UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA
Faculdade de Arquitectura e Artes
Mestrado Integrado em Arquitectura
Enologia e arquitectura
Realizado por:
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
Orientado por:
Prof. Doutor Arqt. Fernando Manuel Domingues Hipólito
Assistente de orientação:
Mestre Arqt. José Maria de Brito Tavares Assis e Santos
Constituição do Júri:
Presidente:
Orientador:
Arguente:
Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha
Prof. Doutor Arqt. Fernando Manuel Domingues Hipólito
Prof. Doutor Arqt. Rui Manuel Reis Alves
Dissertação aprovada em:
7 de Outubro de 2014
Lisboa
2014
U
N I V E R S I D A D E
L
U S Í A D A
D E
L
I S B O A
Faculdade de Arquitectura e Artes
Mestrado Integrado em Arquitectura
Enologia e arquitectura
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
Lisboa
Setembro 2014
U
N I V E R S I D A D E
L
U S Í A D A
D E
L
I S B O A
Faculdade de Arquitectura e Artes
Mestrado Integrado em Arquitectura
Enologia e arquitectura
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
Lisboa
Setembro 2014
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
Enologia e arquitectura
Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e
Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a
obtenção do grau de Mestre em Arquitectura.
Orientador: Prof. Doutor
Domingues Hipólito
Arqt.
Fernando
Manuel
Assistente de orientação: Mestre Arqt. José Maria de
Brito Tavares Assis e Santos
Lisboa
Setembro 2014
Ficha Técnica
Autora
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
Orientador
Prof. Doutor Arqt. Fernando Manuel Domingues Hipólito
Assistente de orientação
Mestre Arqt. José Maria de Brito Tavares Assis e Santos
Título
Enologia e arquitectura
Local
Lisboa
Ano
2014
Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação
QUARESMA, Mariana dos Santos Ferreira, 1989Enologia e arquitectura / Mariana dos Santos Ferreira Quaresma ; orientado por Fernando Manuel
Domingues Hipólito, José Maria de Brito Tavares Assis e Santos. - Lisboa : [s.n.], 2014. - Dissertação
de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada
de Lisboa.
I - HIPÓLITO, Fernando Manuel Domingues, 1964II - SANTOS, José Maria de Brito Tavares Assis e, 1962LCSH
1. Adegas - Projectos e construção
2. Enoturismo - Portugal
3. Adega Mayor (Campo Maior, Portugal)
4. Adega Quinta do Vallado (Peso da Régua, Portugal)
5. Dominus Winery (Califórnia, Estados Unidos)
6. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses
7. Teses - Portugal - Lisboa
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
Wineries - Design and construction
Wine tourism - Portugal
Adega Mayor (Campo Maior, Portugal)
Adega Quinta do Vallado (Peso da Régua, Portugal)
Dominus Winery (California, United States)
Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations
Dissertations, Academic - Portugal - Lisbon
LCC
1. NA6423.P8 Q37 2014
À minha mãe.
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Doutor Arquitecto Fernando Hipólito, por ter aceite a orientação desta
dissertação, pela partilha de conhecimentos, pelo apoio, disponibilidade e incentivo
demonstrados ao longo do trabalho.
Ao Mestre Arquitecto José Maria Assis e Santos, pelo acompanhamento, pelo
interesse demonstrado desde o início, pela ajuda e disponibilidade.
Aos meus pais, pelo apoio incondicional e por tudo o que me proporcionaram ao longo
destes anos. Ao meu irmão, à minha família e ao Fred, pelo apoio e motivação,
fundamentais.
Aos meus amigos, pela amizade e paciência. À Isabel M., pela disponibilidade, ajuda e
companhia. À N., por toda a ajuda e força transmitida, sempre.
“A explicação das formas em função de
determinada circunstância é em verdade
difícil, sobretudo a sua compreensão
total, e assim como um bom vinho só
poderá apreciar-se bebendo-o e não
raciocinando
sobre
a
sua
fórmula
química, assim uma forma só poderá
compreender-se vivendo-a, bem como à
sua circunstância e não apenas ouvindo
descrições a seu respeito ou consultando
suas reproduções.”
TÁVORA, Fernando (2006) – Da organização do espaço.
6.ª ed. Porto : FAUP.
APRESENTAÇÃO
Enologia e arquitectura
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
A partir do final do século XX a identidade da adega tem vindo a sofrer mudanças
significativas. A presente dissertação desenvolve-se a partir de uma abordagem de
âmbito nacional, contextualizando a história da produção de vinho e o tipo de edifício
associado à mesma ao longo dos tempos. Desde o carácter vernacular de um espaço,
construído por necessidade e integrado na habitação, característico da maioria das
regiões ligadas ao meio rural em Portugal, ao carácter contemporâneo de uma obra da
autoria de um arquitecto, que associa a indústria da produção de vinho à promoção
turística, actuando como elemento impulsionador das marcas produtoras e do território
em que estas estão inseridas. De modo a ilustrar a articulação do conceito do
Enoturismo com a Arquitectura serão apresentadas três obras, consideradas de
referência nesta temática, sendo que duas são em Portugal e representam as duas
zonas de maior actividade vitivinícola – o Douro e o Alentejo – e a terceira situa-se
numa das capitais mundiais do vinho – a Califórnia. O presente trabalho procura reunir
as principais referências da redefinição destes espaços industriais, igualmente
associados a uma forte componente cultural e tradicional.
Palavras-chave:
contemporaneidade.
Arquitectura,
enologia,
adega,
indústria,
enoturismo,
PRESENTATION
Oenology and architecture
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
From the late 20th century winery’s identity has been going through significant
changes. This dissertation develops from a nationwide approach, contextualizing the
wine production history with the associated type of building over time. From the
vernacular character of a space, built by need and as a part of the house, typical of
most rural regions of Portugal, to the contemporary character of an architect’s work,
that merges the wine production industry to tourism promotion, operating as a booster
element to the production brands and the territories where they are established. In
order to illustrate the articulation between Wine Tourism concept and Architecture it will
be presented three projects, considered references in this subject, considering that two
of them are in Portugal and represent the two major wine activity areas – Douro and
Alentejo – and the third is located in one of the world’s wine capitals – California. This
paper demands to gather the main references of these industrial spaces redefinition,
which are also associated to a strong cultural and traditional component.
Keywords: Architecture, oenology, winery, industry, wine tourism, contemporaneity.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 – Paisagem vinícola do Douro. (Sousa, 2005, p. 51) ...................... 30
Ilustração 2 – Transporte de vinho em barricas num barco rabelo no Rio Douro
(Sousa, 2005) ............................................................................................................. 32
Ilustração 3 – Cave com pipas de vinho (Sousa, 2005) ....................................... 32
Ilustração 4 – Regiões vitivinícolas e respectivas regiões de Denominação de
Origem (DO). (Portugal, 2014) ................................................................................. 39
Ilustração 5 – Processo vinificação. (Ilustração nossa, 2014). ............................ 44
Ilustração 6 – Garrafeira no Château Lafite Rothschild em Pauillac, Médoc,
França. (Woschek et al., 2012, p. 17) ..................................................................... 45
Ilustração 7 – Casa Minhota. (Moutinho, 1995, p. 54) .......................................... 47
Ilustração 8 – Habitação em Santarém. (Antunes et al., 1988, p. 200) .............. 47
Ilustração 9 – Exemplo de uma oficina vinária, Douro (Fauvrelle, 1999, p. 54) 49
Ilustração 10 – Armazém com pipas de vinho (Sousa, 2005, p. 148) ................ 50
Ilustração 11 – Cubas num armazém de vinho (Sousa, 2005, p. 102) ............... 50
Ilustração 12 – Armazém com pipas de vinho (Sousa, 2005, p. 450) ................ 51
Ilustração 13 – Cubas no piso superior (Sousa, 2005) ......................................... 51
Ilustração 14 – Planta da casa da Quinta do Bom Retiro, Douro ([adaptação a
partir de:] Fauvrelle, 1999, p. 117)........................................................................... 52
Ilustração 15 – Centro de vinificação Sogrape Vinhos S.A. (Sogrape Vinhos,
2014) ............................................................................................................................ 55
Ilustração 16 – Interior da adega, processo de engarrafamento, início do século
XX, no edifício original da empresa José Maria da Fonseca em Azeitão. (Leite,
2012) ............................................................................................................................ 56
Ilustração 17 – Casa-museu José Maria da Fonseca na actualidade, Azeitão.
(Ilustração nossa, 2014) ............................................................................................ 56
Ilustração 18 – Centro de Vinificação Fernando Soares Franco, José Maria da
Fonseca, Azeitão. (Leite, 2012) ............................................................................... 56
Ilustração 19 – Bodega Ysios, Santiago Calatrava. (Woschek et al., 2012, p.
104) .............................................................................................................................. 63
Ilustração 20 – Sala de depósitos, Bodega Ysios, Santiago Calatrava.
(Woschek et al., 2012, p. 104) ................................................................................. 63
Ilustração 21 – Sala de barricas, Bodega Ysios, Santiago Calatrava. (Webb,
2005, p. 16) ................................................................................................................. 63
Ilustração 22 – Adega Marqués de Riscal, Frank O. Gehry. (Marqués de Riscal,
2011) ............................................................................................................................ 64
Ilustração 23 – Bodegas Protos, Rogers Stirk Harbour + Partners. (Rogers;
Alonso y Balaguer, 2014) .......................................................................................... 65
Ilustração 24 – Secção esquemática. Bodegas Protos, Rogers Stirk Harbour +
Partners. (Rogers; Alonso y Balaguer, 2014)......................................................... 65
Ilustração 25 – Quinta da Touriga, António Leitão Barbosa. (Barbosa, 2006, p.
73) ................................................................................................................................ 67
Ilustração 26 – Quinta da Touriga, António Leitão Barbosa. (Barbosa, 2006, p.
79) ................................................................................................................................ 67
Ilustração 27 – Planta, Quinta da Touriga, António Leitão Barbosa. (Barbosa,
2006, p. 73) ................................................................................................................. 68
Ilustração 28 – Secções, Quinta da Touriga, António Leitão Barbosa. (Barbosa,
2006, p. 79) ................................................................................................................. 68
Ilustração 29 – Quinta do Portal, Siza Vieira. (Woschek et al., 2012, p. 81) ..... 70
Ilustração 30 – Interior do armazém, Quinta do Portal, Siza Vieira. (Woschek et
al., 2012, p. 83) .......................................................................................................... 70
Ilustração 31 – Quinta do Portal, Siza Vieira. (Ordem dos Arquitectos, 2010, p.
64) ................................................................................................................................ 70
Ilustração 32 – Quinta do Portal, Siza Vieira. (Ordem dos Arquitectos, 2010, p.
63) ................................................................................................................................ 70
Ilustração 33 – Plantas dos pisos, Quinta do Portal, Siza Vieira. (Woschek et
al., 2012, p. 83) .......................................................................................................... 71
Ilustração 34 – Fachada principal e entrada, Adega Casa da Torre, Carlos
Castanheira. (Basulto, 2010b).................................................................................. 72
Ilustração 35 – Planta, Adega Casa da Torre, Carlos Castanheira. (Basulto,
2010b) ......................................................................................................................... 72
Ilustração 36 – Adega Casa da Torre, Carlos Castanheira. (Patrício, 2010, p.
114) .............................................................................................................................. 73
Ilustração 37 – Alçados e secções, Adega Casa da Torre, Carlos Castanheira.
(Patrício, 2010, p. 115) .............................................................................................. 73
Ilustração 38 – Imagem tridimensional da adega na envolvente, Adega HO,
Frederico Valsassina. (Valsassina, 2011, p. 125) ................................................. 74
Ilustração 39 – Imagem tridimensional do pormenor do deck, Adega HO,
Frederico Valsassina. (Valsassina, 2011, p. 120) ................................................. 74
Ilustração 40 - Imagem tridimensional, Adega HO, Frederico Valsassina.
(Valsassina, 2014) ..................................................................................................... 75
Ilustração 41 – Plantas dos pisos, Adega HO, Frederico Valsassina.
(Valsassina, 2011, p. 122) ........................................................................................ 75
Ilustração 42 – Plantas dos pisos, Adega HO, Frederico Valsassina.
(Valsassina, 2011, p. 123) ........................................................................................ 76
Ilustração 43 – Localização das adegas referenciadas em Portugal. (Ilustração
nossa, 2014) ............................................................................................................... 77
Ilustração 44 – Jacques Herzog e Pierre de Meuron (Herzog & de Meuron,
1997, p. 4). .................................................................................................................. 80
Ilustração 45 – Suva Building, Basel, Herzog & De Meuron. (Mack, 1996, p. 36)
...................................................................................................................................... 84
Ilustração 46 – Pormenor da fachada, Suva Building, Basel, Herzog & De
Meuron. (Mack, 1996, p. 44) .................................................................................... 84
Ilustração 47 – Signal Box Auf dem Wolf, Basel, Herzog & De Meuron. (Mack,
1996, p. 34) ................................................................................................................. 86
Ilustração 48 – Pormenor da fachada, Signal Box Auf dem Wolf, Basel, Herzog
& De Meuron. (Mack, 1996, p. 33) ........................................................................... 86
Ilustração 49 – CaixaForum, Madrid, Herzog & De Meuron. (Basulto, 2010a) . 87
Ilustração 50 – Pormenor, CaixaForum, Madrid, Herzog & De Meuron. (Basulto,
2010a) ......................................................................................................................... 87
Ilustração 51 – Planta de localização, Dominus Winery, Herzog & de Meuron.
(Betsky, 1998, p. 8) .................................................................................................... 88
Ilustração 52 – Fachada. (Spiluttini, 2008, p. 66) .................................................. 90
Ilustração 53 – Alçados. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 184) ............................ 91
Ilustração 54 – Plantas dos pisos. (Betsky, 1998, p. 14) ...................................... 92
Ilustração 55 – Secções transversais. (Betsky, 1998, p. 13) ............................... 93
Ilustração 56 – Zona de recepção e acessos no piso 0. (Betsky, 1998, p. 16) . 93
Ilustração 57 – Circulação e zona administrativa no piso 1. (Betsky, 1998, p. 16)
...................................................................................................................................... 93
Ilustração 58 – Corte transversal, modelo tridimensional - entrada sala de
barricas e acesso ao primeiro piso. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 187) ......... 94
Ilustração 59 – Corte transversal, modelo tridimensional – entradas zona de
depósitos. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 187) .................................................... 94
Ilustração 60 – Corredor de ligação no primeiro piso. (Spiluttini, 2008, p. 67) .. 95
Ilustração 61 – Pormenor da fachada. (Betsky, 1998, p. 9) ................................. 97
Ilustração 62 – Detalhe de secção na fachada. (Herzog & de Meuron, 1997, p.
191) .............................................................................................................................. 97
Ilustração 63 – Modelo tridimensional. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 182-183)
...................................................................................................................................... 97
Ilustração 64 – Secção detalhada - pormenores da fachada. (Herzog & de
Meuron, 1997, p. 186) ............................................................................................... 98
Ilustração 65 – Álvaro Siza Vieira. (Ordem dos Arquitectos, 2010, p. 80) ......... 99
Ilustração 66 – Escola Superior de Educação de Setúbal, Álvaro Siza Vieira.
(Trigueiros, 1995, p. 26) .......................................................................................... 102
Ilustração 67 - Escola Superior de Educação de Setúbal, Álvaro Siza Vieira.
(Trigueiros, 1995, p. 29) .......................................................................................... 102
Ilustração 68 – Fundação Serralves, Álvaro Siza Vieira (Cremascoli, 2013, p.
47) .............................................................................................................................. 103
Ilustração 69 – Fundação Serralves, Álvaro Siza Vieira (Cremascoli, 2013, p.
47) .............................................................................................................................. 103
Ilustração 70 – Igreja de Santa Maria, Álvaro Siza Vieira (Cremascoli, 2013, p.
42) .............................................................................................................................. 104
Ilustração 71 – Igreja de Santa Maria, Álvaro Siza Vieira (Sveiven, 2014) ...... 105
Ilustração 72 – Igreja de Santa Maria, Álvaro Siza Vieira (Cremascoli, 2013, p.
43) .............................................................................................................................. 105
Ilustração 73 – Vista aérea. (Google, 2013) ......................................................... 106
Ilustração 74 – Esquisso, Álvaro Siza Vieira. (Castanheira, 2007, p. 316) ...... 107
Ilustração 75 – Esquisso, Álvaro Siza Vieira. (Castanheira, 2007, p. 315) ...... 107
Ilustração 76 – Vista Sul. (Siza, 2008, p. 229) ..................................................... 108
Ilustração 77 – Pormenor entrada. (Ilustração nossa, 2013) ............................. 108
Ilustração 78 – Zona de engarrafamento. (Ilustração nossa, 2013) ................. 110
Ilustração 79 – Circulação e depósitos de vinho branco. (Ilustração nossa,
2013) .......................................................................................................................... 110
Ilustração 80 – Depósitos de vinho tinto. (Ilustração nossa, 2013) ................... 110
Ilustração 81 – Zona de recepção da uva. (Ilustração nossa, 2013) ................ 110
Ilustração 82 – Sala de barricas. (Ilustração nossa, 2013) ................................ 111
Ilustração 83 – Plantas dos pisos 0 e 1. (Woschek et al., 2012, p. 27) ............ 112
Ilustração 84 – Planta piso 2. (Castanheira, 2007, p. 321) ................................ 112
Ilustração 85 – Alçado Sudeste e secção longitudinal. (Siza, 2008, p. 236) ... 113
Ilustração 86 – Secção longitudinal e alçado Nordeste. (Siza, 2008, p. 237).. 113
Ilustração 87 – Alçados Sudoeste e Noroeste e secções transversais. (Siza,
2008, p. 238)............................................................................................................. 113
Ilustração 88 – Vista Poente. (Castanheira, 2007, p. 328) ................................. 114
Ilustração 89 – Piso 1. (Ilustração nossa, 2013) .................................................. 116
Ilustração 90 – Terraço e fachada piso 2. (Castanheira, 2007, p. 335)............ 116
Ilustração 91 – Pormenor da fachada. (Ilustração nossa, 2013) ....................... 117
Ilustração 92 – Terraço ajardinado. (Ilustração nossa, 2013) ............................ 117
Ilustração 93 – Piso 1. (Ilustração nossa, 2013) .................................................. 117
Ilustração 94 – Piso 0. (Ilustração nossa, 2013) .................................................. 117
Ilustração 95 – Cristina Guedes e Francisco Vieira de Campos. (Guedes;
Campos, 2009) ......................................................................................................... 118
Ilustração 96 – Unidade Industrial da Inapal Metal Autoeuropa, Palmela, Menos
é Mais. (Basulto, 2008) ........................................................................................... 120
Ilustração 97 - Unidade Industrial da Inapal Metal Autoeuropa, Palmela, Menos
é Mais. (Basulto, 2008) ........................................................................................... 120
Ilustração 98 – Planta de localização dos Bares de Gaia, Menos é Mais.
(Basulto, 2009) ......................................................................................................... 121
Ilustração 99 – Bar de Gaia (2002), Menos é Mais. (Menos é Mais Arquitectos
Associados, 2014) ................................................................................................... 122
Ilustração 100 – Bar de Gaia (2002), Menos é Mais. (Menos é Mais Arquitectos
Associados, 2014) ................................................................................................... 122
Ilustração 101 – Ar de Rio (2008), Menos é Mais. (Menos é Mais Arquitectos
Associados, 2014) ................................................................................................... 122
Ilustração 102 – Pormenor da estrutura, Ar de Rio (2008), Menos é Mais.
(Menos é Mais Arquitectos Associados, 2014) .................................................... 122
Ilustração 103 – Teleférico - Estação Alta, Vila Nova de Gaia, Menos é Mais.
(Basulto, 2012) ......................................................................................................... 123
Ilustração 104 – Teleférico - Estação Baixa, Vila Nova de Gaia, Menos é Mais.
(Basulto, 2012) ......................................................................................................... 123
Ilustração 105 – Pormenor Teleférico - Estação Alta, Vila Nova de Gaia, Menos
é Mais. (Basulto, 2012) ........................................................................................... 124
Ilustração 106 – Pormenor Teleférico - Estação Alta, Vila Nova de Gaia, Menos
é Mais. (Basulto, 2012) ........................................................................................... 124
Ilustração 107 – Edifício original e a nova adega da Quinta do Vallado.
(Ilustração nossa, 2013) .......................................................................................... 125
Ilustração 108 – Vista geral dos edifícios pré-existentes e das intervenções –
hotel e adega. (Cremascoli, 2013, p. 94) .............................................................. 127
Ilustração 109 – Esquisso. Secção esquemática. (Woschek et al., 2012, p. 47)
.................................................................................................................................... 128
Ilustração 110 – Volume integrado na vinha. (Ilustração nossa, 2013) ............ 129
Ilustração 111 – Caminho pela rampa de acesso à cobertura. (Ilustração nossa,
2013) .......................................................................................................................... 129
Ilustração 112 – Circulação exterior e saída de cargas e descargas. (Ilustração
nossa, 2013) ............................................................................................................. 130
Ilustração 113 – Cobertura e zona de recepção da uva. (Ilustração nossa,
2013) .......................................................................................................................... 130
Ilustração 114 – Pormenor de um acesso exterior e vistas. (Ilustração nossa,
2013) .......................................................................................................................... 130
Ilustração 115 – Lagares em granito. (Ilustração nossa, 2013) ......................... 130
Ilustração 116 – Planta de cobertura. (Guedes + Decampos, 2012, p. 60) ..... 132
Ilustração 117 – Planta à cota 131 m. (Guedes + Decampos, 2012, p. 62) .... 132
Ilustração 118 – Plantas à cota 128 m e 122 m. (Woschek et al., 2012, p. 45)
.................................................................................................................................... 133
Ilustração 119 – Planta à cota 119 m. (Guedes + Decampos, 2012, p. 65) .... 134
Ilustração 120 – Secções transversais da cave de barricas. (Guedes +
Decampos, 2012, p. 66) .......................................................................................... 134
Ilustração 121 – Zona de depósitos de vinho tinto. (Ilustração nossa, 2013) .. 135
Ilustração 122 – Túnel de ligação entre a zona de produção e a zona de
armazenamento. (Ilustração nossa, 2013) ........................................................... 136
Ilustração 123 – Cave de barricas, pormenor. (Ilustração nossa, 2013) .......... 136
Ilustração 124 – Cave de barricas. (Guedes + Decampos, 2012, p. 67).......... 137
Ilustração 125 – Zona de degustação de vinhos. (Ilustração nossa, 2013) ..... 138
Ilustração 126 – Pormenor do revestimento. Exterior da zona da entrada.
(Ilustração nossa, 2013) .......................................................................................... 138
Ilustração 127 – Localização – Requena e La Portera. (Ilustração nossa, 2011)
.................................................................................................................................... 139
Ilustração 128 – Identificação da Adega Cooperativa La Unión, La Portera.
(Ilustração nossa, 2014) .......................................................................................... 139
Ilustração 129 – Percentagens dos conteúdos programáticos para o Centro
Enológico. (Ilustração nossa, 2011) ...................................................................... 141
Ilustração 130 – Esquemas de análise do espaço e programa. (Ilustração
nossa, 2011) ............................................................................................................. 143
Ilustração 131 – Referências, La Portera. (Ilustração nossa, 2011) ................. 144
Ilustração 132 – Planta de identificação das partes do programa. (Ilustração
nossa, 2011) ............................................................................................................. 144
Ilustração 133 – Planta com esquema de relações. (Ilustração nossa, 2011) 144
Ilustração 134 – Identificação das áreas de actuação. (Ilustração nossa, 2012)
.................................................................................................................................... 145
Ilustração 135 – Planta piso 0 - Adega. (Ilustração nossa, 2012) ..................... 146
Ilustração 136 – Planta piso 1 - Adega. (Ilustração nossa, 2012) ..................... 147
Ilustração 137 – Planta cobertura - Adega. (Ilustração nossa, 2012) ............... 147
Ilustração 138 – Secções - Adega. (Ilustração nossa, 2012)............................. 148
Ilustração 139 – Planta - Restaurante. (Ilustração nossa, 2012) ...................... 149
Ilustração 140 – Planta - Spa. (Ilustração nossa, 2012) ..................................... 150
Ilustração 141 – Planta - Recepção e Quartos. (Ilustração nossa, 2012) ........ 151
Ilustração 142 – Planta, alçado e secção dos Quartos. (Ilustração nossa, 2012)
.................................................................................................................................... 152
Ilustração 143 – Painel de sistematização da primeira análise do lugar.
(Ilustração nossa, 2011) .......................................................................................... 173
LISTA DE ABREVIATURAS
DO – Denominação de Origem
ETSA-UPV – Escuela Técnica Superior de Arquitectura – Universidad Politécnica de
Valencia
FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
ha – Hectare
IVDP – Instituto do Vinho do Porto
IVV – Instituto da Vinha e do Vinho
JNV – Junta Nacional do Vinho
SUMÁRIO
1. Introdução ................................................................................................................ 27
2. História, vinho e adegas .......................................................................................... 29
2.1. Contextualização Histórica ................................................................................ 29
2.2. O vinho e a adega ............................................................................................. 38
2.3. Arquitectura do vinho ......................................................................................... 57
3. Casos de estudo ...................................................................................................... 79
3.1. Herzog & de Meuron – Dominus Winery ........................................................... 80
3.2. Álvaro Siza Vieira – Adega Mayor ..................................................................... 99
3.3. Menos é Mais – Adega Quinta do Vallado ...................................................... 118
4. Trabalho prático ..................................................................................................... 139
5. Conclusão .............................................................................................................. 153
Referências ............................................................................................................. 155
Bibliografia .............................................................................................................. 161
Apêndices .................................................................................................................. 163
Lista de apêndices ...................................................................................................... 165
Apêndice A ............................................................................................................. 167
Apêndice B ............................................................................................................. 171
A arquitectura na enologia
1. INTRODUÇÃO
O tema escolhido para investigação, que resultou na presente dissertação de
mestrado, surgiu na sequência do trabalho desenvolvido na unidade curricular de
Projecto, no último ano do curso ao abrigo do programa Erasmus em Espanha, cuja
proposta envolveu a reconversão de uma adega, complementada por um programa
enoturístico. A temática, pouco comum no âmbito da arquitectura, suscitou interesse e
a decisão de a estudar prendeu-se com o facto de ser, precisamente, uma área pouco
explorada. Projectar uma adega, baseada em princípios que não se limitam
meramente às técnicas de produção, é uma prática recente. A partir desta afirmação,
a presente investigação procura abordar as questões pertinentes ao entendimento da
temática de um modo objectivo.
A decisão de delimitar a história do vinho e das adegas ao contexto nacional deveu-se
ao facto de ser um assunto extenso, tanto a nível temporal como espacial, daí a
determinação de abordar apenas o que se entendeu ser pertinente para contextualizar
o tema. Tal como as referências da arquitectura do Enoturismo foram escolhidas por
ilustrarem o que caracteriza o conceito português, comparativamente ao conceito
espanhol, através de obras de arquitectos cujo trabalho é mais ou menos conhecido,
mas que são o resultado desta imagem moderna da adega. As obras de referência em
Portugal apresentadas são apenas alguns exemplos do conjunto de edifícios
construídos sob esta temática, contudo são os que entendemos ser a adequação
correcta entre o conceito e o espaço ao território, tirando partido do uso de variadas
técnicas de construção e aplicação de materiais, integrando a tradição e a tecnologia.
Numa primeira parte, uma breve introdução histórica contextualiza a produção e
comercialização do vinho em Portugal, referindo factos como a importância da
exportação, os contributos para a economia e o consequente desenvolvimento de
regiões como o Douro. No subcapítulo seguinte, é feita uma descrição do processo de
vinificação de modo a compreender melhor o funcionamento de um edifício com esta
tipologia específica e alguns exemplos referentes à arquitectura popular nas regiões
agrícolas portuguesas. O final do capítulo pretende caracterizar a adega na
actualidade, e ainda a sua importância e incorporação no conceito do turismo ligado
ao vinho. O espaço dedicado à produção de vinho passou por várias etapas, através
de variadas tipologias construtivas. E é a partir do percurso tipológico da adega ao
longo dos tempos que chegamos ao tema central do trabalho, a definição de um
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
27
A arquitectura na enologia
espaço que actualmente tem um carácter contemporâneo, depois de ter sido
vernacular, rústico e industrial. E ainda relativamente à sua apropriação, a partir de
uma abordagem turística, promovendo um vinho, uma marca e um território.
Efectivamente, a arquitectura transforma-se num elemento igualmente promocional,
articulando uma série de componentes que se definem como Enoturismo.
No terceiro capítulo as três obras analisadas são o reflexo desta adaptação de um
espaço que deixa de ser puramente industrial para passar a ser visitável e fruível. A
selecção dos casos de estudo baseou-se no facto de serem três referências
relevantes na divulgação da arquitectura aplicada à produção de vinho, uma nos
Estados Unidos e duas em Portugal: a precursora Dominus Winery, em Napa Valley,
California, da autoria dos arquitectos suíços Herzog & de Meuron, construída em 1995;
a Adega Mayor no Alentejo, projectada por Álvaro Siza Vieira em 2007; e a Adega da
Quinta do Vallado, no Douro, pela dupla Menos é Mais.
Por fim, o quarto capítulo apresenta o trabalho realizado em Proyectos 4, na
Universidad Politécnica de Valencia, cujo projecto propunha um Centro Enológico,
inserindo-se deste modo na temática abordada na presente investigação. O respectivo
programa compreendia a reconversão de uma adega existente e espaços de lazer e
alojamento, no âmbito do Enoturismo. A articulação entre o trabalho de pesquisa e o
trabalho prático foca-se essencialmente na análise da adega e no (re)tratamento do
espaço de produção/armazenamento, preterindo os restantes espaços de maior
carácter turístico nos exemplos apresentados e nos casos de estudo. De facto, houve
uma intenção de evidenciar a arquitectura dos espaços dedicados à elaboração de
vinho, daí ter-se dado menos destaque aos espaços complementares, embora
relacionados com o tema, como hotéis e restaurantes.
Deste modo, tendo as recentes obras como materialização deste novo conceito,
podemos afirmar que, actualmente, o processo da elaboração do vinho é a única regra
que se impõe, deixando o restante afecto à intervenção do arquitecto, que actua com
base numa preocupação pela qualidade deste tipo de espaço que antes não existia.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
28
A arquitectura na enologia
2. HISTÓRIA, VINHO E ADEGAS
2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
“A produção vitivinícola, cuja dimensão temporal se estende por milénios, cruza
diversas esferas culturais e sociais do Homem, ao mesmo tempo que é acompanhada
pela História da Arquitectura.” (Margarido1, 2009, p. 3)
A história do vinho português remonta ao ano 2000 a.C. com o cultivo da vinha na
região do Vale do Tejo e Sado. A passagem dos romanos pela Península Ibérica
contribuiu bastante para o desenvolvimento do fabrico do vinho, através de técnicas,
materiais e conhecimentos, alguns deles ainda hoje preservados e utilizados em
algumas zonas. Aliás “[...] foi com os romanos, profundamente letrados nas principais
técnicas agrárias, que se generalizou a cultura do vinho e da vinha no Alentejo.”
(Vinhos do Alentejo, 2011). A produção e o consumo fizeram parte da história do país
desde
essa
época,
no
entanto
ganharam
uma
nova
dimensão
com
os
Descobrimentos, que transformaram Portugal num importante centro de distribuição,
permitindo levar o produto nacional ao resto do Mundo, cuja fama e procura de então
prospera até aos dias de hoje.
No século XVIII o vinho do Porto torna-se o mais popular, principalmente em
Inglaterra. As exportações aumentam significativamente, pelo que em 1703 é
assinado, entre os dois países, o Tratado de Methuen, que procurou regulamentar as
trocas comerciais, protegendo o produto com taxas aduaneiras preferenciais. Nesta
altura, para além dos vinhos do Douro, eram igualmente exportados, para países
como a América do Norte, França e Brasil, vinhos da Bairrada, de Carcavelos ou da
Madeira.
Em meados do século o sector ultrapassou uma situação menos favorável, devendo-o
à Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro ou Real Companhia
Velha2, fundada por Marquês de Pombal em 1756. A Região do Douro é por esta
altura nomeada a primeira região vitivinícola demarcada a nível mundial (Ilustração 1).
1
Raquel Margarido, arquitecta pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra,
autora da dissertação de Mestrado Adegas contemporâneas : um novo discurso na arquitectura
vernacular ou o boom do eno-arquitecturismo? (2009).
2
A Real Companhia Velha (1756 – 2002) é considerada a empresa, dedicada à defesa da qualidade do
Vinho do Porto, mais importante a nível nacional e a mais ampla a nível cronológico, não comparável a
nenhuma outra companhia na História do Portugal Contemporâneo, de tal forma que ainda hoje mantém a
denominação e marca. Foi a companhia pombalina que mais resistência criou, por parte dos populares e
a que mais ataques, por parte dos comerciantes ingleses sofreu.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
29
A arquitectura na enologia
Embora a produção de vinho no país não se limitasse ao Douro e se fizesse
representar através de outras regiões, distintas no tipo de solo, no tipo de plantação e
naturalmente, no tipo de vinho. No entanto, o Porto foi um importante centro de
distribuição do produto, cujo transporte fluvial se fazia nos barcos rabelos 3 (Ilustração
2). Curiosamente há registo de exportação para Inglaterra, muitos anos antes, de
Moscatel de Setúbal, em 1381.
Ilustração 1 – Paisagem vinícola do Douro. (Sousa, 2005, p. 51)
Apesar da cultura do vinho ser comum de Norte a Sul do país, a identidade própria do
Douro, pela paisagem, pela localização e consequente projecção comercial, levou a
região a ser alvo de elevado interesse. Foi igualmente importante no contexto
socioeconómico em Portugal, na perspectiva da população que contribuiu para o
desenvolvimento do território, lutando pela subsistência, contra as adversidades do
local, através dos meios que dispunham. O reconhecimento das características
ímpares das vinhas cultivadas em socalcos e do património construído vernacular
resultaram na classificação do Douro como Património da Humanidade, dada em 2001
pela UNESCO.
3
Rabelo é a designação da embarcação fluvial destinada ao transporte das barricas de vinho. Construído
em madeira, tinha influências nórdicas. Tinha cerca de 20 metros de comprimento, o fundo era chato, não
tinha quilha e navegava com uma vela apenas, de forma quadrangular. Fazia a ligação entre as quintas
produtoras ao longo do Douro e o Porto e Vila Nova de Gaia. Com o surgimento da linha no final do
século XIX e mais tarde com a rede rodoviária o transporte fluvial nestes barcos caiu em desuso, sendo
os que actualmente ainda existem apenas usados para fins turísticos.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
30
A arquitectura na enologia
Ao longo da história, as salas das barricas ou caves assumem-se espaços com
características singulares, alvos de interesse devido à atmosfera que proporcionam e
à história e cultura que carregam (Ilustração 3). Lugares que se podem apelidar de
místicos, como por exemplo neste texto do início do século XX, retirado de O Douro.
Principaes Quintas, Navegação, Culturas, Paisagens e Costumes, em que Manuel
Monteiro4 descreve o início do empreendimento da Real Companhia Vinícola, situado
“[...] no alto de Gervide5, tranquilo platô da velha serra de Quebrantões, entre umbelas
verdes de pinheiros e com vistas para colinas alegres” como sendo “labiríntico o
traçado, grandioso o projecto, estrepitante a faina das edificações que dentro em
pouco se mostraram como a mais vasta armazenagem e a mais completa oficina do
comércio vinícola português” (2005, p. 145), destacando a dimensão do mesmo como
“Verdadeiramente monumentais os armazéns causam, com efeito, a admiração de
quantos os visita, porque nada esqueceu, nada lhes falta e tudo se encontra na ampla
área dos 60 000 metros quadrados que ocupam.” (Monteiro, 2005, p. 145).
O autor faz referência às visitas, assinalando o facto de estas já se fazerem por esta
altura, por parte de “todos os que se importam com a economia nacional e
especialmente se interessam pelos vinhos do Douro” (Monteiro, 2005, p. 145), Num
armazém destinado aos vinhos durienses relata a primeira impressão como sendo
“subjugante em face da colossal aglomeração de vasilhas que se espraiam, ordenadas
em extensas fileiras, arruando, sobrepostas e empilhadas por entre sólidas colunas de
ferro que sustentam os vigamentos dos pisos superiores.” (Monteiro, 2005, p. 146).
Com uma linguagem característica do século XX, este crítico caracteriza os espaços
de um modo poético e detalhado, referindo-se às caves e à disposição linear das
barricas:
Essas oito mil urnas vinárias, empardecidas e até bolorentas, em rimas horizontais, que
formam o ingentíssimo depósito de uma omnipotente soberania comercial de quem
todas as encostas de uma abençoada terra vinhateira são tributárias, […] guardam em
si todas as nuances do aroma, da cor e do gosto do mais apreciável néctar mundial,
gerado aliás numa zona acidentada e áspera da velha Lusitânia. (Monteiro, 2005, p.
146)
4
Manuel Monteiro (1879 – 1952). Natural de Braga, estudou Direito em Coimbra. Republicano, torna-se o
1º Governador Civil de Braga, após a Revolução de 5 de Outubro de 1910. Arqueólogo e etnógrafo. Foi
Ministro da Justiça do governo de Bernardino Machado, em 1914 e de novo em 1917. Dedicou-se ao
estudo da arquitectura românica em Portugal, como crítico e historiador de arte, publicando vários livros
sobre o tema.
5
Gervide é uma localidade pertencente ao concelho de Vila Nova de Gaia.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
31
A arquitectura na enologia
Caracteriza as cubas maiores e o seu “feitio de cone truncado, emborcando cada uma
entre cem e cento e cinquenta pipas e originando todas um peso brutalíssimo só
capaz de sopesar-se com a possante e inesquecível musculatura metálica que lhes é
inferior” (Monteiro, 2005, p. 146), assim como o sistema pelo qual se faz o seu
enchimento, acrescentando que “há um terceiro andar aonde é levado o líquido que os
abastece, derivando também secretamente por um perfeito sistema de veias
condutoras, onde o vinho decorre ao abrigo da acção directa do ar.” (Monteiro, 2005,
p. 147).
Referindo-se às caves, onde em estantes repousam as garrafas de vinho espumante,
o autor comenta:
Dentro dessa formidável galeria subterrânea, que tem 429 metros de extensão e se
abre ao fundo da Avenida Vilar de Allen, fora da acção da luz, sob uma temperatura
perenemente baixa e uma atmosfera constantemente húmida, vai-se operar a
transformação prodigiosa de um líquido branco opaco, insípido e até desagradável
numa bebida límpida, efervescente, deliciosa… (Monteiro, 2005, p. 148)
Ilustração 2 – Transporte de vinho em barricas num barco
rabelo no Rio Douro (Sousa, 2005)
Ilustração 3 – Cave com pipas de vinho (Sousa, 2005)
Em meados do século XIX, grande parte das vinhas foram devastadas por uma série
de pragas, que atingiram a Europa. Com a necessidade de recuperar toda a produção,
o sector desenvolveu-se, renovou os métodos de plantação, introduziu novas castas e
a área de vinha aumentou. “Igualmente a implementação do ensino técnico agrícola
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
32
A arquitectura na enologia
em Portugal em 1852, contribuiu para o alargamento dos conhecimentos ligados à
vitivinicultura e ao avanço tecnológico nos processos de vinificação.” (Pereira 6, 2007,
p. 7)
Mais tarde, durante o Estado Novo foi criado um plano económico destinado a regular
a produção e comercialização do sector. Passou a ser necessário um organismo de
coordenação que orientasse e fiscalizasse os organismos corporativos. Foi criada a
Federação dos Vinicultores do Centro e Sul de Portugal7.
A importância do vinho na economia portuguesa traduziu-se na vastidão da cultura da
vinha e no seu lugar na economia agrária, constituindo uma actividade produtiva
fundamental. No entanto, a vinicultura portuguesa sofreu, desde sempre, crises quase
permanentes, que assentavam principalmente em causas internas onde predominava a
falta de organização ao nível da produção e do comércio. (Federação dos Vinicultores
do Centro e Sul de Portugal ao Instituto da Vinha e do Vinho)
A criação de adegas cooperativas era assim regulamentada pela Federação, que
estabelecia a ligação entre a vinicultura e o poder público. Entretanto esta foi sucedida
pela Junta Nacional do Vinho (1937-1986), cuja política de actuação se estendia à
produção e ao comércio do vinho. Mais tarde, uma das mudanças associadas à
entrada de Portugal na União Europeia foi a reestruturação dos organismos de
coordenação económica, o que fez com que a JNV fosse substituída pelo Instituto da
Vinha e do Vinho (Portugal, 2014)8.
A política de qualidade dos vinhos portugueses foi reforçada com as classificações
Denominação de Origem9 e Vinho Regional10, que por sua vez começaram a ser
6
Maria da Conceição Pereira, autora da dissertação de Mestrado em Estudos do Património da
Universidade Aberta - Acção e Património da Junta Nacional do Vinho (1937-1986) (2007).
7
"Organização corporativa dotada de grandes meios de acção e crédito para poder retirar do mercado os
excessos de produção e armazená-los para anos de escassez substituindo, assim, a especulação e a
concorrência por um regime normalizado de preços." (Decreto-Lei nº 23 231, de 17 de Novembro de
1933)
8
Instituto da Vinha e do Vinho - Organismo oficial que coordena e controla a organização institucional do
sector vitivinícola, acompanha a política comunitária e prepara as regras para a sua aplicação, audita o
sistema de certificação de qualidade, participa na coordenação e supervisão da promoção dos produtos
vitivinícolas e é a instância de contacto junto da EU; assegura o funcionamento e preside, através do seu
Presidente, à Comissão Nacional da OIV (Decreto-Lei nº 304/86, de 22 de Setembro).
9
Denominação de Origem - Esta designação é aplicável a produtos cuja originalidade e individualidade
estão ligados de forma indissociável a uma determinada região, local, ou denominação tradicional, que
serve para identificar o produto vitivinícola, sendo considerada a origem e produção nessa região ou local
determinado e a qualidade ou características especificas, devidas ao meio geográfico, factores naturais e
humanos. Para beneficiar de uma DO, todo o processo de produção é sujeito a um controlo rigoroso em
todas as suas fases. As castas utilizadas, os métodos de vinificação, as características organolépticas
são apenas alguns dos elementos verificados para a atribuição desse direito cabendo às Entidades
Certificadoras efectuar o controlo, de forma a garantir a genuinidade e qualidade dos vinhos. Decreto-Lei
nº.212/04, de 23 de Agosto, art. 2º, alínea a). (Portugal, 2014)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
33
A arquitectura na enologia
regulamentadas pelas Comissões Vitivinícolas Regionais11, que têm um papel
fundamental na preservação da qualidade e do prestígio dos vinhos portugueses.”
(Portugal, 2014). Neste momento o país tem reconhecidas 33 DO e 8 Indicações
Geográficas12 (Portugal, 2014). No âmbito da promoção turística de determinada
região e do tipo de vinho específico de cada uma existem outros importantes
instrumentos de organização – as Rotas do Vinho. Neste momento existem onze13,
distribuídas pelas várias regiões demarcadas, do Minho ao Alentejo. São na maioria
zonas rurais, zonas de um interior naturalmente afastado da modernidade, que se vêm
dinamizadas através destes percursos de promoção e divulgação turística, de
incentivo ao conhecimento do vinho, das adegas, assim como à descoberta do
território, das tradições e cultura próprias de cada local (Portugal, 2014).
SITUAÇÃO ACTUAL - ENOTURISMO
Enoturismo, Turismo do Vinho ou Turismo Enológico são termos relativamente
recentes. O conceito junta o turismo à indústria de produção de vinho e tem vindo a
ganhar relevância desde o século XX. Para além da França, Espanha e Itália, no berço
do vinho que é a Europa, fazem parte do conjunto das regiões vitivinícolas mais
conhecidas a nível mundial países como a Argentina, o Chile, a Austrália e a África do
Sul. Assim como os “[...] Estados Unidos detêm a liderança em termos de produção,
apesar de concentrada na Califórnia.” (Margarido, 2009, p. 24), detêm igualmente a
maior projecção no turismo do vinho. No entanto em Portugal a introdução deste
conceito tem poucos anos, apesar do país possuir as condições necessárias para ser
associado a este tipo de turismo.
A Carta Europeia do Enoturismo, que o define como sendo "[...] todas as actividades e
recursos turísticos, de lazer e de tempos livres, relacionados com as culturas,
materiais e imateriais, do vinho e da gastronomia autóctone dos seus territórios."
10
Vinho Regional - Menção tradicional especifica prevista para a rotulagem dos vinhos com direito a
indicação geográfica. A referência a esta menção dispensa a utilização de Indicação Geográfica Protegida
(IGP). Decreto-Lei nº.212/04, de 23 de Agosto, art. 8º, alínea b). (Portugal, 2014)
11
Comissões Vitivinícolas Regionais - associações interprofissionais regidas por estatutos próprios.
12
Indicação Geográfica - Designação é aplicável a produtos com direito a indicação geográfica
produzidos numa região específica cujo nome adoptam, elaborados com, pelo menos, 85% de uvas
provenientes dessa região e de castas previamente estabelecidas. À semelhança dos vinhos com
denominação de origem, são controlados por uma entidade certificadora. Decreto-Lei nº.212/04, de 23 de
Agosto, art. 2º, alínea b). (Portugal, 2014)
13
Rota dos Vinhos Verdes, Rota do Vinho do Porto, Rota do Vinho do Dão, Rota da Vinha e do Vinho do
Oeste, Rota dos Vinhos do Alentejo, Rota da Vinha e do Vinho do Ribatejo, Rota do Vinho da Bairrada,
Rota das Vinhas de Císter, Rota dos Vinhos da Beira Interior, Rota dos Vinhos de Bucelas, Colares e
Carcavelos e Rota dos Vinhos da Península de Setúbal – Costa Azul.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
34
A arquitectura na enologia
(Portugal. Ministério da Economia. Turismo de Portugal, 2014) foi criada em 2006 e
veio
estabelecer
os
fundamentos
e
objectivos
de
modo
a
promover
um
desenvolvimento sustentável entre a defesa e promoção do património histórico,
cultural e natural do vinho.
Por lo tanto, el turismo de sol y playa va dejando paso a otras clases de turismo que
son un reclamo para todos los visitantes, tanto a nivel nacional como internacional. El
turismo rural, el cultural y el gastronómico están ganando peso dentro de una de las
ofertas turísticas más ricas del mundo. En concreto, una tradición tan arraigada en
nuestro país como es la tradición vitivinícola está convirtiendo al sector turístico en un
reclamo para todos aquellos que buscan unas experiencias únicas rodeadas de
viñedos.14 (Lazo15, 2007, p. 38)
Além de poder ser encarado como uma iniciativa para obter benefícios numa adega,
transformando-a num produto turístico, deve-se ter em conta a importância de um bom
modelo de gestão e um crescimento sustentável. De maneira a respeitar o que está
directa ou indirectamente relacionado com a adega, como as questões culturais e
históricas. “Consiste en conocer las instalaciones de una bodega y realizar un
recorrido por todo el proceso de elaboración del vino, desde la zona de recepción de la
uva hasta la planta de embotellado, pasando por las naves de fermentación y
crianza.”16 (Lazo, 2007, p. 88)
O enoturismo é concebido por um conjunto de actividades que podem incluir uma
visita guiada à adega, incluindo zona de produção e caves, vinhas e jardins,
alojamento, com ou sem experiências em espaços de lazer e relaxamento, como spas.
O vinho pode ser degustado juntamente com a gastronomia regional e adquirido no
local, isto é, um restaurante e uma loja são cada vez mais elementos programáticos
obrigatórios num projecto que tenha como objectivo dedicar-se a este tipo de turismo.
Cada vez es más frecuente que un grupo de personas se acerque hasta las bodegas
en plenas zonas rurales, ávida de nuevas experiencias o deseosa de entrar en el
14
"Entretanto o turismo de praia e sol vai perdendo terreno para outros tipos de turismo, que têm
igualmente visitantes, tanto a nível nacional como internacional. O turismo rural, cultural e gastronómico
está ganhando peso dentro de uma das ofertas turísticas mais ricas do mundo. Ou seja, uma tradição tão
enraizada no nosso país como é a tradição vitivinícola está a tornar-se uma preferência para todos
aqueles que procuram experiências únicas rodeadas de vinhas" (Tradução nossa)
15
Tese de doutoramento em Engenharia Agrária Gestión del enoturismo en la D.O. Ribera del Duero de
España, por Mónica Matellanes Lazo. Universidad de Valladolid, Escuela Técnica Superior de Ingenierías
Agrarias, Departamento de Ingeniería Agrícola y Forestal. 2007.
16
"Consiste em conhecer as instalações de uma adega e realizar um percurso pelo processo de
elaboração do vinho, desde a zona de recepção da uva até à zona de engarrafamento, passando pelas
áreas de fermentação e estágio" (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
35
A arquitectura na enologia
atrayente mundo del vino. [...] Vender vino es vender cultura y es vender identidad de
un territorio y de un paisaje en estado puro.17 (Lazo, 2007, p.1)
Os turistas procuram nos destinos vitivinícolas a autenticidade do consumo de um
produto histórico e mundialmente apreciado, aliada ao conhecimento da sua produção.
O apreciador de vinho naturalmente torna-se um curioso entusiasta pelo processo que
antecede o produto final. O conceito junta cultura, tradição, turismo, gastronomia e
arquitectura. De um ponto de vista turístico é importante entender a intenção da visita
a determinado destino e os seus atributos chave. Este é um turismo de custo
médio/alto e com um determinado tipo de público-alvo, que exige um grau de
qualidade elevado.
Os produtores encaram o enoturismo como uma forma de gerar lucro e reconhecem o
seu potencial económico e turístico. Deixaram de ver desvantagens no facto de a
adega se tornar um lugar público, que recebe visitantes e que tem por isso de
obedecer a todo um conjunto de normas. De forma a tirarem partido do interesse do
visitante, os empresários apostam na promoção dos vinhos que produzem não só
através das provas mas também da venda do mesmo no próprio local, tornando-se
frequente incluir uma loja da adega, estrategicamente integrada no percurso da visita.
[...] a atitude de associar uma produção vinícola com uma arquitectura de referência
contendo um quadro histórico próprio, prende-se com a questão do enraizamento de
uma determinada produção, ao fazer referência ao seu passado por meio dos seus
valores patrimoniais. Nesta perspectiva, a ancoragem histórica de um produto cuja
propriedade de origem remonta a uma realidade temporal anterior, aliada ao contributo
de uma encenação arquitectónica e de contexto de localização, permite uma
valorização instantânea para as massas, bem como um reconhecimento e apropriação
imediatos. (Margarido, 2009, p. 32)
A relação das componentes económica, turística e cultural resulta numa marca que
junta uma empresa produtora de vinho que por sua vez se alia a um arquitecto de
renome, cuja criação assume o papel de elemento físico atractivo, para promover um
produto. “Architects are being challenged to rethink the winery as a bold contemporary
expression of tradition and innovation, agriculture and technology, production and
17
“Cada vez é mais frequente que um grupo de pessoas se dirijam às adegas em plenas zonas rurais,
procurando novas experiências e desejosas de entrar no atractivo mundo do vinho. Vender vinho é
vender cultura e é vender identidade de um território e de uma paisagem em estado puro.” (Tradução
nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
36
A arquitectura na enologia
hospitality.”18 (Webb, 2005, p. 6). Deste modo, as soluções arquitectónicas tornam-se
importantes contributos para a indústria do enoturismo.
Given the sophisticated technological equipment required for up-to-date production of
quality wine, a customized, attractive design of production facilities makes sense not
only in terms of streamlining the operational sequence but also because it permits the
winery to project a positive, customer-oriented image.19 (Woschek et al., 2012, p. 23).
O turismo relacionado com o vinho e com a visita à própria adega fez aumentar as
obras de alteração e ampliação no edifício, por parte das empresas produtoras, para
que possam acompanhar o cada vez mais competitivo mundo do enoturismo. O
potencial do edificado vitivinícola é notório, "porque as adegas mais antigas são
pequenas herdades e quintas com extraordinários edifícios com as mais variadas
dimensões, uns mais rústicos, outros mais nobres, mas todos com características
únicas e extremamente vincadas [...]” (Serra, 2013, p. 19). A diversidade topográfica e
climatérica, os diferentes tipos de solos e as singularidades de cada região reúnem as
condições que tornam Portugal um país de preferência deste tipo de produto turístico.
“Não é por acaso, que na última década, e em diversas latitudes, vários produtores de
vinho “de autor” atribuíram aos seus escaparates produtivos essa distinção, confiandoos ao desenho de outros “autores” renomeados.” (Grande20, 2007, p. 13)
Ao percorrer o universo vinhateiro pelo mundo, recolheu-se uma selecção de exemplos
diversificados e ilustrativos de adegas contemporâneas, que captaram a atenção
essencialmente graças à sua arquitectura distinta, que incluem no seu interior para
além do espaço de produção um outro de carácter social, que abraça o visitante numa
perspectiva de revelação, o que gera de alguma forma uma relação especial entre o
homem, o lugar e o processo de fabrico nas suas formas mais essenciais. (Serra, 2013,
p. 21)
Os dois mundos distintos do vinho e da arquitectura encontram assim nesta temática,
pontos de convergência, que propõem dois objectivos: “[...] drawing architects into the
fascinating world of viniculture, and giving vintners and wine-estate owners the
opportunity to discover the exciting and rewarding possibilities of contemporary
architecture in the world of wine”. (Woschek, 2011, p. 7).
18
“Os arquitectos têm sido desafiados a repensar a adega como uma expressão contemporânea arrojada
de tradição e inovação, agricultura e tecnologia, produção e estadia.” (Tradução nossa)
19
“Dado o sofisticado equipamento tecnológico necessário à, cada vez mais moderna, produção de vinho
de qualidade, o design das instalações de produção personalizado e atractivo faz sentido não só em
termos de simplificação da linha operacional mas também porque permite que a adega projecte uma
imagem positiva e orientada ao cliente.” (Tradução nossa)
20
Nuno Grande (1966 - ). Arquitecto, licenciado pela Universidade do Porto em 1992. Docente no
Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra
desde 1993. Crítico de arquitectura, tem vários textos publicados.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
37
A arquitectura na enologia
No próximo capítulo a dimensão arquitectónica no enoturismo terá uma abordagem
mais profunda, desde a compreensão do processo de vinificação a uma análise
histórica da caracterização da adega da tipologia popular à industrial, em Portugal. A
introdução deste conceito é relativamente recente, no entanto já causou impacto
suficiente para mudar a ideia, principalmente, visual da adega. Em termos
cronológicos o tema do vinho é bastante mais abrangente no turismo que na
arquitectura, logo é na contemporaneidade que assentam as bases das referências
actuais, exploradas mais à frente na presente dissertação.
2.2. O VINHO E A ADEGA
VINHO – O PROCESSO
“The basic principle of winemaking has not changed substantially since ancient times,
when people crushed grapes by stomping on them with their bare feet.”21 (Woschek et
al., 2012, p. 20).
O vinho “É o produto obtido pela vinificação/fermentação alcoólica, total ou parcial de
uvas frescas, provenientes de vários tipos de castas22 (Vitis Vinifera), cujos bagos são
esmagados, prensados ou transformados por outros processos tecnológicos
permitidos por lei.” (Portugal, 2014) Para além do sumo extraído da uva e do álcool o
vinho é composto por diversos ácidos, taninos23 e vitaminas. Depende das
características físicas, químicas e biológicas do solo em que é plantada a vinha. Assim
como na arquitectura o edifício depende da composição do terreno em que é
construído. “[…] no conjunto, topografia, orografia, geologia, pedologia, drenagem,
clima, casta, intervenção humana, são factores que influenciam a produção de vinho,
isto é, o seu Terroir24.” (Serra25, 2013, p. 15). Portugal, sob o clima temperado
mediterrâneo, oferece as melhores condições para a produção de vinho, sendo que
21
“O princípio básico da vinificação não mudou substancialmente desde os tempos antigos, quando as
pessoas esmagavam as uvas ao pisá-las com os pés descalços.” (Tradução nossa)
22
Casta - Nome usado para designar as videiras que apresentam um conjunto de características comuns;
também é o usado o termo variedade. Uma mesma casta em solos e climas diferentes origina vinhos
diferenciados, sendo que alguns componentes aromáticos próprios da casta se mantêm. (Portugal, 2014)
23
Taninos - Elementos da maior importância na qualidade dos vinhos, são responsáveis por algumas das
suas características organolépticas. Pertencem ao grupo dos polifenóis (matérias corantes de sabor
amargo que influenciam a estrutura do vinho) e estão presentes não só nas uvas (películas, engaços e
grainhas), mas também nos barris de madeira onde o vinho estagia. Os taninos conferem ao vinho
potencial de envelhecimento, estrutura, corpo e sabor. (Portugal, 2014)
24
Terroir - Termo de origem francesa que traduz a influência de diversos factores na qualidade das uvas
das vinhas: solos, clima ou microclima, casta, meio ambiente, etc. (Portugal, 2014)
25
Maria do Rosário Serra, arquitecta pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa,
autora da dissertação de Mestrado Eno Arquitectura – Adegas Contemporâneas (2013).
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
38
A arquitectura na enologia
dispõe de catorze regiões vitivinícolas26, divididas ao longo de 237.786 hectares de
superfície do continente e ilhas (Ilustração 4). São de referir igualmente as “[...]
grandes virtudes do vinho português, que são a diversidade de castas (Portugal é o
país com mais castas no mundo), a tradição dos vinhos de lote e a ligação do vinho a
uma paisagem e a uma cultura distintas.” (Garcias, 2010).
Ilustração 4 – Regiões vitivinícolas e respectivas regiões de Denominação de Origem (DO).
(Portugal, 2014)
Separados pela região onde são produzidos, os vinhos resultam das diversas castas,
cujas características variam consoante os solos e o clima de cada zona.
(Re)Conhecido pelas suas particularidades, o Douro “Não se trata só de um vale
dramaticamente entalado entre ríspidas encostas.”, cuja “[...] constituição do solo de
xistos e a feição do relevo determinam as possibilidades de tipos únicos de cultivo, em
26
Minho/Vinho Verde, Trás-os-Montes, Douro, Terras de Cister/Távora-Varosa, Bairrada/Beira Atlântico,
Terras do dão, Beira Interior/Terras da Beira, Lisboa, Tejo, Península de Setúbal, Alentejo, Algarve,
Madeira e Açores.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
39
A arquitectura na enologia
que, desde as hortaliças ao vinho, ao azeite e às frutas, o padrão atingido é o do
excepcional.” (Antunes et al., 1988, p. 187)
O cultivo da vinha no Douro está sob a influência de variados aspectos que o tornam
único e especial, daí ser reconhecido mundialmente. Desde a riqueza de castas,
algumas centenárias, à exposição solar devido às encostas e respectivos declives e
orientações, das diferenças de altitude à forma como as filas de videira são plantadas,
numa paisagem domada e moldada pelo homem ao longo do tempo.
[...] as encostas já não são simples encostas de elevações imponentes: tabuleiros
sucessivos de verdura, sustidos por muros de pequenas pedras, dão conta duma obra
paciente, persistente e hercúlea, a que os olhos nunca se acostumarão, porque a
sensação de respeito persistirá com o hábito. (Antunes et al., 1988, p. 188)
Igualmente histórico, herdado da civilização romana, o cultivo da vinha no Alentejo é
dos mais importantes para o país. Sob a política do Estado Novo perdeu vastas áreas
de vinha para os campos de trigo e centeio, restabelecendo-se mais tarde e através de
um forte movimento associativista. Nasceram daqui as adegas cooperativas que
revitalizaram o vinho alentejano, empresas que aliam a tradição à tecnologia mais
actual. Caracterizado pelas planícies a perder de vista, o Alentejo, ao contrário da
inevitável limitação de crescimento do Douro, assiste constantemente ao aparecimento
de novas áreas nunca exploradas para a produção de vinho. A evolução do sistema de
rega fez com que este desenvolvimento seja possível, combatendo as desvantagens
do clima seco. De facto, “A influência romana foi tão peremptória para o
desenvolvimento da viticultura alentejana que ainda hoje, dois mil anos após a
anexação do território [...]” (Vinhos do Alentejo, 2011) alguns métodos são
preservados. O mais tradicional é a talha de barro27, usada na fermentação de mostos
e, posteriormente para armazenagem de vinho (Vinhos do Alentejo, 2011).
No entanto, “Portugal ainda não é associado a um país que produz vinhos de alta
qualidade, mas o percurso que o sector tem feito nas últimas duas décadas coloca-nos
no patamar dos melhores.” (Garcias, 2010), devido ao “[...] investimento tecnológico
em adegas, da selecção de castas e da plantação de vinhas [...]” (Garcias, 2010).
Regiões estigmatizadas como o Ribatejo, a Estremadura ou o Algarve estão a renascer
para os vinhos de qualidade. Outras mais prestigiadas, como o Dão, a Bairrada e os
27
Talha de barro - Recipiente de barro cozido, utilizado no Alentejo para o fabrico do vinho. Estes
recipientes bojudos e de vários tamanhos são revestidos no seu interior por pez, para que o vinho não
entre em contacto com o barro (infovini). Podiam conter até 2000 litros de mosto, com pesos próximos de
uma tonelada e uma altura de quase dois metros (Vinhos do Alentejo, 2011).
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
40
A arquitectura na enologia
Vinhos Verdes, atraem cada vez mais a atenção dos principais críticos e publicações
internacionais. E da Madeira continuam a sair vinhos fortificados e eternos com
adeptos em todo o mundo. Mas os verdadeiros motores do país são o Alentejo e o
Douro. (Garcias, 2010)
No processo de produção do vinho, a vindima é a primeira e uma das fases mais
importantes (Ilustração 5), sendo que a escolha da data tem de ser cuidadosamente
determinada consoante o ponto ideal de amadurecimento das castas de modo a
garantir a qualidade do futuro vinho (Portugal, 2014). Em vinhas que tenham áreas
relativamente pequenas a uva é colhida manualmente, cujo processo apesar de lento
é mais selectivo e rigoroso. Vinhas de maior dimensão justificam que o produtor
recorra à apanha da uva através de meios mecânicos.
Depois de colhidos, os cachos são transportados para a adega e de seguida, na
recepção faz-se a pesagem, a uva é escolhida e seleccionada numa mesa (Infovini,
2009). Uma amostragem é analisada pelo laboratório a fim de serem medidas as
especificações necessárias (concentração em açúcar, teor alcoólico provável, acidez
total, pH). Na adega, é necessário destinar uma zona de cargas e descargas,
preferencialmente ampla e de fácil acesso aos veículos agrícolas que fazem o
transporte das uvas. Nos projectos mais recentes é cada vez mais frequente identificar
a intenção de distanciar a entrada industrial da entrada social, o que dá origem a
tipologias reguladas pela organização e disposição de áreas e circulações privadas e
públicas.
O fabrico do vinho era iniciado na casa dos lagares, onde eram depositados os bagos
através de janelas baixas [...]. A primeira operação era a pisa ou corte do lagar,
trabalho muito duro em que os homens agarrados em filas esmagavam a uva. Este
trabalho era feito à noite, permitindo o repouso do mosto até ao dia seguinte, altura em
que os homens (agora cerca de metade) iam novamente para o lagar. (Fauvrelle, 1999,
p. 58)
A fase que se segue no processo do vinho é a de desengace e esmagamento da
uva, em que o engaço28 é separado do bago que por sua vez ao ser esmagado faz
com que a película rompa, libertando a polpa e o sumo (Infovini, 2009), e dê origem ao
mosto29. Algumas adegas fazem questão de manter o método tradicional do
esmagamento da uva com os pés, o chamado pisar da uva, cuja vantagem passa pela
“The pressure and the softness of the human foot combined to extract a maximum of
28
Engace - Parte verde e lenhosa do cacho que serve de suporte aos bagos da uva. (Portugal, 2014)
Mosto - Sumo da uva que não sofreu fermentação. (Portugal. Ministério Da Agricultura E Do Mar.
Instituto Dos Vinhos Do Douro E Porto (2014))
29
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
41
A arquitectura na enologia
fruit, colour and tannins from the grapes.”30 (Woschek et al., 2012, p. 47). No entanto
esta técnica está a cair em desuso, a escolha de meios mecanizados de
esmagamento da uva recai sobretudo nas vantagens que esta apresenta em termos
de produtividade e eficiência, assim como de higiene. Embora “It soon became clear,
however, that the new technology did not produce the same concentrated, balanced,
richly fruity wines as before.”31 (Woschek et al., 2012, p. 47).
O produto resultante – mosto - é seguidamente colocado em cubas de inox32 para dar
início ao processo de fermentação33, a fase mais complexa e importante da produção.
O sumo da uva é convertido em vinho na primeira parte desta fase - a fermentação
alcoólica, ou seja, o processo de transformação do açúcar das uvas em álcool etílico
provocado por leveduras34 (Portugal, 2014). Seguidamente é necessário fazer-se a
remontagem, que consiste em retirar o líquido através de uma torneira na parte
inferior na cuba (Infovini, 2009). Liquido esse que está sob uma acumulação das
substâncias sólidas da uva, a chamada manta. Nesta fase o mosto entra em contacto
com o ar o que permite fornecer o oxigénio necessário ao desenvolvimento das
leveduras. O líquido que se retirou volta a ser introduzido no reservatório a fim de
homogeneizar o mosto dentro da cuba, constituindo o circuito da remontagem, que vai
ser efectuado várias vezes.
A próxima etapa é a fermentação maloláctica, que é provocada por bactérias lácticas
que transformam o ácido málico em ácido láctico, que pode ocorrer ainda durante a
fermentação alcoólica. Nesta operação diminui-se a acidez do vinho, afina-se a sua
expressão aromática e consegue-se uma maior estabilidade na conservação
(Portugal, 2014).
Depois de terminado o processo de fermentação o vinho é armazenado e inicia o
estágio, que pode durar entre seis meses a um ano, ou mais. Esta duração varia
consoante o tipo de vinho, se é tinto ou branco, a qualidade do mesmo e o fim
30
“A pressão e a suavidade do pé humano misturadas extraem o máximo de fruta, cor e taninos das
uvas.” (Tradução nossa)
31
“Tornou-se claro, no entanto, que a nova tecnologia não produzia os mesmos vinhos concentrados,
equilibrados e frutados como antes.” (Tradução nossa)
32
Antigamente os depósitos eram em madeira ou em betão. Algumas adegas continuam a usar as cubas
de madeira, chamados balseiros, como é o caso do Vinho do Porto; os de betão caíram em desuso.
33
Fermentação - Transformação produzida por um fermento sobre uma substância orgânica, por vezes
acompanhada de despreendimento de gás carbónico, da formação de álcool, de ácidos e de compostos
complexos. (Portugal, 2014)
34
Levedura - Trata-se de um fungo microscópico unicelular que se encontra nas películas da uva e que
desencadeia o processo da fermentação alcoólica; as leveduras existem nas películas das uvas mas em
caso de insuficiência, podem ser inoculadas no mosto para permitir a fermentação. (Portugal, 2014)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
42
A arquitectura na enologia
comercial a que se destina. O recipiente de armazenamento mais utilizado é a barrica
de madeira, geralmente em carvalho e com a capacidade média de 225 litros
(Portugal, 2014). Assim, o vinho é conservado de forma a manter as características e
ganhar outras, devido ao contacto com a madeira: “The effect a barrel has on the wine,
and the intensity of this effect, is determined by the degree of contact the wine has with
the wood of the barrel and by the wood’s aromatic properties, which come from its kind,
age and method of toasting.”35 (Woschek et al., 2012, p. 23). O espaço destinado às
barricas é normalmente a sala mais característica de uma adega. Sujeita a manter um
ambiente específico com graus de temperatura e humidade controladas é, por
tradição, construída ao nível do subsolo.
Antes de ser engarrafado o vinho tem de passar pela trasfega. Este processo tem a
função de separar o vinho, que é extraído da barrica, das partículas que se
depositaram no fundo (Infovini, 2009). À operação de eliminação das partículas dá-se
o nome de clarificação, embora nem todos os vinhos passem por esta fase. Por fim, o
vinho é engarrafado e rotulado. A utilização da rolha de cortiça deve-se às suas
propriedades de conservação, garantindo a qualidade do vinho, que continua a
amadurecer na garrafa.
O processo de produção de vinho pode variar, do branco para o tinto, do rosé para o
espumante. Foi feita uma descrição das fases mais importantes, comuns a quase
todos os tipos de vinho. Cada etapa exige um determinado espaço e o seu
desempenho industrial obedece a uma série de normas e condições. E apesar disso a
inovação e o interesse pela valorização destes edifícios contornam a arquitectura
meramente funcional, explorando formas de elevar a experiência de visitar uma adega
e percorrer a história do vinho através de uma obra ímpar.
O conhecimento deste conjunto de etapas é importante na medida em que há um
circuito a cumprir, quase como uma linha de montagem. Para definir os espaços é
crucial saber detalhadamente o tipo de função que cada um vai desempenhar, assim
como as dimensões e os tipos de materiais adequados. O capítulo seguinte é por isso
dedicado às adegas.
35
“O efeito que uma barrica tem no vinho, e a intensidade desse efeito, é determinado pelo grau de
contacto que o vinho tem com a madeira da barrica e com as respectivas propriedades aromáticas, que
derivam do tipo, idade e método de torrefacção”. (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
43
A arquitectura na enologia
Ilustração 5 – Processo vinificação. (Ilustração nossa, 2014).
ADEGA – O ESPAÇO
As primeiras tipologias relativas aos espaços dedicados ao vinho surgiram através das
villas Romanas, que provaram que desde sempre o Homem dedicou uma parte do
próprio espaço habitacional ao fabrico e armazenamento do vinho, reconhecendo-o
como um bem valioso. Na Idade Média a produção de vinho era uma das principais
ocupações do clero, pelo que os espaços dedicados à mesma se associaram aos
mosteiros. A construção vitivinícola teve maior expressão em França: “O château
afecto à vitivinicultura não encontra precedentes históricos pelo facto de que ousa pela
primeira vez exprimir a autonomia edificatória desta actividade enquanto exterioriza
uma vocação que pretende ir além do nível funcional.” (Margarido, 2009, p. 13)
(Ilustração 6).
No corpo de uma construção rural estão sempre expressos os factores humanos e
naturais que, conjugados, lhe deram origem. [...] a casa, o moinho, a capela ou a adega
manifestam o vínculo que os liga aos valores tradicionais, à economia ou às condições
ecológicas. (Antunes et al., 1988, p. 211)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
44
A arquitectura na enologia
Ilustração 6 – Garrafeira no Château Lafite Rothschild em Pauillac, Médoc, França.36
(Woschek et al., 2012, p. 17)
Portugal tem um historial de arquitectura vitivinícola de maior carácter vernacular. Até
ao século XX a adega era apenas uma estrutura secundária de apoio à moradia, que
servia de apoio à prática da agricultura, cujo agricultor era igualmente o produtor e,
porventura, o único consumidor. “A Arquitectura do vinho, embora sempre localizada
em estruturas habitacionais, foi constantemente reconhecida e valorizada ao longo da
sua história, devido à importância que a Cultura do Vinho adquiriu ao longo de várias
décadas.” (Silva37, 2012, p. 70). As construções rurais eram feitas à medida das
necessidades e resultavam da manufactura e do uso de materiais locais e técnicas
artesanais. A arquitectura vernacular desenvolveu tipologias distintas ao longo do país,
no entanto a presença de uma unidade vinícola ligada à habitação é comum a várias,
nomeadamente as regiões do Douro, Estremadura, Ribatejo e Alentejo. Nos
levantamentos de tipos de casas de arquitectura popular é possível verificar que, em
diversas situações, nas construções era dada prioridade à produção agrícola,
dedicando todo o rés-do-chão aos animais e aos produtos resultantes das
explorações.
Em Portugal, embora se verifique vestígios de adegas romanas e monásticas, é nas
adegas tradicionais onde se assenta a história da arquitectura do vinho portuguesa.
Estas estruturas habitacionais e agrícolas de pequena escala, continham apenas dois a
36
Datada do século XIX, esta garrafeira armazena mais de 20 000 garrafas, cujos vinhos mais antigos
são de 1797.
37
Rita Silva, arquitecta pela Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada do Porto, autora
da dissertação de Mestrado O fabrico do vinho como acto de criação – Melgaço na Rota do Enoturismo
(2012).
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
45
A arquitectura na enologia
três espaços vitivinícolas, o do lagar, o da adega e o das cubas, uma vez que a
produção de vinho era escassa e apenas para consumo próprio, devido aos poucos
recursos económicos da população. (Silva, 2012, p. 70)
Diferenciando-se das tipologias representativas das regiões Norte do país, cujas casas
apresentam normalmente dois pisos (Ilustração 7), o exemplo desta casa tipicamente
ribatejana de um piso apenas, localizada em Santarém, ilustra a importância do
espaço destinado à adega, cuja dimensão é maior que qualquer outro compartimento
(Ilustração 8). Identificamos a adega pela representação em planta das barricas de
diferentes tamanhos, e do lagar38, junto às paredes exteriores. A preocupação
funcional, da “janela da entrada da uva vindimada e pela larga porta da saída dos
cascos.” (Antunes et al., 1988, p. 200) é evidente e traduz o desenvolvimento
tipológico deste tipo de construção.
Do construtor rural recebemos o legado do seu engenho e da economia das suas
soluções, admiráveis pela sinceridade formal, a coerência entre a construção e o
ambiente que a rodeia, a natural compreensão dos valores espaciais e a sua tradição
em situações variadas e de elevado sentido estético, em suma, a mensagem duma
verdadeira superação, natural e harmónica, das suas necessidades materiais. (Antunes
et al., 1988, p. 211)
38
O lagar (espécie de tanque) destinado à pisa da uva era tradicionalmente de granito; mais tarde
começaram a ser construídos em betão.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
46
A arquitectura na enologia
Ilustração 7 – Casa Minhota.
(Moutinho, 1995, p. 54)
Ilustração 8 – Habitação em Santarém. (Antunes et
al., 1988, p. 200)
Não é possível atribuir dimensões fixas a uma adega, as suas características variam
consoante uma série de elementos que vão desde a área de cultivo ao volume de
produção, do tipo de casa em que está inserida ao local a que pertence. Pode ser uma
dependência de uma pequena habitação ou um armazém de área considerável.
Inicialmente aparece quase sempre ligada a um ou mais lagares, sendo que mais
tarde o espaço passa a ter de albergar os elementos mecânicos, assim como os
depósitos.
No caso do Douro, da condicionante orográfica nascem construções adaptadas à
inclinação, desde as casas aos terrenos de cultivo. As três sub-regiões – Baixo Corgo,
Cima Corgo e Douro Superior – têm as suas especificidades, que se reflectiram no
desenvolvimento do ordenamento do território ao longo dos tempos. Na distribuição
das construções distinguem-se “[...] as que pertencem à unidade fundamental de
exploração agrícola – a quinta -, dos míseros povoados que se escondem pelos
barrancos, das povoações marcadas pelo cunho do negócio, até um polvilhar rarefeito
de casinhas e casotas [...]” (Antunes et al., 1988, p. 188) junto aos acessos mais
próximos. Na descrição da arquitectura característica da produção vinícola desta zona
em meados do século XX, em Arquitectura Popular em Portugal, encontramos o
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
47
A arquitectura na enologia
confronto entre “o grupo de armazéns onde se faz o bom vinho [...] até ao casarãoarmazém pretencioso, que, patriarcalmente, pontificava às fainas”. (Antunes et al.,
1988, p. 193) Estas quintas, dispersas pelas encostas que acompanham o rio são até
hoje a imagem das grandes produtoras do vinho do Porto e do Douro.
A proximidade da cidade, que por sua vez é o porto das trocas comerciais e a ligação
ao exterior, teve influência no desenvolvimento da construção nesta altura, evitando
que se limitasse unicamente ao vernacular e aos materiais locais, afastando em certa
medida a tipologia de arquitectura popular desta região de outras do país, interiores e
alienadas dos centros urbanos. Influência essa “[...] que se sente ou se pressente num
certo tipo de rasgamentos, em varandas envidraçadas, no uso da cal, da telha e até da
cor, misturados com lousas, chapas de zinco e outros produtos industriais”. (Antunes
et al., 1988, p. 192)
Em Quintas do Douro – As Arquitecturas do vinho do Porto, de Natália Fauvrelle39
encontramos a definição de quinta, cujo vocábulo “procede do português arcaico
quintã que, segundo Alberto Sampaio, juntamente com outras formas de propriedade,
como o casal, derivou da desagregação da villa romana, sendo composta por
habitações, pomares, terras, soutos, vinhas, etc.” (1999, p. 7). “A particularidade da
casa da Região do Douro está em colocar o edifício dos lagares atrás da casa, de
modo a que o vinho escorra pela força da gravidade através de caleiras de granito até
aos tonéis, depositados no andar de baixo.” (Fauvrelle, 1999, p. 51), sendo que mais
tarde estas instalações passaram a estar destacadas da casa, devido à necessidade
de espaço de armazenamento, e para além disso “Desta forma era evitada a infiltração
do cheiro dos vinhos nas casas [...]” (Fauvrelle, 1999, p. 52).
Deste modo a intervenção no Douro, tanto construtiva como em relação ao cultivo,
contornou o problema do relevo tirando partido da gravidade. Neste exemplo, a
diferença de cotas entre os espaços é visível na planta (Ilustração 9), o que permite
que o vinho seja depositado nos recipientes através de caleiras que fazem a ligação
entre os lagares e o espaço de armazenamento. Apesar de ser possível usar a
madeira na construção de lagares, o mais comum é a pedra. Podem ser de xisto ou
granito, sendo o segundo o mais utilizado.
39
Natália Fauvrelle – conclui o Mestrado na área de património e restauro da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto com a tese Quintas do Douro – As Arquitecturas do vinho do Porto, em 2000.
Dedica-se à investigação de temas como o património, a história e a vitivinicultura da região do Douro,
sendo autora de várias publicações e colaborando em vários livros. Faz uma Pós-Graduação em
Museologia, tendo sido Coordenadora dos Serviços de Museologia do Museu do Douro.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
48
A arquitectura na enologia
Ilustração 9 – Exemplo de uma oficina vinária, Douro (Fauvrelle, 1999, p. 54)
“Traditionally in Europe winemaking, barrels of wine are stored on a cellar – in other
words, underground.” (Woschek et al., 2012, p. 23). E “[...] independentemente do local
onde é implantada, “a cave deve ser construída de forma a poder manter-se fresca,
limpa e livre de quaisquer cheiros ou humidade, e ao abrigo de ruídos, trepidações ou
vibrações” (Margarido, 2009, p. 18 apud Gonçalves, 1984. p. 265). É referida a
importância da temperatura do espaço onde o vinho é guardado, que deve ser baixa,
assim “[...] a exposição a norte permite fugir do calor excessivo assim como dos
ventos mais fortes. Quando tal não é possível é sempre aconselhada a presença de
árvores que amenizam as temperaturas.” (Fauvrelle, 1999, p. 57) Além disso deve ser
“[...] larga e com pé direito mais elevado, exigido pelo arejamento que os vinhos
necessitam. Outro dos cuidados a ter com o vinho é a luz, que não deve ser em
demasia.” (Fauvrelle, 1999, p. 57). A presença da luz deve ser controlada,
preferencialmente através de aberturas na zona superior da parede, no entanto se for
o caso da adega ser enterrada recorre-se apenas à luz artificial, o que se verifica em
construções menos antigas. É conhecido por ser um local que necessita de uma
humidade relativa, controlada pela pouca entrada de luz que evita o calor e carecendo
sempre de ar renovado. As barricas estão dispostas sobre assentos, os chamados
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
49
A arquitectura na enologia
canteiros40, que as “[...] elevam para que não apodreçam em contacto com o solo”
(Fauvrelle, 1999, p. 57), assim como “[...] para permitir fácil acesso, detectar fugas e
evitar transferências bruscas de temperatura.” (Margarido, 2009, p. 22). É comum que
a base de suporte de uma fileira de barricas seja uma estrutura que permita empilhálas (Ilustração 10). São espaços simples, as salas de barricas, despretensiosos, que
oferecem o protagonismo unicamente aos objectos que guardam o vinho (Ilustração
11).
Geralmente, na construção desta época, as salas de armazenamento de vinho das
quintas mais importantes, e consequentemente maiores e com melhores condições,
são espaços amplos e de pé direito relativamente generoso, cuja cobertura varia,
sendo plana ou de duas águas, enquanto os materiais predominantes são o ferro e a
madeira (Ilustração 12 e Ilustração 13).
Ilustração 10 – Armazém com pipas de vinho (Sousa, 2005, p.
148)
Ilustração 11 – Cubas num armazém de vinho (Sousa, 2005, p.
102)
Hoje em dia, em construções novas ou em renovações existem preocupações que se
mantêm e que são as mesmas de antigamente, pois o processo de vinificação não
mudou, apenas se modernizou. Como foi descrito atrás, as diversas etapas do
processo de fabrico do vinho exigem espaços com determinadas características.
Enquanto a sala de armazenamento pode ser um local quase de repouso, de
contemplação, o restante programa de uma adega tem de ser encarado como um
edifício industrial. Nas zonas em que estão dispostos os depósitos, em que ocorre o
processo de fermentação, a ventilação é um elemento de extrema importância, devido
aos gases nocivos que se libertam para a atmosfera. Uma das experiências que
retemos de uma visita a uma adega é sem dúvida a memória olfactiva. Principalmente
40
Canteiro: Assento de madeira, pedra ou cimento, disposto no chão das caves ou armazéns, sobre o
qual se colocam as vasilhas de madeira. (Portugal, 2014)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
50
A arquitectura na enologia
na época da vindima, os odores intensificam-se e é importante que o espaço esteja
preparado para deixar entrar e sair o ar.
Ilustração 12 – Armazém com pipas de vinho (Sousa, 2005, p.
450)
Ilustração 13 – Cubas no piso superior (Sousa, 2005)
A circulação é igualmente importante nestes espaços, assim como a “[...] disposição
formal dos tanques ou cubas que facilite a manobra de pessoal, maquinaria
e
elementos circulatórios [...] e pela colocação das prensas em cantos ou espaços
periféricos.” (Margarido, 2009, p. 22)
Bailey e Baldwin41 consideram que o ponto crítico no planeamento da adega
contemporânea passa por definir, em planta, as relações de proporções entre as
diferentes áreas. Acrescentam ainda que o agrupamento da zona administrativa, do
laboratório e da sala de prova podem ser benéficos para os movimentos e gestão
necessária inerentes a esta actividade. (Margarido, 2009, p. 22)
Ainda na análise de algumas quintas durienses, Fauvrelle dá-nos a conhecer as
alterações que o edifício principal da Quinta do Bom Retiro (século XVIII) sofreu ao
longo dos tempos. A adaptação de um espaço de carácter familiar para um espaço
empresarial está ilustrada nesta planta de 1994 (Ilustração 14), cujo projecto foi já da
autoria de um arquitecto. Várias zonas foram transformadas, incluindo a adega, cujo
espaço foi necessário “[...] remodelar de acordo com as novas funções: os lagares são
41
Bailey, Roger; Baldwin, Gary - Winery Design in the 21St Century. The Australian & New Zealand Wine
Industry Journal [Em linha]. 17:6. 2007
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
51
A arquitectura na enologia
destruídos para dar lugar às máquinas exigidas pelas técnicas modernas de
vinificação. Esta estrutura foi feita para albergar as cubas de cimento e esconder da
paisagem as cubas de aço inoxidável.” (Fauvrelle, 1999, p. 127)
Ilustração 14 – Planta da casa da Quinta do Bom Retiro, Douro ([adaptação a partir de:] Fauvrelle,
1999, p. 117).
Desta forma, é impossível dissociar a quinta da produção vinícola e do Douro,
devendo “[...] ser encarada como um documento histórico uma vez que gera em seu
redor uma rede de condições naturais e criações culturais, englobando a própria
paisagem, que tal como os edifícios, é fruto da acção construtora do homem.”
(Fauvrelle, 1999, p. 225). Este conjunto é, por estas razões, incomparável a outros
tipos de explorações vinícolas no resto do país. A herança histórica representativa
desta região e a carga patrimonial que esta suporta distinguem-na do resto do país,
que tem assistido, principalmente a partir do século XIX, ao desenvolvimento de
regiões vitivinícolas igualmente seculares, e ao aparecimento de novas, sustentadas
pelos avanços da indústria.
“Também a renovação tecnológica que se inicia entre os anos 1950 e 1980 vem
denegrir a qualidade arquitectónica do património original, conduzindo a um desviar de
direcções entre conteúdo e suporte, ou seja, entre vinho e arquitectura.” (Margarido,
2009, p. 15). A forma de construir e produzir mudou com a Revolução Industrial e o
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
52
A arquitectura na enologia
vinho passou a ser comercializado em maiores quantidades e, consequentemente,
mais acessível. Os produtores passaram a vender e a transformaram-se em
empresários em vez de usarem o produto apenas para consumo próprio e venda de
pequenas quantidades. O processo do vinho foi igualmente afectado pelas mudanças,
assistindo à substituição de técnicas artesanais por máquinas e por exemplo, “[...] da
pisa e esmagamento das uvas pela acção humana por esmagadores mecânicos”
(Margarido, 2009, p. 19).
A construção deste tipo de edifícios, espaços de produção e armazenamento sofreram
melhoramentos com a introdução de mão-de-obra qualificada e materiais nobres. Com
a industrialização, os sistemas construtivos simplificam-se, o uso de elementos préfabricados aumenta e crescem as empresas que se dedicam ao fabrico e montagem
dos mesmos, o que reduz definitivamente, a realização deste tipo de construção in
situ.
Antes da introdução dos depósitos em aço inoxidável, era a própria estrutura que
desempenhava essa função. O vinho fermentava entre paredes de betão. Apesar de
estarem em desuso para a produção de vinho, espaços como este, podem ser alvo de
reciclagem e dar lugar a espaços destinados a outra função.
“Os grandes tonéis e depósitos de cimento que produziram milhões de litros de vinho
foram substituídos por cubas de aço inoxidável, sistemas de refrigeração e pipas de
carvalho para o envelhecimento do vinho.” (Infovini, 2009) A introdução dos depósitos
em aço inoxidável muito contribuiu para mudanças na própria tipologia da adega, por
exemplo, devido à sua dimensão era necessário serem colocados num espaço exterior
quando o espaço interior não tinha capacidade para os albergar, como na maioria das
vezes. Surgiram assim edifícios maiores, armazéns com o pé direito mais generoso ou
em alguns casos, apenas estruturas que funcionavam como coberturas aos conjuntos
de depósitos, deixando-os em parte, no exterior.
A partir de 1960 a maioria das obras deste carácter são de ampliação e reestruturação
de edifícios já existentes de empresas estabelecidas e cooperativas em expansão.
Desta situação resultam tipologias pouco variadas, o que se traduz em edifícios de
pouco interesse a nível arquitectónico. O melhoramento de alguns materiais ou
técnicas de construção faz com que as diferentes partes do edifício, entre fundações,
estrutura, vãos, coberturas e acabamentos evoluam de forma independente, o que
pode dar origem a combinações dissonantes. “In these interventions, functionality was
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
53
A arquitectura na enologia
the top priority, and results did not always blend harmoniously into their surroundings
or the regional landscape.”42 (Woschek et al., 2012, p. 18)
Apesar da evolução deste tipo de construção as tradições continuam a ser
respeitadas, pois a cultura e história do vinho estão demasiado enraizadas no nosso
país, por mais modernas que sejam as adegas do futuro. Hoje em dia podemos
verificar que várias empresas de produção de vinho mais antigas mantiveram o edifício
original, assim como algumas técnicas de produção e armazenamento tradicionais.
Enquanto certas quintas vinhateiras optaram por manter, por exemplo, as caves de
barricas intactas desde há décadas, preservando o espaço original, outras apostaram
em intervenções contemporâneas no pré-existente ou em edifícios inovadores
construídos de raiz.
As adegas estão em transformação e já não há lugar para o pó nem para as teias de
aranha. Autênticos laboratórios, regem-se por rígidas regras de laboração e de higiene.
Obedecem a uma ciência apurada de dosagem, regulação de temperatura, acelerada
ou lenta, mais ou menos química. Em alguns casos, uma adega é um espaço de
verdadeira alquimia. (Castanheira43, 2014)
Na segunda metade do século XX as principais empresas portuguesas investiram no
melhoramento das instalações, construindo edifícios maiores e com novas
preocupações funcionais, de acordo com as exigências da tecnologia em
desenvolvimento. Exemplo disso foi a Sogrape Vinhos S.A., fundada em 1942 e
produtora do vinho português mais internacional – Mateus Rosé – cujo volume
crescente de produção nos anos 60 obrigou ao aumento das instalações. “[...] a
construção das modernas instalações de Avintes constituía um momento histórico de
profunda transformação das estruturas produtivas da Sogrape.” (Sogrape Vinhos,
2014). O edifício ficou concluído em 1967 e tinha “[...] capacidade de armazenamento
para 19 milhões de litros e com seis modernas linhas de engarrafamento que atingiam
a produção de 200 mil garrafas por dia.” (Sogrape Vinhos, 2014). É possível identificar
características formais usadas de forma corrente na época, como é o caso da
42
“Nestas intervenções, a funcionalidade era a principal prioridade e os resultados nem sempre se
misturavam harmoniosamente com a envolvente ou com a paisagem local.” (Tradução nossa).
43
Carlos Castanheira (1957 - ). Arquitecto português. Natural de Lisboa, estudou na Escola Superior de
Belas Artes da Universidade do Porto entre 1976 e 1981. Em 1993 criou o escritório de arquitectura
Carlos Castanheira & Clara Bastai, Arquitectos Lda juntamente com a arquitecta italiana Maria Clara
Bastai. Ainda como estudante inicia a colaboração com o arquitecto Álvaro Siza, principalmente em
projectos internacionais. Participa em júris de concursos de arquitectura, conferências, organiza
exposições. É responsável pela coordenação das actividades da Casa da Arquitectura.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
54
A arquitectura na enologia
cobertura inclinada em sistema shed44, comum a muitas construções industriais
(Ilustração 15).
Ilustração 15 – Centro de vinificação Sogrape Vinhos S.A. (Sogrape Vinhos, 2014)
A casa José Maria da Fonseca45 é uma referência na história do vinho em Portugal,
fundada em 1834, é a empresa mais antiga na produção de vinhos de mesa
(Ilustração 16). Divide-se em duas unidades distintas: o edifício original – a Casa
Museu - em Vila Nogueira de Azeitão, uma construção do século XIX que mantém as
antigas caves onde estagiam os vinhos e os moscatéis mais distintos da marca
(Ilustração 17); mais afastado do interior da Vila e junto das vinhas, localiza-se a
unidade industrial responsável por toda a produção dos vinhos da empresa, o Centro
de Vinificação Fernando Soares Franco (Ilustração 18), inaugurado em 2001. A área
coberta de 9000 m2 abriga o programa destinado à produção de vinho, com
capacidade para 6,5 milhões de litros. O mesmo espaço é partilhado pela mais
avançada maquinaria e pelos métodos tradicionais, através de lagares e prensas
verticais datadas do século XX. O reconhecimento da empresa que é hoje uma
44
Tipo de cobertura utilizada em edifícios industriais, cuja estrutura inclinada – ou em forma de “serrilha” permite iluminar espaços amplos, através de luz zenital.
45
José Maria da Fonseca (1804 - 1884). Natural da região do Dão, formou-se em Matemática na
Universidade de Coimbra, estabelecendo-se depois em Vila Nogueira de Azeitão onde funda a empresa
com o seu nome, em 1834. Contribuiu com inovações na indústria do vinho, como a introdução da
utilização do arado e a comercialização do vinho em garrafa. Em 1857 foi-lhe conferida a Ordem da Torre
e Espada de Valor, Lealdade e Mérito pelo rei D. Pedro V.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
55
A arquitectura na enologia
referência na rota do enoturismo em Portugal valeu-lhe o primeiro lugar na categoria
de Melhor Enoturismo sem Estadia na edição de 2012 nos Prémios W46.
“The need to optimize the production sequence is no longer the sole driving factor in the
planning of the many new buildings, extensions and conversions of mid-sized wine
estates, wine companies and cellars. Striking visual and tactile design elements, such
as an aesthetic staging of the wines, or materials reminiscent of wine production and
certains terroirs, are also paramount.” (Woschek, 2011, p. 7)
Ilustração 16 – Interior da adega, processo de engarrafamento, início do século XX, no edifício original da empresa
José Maria da Fonseca em Azeitão. (Leite, 2012)
Ilustração 17 – Casa-museu José Maria da Fonseca na
actualidade, Azeitão. (Ilustração nossa, 2014)
Ilustração 18 – Centro de Vinificação Fernando Soares Franco,
José Maria da Fonseca, Azeitão. (Leite, 2012)
46
Prémios W – promovidos pelo enólogo e crítico de vinhos Aníbal Coutinho, contam já com 6 edições
anuais. O objectivo passa por divulgar as empresas nacionais do sector vinícola através de um conjunto
de categorias que vai do Melhor Vinho ao Melhor Enoturismo, do Melhor Produtor à Melhor Loja de Vinho.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
56
A arquitectura na enologia
2.3. ARQUITECTURA DO VINHO
“[...] the evolution of contemporary wine architecture has been subject to varying
influences in each country and region.”47 (Woschek et al., 2012, p. 19).
A questão da classificação do espaço na sua componente funcional ou artística é
debatida por Távora48, em Da organização do espaço, que supõe “[...] a possibilidade
de separar estes dois aspectos tão profundamente interligados que se pode perguntar
em que medida uma forma pode ser bela sem ser funcional e em que medida uma
forma pode ser funcional sem ser bela.” (2006, p. 14). É evidente que em cada obra
um dos aspectos predomina em relação ao outro, sendo que neste tipo de programa
que estamos a analisar a componente técnica é determinante e pode até condicionar
até certo modo a componente artística. A actual abordagem a este tipo de edifícios
assenta precisamente nessa dualidade. Um programa puramente funcional que passa
a ser lido como se de um museu se tratasse.
A introdução da adega no portefólio de um arquitecto é igualmente uma afirmação da
arquitectura industrial, da obra que tem mais para além de um mero carácter funcional.
Ainda sobre os dois aspectos – funcional e artístico – cuja dissociação é reprovada por
Fernando Távora: “[...] ainda há bem pouco tempo alguém nos dizia, a respeito do
projecto de determinada instalação industrial, que não haveria necessidade de nele
colaborar um arquitecto porque se tratava de obra unicamente funcional...” (2006, p.
15).
À parte da questão económica dos derivados do turismo e da produção em
determinada região, em que está localizada a infra-estrutura, é de extrema importância
referir como a mesma se reflecte na envolvente física. Por razões óbvias, um edifício
desta natureza está sempre integrado numa paisagem natural ou agrícola. Geralmente
a sua implantação está destinada à proximidade da plantação de vinhas já existente,
47
“[...] a evolução da arquitectura do vinho contemporânea tem sido sujeita às diversas influências de
cada país e região.” (Tradução nossa)
48
Fernando Távora (1923-2005). Arquitecto português. Nasceu no Porto e licenciou-se em Arquitectura
na Escola de Belas Artes do Porto, onde mais tarde leccionou. Afirmou-se desde cedo como arquitecto
moderno, integrando o modernismo na arquitectura tradicional portuguesa. Foi um dos poucos arquitectos
portugueses a participar nos CIAM (Congressos Internacionais da Arquitectura Moderna). Autor de
teorias de referência como O problema da casa portuguesa. Falsa arquitectura. Para uma arquitectura de
hoje (1947), Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa (1955), como colaborador e Da organização do
espaço (1962). É uma referência na arquitectura nacional e influenciou gerações precedentes,
principalmente da Escola do Porto. Autor de obras como a Casa de Férias no Pinhal de Ofir (1958), o
Mercado Municipal de Santa Maria da Feira (1959), a Ampliação das instalações da Assembleia da
República, em Lisboa (1999) e a Casa dos 24, no Porto (2003). Foi reconhecido com a atribuição do
Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Coimbra em 1993.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
57
A arquitectura na enologia
seja uma construção de raiz ou uma alteração do pré-existente. Logo o arranjo exterior
está à partida condicionado, ou determinado. A uma escala maior, edifícios de
produção vitivinícola estão inseridos em zonas rurais e meios populacionais de baixa
densidade. Esta situação, como já foi referida no capítulo referente ao enoturismo,
acaba por gerar um conjunto de elementos dinamizadores em determinadas zonas,
que estão na sua maioria afastadas dos grandes centros urbanos e têm carências a
vários níveis.
As Rotas do Vinho e as novas adegas de autor são elementos regeneradores deste
tipo de zonas. Deste modo a população local e os visitantes encaram a adega de uma
forma positiva, ao contrário do pensamento do século XX, cujas opiniões recaíam nas
críticas sobre o aumento da construção de edifícios industriais e dos respectivos
planeamentos precários. Ainda no mesmo texto, datado de 1962, Távora defende que
“[...] uma instalação industrial mal implantada pode alterar totalmente, por exemplo, os
valores dos terrenos envolventes, pode criar problemas de acessos e do tráfego, [...]
pode alterar toda uma paisagem [...]” (2006, p. 63) e questiona “[...] já se pensou
quanto uma instalação industrial mal localizada e inconveniente, com todas as suas
consequências, pode afectar toda uma zona turística?” (2006, p. 64). Ora, hoje em dia
e no âmbito do tema que estamos a analisar, podemos discutir estas afirmações e
acusá-las de contraditórias. O intuito é precisamente tirar partido de uma instalação
industrial para promover o turismo. É certo que uma adega é um complexo de
dimensões relativas, não afecta o espaço envolvente num perímetro desmesurado.
Quanto ao planeamento da zona afecta à adega, verifica-se uma clara, mas
justificada, falta de relação (física) com tudo o que rodeia o edifício. Para além da
obrigatoriedade de serem garantidos os acessos, nada mais acontece imediatamente
junto à adega, à excepção das terras cultivadas. Podemos usar o termo objecto para
caracterizar esta afirmação. O edifício não é mais nada senão um objecto, quase
sempre destacado, que surge no meio da paisagem e acaba por ser o protagonista do
conjunto. Não tem edifícios adjacentes, não vê os limites inerentes à escala urbana.
Pode até ser comparado a uma escultura, que se ergue no espaço vazio, natural.
Associada ao enoturismo, a adega deixa de ser apenas um edifício de produção e
armazenamento e passa a ser encarado como um espaço destinado a visitas e obriga
a alterações de programa e adaptações de tipologia. Para além de funcional a
preocupação do autor do espaço passa a ser também sensorial. O visitante cria uma
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
58
A arquitectura na enologia
espectativa em relação à visita, sabe que o local é caracterizado por aspectos que
enriquecem o percurso e variam de espaço para espaço, como odores, oscilações de
temperatura, diferenças de alturas e tipos de luminosidade, artificial ou natural. De
certo modo estabelece-se uma relação entre o edifício e o visitante, porque não é uma
visita ao acaso. O visitante predispõe-se a conhecer o processo de fabrico do vinho e
acaba por dar valor a um espaço, que foi desenhado para ser ocupado e percorrido,
nas diferentes fases da criação. Antes mesmo de conhecer o vinho, cuja prova é o
objectivo ou a fase final do encontro, o visitante confronta-se com o espaço que o vai
receber, e concebe de imediato uma ideia.
A qualidade arquitectónica desses espaços é uma premissa para os espaços de
produção e armazenamento de vinho, na dualidade de albergar a tecnologia necessária
ao seu fabrico e as condições para proporcionar experiências interactivas com o
visitante, com base nos temas do vinho e da viticultura. (Serra, 2013, p. 15)
Um dos elementos de interesse arquitectónico passa pela forma como é feita a
articulação entre a parte pública e a parte privada, ou seja, os visitantes circulam na
zona de produção de vinho e é necessário que esse percurso esteja sob um sistema
de segurança e que seja limitado. Um projecto permite ao autor controlar a quantidade
do que fica visível e acessível ao visitante e cabe a este transformar a visita à adega
através de um percurso pedonal rico a nível de transição de espaços de dimensão,
materialidade e atmosfera variadas.
En realidad, el enoturismo no se dirige a un turista espectador que mira el mundo del
vino a través de un escaparate, sino que quiere participar e integrarse en una forma de
vida y para conseguirlo está dispuesto a implicar a todos sus sentidos, buscando una
experiencia y una compresión sensorial completa de todo lo que significa el mundo del
vino. (Lazo, 2007, p. 4)49
O fenómeno da procura de novos conceitos e abordagens ao vinho deu origem a uma
exposição intitulada “How Wine Became Modern: Design + Wine 1976 to Now.” que
esteve patente de Novembro de 2010 até Abril do ano seguinte no San Francisco
Museum of Modern Art (SFMOMA). A cultura do vinho tornou-se moderna e é
explorada pelas mais variadas formas de arte, como a arquitectura, o design gráfico, o
design industrial e ainda o cinema. Uma das intenções era surpreender os visitantes,
que naturalmente estariam expectantes sobre histórias tradicionais acerca do vinho,
até pela proximidade das terras vinhateiras da Califórnia. No entanto, a linguagem da
49
“Na verdade, o enoturismo não se dirige a um turista espectador que vê o mundo do vinho através de
um escaparate, mas a um turista que quer participar e integrar-se numa forma de vida e para consegui-lo
está disposto a envolver todos os sentidos, procurando uma experiência e uma compreensão sensorial
completa de tudo o que significa o mundo do vinho.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
59
A arquitectura na enologia
exposição procurou provocar e contrariar as expectativas: “Unorthodox displays are
the rule.”50 (Loos, 2010). A exposição organiza-se em sete zonas, “[...] including one
on how winery architecture has changed in the era of globalization and another on
modern production.”51 (Loos, 2010).
Mr. Urbach52 stated that the idea stemmed “from an observation and curiosity about
why there was so much activity around wine in various design fields. There are probably
a score of world famous architects who have done wineries in the last fifteen years and
they’re not doing dairy farms or orange juice bottling plants.”53 (Basulto, 2010c)
Ao longo da exposição há um forte apelo aos sentidos enquanto o visitante se
encontra com os variados elementos em torno do vinho, o que resulta num percurso
dinamizador e interactivo, marcado pela presença de texturas, odores, temperaturas
ou materiais. Na zona dedicada às adegas contemporâneas e a edifícios relacionados
com o tema, um mapa revela a localização de 200 projectos reconhecidos em todo o
mundo. A uma escala mais próxima são identificados as 34 obras mais marcantes e,
finalmente é dada maior atenção a quatro edifícios específicos - Clos Pegase Winery,
Dominus Winery, Bodegas Baigorri e o Hotel Marqués de Riscal – cujos detalhes e
modelos figuraram na exposição. No conjunto global, a única adega portuguesa a
fazer parte da lista foi a Adega Mayor, da autoria de Álvaro Siza Vieira54. Este projecto,
assim como a destacada Dominus Estate, da dupla suíça Herzog & de Meuron 55, vão
50
“Exibições pouco ortodoxas são a regra.” (Tradução nossa)
“[...] incluindo uma sobre como a arquitectura vinícola tem mudado na era da globalização e outra
sobre a produção moderna.” (Tradução nossa)
52
Henry Urbach. Curador de Arquitectura e Design do San Francisco Museum of Modern Art (2006 –
2011), organizou a exposição “How Wine Became Modern: Design + Wine 1976 to Now.”.
53
”Sr. Urbach afirmou que a ideia surgiu “a partir da observação e da curiosidade acerca do porquê de
existir tanta actividade em torno do vinho nas várias áreas do design. Provavelmente existe uma
percentagem de arquitectos mundialmente famosos que fizeram adegas nos últimos quinze anos e não
estão a fazer leitarias ou engarrafadoras de sumo de laranja.” (Tradução nossa)
54
Álvaro Siza Vieira (1933 - ). Arquitecto português, natural de Matosinhos. Formado pela Escola Superior
de Belas Artes do Porto (1949 – 1955). Colaborou com o arquitecto Fernando Távora, seu mestre, entre
1955 e 1958. Autor de inúmeras obras reconhecidas a nível nacional e internacional, como a Casa de
Chá da Boa Nova (1963), as piscinas de Leça da Palmeira (1966), o Museu Serralves (1997), o
Serpentine Gallery Pavilion (2005), entre muitos outros. É a maior referência do modernismo português.
Foi professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto e professor convidado na École
Polythéchnique de Lausanne, na University of Pennsylvania, na Universidad de Los Andes de Bogotá, na
Graduate School of Design of Harvard University. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa por várias
ocasiões em instituições como a Universidad de Valencia, Espanha (1992), a Università de Palermo, Itália
(1995), a Universidade Federal de Paraíba, Brasil (2000), a Universidade Técnica de Lisboa (2010), entre
outras. Foi vencedor de prémios como o Pritzker (1992), o Mies van der Rohe Award for European
Architecture (1988), o Prémio Leão de Ouro na Bienal de Veneza (2012), entre outros.
55
Jacques Herzog (1950 - ) e Pierre de Meuron (1950 - ) – fundaram o atelier Herzog & de Meuron em
Basel, Suíça em 1978. Professores convidados na Graduate School of Design (GSD), da Universidade de
Harvard desde 1994. Leccionam no Swiss Federal Institute of Technology Zurich (ETH) – Department of
Architecture, Network City and Landscape, desde 1999 e são co-fundadores do ETH Studio Basel –
Contemporary City Institute. Trabalham com uma equipa internacional composta por 38 Associados,
liderando projectos por todo o Mundo, que vão desde a escala de uma moradia particular à escala
51
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
60
A arquitectura na enologia
ser objecto de análise no capítulo dos casos de estudo, mais à frente na presente
dissertação.
De Jacques Herzog a Frank Gehry, dos vales de Nappa na Califórnia aos da Rioja
Alavesa, podemos hoje colher exemplos emblemáticos de projectos de arquitectura
para adegas vinícolas - muitas vezes associadas a programas hoteleiros - que ajudam
a promover a “marca” do produtor e da sua região através, entre outras, da “marca” do
projectista. (Grande, 2007, p. 13)
Apesar da história de produção de vinho ser mais recente nos EUA do que na Europa,
é na região da Califórnia que o Enoturismo está mais desenvolvido, pois “a pesar de
ser una zona relativamente joven en cuanto a tradición vitivinícola, sobre todo si se
compara con el Centenario Mundo de tradición vitivinícola como es Europa, todo gira
entorno al fenómeno del enoturismo.56 (Lazo, 2007, p. 11). Conhecida por ser a região
precursora deste tipo de turismo: “Napa Valley led the way, notably through the
initiatives of Robert Mondavi57, as well as by individuals and firms that are new to the
business and are unconstrained by centuries of tradition.”58 (Webb, 2005, p. 6).
Mondavi foi o impulsionador da produção de vinho na Califórnia com a construção da
adega Opus One nos anos 70 (Margarido, 2009, p. 24). Desde então a produção e as
empresas emergiram e o vinho tornou-se o principal motor económico da região. Um
caso de referência é a já referida Dominus Winery, o primeiro projecto de uma adega a
ter repercussão na arquitectura, da autoria da reconhecida dupla suíça Herzog & de
Meuron, nos anos 90.
Whether simple and functional, spectacular or revolutionary, purpose-built architecture
can help wine companies and winemakers to realize virtually all their aspirations. In
doing so, wine architecture plays an important role in promoting and sustaining the
public’s fascination with all things connected with wine.59 (Woschek et al., 2012, p. 19).
urbana. Vencedores de vários prémios, entre os quais o The Pritzker Architecture Prize (EUA) em 2001, o
RIBA Royal Gold Medal (Reino Unido) e o Praemium Imperiale (Japão), ambos em 2007.
56
"Nesta zona de Napa, que apesar de ser uma zona relativamente jovem enquanto tradição vitivinícola,
sobretudo se comparada com o Mundo Centenário de tradição vitivinícola como é a Europa, tudo gira em
torno do fenómeno do enoturismo." (Tradução nossa)
57
Robert Mondavi (1913 – 2008). Conhecido produtor de vinhos americano, era descendente de italianos.
A família, produtora de vinhos estabeleceu-se na Califórnia e foi em Napa Valley que fundou a própria
empresa e se tornou no maior impulsionador da cultura vinícola da região. Em parcerias com produtores
europeus levou os conhecimentos do “Velho Mundo” para o continente americano e produziu vários
vinhos premiados. Entre outros reconhecimentos recebeu o Doutoramento em Enologia Honoris Causa
em 2000.
58
“Napa Valley foi percursora, nomeadamente através das iniciativas de Robert Mondavi, assim como de
individuais e empresas que são novas no negócio e não são condicionadas pelas tradições seculares.”
(Tradução nossa)
59
“Quer seja simples e funcional, espectacular ou revolucionária, a arquitectura com um propósito pode
ajudar as empresas de vinho e produtores a concretizar praticamente todas as suas aspirações. Ao fazêlo, a arquitectura do vinho desempenha um importante papel na promoção e na sustentação do fascínio
do público por todas as coisas relacionadas com o vinho.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
61
A arquitectura na enologia
Na Península Ibérica o aparecimento de projectos contemporâneos inseridos nesta
temática deu-se a partir do século XXI, sendo que é a Espanha a detentora do maior
número de obras vinícolas da autoria de nomes sonantes na arquitectura mundial. Em
relação a Portugal está um passo à frente no desenvolvimento do enoturismo, como
afirma Campo60: “El panorama vinícola español está siendo testigo de la llegada de
grandes inversiones al sector en forma de infraestructura y tecnología, con la
construcción de numerosas bodegas, a cual de todas más moderna e innovadora, así
como de grandes hoteles de enoturismo.” 61 (Lazo, 2007, p. 3).
As zonas da Ribera del Duero e La Rioja, no Norte de Espanha são os principais polos
de atracção deste tipo de turismo no país. “Spanish wine producers were especially
rigorous in pursuing new winery design.”62 (Woschek et al., 2012, p. 19). Do desenho
vanguardista aliado à tradição enológica resultam vários exemplos construídos pelo
território espanhol, através de nomes reconhecidos na arquitectura, nacional e
internacional.
Es en esta región española, La Rioja, donde una actividad tan antigua como es la de la
elaboración del vino se ha empleado para cambiar la imagen exterior, diseñar botellas
de forma más cuidadosa y asociarse a la arquitectura más vanguardista para remodelar
o construir nuevas bodegas. 63 (Lazo, 2007, p. 38)
Complexos vinícolas de escala considerável assumem-se como uma referência na
paisagem. A intenção de destacar a obra, no meio de uma envolvente comum a todas,
está presente na maioria do conjunto de projectos que vão surgindo nas rotas do vinho
espanholas. Em Laguardia, Álava, uma sub-região de uma das mais importantes
regiões vinícolas espanholas - La Rioja - do traço vanguardista do arquitecto espanhol
Santiago Calatrava64, em 2001 nasceu a Bodega Ysios, um edifício alongado e de
60
Pancho Campo - Presidente de la Academia del Vino de España.
“O panorama vinícola espanhol está a ser testemunha da chegada de grandes investimentos no sector
através de infra-estruturas e tecnologia, com a construção de inúmeras adegas, qual delas a mais
moderna e inovadora, assim como de grandes hotéis de enoturismo.” (Tradução nossa)
62
“Os produtores de vinho espanhóis eram especialmente rigorosos na procura de novos modelos de
adegas.” (Tradução nossa)
63
"É nesta região espanhola, La Rioja, onde uma actividade tão antiga como a elaboração de vinho se
está a empenhar em mudar a imagem exterior, desenhar garrafas de forma mais cuidada e associar-se à
arquitectura mais vanguardista para remodelar ou construir novas adegas." (Tradução nossa)
64
Santiago Calatrava (1951 - ). Arquitecto espanhol, nasceu em Valencia, onde concluiu a PósGraduação em Urbanismo na Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Valencia, tendo depois
estudado Engenharia e terminado o Doutoramento em Ciências Técnicas em Zurique. Iniciou a prática de
arquitectura e engenharia na Suíça, tem várias obras reconhecidas em Espanha, no resto da Europa e
ainda nos EUA. Caracterizadas pelas estruturas complexas, orgânicas e inspiradas na natureza, entre as
mais icónicas encontram-se a Torre de Montjuic (1992), em Barcelona, a Gare do Oriente (1998), em
Lisboa, a Ciudad de las Artes y de las Ciencias (2000), em Valencia, Turning Torso (2005), na Suécia e o
New York City Ballet (2010), nos EUA. Foi distinguido com vários prémios, tanto através da arquitectura
como da engenharia civil.
61
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
62
A arquitectura na enologia
cobertura curvilínea (Ilustração 19): “Calatrava has turned a functional production
facility into an unforgettable image – a wave formation of wood and aluminium that
mimics the Cantabrian mountain range to the north, and symbolizes the process of
transforming grapes into wine”65 (Webb, 2005, p. 10). A estrutura ondulante de
madeira tem continuidade no espaço interior, dando origem a uma dinâmica nas salas
e nas respectivas alturas de pé direito (Ilustração 20). Ao centro, destaca-se a entrada
do edifício, “[...] a section that contains the tasting room as well. From here, the visitor
is treated to a majestic view out over the vineyards, but can also look into the barrel
cellar with its overwhelming height and its 1,300 barriques.” (Woschek et al., 2012, p.
105) (iIlustração 21).
Ilustração 19 – Bodega Ysios, Santiago Calatrava. (Woschek et al., 2012, p. 104)
Ilustração 20 – Sala de depósitos, Bodega Ysios, Santiago Calatrava.
(Woschek et al., 2012, p. 104)
Ilustração 21 – Sala de barricas, Bodega Ysios,
Santiago Calatrava. (Webb, 2005, p. 16)
O impacto visual do metal está igualmente presente no projecto de Frank O. Gehry 66
para a Bodega Marqués de Riscal, a mais antiga da região de La Rioja e uma das
mais importantes hoje em dia na promoção do enoturismo espanhol (Ilustração 22):
65
“Calatrava transformou uma unidade de produção funcional numa imagem inesquecível – uma
formação ondulada de madeira e alumínio que mimetiza a montanha Cantábrica que se estende para
Norte e simboliza o processo de transformação das uvas em vinho”. (Tradução nossa)
66
Frank O. Gehry (1929 - ). Arquitecto, nasceu no Canadá, naturalizou-se americano mais tarde.
Associado ao Pós-Modernismo, é reconhecido pelas suas obras assumirem características menos
convencionais, desde as formas curvas às superfícies metálicas. Os edifícios de maior referência são o
Museu Guggenheim de Bilbao (1997), em Espanha e o Walt Disney Concert Hall (2003), em Los Angeles.
Entre outros reconhecimentos, o arquitecto foi vencedor do Prémio Pritzker em 1989.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
63
A arquitectura na enologia
“The winery claims to be the oldest and most innovative in the region, and it is also one
of the largest”67 (Webb, 2005, p. 58). A “estrutura exuberante de Gehry é um
afrodisíaco arquitectónico com cor e forma de uma fragrância de flamenco”
expressada sobretudo pelas ondulantes folhas coloridas de titânio adossadas à
fachada.” (Margarido apud Fowlow; Stanwick, 2009, p. 48). O projecto, localizado em
Elciego ficou concluído em 2006 e o programa inclui um hotel, spa, restaurante e
centro de congressos. ”Apesar da igualmente complexa geometria da organização
interior, o edifício vive do exterior e para o exterior, dado dispor de terraços e
passagens panorâmicos.” (Margarido, 2009, p. 48).
Ilustração 22 – Adega Marqués de Riscal, Frank O. Gehry. (Marqués de Riscal, 2011)
Na região da Ribera del Duero, o projecto do atelier Rogers Stirk Harbour + Partners68
para a extensão e melhoramento das instalações da Bodega Protos, localizada em
Peñafiel, Valladolid é mais uma referência na arquitectura vinícola actual. O edifício,
concluído em 2008, foi construído sobre o pré-existente. O programa organiza-se
numa planta triangular sob uma estrutura formada por cinco arcos parabólicos, de
forma a evitar demasiado impacto na envolvente (Ilustração 23). “The base of the
building is buried, taking advantage of the thermal inertia and placing the areas for
production and maturation of the wine, interpreting in a contemporary tone the
67
“A adega tem a pretensão de ser a mais antiga e a mais inovadora na região, e é além disso uma das
maiores.” (Tradução nossa)
68
Rogers Stirk Harbour + Partners - atelier fundado em 1977 pelo arquitecto britânico Richard Rogers
(1933 - ), vencedor do Prémio Pritzker em 2007 e autor de obras como o Centro Pompidou (1977), em
Paris, o edifício Lloyd’s (1986), em Londres e o Terminal 4 do Aeroporto de Barajas (2005), em Madrid.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
64
A arquitectura na enologia
traditional construction of the wineries.”69 (Rogers; Alonso y Balaguer, 2014) (Ilustração
24).
Ilustração 23 – Bodegas Protos, Rogers Stirk Harbour + Partners. (Rogers; Alonso y Balaguer, 2014)
Ilustração 24 – Secção esquemática. Bodegas Protos, Rogers Stirk Harbour + Partners. (Rogers; Alonso y Balaguer,
2014)
69
“A base do edifício está enterrada, tirando partido da inércia térmica e dispondo as áreas para a
produção e maturação do vinho, interpretando num tom contemporâneo a construção tradicional das
adegas.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
65
A arquitectura na enologia
Contudo nas últimas décadas, surgiram inúmeras estruturas vinícolas da autoria de
vários arquitectos, desde o Alentejo ao Douro. Erguidas em regiões de topografia e
clima distintos, com essências de natureza pragmáticas distintas, na generalidade são
concebidas para cumprir pressupostos turísticos, albergando em simultâneo espaços
de produção, estágio, envelhecimento e componente social. (Serra, 2013, p. 12).
Actualmente em Portugal, as empresas de produção de vinho vêm na arquitectura um
elemento valorativo na divulgação da adega, e investem em projectos inovadores.
Projectos de restauro e reestruturação, das casas antigas pertencentes a propriedades
que se dedicam à produção de vinho, são feitos desde há anos, antes ainda do
fenómeno do enoturismo. E para além desses, projectos de ampliação ou novas
construções são uma realidade da arquitectura nacional da última década,
contribuindo com uma nova abordagem, contrariando o rústico e o tradicional, e
mantendo a mesma funcionalidade. Poderão ainda assim existir opiniões mais
conservadoras em relação à mudança: “Wherever contemporary architecture is
practised, its unfamiliar design language can initially feel unsettling, even offensive, to
fans of traditional wine cellar culture.”70 (Woschek et al., 2012, p. 19), no entanto,
“Increasingly, however, the old, pseudo-romantic winery atmosphere is giving way to
the pursuit of aesthetics, lucidity, clarity and functionality.”71 (Woschek et al., 2012, p.
19).
A contemporaneidade é um atractivo diferente, mas também estratégico, e os mais
recentes projectos nacionais são a prova disso. De certa forma, a arquitectura torna-se
um aliado, senão o mais, importante na promoção desta temática turística:
[…] resultou na percepção das entidades ligadas ao mundo vinícola, que seria
necessário preservar e requalificar a arquitectura histórica já presente em variadas
propriedades, surgindo alguns investimentos em projectos de recuperação de
construções existentes, nas quintas, como antigos solares e casas próximas das
adegas, no sentido de capacitar a região com algumas estruturas hoteleiras,
assim como decidiram investir na renovação das suas adegas, com a construção de
novos equipamentos de raiz assim como na recuperação de edifícios já existentes.
(Serra, 2013, p. 20)
Uma das primeiras intervenções no âmbito desta temática em território nacional foi a
Adega da Quinta da Touriga, da autoria do arquitecto António Leitão Barbosa72. O
edifício, localizado em Vila Nova de Foz Côa, foi construído em 2004 e venceu a
70
“Onde quer que a arquitectura contemporânea seja praticada, a sua invulgar linguagem de design pode
inicialmente parecer inquietante, até mesmo ofensiva, para os fãs da cultura tradicional das adegas.”
(Tradução nossa)
71
“No entanto, cada vez mais, a velha, pseudo-romântica atmosfera da adega vai dando lugar à busca da
estética, lucidez, clareza e funcionalidade.” (Tradução nossa)
72
António Leitão Barbosa (1963 - ). Arquitecto português.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
66
A arquitectura na enologia
primeira edição do Prémio de Arquitectura do Douro73 em 2006. “O edifício é
constituído por duas naves paralelas que se apresentam desalinhadas, como se
deslizassem uma sobre a outra, por razão de adaptação ao caminho pré existente.”
(Barbosa, 2006, p. 66) (Ilustração 25).
Os dois volumes partilham o mesmo tipo de estrutura em ferro, que é completada com
o revestimento em xisto (Ilustração 26). À parte da zona funcional, “existe ainda uma
sala destinada a provas de vinho que se apresenta como uma varanda sobre a nave
do armazenamento e que possui simultaneamente uma janela orientada às vinhas.”
(Barbosa, 2006, p. 66) (Ilustração 27). Adaptando-se à topografia, a adega divide-se
em três níveis de modo a tirar partido da gravidade natural no processo de produção
do vinho (Ilustração 28).
Ilustração 25 – Quinta da Touriga, António Leitão Barbosa.
(Barbosa, 2006, p. 73)
Ilustração 26 – Quinta da Touriga, António Leitão Barbosa.
(Barbosa, 2006, p. 79)
73
O "Prémio de Arquitectura no Douro” é um concurso que procura distinguir e promover boas práticas do
exercício da arquitectura na Região Demarcada do Douro, enquanto território de actuação da Estrutura de
Missão do Douro, desenvolvidas depois da classificação do Douro Vinhateiro como Património da
Humanidade (2001) e concretizadas em intervenções de construção, conservação ou reabilitação de
edifícios ou conjuntos arquitectónicos construídos. Com estes objectivos, o "Prémio de Arquitectura no
Douro” visa ainda contribuir para estimular a excelência no ordenamento do território e na intervenção na
paisagem de uma região sensível como é a Região Demarcada do Douro (Comissão de Coordenação e
Desenvolvimento Regional do Norte). A primeira edição foi em 2006 e o Prémio é atribuído de dois em
dois anos.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
67
A arquitectura na enologia
Ilustração 27 – Planta, Quinta da Touriga, António Leitão Barbosa. (Barbosa, 2006, p. 73)
Ilustração 28 – Secções, Quinta da Touriga, António Leitão Barbosa. (Barbosa, 2006, p. 79)
A já referida Adega Mayor não é o único edifício inserido na temática vinícola a sair do
traço do arquitecto Siza Vieira, que em 2003 projectou o armazém de estágio e
envelhecimento de vinhos da Quinta do Portal. Localizado em Celeirós do Douro,
concelho de Sabrosa, o edifício é uma das recentes construções de referência na
arquitectura duriense.
“À chegada deparamo-nos com o volume de um piso de forma regular e rectangular.
[...] imagem cúbica e serrada de armazém onde a luz do sol não será muito desejada.”
(Ordem Dos Arquitectos, 2010, p. 61), que contrasta com “O volume superior, com a
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
68
A arquitectura na enologia
sua plasticidade, movimenta-se, ora apresentando a volumetria das suas formas, ora
mostrando só a parede.” (Ordem Dos Arquitectos, 2010, p. 61) (Ilustração 29). O
projecto é um complemento às infra-estruturas já existentes na Quinta, cuja produção
de vinho teve início nos anos 90, pelo que não inclui programa de produção mas
apenas de armazenamento (Ilustração 30). O armazém ficou concluído em 2008 mas
só abriu ao público em 2010, tendo sido a obra vencedora da edição de 2010/2011 do
Prémio de Arquitectura do Douro. “[...] o volume do edifício integra-se na topografia
natural do terreno através do jogo de volumetrias e do relacionamento com os acessos
e circulações.” (Ordem Dos Arquitectos, 2010, p. 61), dando resposta à preocupação
funcional da entrada de visitantes, articulada com o acesso de mercadoria.
Portugal’s Douro Valley is characterized by cork and slate – cork as a stopper for wine
bottles, slate as the ground on which the vines grow. Both materials also envelop the
new storehouse at Quinta do Portal, helping it to blend into the surrounding vineyards of
the central Douro Valley.74 (Woschek et al., 2012, p. 80)
A base do edifício, revestida a xisto, integra-o no solo e na envolvente (Ilustração 31).
“Sobre o xisto, as paredes elevam-se em blocos de aglomerado de cortiça, castanho
claro.” (Ordem Dos Arquitectos, 2010, p. 61). A escolha da cortiça para a fachada, que
reveste uma área de 1.506 m2, ultrapassa a estética: “It became clear that cork is a
first-rate, weather-resistant material that also provides very good insulation. For Siza,
this was reason enough to use a layer of cork 10 centimetres thick [...]”75. Estes dois
tons neutros contrastam com o volume no último piso que se destaca devido ao tom
de terracota (Ilustração 32). As áreas de armazenagem ocupam os dois níveis de
menor cota, cada uma com características distintas devido às exigências do
envelhecimento de cada tipo de vinho, sendo que o restante programa - sala de
provas, auditório e terraço – situa-se num terceiro e quarto níveis (Ilustração 33). “The
planning of a building that was to function as a storage space for port wine as well as
for red wine was challenging, as the two require different storage temperatures.” 76
(Woschek et al., 2012, p. 80).
74
“A região portuguesa do Douro é caracterizada pela cortiça e pelo xisto – cortiça como a rolha das
garrafas de vinho, xisto como o solo em que crescem as uvas. Ambos materiais envolvem o novo
armazém da Quinta do Portal, fazendo com que este se misture com as vinhas envolventes da região
central do Douro.” (Tradução nossa)
75
“Tornou-se claro que a cortiça é um material de excelência, resistente à água e que garante um bom
isolamento. Para Siza, estas razões foram suficientes para usar uma camada de cortiça de 10 cm de
espessura [...]”(Tradução nossa)
76
“Projectar um edifício cuja função é armazenar tanto Vinhos do Porto como Vinhos do Douro foi
desafiante, sendo que os dois requerem diferentes temperaturas de armazenagem.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
69
A arquitectura na enologia
Ilustração 29 – Quinta do Portal, Siza Vieira. (Woschek et al., 2012, p. 81)
Ilustração 30 – Interior do armazém, Quinta do Portal, Siza Vieira. (Woschek et al., 2012, p. 83)
Ilustração 31 – Quinta do Portal, Siza Vieira. (Ordem dos Arquitectos, 2010, p.
64)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
Ilustração 32 – Quinta do Portal, Siza Vieira.
(Ordem dos Arquitectos, 2010, p. 63)
70
A arquitectura na enologia
Ilustração 33 – Plantas dos pisos, Quinta do Portal, Siza Vieira77. (Woschek et al., 2012, p. 83)
Em Vila Nova de Famalicão, Carlos Castanheira redesenhou uma adega que “[...] já
existia, pois na propriedade já se fazia bom vinho. A vontade de produzir mais, melhor
e de acordo com as novas regras, obrigou a repensá-la e obrigatoriamente a aumentála.” (Castanheira & Bastai Arquitectos, 2014). O projecto de ampliação da Adega da
Casa da Torre, concluído em 2009, manteve o embasamento em granito e elevou o
edifício através de uma estrutura de madeira (Ilustração 34).
A cobertura é sustentada por “[...] pilares centrais, indesejados e indesejáveis, e, por
isso, reduzidos ao mínimo.” e por “[...] quatro escoras que se abrem a partir de um
pilar, ajudando as vigas de cobertura.” (Castanheira & Bastai Arquitectos, 2014)
(Ilustração 35). Paralela à cumeeira uma passagem elevada atravessa o armazém à
77
1 – Terraço, 2 – Vestíbulo, 3 – Auditório, 4 – Terraço da cobertura, 5 – Entrada principal, 6 – Área de
provas, 7 – Sala de barricas de Vinho do Porto, 8 – Armazém de garrafas, 9 – Túnel de ligação, 10 – Sala
de barricas, 11 – Zona técnica. (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
71
A arquitectura na enologia
altura do topo dos depósitos e liga as duas entradas opostas (Ilustração 36). Sendo
que uma entrada dá acesso ao escritório, que trespassa a fachada principal enquanto
a outra permite aceder à zona exterior de maior cota na parte de trás do edifício
(Ilustração 37). A cobertura de duas águas em telha de barro “[...] projecta-se sobre o
lajeado da entrada, cobrindo acessos, sanitários e o "pipo" que é laboratório.”
(Castanheira & Bastai Arquitectos, 2014) (Ilustração 34).
Ilustração 34 – Fachada principal e entrada, Adega Casa da Torre, Carlos Castanheira. (Basulto, 2010b)
Ilustração 35 – Planta, Adega Casa da Torre, Carlos Castanheira. (Basulto, 2010b)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
72
A arquitectura na enologia
Ilustração 36 – Adega Casa da Torre, Carlos
Castanheira. (Patrício, 2010, p. 114)
Ilustração 37 – Alçados e secções, Adega Casa da Torre, Carlos
Castanheira. (Patrício, 2010, p. 115)
Voltando ao Douro, o projecto do arquitecto Frederico Valsassina78 para a nova adega
é o mais recente investimento da Casa Agrícola Horta Osório. Localizada na Quinta do
Fojo e Quinta Vale de Maria, em Santa Marta de Penaguião, a Adega HO surge
destacada na zona mais elevada da propriedade, onde terminam os patamares de
vinhas que percorrem a encosta até ao Rio Corgo (Ilustração 38). “O edifício aparece,
assim, como continuidade da paisagem; materializa-se num volume de xisto artesanal,
qual socalco de remate, cuja presença se funde com toda aquela extensão.”
78
Frederico Valsassina (1955 - ). Nasceu em Lisboa. Arquitecto, licenciado pela Escola Superior de Belas
Artes em 1979, inicia a prática em nome próprio em 1986. Professor convidado da Faculdade de
Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa em 2005. Os Estúdios da R.T.P./R.D.P., Conjunto
Habitacional Alcântara Rio, Art’s Business e Hotel Center no Parque das Nações são algumas das obras
da sua autoria. Fez parte dos projectos do Convento das Mónicas e a Cobertura da Etar de Alcântara em
parceria com Manuel Aires Mateus.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
73
A arquitectura na enologia
(Valsassina, 2011, p. 124). O projecto é de 2011 e a sua construção terminou em
2013.
As zonas dedicadas à produção estão enterradas, situadas na menor cota, enquanto
as áreas sociais privilegiam o contacto com o exterior, como é o caso da área de
recepção e a sala de provas acontecem no extremo mais alto da adega, junto a uma
zona de deck exterior (Ilustração 39). A volumetria regular desenvolve-se ao longo de
uma cobertura contínua, revelando pontualmente espaços vazios: “O vazio central,
que intersecta o edifício transversalmente, individualiza funcionalmente duas zonas –
zona social e zona industrial (produção) e assume-se como pórtico de chegada da
matéria-prima.” (Valsassina, 2011, p. 124) (Ilustração 40). O equilíbrio do cheio/vazio é
dado pela pedra (xisto) e pelo vidro, criando “[...] uma transição gradual entre interior e
exterior, público e privado através de um grau de interioridade cada vez maior.”
(Valsassina, 2011, p. 124). Num percurso descendente o programa desenvolve-se do
exterior para o interior, gerando espaços cada vez mais fechados (iIlustração 42).
Pretende-se que que esta área tenha um tratamento controlado da luz e que contenha
a “história” do vinho, através da exposição de garrafas de colecção – será uma sala de
estar em que se quer que o cheiro do vinho entranhe no visitante e que a marca do
tempo perdure. (Valsassina, 2011, p. 124).
Ilustração 38 – Imagem tridimensional da adega na envolvente, Adega
HO, Frederico Valsassina. (Valsassina, 2011, p. 125)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
Ilustração 39 – Imagem tridimensional do pormenor do
deck, Adega HO, Frederico Valsassina. (Valsassina, 2011,
p. 120)
74
A arquitectura na enologia
Ilustração 40 - Imagem tridimensional, Adega HO, Frederico Valsassina. (Valsassina, 2014)
Ilustração 41 – Plantas dos pisos, Adega HO, Frederico Valsassina. (Valsassina, 2011, p. 122)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
75
A arquitectura na enologia
Ilustração 42 – Plantas dos pisos, Adega HO, Frederico Valsassina. (Valsassina, 2011, p. 123)
Com o presente capítulo foi possível ilustrar, através de algumas referências, a
complementaridade da Arquitectura e o Enoturismo. Actualmente existem inúmeras
obras nos mais variados países associados ao vinho que se podem incluir na temática
apresentada, contudo decidimos explorar apenas alguns exemplos da Península
Ibérica. O desenvolvimento do conceito em Espanha tem um avanço considerável em
relação a Portugal, proporcional à área ocupada pela cultura vinícola no país. É
possível distinguir abordagens distintas nos projectos portugueses e nos projectos
espanhóis. A sobriedade e simplicidade caracterizam os conceitos aplicados pelos
autores portugueses, produzindo uma arquitectura integrada na paisagem, de valores
equilibrados. Os projectos que enriquecem as rotas vinícolas em Espanha são obras
de intenções marcadas, que causam impacto com os seus traços mais arrojados.
As quatro obras nacionais comentadas permitem-nos concluir que a zona de maior
influência de arquitectura ligada à produção de vinho localiza-se no Norte do país,
nomeadamente no Douro. O mapa abaixo identifica a negro os quatro projectos,
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
76
A arquitectura na enologia
enquanto os dois pontos coloridos representam as duas obras que vamos comentar no
próximo capítulo (Ilustração 43).
Ilustração 43 – Localização das adegas referenciadas em Portugal. (Ilustração nossa, 2014)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
77
A arquitectura na enologia
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
78
A arquitectura na enologia
3. CASOS DE ESTUDO
“Por um efeito que só os Deuses poderão explicar (Baco talvez...) a produção de um
bom vinho assemelha-se hoje, mais do que nunca, à criação de uma obra de arte.”
(Grande, 2007, p. 13)
As três obras escolhidas, que ilustram o tema em questão, destacam-se pelas suas
características particulares e pela relação com três determinadas envolventes, que por
sua vez são distintas e únicas. Decidimos representar o reflexo que um projecto,
distante a nível físico e temporal, tem em dois projectos nacionais e recentes, sendo
que
os
três
têm
programas
paralelos.
Verificam-se
elementos
comuns
e
especificações que os diferenciam, sendo que todos são a interpretação de um espaço
que conjuga a produção de uma bebida milenar e a arquitectura do presente,
proporcionando ao visitante um percurso rico a nível sensorial. As obras são o
resultado de influências e abordagens de três gerações de arquitectos distintas,
salientando o facto da dupla de arquitectos Menos é Mais79 ter 30 anos a separá-los
do arquitecto Álvaro Siza Vieira, enquanto a dupla dos arquitectos suíços, nascidos
nos anos 50 marcaram, há já duas décadas atrás, a indústria do vinho com o seu
primeiro projecto no continente americano.
O exemplo pioneiro deste conceito foi a adega projectada nos anos 90 por Jacques
Herzog e Pierre de Meuron em Napa Valley80, cuja tipologia arquitectónica e modelo
turístico-industrial depressa se repercutiu pelo próprio continente americano,
estendendo-se à Nova Zelândia, África do Sul e Europa.
Em Portugal, as margens típicas do Douro, construídas em socalcos, receberam
numa vinha centenária um projecto contemporâneo da dupla Menos é Mais, para a
ampliação de uma adega já existente. Destacam-se a materialidade e adaptação do
79
Francisco Vieira de Campos (1962 - ). Arquitecto português. Licenciado em Arquitectura pela Faculdade
de Arquitectura da Universidade do Porto (1992). Estagiou no atelier de Eduardo Souto de Moura entre
1989 e 1991. Lecciona a cadeira de Projecto na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
desde 2010.
Cristina Guedes (1964 - ). Arquitecta portuguesa, nasceu em Macau e licenciou-se em 1991 na FAUP –
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Estagiou no atelier de Siza Vieira entre 1989 e
1990. Fez uma pós-graduação em Planeamento no Departamento de Arquitectura da Universidade
Lusíada do Porto (FAULP) em 1996, onde lecciona a cadeira de Projecto desde 1994. Leccionou no
Departamento de Arquitectura da Universidade Autónoma em 2002-03. Os dois arquitectos mantêm
desde 1994 o atelier Menos é Mais Arquitectos Associados no Porto, são autores de inúmeros projectos
reconhecidos e o seu trabalho já foi nomeado para vários prémios: Premis FAD (2002), Prémio Secil 2006
e 2008, e Menções Honrosas. Participaram em exposições nacionais e internacionais. Conferencistas em
diversas instituições e universidades, em Portugal e no estrangeiro, têm obra publicada em inúmeros
livros e revistas.
80
Califórnia, Estados Unidos da América.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
79
A arquitectura na enologia
edifício ao lugar, assim como ao despretensioso impacto que tem na paisagem e no
pré-existente. Enquanto um edifício se funde com o terreno, o outro é alvo de atenções
na planície alentejana. Álvaro Siza Vieira transporta para uma adega contemporânea
a cal e a simplicidade da arquitectura tradicional, envolvida pela malha paralela das
vinhas, em Campo Maior.
Na adega californiana encontramos aspectos comuns às duas adegas portuguesas,
como o facto de ser um objecto isolado na paisagem, envolvido pelas vinhas como a
Adega Mayor e ter uma materialidade característica como acontece na Adega da
Quinta do Vallado.
3.1. HERZOG & DE MEURON – DOMINUS WINERY
“En fin, creemos que la arquitectura debería mezclarse más com la vida, fundir lo
artificial y lo natural, lo mecânico y lo biológico…”81 (Herzog, 1997, p. 11)
Ilustração 44 – Jacques Herzog e Pierre de Meuron (Herzog & de Meuron,
1997, p. 4).
Jacques Herzog e Pierre de Meuron nasceram ambos em 1950, na cidade de Basel,
Suíça. Depois de um percurso académico paralelo na ETH Zurich entre 1970 e 1975,
fundam em conjunto o atelier de arquitectura em 1978 na sua cidade natal. São
professores convidados na Graduate School of Design (GSD) da Universidade de
Harvard desde 1994 e leccionam no Swiss Federal Institute of Technology Zurich
(ETH) – Department of Architecture, Network City and Landscape desde 1999. São cofundadores do ETH Studio Basel – Contemporary City Institute. Além do escritório
principal, em Basel, dispõem de escritórios em Hamburgo, Londres, Madrid, Nova
Iorque e Hong Kong, 38 Associados e cerca de 362 colaboradores. Entre vários
81
“Enfim, acreditamos que a arquitectura deveria misturar-se mais com a vida, fundir o artificial e o
natural, o mecânico e o biológico...” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
80
A arquitectura na enologia
prémios e nomeações, destacam-se o Prémio Pritzker de Arquitectura (EUA) em 2001,
o RIBA Royal Gold Medal (Reino Unido) e o Praemium Imperiale (Japão), ambos em
2007.
Jacques Herzog, no discurso que fez após ter ganho, juntamente com Pierre de
Meuron, o Prémio Pritzker 2001 descreve as intenções que os movem na arquitectura
e importância da materialidade, sempre presente nos seus projectos. Reconhecemos
neste comentário do próprio autor, a aplicação de um sistema cujo uso é invulgar, ou
mesmo inexistente, em projectos de arquitectura neste presente caso de estudo,
procurando valorizar elementos menos convencionais e que à partida pouco interesse
suscitam:
[…] constantemente estamos intensificando y ampliando nuestra investigación respecto
los materiales y las superfícies, a veces nosotros solos y a veces en colaboración com
diversos fabricantes y laboratórios, com artistas e incluso com biólogos. [...] Buscamos
materiales que sean tan inteligentes, tan virtuosos y tan complejos como los fenómenos
naturales; materiales que no sólo deleiten las exigentes retinas de los assombrados
críticos de arte, sino que sean verdaderamente eficaces y atractivos para nuestros
sentidos: no sólo la vista, sino também el olfacto, el oído, el gusto y el tacto. (Herzog,
2001, p. 74)82
A sensibilidade e o interesse pela própria natureza é visível no seu discurso, a
preocupação de estudarem processos químicos e biológicos permitem um
conhecimento real dos materiais. “Estamos muy intrigados por aquellos processos
que, aunque invisibles para el ojo humano, son extremadamente importantes, y
finalmente responsables de formas, colores, y de la estabilidade física de un objeto.” 83
(Herzog & de Meuron, 1993, p. 8). De facto, esta afirmação pode ser associada à
abordagem dos arquitectos ao próprio vinho. Apesar dessa constante relação com a
natureza, negam o naturalismo como estratégia conceptual. Defendem uma
abordagem própria, que não se deixa condicionar totalmente pelas restrições e
obrigações construtivas nem deixa de ser fiel ao seu fascínio pela materialidade. “[…]
tratamos de infiltrar el linguaje pragmático que se nos impone, com un nuevo linguaje
82
“Estamos constantemente a intensificar e a aumentar a nossa investigação acerca dos materiais e das
superfícies, às vezes sozinhos e outras vezes em colaboração com diversos fabricantes e laboratórios,
com artistas e inclusive com biólogos. [...] Procuramos materiais que sejam tão inteligentes, tão virtuosos
e tão complexos como os fenómenos naturais; materiais que, não só agradem o olhar exigente dos
temidos críticos de arte, mas que sejam verdadeiramente eficazes e atractivos para os nossos sentidos:
não só a vista, mas também o olfacto, a audição, o paladar e o tacto.” (Tradução nossa)
83
“Estamos muito intrigados por aqueles processos que, apesar de invisíveis ao olho humano, são
extremamente importantes, e finalmente responsáveis de formas, cores, e da estabilidade física de um
objecto.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
81
A arquitectura na enologia
– nuestro proyecto – para así transformar el produto.”84 (Herzog & de Meuron, 1993, p.
10).
“Con la forma, el planeamento, la estrutura y la construcción, incluso com los
materiales, la técnica de Herzog & de Meuron es arquitectónica hasta el punto del
fanatismo.”85 (Kipnis, 1997, p. 27). Associar uma preocupação superficial aos seus
projectos tem sido assunto de vários críticos, no entanto se a noção do aspecto
exterior “[…] tiene algún sentido más profundo para Herzog & de Meuron que la mera
analogia, es porque la oficina no aplica la cosmética a la arquitectura como teoria o
práctica prestada.”86 (Kipnis, 1997, p. 28).
In actual fact, the linguistic choice of an exterior seen as a wrapping or "informative
skin", characteristic of contemporary architecture, appears frequently in the work of the
two Swiss architects, who use it to create a sort of "special effect" which is highly
original and yet economical.87 (Franzoia, 2002)
A aplicação destas características da arquitectura da dupla de arquitectos pode ser
verificada neste conjunto de algumas obras da sua autoria que vamos comentar, cujo
elemento de interesse principal é a fachada e a materialidade que a define.
O projecto para a companhia de seguros SUVA, em Basel, surgiu no âmbito do
concurso para a ampliação do edifício. Na opção de manter ou demolir o pré-existente,
os arquitectos escolheram mantê-lo e adicionar uma nova fachada. Construída em
1993, a estrutura sustenta uma “[...] glass skin with window-like elements arranged in
horizontal strips.”88 (Mack, 1996, p. 37) em que são usados três tipos de vidro
(Ilustração 45). Os painéis dos diferentes vidros são dispostos numa sequência que
depende do que acontece no interior, em que por exemplo “The prismatic glazing in
the upper third of each floor reflects ultraviolet light and prevents the stone facade from
overheating.”89 (Mack, 1996, p. 37).
84
“[...] tratamos de infiltrar a linguagem pragmática que nos é imposta com uma nova linguagem – o
nosso projecto – para assim transformar o produto.” (Tradução nossa)
85
“Com a forma, o planeamento, a estrutura e a construção, inclusive os materiais, a técnica de Herzog &
de Meuron é arquitectónica até ao ponto do fanatismo.” (Tradução nossa)
86
“[...] tem algum sentido mais profundo para Herzog & de Meuron que a mera analogia, é porque a dupla
não aplica a cosmética à arquitectura como teoria ou prática prestada.” (Tradução nossa)
87
“De facto, a escolha da linguagem de um exterior visto como um embrulho ou “pele informativa”,
característica da arquitectura contemporânea, surge frequentemente no trabalho dos dois arquitectos
Suíços, que a usam para criar uma espécie de “efeito especial” que para além de altamente original é
ainda económico.” (Tradução nossa)
88
“[...] pele de vidro com elementos parecidos com janelas dispostos em faixas horizontais.” (Tradução
nossa)
89
“O vidro prismático no terceiro superior de cada piso reflecte a luz ultravioleta e previne o
sobreaquecimento da fachada de pedra.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
82
A arquitectura na enologia
Além da extensão da fachada e de modificações no interior do edifício original, a
proposta inclui um outro edifício mais baixo, localizado junto ao primeiro e em que
“The glass strips continue on the new building, while the windows there are no longer
placed as a facade in front, but are fixed as traditional sash windows.” 90 (Mack, 1996,
p. 37). Existe uma intenção de assegurar a consistência entre o que é construído de
raiz e o que é adicionado ao que já existe, por essa razão os arquitectos usam os
mesmos elementos em toda a intervenção.
Uma das principais preocupações foi a integração da fachada no edifício antigo, cuja
fachada ostenta uns painéis de pedra datados dos anos 50 e devido à utilização do
vidro continuam visíveis sob a nova estrutura (Ilustração 46). O conjunto resulta numa
face mais contemporânea, que ao mesmo tempo respeita as características originais
do edifício, criando uma dupla identidade, equilibrada e sóbria. A opacidade do vidro
varia ao longo da fachada, dinamizando o volume e o carácter estático do vidro.
Curiosamente, os arquitectos suíços usam igualmente uma trilogia na adega Dominus
– as pedras de três tamanhos diferentes que compõem a fachada.
The glass shell with its strip structure connects the old and the new buildings, despite
their differing heights, into a homogeneous urban entity, marking the block perimeter
where they intersect. At night, the illuminated glass facade gives the building a fragile
and magical appearance.91 (Mack, 1996, p. 47)
90
“As faixas de vidro continuam no novo edifício, contudo as janelas já não são colocadas na fachada em
frente, mas fixadas como janelas de caixilho tradicionais.” (Tradução nossa)
91
“O revestimento em vidro com a sua estrutura em painéis conecta-se com o edifício antigo e com o
novo, apesar das suas diferentes alturas, numa entidade urbana homogénea, marcando o perímetro do
bloco em que eles se interceptam. À noite a fachada de vidro iluminada confere ao edifício uma aparência
frágil e mágica.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
83
A arquitectura na enologia
Ilustração 45 – Suva Building, Basel, Herzog & De Meuron.
(Mack, 1996, p. 36)
Ilustração 46 – Pormenor da fachada, Suva Building, Basel,
Herzog & De Meuron. (Mack, 1996, p. 44)
Em comum com o SUVA Building e a Dominus Winery, a Signal Box Auf dem Wolf
tem a volumetria regular e paralelepipédica e o modo como o material de revestimento
é explorado e ainda como este se transforma em estrutura, para além da função da
“pele”. A torre de controlo ficou construída em 1995 e o projecto define-se como “The
linear structure of the tracks is taken up in the spectacular envelope of the concrete
shell by means of 10-cm-wide copper bands, which lends the surface of the signal box,
for all its compactness, a certain filigree quality and movement of line.”92 (Mack, 1996,
p. 29).
O aspecto exterior do volume torna imperceptível o facto de ser um edifício de seis
pisos. No entanto à noite, é possível ver o interior através dos vãos e das
características da fachada: “At night, the interior light shows the floor structure through
the windows. The copper surface, depending on time of day, light, and weather
92
“A estrutura linear das faixas é transformada num espectacular envelope da casca de betão por meio
de bandas de cobre de 10 cm de largura, que atribui à superfície da torre de controlo, por ser compacta,
um certo movimento às linhas e uma qualidade de filigrana.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
84
A arquitectura na enologia
conditions, takes up varying colors and tactile qualities.”93 (Mack, 1996, p. 34)
(Ilustração 47).
There is also a certain afinity with the glass strips of the SUVA building in Basel, with
which the signal box also shares a similar approach: whereas in the SUVA building the
existing, “historic” structure is preserved, in the case of the signal box, the architects
“historicise” the contemporary prototype of a cast concrete signal box, by wrapping it
up.94 (Mack, 1996, p. 29)
“[...] linear structure of copper strips – tight at one point, twisted at another – forming
the outer shell of the signal box.”95 (Mack, 1996, p. 30). Ou seja, as bandas de cobre,
dispostas ao longo de toda a superfície do edifício, são trabalhadas através da torção,
o que confere permeabilidade ao volume que não tem vãos nem outras aberturas
(Ilustração 48). O efeito causado tem aspectos distintos ao longo do dia e ao longo do
tempo, pelas propriedades do próprio metal e ainda consoante o modo como a luz
incide na superfície.
Numa associação à envolvente e ao programa em si, “The serial construction of the
railroad tracks is translated into a filigreed facade, symbolically expressing the
electronic functions of the building.”96 (Mack, 1996, p. 30), o que remete para um dos
factores particulares da arquitectura de H&dM – a aplicação de materiais, que através
de técnicas menos comuns, exploram e provam novas possibilidades.
93
“À noite, a luz interior mostra a estrutura dos pisos através das janelas. A superfície de cobre,
dependendo da hora do dia, luz, e condições atmosféricas, adquire variadas cores e qualidades tácteis.”
(Tradução nossa)
94
“Existe igulamente uma certa afinidade com as tiras de vidro do SUVA building em Basel, com o qual a
torre de controlo partilha uma abordagem semelhante: enquanto no SUVA building, a estrutura existente e
“histórica” é preservada, no caso da torre de controlo, os arquitectos “historicisaram” o contemporâneo
protótpo de uma torre de controlo em betão, embrulhando-a.” (Tradução nossa)
95
“[...] a estrutura linear das bandas de cobre – apertadas num ponto, torcidas noutro – formando a casca
externa da torre de controlo.” (Tradução nossa)
96
“A construção em serie dos carris da linha ferroviária é traduzida para a fachada em filigrana,
expressando simbolicamente as funcionalidades electrónicas do edifício.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
85
A arquitectura na enologia
Ilustração 47 – Signal Box Auf dem Wolf, Basel, Herzog &
De Meuron. (Mack, 1996, p. 34)
Ilustração 48 – Pormenor da fachada, Signal Box Auf dem Wolf, Basel,
Herzog & De Meuron. (Mack, 1996, p. 33)
Num projecto mais recente, a dupla suíça combina novamente a preservação do
edifício pré-existente com uma ampliação. As paredes de tijolo da antiga central
eléctrica remontam ao início da era industrial de Madrid, o que tornou inviável a
demolição total do edifício. Deste modo, para o projecto CaixaForum a fachada foi
mantida, a base e o topo da estrutura modificados e o interior inteiramente renovado.
A proposta para o novo centro cultural e social ficou concluída em 2008 e veio
complementar a estrutura urbana da cidade, resolvendo “Problems such as the
narrowness of the surrounding streets, the placement of the main entrance, and the
architectural identity of this contemporary art institution [...] in a single urban and
sculptural gesture.”97 (Herzog & De Meuron, 2014). Ao ser elevado o edifício gerou
uma base vazada que comunica com a praça contígua e com a rua (Ilustração 49). Ao
nível da cobertura, “The surprising sculptural aspect of the caixaforum’s silhouette is no
97
“Problemas como as ruas envolventes serem estreitas, a colocação da entrada principal, e a identidade
arquitectónica desta instituição de arte contemporânea [...] num único gesto escultórico e urbano.”
(Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
86
A arquitectura na enologia
mere architectural fancy, but reflects the roofscape of the surrounding buildings.”98
(Herzog & De Meuron, 2014).
O facto do aço corten se dissimular no conjunto não retira a identidade própria com
que se afirma ao nível do solo. A variação do material resulta numa tonalidade
impactante. E mais uma vez, os arquitectos demonstram a potencialidade do material,
empregando-o de duas maneiras, através de módulos quadrangulares. Como
revestimento opaco, numa zona mais baixa e com um aspecto rendilhado na parte
superior do topo, deixando a luz atravessar para o interior do edifício (Ilustração 50).
Ilustração 49 – CaixaForum, Madrid, Herzog & De Meuron. (Basulto,
2010a)
Ilustração 50 – Pormenor, CaixaForum, Madrid, Herzog &
De Meuron. (Basulto, 2010a)
Su trabajo posee la precisión y la estructura de quien encuentra universos de diferencia
entre ligeras deformaciones del trazo y del gesto. Pero tambiém na riqueza de textura y
sensualidad de quienes son capaces de abandonarse al desorden de la materia. [...] La
envolvente como superfície de articulación entre interior y exterior, donde se registran
los valores públicos del objeto arquitectónico: el rostro del edifício. (Zaera, 1993, p. 26)
98
“O surpreendente aspecto escultórico da silhueta do CaixaForum não é apenas um mero capricho
arquitectónico, pois reflecte a imagem das coberturas dos edifícios envolventes.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
87
A arquitectura na enologia
DOMINUS WINERY
“It is a foreign object of pure geometry, yet beautifully-sited and roughly, warmly local
in color, texture, and chemistry.” (Matthews, 2007).
Ilustração 51 – Planta de localização, Dominus Winery, Herzog & de Meuron. (Betsky, 1998, p. 8)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
88
A arquitectura na enologia
Em meados dos anos 90, Napa Valley foi um dos epicentros da revolução de um
conceito. Os autores do projecto inovador para uma obra destinada à produção de
vinho, Jacques Herzog e Pierre de Meuron, conquistaram assim os Estados Unidos
com uma nova abordagem à adega. Projectada em 1995 e terminada em 1998, a
Dominus Winery situa-se em Yountville, Califórnia, na propriedade do produtor
Christian Moueix99. Habitualmente associado à arquitectura inspirada na tradição
europeia e reproduzida nas propriedades vinícolas americanas, o edifício assume-se,
desta forma, como uma alternativa às conhecidas tipologias e desafia o pré-conceito.
A integração e dissimulação da adega na paisagem justificam-se com a
horizontalidade e despretensão da própria, ao mesmo tempo que a materialidade e a
tonalidade dadas pela pedra nos remetem para a natureza. A intenção do proprietário
era, aliás, que o projecto complementasse a vinha histórica de Napanook 100 em vez de
competir com a mesma. Curiosamente é apelidada de the stealth winery101 pelos
habitantes, precisamente por se fundir com a envolvente.
Há na arquitectura de Herzog & de Meuron a procura de uma ética de funcionamento
do edifício até ao mais pequeno detalhe. Essa busca começou em teoria no texto “A
geometria oculta da natureza”, onde explicam que os elementos invisíveis a olho nu
são responsáveis pela forma, cor ou estabilidade física de um objecto: uma montanha
de granito tem forma e cor diferente de uma de calcário devido a diferenças de
qualidade mineral nas suas estruturas moleculares. (Herzog apud Simões, 1995, p. 9)
A percepção, à distância, não nos informa da particularidade que, só de perto,
identificamos na fachada. Como é habitual em várias obras da sua autoria, a dupla de
arquitectos suíça reveste o edifício com um sistema invulgar, que acaba por se tornar
o elemento de maior interesse no projecto (Ilustração 52). “The long, low rectangle of
the main facade is severe. But within the overall plain rectangular wall expression of
the gabions there is a charming measure of finer detail.”102 (Matthews, 2007). Partindo
99
Christian Moueix (1946 - ). Natural de Libourne, França. Filho de Jean-Pierre Moueix, um famoso
comerciante de vinho Bordeaux, estudou Agronomia em Paris e terminou os estudos em viticultura e
enologia na University of California, em Davis. Em 1970 regressou a França para gerir as vinhas de que a
família é proprietária, como La Fleur Petrus, Trotanoy em Pomerol, e Magdelaine e Belair-Monange em
Saint Emilion, que continuam a produzir vinho, actualmente. Foi reconhecido através de prémios como
Legendo f Wine pela James Beard Foundation em Nova Iorque, em 2008 e Man of the Year pela Decanter
Magazine em Londres, em 2011.
100
O produtor Christian Moueix ao regressar a Napa Valley em 1981 descobriu a vinha Napanook, situada
a Oeste de Yountville, cuja uva tinha dado origem a alguns dos melhores vinhos da região nos anos 40 e
50. Moueix, através de uma sociedade, iniciou a recuperação e desenvolvimento da vinha, até se tornar o
proprietário da mesma, em 1955.
101
A adega invisível. (Tradução nossa)
102
“O rectângulo longo e baixo da fachada principal é austero. No entanto, a expressão dos gabiões no
conjunto geral da parede rectangular acaba por ser uma fascinante medida do mais fino detalhe.”
(Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
89
A arquitectura na enologia
do facto de ser um edifício de uso industrial, o programa é distribuído de forma
simples, não deixando ao mesmo tempo de provar que é possível ser um espaço
valorizado em termos de carácter arquitectónico. Os autores propõem “[…] um método
conceptual de aproximação ao programa muito directo, sem necessitarem de
princípios reguladores. […]” (Herzog apud Simões, 1995, p. 9), e neste caso:
Sendo a estrutura material de um edifício o reflexo imediato da estrutura económicosocial que o produz, os arquitectos suíços Jacques Herzog & Pierre de Meuron têm
sem dúvida uma oportunidade única, quase uma obrigação, de não fazerem uma
classificação hierárquica entre materiais ou métodos construtivos, usando o betão, o
cobre, a madeira, o metal, entre outros, sem qualquer preocupação, apenas a de
reflectir sobre o conceito de arquitectura. (Herzog apud Simões, 1995, p. 9)
Infelizmente, actualmente não é possível visitar a Dominus Winery, devido a regras de
ordenamento que zelam pela preservação agrícola de Napa Valley. “It is an art
collectors' art object, which we can be pleased to appreciate from a distance, and in
photographs, grasping simply how elegantly its concept is embodied.”103 (Matthews,
2007).
Ilustração 52 – Fachada. (Spiluttini, 2008, p. 66)
103
“É um objecto de arte de coleccionadores de arte, que nós podemos estar agradecidos por apreciar à
distância, e em fotografias, compreendendo simplesmente o quão elegantemente inserido está este
conceito.”
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
90
A arquitectura na enologia
Programa:
O edifício divide-se essencialmente em três partes funcionais: o armazém, onde
funciona o engarrafamento; a zona de fermentação, composta pelos depósitos de
grandes dimensões e a sala de barricas, onde o vinho estagia durante dois anos, que
correspondem, respectivamente, às três fases de produção mais importantes. “All the
breadth of winery functions, from greeting, management, and sales to receiving,
processing, fermenting, bottling, and aging, are unified into the one pure building
block.” (Matthews, 2007). Deste modo, o volume traduz-se num edifício linear e regular
de aproximadamente 110 metros de comprimento por 25 metros de largura e 9 m de
altura (Ilustração 53), centrado no terreno, que procura a integração na malha das
vinhas, tal como explicam os autores: “El edificio se sitúa en el centro de los viñedos.
Las viñas de California alcanzan una altura de dos metros, de modo que el edificio se
integra en la textura lineal y geométrica de los viñedos.”104 (Herzog & de Meuron,
1997, p. 182).
Ilustração 53 – Alçados. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 184)
O piso térreo destina-se à parte funcional e organiza-se em zonas distintas, ocupadas
pelas respectivas maquinarias e depósitos de apoio à produção de vinho e ainda pela
zona de armazenamento, separadas duas passagens transversais (Ilustração 54) que
garantem um fácil acesso ao exterior. A mais estreita, a Sul, resolve a recepção das
cargas e descargas, o acesso dos veículos e a entrada na zona de engarrafamento e
o próprio armazém, onde está guardado o vinho engarrafado pronto a ser expedido.
Enquanto a passagem mais larga é o ponto de intercepção da via principal da
propriedade (Ilustração 51 e Ilustração 54) e a entrada social do edifício. Como é
104
“O edifício situa-se no centro das vinhas. As vinhas da Califórnia alcançam uma altura de dois metros,
de modo que o edifício se integra na textura lineare geométrica das vinhas.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
91
A arquitectura na enologia
visível em planta, a zona dos depósitos tem quatro ligações às duas zonas exteriores
cobertas, as tais passagens, no piso térreo e uma estrutura elevada que permite
aceder à zona superior dos mesmos, como se verifica nas secções (Ilustração 55). A
área de recepção distribui ainda o acesso ao primeiro piso e à sala de barricas
(Ilustração 58):
Inside the main archway, a suitably-large painting hangs over a simple bench on the
tank room side. On the right or western side, a pair of openings balance the strong
simple interior elevation, one to the stair and elevator up to the offices and event areas,
the other through thick bottle-green glass doors to the tasting room and the sunken
barrel room beyond it.105 (Matthews, 2007)
Ilustração 54 – Plantas dos pisos. (Betsky, 1998, p. 14)
Junto ao armazém, no topo funcional da adega, existe ainda uma zona técnica que é
exterior mas está dissimulada pela fachada, de modo a não interferir com a forma da
“caixa”: “At the far east end of the building, ground-level-to-parapet gabion walls of the
larger fill rock serve to wrap an outdoor working courtyard, allowing any messy activity
that might otherwise distract the purity of building-in-landscape to instead be chastely
contained.” (Matthews, 2007).
105
“No interior do arco principal, uma pintura suficientemente grande está pendurada sobre um simples
banco junto à sala de depósitos. À direita ou do lado ocidental, um par de aberturas equilibra a forte e
simples elevação interior, uma para as escadas e elevador para os escritórios e áreas de eventos, outra
através de portas de vidro espesso em verde garrafa para a sala de provas e para a sala de barricas
afundada que se encontra por detrás.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
92
A arquitectura na enologia
Ilustração 55 – Secções transversais. (Betsky, 1998, p. 13)
No primeiro piso, sobre a sala de barricas, organiza-se a parte administrativa da
adega, com os escritórios “[...] cased purely in glass, inset to the left several feet
inward from the building wall.”106 (Matthews, 2007), tal como acontece com a sala de
conferências. Entre estes compartimentos sobram espaços abertos ao exterior, “[...]
wrapped at the perimeter by the continued horizontal syncopation of steel cross-braced
gabions and mesh-trellised view slots.”107 (Matthews, 2007) (Ilustração 57).
Ilustração 56 – Zona de recepção e acessos no piso 0.
(Betsky, 1998, p. 16)
Ilustração 57 – Circulação e zona administrativa no piso 1. (Betsky,
1998, p. 16)
106
“[...] encaixados puramente em vidro, inseridos à esquerda, vários metros para dentro a partir da
parede do edifício.” (Tradução nossa)
107
“[...] envolvidos em todo o perímetro pela contínua composição horizontal dos gabiões em aço cruzado
e faixas em malha entrelaçada.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
93
A arquitectura na enologia
Espaço:
Os cortes transversais ao longo do edifício permitem-nos distinguir pés direitos
diferentes em determinados espaços, como no armazém, igualmente perceptível nas
plantas. Neste tipo de edifícios as exigências industriais obrigam a que as altimetrias
não sejam constantes, o que pode acabar por ser um elemento de interesse
arquitectónico. Como é o caso da sala de depósitos, que requer uma altura
considerável devido à dimensão dos mesmos. A circulação nesta área é funcional e a
nível superior, faz-se através de uma estrutura apoiada nos próprios depósitos. No
entanto dois corredores proporcionam a ligação entre essa zona central do volume e o
espaço administrativo. Adjacentes à fachada, atravessam a área da entrada, como
demonstram estes modelos seccionados (Ilustração 58 e Ilustração 59) e geram
espaços com uma atmosfera singular: “The dark corridor of a walkway bridging the flat
archway opening is magically illuminated with shards of brilliant light, a crystal cave
turned of the simple gabions, concrete, and steel.”108 (Matthews, 2007) (Ilustração 60).
Ilustração 58 – Corte transversal, modelo tridimensional - entrada sala
de barricas e acesso ao primeiro piso. (Herzog & de Meuron, 1997, p.
187)
Ilustração 59 – Corte transversal, modelo tridimensional –
entradas zona de depósitos. (Herzog & de Meuron, 1997, p.
187)
The latter abstract plane slides apart to let one into the sanctuary of this oenological
pilgrimage spot. There one finds a simple, bare room with a single wood table. Flip the
lights on, and one sees the barrel room stretching out at a slightly lower level below
one. To further enhance the mystery, frosted glass blocks one´s views of the central
aisle, thus carrying the games with symmetry into the heart of the building. Bare
lightbulbs dangling from the ceiling enhance the artifice of humbleness. Everything
about the architecture imposes a sense of isolation and simplicity, thus increasing the
aura of the moment when one actually tastes the wine.109 (Betsky, 1998, p.15)
108
“O escuro corredor da passadeira que faz a ligação sobre a abertura é magicamente iluminado com
fragmentos de luz brilhante, uma caverna de cristal transformada por simples gabiões, betão e aço.”
(Tradução nossa)
109
“O mais recente plano abstracto afasta-se para deixar entrar no santuário deste local de peregrinação
enológico. Aí encontra-se uma sala simples, vazia com uma única mesa de madeira. Ligam-se as luzes e
vemos a sala de barricas estender-se num piso ligeiramente inferior. Para aumentar o mistério, uma
parede de vidro fosco bloqueia a vista para a vista do corredor central, continuando os jogos com simetria
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
94
A arquitectura na enologia
Ilustração 60 – Corredor de ligação no primeiro piso. (Spiluttini, 2008, p. 67)
Materialidade:
O clima em Napa Valley é caracterizado pelas oscilações extremas de temperatura:
altas durante o dia e baixas durante a noite. A intenção dos autores de tirar partido
deste facto deu origem à escolha da estrutura e dos materiais usados: o aço e a
pedra. Optaram por um sistema alternativo, contornando o facto de “En los Estados
Unidos el aire acondicionado se instala automaticamente para mantener estables las
temperaturas. Las estratégias arquitectónicas relativas a la regulación de temperaturas
haciendo uso de los muros son desconocidas.”110 (Herzog & de Meuron, 1997, p. 183).
The drama of the approach, in which the aura of the vineyards one sees through the
gateway is enhanced by the chiaroscuro effect of the hills beyond, turns into a close-up
view that is more like that of one of the stone sheds typical of the Napa Valley. Then the
mystery sets in again as one realizes the looseness of the facade, and one begins to
see the buildings as a filigreed screen (“Jacques and Pierre sent us to Seville and the
para o coração do edifício. Lâmpadas nuas penduradas no tecto reforçam o carácter humilde. Tudo na
arquitectura impõe um sentido de isolamento e simplicidade, aumentando a aura do momento em que
efectivamente se prova o vinho.” (Tradução nossa)
110
“Nos Estados Unidos o ar condicionado é automaticamente instalado para manter as temperaturas
estáveis. As estratégias arquitectónicas relativas à regulação de temperaturas através do uso das
paredes são desconhecidas.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
95
A arquitectura na enologia
Alhambra to study Moorish architecture”. Cherise Moueix recalls).111 (Betsky, 1998,
p.15)
A fachada é composta por uma estrutura de aço regular preenchida por basalto de
várias dimensões, tecnicamente designada por gabião112 (Ilustração 61 e Ilustração
62). A dupla habituou-nos a técnicas, pouco comuns na arquitectura, de trabalhar
materiais, vulgarmente usados em construção. “No clasificamos materiales. No
preferimos unos a otros.”113 (Herzog & de Meuron, 1993, p. 23). O uso deste sistema
no edifício oferece diversas vantagens – é económico e exige pouca manutenção,
funciona como isolamento e como sistema passivo de arrefecimento/aquecimento, e é
ecológico, na medida em que proporciona a integração do edifício no lugar. “The gabion
facade walls that provide for such aesthetic subtly in composition serve also to effectively
moderate the valley climate for human and enological occupants alike.”114 (Matthews, 2007).
Cualquiera que sea el material que usamos para hacer un edificio estamos
fundamentalmente interesados en un encuentro específico entre aquél y el edificio. El
material está ahí para definir el edificio, pero el edificio está en igual medida destinado
a hacer visible el material.115 (Herzog & de Meuron, 1993, p. 22)
A materialidade estreita a relação com a envolvente, devido ao basalto, cujo tom varia
entre o verde-escuro e o preto. A fachada caracteriza-se desta forma por uma
particular e irregular superfície texturada, ao mesmo tempo que assume uma forma
regular e repetitiva, pela estrutura de aço (Ilustração 63). O encontro das pedras pode
resultar num muro impenetrável ou numa parede esventrada – de dia a luz natural
entra e à noite, do exterior vê-se a luz artificial por entre a fachada. Ao longo da
fachada distinguem-se três dimensões de pedras, o que permite uma variação de
entrada de luz e de ar, consoante a função do espaço contíguo no interior “Se podría
describir nuestro uso de los gaviones como una espécie de cestería de piedra com
111
“A intensidade da aproximação, em que a aura das vinhas que vemos desde a entrada é reforçada
pelo efeito claro-escuro das colinas ao fundo, torna-se numa vista aproximada que é mais como um
telhado de pedra típico de Napa Valley. Depois, o mistério instala-se de novo quando nos apercebemos a
ligeireza da fachada, e começamos a ver os edifícios como uma tela em filigrana (“Jacques and Pierre
mandaram-nos a Sevilha e Alhambra para estudar a arquitectura Mourisca.” Recorda Cherise Moueix).”
(Tradução nossa)
112
Um gabião é um tipo de estrutura armada, flexível, drenante e de grande durabilidade e resistência. É
composto por uma malha de fios de aço galvanizado, em dupla torção, amarradas nas extremidades e
vértices por fios de diâmetro maior. Na maioria dos casos, sob a forma de paralelepípedo, para serem
preenchidas com pedras. O termo tem origem italiana – gabbione, aumentativo de gabbia, que significa
«gaiola». Estas estruturas são normalmente utilizadas na estabilização de taludes, muros de suporte ou
obras hidráulicas.
113
“Não classificamos materiais. Não preferimos uns a outros.” (Tradução nossa)
114
115
“Qualquer que seja o material que usamos para fazer um edifício estamos fundamentalmente
interessados num encontro específico entre o mesmo e o edifício, O material está lá para definir o edifício,
mas o edifício está igualmente destinado a tornar visível o material.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
96
A arquitectura na enologia
diversos grados de transparência, algo más cercano a una piel que la construcción
tradicional.”116 (Herzog & de Meuron, 1997, p. 183) (Ilustração 64).
Ilustração 61 – Pormenor da fachada. (Betsky, 1998, p. 9)
Ilustração 62 – Detalhe de secção na fachada. (Herzog & de
Meuron, 1997, p. 191)
Na arquitectura de Herzog & de Meuron, os edifícios tornam-se objectos autónomos,
cada edifício difere de desenho e materiais conforme o programa e o local, mas apesar
disso, são explícitos dois instrumentos na sua arquitectura: o uso da repetição como
técnica de composição, anulando todo um mérito artesanal e a escala não como função
linear mas relativa à envolvente. (Herzog apud Simões, 1995, p. 9)
Ilustração 63 – Modelo tridimensional. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 182-183)
116
“Poderia descrever-se o nosso uso dos gabiões como uma espécie de vime de pedra com variados
graus de transparência, algo que se aproxima mais a uma pele que à alvenaria tradicional.” (Tradução
nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
97
A arquitectura na enologia
No piso superior além do uso abundante do vidro, “Overhead the ceiling is clad in fine
gray metal mesh, with perfectly minimal detailing at every boundary.”117 (Matthews,
2007). Enquanto no piso inferior as paredes transversais à fachada são de betão
armado, criando, respectivamente, uma zona mais arejada e esventrada em cima e
uma maciça e fechada em baixo (Ilustração 56).
Pensamos que las superfícies de un edifício deben estar siempre ligadas a lo que
ocurre en su interior. El oficio del arquitecto es precisamente el de decidir cómo se
produce esta conexión. El concepto de esta unión puede estar tanto en la continuidad
material y estructural, o en su separación intencionada.118 (Herzog & de Meuron, 1993,
p. 21)
Ilustração 64 – Secção detalhada - pormenores da fachada. (Herzog & de Meuron, 1997, p. 186)
117
“Acima o tecto é revestido numa fina malha metálica, com detalhes perfeitamente minimalistas em
cada limite.” (Tradução nossa)
118
“Pensamos que as superfícies de um edifício devem estar sempre ligadas ao que ocorre no seu
interior. A função do arquitecto é precisamente decidir como se produz esta conexão. O conceito desta
união pode estar tanto na continuidade material e estrutural, como na sua separação intencional.”
(Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
98
A arquitectura na enologia
3.2. ÁLVARO SIZA VIEIRA – ADEGA MAYOR
“En su obra, la arquitectura en estado puro se convierte siempre en protagonista.”119
(Moneo120, 2004, p. 200)
Ilustração 65 – Álvaro Siza Vieira.
(Ordem dos Arquitectos, 2010, p.
80)
Álvaro Joaquim de Melo Siza Vieira nasceu a 25 de Junho de 1933 em Matosinhos.
Formou-se na Escola Superior de Belas Artes do Porto, concluindo o curso de
Arquitectura em 1955, ano em que iniciou a colaboração com Fernando Távora,
arquitecto e professor, a quem Siza chamou de mestre. O arquitecto leccionou em
várias escolas de arquitectura, incluindo a Universidade do Porto, a École
Polythéchnique de Lausanne, a University of Pennsylvania, a Universidad de Los
Andes de Bogotá e a Graduate School of Design of Harvard University. Recebeu o
título de Doutor Honoris Causa por parte de várias instituições e foi vencedor de
prémios como o Pritzker (1992), o Mies van der Rohe Award for European Architecture
(1988), o Prémio Leão de Ouro na Bienal de Veneza (2012), entre outros.
Autor de uma vasta obra, exposta e reconhecida nacional e internacionalmente,
desenvolveu uma identidade arquitectónica própria, inspirada nos princípios
modernistas, apelidada de poética e que é muitas vezes, quase uma escultura. É
considerado por muitos “[...] el máximo representante de aquella arquitectura que
engrana con lo popular, con el sentido de la construcción tradicional.”121 (Moneo, 2004,
119
“Na sua obra, a arquitectura em estado puro converte-se sempre em protagonista.” (Tradução nossa)
Rafael Moneo (1937 - ). Arquitecto espanhol. Crítico e teórico reconhecido. Leccionou várias escolas
de Arquitectura, incluindo as Universidades Técnicas de Madrid e Barcelona, na Universidade de
Lausanne e nas Universidades de Harvard e Princeton. Recebeu o grau de Doutor Honoris Causa pela
Universidade de Lovaina, Bélgica em 1993 e pela Real Escola Superior de Tecnologia de Estocolmo em
1997. Foi reconhecido através de vários prémios, entre eles o Prémio Pritzker de Arquitectura em 1996.
121
“[...] o máximo representante daquela arquitectura que funciona com o popular, com o sentido da
construção tradicional.” (Tradução nossa)
120
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
99
A arquitectura na enologia
p. 200) e citando precisamente uma poetisa, “[...] Álvaro, a tua obra “é poema de
geometria e de silêncio, ângulos agudos e lisos, porque entre duas linhas vive o
branco” (Costa apud Sophia de Mello Breyner Andresen, 2013, p. 214).
Em Inquietud teórica y estrategia proyectual en la obra de ocho arquitectos
contemporáneos Moneo questiona “[...] pero, ¿cómo trabaja Siza? – y él lo ha dicho
muchísimas veces – reconociendo la realidad. Está atento al paisaje, a los materiales,
a los sistemas de construcción, los usos, a las gentes que ocuparán lo construido.” 122
(2004, p. 203). E é na base da realidade, da verdade, do respeito pelo lugar que a
arquitectura de Siza assenta. É frequente o próprio referir a importância do primeiro
contacto com o sítio, “Todo tiene un comienzo. Un lugar vale por lo que es y por
aquello que quiere ser, cosas a veces opuestas pero nunca sin una cierta relación.”123
(Siza apud Moneo, 2004, p. 205).
“Se a obra de Siza teria alguma característica fundamental, esta prendia-se com o
modo como trabalhava o sítio.” (Hipólito124, 2011, p. 34). O equilíbrio entre a obra e o
sítio, a relação do edifício com a paisagem e as referências, declaradas ou implícitas,
são elementos que definem os trabalhos do arquitecto. "Siempre he pensado que la
principal inquietud de Álvaro Siza ha sido aventurarse a descubrir los frágiles
encuentros donde las cosas se lanzan señales unas a otras."125 (Santos, 2007, p. 6).
Pegando neste comentário é essencial referirmos ainda o elemento “programa”, o
modo como Siza organiza cada tipo de edifício de acordo com a sua função, assim
como de quem o vai utilizar.
Do interior com o exterior e entre os espaços interiores, “One of the key aspects of the
architecture of Alvaro Siza is the buildings relationship with natural light.” (Sveiven,
2014). A luz percorre o espaço interior através do modo como Siza liga zonas distintas
122
“[...] mas, como trabalha Siza? – e ele disse-o muitíssimas vezes – reconhecendo a realidade. Está
atento à paisagem, aos materiais, aos sistemas de construção, aos usos, às gentes que ocupam o
construído.” (Tradução nossa)
123
“Tudo tem um começo. Um lugar vale por aquilo que é e por aquilo que quer ser, coisas às vezes
opostas mas nunca sem uma certa relação”. (Tradução nossa)
124
Fernando Hipólito (1964 - ). Arquitecto português, nascido em Luanda. Licenciado pela Faculdade de
Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa em 1987 e doutorado em Projectos de Arquitectura pela
Escola Tècnica Superior d'Arquitectura de Barcelona da Universitat Politècnica De Catalunya em 2002.
Docente da Universidade Lusíada de Lisboa desde Janeiro de 1988, onde exerce funções de
Coordenador e Regente da Disciplina de Arquitectura II do 2º Ano e Regente de Projecto III do 5ºAno.
Autor de algumas obras construídas, publicadas e nomeadas para exposições e prémios de arquitectura,
entre as quais Sítio, Projecto e Arquitectura. Dedica-se também a projectos na área da Arquitectura de
Interiores.
125
“Sempre pensei que a principal inquietude de Álvaro Siza tem sido aventurar-se a descobrir os frágeis
encontros em que as coisas transmitem sinais umas às outras.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
100
A arquitectura na enologia
através de pisos vazados, mezaninos e duplos pés direitos. Na sua obra, o espaço
respira, as paredes não sufocam e as portas não o fecham.
Siza sublinha o valor da transitoriedade, qualidade que exprime a maturação própria de
quem busca resolver problemas de desenho - onde uma sombra define uma pala, um
sentido inscreve uma rampa ou uma vista faz abrir um vão. [...] Descobre-se assim o
seu sentido de reminiscência, de pertença a um sítio e a sua circunstância. (Carrapa,
2007, p. 67)
Embora esteja inserida num programa pouco comum nos projectos da autoria do
arquitecto, a obra que vamos comentar mais à frente tem elementos paradigmáticos a
outras, nomeadamente a materialidade que é característica da assinatura de Siza, e
as relações espaciais interiores e com o exterior.
No caso da Escola Superior de Educação de Setúbal, a localização destacada do
centro da cidade, permite o contacto do edifício com a paisagem e impõem limites
menos rigorosos. Em termos formais, à semelhança da Adega Mayor, o edifício
desenvolve-se num volume alongado que gera pátios nos topos, cada um com uma
definição e função própria, e que se volta para si mesmo. Na sua descrição, “[...] pode
falar-se de uma massa irregular espraiando-se no terreno, da qual foi escavado um
molde rectangular, centrado e simétrico.” (Matos, 1994, p. 9), sendo que por estar “[...]
colocado a uma cota média, encontra-se assim ligeiramente afundado para o lado do
pátio porticado (Ilustração 66), e sobreelevado para o lado da cantina e recursos sobreelevação ampliada para sudeste, criando uma extensa plataforma nivelada [...]”
(Matos, 1994, p. 13) (Ilustração 67).
O observador é assaltado pela surpresa quando contempla, junto a essas outras
colunas repetitivas, ordenadas, perfeitas na sua geometria, a familiaridade quase
descorçoante de uma peça única na natureza. [...] A relação primitiva de abundância
inverteu-se: entre artifício e natureza, aqui é a natureza a peça rara. (Matos, 1994, p.
13)
Como acontece no Alentejo, o arquitecto tira proveito do próprio declive do sítio, o que
transmite a ideia de que a implantação do edifício não é forçada, mas natural – “[...] é
sinal da intocabilidade do terreno, de uma colonização do território que às vezes é
leve, mal aflorando o solo.” (Matos, 1994, p. 13). Em relação ao interior, perante um
programa de exigências próprias de uma instituição de ensino, “A modulação da
retícula, a repetibilidade e sistemacidade dos pormenores e materiais parecem ter sido
neste caso o suporte para a generosidade das áreas comuns. [...] e variedade dos
espaços de sociabilidade, e a permeabilidade de todo o edifício,” (Matos, 1994, p. 17).
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
101
A arquitectura na enologia
[...] o pátio da cantina, o pátio enterrado, o acesso por rampa à biblioteca, os terraços
da associação de estudantes e frente à cantina, o átrio e seus prolongamentos, os
corredores internos, os prados exteriores, etc., proporcionam possibilidades de
encontro frequentes e em ambientes muito caracterizados de exposição ou intimismo,
luz ou penumbra, som ou silêncio. (Matos, 1994, p. 17).
Ilustração 66 – Escola Superior de Educação de Setúbal,
Álvaro Siza Vieira. (Trigueiros, 1995, p. 26)
Ilustração 67 - Escola Superior de Educação de Setúbal, Álvaro
Siza Vieira. (Trigueiros, 1995, p. 29)
O percurso de uma adega pode ser interpretado, por analogia, a uma visita a um
museu. O objectivo de conhecer o que está exposto no interior acontece nos dois
casos, e o arquitecto trabalha o espaço de modo a complementar esse objectivo com
a própria arquitectura do edifício. Valoriza o caminho que o visitante percorre e define
espaços com características distintas, consoante a função que acolhem ou
simplesmente para qualificar um espaço que não se destina a estar ocupado. Um
projecto de referência do arquitecto Siza Vieira é o Museu de Arte Contemporânea
da Fundação Serralves (1991-1999) no Porto (Ilustração 68). Destaque mais uma
vez para a ortogonalidade e o predomínio do branco, em que “These abstract and
mute white walls with occasional openings, which frame unexpected views of the
garden, create a minimal intrusion into the landscape [...]” (alvarosizavieira.com, 2014),
enquanto o “[...] granite-clad base follows the variations of the ground along a slope
descending by several meters from north to south.” (Alvarosizavieira.com, 2014). A
organização do programa gera as relações de altimetria, luz/sombra e cheio/vazio,
assim como as relações visuais entre os diferentes espaços no museu (Ilustração 69).
Próximo à entrada do Museu há um balcão de recepção e informação. A partir deste
espaço há uma passagem para um átrio quadrado com pé direito duplo e uma luz de
tecto. Este átrio é centrado nos eixos longitudinais e transversais que definem a
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
102
A arquitectura na enologia
construção. O posicionamento das aberturas neste átrio e nas salas adjacentes
prolonga visualmente o eixo para o exterior, em todas as direcções cardinais.
(Cremascoli, 2013, p. 45)
Ilustração 68 – Fundação Serralves, Álvaro Siza Vieira
(Cremascoli, 2013, p. 47)
Ilustração 69 – Fundação Serralves, Álvaro Siza Vieira (Cremascoli,
2013, p. 47)
A materialidade e a iluminação são igualmente paradigmáticas no projecto da Igreja
de Santa Maria, em Marco de Canavezes, construída em 1996. O edifício, de planta
simples e regular é rasgado “[...] por 3 grandes aberturas de 3,5 m de largura e 5 de
altura, de grande profundidade, encaixadas na dupla parede curva interior, uma
abertura horizontal contínua com peitoril a 1,3 metros do pavimento, ao longo da
parede Sudeste.” (Cremascoli, 2013, p. 41), definindo assim a luz natural no interior da
igreja.
Materiality is signature in Siza’s work; the external walls are constructed of whitewashed
reinforced concrete, the internal walls and ceilings of stucco, which is covered by tiles or
marble where water runs. Wood, granite and marble comprise the floors, and the roof is
created with zinc sheeting.126 (Sveiven, 2014)
Materialmente, o edifício é marcado pelo uso, uma vez mais, de revestimento no
embasamento exterior e ainda nas paredes interiores, até à altura dos vãos (Ilustração
70). O branco das obras de Siza ganha equilíbrio e a monotonia é quebrada com este
apontamento, quase sempre em tons pétreos (Ilustração 71). O acesso principal não
126
“A materialidade é a assinatura do trabalho de Siza; as paredes exteriores são construídas em betão
reforçado caiado, as paredes interiores e os tectos são estucados, que por sua vez é revestido por
azulejos ou mármore em que a água escorre. Madeira, granito e mármore compõem o pavimento, e a
cobertura é feita de chapa de zinco.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
103
A arquitectura na enologia
está, conforme a tradição, voltado para a rua e resguarda deste modo a igreja e a
zona exterior junto à entrada, “The church forms an “acropolis” as it stands on its site
with its back turned to the noisy road.”127 (Sveiven, 2014) (Ilustração 72). O modo
como o autor reinterpreta uma tipologia tradicionalmente definida como é o caso da
igreja e como é o caso que estamos a tratar, a adega, oferece ao edifício um valor
renovado, quebrando alguns paradigmas e exaltando a arquitectura.
Ilustração 70 – Igreja de Santa Maria, Álvaro Siza Vieira (Cremascoli, 2013, p. 42)
127
“A igreja forma uma “acropolis”, uma vez que está assente no local de costas voltadas para a estrada
ruidosa.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
104
A arquitectura na enologia
Ilustração 71 – Igreja de Santa Maria, Álvaro Siza Vieira (Sveiven,
2014)
Ilustração 72 – Igreja de Santa Maria, Álvaro Siza Vieira
(Cremascoli, 2013, p. 43)
A musical ordem do espaço,
a manifesta verdade da pedra,
a concreta beleza
do chão subindo os últimos degraus,
a luminosa contensão da cal,
o muro compacto
e certo
contra toda a ostentação,
e refreada
e contínua e serena linha
abraçando o ritmo do ar,
a branca arquitectura
e nua
até aos ossos.
Por onde entrava o mar.
(Andrade, 2014, p. 132)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
105
A arquitectura na enologia
ADEGA MAYOR
“A perturbação da ordem existente gerou outra ordem: na corrente mansa da planície
alentejana foi introduzido um ressalto significativo e duradoiro.” (Higino, 2007, p. 313)
Ilustração 73 – Vista aérea. (Google, 2013)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
106
A arquitectura na enologia
Construir num sítio excessivamente belo é um desafio tremendo para um arquitecto: há
sempre o perigo de o destruir. Quando a paisagem canta (porque é ‘bela e incólume’,
como afirma Siza no texto ao lado) é difícil conciliar a sobreposição de outra música. O
belo é tirânico, pelo que não gosta de concorrência ou só suporta quando está à sua
altura. (Higino, 2007, p. 313)
Do projecto de Álvaro Siza Vieira para a adega do Grupo Nabeiro nasceu um volume
alongado e horizontal, que contrasta com o azul do céu e o verde da terra, como
contrasta uma casa caiada com a paisagem de Campo Maior, “[...] evocando a
linearidade e a unicidade dos “montes alentejanos”. [...] o edifício assume uma
monumentalidade próxima de uma fortaleza ou de um mosteiro, emergindo na planície
como um guardião de preciosos tesouros “sacros”.” (Grande, 2007, p. 13) (Ilustração
73). A Adega Mayor, finalizada em 2007 “[...] é uma
português,
representando
uma
referência
no
enoturismo
indústria vinhateira através do protagonismo da
arquitectura que a alberga.” (Serra, 2013, p. 36).
Ilustração 74 – Esquisso, Álvaro Siza Vieira.
(Castanheira, 2007, p. 316)
Ilustração 75 – Esquisso, Álvaro Siza Vieira. (Castanheira, 2007, p. 315)
Pela precisa linguagem da forma, cor, textura, a arquitectura inscreve-se numa herança
mais arcaica. Para fundar na paisagem um lugar institucional, um meio de vida, a
marca de uma transcendência que transforma a natureza em cultura. (Carrapa, 2007,
p. 67)
Programa:
Resguardada a Norte pela Serra de São Mamede e próxima do Guadiana a Sul, a
localização da Herdade das Argamassas, sob um clima ameno, evita temperaturas
extremas. A adega está implantada numa zona argilosa ligeiramente elevada em
relação à vinha de 67 ha, plantada há vários anos na propriedade, juntamente com o
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
107
A arquitectura na enologia
montado que a rodeia. Sem ser totalmente plana a envolvente tem uma suave
ondulação e parece ser salpicada por sobreiros até perder de vista. O caminho de
acesso à estrada principal é comum à Fábrica Delta Cafés, de modo que os edifícios
estão próximos, mas destacados entre si.
“O rectângulo de 40x120 metros da adega assenta na cavidade existente e ergue-se
em muros quase cegos de 9 metros de altura.” (Siza, 2005, p. 312), deixando as faces
de maior comprimento do volume livres de vãos (Ilustração 76). A entrada principal,
pela qual acedem os visitantes, situa-se no topo Sudoeste à cota 312,00 metros
(Ilustração 77), sendo que a passagem dos veículos agrícolas faz-se através de uma
rampa, que culmina no topo oposto a uma cota 4 metros mais alta, direccionada à
zona funcional da adega. “No espaço entre os dois topos estende-se, em paralelo, o
complexo percurso de produção e a penumbra do armazenamento.” (Siza, 2005, p.
312).
Ilustração 76 – Vista Sul. (Siza, 2008, p. 229)
Ilustração 77 – Pormenor entrada. (Ilustração nossa, 2013)
As áreas de maior dimensão e de carácter industrial – produção e armazenamento –
encontram-se ao nível do solo, enquanto a respectiva cobertura é simultaneamente
um longo terraço que se estende frente à sala de provas, no último piso. O
desenvolvimento horizontal composto por estes espaços amplos contrasta com a
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
108
A arquitectura na enologia
escala do conteúdo programático do topo sudoeste que se organiza em três níveis:
“No volume vertical localizam-se as funções humanas, num piso intermédio destinado
a suporte técnico e administrativo e ainda um piso superior de uso social.” (Carrapa,
2007, p. 68) (Ilustração 83). No piso 0, o átrio privilegia a luminosidade ao receber os
visitantes. O mesmo espaço inclui um balcão de recepção e acessos verticais aos
restantes pisos, assim como permite aceder à zona de produção.
A visita guiada à adega encaminha o percurso para o restante programa do piso,
desde logo diferenciado ao nível da luz e dos próprios materiais de revestimento - de
um espaço iluminado de paredes brancas e portas de vidro passamos para um espaço
escuro, em betão aparente e portas de aço inoxidável. Ao lado da loja e do armazém,
visíveis nos desenhos, mas inacessíveis na parte inicial do percurso da visita,
encontra-se um pequeno auditório, que proporciona o visionamento de um filme
alusivo à história da marca, da produção de vinho e do projecto da adega.
“Na Adega Mayor, o programa é a narrativa do ritual de maturação da uva, da
fermentação ao lento estágio do vinho.” (Carrapa, 2007, p. 68). As uvas iniciam o
caminho no lado oposto à entrada do visitante, na entrada de maior cota, “[...] following
the flow of gravity, they travel through a downpipe into individual maceration tanks.” 128
(Woschek et al., 2012, p. 29).
Voltando ao corredor central, percorremos o edifício no seu comprimento,
paralelamente à zona de engarrafamento e dos depósitos de fermentação do vinho
branco (Ilustração 78 e Ilustração 79). Junto à estrada das cargas e descargas
encontramos os depósitos que contêm o vinho tinto, onde se distingue o uso de tonéis
de madeira para além dos depósitos de inox (Ilustração 80). Sobre estes últimos
assenta uma estrutura que permite o acesso ao nível da cota da rua, que neste caso é
utilizada para tirar partido da gravidade (Ilustração 84 e Ilustração 85). Neste topo da
adega funciona a recepção da uva, pelo que é necessário garantir o acesso e
circulação aos veículos agrícolas (Ilustração 81). Toda a zona de produção descreve
um L, que é visível em planta, resolvendo a distribuição funcional do piso zero de
modo simples e prático, garantindo o correcto desempenho do processo de vinificação
(Ilustração 83).
128
“[...] seguindo o fluxo da gravidade, elas viajam através de um tubo descendente até aos tanques de
esmagamento.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
109
A arquitectura na enologia
In a wine-production facility, the rooms in the work areas are arranged to accommodate
the various phases of wine production. The fermenting cellar is actually a multi-purpose
room, since the grape receiving, sorting, destemming, crushing, maceration,
fermentation, pressing, and conveyance of the pomace takes place here.129 (Woschek
et al., 2012, p. 23).
Ilustração 78 – Zona de engarrafamento. (Ilustração nossa, 2013)
Ilustração 79 – Circulação e depósitos de vinho branco.
(Ilustração nossa, 2013)
Ilustração 80 – Depósitos de vinho tinto. (Ilustração nossa, 2013)
Ilustração 81 – Zona de recepção da uva. (Ilustração nossa,
2013)
Ao centro da planta, adjacente à fachada Noroeste e ligeiramente enterrada está a
sala de barricas, onde “The wine ages in numerous, seemingly endless rows of oak
barrels.”130 (Woschek et al., 2012, p. 29), o espaço com a área mais generosa do piso
térreo, cuja estrutura de paredes portantes de betão e alvenaria dispensa qualquer
pilar (Ilustração 82). A sala de barricas dispõe de dois acessos, o que possibilita a
continuidade do percurso depois dos visitantes atravessarem calmamente o espaço,
em que incorporam toda a atmosfera que o envolve, desde os odores à temperatura.
129
“Numa instalação de produção de vinho, as salas nas áreas de trabalho são organizadas para
compreender as várias fases da produção de vinho. A zona de fermentação é na realidade um espaço
multifuncional, desde a recepção das uvas, triagem, desengace, esmagamento, maceração, fermentação,
prensagem, e o transporte do mosto têm lugar aqui.” (Tradução nossa).
130
“O vinho envelhece em numerosas, aparentemente intermináveis filas de barricas de carvalho.”
(Tradução nossa).
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
110
A arquitectura na enologia
Ilustração 82 – Sala de barricas. (Ilustração nossa, 2013)
Seguidamente na visita, os turistas são encaminhados de novo ao átrio da recepção e
prosseguem para os próximos pisos. O piso 1 compreende as áreas destinadas aos
funcionários da empresa – laboratório, sala de reuniões e escritório da administração
(Ilustração 83). Finalmente, o último piso, dedicado aos visitantes e à promoção da
marca, inclui sanitários, arrumos e copa para o apoio à prova de vinhos que se
proporciona neste espaço, voltado ao terraço e à restante paisagem alentejana
(Ilustração 84). No percurso da visita acontece um momento de pausa e aqui são
dados a conhecer ao visitante os vinhos produzidos na adega ao mesmo tempo que
se disfruta e contempla o espaço e a zona exterior.
De volta ao piso 0, a visita culmina na loja, permitindo ao visitante/turista adquirir o
vinho produzido na adega entre outros produtos da marca. A loja tem um acesso
directo ao exterior, o que possibilita a saída directa do edifício, sem ser necessário
voltar ao átrio de entrada. A área exterior adjacente à entrada do edifício garante ainda
alguns lugares de estacionamento, sob uma ligeira estrutura de cabos de aço. Mais
uma vez a questão funcional surge como definidora do espaço, sendo que nesta zona
podem ocorrer cargas e descargas devido ao facto de aceder à sala onde está
guardado o vinho embalado, pronto a ser comercializado. Estes espaços têm duplo
acesso, ao interior e ao exterior, facilitando a circulação pública/privada (Ilustração 83).
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
111
A arquitectura na enologia
Ilustração 83 – Plantas dos pisos 0 e 1.131 (Woschek et al., 2012, p. 27)
Ilustração 84 – Planta piso 2. (Castanheira, 2007, p. 321)
131
1 – Entrada, 2 – Recepção, 3 - Loja, 4 – Armazém de garrafas, 5 – Linha de engarrafamento, 6 –
Depósitos de fermentação (vinho branco), 7 – Despensa, 8 - Depósitos de fermentação (vinho tinto), 9 –
Sala de barricas, 10 – Vestíbulo, 11 – Laboratório, 12 – Administração, 13 – Espaço vazio, 14 – Recepção
da uva, 15 – Zona técnica. (Tradução nossa).
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
112
A arquitectura na enologia
Ilustração 85 – Alçado Sudeste e secção longitudinal. (Siza, 2008, p. 236)
Ilustração 86 – Secção longitudinal e alçado Nordeste. (Siza, 2008, p. 237)
Ilustração 87 – Alçados Sudoeste e Noroeste e secções transversais. (Siza, 2008, p. 238)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
113
A arquitectura na enologia
Espaço:
É com naturalidade que na Adega Mayor a simplicidade exterior contrasta com a
complexidade interior. Se a zona de administração pode ser considerada mais
institucional, por todos os aspectos de logística associados aos trabalhadores e
produção do vinho, a zona pública é a que corresponde à parte de produção, em que
os espaços para o armazenamento do vinho são também áreas de prova e fruição,
abertos aos sentidos. (Vieira, 2008, p. 66)
Da força escultórica que a obra transmite, por ser “[...] um puctum no studium, quer
dizer, marca o campo aberto da paisagem.” (Higino, 2007, p. 313) podem resultar
variadas percepções e interpretações. A adega não confronta outra construção, não
tem necessidade de se relacionar conceptualmente com o que existe, pois é a única
presença (Ilustração 88). Apenas dialoga com a natureza: “O edifício desperta forças
latentes e introduz outras novas. O seu mérito está em promover um equilíbrio em
tensão entre as forças da paisagem e as da construção.” (Higino, 2007, p. 313).
De facto, uma das justificações da implantação da adega estar no centro das vinhas,
prende-se com a distância percorrida no transporte das uvas. Ou seja, assim os
tractores demoram o mesmo tempo a chegar à recepção – a primeira etapa da
vinificação – evitando comprometer a qualidade do vinho, devido ao facto da uva
iniciar o processo de fermentação desde o momento em que é separada da videira.
Ilustração 88 – Vista Poente. (Castanheira, 2007, p. 328)
Na quase total inexistência de vãos abertos ao exterior, é um “[...] jogo inteligente de
aberturas e vazios entre-pisos, que tornam esses dois mundos comunicantes [...]”
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
114
A arquitectura na enologia
(Grande, 2007, p. 13), assim como o facto das altimetrias não serem constantes. São
estas relações espaciais que fazem a luz natural chegar ao interior do edifício, cuja
entrada acontece essencialmente em dois pontos: pelo topo Sudoeste, através da
entrada principal no piso térreo e pelo topo oposto ao nível do último piso, pela
abertura para o terraço.
A sala de barricas é, minimamente, iluminada por luz artificial, no entanto recebe luz
natural pelo vão rasgado no primeiro piso, criando igualmente contacto visual entre os
dois espaços - “A window affords another look from above at the impressive wine
cellar.”132 (Woschek et al., 2012, p. 29). Deste modo a opacidade das fachadas é
compensada pelas passagens de luz entre os pisos, como o facto do vestíbulo no
primeiro piso ter uma parte vazada, que permite a ligação com o átrio no piso 0. No
mesmo piso, uma zona de pé direito duplo relaciona-o com o segundo piso e ainda
com o terraço graças ao vão que proporciona luz natural a todas estas áreas interiores
envolventes. As zonas de circulação do primeiro piso estão ocupadas por instalações
de arte temporárias ou permanentes, o que propõe algum dinamismo a este espaço,
que para o visitante é apenas um espaço de passagem (Ilustração 89).
Proporcionando uma vista privilegiada sobre a paisagem e funcionando como espaço
de contemplação, o terraço estende-se frente ao espaço de maior carácter turístico do
edifício (Ilustração 90), a sala de provas, onde são degustados os vinhos mais
característicos da marca e ainda a história da parceria do Comendador Rui Nabeiro
com o arquitecto Álvaro Siza Vieira, que para além da arquitectura inclui peças de
design. Curiosamente foi lançado recentemente um vinho, produzido na adega e de
edição limitada, sob o nome “Siza”, homenageando o arquitecto.
132
“Uma janela oferece outro olhar sobre a impressonante sala de barricas.” (Tradução nossa).
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
115
A arquitectura na enologia
Ilustração 89 – Piso 1. (Ilustração nossa, 2013)
Ilustração 90 – Terraço e fachada piso 2. (Castanheira, 2007, p.
335)
Materialidade:
Toda a superfície exterior é dominada pelo branco, fazendo alusão às casas caiadas
tradicionais do Alentejo e tirando partido da sua utilidade em questões térmicas: “The
entire outer facade is white, featuring the same whitewash traditionally used on the
houses in Alentejo. The paint reflects the sunlight and protects the interior from too
much heat.”133 (Woschek et al., 2012, p. 27). Apenas na aproximação ao edifício
damos conta da presença de textura na fachada, que de longe aparenta ser somente
uma parede branca lisa. A textura é garantida pelo embasamento de alvenaria de tijolo
maciço de 15 cm caiado (Ilustração 91).
“Na penumbra das entranhas abre-se a longa nave de armazenamento, uma extensa
caixa de betão com chão de pedra. Longas traves de madeira desenham linhas
longitudinais para o assento das pipas.” (Carrapa, 2007, p. 68). Na sala de barricas a
temperatura e a humidade têm influência no estágio dos vinhos, pelo que a escolha
dos materiais tem de ser especialmente criteriosa. Às paredes de 45 cm da estrutura
portante de betão do edifício junta-se uma parede dupla de alvenaria e ainda o
isolamento, o que dá origem a cerca de 80 cm de separação do interior para o exterior.
O suficiente para manter o ambiente ideal para os vinhos envelhecerem. No pavimento
deste espaço, as juntas entre os blocos de pedra foram deixadas propositadamente
por preencher, precisamente para deixar passar a humidade da terra para o interior.
Neste espaço a temperatura é igualmente regulada pela cobertura ajardinada e pelo
espelho de água que impede a acumulação de calor devido à exposição solar
característica da localização geográfica (Ilustração 92).
133
“Toda a fachada exterior é branca, exibindo a mesma cal usada tradicionalmente nas casas no
Alentejo. A pintura reflecte a luz solar e protege o interior do calor excessivo.” (Tradução nossa).
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
116
A arquitectura na enologia
Ilustração 91 – Pormenor da fachada. (Ilustração nossa, 2013)
Ilustração 92 – Terraço ajardinado. (Ilustração nossa, 2013)
Uma grande porta de vidro separa a área da recepção da área de produção, pelo que
a primeira não acusa a componente industrial da segunda por apresentarem
revestimentos e materiais distintos, como já referimos. “Siza distingue estas fases do
trabalho da adega, atribuindo, aos gabinetes e laboratórios, o conforto de pavimentos
e lambris em mármore, alternando com soalhos e carpintarias em madeira, e de
paredes e tectos estucados” (Grande, 2007, p. 13) (Ilustração 93) que contrastam com
o betão aparente usado nas paredes das zonas funcionais da adega, cujo pavimento é
revestido a resina epoxy (Ilustração 94). Várias exigências inerentes a este programa
condicionam a aplicação dos materiais nestas áreas, isto é, garantir as necessidades
de higiene e segurança nos espaços de trabalho torna-se um factor prioritário.
Ilustração 93 – Piso 1. (Ilustração nossa, 2013)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
Ilustração 94 – Piso 0. (Ilustração nossa, 2013)
117
A arquitectura na enologia
3.3. MENOS É MAIS – ADEGA QUINTA DO VALLADO
“Subversão e regra são temas que nos agradam: criar as regras para subverter.”
(Guedes; Campos, 2009, p. 44)
Ilustração 95 – Cristina Guedes e Francisco Vieira de Campos. (Guedes; Campos, 2009)
Cristina Guedes nasceu em Macau em 1964. Francisco Vieira de Campos, nascido em
1962 é natural do Porto. Os arquitectos são ambos formados pela Faculdade de
Arquitectura da Universidade do Porto e estagiaram com Siza Vieira e Souto de
Moura, respectivamente. Na mesma cidade, fundaram em conjunto o atelier Menos é
Mais Arquitectos Associados em 1994. Cristina Guedes lecciona a cadeira de Projecto
no Departamento de Arquitectura da Universidade Lusíada do Porto desde 1994. Na
mesma faculdade, Francisco de Campos foi docente da cadeira de Projecto entre
1998 e 2010. O arquitecto lecciona a mesma cadeira na Faculdade de Arquitectura da
Universidade do Porto desde 2010.
Da sua obra construída contam-se projectos de pequena e maior escala, entre
habitações particulares e uma série de equipamentos públicos. A dupla revela a
importância do “[...] exercício de construir nas margens [...]” (Menos é Mais Arquitectos
Associados, 2014). São vários os projectos que se localizam em torno do Douro, o que
proporciona a exploração de uma arquitectura intimamente ligada à topografia e à
paisagem. E usando ainda o outro sentido da palavra, “Construir nas margens –
também nos limites da disciplina.” (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2014). Os
arquitectos afirmam ainda: “Subversão e regra são temas que nos agradam: criar as
regras para subverter.” (Guedes; Campos, 2009, p. 44).
Os seus projectos exploram as possibilidades tecnológicas, conjugando-as com
processos construtivos mais arcaicos, justificando que “Não é o desejo de sofisticação
construtiva que nos move, move-nos o desejo de potenciar as qualidades e atributos
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
118
A arquitectura na enologia
dos materiais, bem como apurar as técnicas construtivas mais apropriadas para cada
projecto.” (Guedes; Campos, 2009, p. 44). O material como elemento gerador da
relação do projecto com o próprio programa, ou com a paisagem em que está inserido
é uma constante no trabalho que desenvolvem.
Anteriormente ao projecto para a Adega, os arquitectos projectaram duas fábricas no
âmbito da indústria automóvel para a Autoeuropa, em Palmela. Os edifícios, de
programas detalhadamente definidos, exigências e características a cumprir
escrupulosamente deixam pouca margem para alguma liberdade arquitectónica na
organização do espaço. Deste modo exploram-se as partes do programa que
apresentam menos condicionantes, como revelam os arquitectos: “Nos projectos das
fábricas (autoeuropa) as exigências da indústria – modulação, seriações e préfabricação - complementam-se com o desenho individualizado e personificado dos
espaços de trabalho do staff.” (Guedes; Campos, 2009, p. 45). E afirmam ainda que “O
potencial poético de imagens retiradas como fragmentos de ambientes da construção,
e de infra-estruturas industriais interessam-nos como reciclagem do nosso processo
de trabalho.” (Guedes; Campos, 2009, p. 45).
Pensamos que cada projecto deve representar sempre um renovado empenho em
captar o que é único e intransferível em cada episódio arquitectónico. A incorporação
da circunstância, a atenção aos limites das possibilidades de realização, aos meios
disponíveis, as condições de produção locais, às vivências e cultura dos lugares, a
capacidade de utilização do projecto como ferramenta de leitura e reavaliação do
território cultural e físico – são aspectos da nossa formação que estão presentes.
(Guedes; Campos, 2009, p. 48)
Na Unidade Industrial da Inapal Metal Autoeuropa, construída em 2006, a
materialidade é o elemento dominante (Ilustração 96). Neste caso, foi escolhido “[...]
um só material de revestimento (chapa metálica trapezoidal), que se adapta e
uniformiza todas as situações de projecto. O material torna-se conceito e síntese da
solução.” (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2009b). A chapa metálica, que é
utilizada de duas maneiras, permite o revestimento opaco ou através da forma de favo
de abelha, deixando passar a luz e o ar, e remete-nos para a própria materialidade do
automóvel (Ilustração 97). Sendo que para além da forte componente técnica,
proporciona “[...] efeitos inesperados de domesticação e humanização dos espaços
sociais da unidade industrial.” (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2009b).
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
119
A arquitectura na enologia
Ilustração 96 – Unidade Industrial da Inapal Metal Autoeuropa,
Palmela, Menos é Mais. (Basulto, 2008)
Ilustração 97 - Unidade Industrial da Inapal Metal Autoeuropa,
Palmela, Menos é Mais. (Basulto, 2008)
Nós constatamos que a pele pode ser revestimento ou estrutura: na Inapal Metal a pele
é revestimento; no novo volume da Esplanada Ar de Rio a pele torna-se estrutura.
Aparentemente com um mesmo tema formal – o favo de abelha – os dois projectos
mostram diferentes materialidades. (Guedes; Campos, 2009, p. 48)
O projecto Bares de Gaia propõe um conjunto de bares sob a forma de pavilhões
metálicos junto ao Rio Douro com um conceito comum (Ilustração 98):
O design foi definido por alguns conceitos-chave: grande simplicidade e máxima
eficiência através de economia de meios, tudo com o intuito de procedimentos standard
que geram soluções standard. Esta é a razão pela qual estamos perante um kit de
módulos que pode ser fácil e livremente adaptado e combinado. (Menos é Mais
Arquitectos Associados, 2009a).
Sob premissas como a efemeridade e a mobilidade os arquitectos partiram do
princípio conceptual e do próprio design dos transportes. Essas intenções reflectem-se
nos materiais usados, na forma e em detalhes particulares. A dupla afirma: “A pele não
é uma nova temática no trabalho do nosso atelier, nem conceitos como standartização
ou mobilidade.” (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2009a).
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
120
A arquitectura na enologia
Os Bares ficaram concluídos em 2002 e em 2008 foi feita uma ampliação a um dos
volumes. Como se pode verificar em planta, a flexibilidade dos dois módulos permite
diferenciá-los, permitindo, por exemplo, enviesar um deles (Ilustração 98). As duas
partes estão unidas por uma manga flexível, sugerindo a referência às mangas de
apoio aos aviões (Ilustração 99).
Ilustração 98 – Planta de localização dos Bares de Gaia, Menos é Mais. (Basulto, 2009)
O projecto de ampliação do Ar de Rio em 2008 pedia uma esplanada adaptável às
diferentes estações do ano (Ilustração 101). “O novo volume é a pele que se torna
estrutura.” (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2009). Apesar do material ser
comum ao projecto da Inapal, as aplicações e intenções não o são, provando a
versatilidade do favo de abelha, cuja “[...] estrutura hexagonal autoportante [...] permite
vencer um grande vão de 27 m de comprimento” (Menos é Mais Arquitectos
Associados, 2014).
O volume da esplanada contrasta com restantes módulos, cujos materiais definem um
espaço mais fechado e de limites claros, apesar do uso do vidro (Ilustração 100). A
nova estrutura contraria o carácter estático dos volumes existentes e afirma-se como
modelo estrutural, para além de funcionar como material de revestimento (Ilustração
102). “À precisão, rigor e repetição da estrutura contrapõem-se as suas ilimitadas
possibilidades expressivas: jogos de sombra e luz, transparência, opacidade e
invisibilidade.” (Menos é Mais Arquitectos Associados, 2014).
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
121
A arquitectura na enologia
Ilustração 99 – Bar de Gaia (2002), Menos é Mais. (Menos é Mais
Arquitectos Associados, 2014)
Ilustração 101 – Ar de Rio (2008), Menos é Mais. (Menos é Mais
Arquitectos Associados, 2014)
Ilustração 100 – Bar de Gaia (2002), Menos é Mais. (Menos é
Mais Arquitectos Associados, 2014)
Ilustração 102 – Pormenor da estrutura, Ar de Rio
(2008), Menos é Mais. (Menos é Mais Arquitectos
Associados, 2014)
À semelhança do projecto da Adega, o Teleférico na Zona Histórica de Vila Nova de
Gaia “[...] teve como desafio intervir numa paisagem tão impressionante e,
simultaneamente, conciliar toda a complexidade tecnológica que caracteriza o
programa de um teleférico.” (Guedes + Decampos, 2011). Projectado em 2007 e
construído em 2011, o Teleférico é mais uma das intervenções da dupla de arquitectos
que articula o Douro, o declive acentuado das suas margens e um programa
particularmente técnico. E ainda a questão da materialidade, da preocupação prática e
económica.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
122
A arquitectura na enologia
O Teleférico “[...] tem uma componente lúdica e funcional, ligando as caves e os
equipamentos de restauração da marginal ao metro e à Serra do Pilar, situados à cota
alta.” (Guedes + Decampos, 2011). O projecto inclui duas estações de carácter distinto
que apoiam a circulação do Teleférico em sítios opostos. A Estação Alta adossa-se à
encosta e a respectiva cobertura funciona como entrada na cota mais alta, que é feita
através de rampas (Ilustração 103). A Estação Baixa situa-se junto à Marginal do Rio
Douro e o seu “[...] conceito arquitectónico reside numa estrutura simples e pragmática
inspirada na ossatura de um barco [...]” (Guedes + Decampos, 2011), como explicam
os arquitectos, justificando os materiais usados: “[....] um esqueleto de ferro com
ripados verticais metálicos é suspenso sobre uma estrutura central (quilha) constituída
por uma laje de betão que se apoia sobre um elemento central de betão longitudinal
ao edifício, formando duas grandes consolas.” (Guedes + Decampos, 2011) (Ilustração
104).
Ilustração 103 – Teleférico - Estação Alta, Vila Nova de Gaia,
Menos é Mais. (Basulto, 2012)
Ilustração 104 – Teleférico - Estação Baixa, Vila Nova de Gaia,
Menos é Mais. (Basulto, 2012)
A materialidade resume-se ao uso do betão e do metal, que conferem uma tonalidade
neutra aos volumes, sendo que um é maciço e o outro transparente. O betão aparente
predomina na Estação Alta e ao longo das rampas do percurso entre as ruas a
diferentes cotas as paredes são “perfuradas”, deixando passar a luz e gerando vistas
pontuais (Ilustração 105). Para contrastar com as paredes compactas de betão, o uso
do ripado metálico dá algum dinamismo e ligeireza às estruturas. “A forma ritmada
dada pelo ripado confere uma aparência mutante ao objecto, com suaves efeitos
ópticos resultantes das mudanças de luz ao longo do dia.” (Guedes + Decampos,
2011) (Ilustração 106).
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
123
A arquitectura na enologia
Ilustração 105 – Pormenor Teleférico - Estação Alta,
Vila Nova de Gaia, Menos é Mais. (Basulto, 2012)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
Ilustração 106 – Pormenor Teleférico - Estação Alta, Vila Nova de Gaia,
Menos é Mais. (Basulto, 2012)
124
A arquitectura na enologia
ADEGA QUINTA DO VALLADO
“A materialidade de um edifício parte de um conceito gerador, muitas vezes definido
por uma referência concreta.” (Guedes; Campos, 2009, p. 46)
Ilustração 107 – Edifício original e a nova adega da Quinta do Vallado. (Ilustração nossa, 2013)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
125
A arquitectura na enologia
O projecto da dupla de arquitectos numa das quintas mais antigas do Douro funciona
como um complemento do edificado preexistente, que data de 1716. A Quinta do
Vallado pertenceu à lendária Dona Antónia Ferreirinha134 e mantém-se até hoje na
posse dos seus descendentes. Numa das margens do afluente Rio Corgo, na
localidade de Peso da Régua, “The extention imitates the natural form of the slope and
is partially dug into the hill.”135 (Woschek et al., 2012, p. 45).
Inicialmente e durante cerca de 200 anos a quinta dedicou-se à produção de vinhos do
Porto, que posteriormente foram comercializados pela Casa Ferreira. Entretanto nos
anos 90 a empresa decidiu alargar a actividade e criar uma marca própria. Iniciou-se
assim um processo de reestruturação das vinhas e da adega, tendo como objectivo a
produção de castas de grande qualidade e o melhoramento do sistema de plantação e
condução da uva.
A obra teve início em 2007 e a partir daí a marca desenvolveu-se, apostando
fortemente no enoturismo. Em 2012 foi construída uma unidade hoteleira, projectada
pelos mesmos autores da adega. “Another important goal in adding the new build was
to better tie the wine estate in with the company-owned hotel, thereby allowing the
estate to accommodate and profit from the growth of wine tourism in the Douro
Valley.”136 (Woschek et al., 2012, p. 45). O volume de dois andares localiza-se na
propriedade, junto do Wine Hotel, integrado num dos antigos edifícios da Quinta e
aberto ao público desde 2005, sendo que em conjunto dispõem de 13 quartos. O hotel
partilha com a adega o uso do xisto no revestimento, o que os relaciona visualmente,
já que se encontram destacados entre si. A empresa conquistou o primeiro lugar dos
prémios W, na edição de 2012, na categoria de Melhor Enoturismo com estadia.
Retirar o protagonismo à casa da Quinta nunca foi uma das intenções dos dois
projectos, o que resultou na procura de uma afirmação de cada um no local,
respeitando o pré-existente histórico e emblemático e a paisagem em si. O uso do
material local, o xisto, contrasta com o tom ocre das fachadas do edifício existente,
134
Dona Antónia Adelaide Ferreira ou Ferreirinha (1811-1896) foi uma das mulheres mais influentes no
século XIX. Ficou conhecida por se dedicar ao cultivo do Vinho do Porto e pelas notáveis inovações que
introduziu. Teve um papel importante na revitalização do Douro depois da crise que afectou a produção
de vinho e a população que dela sobrevivia. Ajudou produtores, replantando vinhas, doando roupa e
comida. Foi responsável pela construção de estradas, escolas e hospitais.
135
“A extensão imita a forma natural da encosta e está parcialmente enterrada na colina.” (Tradução
nossa)
136
“Outro importante objectivo em adicionar o novo edifício foi para melhor integrar a propriedade vinícola
com o hotel da empresa, permitindo assim que o mesmo local possa acomodar e lucrar através do
crescimento do enoturismo no Douro.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
126
A arquitectura na enologia
conferindo a cada um diferentes conceitos, da tradição à contemporaneidade
(Ilustração 108).
For Vieira de Campos, there were two key aspects: making use of traditional regional
building materials, and emphasizing the building’s relationship to the surrounding
landscape. He felt that the new structure should not compete with the estate’s existing
historical buildings, but rather present a natural contrast to them.137 (Woschek et al.,
2012, p. 45)
Ilustração 108 – Vista geral dos edifícios pré-existentes e das intervenções – hotel e adega. (Cremascoli, 2013, p. 94)
O caminho de acesso desde Peso da Régua permite uma percepção geral do
edificado da propriedade na encosta oposta, enquanto não atravessamos o Rio Corgo.
Mas, como é tradição no Douro, as casas das quintas exibem o nome nas fachadas, o
que as identifica de longe. E após o impacto da casa que salta à vista pelo tom
vibrante, “[...] a futuristic-looking, lengthy building stretches out next to it. The flat silvergrey exterior appears understated yet elegant.”138 (Woschek et al., 2012, p. 46).
“A paisagem do Douro exprime o empenho de gerações, iniciada numa conjuntura de
elevada pressão demográfica e avanço técnico primitivo. Ergueu-se uma paisagem
monumental, em socalcos, atractiva e original [...]” (Fauvrelle, 1999, p. 66), tal como o
pretende ser a intervenção dos arquitectos Menos é mais neste preciso local, cuja
história e cultura são por si só um motivo para atrair atenções. Reconhecem que,
137
“Para Vieira de Campos havia dois aspectos chave: usar materiais locais de construção tradicional, e
enfatizar a relação do edifício com a paisagem envolvente. Ele sentiu que a nova estrutura não deve
competir com os edifícios históricos da propriedade, mas em vez disso apresentar um contraste natural
com estes.” (Tradução nossa)
138
“[...] Um edifício alongado de aspecto futurístico estende-se perto dele. O exterior cinzento prateado
aparenta ser discreto mas também elegante.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
127
A arquitectura na enologia
numa zona protegida e classificada, “[...] as unique and astonishing as Douro, any
intervention must be very precise. That’s why the first challenge was to underline the
distinctive identity of the project while carefully respecting the landscape.”139 (King,
2014).
Dado o forte impacto paisagístico da envolvente, caracterizado por uma arquitectura
natural, Património Mundial, o projecto concentra-se em resolver a inserção de um
novo volume, condicionado por um longo e expressivo muro portante em xisto, que
desenha uma acentuada curva no terreno, e pela casa. (Campos, 2013, p. 93)
O facto de os volumes estarem, em parte enterrados, diminui o impacto na paisagem e
faz com que o total de área construída seja imperceptível no primeiro contacto com o
edifício (Ilustração 109). “One would never think that more than 3,000 square meters of
floor space for the production and storage of wine are concealed beneath.”140
(Woschek et al., 2012, p. 46). O aspecto maciço dos volumes é enfatizado pela
ausência de aberturas, o que dá lugar à curiosidade de descobrir o que acontece no
interior.
O Armazém de Barricas, simultaneamente, autonomiza-se e dialoga com a paisagem,
tomando como base a topografia dos socalcos do Douro. Uma grande massa
encrostada no terreno remata numa consola. Assim o edifício ora se agarra ao solo,
tornando-se rocha e barreira física, ora se solta, permitindo o seu atravessamento.
(Guedes + Decampos, 2012, p. 60)
Ilustração 109 – Esquisso. Secção esquemática. (Woschek et al., 2012, p. 47)
Programa:
O início da visita à adega faz-se através do atravessamento do caminho junto às
vinhas que contornam os volumes (Ilustração 110). O percurso é ascendente, tal como
o da uva, que chega à primeira etapa da produção na zona à cota mais alta (Ilustração
139
“[...] tão única e impressionante como o Douro, qualquer intervenção tem de ser bastante precisa. É
por isso que o primeiro desafio foi sublinhar a distinta identidade do projecto, respeitando cuidadosamente
a paisagem.” (Tradução nossa)
140
“Nunca se pensaria que mais de 3,000 metros quadrados de área construída para produção e
armazenamento de vinho estão escondidos por baixo.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
128
A arquitectura na enologia
116). À medida que subimos aproximamo-nos destes grandes muros de xisto e damos
conta de entradas e acessos dissimulados entre as curvas de nível, o que permite
ocultar elementos técnicos que são necessários ao programa (Ilustração 111 e
Ilustração 112).
Ilustração 110 – Volume integrado na vinha. (Ilustração nossa,
2013)
Ilustração 111 – Caminho pela rampa de acesso à cobertura.
(Ilustração nossa, 2013)
Os arquitectos afirmam, “A resolução de uma adega que funciona por gravidade obriga
ao entendimento de todo o sistema produtivo e a um grande rigor, disciplina e restrição
na implantação das cotas dos edifícios.” (Guedes + Decampos, 2012, p. 60). Tirando
partido da topografia, a cobertura da sala dos depósitos funciona igualmente como
zona de cargas e descargas dos veículos que transportam as uvas, que por sua vez
são transferidas directamente para os depósitos, depois de pesadas e escolhidas na
mesa (Ilustração 113).
Dentro do edifício, a presença de lagares deve-se ao facto dos produtores fazerem
questão de manter este método tradicional do esmagamento da uva com os pés e
utilizá-lo numa pequena percentagem da apanha de cada vindima. São de granito,
evocando o uso do material antigamente (Ilustração 115). Neste piso, os seis lagares
estão nivelados com a cota de entrada, sendo que este espaço funciona como uma
espécie de mezanino que antecede a nave que integra os depósitos de maior
dimensão, cuja capacidade atinge os 50 000 litros (Ilustração 117). Uma estrutura
metálica permite a passagem dos visitantes sobre os depósitos, contornando-os junto
ao limite do espaço para depois descer e sair do compartimento, já à cota do piso
seguinte (Ilustração 118).
Da construção: a estrutura portante encaixa-se; as infra-estruturas disciplinam; os
materiais em bruto fixam a geometria e apelam às qualidades sensoriais das suas
superfícies. O programa define uma grande contenção, tanto espacial como formal, os
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
129
A arquitectura na enologia
espaços desenham-se em função dos usos, da luz, da fruição das vistas e,
principalmente, do bem-estar.” (Campos, 2013, p. 93)
Ilustração 112 – Circulação exterior e saída de cargas e
descargas. (Ilustração nossa, 2013)
Ilustração 114 – Pormenor de um acesso exterior e vistas.
(Ilustração nossa, 2013)
Ilustração 113 – Cobertura e zona de recepção da uva. (Ilustração
nossa, 2013)
Ilustração 115 – Lagares em granito. (Ilustração nossa, 2013)
Nas plantas assentes à cota 128 e à cota 122 é possível verificar a extensão do
programa técnico do edifício, no entanto o percurso da visita não inclui a maioria das
salas. Os arquitectos tiveram o cuidado de organizar o espaço de modo a que não
haja interferências na circulação dos funcionários e do próprio vinho com a circulação
dos visitantes, criando ainda situações que controlam o que está à vista e o que deve
ser omisso. Assim, o percurso é limitado e alguns espaços ficam como que
camuflados, através de barreiras compostas por barras de ferro verticais. A utilização
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
130
A arquitectura na enologia
destas estruturas acaba por contrariar o efeito maciço que teria uma parede, por
exemplo.
No seguimento do percurso pela adega, o visitante é encaminhado para um túnel
descendente que dá acesso à cave de barricas, o espaço mais característico do
projecto (Ilustração 122). De um modo geral, nos projectos deste carácter a
componente técnica desta sala é mais exigente ao nível da térmica, o que dá alguma
liberdade ao arquitecto para desenhar um espaço, que só pela sua função, já se
espera que seja criativo e cativante. “Tank and barrel storage areas usually make the
strongest impression on visitors, which means that their fittings and interior design
should be viewed with an eye to more than just practicality.”141 (Woschek et al., 2012,
p. 23).
Neste caso, como os arquitectos descrevem, “O projeto concilia a estrutura e
infraestrutura na conceção de uma forma ancestral abobadada. Com volume exterior
paralelepipédico e espaço interior abobadado, o Armazém de Barricas apresenta uma
massividade que permite um bom desempenho térmico.” (Guedes + Decampos, 2012,
p. 60) (Ilustração 120). No lado oposto à entrada, imperceptível ao visitante, existem
pequenos espaços técnicos que apoiam a cave de barricas e ainda uma saída directa
para o exterior, como a planta à cota 122 comprova (Ilustração 118). O facto do
aspecto exterior, de linhas rectas não ser fiel ao interior, de linhas curvas, permite o
aproveitamento do espaço intersticial entre os dois, como explicam os arquitectos, “A
omissão do material não resistente da parede possibilita a criação duma caixa-de-ar,
simultaneamente túnel de infraestruturas e sistema de ventilação natural.” (Guedes +
Decampos, 2012, p. 60) e que se torna evidente em corte (Ilustração 120).
A saída da cave de barricas faz-se pela mesma porta da entrada, devido ao facto do
acesso no extremo oposto ser reservado aos funcionários. Voltamos a descer e
chegamos ao espaço em que a visita culmina e ocorre a degustação de vinhos,
podendo adquirir os mesmos, na respectiva loja que aí se encontra (Ilustração 119). O
espaço é luminoso e funciona como um regresso ao exterior, após a sucessão de
espaços interiores e carentes de luz natural. Este volume inclui ainda uma pequena
copa de apoio à prova de vinhos, instalações sanitárias e acesso ao exterior
(Ilustração 125).
141
“As áreas dos depósitos e das barricas normalmente causam maior impressão nos visitantes, o que
significa que os seus acessórios e design interior devem ser vistos de uma perspectiva para lá da
funcionalidade.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
131
A arquitectura na enologia
Ilustração 116 – Planta de cobertura. (Guedes + Decampos, 2012, p. 60)
Ilustração 117 – Planta à cota 131 m. (Guedes + Decampos, 2012, p. 62)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
132
A arquitectura na enologia
Ilustração 118 – Plantas à cota 128 m e 122 m.142 (Woschek et al., 2012, p. 45)
142
1 – Zona de engarrafamento, 2 – Depósitos de fermentação (vinho branco), 3 - Sala de barricas, 4 –
Zona técnica, 5 – Espaço de limpeza de barricas, 6 – Recepção das uvas, 7 – Depósitos de fermentação
(vinho tinto), 8 - Laboratório, 9 – Espaço multifuncional. (Tradução nossa).
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
133
A arquitectura na enologia
Ilustração 119 – Planta à cota 119 m. (Guedes + Decampos, 2012, p. 65)
Ilustração 120 – Secções transversais da cave de barricas. (Guedes + Decampos, 2012, p. 66)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
134
A arquitectura na enologia
Espaço:
Depois do espaço da recepção da uva, a zona mais alta do projecto e a mais próxima
das vinhas, uma escada adjacente à fachada guia-nos até ao interior. A sensação é a
de estarmos a percorrer os socalcos nas encostas, o que nos aproxima do terreno e
da paisagem, meio natural meio transformada pela mão do Homem (Ilustração 114).
Todo o percurso é uma alusão à cave tradicional que armazena os vinhos ao nível do
subsolo. O betão das paredes contribui para a atmosfera fria do espaço, o que
provoca a impressão de estarmos dentro de uma gruta. O primeiro contacto com o
interior é a zona dos lagares, cujo pé direito têm cerca de 2,5 m, sendo que o segundo
é a zona dos depósitos. Nesta passagem a diferença de dimensões é significativa e
igualmente inesperada, pois do exterior não é possível ter percepção das áreas e do
que acontece no interior (Ilustração 121).
Ilustração 121 – Zona de depósitos de vinho tinto. (Ilustração nossa, 2013)
O carácter industrial do espaço dos depósitos deixa pouca margem para elementos de
interesse a nível arquitectónico. No entanto verificamos detalhes que resultam de uma
pesquisa exigente do sistema de produção. O espaço não se resume a um armazém
de pé direito duplo destinado a comportar depósitos. As altimetrias são adaptadas aos
objectos, ou seja, a altura do pé direito depende do tamanho do depósito que ocupa
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
135
A arquitectura na enologia
determinada área, sendo que estes podem ter várias dimensões a nível de altura e de
diâmetro.
A penumbra do túnel dá o mote para o passo seguinte, guiando-nos para o que dá a
sensação de ser o espaço mais profundo e interior da adega – a já referida cave de
barricas (Ilustração 122). No espaço onde o vinho estagia e onde a temperatura e a
humidade têm de ser controladas, o ambiente é de alguma frieza, que no entanto é
compensada pela forte presença da madeira e do respectivo odor, assim como o do
vinho. E ainda a iluminação artificial indirecta que parte dos limites da sala por detrás
das barricas, dando origem a um jogo de sombras que conferem ao espaço uma
atmosfera única (Ilustração 123).
Long rows of the 225-litre French oak barrels are stored here for 16 to 20 months,
depending on their contents. Three partition walls, which open out into large arcs, focus
the eye and allow the depth to the room to be properly appreciated. This impression is
strengthened by the indirect lighting beneath the casks, which bathes the space in an
ethereal light.143 (Woschek et al., 2012, p. 49).
De facto, a atmosfera criada neste espaço deve-se principalmente à presença das
barricas, que empilhadas e lado a lado criam corredores e caracterizam o espaço,
fazendo-nos percorre-los, curiosos. Este espaço vazio não seria o mesmo e não teria
com toda a certeza o mesmo impacto (Ilustração 124).
Ilustração 122 – Túnel de ligação entre a zona de produção e a
zona de armazenamento. (Ilustração nossa, 2013)
Ilustração 123 – Cave de barricas, pormenor. (Ilustração nossa,
2013)
Depois da parte subterrânea do programa e como parte final da visita a zona de
promoção turística da adega apresenta-se num pequeno espaço de planta rectangular
143
“Longas fileiras de barricas de carvalho francês de 225 litros são armazenadas por 16 ou 20 meses,
dependendo do seu conteúdo. Três paredes divisórias, que se abrem em grandes arcos, focam o olhar e
permitem que a profundidade do espaço seja devidamente apreciada. Esta impressão é reforçada pela
iluminação indirecta debaixo das barricas, que banha o espaço numa luz sublime.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
136
A arquitectura na enologia
que privilegia a luz natural e reveste-se de elementos simples mas com detalhes
interessantes. “The only decorative features are wooden tables and benches as well as
a large bottle rack doubling as a wall.”144 (Woschek et al., 2012, p. 49). O espaço é
iluminado por luz zenital através de uma abertura no tecto, enquanto a “[...] sweeping
glass facade offers an impressive view of Douro Valley.”145 (Woschek et al., 2012, p.
49) (Ilustração 125). Por todo o edifício a carência de ornamentos é uma constante, o
que revela que a arquitectura em si não tem intenção de se sobrepor ao vinho e ao
que o envolve. “By keeping the design minimal, Vieira de Campos was able to keep the
focus fully on the wines.”146 (Woschek et al., 2012, p. 49).
Ilustração 124 – Cave de barricas. (Guedes + Decampos, 2012, p. 67)
Materialidade:
O emprego de um material local, neste caso o xisto, era uma das intenções da dupla
de arquitectos portuenses. O xisto aproxima o projecto da envolvente e por ser
predominante acaba por ser um dos elementos principais do conceito. Todos os
volumes são revestidos com a pedra “[...] tratada de forma contemporânea.” (Menos é
144
“Os únicos elementos decorativos são mesas e bancos de madeira assim como uma garrafeira que
funciona como parede.” (Tradução nossa)
145
“[...] extensa fachada de vidro oferece uma impressionante vista sobre o Douro.” (Tradução nossa)
146
“Ao manter o design minimalista, Vieira de Campos conseguiu manter o foco unicamente nos vinhos.”
(Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
137
A arquitectura na enologia
mais, 2014), que numa perspectiva mais afastada adquire um tom cinzento quase
uniforme, mas de perto varia entre cinzentos claros e escuros. As peças são aplicadas
na horizontal na sua maioria, sendo que em algumas partes estão aplicadas na
diagonal (Ilustração 126).
O xisto recusa o papel de protagonista, tirando partido do tom neutro em relação ao
tom da fachada do edifício da Quinta. “The orange gleam of the quinta can be seen
from far away. In contrast, the slate-covered exterior of the new building is very
modestly designed.”147 (Woschek et al., 2012, p. 45).
Os interiores “[...] são construídos em betão com acabamento bujardado [...]” (Guedes
+ Decampos, 2012, p. 60) e os restantes materiais usados resumem-se às
necessidades técnicas, como o aço inox nos depósitos e respectivas estruturas
auxiliares, o ferro nas portas e a madeira nas barricas e no mobiliário. Verifica-se uma
total ausência de cor, para além do tom natural dos materiais.
Ilustração 125 – Zona de degustação de vinhos. (Ilustração
nossa, 2013)
Ilustração 126 – Pormenor do revestimento. Exterior da zona da
entrada. (Ilustração nossa, 2013)
147
“O brilho laranja da quinta pode ser visto de longe. Em contraste, o revestimento em xisto do exterior
do novo edifício é modestamente projectado.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
138
A arquitectura na enologia
4. TRABALHO PRÁTICO
CENTRO ENOLÓGICO
O projecto de 5º ano foi desenvolvido sob o programa Erasmus na Escuela Técnica
Superior de Arquitectura da Universidad Politécnica de Valencia e sob a temática
vinícola – La cultura del vino: arquitectura con denominación de origen. O sítio de
actuação foi a pequena aldeia de La Portera pertencente à cidade de Requena, cuja
área municipal é a maior da Comunidade Valenciana, em Espanha. Na sua extensão
predominam os cultivos vinícolas e algumas zonas montanhosas. Localizada a Sul da
cidade, La Portera faz parte das 29 aldeias que fazem parte de Requena e caracterizase pela baixa densidade populacional, de cerca de uma centena de habitantes
(Ilustração 127). A principal actividade económica da aldeia é a viticultura, devido à
Adega Cooperativa La Unión, ali implantada desde o ano de 1958 (Ilustração 128).
Ilustração 127 – Localização – Requena
e La Portera. (Ilustração nossa, 2011)
Ilustração 128 – Identificação da Adega Cooperativa La Unión, La Portera.
(Ilustração nossa, 2014)
O projecto propõe uma intervenção na Adega, que inclui o aumento das infraestruturas existentes e a construção de novas, de modo a que a cooperativa se
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
139
A arquitectura na enologia
expanda e passe a engarrafar e comercializar o vinho que produz, em vez de o vender
a granel para outras empresas, como é a sua prática. O crescimento da produtora de
vinhos representaria assim um impulso para a pequena região, envolvendo-a na Ruta
del Vino de Utiel-Requena. Os objectivos da proposta do Centro Enológico passam por
“Poner en valor el lugar, mediante una arquitectura actual, bien insertada, capaz de
potenciar el carácter territorial, cultural, social, productivo, comercial y de disfrute de la
naturaleza, de la zona vinícola.”148
O desenvolvimento do projecto para o Centro Enológico dividiu-se em três momentos,
sendo que a proposta final carece de especificação de partes do programa, pelo facto
do trabalho realizado no segundo semestre consistir na fase inicial do projecto que
teria seguimento no ano lectivo seguinte. Na sequência da estrutura da cadeira de
Proyectos 4 (primeiro semestre) o primeiro momento traduziu-se essencialmente na
exploração do sítio, nas referências e relações do e com o mesmo, e do programa,
analisando os diferentes tipos de espaços e respectivas funções. O segundo momento
resumiu-se à proposta de actualização, no âmbito do restauro/manutenção, da Adega,
sendo que o terceiro (e maior) consistiu na proposição da parte programática
destinada ao lazer e ao alojamento.
O programa prevê quatro âmbitos de actuação distintos, a que correspondem
determinados espaços – Interpretação, Lazer/Alojamento, Produção e Administração
(Ilustração 129). Um dos pressupostos em relação ao espaço de produção assenta na
preservação da adega cooperativa existente, propondo o reaproveitamento da mesma
em vez de demoli-la totalmente. Enquanto a segunda maior parte do programa, que
compreende o alojamento, o restaurante e o spa, oferece maior liberdade em termos
de implantação e construção, sendo o respectivo sítio opcional. O estado de alguns
edifícios da aldeia é de degradação e abandono, pelo que se tornou viável a
alternativa de estabelecer o alojamento num terreno ou numa casa expropriada
seleccionados por nós.
Contudo, inicialmente foi-nos sugerido projectar o alojamento destacado do edificado,
junto às vinhas ou ao pinhal, a Sul. Numa primeira análise ao lugar cujo objectivo era a
definição de estratégias imediata, fomos induzidos a escolher precisamente uma zona
148
Enunciado de introdução ao tema da cadeira de PRIV (Proyectos 4) do ano lectivo 2011/2012, do
primeiro semestre do 5º Ano, do Curso de Arquitectura da ETSA-UPV.
“Valorizar o lugar perante uma arquitectura actual, bem inserida, capaz de potenciar o carácter territorial,
cultural, social, produtivo, comercial e de usufruto da natureza, da zona vinícola.” (Tradução nossa)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
140
A arquitectura na enologia
ligeiramente elevada, junto ao pinhal, que proporcionaria uma relação privilegiada com
a paisagem. Esta proposta surgiu num trabalho de grupo realizado durante as
primeiras aulas, sendo que o resultado em forma de painel identifica as nossas
primeiras impressões do sítio (Ilustração 143)149.
No decorrer desta primeira fase de trabalho os pressupostos para a definição das
implantações mudaram, tornando-se claro que faria mais sentido promover a
recuperação dos edifícios da aldeia e o melhoramento da própria malha urbana, cujos
limites são pouco definidos. Assim como o facto de não intervir directamente na
paisagem, dando preferência ao gesto de mantê-la o mais intacta possível. Os
objectivos da proposta basearam-se assim na procura de estratégias que passem pela
reciclagem, economia de meios e preservação.
Programa:
Ilustração 129 – Percentagens dos conteúdos programáticos para o Centro Enológico. (Ilustração nossa, 2011)
1. Produção de vinho (adega) – 1200 m2:
- Espaços para elaboração (esmagamento, fermentação, estágio)
- Espaços para a investigação e controlo (laboratório)
2. Interpretação (exposição, formação, venda) – 400 m2:
- Sala de exposições
- Sala de conferências
- Sala de provas
- Loja
149
Ver apêndice B.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
141
A arquitectura na enologia
3. Lazer/Alojamento – 800 m2:
- 12 quartos
- Cafetaria+restaurante
- Espaços de lazer (spa/vinhoterapia/piscina/ginásio)
4. Gestão/Administração – 100 m2
5. Tratamento da envolvente:
- Estacionamento
- Acessos
- Percursos
- Espaços de relação interior-exterior
- Áreas de descanso/contemplação da paisagem
Numa primeira fase, as aulas, maioritariamente teóricas, basearam-se na análise do
espaço, como elemento fractário e da nossa percepção do mesmo, assente na
temática dos sentidos e sensações. A interpretação que fazemos do espaço e a
relação que estabelecemos com este, decomposta pela gradação de características
como por exemplo, ter um carácter mais público ou mais íntimo, ocupar uma maior ou
menor quantidade de área. E ainda, recorrendo ao espectro cromático para organizar
as funções dos espaços, associando o vermelho ao calor e ao carácter público, de
maior actividade e interacção em oposição do azul/violeta, relacionando-o com os
espaços íntimos e de maior introspecção (Ilustração 130). “Visto deste modo, o sítio
deverá ser entendido não como um conceito isolado, mas como elemento através do
qual se estabelecem determinados sistemas de relação com o homem.” (Hipólito,
2011, p. 63).
A percepção do mundo, que pressupõe a interpretação, estabelece-se ainda a partir
dos cinco sentidos (visão, audição, olfacto, paladar, tacto) e é um facto que o nosso
entendimento da realidade depende totalmente deles. Pallasmaa propõe-nos uma
“arquitectura sensorial” que interage com os sentidos, contrariando um entendimento
meramente visual da arquitectura. (Hipólito, 2011, p. 63)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
142
A arquitectura na enologia
Ilustração 130 – Esquemas de análise do espaço e programa. (Ilustração nossa, 2011)
O facto de intervirmos num meio rural introduz questões formais, sociais e territoriais.
A criação de uma infra-estrutura destas dimensões provoca uma pequena revolução
no carácter desta aldeia ao trazer visitantes e um consequente aumento de movimento
económico. Contudo uma das premissas passa por manter a identidade do local,
evitando transformar a Adega e respectivo programa num “parque temático vinícola”.
Em termos formais e de planeamento, os edifícios não deverão criar demasiado
impacto, integrando-se com a envolvente, tanto a edificada como a natural (Ilustração
131).
Os esquemas iniciais ilustram a intenção de implantar as zonas sociais próximas da
adega, facilitando a deslocação entre as duas. Efectivamente, as partes do programa
deverão complementar-se, no entanto faria sentido que o alojamento se situasse a
uma distância considerável da estrada principal, afastado da “zona vermelha”
(Ilustração 132). Esta localização, a Sul, permitia igualmente que o projecto gerasse
limites importantes em termos de relações (Ilustração 133). A Adega está num ponto
visível e de fácil acesso, junto à estrada principal, ao mesmo tempo que se vira para
as vinhas e restante paisagem, tendo ainda um lado que comunica com a aldeia.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
143
A arquitectura na enologia
Ilustração 131 – Referências, La Portera. (Ilustração nossa, 2011)
Ilustração 132 – Planta de identificação das partes do
programa. (Ilustração nossa, 2011)
Ilustração 133 – Planta com esquema de relações. (Ilustração
nossa, 2011)
Portanto, a Adega mantém a localização original, sendo que a intervenção consiste
apenas
em
algumas
alterações
no
preexistente,
enquanto
o
Alojamento+Spa+Restaurante ocupam alguns terrenos expropriados na zona Sudeste
da aldeia (Ilustração 134), intermediando-a com a paisagem vinícola. Esta área actua
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
144
A arquitectura na enologia
como um remate, tendo como limites duas vias secundárias, sendo que um lado se
vira para a paisagem e o outro funciona como acesso, sem bloquear os enfiamentos
visuais das ruas convergentes. Pois, citando o professor, “Os limites da aldeia são
miradouros”.
Ilustração 134 – Identificação das áreas de actuação.
(Ilustração nossa, 2012)
Na proposta de restauro para a Adega foi mantida a estrutura do edifício original, que
se dividia em dois pisos, tendo um terceiro exclusivamente para acesso aos depósitos,
sendo que a fachada principal e a entrada estão a uma cota e a fachada oposta a
outra mais baixa. O acesso principal fazia-se através do pátio do lado da estrada, junto
aos depósitos de inox de maior dimensão, pelo que se pretende criar um novo acesso
no lado oposto, junto às vinhas, destinado aos visitantes.
O percurso turístico na Adega inicia-se assim de baixo para cima. Uma rampa
atravessa o edifício junto à fachada, mantendo contacto visual com a paisagem e com
as zonas de produção (Ilustração 135). Sendo que o espaço ocupado pela maquinaria
do tratamento das uvas está cerca de 1 metro abaixo da cota do piso inferior. A
produção do vinho tira partido da diferença de cotas para seja usada a gravidade, logo
a recepção das uvas é feita no piso 1.
No piso superior os visitantes apenas têm acesso a uma zona que antecede a sala de
conferências, que proporciona a contemplação da paisagem vinícola graças ao grande
vão que funciona como fachada de vidro, enquanto do lado interior um outro vidro
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
145
A arquitectura na enologia
transforma este espaço numa espécie de mezanino que comunica com o a sala de
barricas (Ilustração 138). Este piso compreende os depósitos de betão, que foram
mantidos, e que são em simultâneo estruturais, as áreas administrativas e o
laboratório. Ainda neste piso, o acesso ao exterior é reservado aos funcionários, assim
como uma escada de acesso ao piso inferior (Ilustração 136).
De volta ao percurso do visitante, em que este é encaminhado novamente para baixo,
de modo a conhecer a parte posterior à produção, em que o vinho estagia nas barricas
de carvalho. O vinho envelhece igualmente em garrafas, dispostas num espaço que
resulta do aproveitamento da estrutura dos depósitos de betão, devido ao facto de não
ser necessário estarem a ser usados. O presente piso compreende ainda a loja,
instalações sanitárias, a sala de provas e uma copa de apoio, que comunica com a
circulação paralela, exclusiva dos funcionários (Ilustração 135).
No exterior, o acesso dos visitantes faz-se pelo lado da aldeia e inclui um parque de
estacionamento. O acesso dos funcionários e das cargas e descargas pode ser feito
igualmente através do lado da aldeia e no lado oposto, com comunicação directa às
vinhas (Ilustração 137).
Ilustração 135 – Planta piso 0 - Adega. (Ilustração nossa, 2012)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
146
A arquitectura na enologia
Ilustração 136 – Planta piso 1 - Adega. (Ilustração nossa, 2012)
Ilustração 137 – Planta cobertura - Adega. (Ilustração nossa, 2012)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
147
A arquitectura na enologia
Ilustração 138 – Secções - Adega. (Ilustração nossa, 2012)
A uma distância percorrível a pé, situa-se o Restaurante, um edifício de uma altura
apenas e que se desdobra em vários volumes, minimizando o impacto da área
construída. Recorremos às coberturas de uma água, procurando referências do
edificado da própria aldeia, de modo a que o volume se funda com a envolvente, ao
mesmo tempo que mantém uma posição marcada, de limite. Limite esse que
proporciona privacidade e vistas privilegiadas, considerando que não há mais
edificado, apenas paisagem.
Através de uma planta regular, o Restaurante dispõe de zonas distintas que
comunicam com o exterior de vários modos, criando diferentes ambientes. A entrada
faz-se através de um pátio, elemento comum aos edifícios de Lazer e Alojamento do
programa, que aqui se repete no interior. A luz entra através do pátio e dos vãos
voltados para o lado oposto à rua. A parte funcional do edifício, que ocupa uma área
considerável devido às exigências deste tipo de programa, utiliza uma outra ligação
directa ao exterior (Ilustração 139).
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
148
A arquitectura na enologia
Ilustração 139 – Planta - Restaurante. (Ilustração nossa, 2012)
Os conceitos de definição do Restaurante são comuns à do Spa, sendo que os dois
estão próximos em termos de localização. À semelhança do Restaurante, a entrada é
feita partindo de um pátio, seguido do átrio de recepção caracterizado pela
comunicação visual dada pela transparência, ao fundo para o exterior. Os três alçados
fechados transmitem o bloqueio que se estabelece com a rua, dando enfâse ao alçado
adjacente às vinhas. Este é um programa associado à tranquilidade e ao relaxamento,
pelo que as relações com o exterior não se querem em abundância.
As atenções estão focadas na piscina, interior de modo a poder ser usada durante
todo o ano, e instalada numa zona central, que beneficia das vistas mais directas para
a paisagem e permite o atravessamento da luz, para além do pátio interior que faz
igualmente a iluminação natural do espaço. Daí organizam-se salas de tratamento,
ginásio, sauna, balneários masculinos e femininos, e ainda um terraço e restante zona
de serviços e administração reservada aos funcionários (Ilustração 140).
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
149
A arquitectura na enologia
Ilustração 140 – Planta - Spa. (Ilustração nossa, 2012)
O Alojamento actua igualmente como remate da rua, evitando bloquear os
enfiamentos das ruas existentes. O Quarto tipo multiplica-se por doze, lado a lado e
com intervalos pontuais, para permitir a tal continuidade do preexistente. As
referências da arquitectura vernacular da aldeia estão igualmente presentes nos
elementos pátios/muros e ainda nas coberturas de uma água. Estes foram o ponto de
partida para a definição do alojamento. Uma das intenções prendeu-se com o facto de
querermos evitar o típico «hotel», daí a decisão de não compactar os Quartos num só
volume.
Destacado no extremo Norte da sequência dos Quartos encontra-se o volume
destinado às funções de recepção, administração e serviços de apoio (Ilustração 141).
A fachada enviesada funciona como um elemento diferenciador dos Quartos.
O Quarto tipo organiza-se numa planta rectangular e define-se a partir de três
coberturas de uma água e quatro pátios. O primeiro pátio coincide com a entrada, o
segundo estabelece a comunicação entre o exterior e a zona de dormir. Comunicação
essa que se bloqueia à rua e se torna vertical, proporcionando espaços de intimidade
absoluta (Ilustração 142). Tal como acontece com o pátio junto à instalação sanitária.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
150
A arquitectura na enologia
O último pátio é simultaneamente o terraço, dividido em duas zonas, uma mais
recuada e outra no limite, em maior contacto com a paisagem. O Quarto dispõe ainda
de uma zona de estar marcada pela lareira, ao centro, e uma pequena copa para
preparação de refeições.
Ilustração 141 – Planta - Recepção e Quartos. (Ilustração nossa, 2012)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
151
A arquitectura na enologia
Ilustração 142 – Planta, alçado e secção dos Quartos. (Ilustração nossa, 2012)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
152
A arquitectura na enologia
5. CONCLUSÃO
A presente investigação permitiu a compreensão de um universo industrial, que aporta
uma forte carga histórica e cultural. O vinho por si só já assume um protagonismo e
um conceito insubstituíveis, e deste modo, surge complementado pela arquitectura.
Por outro lado, a arquitectura complementa-se com o vinho, através de um conjunto de
espaços que se reinventam para além da função. Foi possível verificar que apesar das
condicionantes, de determinadas especificações ou da exigência das máquinas, o
edifício é passível de ser explorado a nível arquitectónico e de adquirir atmosferas
únicas, tendo igualmente em conta a percepção sensorial que está intrínseca.
Nomeadamente o espaço ocupado pelas barricas, que por tradição, detém um
imaginário próprio. A identidade cultural da cave, húmida e escura, é deste modo
renovada,
sem
deixar
de
ser
respeitada,
através
de
uma
caracterização
contemporânea.
O trabalho realizado pretendeu assim documentar esta transformação, relativamente
recente de um universo de tradições milenares, que se apoia nos princípios da
arquitectura actual. Contudo, verificamos que estas intervenções modernas apoiam-se
na reutilização de técnicas e materiais tradicionais, locais, sem recorrer somente à
tecnologia. Tal como em relação à actuação na paisagem, uma constante em todas as
obras, devido ao facto da produção de vinho ser indissociável do meio rural e agrícola.
De facto, introdução de um edifício deste tipo acontece sempre numa paisagem
plantada pelo homem (a vinha), a uma escala aproximada, que por sua vez está
inserida na paisagem natural, a uma escala mais afastada. O que nos permite concluir
que todos os projectos analisados ao longo da presente dissertação se baseiam na
integração com a paisagem, nomeadamente através do uso de materiais que dela se
extraem, como a pedra. No entanto verificamos que esta preocupação ganha maior
relevância nas obras localizadas em Portugal.
As obras estudadas, com o programa como elemento comum, revelam como o espaço
pode ser explorado, nas mais diversas formas, na relação mais ou menos directa com
a paisagem, enterrando o edifício numa encosta ou isolando-o numa planície. A
complexidade do programa e as condições dos espaços interiores obedecem a
rigorosas especificações, no entanto, para além do percurso da produção tem de se
ter em conta o percurso do visitante, curioso pelo processo do vinho. Deste modo, a
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
153
A arquitectura na enologia
arquitectura eleva a experiência, enriquecida pelas diferentes ambiências, dimensões
e características dos espaços.
Em suma, o espaço da produção de vinho, através da modernização, do turismo e da
arquitectura, deixa de estar unicamente associado a edifícios históricos ou a armazéns
industriais descaracterizados, conquistando uma nova definição.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
154
A arquitectura na enologia
REFERÊNCIAS
ALVAROSIZAVIEIRA.com (2014) - 1997 Serralves Museum of Contemporary Art. In
ALVAROSIZAVIEIRA.com – Álvaro Siza Vieira [Em linha]. Porto : Álvaro Siza Vieira.
[Consult.
30
Junho
2014].
Disponível
em
WWW:
<URL:
http://alvarosizavieira.com/1997-serralves-museum-of-contemporary-art>.
ANDRADE, Eugénio de (2014) - Casa de Álvaro Siza na Boa Nova. In ANDRADE.
Eugénio de - Escrita da terra - homenagens e outros epitáfios. Porto : Assírio & Alvim.
132.
ANTUNES, Alfredo da Mata [et al.] (1988) – Arquitectura Popular em Portugal : zona 1:
Minho, zona 2: Trás-os-Montes. 3.ª ed. Lisboa : Associação dos Arquitectos
Portugueses. Vol. 1.
ANTUNES, Alfredo da Mata [et al.] (1988) – Arquitectura Popular em Portugal : zona 3:
Beiras, zona 4, Estremadura. 3.ª ed. Lisboa : Associação dos Arquitectos Portugueses.
Vol. 2.
BAPTISTA, Luís Santiago (2008) – Materialidades Ambíguas. Arq./a : revista de
arquitectura e arte. 54 (Fev. 2008) 6-9.
BARBOSA, António Rosas Leitão (2006) – Adega da Quinta da Touriga. Arquitectura
Ibérica. Casal de Cambra. 13 (Março 2006) 64-79.
BASULTO, David (2010a) - AD Special : Herzog & de Meuron by Duccio Malagamba.
ArchDaily. (21 Apr 2010). [Consult. 07 Jun. 2014]. Disponível em WWW: <URL:
http://www.archdaily.com/?p=56905>.
BASULTO, David, ed. (2008) - Inapal Metal : Menos é mais. ArchDaily [Em linha]. (31
Out. 2008). [Consult. 02 Julho 2014]. Disponível em WWW: <URL:
http://www.archdaily.com/?p=7548>.
BASULTO, David, ed. (2009) - Ar de Rio Bar Esplanade : Guedes + DeCampos.
ArchDaily [Em linha]. (24 Mar. 2009). [Consult. 02 Julho 2014]. Disponível em WWW: <
URL: http://www.archdaily.com/?p=17292>.
BASULTO, David, ed. (2010b) - Casa da Torre Winery : Castanheira & Bastai
Arquitectos Associados. ArchDaily [Em linha]. (07 Apr 2010). [Consult. 02 Jun. 2014].
Disponível em WWW: <URL: http://www.archdaily.com/?p=55174>.
BASULTO, David, ed. (2010c) - Design + Wine exhibit at SFMOMA. ArchDaily [Em
linha]. (23 Nov 2010). [Consult. 20 Maio 2014]. Disponível em WWW: <URL:
http://www.archdaily.com/?p=90860>.
BASULTO, David, ed. (2012) - Gaia Ropeway Cablecar : Guedes + DeCampos.
ArchDaily [Em linha]. (13 Mar. 2012). [Consult. 02 Julho 2014]. Disponível em WWW:
<URL: http://www.archdaily.com/?p=215953>.
BETSKY, Aaron (1998) – Herzog & de Meuron : Dominus winery, Yountville, California.
Domus : Architecture Design Art Communication. 803 (Abr. 1998) 8-17.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
155
A arquitectura na enologia
CAMPOS, Francisco Vieira de (2013) – Quinta do Vallado – Hotel e Adega. In
CREMASCOLI, Roberto, coord. - (2013) – Porto Poetic. Tradução de Carla Correia.
Porto : Ordem dos Arquitectos – Secção Regional Norte. p. 92-95.
CAMPOS, Francisco Vieira de; GUEDES, Cristina (2009) – Menos é mais : «Fascinanos a relação da tecnologia com a nostalgia». [Entrevista realizada por] Luís Santiago
Baptista; Margarida Ventosa. Arq./a : revista de arquitectura e arte. 70 (Jun. 2009) 4249.
CARRAPA, Daniel (2007) – Silêncio. últimasmag [Em linha]. 01 (2007) 67-70. [Consult.
21
Maio
2014].
Disponível
em
WWW:
<URL:
http://ultimasreportagens.com/mag/mag.html>.
CASTANHEIRA & BASTAI ARQUITECTOS (2014) - Adega Casa Da Torre : Louro Vila Nova De Famalicão - Portugal - 2008-2009. In CASTANHEIRA & BASTAI
ARQUITECTOS - Castanheira & Bastai Arquitectos [Em linha]. Vila Nova de Gaia :
Castanheira & Bastai Arquitectos. [Consult. 26 Maio 2014]. Disponível em WWW:
<URL: http://www.carloscastanheira.pt/pt/arquitectura/projectos/adega-c-asa-da-torre>.
CASTANHEIRA, Carlos (2007) – Álvaro Siza : 22 projectos recentes. Vila Nova de
Gaia : Casadarquitectura.
COSTA, Alexandre Alves (2013) - A Arte Poética. CREMASCOLI, Roberto, coord.
(2013) – Porto Poetic. Tradução de Carla Correia. Porto : Ordem dos Arquitectos –
Secção Regional Norte. p. 214-216.
CREMASCOLI, Roberto, coord. (2013) – Porto Poetic. Tradução de Carla Correia.
Porto : Ordem dos Arquitectos – Secção Regional Norte.
FAUVRELLE, Natália (1999) – Quintas do Douro : as arquitecturas do Vinho do Porto.
Porto : Universidade do Porto. Dissertação de Mestrado.
FRANZOIA, Elena (2002) - Herzog & De Meuron, Dominus Winery, California.
Floornature [Em linha]. (20 Agosto 2002). [Consult. 07 Junho 2014]. Disponível em
WWW:
<URL:
http://www.floornature.com/projects-commerce/project-herzog-demeuron-dominus-winery-california-4025/>.
GARCIAS, Pedro (2010) – A modernidade de um país do "Velho Mundo". Público [Em
linha]. (19 Dez 2010). [Consult. 19 Junho 2014]. Disponível em WWW: <URL:
http://www.publico.pt/destaque/jornal/a-modernidade-de-um-pais-do-velho-mundo20858853>.
GRANDE, Nuno (2007) – Esfinge Mayor. últimasmag [Em linha]. 01 (2007) 12-19.
[Consult.
21
Maio
2014].
Disponível
em
WWW:
<URL:
http://ultimasreportagens.com/mag/mag.html>.
GUEDES + DECAMPOS (2011) – Teleférico de Gaia, Porto. Arq./a : revista de
arquitectura e arte [Em linha]. [Consult. 12 Julho 2014]. Disponível em WWW: <URL:
http://www.revarqa.pt/content/1/897/teleferico-gaia-porto/>.
GUEDES + DECAMPOS (2012) – Remodelação e ampliação da Adega Quinta do
Vallado, Peso da Régua. Arq./a : revista de arquitectura e arte. 101 (Mar./Abr. 2012)
60-69.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
156
A arquitectura na enologia
HERZOG & DE MEURON (1993) - Continuidades : Entrevista con Herzog & de
Meuron. [Entrevistado por] Alejandro Zaera. El Croquis. Madrid. 60 (1993) 6-23.
HERZOG & DE MEURON (1997) – Bodegas Dominus en Napa Valley. El Croquis.
Madrid. 84 (1997) 182-191.
HERZOG & DE MEURON (2014) – CaixaForum Madrid. In HERZOG & DE MEURON Herzog & de Meuron [Em linha]. Basel : Herzog & de Meuron. [Consult. 16 Julho
2014].
Disponível
em
WWW:
<URL:http://www.herzogdemeuron.com/index/projects/complete-works/201-225/201caixaforum-madrid.html>.
HERZOG, Jacques (1995) - Conversa entre João Simões, Jorge Santos e Jacques
Herzog em Basileia. [Entrevistado por] João Simões e Jorge Santos. Jornal dos
Arquitectos. 150 (1995) 09-21.
HERZOG, Jacques (1997) – Una conversación con Jacques Herzog. [Entrevistado por]
Jeffrey Kipnis. El Croquis. Madrid. 84 (1997) 7-21.
HERZOG, Jacques (2001) – El ideario de Monticello. Arquitectura Viva. Madrid. 77
(2001) 74-75.
HIGINO, Nuno (2007) – Um ressalto na corrente. CASTANHEIRA, Carlos (2007) Álvaro Siza : 22 projectos recentes. Vila Nova de Gaia : Casadarquitectura. p. 313.
HIPÓLITO, Fernando (2011) – Sítio, Projecto e Arquitectura. Cascais : True Team.
KING, Victoria (2012) - Quinta do Vallado Winery : Francisco Vieira de Campos.
ArchDaily [Em linha]. (07 Feb 2012). [Consult. 31 Março 2014]. Disponível em WWW:
<URL:
http://www.archdaily.com/205005/quinta-do-vallado-winary-guedesdecampos/>.
LEITE, José (2012) - José Maria da Fonseca. In LEITE, José - Restos de colecção
[Em linha]. [S.l.] : José Leite. [Consult. 01 Julho 2014]. Disponível em WWW: <URL :
http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2012/09/vinhos-jose-maria-da-fonseca.html>.
LOOS, Ted (2010) - “Lots of Wine, but None to Drink”. The New York Times [Em linha].
(02 Dec 2010). [Consult. 19 Março 2014]. Disponível em WWW: <URL:
http://www.nytimes.com/2010/12/05/arts/design/05wine.html>.
MACK, Gerhard (1996) – Herzog & de Meuron : 1989-1991 : the complete works.
Tradução para inglês de Ingrid Taylor. Basel : Birkhauser, cop. Vol. 2.
MARGARIDO, Raquel Joana Freitas Gírio (2009) – Adegas contemporâneas : um
novo discurso na arquitectura vernacular ou o boom do eno-arquitecturismo? [Em
linha]. Coimbra : Universidade de Coimbra. Dissertação de Mestrado. [Consult. 11
Abril
2014].
Disponível
em
WWW:
<URL:
https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/11738>.
MARQUÉS DE RISCAL (2011) - Marqués de Riscal.com [Em linha]. Álava : Marqués
de Riscal. [Consult. 08 Maio 2014]. Disponível em WWW: <URL :
http://www.marquesderiscal.com/seccion_menueng.php?a=43&tipo=N&id=22>.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
157
A arquitectura na enologia
MATELLANES LAZO, Mónica (2007) – Gestión del Enoturismo en la D.O. Ribera del
Duero de España. [Em linha]. Valladolid : Universidad de Valladolid. Tese de
Doutoramento. [Consult. 15 Abril 2013]. Disponível em WWW: <URL:
http://uvadoc.uva.es/handle/10324/122>.
MATOS, Madalena Cunha (1994) – Inquirição a um projecto : A Escola Superior de
Educação de Setúbal. TRIGUEIROS, Luiz, ed. (1995) - Álvaro Siza : 1986-1995.
Lisboa : Editorial Blau. p. 9-24.
MATTHEWS, Kevin (2007) – Dominus in Depth. Architecture Week [Em linha]. (20 Jun
2007).
[Consult.
27
Maio
2014].
Disponível
em
WWW:
<URL:
http://www.architectureweek.com/2007/0620/design_1-1.html>.
MENOS É MAIS ARQUITECTOS ASSOCIADOS (2009a) - Esplanada "Ar de Rio", Vila
Nova de Gaia. Arq./a : revista de arquitectura e arte [Em linha]. [Consult. 12 Julho
2014]. Disponível em WWW: <URL: http://www.revarqa.pt/content/1/274/esplanadario-vila-nova-gaia/>.
MENOS É MAIS ARQUITECTOS ASSOCIADOS (2009b) - Unidade Industrial da
Inapal Metal Autoeuropa, Palmela. Arq./a : revista de arquitectura e arte [Em linha].
[Consult.
08
Julho
2014].
Disponível
em
WWW:
<URL:
http://www.revarqa.pt/content/1/275/unidade-industrial-inapal-metal-autoeuropapalmela/>.
MENOS É MAIS ARQUITECTOS ASSOCIADOS (2014) – Menos é mais [Em linha].
Porto: Menos é mais. [Consult. 30 Junho 2014]. Disponível em WWW: <URL:
http://www.menosemais.com/pt_index.html>.
MONEO, Rafael (2004) – Inquietud teórica y estrategia proyectual en la obra de ocho
arquitectos contemporáneos. Barcelona : Actar.
MONTEIRO, Manuel – As instalações da Real Companhia Vinícola, segundo Manuel
Monteiro, em 1910. In SOUSA, Fernando de (2005) - O Património Cultural da Real
Companhia Velha. Porto : Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia. p. 145-148.
MOREIRA, Fernando Diniz (2008a) – As caixas decoradas. Arq./a : revista de
arquitectura e arte. 54 (Fev. 2008) 56-61.
MOUTINHO, Mário (1995) – A Arquitectura Popular Portuguesa. 3.ª ed. Lisboa :
Editorial Estampa.
ORDEM DOS ARQUITECTOS (2010) - Álvaro Siza : obra, vontades e desenhos.
Abrantes : Núcleo do Médio Tejo da Ordem dos Arquitectos.
PATRÍCIO, Laura (2010) – A nova adega. Arquitectura & Construção. 61 (Jun. 2010)
110-115.
PEREIRA, Maria da Conceição Freire de Brito (2007) – Acção e Património da Junta
Nacional do Vinho (1937-1986). [Em linha] Lisboa : Universidade Aberta. Dissertação
de Mestrado. [Consult. 03 Jan 2014]. Disponível em WWW: <URL:
https://www.repository.utl.pt/handle/10400.5/5851>.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
158
A arquitectura na enologia
PORTUGAL. Ministério da Agricultura e do Mar. Instituto da Vinha e do Vinho (2014) –
Instituto da Vinha e do Vinho, I.P. [Em linha]. Lisboa : IVV. [Consult. 30 Jan. 2014].
Disponível em WWW: <URL: http://www.ivv.min-agricultura.pt/np4/home.html>.
PORTUGAL. Ministério da Economia. Turismo de Portugal (2014) – Turismo de
Portugal, I.P. [Em linha]. Lisboa : Turismo de Portugal. Consult. 20 Março 2014].
Disponível
em
WWW:
<URL:
http://www.turismodeportugal.pt/Portugu%C3%AAs/AreasAtividade/desenvolvimentoei
novacao/ReuniaoTecnicaEnoturismo/CataEuropeiadoEnoturismo/Anexos/Carta%20Eu
ropeia%20Enoturismo.pdf>.
ROGERS STIRK HARBOUR + PARTNERS (2014) - Protos Winery. In ROGERS
STIRK HARBOUR + PARTNERS - Rogers Stirk Harbour + Partners [Em linha]. London
: RSHPP. [Consult. 08 Mai. 2014]. Disponível em WWW: <URL:
http://www.richardrogers.co.uk/work/all_projects/bodegas_protos/completed>.
ROGERS, Richard ; Alonso y Balaguer (2014) - Bodegas Protos : Richard Rogers +
Alonso y Balaguer. ArchDaily [Em linha]. (29 Apr 2014). [Consult. 08 Maio 2014].
Disponível em WWW: <URL: http://www.archdaily.com/500502/bodegas-protosrichard-rogers-alonso-y-balaguer/>.
SERRA, Maria do Rosário Alves (2013) – Eno arquitectura : adegas contemporâneas.
[Em linha] Lisboa : Universidade Técnica de Lisboa. Dissertação de Mestrado.
[Consult.
06
Março
2014].
Disponível
em
WWW:
<URL:
https://www.repository.utl.pt/handle/10400.5/5851>.
SILVA, Rita Ferreira Machado da (2012) – O fabrico do vinho como acto de criação :
Melgaço na Rota do Enoturismo. [Em linha] Porto : Universidade Lusíada do Porto.
Dissertação de Mestrado. [Consult. 29 Jan 2014]. Disponível em WWW: <URL:
http://repositorio.ulusiada.pt/handle/11067/589>.
SOGRAPE VINHOS (2014) – Sogrape Vinhos [Em linha]. Avintes : Sogrape Vinhos.
[Consult.
06
Maio
2014].
Disponível
em
WWW:
<URL:
http://www.sograpevinhos.com/sogrape/historia>.
SPILUTTINI, Margherita (2008) – Herzog & de Meuron. Arq./a : revista de arquitectura
e arte. 54 (Fev. 2008) 62-73.
SVEIVEN, Megan (2011) – Santa Maria Church de Canavezes : Álvaro Siza. ArchDaily
[Em linha]. (16 Feb 2011). [Consult. 25 Junho 2014]. Disponível em WWW: <URL:
http://www.archdaily.com/?p=112535>.
TÁVORA, Fernando (2006) – Da organização do espaço. 6.ª ed. Porto : FAUP
Publicações.
TRIGUEIROS, Luiz, ed. (1995) - Álvaro Siza : 1986-1995. Lisboa : Editorial Blau.
VALSASSINA, Frederico (2011) – Adega HO. Archi News. 22 (Out.-Dez. 2011) 120125.
VALSASSINA, Frederico (2014). Adega HO. In FREDERICO VALSASSINA
ARQUITECTOS - Frederico Valsassina Arquitectos [Em linha]. Lisboa : FVA. [Consult.
21 Maio 2014]. Disponível em WWW: <URL: http://www.fvarq.com/>.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
159
A arquitectura na enologia
VIEIRA, Álvaro Siza (2005) – Adega Mayor, Campo Maior, Portugal (2003-2006). In
CASTANHEIRA, Carlos (2007) – Álvaro Siza : 22 projectos recentes. Vila Nova de
Gaia : Casadarquitectura. p. 312.
VIEIRA, Álvaro Siza (2007) – El sentido de las cosas: una conversación con Álvaro
Siza. [Entrevistado por] Juan Domingo Santos. El Croquis. Madrid. 140 (2008) 6–59.
VIEIRA, Álvaro Siza (2008a) - Bodegas ‘Adega Mayor’. El Croquis. Madrid. 140 (2008)
228-243.
VIEIRA, Pedro (2008b) – Álvaro Siza : Adega Mayor. Yearbook 07’08: arquitectura em
Portugal. Lisboa. (2008) 66-71.
WEBB, Michael (2005) - Adventurous wine architecture. Mulgrave: Images Publishing.
WOSCHEK, Heinz-Gert ; DUHME, Denis; FRIEDERICHS, Katrin (2012) - Wine and
Architecture. Munique : Edition Detail.
ZAERA, Alejandro (1993) – Herzog & de Meuron : Entre el rostro y el paisaje. El
Croquis. Madrid. 60 (1993) 24-37.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
160
A arquitectura na enologia
BIBLIOGRAFIA
ADEGA MAYOR (2014) – Adega Mayor. [Em linha]. Campo Maior : Adega Mayor.
[Consult. 14 Maio 2014]. Disponível em WWW: <URL: http://www.adegamayor.pt/aterra/vindima/>.
ANDRADE, Sérgio C. (2007) – A moda das adegas desenhadas por arquitectos
famosos. Público [Em linha]. (15 Junho 2007). [Consult. 18 Março 2014]. Disponível
em WWW: <URL: http://www.publico.pt/temas/jornal/a-moda-das-adegas-desenhadas-por-arquitectos-famosos-218728>.
COMISSÃO DE COORDENAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL DO NORTE
(2014) – Douro : Estrutura de missão. IN Comissão De Coordenação E
Desenvolvimento Regional Do Norte [Em linha]. Porto : CCDRN. [Consult. 06 Maio
2014]. Disponível em WWW: <URL: http://www.ccdr-n.pt/pt/regiao-do-norte/estruturade-missao-do-douro/premio-de-arquitetura-do-douro/>.
FALCÃO, Rui (2012) – Fugas : cadernos do Vinho : Alentejo. Maia : Público. V. 1.
FALCÃO, Rui (2012) – Fugas : cadernos do Vinho : Douro. Maia : Público. V. 4.
HERZOG & DE MEURON (2014) – Dominus Winery. In HERZOG & DE MEURON Herzog & de Meuron [Em linha]. Basel : Herzog & de Meuron. [Consult. 08 Fevereiro
2014].
Disponível
em
WWW:
<URL:
https://www.herzogdemeuron.com/index/projects/complete-works/126-150/137dominus-winery.html>.
INFOVINI (2009) - Infovini : o portal do vinho português [Em linha]. Porto : Infovini.
[Consult.
08
Abril
2014].
Disponível
em
WWW:
<URL:
http://www.infovini.com/pagina.php?codNode=18100>.
JOSÉ MARIA DA FONSECA (2014) - José Maria Da Fonseca. [Em linha]. Setúbal :
José Maria Da Fonseca. [Consult. 09 Maio 2014]. Disponível em WWW: < URL:
http://www.jmf.pt/index.php?id=95>.
MOREIRA, José Augusto (2008b) - Quinta do Vallado a adega que promete tornar-se
num dos símbolos do novo Douro. Público [Em linha]. (30 Ago. 2008). [Consult. 08
Julho 2014]. Disponível em WWW: <URL: http://www.publico.pt/temas/jornal/quinta-dovallado-a-adega-que-promete-tornarse-num-dos-simbolos-do-novo-douro-17675022>.
PINTO, Eduardo (2007) - Adega da Quinta da Touriga tem a melhor arquitectura do
Douro. Jornal de Notícias. [Em linha]. (21 Janeiro 2007). [Consult. 06 Maio 2014].
Disponível
em
WWW:
<URL:
http://www.jn.pt/PaginaInicial/Interior.aspx?content_id=685534&page=-1>.
PORTO EDITORA (2014) - Vinho. In PORTO EDITORA – Infopédia : enciclopédia e
dicionários Porto Editora [Em linha]. Porto : Porto Editora. [Consult. 13 Maio 2014].
Disponível em WWW: <URL: http://www.infopedia.pt/$vinho,2>.
PORTUGAL. Ministério da Agricultura e do Mar. Instituto dos Vinhos do Douro e Porto
(2014) – Instituto dos Vinhos do Douro e Porto. [Em linha]. Porto : IVDP. [Consult. 03
Abril 2014]. Disponível em WWW: <URL: http://www.ivdp.pt/>.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
161
A arquitectura na enologia
SALVADOR, José António (2012) – Siza Vieira, a bienal de Veneza e Baco. Visão.
[Em linha]. (30 de Agosto de 2012). [Consult. 24 Junho 2014]. Disponível em WWW:
<URL: http://visao.sapo.pt/siza-vieira-a-bienal-de-veneza-e-baco=f683363>.
SAN FRANCISCO MUSEUM OF MODERN ART (2014) - San Francisco Museum of
Modern Art [Em linha]. California : SFMOMA. [Consult. 19 Março 2014]. Disponível em
WWW:
<URL:
http://www.sfmoma.org/about/press/press_exhibitions/releases/829#ixzz2t2CVxILS>.
SANTIAGO CALATRAVA (2014). Santiago Calatrava [Em linha]. Zurique : Santiago
Calatrava.
[Consult.
06
Maio
2014].
Disponível
em
WWW:
<URL:
http://www.calatrava.com/#/Biography/Projects?mode=english>.
THE HYATT FOUNDATION (2014) - The Pritzker Architecture Prize [Em linha]. Madrid
: The Hyatt Foundation. [Consult. 18 Junho 2014]. Disponível em WWW: <URL:
http://www.pritzkerprize.com/>.
VINHOS DO ALENTEJO (2011). Vinhos do Alentejo [Em linha]. Évora : Vinhos do
Alentejo.
[Consult.
14
Maio
2014].
Disponível
em
WWW:
<URL:
http://www.vinhosdoalentejo.pt/detalhe_conteudo.php?id=16>.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
162
APÊNDICES
A arquitectura na enologia
LISTA DE APÊNDICES
Apêndice A -
Tabela de sistematização das obras referenciadas.
Apêndice B - Sistematização da análise do lugar – Centro Enológico.
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
165
A arquitectura na enologia
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
166
APÊNDICE A
Tabela de sistematização das obras referenciadas
A arquitectura na enologia
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
169
A arquitectura na enologia
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
170
APÊNDICE B
Sistematização da análise do lugar – Centro Enológico
A arquitectura na enologia
Ilustração 143 – Painel de sistematização da primeira análise do lugar. (Ilustração nossa, 2011)
Mariana dos Santos Ferreira Quaresma
173
Download

Enologia e arquitectura