Escolas públicas e democracia
Telma Gimenez
Britânicos e brasileiros se reuniram em Brasília nos dias 8, 9 e 10 de setembro, e em
Porto Alegre dias 13 e 14, em seminário organizado pelo Conselho Britânico, com o apoio
da Unesco e do Unicef, para discutir o importante tema dos direitos humanos e cidadania.
Esse evento possibilitou a troca de experiências de duas realidades distintas, porém
convergentes para a mesma direção: a relevância da educação para a cidadania. Os painéis
com especialistas e as oficinas realizadas com jovens e professores levaram a um amplo
debate sobre a necessidade de se incluir na escola experiências que possibilitem reflexão
sobre participação e democracia.
Dentre os principais pontos da discussão constam o reconhecimento de que
democracia é o processo vinculado não apenas a instituições políticas, mas inerente com as
relações que as pessoas estabelecem uma com as outras. A aceitação das diferenças, a
tolerância pela diversidade, a habilidade de “ouvir o outro” foram consideradas
fundamentais para esse processo.
No quadro de crescente descrédito na “política”, o fortalecimento da democracia
passa por iniciativas que promovam a participação e engajamento da sociedade civil. As
escolas, como instâncias educacionais, foram consideradas essenciais para criar nova
mentalidade sobre o papel dos cidadãos.
A representante da Citizenship Foundation, Jan Newton, trouxe relatos de como a
Inglaterra tem avançado nesse sentido, tornando compulsório, o ensino de cidadania na
faixa de 11 a 16 anos e recomendada de 5 a 11 anos. A fundação por ela dirigida se dedica
a criar matérias para uso nas escolas, visando tornar esse aprendizado menos enfadonho.
Dentre conceitos-chave trabalhados pelos professores, contam, por exemplo,
democracia, igualdade direitos humanos e responsabilidades.Uma das principais diretrizes
do programa é que esses conceitos precisam ser vinculados pelos alunos, não apenas
transmitidos pelos professores. Daí, a sugestão de que escolas promovam oportunidades
para que os alunos efetivamente experimentem habilidades, como trabalho cooperativo,
respeito e tolerância, à diversidade, preocupação com os direitos humanos e etc.
No Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais, distribuídos recentemente pelo
MEC têm como eixo central, permeando todas as disciplinas, a educação para cidadania,
propondo que a escola seja um lugar de convívio democrático. Em termos curriculares, isso
se daria de forma transversalizada, isto é, a disciplina daria tomariam os temas definidos
(por exemplo, ética, pluralidade, meio ambiente) para trabalhar seus respectivos conteúdos.
No mesmo sentido de fortalecimento da sociedade civil, tem sido proposta a
integração da escola com a comunidade. Essa integração se daria com o maior
envolvimento dos pais, professores, alunos, empresários, organizações não-governamentais,
enfim, todos que vêem a escola como um espaço de desenvolvimento de cidadãos críticos e
atuantes na sociedade.
Podemos encontrar ecos dessas sugestões também na experiência americana e,
especialmente na proposta de David Mathews, ex-reitor da Universidade de Alabama, exministro da Educação dos Estados Unidos e atual presidente da fundação Kettering. No
livro intitulado “Existe público para as escolas públicas”, cuja tradução será lançada no dia
28, pela Editora da UEL, ele propõe a melhoria das escolas públicas passa pela
reconstituição das comunidades. Embora as escolas públicas americanas tenham uma
trajetória histórica bastante diferente da brasileira, o argumento de que as escolas públicas
só se fortalecerão com o fortalecimento do público parece ser igualmente relevante para
nosso país. Naquela obra, público é entendido como grupo de pessoas com interesses
interconectados e que agem coletivamente para alcançar o bem comum.
Podemos ver nessa proposta o entrelaçamento de dois objetivos de suma
importância para o fortalecimento da sociedade civil: a melhoria das escolas públicas e o
maior envolvimento da comunidade com as questões que lhe dizem respeito, isto é, o
envolvimento da cidadania. Para alcance desses objetivos é sugerida a deliberação pública,
uma forma de diálogo para tomada de decisões, que se contrapõe ao debate, encoraja a
consideração de pontos de vista alternativos sobre a mesma questão, e pode levar à
tolerância e respeito pela diversidade.
A deliberação pode acontecer de modo organizado, em fóruns, oportunidade em que
as pessoas teriam as várias opções sobre decisões difíceis colocadas de modo que possam
compreendê-las e tomar decisões mais embasadas. A fim de auxiliar nesse processo são
elaborados guias de discussão a partir de estruturação do tema de acordo com as várias
perspectivas que podem estar a eles vinculadas. Assuntos como a melhoria do ensino
público, a questão da violência nas escolas, o próprio respeito aos direitos humanos são
apenas alguns exemplos de temas que podiam ser assim estruturados.
No momento em que se agregava o quadro de exclusão social, nosso país precisa,
mais do que nunca, ter alternativas para a apatia geral com relação à política, se reverta em
participação mais efetiva, que conduza a ações coletivas, inclusive as públicas. A
experiência de países com longa história de vida democrática pode nos ajudar a pensar
como implementá-las.
FOLHA DE LONDRINA, 24 de setembro de 1999
Download

Escolas públicas e democracia – 1999