das vinhas, uma escada adjacente à fachada guia-nos até ao interior. A sensação é a de estarmos a percorrer os socalcos nas encostas, o que nos aproxima do terreno e da paisagem, meio natural meio transformada pela mão do Homem (Ilustração 114). Todo o percurso é uma alusão à cave tradicional que armazena os vinhos ao nível do subsolo. O betão das paredes contribui para a atmosfera fria do espaço, o que provoca a impressão de estarmos dentro de uma gruta. O primeiro contacto com o interior é a zona dos lagares, cujo pé direito têm cerca de 2,5 m, sendo que o segundo é a zona dos depósitos. Nesta passagem a diferença de dimensões é significativa e igualmente inesperada, pois do exterior não é possível ter percepção das áreas e do que acontece no interior (Ilustração 121). Ilustração 121 – Zona de depósitos de vinho tinto. (Ilustração nossa, 2013) O carácter industrial do espaço dos depósitos deixa pouca margem para elementos de interesse a nível arquitectónico. No entanto verificamos detalhes que resultam de uma pesquisa exigente do sistema de produção. O espaço não se resume a um armazém de pé direito duplo destinado a comportar depósitos. As altimetrias são adaptadas aos objectos, ou seja, a altura do pé direito depende do tamanho do depósito que ocupa Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 135 A arquitectura na enologia determinada área, sendo que estes podem ter várias dimensões a nível de altura e de diâmetro. A penumbra do túnel dá o mote para o passo seguinte, guiando-nos para o que dá a sensação de ser o espaço mais profundo e interior da adega – a já referida cave de barricas (Ilustração 122). No espaço onde o vinho estagia e onde a temperatura e a humidade têm de ser controladas, o ambiente é de alguma frieza, que no entanto é compensada pela forte presença da madeira e do respectivo odor, assim como o do vinho. E ainda a iluminação artificial indirecta que parte dos limites da sala por detrás das barricas, dando origem a um jogo de sombras que conferem ao espaço uma atmosfera única (Ilustração 123). Long rows of the 225-litre French oak barrels are stored here for 16 to 20 months, depending on their contents. Three partition walls, which open out into large arcs, focus the eye and allow the depth to the room to be properly appreciated. This impression is strengthened by the indirect lighting beneath the casks, which bathes the space in an ethereal light.143 (Woschek et al., 2012, p. 49). De facto, a atmosfera criada neste espaço deve-se principalmente à presença das barricas, que empilhadas e lado a lado criam corredores e caracterizam o espaço, fazendo-nos percorre-los, curiosos. Este espaço vazio não seria o mesmo e não teria com toda a certeza o mesmo impacto (Ilustração 124). Ilustração 122 – Túnel de ligação entre a zona de produção e a zona de armazenamento. (Ilustração nossa, 2013) Ilustração 123 – Cave de barricas, pormenor. (Ilustração nossa, 2013) Depois da parte subterrânea do programa e como parte final da visita a zona de promoção turística da adega apresenta-se num pequeno espaço de planta rectangular 143 “Longas fileiras de barricas de carvalho francês de 225 litros são armazenadas por 16 ou 20 meses, dependendo do seu conteúdo. Três paredes divisórias, que se abrem em grandes arcos, focam o olhar e permitem que a profundidade do espaço seja devidamente apreciada. Esta impressão é reforçada pela iluminação indirecta debaixo das barricas, que banha o espaço numa luz sublime.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 136 A arquitectura na enologia que privilegia a luz natural e reveste-se de elementos simples mas com detalhes interessantes. “The only decorative features are wooden tables and benches as well as a large bottle rack doubling as a wall.”144 (Woschek et al., 2012, p. 49). O espaço é iluminado por luz zenital através de uma abertura no tecto, enquanto a “[...] sweeping glass facade offers an impressive view of Douro Valley.”145 (Woschek et al., 2012, p. 49) (Ilustração 125). Por todo o edifício a carência de ornamentos é uma constante, o que revela que a arquitectura em si não tem intenção de se sobrepor ao vinho e ao que o envolve. “By keeping the design minimal, Vieira de Campos was able to keep the focus fully on the wines.”146 (Woschek et al., 2012, p. 49). Ilustração 124 – Cave de barricas. (Guedes + Decampos, 2012, p. 67) Materialidade: O emprego de um material local, neste caso o xisto, era uma das intenções da dupla de arquitectos portuenses. O xisto aproxima o projecto da envolvente e por ser predominante acaba por ser um dos elementos principais do conceito. Todos os volumes são revestidos com a pedra “[...] tratada de forma contemporânea.” (Menos é 144 “Os únicos elementos decorativos são mesas e bancos de madeira assim como uma garrafeira que funciona como parede.” (Tradução nossa) 145 “[...] extensa fachada de vidro oferece uma impressionante vista sobre o Douro.” (Tradução nossa) 146 “Ao manter o design minimalista, Vieira de Campos conseguiu manter o foco unicamente nos vinhos.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 137 A arquitectura na enologia mais, 2014), que numa perspectiva mais afastada adquire um tom cinzento quase uniforme, mas de perto varia entre cinzentos claros e escuros. As peças são aplicadas na horizontal na sua maioria, sendo que em algumas partes estão aplicadas na diagonal (Ilustração 126). O xisto recusa o papel de protagonista, tirando partido do tom neutro em relação ao tom da fachada do edifício da Quinta. “The orange gleam of the quinta can be seen from far away. In contrast, the slate-covered exterior of the new building is very modestly designed.”147 (Woschek et al., 2012, p. 45). Os interiores “[...] são construídos em betão com acabamento bujardado [...]” (Guedes + Decampos, 2012, p. 60) e os restantes materiais usados resumem-se às necessidades técnicas, como o aço inox nos depósitos e respectivas estruturas auxiliares, o ferro nas portas e a madeira nas barricas e no mobiliário. Verifica-se uma total ausência de cor, para além do tom natural dos materiais. Ilustração 125 – Zona de degustação de vinhos. (Ilustração nossa, 2013) Ilustração 126 – Pormenor do revestimento. Exterior da zona da entrada. (Ilustração nossa, 2013) 147 “O brilho laranja da quinta pode ser visto de longe. Em contraste, o revestimento em xisto do exterior do novo edifício é modestamente projectado.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 138 A arquitectura na enologia 4. TRABALHO PRÁTICO CENTRO ENOLÓGICO O projecto de 5º ano foi desenvolvido sob o programa Erasmus na Escuela Técnica Superior de Arquitectura da Universidad Politécnica de Valencia e sob a temática vinícola – La cultura del vino: arquitectura con denominación de origen. O sítio de actuação foi a pequena aldeia de La Portera pertencente à cidade de Requena, cuja área municipal é a maior da Comunidade Valenciana, em Espanha. Na sua extensão predominam os cultivos vinícolas e algumas zonas montanhosas. Localizada a Sul da cidade, La Portera faz parte das 29 aldeias que fazem parte de Requena e caracterizase pela baixa densidade populacional, de cerca de uma centena de habitantes (Ilustração 127). A principal actividade económica da aldeia é a viticultura, devido à Adega Cooperativa La Unión, ali implantada desde o ano de 1958 (Ilustração 128). Ilustração 127 – Localização – Requena e La Portera. (Ilustração nossa, 2011) Ilustração 128 – Identificação da Adega Cooperativa La Unión, La Portera. (Ilustração nossa, 2014) O projecto propõe uma intervenção na Adega, que inclui o aumento das infraestruturas existentes e a construção de novas, de modo a que a cooperativa se Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 139 A arquitectura na enologia expanda e passe a engarrafar e comercializar o vinho que produz, em vez de o vender a granel para outras empresas, como é a sua prática. O crescimento da produtora de vinhos representaria assim um impulso para a pequena região, envolvendo-a na Ruta del Vino de Utiel-Requena. Os objectivos da proposta do Centro Enológico passam por “Poner en valor el lugar, mediante una arquitectura actual, bien insertada, capaz de potenciar el carácter territorial, cultural, social, productivo, comercial y de disfrute de la naturaleza, de la zona vinícola.”148 O desenvolvimento do projecto para o Centro Enológico dividiu-se em três momentos, sendo que a proposta final carece de especificação de partes do programa, pelo facto do trabalho realizado no segundo semestre consistir na fase inicial do projecto que teria seguimento no ano lectivo seguinte. Na sequência da estrutura da cadeira de Proyectos 4 (primeiro semestre) o primeiro momento traduziu-se essencialmente na exploração do sítio, nas referências e relações do e com o mesmo, e do programa, analisando os diferentes tipos de espaços e respectivas funções. O segundo momento resumiu-se à proposta de actualização, no âmbito do restauro/manutenção, da Adega, sendo que o terceiro (e maior) consistiu na proposição da parte programática destinada ao lazer e ao alojamento. O programa prevê quatro âmbitos de actuação distintos, a que correspondem determinados espaços – Interpretação, Lazer/Alojamento, Produção e Administração (Ilustração 129). Um dos pressupostos em relação ao espaço de produção assenta na preservação da adega cooperativa existente, propondo o reaproveitamento da mesma em vez de demoli-la totalmente. Enquanto a segunda maior parte do programa, que compreende o alojamento, o restaurante e o spa, oferece maior liberdade em termos de implantação e construção, sendo o respectivo sítio opcional. O estado de alguns edifícios da aldeia é de degradação e abandono, pelo que se tornou viável a alternativa de estabelecer o alojamento num terreno ou numa casa expropriada seleccionados por nós. Contudo, inicialmente foi-nos sugerido projectar o alojamento destacado do edificado, junto às vinhas ou ao pinhal, a Sul. Numa primeira análise ao lugar cujo objectivo era a definição de estratégias imediata, fomos induzidos a escolher precisamente uma zona 148 Enunciado de introdução ao tema da cadeira de PRIV (Proyectos 4) do ano lectivo 2011/2012, do primeiro semestre do 5º Ano, do Curso de Arquitectura da ETSA-UPV. “Valorizar o lugar perante uma arquitectura actual, bem inserida, capaz de potenciar o carácter territorial, cultural, social, produtivo, comercial e de usufruto da natureza, da zona vinícola.” (Tradução nossa) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 140 A arquitectura na enologia ligeiramente elevada, junto ao pinhal, que proporcionaria uma relação privilegiada com a paisagem. Esta proposta surgiu num trabalho de grupo realizado durante as primeiras aulas, sendo que o resultado em forma de painel identifica as nossas primeiras impressões do sítio (Ilustração 143)149. No decorrer desta primeira fase de trabalho os pressupostos para a definição das implantações mudaram, tornando-se claro que faria mais sentido promover a recuperação dos edifícios da aldeia e o melhoramento da própria malha urbana, cujos limites são pouco definidos. Assim como o facto de não intervir directamente na paisagem, dando preferência ao gesto de mantê-la o mais intacta possível. Os objectivos da proposta basearam-se assim na procura de estratégias que passem pela reciclagem, economia de meios e preservação. Programa: Ilustração 129 – Percentagens dos conteúdos programáticos para o Centro Enológico. (Ilustração nossa, 2011) 1. Produção de vinho (adega) – 1200 m2: - Espaços para elaboração (esmagamento, fermentação, estágio) - Espaços para a investigação e controlo (laboratório) 2. Interpretação (exposição, formação, venda) – 400 m2: - Sala de exposições - Sala de conferências - Sala de provas - Loja 149 Ver apêndice B. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 141 A arquitectura na enologia 3. Lazer/Alojamento – 800 m2: - 12 quartos - Cafetaria+restaurante - Espaços de lazer (spa/vinhoterapia/piscina/ginásio) 4. Gestão/Administração – 100 m2 5. Tratamento da envolvente: - Estacionamento - Acessos - Percursos - Espaços de relação interior-exterior - Áreas de descanso/contemplação da paisagem Numa primeira fase, as aulas, maioritariamente teóricas, basearam-se na análise do espaço, como elemento fractário e da nossa percepção do mesmo, assente na temática dos sentidos e sensações. A interpretação que fazemos do espaço e a relação que estabelecemos com este, decomposta pela gradação de características como por exemplo, ter um carácter mais público ou mais íntimo, ocupar uma maior ou menor quantidade de área. E ainda, recorrendo ao espectro cromático para organizar as funções dos espaços, associando o vermelho ao calor e ao carácter público, de maior actividade e interacção em oposição do azul/violeta, relacionando-o com os espaços íntimos e de maior introspecção (Ilustração 130). “Visto deste modo, o sítio deverá ser entendido não como um conceito isolado, mas como elemento através do qual se estabelecem determinados sistemas de relação com o homem.” (Hipólito, 2011, p. 63). A percepção do mundo, que pressupõe a interpretação, estabelece-se ainda a partir dos cinco sentidos (visão, audição, olfacto, paladar, tacto) e é um facto que o nosso entendimento da realidade depende totalmente deles. Pallasmaa propõe-nos uma “arquitectura sensorial” que interage com os sentidos, contrariando um entendimento meramente visual da arquitectura. (Hipólito, 2011, p. 63) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 142 A arquitectura na enologia Ilustração 130 – Esquemas de análise do espaço e programa. (Ilustração nossa, 2011) O facto de intervirmos num meio rural introduz questões formais, sociais e territoriais. A criação de uma infra-estrutura destas dimensões provoca uma pequena revolução no carácter desta aldeia ao trazer visitantes e um consequente aumento de movimento económico. Contudo uma das premissas passa por manter a identidade do local, evitando transformar a Adega e respectivo programa num “parque temático vinícola”. Em termos formais e de planeamento, os edifícios não deverão criar demasiado impacto, integrando-se com a envolvente, tanto a edificada como a natural (Ilustração 131). Os esquemas iniciais ilustram a intenção de implantar as zonas sociais próximas da adega, facilitando a deslocação entre as duas. Efectivamente, as partes do programa deverão complementar-se, no entanto faria sentido que o alojamento se situasse a uma distância considerável da estrada principal, afastado da “zona vermelha” (Ilustração 132). Esta localização, a Sul, permitia igualmente que o projecto gerasse limites importantes em termos de relações (Ilustração 133). A Adega está num ponto visível e de fácil acesso, junto à estrada principal, ao mesmo tempo que se vira para as vinhas e restante paisagem, tendo ainda um lado que comunica com a aldeia. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 143 A arquitectura na enologia Ilustração 131 – Referências, La Portera. (Ilustração nossa, 2011) Ilustração 132 – Planta de identificação das partes do programa. (Ilustração nossa, 2011) Ilustração 133 – Planta com esquema de relações. (Ilustração nossa, 2011) Portanto, a Adega mantém a localização original, sendo que a intervenção consiste apenas em algumas alterações no preexistente, enquanto o Alojamento+Spa+Restaurante ocupam alguns terrenos expropriados na zona Sudeste da aldeia (Ilustração 134), intermediando-a com a paisagem vinícola. Esta área actua Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 144 A arquitectura na enologia como um remate, tendo como limites duas vias secundárias, sendo que um lado se vira para a paisagem e o outro funciona como acesso, sem bloquear os enfiamentos visuais das ruas convergentes. Pois, citando o professor, “Os limites da aldeia são miradouros”. Ilustração 134 – Identificação das áreas de actuação. (Ilustração nossa, 2012) Na proposta de restauro para a Adega foi mantida a estrutura do edifício original, que se dividia em dois pisos, tendo um terceiro exclusivamente para acesso aos depósitos, sendo que a fachada principal e a entrada estão a uma cota e a fachada oposta a outra mais baixa. O acesso principal fazia-se através do pátio do lado da estrada, junto aos depósitos de inox de maior dimensão, pelo que se pretende criar um novo acesso no lado oposto, junto às vinhas, destinado aos visitantes. O percurso turístico na Adega inicia-se assim de baixo para cima. Uma rampa atravessa o edifício junto à fachada, mantendo contacto visual com a paisagem e com as zonas de produção (Ilustração 135). Sendo que o espaço ocupado pela maquinaria do tratamento das uvas está cerca de 1 metro abaixo da cota do piso inferior. A produção do vinho tira partido da diferença de cotas para seja usada a gravidade, logo a recepção das uvas é feita no piso 1. No piso superior os visitantes apenas têm acesso a uma zona que antecede a sala de conferências, que proporciona a contemplação da paisagem vinícola graças ao grande vão que funciona como fachada de vidro, enquanto do lado interior um outro vidro Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 145 A arquitectura na enologia transforma este espaço numa espécie de mezanino que comunica com o a sala de barricas (Ilustração 138). Este piso compreende os depósitos de betão, que foram mantidos, e que são em simultâneo estruturais, as áreas administrativas e o laboratório. Ainda neste piso, o acesso ao exterior é reservado aos funcionários, assim como uma escada de acesso ao piso inferior (Ilustração 136). De volta ao percurso do visitante, em que este é encaminhado novamente para baixo, de modo a conhecer a parte posterior à produção, em que o vinho estagia nas barricas de carvalho. O vinho envelhece igualmente em garrafas, dispostas num espaço que resulta do aproveitamento da estrutura dos depósitos de betão, devido ao facto de não ser necessário estarem a ser usados. O presente piso compreende ainda a loja, instalações sanitárias, a sala de provas e uma copa de apoio, que comunica com a circulação paralela, exclusiva dos funcionários (Ilustração 135). No exterior, o acesso dos visitantes faz-se pelo lado da aldeia e inclui um parque de estacionamento. O acesso dos funcionários e das cargas e descargas pode ser feito igualmente através do lado da aldeia e no lado oposto, com comunicação directa às vinhas (Ilustração 137). Ilustração 135 – Planta piso 0 - Adega. (Ilustração nossa, 2012) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 146 A arquitectura na enologia Ilustração 136 – Planta piso 1 - Adega. (Ilustração nossa, 2012) Ilustração 137 – Planta cobertura - Adega. (Ilustração nossa, 2012) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 147 A arquitectura na enologia Ilustração 138 – Secções - Adega. (Ilustração nossa, 2012) A uma distância percorrível a pé, situa-se o Restaurante, um edifício de uma altura apenas e que se desdobra em vários volumes, minimizando o impacto da área construída. Recorremos às coberturas de uma água, procurando referências do edificado da própria aldeia, de modo a que o volume se funda com a envolvente, ao mesmo tempo que mantém uma posição marcada, de limite. Limite esse que proporciona privacidade e vistas privilegiadas, considerando que não há mais edificado, apenas paisagem. Através de uma planta regular, o Restaurante dispõe de zonas distintas que comunicam com o exterior de vários modos, criando diferentes ambientes. A entrada faz-se através de um pátio, elemento comum aos edifícios de Lazer e Alojamento do programa, que aqui se repete no interior. A luz entra através do pátio e dos vãos voltados para o lado oposto à rua. A parte funcional do edifício, que ocupa uma área considerável devido às exigências deste tipo de programa, utiliza uma outra ligação directa ao exterior (Ilustração 139). Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 148 A arquitectura na enologia Ilustração 139 – Planta - Restaurante. (Ilustração nossa, 2012) Os conceitos de definição do Restaurante são comuns à do Spa, sendo que os dois estão próximos em termos de localização. À semelhança do Restaurante, a entrada é feita partindo de um pátio, seguido do átrio de recepção caracterizado pela comunicação visual dada pela transparência, ao fundo para o exterior. Os três alçados fechados transmitem o bloqueio que se estabelece com a rua, dando enfâse ao alçado adjacente às vinhas. Este é um programa associado à tranquilidade e ao relaxamento, pelo que as relações com o exterior não se querem em abundância. As atenções estão focadas na piscina, interior de modo a poder ser usada durante todo o ano, e instalada numa zona central, que beneficia das vistas mais directas para a paisagem e permite o atravessamento da luz, para além do pátio interior que faz igualmente a iluminação natural do espaço. Daí organizam-se salas de tratamento, ginásio, sauna, balneários masculinos e femininos, e ainda um terraço e restante zona de serviços e administração reservada aos funcionários (Ilustração 140). Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 149 A arquitectura na enologia Ilustração 140 – Planta - Spa. (Ilustração nossa, 2012) O Alojamento actua igualmente como remate da rua, evitando bloquear os enfiamentos das ruas existentes. O Quarto tipo multiplica-se por doze, lado a lado e com intervalos pontuais, para permitir a tal continuidade do preexistente. As referências da arquitectura vernacular da aldeia estão igualmente presentes nos elementos pátios/muros e ainda nas coberturas de uma água. Estes foram o ponto de partida para a definição do alojamento. Uma das intenções prendeu-se com o facto de querermos evitar o típico «hotel», daí a decisão de não compactar os Quartos num só volume. Destacado no extremo Norte da sequência dos Quartos encontra-se o volume destinado às funções de recepção, administração e serviços de apoio (Ilustração 141). A fachada enviesada funciona como um elemento diferenciador dos Quartos. O Quarto tipo organiza-se numa planta rectangular e define-se a partir de três coberturas de uma água e quatro pátios. O primeiro pátio coincide com a entrada, o segundo estabelece a comunicação entre o exterior e a zona de dormir. Comunicação essa que se bloqueia à rua e se torna vertical, proporcionando espaços de intimidade absoluta (Ilustração 142). Tal como acontece com o pátio junto à instalação sanitária. Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 150 A arquitectura na enologia O último pátio é simultaneamente o terraço, dividido em duas zonas, uma mais recuada e outra no limite, em maior contacto com a paisagem. O Quarto dispõe ainda de uma zona de estar marcada pela lareira, ao centro, e uma pequena copa para preparação de refeições. Ilustração 141 – Planta - Recepção e Quartos. (Ilustração nossa, 2012) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 151 A arquitectura na enologia Ilustração 142 – Planta, alçado e secção dos Quartos. (Ilustração nossa, 2012) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 152 A arquitectura na enologia 5. CONCLUSÃO A presente investigação permitiu a compreensão de um universo industrial, que aporta uma forte carga histórica e cultural. O vinho por si só já assume um protagonismo e um conceito insubstituíveis, e deste modo, surge complementado pela arquitectura. Por outro lado, a arquitectura complementa-se com o vinho, através de um conjunto de espaços que se reinventam para além da função. Foi possível verificar que apesar das condicionantes, de determinadas especificações ou da exigência das máquinas, o edifício é passível de ser explorado a nível arquitectónico e de adquirir atmosferas únicas, tendo igualmente em conta a percepção sensorial que está intrínseca. Nomeadamente o espaço ocupado pelas barricas, que por tradição, detém um imaginário próprio. A identidade cultural da cave, húmida e escura, é deste modo renovada, sem deixar de ser respeitada, através de uma caracterização contemporânea. O trabalho realizado pretendeu assim documentar esta transformação, relativamente recente de um universo de tradições milenares, que se apoia nos princípios da arquitectura actual. Contudo, verificamos que estas intervenções modernas apoiam-se na reutilização de técnicas e materiais tradicionais, locais, sem recorrer somente à tecnologia. Tal como em relação à actuação na paisagem, uma constante em todas as obras, devido ao facto da produção de vinho ser indissociável do meio rural e agrícola. De facto, introdução de um edifício deste tipo acontece sempre numa paisagem plantada pelo homem (a vinha), a uma escala aproximada, que por sua vez está inserida na paisagem natural, a uma escala mais afastada. O que nos permite concluir que todos os projectos analisados ao longo da presente dissertação se baseiam na integração com a paisagem, nomeadamente através do uso de materiais que dela se extraem, como a pedra. No entanto verificamos que esta preocupação ganha maior relevância nas obras localizadas em Portugal. As obras estudadas, com o programa como elemento comum, revelam como o espaço pode ser explorado, nas mais diversas formas, na relação mais ou menos directa com a paisagem, enterrando o edifício numa encosta ou isolando-o numa planície. A complexidade do programa e as condições dos espaços interiores obedecem a rigorosas especificações, no entanto, para além do percurso da produção tem de se ter em conta o percurso do visitante, curioso pelo processo do vinho. Deste modo, a Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 153 A arquitectura na enologia arquitectura eleva a experiência, enriquecida pelas diferentes ambiências, dimensões e características dos espaços. Em suma, o espaço da produção de vinho, através da modernização, do turismo e da arquitectura, deixa de estar unicamente associado a edifícios históricos ou a armazéns industriais descaracterizados, conquistando uma nova definição. 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Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 165 A arquitectura na enologia Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 166 APÊNDICE A Tabela de sistematização das obras referenciadas A arquitectura na enologia Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 169 A arquitectura na enologia Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 170 APÊNDICE B Sistematização da análise do lugar – Centro Enológico A arquitectura na enologia Ilustração 143 – Painel de sistematização da primeira análise do lugar. (Ilustração nossa, 2011) Mariana dos Santos Ferreira Quaresma 173