Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 CURRÍCULO DE CIÊNCIAS: INVESTIGANDO SENTIDOS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL PRODUZIDOS NO ESPAÇO ESCOLAR Cecília Santos de Oliveira (Faculdade de Educação/UFRJ) 1 André Vitor Fernandes dos Santos (Faculdade de Educação/UFRJ e Inep) 2 Marcia Serra Ferreira (Faculdade de Educação/UFRJ – CNPq e FAPERJ)3 Resumo: O trabalho investiga os sentidos de Educação Ambiental produzidos no contexto escolar, a partir da análise de publicações em encontros dedicados ao ensino de Biologia. Em uma abordagem discursiva, assumimos que tais sentidos legitimam os enunciados sobre o que é e o que não é que essa Educação Ambiental escolar, em uma articulação que associa criticidade e cidadania. Tais enunciados assumem particular importância na formação discursiva da Educação Ambiental e se articulam a enunciados de outras formações discursivas, como a das finalidades sociais da educação. Defendemos que um entendimento de tais regularidades propicia análises diferenciadas, que desacreditam de fixações essencializadas e investem em uma compreensão das relações entre saber e poder que constituem o social. Palavras- chaves: Currículo de Ciências; Educação Ambiental; Cidadania. Introdução Este trabalho tem como objetivo investigar os sentidos de Educação Ambiental que são produzidos no contexto escolar, a partir da análise de publicações acadêmicas veiculadas em encontros dedicados ao ensino de Biologia. Especificamente, interessa-nos perceber que a inserção da Educação Ambiental no ambiente escolar traz consigo alguns discursos, que envolvem tanto teorizações e definições do campo acadêmico da Educação Ambiental, de políticas curriculares 4 e de legislações relativas ao tema 5, as quais regulam (no sentido de que 1 Professora da Educação Básica da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2 Aluno de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ e Pesquisador-tecnologista em Informações e Avaliações Educacionais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). 3 Professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ, coordena o ‘Grupo de Estudos em História do Currículo’, no âmbito do Núcleo de Estudos de Currículo (NEC/UFRJ). É bolsista de produtividade (PQ2) do CNPq e jovem cientista do estado do Rio de Janeiro (JCNE/FAPERJ). 4 Refirimo-nos à BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais – temas Transversais: meio Ambiente. Secretaria de Educação Fundamental, Brasília: MEC/SEF, 1998, p.167-242. 5 Refirimo-nos à BRASIL. Política Nacional de Educação Ambiental. Lei Nº 9795, de 27 de abril de 1999. 1264 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 criam regras para) as práticas docentes. Consideramos que tais discursos são ressignificados na escola e são notadamente produtores de sentidos que ora dialogam com os sentidos inerentes ao ensino/aprendizagem e as finalidades do próprio processo educativo de uma forma mais ampla, ora dialogam com as questões curriculares, estabelecendo conexões, análises e por vezes julgamentos da própria prática escolar. O movimento de análise aqui proposto se insere no âmbito dos estudos mais amplos desenvolvidos pelo Grupo de Estudos em História do Currículo, que compõe o Núcleo de Estudos de Currículo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NEC/UFRJ). Neste, temos desenvolvido um conjunto de pesquisas que se dedicam a investigar a história de diferentes currículos e disciplinas científicas, acadêmicas e escolares, bem como a formação de professores e as políticas curriculares. Para isso, temos diversificado nossos olhares teóricometodológicos na intenção de elaborarmos uma compreensão sobre como, em diferentes campos, têm sido construídos regimes de verdade que legitimam determinados conhecimentos em detrimento de outros. Nesse sentido, um conjunto de pesquisas tem se dedicado a perceber a inserção da Educação Ambiental no espaço escolar, tanto no que diz respeito às discussões sobre o conhecimento escolar (ARARUNA, 2009; OLIVEIRA, 2009), como no que se refere à constituição de disciplinas específicas que abordem a questão (SANTOS, 2010). Mais recentemente, temos investido em uma abordagem discursiva para a História do Currículo e das Disciplinas (FERREIRA, 2013, 2014, no prelo), em um movimento que aproxima autores do campo do Currículo (MOREIRA & SILVA, 2006), especialmente aqueles que se dedicam à História das Disciplinas Escolares (GOODSON, 1995 e 1997; FERREIRA, 2005 e 2007), de produções que, no diálogo com Michel Foucault, defendem uma abordagem social do discurso (POPKEWITZ, 1994; FISCHER, 2012; SOMMER, 2008; VEIGA-NETO, 2003). Partindo do entendimento do currículo como fruto de lutas e de conflitos que objetivam valorizar determinados conhecimentos em detrimento de outros (GOODSON, 1995; FERREIRA, 2005 e 2007), defendemos que ele deve ser analisado em sua constituição histórica, ou seja, percebendo-o imbricado em uma série de relações de poder no interior da escola e da sociedade. Afinal: O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares. O currículo não é um elemento transcendente e atemporal – ele 1265 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação (MOREIRA & SILVA, 2006, p. 8). Em perspectiva semelhante, Goodson (1997), em seus estudos curriculares, adota a ideia de construção social, apontando que o currículo é desprovido de neutralidade e possuindo condicionantes epistemológicos, mas também políticos, sociais, econômicos, éticos e estéticos, refletindo as diversas relações de poder existentes. A partir desse profícuo olhar para o currículo mas, em certa medida, nos deslocando dessa visão construcionista (GOODSON, 1995), estamos apostando no entendimento do currículo como prática discursiva, produtora de sentidos diversos, compreendendo a não existência de explicações unívocas, de fáceis interpretações e que igualmente produzem um único sentido para as coisas. O que significa entender que o currículo, como uma produção discursiva, constitui visões preeminentes, ainda que contingentes, acerca de quem somos e dos lugares sociais que ocupamos (MATOS, 2013). Neste sentido, atua como uma prática de significação, não existindo estruturas anteriores ao discurso capazes de fixá-lo de forma definitiva e permanente. Assim, baseados em estudos de Foucault (2010) assumimos, que é importante a relativização dos sistemas/discursos totalizantes que têm a pretensão de estabelecer modelos explicativos globais sobre o funcionamento da sociedade (FOUCAULT, 2010). De igual modo, com base nestes referenciais, percebemos ser produtiva a percepção da Educação Ambiental realizada nos espaços escolares de forma contingente, dotada de significados e ressignificações que dialogam com as tradições curriculares e que vem, ao longo dos anos, definindo um par binário o que é e o que não é Educação Ambiental, formação do cidadão crítico, papel dos professores, ou seja, que vem nos dizendo o que se deve ser para estar na ordem do discurso. E, ainda, que regulam as ações dentro da escola. Analisando as produções de Educação Ambiental no ensino de Biologia Nesta seção, estamos interessados em perceber os sentidos produzidos de Educação Ambiental e cidadania nas produções no ensino de Biologia. Para isso, valemo-nos de um levantamento de publicações nos Anais das duas primeiras edições do Encontro Nacional de Ensino de Biologia (ENEBIO), realizados em 2005 e 2007 6, e em duas edições da Revista de Ensino de Biologia da Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBEnBio), que 6 Referimo-nos aos seguintes documentos: AYRES et al., 2005; SELLES et al., 2007; SELLES et al., 2010; e, BARZANO et al., 2012. 1266 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 trouxeram os trabalhos apresentados nos ENEBIOs ocorridos nos anos de 2010 e 2012. Nossa opção por estes encontros é justificada uma vez que os entendemos como espaços consolidados para o diálogo, para a pluralidade de ideias e troca de experiências entre professores e alunos dos diversos níveis de ensino, e como forma de aproximação entre as instituições de ensino superior e as escolas básicas. É possível, então, percebê-los como significativos do ponto de vista da produção e circulação de sentidos que se pretendem hegemônicos na área, sendo frequentado por pesquisadores, licenciandos e professores da Educação Básica (OLIVEIRA, 2009; FERREIRA no prelo). Nos eventos em questão, foram publicados um total de 1.249 trabalhos, dentre os quais buscamos aqueles que faziam referência em seus títulos à Educação Ambiental. Inicialmente, foram selecionadas 58 produções, o que representa 4,64% do total de trabalhos publicados. Refinando ainda mais a busca, a partir da leitura de cada texto, foram selecionados aqueles que descrevem trabalhos desenvolvidos exclusivamente no contexto escolar, sejam eles: o desenvolvimento de projetos escolares; a produção de materiais didáticos e usos dos mesmos; atividades de pesquisa com alunos e professores da Educação Básica realizadas em suas escolas, entendendo-as também como produtoras de sentidos. Com isso, retiramos de nossas análise os trabalhos que se tratavam de pesquisas realizadas fora do espaço escolar e na formação inicial de professores; retiramos, também, ações realizadas nessa mesma formação, assim como aquelas desenvolvidas em contextos de educação não-formal. Assim, dos 58 trabalhos, selecionamos e analisamos um total de 38 produções, representando 3,04% do total da publicações em todos os encontros. Esse montante remete a 65,51% das produções que se intitulavam de Educação Ambiental, o que nos parece significativo, uma vez que tais produções apontam para uma necessidade e urgência de se trabalhar a referida temática na escola, associando-a com a finalidade do espaço escolar no processo educativo, já que “a escola deverá trabalhar a formação de valores dos alunos” (TORQUEMADA et. al., 2007). Tomando como base os trabalhos analisados, podemos tecer algumas considerações preliminares, mas importantes no que diz respeito à caracterização das produções que se dedicam à temática. Aproveitamos, então, para trazer, nesta seção, trechos das produções que nos ajudam a perceber alguns sentidos que circulam na escola. A primeira análise possível de ser realizada está relacionada ao fato de que, sob ‘lentes teóricas diversas’, e, principalmente, baseados em pesquisas do próprio campo da Educação Ambiental (GUIMARÃES, 2004; LOUREIRO, 2006, REIGOTA, 1994), os autores dos trabalhos evidenciam uma necessidade de definir e categorizar a Educação Ambiental que se pretende desenvolver na escola, deixando explícita a sua visão da mesma e ainda, de certa forma, regulando e criticando 1267 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 visões antagônicas e que são consideradas simplistas, tais como: A Educação Ambiental é definida como processo que busca desenvolver uma população que seja consciente e preocupada com o meio ambiente e com os problemas que lhe são associados, e que tenha conhecimentos, habilidades, atitudes, motivações e compromissos para trabalhar individual e coletivamente na busca de soluções para os problemas existentes e para a prevenção dos novos. Para isto, as atividades didáticas que discutem temas relacionados à preservação ambiental são ferramentas importantes para o desenvolvimento de soluções dos problemas ambientais e para a consolidação de conceitos ambientalmente corretos (REZENDE & LIMA, 2007 , p. 2-3). A Educação Ambiental emancipatória pretende ampliar os espaços de liberdade de indivíduos e grupos que dela participam, transformando as situações de dominação e sujeição as que estão submetidos através da cidadania. Ou seja, a tomada de consciência de seu lugar no mundo, de seus direitos e de seu potencial para interferir nas relações que estabelece consigo, com os outros em sociedade e com o ambiente no qual está inserido (NASCIMENTO et al., 2010, p. 387). A educação ambiental surge como um método que pode ajudar na concretização do papel da escola, possibilitando caminhar tanto pelo conhecimento científico como também, pelas representações sociais dos indivíduos. (...) A educação ambiental é legalmente amparada no Brasil através da Lei 9.795 de abril e 1999 em espaços educacionais formais e sua abordagem não deve ser reduzida à preservação e conservação dos recursos naturais (GOUVÊA, 2006), mas sim transitar no complexo caminho dos conhecimentos políticos, éticos, econômicos, culturais, entre outros (SALES & ROSA, 2010, p. 767). [A EA] não deve ser baseada somente na sensibilização acerca dos problemas ambientais, porém deve-se pautar na ação ambiental, fazendo com que a melhoria da qualidade de vida seja meta primordial (PEREIRA et al., 2010, p. 3478). 1268 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 [a EA] como abordagem transformadora e emancipatória, não conteudista, não centrada na transmissão de informações sobre meio ambiente, não normativa, isto é, aquela que procura ditar regras de comportamentos a serem seguidos (SILVA, 2010, p. 1125). A EA crítica se apresenta como ‘uma leitura de mundo’ mais complexa e instrumentalizada para uma intervenção que contribua no processo de transformação da realidade sócio ambiental que é complexa (GUIMARÃES, 2004 apud ALMEIDA & OLIVEIRA, 2012, p. 6). Tais trechos nos ajudam a compreender que, ainda que tais discursos sejam produzidos por movimentos externos à escola, eles penetram na mesma e nela são recontextualizados e ressignificados. Ao evidenciá-los nas produções levantadas, notamos, no entanto, a inscrição desses discursos recontextualizados e ressignificados em certas regularidades que informam o que devem ser e o que se espera das ações escolares de Educação Ambiental. Em seus textos, os autores evidenciam “a necessidade” de a Educação Ambiental ser crítica, emancipatória e política, que possibilite uma leitura do mundo transformadora, que busque uma solução para os problemas existentes, que favoreça o exercício da cidadania e que concretize o papel da escola. Nos parece, assim, haver uma conexão entre o desenvolvimento da Educação Ambiental com as finalidades específicas do processo educativo, uma vez que a sua inserção na escola é vista como um instrumento para se alcançar uma “educação efetiva”, já que assume-se ser papel da escola “a inclusão em seu currículo, [de] assuntos relevantes para a formação de um cidadão esclarecido sobre o que o cerca e capaz de tomar suas decisões, assim como desempenhar sua função social e econômica de forma condizente com a época em que vive (PEREIRA, 1997 apud REZENDE & LIMA, 2007, grifos nossos)”. Salientamos, no entanto, que, se os textos analisados nos permitem verificar os sentidos produzidos sobre o que é a Educação Ambiental, de modo semelhante, eles também nos possibilitam perceber os sentidos produzidos por discursos que são antagônicos a estes, falando-nos sobre o que ela não é. Isso evidencia o que, para os autores, estaria interditado na Educação Ambiental que é produzida no espaço escolar, indicando-nos as articulações discursivas que vêm sendo elaboradas em torno da fixação de sentidos sobre o tema. Um exemplo de enunciado que coloca, simultaneamente, o que é e o que não é essa Educação Ambiental pode ser visto nos fragmentos de texto a seguir: 1269 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 O desafio que se coloca é formular uma EA que seja crítica e inovadora (...) [ela] não pode ser abordada com simplismo, sob a pena de uma abordagem beirando o senso comum (SEGOVIA et. al., 2012, p. 6-7). A simples percepção e sensibilização para a problemática ambiental não expressa o aumento de consciência ambiental, para ser ecológica, precisa ser crítica (LOUREIRO, 2000 apud TORQUEMADA et al., 2007, p. 2). Nos textos analisados, o discurso da criticidade parece regular a Educação Ambiental que é produzida no espaço escolar, criando regras por meio das quais o discurso é construído. É por meio da criticidade, por exemplo, que a cidadania se associa ao discurso da Educação Ambiental. Ambos os termos aparecem na maioria dos textos analisados, fornecendo-nos indícios de que, no desenvolvimento dessa Educação Ambiental, há uma contínua relação entre a formação crítica e o exercício da cidadania, com a escola sendo vista com uma importante função na articulação de ambos os aspectos. Observe os trechos a seguir: E a EA é de extrema importância, pois seu papel é sensibilizar as pessoas e despertar nelas um cidadão com uma consciência crítica da problemática ambiental desencadeada pelo crescimento urbano e pela degradação do ambiente (TORQUEMADA et. al., 2007, p.7-8, grifos nossos). A EA tem o importante papel de propiciar a integração do ser humano com o meio ambiente, possibilitando a inserção do educando e do educador como cidadãos no processo de transformação do atual quadro ambiental do nosso planeta, por meio de novos conhecimentos, valores e atitudes (LEMOS et. al, 2010, p.575, grifos nossos). [A perspectiva adotada nas aulas de Ciências] teve o objetivo de promover um espaço de reflexão e ação dos sujeitos envolvidos com o intuito de construir uma postura cidadã frente à realidade de suas comunidades e da escola onde estudam (NASCIMENTO et al., 2010, p. 384, grifos nossos). Portanto, o desenvolvimento da cidadania e a formação da consciência ambiental, têm na escola um local adequado para a sua realização, através de um ensino ativo e participativo. Nesse sentido, é necessário que a escola, enquanto instituição, esteja preparada para incorporar a temática ambiental de forma coerente (OLIVEIRA, et al., 2007, p. 1, grifos nossos). 1270 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Ao identificarmos, nas produções analisadas, termos como formação do cidadão, consciência crítica, construção de uma postura cidadã, desenvolvimento da cidadania, formação da consciência ambiental, percebemos que estes assumem um valor de verdade nos diversos ambientes em que circulam, desempenhando papel central nos discursos que informam as ações escolares, impedindo-nos de questionar o que é ser um cidadão crítico. Desta forma, sentidos de uma Educação Ambiental crítica e cidadã acabam por ser fixados e não relativizados sob óticas que incluam os seus múltiplos significados. Tais termos acabam sendo assumidos como premissas no espaço escolar, aparecendo nas produções investigadas de forma pouco dialógica. Nesse movimento, tornam-se ‘poderosos’ no processo de regulação social – tal como definido por Popkewitz (1994) – dos currículos escolares, indicando-nos que atividades produzidas no contexto escolar que não levem à formação desta cidadania crítica devem ter tido bastante dificuldade para serem chanceladas como Educação Ambiental nos eventos investigados, sofrendo interdições em boa parte da produção analisada. É relevante também perceber que os discursos produzidos contingencialmente no binômio o que é e o que não é a Educação Ambiental na escola, fixando sentidos de criticidade e cidadania, produzem enunciados que vinculam as dificuldades de implementação das ações sobre o tema a aspectos como: a própria organização da escola; a realização de ações pontuais; a utilização de conhecimentos disciplinares – principalmente aqueles vinculados às Ciências Biológicas –, que são tidos como fragmentados; a falta de planejamento; o despreparo e/ou falta de conhecimento por parte dos professores. Observe os trechos a seguir, que evidenciam essas vinculações: Observa-se, entretanto, que de um modo geral se fala em EA para preservar a natureza, expandir conceitos de ecologia ou realizar campanhas comemorativas temporárias, o que deixa uma lacuna frente a um contexto crítico em que esses problemas são inseridos (IKEMOTO et al., 2005, p. 205). A EA faz-se presente na escola avaliada de modo restrito e fragmentado, visto que não há planejamento voltado para esse assunto, que é abordado de forma pontual e esporadicamente. (...) A EA não está adequada, necessitando-se uma ampla reformulação de métodos e conteúdos da ação educativa (OLIVEIRA et al., 2007, p. 8). 1271 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 As práticas destes professores apresentaram pouca ou quase nenhuma abordagem interdisciplinar nas suas ações, apesar de demonstrarem um certo conhecimento sobre a interdisciplinaridade (MACHADO, 2007, p. 6). A falta de conhecimento sobre o assunto acarreta um discurso simplista, com atividades superficiais, sem que os aspectos socioambientais sejam considerados nas suas reais dimensões. (...) O entendimento de EA apresentado pelos professores, de modo geral, é considerado conservacionista, pois é antropocêntrico e tem o ambiente como fonte de recursos. Essa concepção reforça uma relação desintegrada entre sociedade e natureza, fragmentária, focada na parte e privilegiando os seres humanos (ALMEIDA & OLIVEIRA, 2012, p. 6). Algumas considerações A análise realizada nos permite evidenciar, mesmo que preliminarmente, alguns sentidos de Educação Ambiental que produzem o discurso escolar sobre o tema. Compreendendo que qualquer tomada de posição em defesa de uma ou outra perspectiva envolve disputas pela hegemonização de significados, não existindo qualquer posicionamento naturalmente mais verdadeiro, não objetivamos valorar os sentidos encontrados como bons ou ruins, verdadeiros ou falsos, críticos ou alienados. Diferentemente, o movimento realizado foi o de observar como estes sentidos estão sendo discursivamente produzidos e disseminados, gerando efeitos de poder sobre os currículos escolares. Percebemos que os sentidos evidenciados legitimam os enunciados sobre o que é e o que não é que a Educação Ambiental produzida no espaço escolar, em uma articulação discursiva que associa criticidade e cidadania na maioria dos textos investigados. Tais enunciados assumem particular importância na formação discursiva da Educação Ambiental e se articulam de alguma maneira a enunciados de outras formações discursivas como, por exemplo, a das finalidades sociais da educação. Defendemos que um entendimento de tais regularidades propicia análises diferenciadas, que desacreditam de fixações essencializadas e/ou naturais e investem em uma compreensão das intrincadas relações entre saber e poder que constituem o social. 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