PRESENÇA DOS MONGES DA ORDEM DOS AGOSTINIANOS DESCALÇOS EM TOLEDO/PR. PONTES FILHO, Antônio P. (UNIOESTE/Toledo) A presente comunicação refere-se ao estudo monográfico que estou realizando o qual tem como objeto os monges da Ordem dos Agostinianos Descalços. Por finalidade tem descrever e conhecer quem são estas pessoas, como vivem, onde vivem, o que fazem de suas vidas e etc. Como ainda conto com poucos meses de coleta de dados não posso avançar muito na parte da análise e cabe, por ora, apresentar apenas alguns dos dados coletados no trabalho de campo que iniciei a partir de novembro de 2006. Também tentarei expor ao longo do texto, algumas das idéias constitutivas da pesquisa as quais julgo serem pertinentes para fazer a etnografia do grupo escolhido. Antes de qualquer coisa, devo relatar que a pesquisa teve início em meados de novembro passado, por razões meramente burocráticas, e não cumprindo uma lógica de planejamento de pesquisa, o que me levaria a adiar por mais alguns meses seu início. Contudo devemos lembrar que a pesquisa científica, se tem suas regras e normas, muitas e muitas vezes se realiza dentro das possibilidades e características do momento vivido e não do idealizado. Assim, não havendo nenhum empecilho de maior monte, principalmente de ordem teórico-metodológica, decidi começar naquela data mesmo. Pois bem, tendo feito o projeto e estando pronto, fiz a primeira coleta das informações (de várias outras que ainda deverei realizar), nos meios de comunicação da diocese e do município, na internet, conversas com pessoas que soube que conheciam os monges, o convento deles e sua igreja, enfim aquela busca ainda de cunho preliminar, para em seguida partir para o contato direto com os monges. Tais monges vivem na cidade e diocese de Toledo (Paraná), no Seminário Santa Mônica, em um convento construído em maneira clássica, com claustro e poço internos. Localiza-se a umas seis quadras de distância do campus da universidade, pertencendo ao mesmo bairro. Assim, ao invés de iniciar a pesquisa por um contato telefônico, um pouco mais formal e distante, fui diretamente ao convento e apresenteime. Fiz contato com frei Renato, OADI, quem me recebeu. Ele estava à frente do convento e, portanto, de toda a comunidade que ali vive, há pouco mais de dois meses, 2 ainda investido de um cargo provisório, aguardando as resoluções de sua ordem para si e para os demais. Apresentei-me e as linhas gerais da minha pesquisa e recebi dele autorização para estar no convento outras vezes e realizar a pesquisa. Além de uma cópia do projeto, fiquei de lhe entregar uma cópia dos meus estudos sobre beneditinos e cartuxos, pois ele se interessou pelo tema bem como para integrar o acervo da biblioteca deles. Esta contradádiva eu cumpri poucas semanas depois, após ter assistido a celebração de uma missa presidida por ele, na igreja existente ao lado do convento na qual atendem parte da comunidade da paróquia. Naquele momento da pesquisa, ele e mais um confrade eram os únicos freis professos solenes vivendo na comunidade. Eram, por isso, os responsáveis pela administração. Ambos estavam na casa dos trinta e poucos anos de idade, mas já com alguns de entrada na ordem e no sacerdócio. Os demais membros da comunidade são garotos que iniciam ali seu postulantado, período de primeira experiência com a vida conventual. Após estes primeiros contatos vieram as festas do final de ano e as férias. O que acarretou que ele e mais alguns membros da comunidade sairiam de férias. Acertamos que após seu retorno retomaríamos a pesquisa, de forma mais intensa. Poucos dias antes das festas, a Província a qual o convento pertence entrou em reunião capitular para deliberação de todos os aspectos da vida em fraternidade que levam. Como soube mais tarde, assistindo outras celebrações de missa na igreja deles, a Ordem promoveu uma verdadeira reviravolta, o que acarretou trocas diversas de membros pelos diferentes conventos que têm no Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. Deste modo, quando findou janeiro, soube que frei Renato, OAD, já tinha partido dali com o seu confrade, ele indo assumir novas atividades em outro convento. Outros freis tomavam seus lugares já nomeados e investidos para as funções que exerceriam ali, como soube posteriormente. Como em outras formas de vida conventual esta prática das reuniões capitulares é comum e, quando são fazem deliberações de alcance extra Ordem são comunicadas à Mitra e Cúria, para o conhecimento do bispo diocesano que é quem encabeça a igreja particular de ToledoII. Decidi esperar passar janeiro, para que os monges pudessem acertar sua nova vida, e retomei os contatos em meados de fevereiro. Refiz o contato, desta vez por telefone, marcando um dia e hora para nosso primeiro contato. Fui recebido pelo frei Antônio, OAD, que é agora meu interlocutor. Novamente apresentei-me e ao projeto de pesquisa, acertamos a forma da conduta da pesquisa. Obtida a aprovação por parte 3 dele, novamente a contradádiva que me coube foi de eu entregar cópias da minha dissertação e de alguns textos meus. Frei Antônio, OAD, é o mestre dos rapazes, cabendo-lhe cuidar da vida estudantil e conventual ordinária deles. Quanto aos dois outros frades que vieram com ele, um é o reitor do Seminário e por extensão lidera e administra a comunidade e o outro e o vice-mestre dos rapazes. Esta forma particular de sempre estarem no mínimo com dois membros presentes em cada casa da Ordem, é para lhes garantir a forma de vida cenobítica, na fraternidade e espiritualidade próprias que possuem. Agora, fazendo uma pequena pausa na exposição do trabalho de campo, já que é um dos objetivos da pesquisa gerar mais conhecimento e dar publicidade a esta forma específica de vida religiosa cristã católica, falarei um pouco mais a respeito dos agostinianos descalços e a Ordem que construíram. Esta ordem católica, apesar de descender do estilo monástico clássico, foi fundada em junho de 1592, surgida da reforma pela qual então passou a Ordem de Santo Agostinho. Retrocedendo um pouco no tempo, vale a pena lembrar que nos séculos XI e XIIIII, em especial, houve mudanças significativas nos modos de vida religiosos existentes. Numa analogia com a cultura material, houve “inovações e invenções” no campo da vida religiosa. Por exemplo, a família beneditina (Ordem de São Bento, OSB) se viu cindida com o surgimento dos monges cistercienses organizados pela Abadia de Cister, primeira ordem centralizada com a criação de um superior-geral, da Igreja (Ordem Cisterciense, OCist.). Como inovação surgiu a forma mendicante de vida para as ordens, como os da Ordem dos Frades Menores (OFM, franciscanos), da Ordem do Carmelo (OC, carmelitas), da Ordem dos Pregadores (OP, dominicanos) entre tantas outras. Depois ocorreu uma paralisação nos dois séculos seguintes. A partir do século XV e em especial XVI, novamente o mundo cristão se vê movimentado com tensões religiosas advindas da compreensão de sua doutrina, i. é, embates entre o que sejam ortodoxias, heterodoxias e heresias. E novas ordens surgem como cisões de algumas das ordens oriundas dos séculos XI e XII, como, por exemplo, a consolidação da divisão na família franciscana, no seu ramo masculino (OFM), entre os OFM Observantes, os OFM Conventuais e os OFM Capuchinhos. No século XVI, além do clássico embate cristão entre Reforma e Contra-reforma, dentro do agora mundo cristão católico romano surgem novamente “inovações e invenções”, como a reforma dentro da Ordem de Santo Agostinho (OSA), que resulta nos agostinianos descalços (OAD); a reforma na Ordem do Carmelo (OC), com Teresa D’Ávila e João da Cruz, que resulta nos 4 carmelitas descalços (OCD); e outras mais. E inovações como a Sociedade de Jesus (SJ, jesuítas), fundada por Ignácio de Loyola e amigos, entre outras tantas. Falando dos agostinianos descalços, eles marcam a data de 1592 como o momento de inflexão dentro do grupo pré-existente, agostinianos (OSA). Alguns monges assumindo a reforma “vestem o hábito da reforma” e “calçam sandálias” como sinais visíveis do novo pertencimento que têm, identificando-os e diferenciando-os dos seus antigos irmãos de ordem. Os sinais diacríticos dos hábitos são existentes até hoje, apesar da cor preta dos mesmos ser mantida pelos monges da OSA, da OAD e da OAR (Ordem dos Agostinianos Recoletos). São bem perceptíveis na parte superior dos mesmos: se em forma quadrada com comprimento até a altura dos cotovelos, para os agostinianos; se em forma circular até mais ou menos a mesma altura, para os recoletos; ou se circular, mas bem menor em comprimento, para os descalços. Hoje a família de Santo Agostinho está presente em diversos países em todos os continentes, possuindo ramos masculino, feminino e para os leigos. Para as ordens masculinas há tanto a possibilidade dos irmãos serem sacerdotes, o que é mais de praxe, ou serem apenas irmãos leigos, o que tem sido buscado, por exemplo, entre algumas casas dos descalços. Apesar de eu ainda não possuir dados suficientes para entender as formas de pertencimento a esta família religiosa e nem suas divisões internas de parentesco religioso, já demarquei mais de vinte subdivisões familiares, todas assumindo para si e compartilhando com outras ordens a herança espiritual de Santo Agostinho. Outro aspecto, com relação à catolicidade de todos, eles a possuem por todas as ordens agostinianas masculinas e femininas terem suas regras, estatutos e constituições aprovados “pela autoridade competente da Igreja Católica”. Com relação ao Brasil, os agostinianos descalços chegaram em 1948, instalando-se na Arquidiocese do Rio de Janeiro, onde construíram o Seminário Santo Agostinho para candidatos que tenham concluído a sétima série escolar, e são responsáveis por uma paróquia. Entre os motivos de saírem da Europa, foi a busca de novas vocações e expandir a obra de missão além do continente europeu. Como os agostinianos descalços relatam em sua historiografia, este período, de décadas, foi marcado por muita incerteza, com idas e vindas quanto à permanência no país. Mais tarde, eles buscaram se expandir no território nacional, buscando um novo lugar para gerarem novas comunidades. Tendo solicitado entrada em algumas das dioceses do sul do Brasil, foram aceitos na Diocese de Palmas, indo se instalar no município de Ampére – PR, em 1976, onde construíram o Seminário Santo Agostinho para 5 candidatos que tenham concluído a sétima série escolar, e ali assumindo uma paróquia. Alguns anos depois, em 1981, vieram para a diocese e município de Toledo, onde erigiram o já citado convento Seminário Santa Mônica. Nestes últimos anos a ordem tem conhecido um crescimento em sua população, principalmente com a profissão solene (perpétua) de alguns irmãos, bem como a ordenação sacerdotal de mais alguns. Esmiuçando um pouco o que fazem aqui em Toledo, este convento acolhe aos candidatos a postulantes, exigindo que tenham o ensino fundamental completo, iniciando neste local a inserção na ordem e a experiência da espiritualidade agostiniana. São recebidos pelos três frades que ali vivem, que, como mencionei, são os responsáveis pela comunidade (reitor, mestre e vice-mestre dos postulantes). Como me dissera frei Renato, OAD, todos os anos eles têm uma boa procura de candidatos, vindos, majoritariamente dos estados do Paraná e São PauloIV, onde têm outras casas. Eles fazem uma seleção entre os que se apresentam, permanecendo no convento entre quarenta a cinqüenta jovens. Após o período de postulantado aqueles que forem aprovados são encaminhados para o noviciado e continuação da formação escolar, para depois estudarem filosofia e teologia (educação de nível superior). Com relação à diocese de Toledo eles têm responsabilidade com a igreja do convento e de uma paróquia. Igualmente se põem à disposição da mitra para trabalhos missionários e pastorais. Também têm um órgão de divulgação próprio que é o informativo Presença Agostiniana, no qual relatam parte de suas atividades, das missões e pastorais nas quais atuam, da vida da comunidade do entorno do convento, algum texto de espiritualidade agostiniana, etc. Finalmente, espero mais a frente poder trabalhar de forma mais elaborada algumas das noções básicas desta etnografia, tais como: pertencimento, organização social, identidade cultural, catolicidade, etc., bem como poder compará-los às outras famílias religiosas que pesquisei que foram: à família dos filhos de São Bento (beneditinos, cistercienses e trapistas); à família de São Bruno (cartuxos); e à família de São Francisco (observantes, capuchinhos, conventuais, clarissas e seculares). E deste modo entender melhor a vida religiosa em seus aspectos contemplativos, ativos, mística, de forma a dá-los a conhecer a todos aqueles que quiserem saber e pesquisar o campo religioso cristão, em particular o católico. 6 Referências bibliográficas: ANCILLI, Ermano. Diccionário de espiritualidad. Barcelona: Editorial Herder, 1987. BETTENCOURT, Estêvão. Curso de história da Igreja. Rio de Janeiro: Edições Lumen Christi, 1986. BROSSE, Olivier de la, et al.. Diccionário del cristianismo. Barcelona: Editorial Herder, 1986. CASAGRANDE, Roberto A.. Igreja Católica e companhias colonizadoras na (re)ocupação da região oeste do estado do Paraná (1940 - 1970). Londrina: PGH/UEL-UEM, 2002). Catecismo da Igreja Católica. Rio de Janeiro: Editora Vozes/Edições Paulinas/Edições Loyola/Editora Ave-Maria, 1993. Código de Direito Canônico [notas e comentários Pe. Jesús S. Hortal, sj]. São Paulo: Edições Loyola, 1983. DUMONT, Louis. 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O estudo das religiões. São Paulo: Paulinas, 2003. NOTAS I A sigla refere-se à Ordem dos Agostinianos Descalços. Tal quais outros religiosos, como os beneditinos (OSB), os jesuítas (SJ), os carmelitas (OC), os freis agostinianos adotam após o nome (seja o de batismo, seja o de pertencimento à ordem) apõem esta marca para identificar-se e distinguir-se dos demais monges. II Este esclarecimento se deve a alguns dos meus interlocutores desconhecerem o funcionamento da Igreja Católica. Desta forma o bispo diocesano lidera o que se chama igreja particular, referente a um conjunto feito de um número de paróquias e casas religiosas, que podem estar em apenas um ou mais municípios (divisão político-territorial feita pelo Estado). A unidade deste bispo com os demais e, em especial e particular, com o bispo de Roma é que geram a igreja, chefiada pelo Papa. III Inclusive fala-se em Renascimento do século XII. IV No estado de São Paulo os agostinianos descalços têm convento em Ourinhos, onde construíram o Seminário Santo Tomás de Vilanova, que recebe os freis já mais avançados na vida religiosa para os estudos de filosofia.