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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO
UNIDADE ACADÊMICA DE HUMANIDADES, CIÊNCIA E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
ZELIA MEDEIROS SILVEIRA
A NOÇÃO DE “PROBLEMA” NA PROPOSTA PEDAGÓGICA DO
CURSO DE MEDICINA DA UNESC: UMA ANÁLISE A PARTIR DA
“PROBLEMATIZAÇÃO” DE PAULO FREIRE
CRICIUMA, MAIO DE 2009.
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ZELIA MEDEIROS SILVEIRA
A NOÇÃO DE “PROBLEMA” NA PROPOSTA PEDAGÓGICA DO
CURSO DE MEDICINA DA UNESC: UMA ANÁLISE A PARTIR DA
“PROBLEMATIZAÇÃO” DE PAULO FREIRE
Dissertação
apresentada
à
Banca
Examinadora
da
Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre em
Educação, sob a orientação do Professor Dr. Ilton Benoni da
Silva.
CRICIUMA, MAIO DE 2009.
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2
ZELIA MEDEIROS SILVEIRA
A NOÇÃO DE “PROBLEMA” NA PROPOSTA PEDAGÓGICA DO
CURSO DE MEDICINA DA UNESC: UMA ANÁLISE A PARTIR DA
“PROBLEMATIZAÇÃO” DE PAULO FREIRE
Dissertação apresentada e aprovada pela Banca Examinadora
como exigência para obtenção do Grau de Mestre em
Educação pela Universidade do Extremo Sul Catarinense –
UNESC – na Linha de Pesquisa “Educação e Produção de
conhecimento nos processos pedagógicos”.
Criciúma, maio de 2009.
APROVADA PELA SEGUINTE BANCA EXAMINADORA:
Prof. Dr. Ilton Benoni da Silva – UNESC (Orientador)
Prof. Dr. Antonio Fernando Gouvêa da Silva -UFSCar
Profa. Dra Janine Moreira – UNESC
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A todos os docentes e discentes da UNESC que
compartilharam comigo nesta caminhada, acreditando na
educação como uma possibilidade de intervenção no
mundo, e de construção de uma sociedade mais ética e
fraterna.
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4
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho só foi possível graças à colaboração e
envolvimento de muitas pessoas. A elas agradeço:
Ao professor e orientador Ilton Benoni da Silva por ser exemplo vivo do
compromisso com a docência, encarando-a como ciência, quando trata do
conhecimento, e como uma arte, quando nos faz extasiar com sua maestria.
À professora Angela Cristina Back pela revisão do texto final da
dissertação.
A todos os professores do Programa de Mestrado em Educação pelo
compromisso com um projeto de universidade mais democrática e participativa.
A todos os colegas de curso que compartilharam conosco dos momentos
bons e dos difíceis, em especial a amiga Ingrid, a quem considero uma verdadeira
guerreira.
A UNESC pelo apoio e concessão de 50% da bolsa de estudos.
Ao curso de Medicina por prestar as informações necessárias para que
pudéssemos desenvolver esta pesquisa.
A todos vocês: obrigada.
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Por
isso
que
toda
prática
educativa
libertadora,
valorizando o exercício da vontade, da decisão, da
resistência, da escolha; o papel das emoções, dos
sentimentos, dos desejos, dos limites; a importância
da consciência na histórica, o sentido ético da
presença humana no mundo, a compreensão da
história
como
possibilidade,
jamais
como
determinação, é substancialmente esperançosa, e
por
isso
mesmo,
(FREIRE, 1997, p.23).
provocadora
de
esperança.
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SUMÁRIO
I APRESENTAÇÃO................................................................................................................13
II INTRODUÇÃO ....................................................................................................................15
2.1 A configuração da problemática e os seus desdobramentos...........................................15
2.3 Procedimentos metodológicos .........................................................................................25
III A NOÇÃO DE “PROBLEMA” NA PROPOSTA PEDAGÓGICA ......................................29
3.1 A ABP e sua contextualização histórica no cenário educacional ...................................30
3.2 A ABP na proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC ................................36
3.3 A estrutura didático-pedagógica da ABP da UNESC .....................................................42
3.3.1 A noção de problema e os “módulos temáticos” .........................................................52
3.3.2 A noção de problema e a “aprendizagem centrada no estudante” .............................59
3.3.3 A noção de problema e a “aprendizagem compartilhada” ...........................................67
3.3.4
A
noção
de
problema
e
a
“avaliação
do
processo
ensino-
aprendizagem”............................................................................................................72
IV INTERROGAÇÕES FREIREANAS À NOÇÃO DE PROBLEMA DA ABP ......................79
4.1 A centralidade da Problematização na pedagogia de Paulo Freire ................................80
4.2 “Problema” e “Problematização”: Aproximações e distanciamentos ..............................92
V CONCLUSÃO ..................................................................................................................101
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................109
BIBLIOGRAFIAS COMPLEMENTARES ............................................................................110
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8
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Relatório IV Fórum Nacional Metodologia Ativas de Ensino-Aprendizagem2007......................................................................................................................................114
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Estrutura Organizacional do ABP do Curso de Medicina da UNESC ............... 47
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10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANPED
- Associação Nacional de Pesquisa em Educação
ABP
- Aprendizagem baseada em problemas
CNE
- Conselho Nacional de Educação
CEE
- Conselho Estadual de Educação
CONSU
- Conselho Universitário
DCN
- Diretrizes Curriculares Nacionais
ENDIPE
- Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino.
FAMEMA
- Faculdade de Medicina de Marília
GT
- Grupo de Trabalho
IES
- Instituições de Ensino Superior
LDB
- Lei de Diretrizes Básicas da Educação
MEC
- Ministério da Educação
OCDE
- Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
PBL
- Problem Based Learning
PPP
- Projeto político-pedagógico
PSF
- Programas de Saúde da Família
PUCPRC
- Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
SUS
- Sistema Único de Saúde
UFSC
- Universidade Federal de Santa Catarina
UNESC
- Universidade do Extremo Sul Catarinense
UEL
- Universidade Estadual de Londrina
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11
RESUMO
A noção de ‘problema’ na proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC:
uma análise a partir da ‘Problematização’ de Paulo Freire, abordado neste trabalho,
apresenta-se como interrogação sobre um conceito basilar, a partir do qual o curso
de Medicina da UNESC organiza sua proposta pedagógica. A referida proposta é
identificada na UNESC como Aprendizagem Baseada em Problema (ABP),
considerada neste estudo uma filosofia curricular centrada no estudante, a partir da
qual se constrói ativamente o conhecimento com base em situações-problema. A
escolha da proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC para realização
dessa análise se justifica por tratar-se do primeiro e único curso desta universidade
estruturado na ABP e o quarto do Brasil. Ademais, nesse modelo de currículo, o
“problema” se constitui no seu eixo central, e por meio dele toda a proposta didáticopedagógica do curso se estrutura. É nesse sentido que se configura a problemática
desta pesquisa: A qual noção de “problema está articulada a proposta pedagógica
do curso de Medicina da UNESC? Ao responder a essa questão, o trabalho
identifica, a partir da análise de documentos da proposta do curso de Medicina da
UNESC, as categorias explicitadoras da noção de “problema”, para em seguida
confrontar com a “Problematização” de Paulo Freire. A centralidade de freireana no
desfecho desta análise decorre da importância recorrente atribuída a sua obra,
atestada nas referências e discursos constitutivos da proposta.
Palavras – chave: problema, conhecimento, aprendizagem baseada em problemas,
problematização, pedagogia.
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12
ABSTRACT
The concept of 'problem' in the proposed educational course UNESC of Medicine: an
analysis from the 'Problematization' of Paulo Freire, addressed in this work, appears
as basic questions about a concept from which the course of Medicine UNESC
organizes its teaching proposal. The proposal is identified in UNESC as problembased learning (PBL), and considered in this study as curriculum philosophy
centered on the student, from which it actively constructs knowledge based on
problem-situations. The choice of the pedagogical proposal course of Medicine
UNESC to perform this analysis is justified because it is the first and only university
course structured in this PBL and the fourth in Brazil. Moreover, of this model
curriculum, the "problem" will constitute the central axis, and through him the entire
proposal-didactic teaching of the course is structured. That is the question that sets
this research: The concept of what "problem is the proposal articulated pedagogical
course of Medicine UNESC? In answering that question, the work identified from the
analysis of documents of the current proposal of Medicine UNESC, explained the
categories of the concept of "problem", then face the "Problemation" of Paulo Freire.
The centrality of Freire the outcome of this analysis stems from the importance
attributed to appellant his work, evidenced in the references and speeches
concerning the proposal.
Keywords: problem, knowledge, problem-based learning, questioning, pedagogy.
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13
I - APRESENTAÇÃO
Este trabalho versa sobre “A noção de ‘problema’ na proposta pedagógica
do curso de Medicina da UNESC: uma análise a partir da ‘Problematização’ de
Paulo Freire. A referida proposta ancora-se em uma filosofia curricular conhecida
como “Aprendizagem Baseada em Problemas” por meio da qual o currículo é
organizado por módulos temáticos, em que, os estudantes, sob a coordenação de
um tutor, são desafiados a construírem suas aprendizagens a partir da investigação
de problemas que retratam ou simulam situações reais, compatíveis com a atividade
profissional futura dos estudantes.
Em relação à introdução desse modelo de currículo no contexto
universitário, os estudos de Mamede e Penaforte (2001) indicam que a primeira
Universidade a adotá-lo foi a de McMaster (Canadá) em 1965, no curso de Medicina,
o qual foi identificado como PBL (Problem Based Learning), devido a sua origem
inglesa. Os autores registram também que, pouco tempo depois, outras escolas
médicas o adotaram. São os casos das Universidades de Limburg, em Maastricht,
na Holanda, a Universidade de Newcastle, na Austrália, e a Universidade do Novo
México, nos Estados Unidos.
No Brasil até o ano de 2000, havia apenas quatro escolas médicas a
adotarem esse modelo curricular, entre elas o curso de Medicina da UNESC. Porém,
a partir desse período, o número de escolas que o adotaram vem crescendo
aceleradamente. Em razão disso, sua presença ganhou importância no cenário
educacional, o que sugere a realização de estudos sobre suas bases teóricas. No
caso dessa investigação, pretende-se investigar a noção de “problema” que se
presentifica na proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC, por ser este o
seu eixo articulador.
Como procedimentos metodológicos, optou-se por uma pesquisa teórica a
partir de uma análise de conteúdos, tendo como instrumentos investigativos a
“pesquisa bibliográfica” e a “análise de documentos”. Do conjunto de documentos
explicitadores da proposta, são analisados: Resolução 05\2000 – CONSU,
Resolução
24\2001 – CONSU,
Resolução11\2006 – CONSU,
Projeto de
Reconhecimento do curso (2002), e, principalmente, a proposta pedagógica contida
no Projeto de Reengenharia (2000) e no Projeto político-pedagógico (2005) do curso
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14
de Medicina da UNESC. A exploração desses documentos objetiva compreender a
proposta em seu arcabouço teórico, e, identificar as categorias configuradoras da
concepção de “problema” constituídas em seus textos.
O que se pretende ao demarcar, como categoria central, a noção de
“problema” é compreendê-la na articulação com as bases teóricas da proposta, uma
vez que, dela podem decorrer outros elementos conceituais definidores da
concepção de conhecimento que ela mobiliza. Para esse fim, adota-se a estratégia
de lançar perguntas à noção de problema em sua explicitação nos diferentes
momentos da proposta para verificar coerências e dissonâncias teóricas. Após esse
balanço, e, identificada a importância do referencial de Paulo Freire nos discursos da
proposta, produzem-se indagações às aproximações e distanciamentos relativas à
noção de “Problematização” desse autor.
É com essa intenção que os resultados desta pesquisa foram
estruturados, de modo que o primeiro capítulo apresenta o tema em estudo, “a
noção de problema na proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC”,
realizando uma análise a partir da Problematização de Paulo Freire, contextualiza a
problemática da pesquisa e a organização desta dissertação.
Quanto ao segundo capítulo, discute-se a problemática da pesquisa, sua
relevância social e científica, bem como os procedimentos metodológicos adotados
na análise da proposta do curso de Medicina da UNESC e sua confrontação com a
Problematização de Paulo Freire.
Para o terceiro capítulo, contextualiza-se historicamente a ABP no
sistema educacional brasileiro e na UNESC, apresentando e discutindo as
categorias centrais da proposta pedagógica do curso de Medicina, concomitante a
sua
explicitação
nos
principais
tópicos
constitutivos:
módulos
temáticos;
aprendizagem centrada no estudante; aprendizagem compartilhada; e, avaliação do
processo ensino-aprendizagem.
Reservou-se para o quarto capítulo a interrogação quanto à noção de
“problema” da proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC, discutindo
suas aproximações e distanciamentos com a Problematização de Paulo Freire.
Por último, nas considerações finais faz-se um balanço recorrente dos
principais objetivos e resultados desta pesquisa, a partir das reflexões travadas no
seu interior, levantando possibilidades de continuidade do tema em estudo futuros.
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15
II INTRODUÇÃO
2.1 A CONFIGURAÇÃO DA PROBLEMÁTICA E SEUS DESDOBRAMENTOS
Como já observado no capítulo precedente, este trabalho aborda “a noção
de ‘problema’ na proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC: uma
análise a partir da ‘Problematização’ de Paulo Freire” e se propõe a interrogar uma
categoria central, a noção de “problema”, na sua articulação com as teorias que
fundamentam a proposta, uma vez que, da categoria “problema” pode decorrer
outros elementos que traduzem uma concepção de conhecimento.
Pensar a categoria central de uma proposta pedagógica implica
compreender não somente os aspectos meramente técnicos e estruturais, mas,
sobretudo, problematizar as teorias que a fundamentam. No caso da proposta em
análise significa interrogar os elementos conceituais constitutivos do currículo que a
materializa. Essa indagação, portanto, não pode ser feita descolada do cenário
pedagógico no qual estão centradas as questões curriculares atuais, uma vez que
toda proposta pedagógica carrega em si, uma concepção de currículo, de ciência, de
aprendizagem, de ser humano e de sociedade, que se pretende construir. Analisar
uma proposta curricular, nessa perspectiva implica refletir sobre suas bases teóricas
de sustentação.
A proposta pedagógica da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP)
denominada originalmente de Problem Based Leanirng (PBL), devido a sua origem
inglesa, apresenta-se nesse cenário como uma das fortes tendências curriculares
nacionais, principalmente voltada aos cursos da área da saúde, focando seus
processos pedagógicos na “Problematização” dos conteúdos. A referida proposta,
de acordo com Mamede e Penaforte (2001), é estruturada por módulos, que
integram as diferentes disciplinas. Somado a isso, a ABP tem como propósito formar
profissionais com espírito inquiridor, com capacidade de articular prevenção e
terapias, dando abertura necessária às demandas sociais e políticas na área da
saúde.
Ainda de acordo com Mamede e Penaforte (2001), a ABP é mais que uma
estratégia didático-pedagógica, é uma “filosofia curricular”, centrada no aluno, em
que os mesmos constroem ativamente o conhecimento por meio de problemas.
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16
Compreendê-la como uma “filosofia curricular” e não apenas como estratégia
didático-pedagógica pressupõe refletir sobre a concepção de conhecimento que a
orienta e sobre as relações estabelecidas com o ensino-aprendizagem.
É nesse sentido que cabe perguntar: por que pesquisar sobre um aspecto
importante de uma proposta curricular na área da saúde? Diante disso, vale
destacar que o interesse por este estudo decorre de minha formação inicial em
Pedagogia, e aos vinte e seis anos que atuo na educação, dentre os quais vinte na
educação básica e onze na educação superior. No decorrer desse tempo, as
questões relativas à educação escolar, ao processo ensino-aprendizagem, à
formação do professor foram os focos de minhas pesquisas. Contudo, uma pergunta
me perseguia no decorrer dessa caminhada: qual a relação existente entre os
processos pedagógicos presentificados na escola e a teoria que os orienta? Dito de
outra forma: a prática pedagógica da escola traduz uma determinada concepção de
conhecimento?
Essa indagação me instigou ao desejo de aprofundar um pouco mais, a
partir da pesquisa, as questões relativas a propostas curriculares. Desse modo, a
origem do interesse pela proposta curricular ABP, analisada nessa pesquisa, é
decorrente de minha prática profissional como professora, e também como
assessora pedagógica dos cursos de graduação, que teve início no ano de 1998,
quando integrei o quadro docente da UNESC atuando, a princípio, nos cursos de
Licenciatura.
Após esse período, já no ano de 2000, assumi a assessoria pedagógica
da então Diretoria de Graduação1. A função do assessor pedagógico, de acordo com
o relatório e planejamento da Diretoria, consistia em:
1
A partir do ano de 1989, a estrutura do ensino da UNESCera organizada pelas Diretorias de Graduação, PósGraduação, Pesquisa e Extensão, subordinadas às Pró-reitorias, Acadêmica, depois de Graduação e de PósGraduação, Pesquisa e Extensão. Após o ano de 2006, a UNESCaprova por meio da Resolução 14/2006 o seu
Regimento Geral que estabelece a nova estrutura administrativa, ficando o ensino coordenado pelas Diretorias
das Unidades Acadêmicas - UNAS: Ciências da Saúde, Humanidades e Ciências da Educação, Ciências Sociais
e Aplicadas e Ciências das Engenharias e Tecnologias, subordinadas às Pró-reitoria de Ensino e Pró-reitoria de
Pesquisa, Pós-graduação e de Extensão.
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17
a)
prestar assessoria pedagógica aos cursos de graduação, orientando e
supervisionando a execução dos programas e ações desenvolvidas
pelos diversos cursos superiores oferecidos à comunidade;
b) promover a articulação e a integração entre os diversos cursos de
graduação, bem como contribuir com a formação continuada dos
docentes, auxiliando-os a assumirem postura reflexiva e autônoma
diante do fazer pedagógico. (UNESC: RELATÓRIO DA DIRETORIA DE
GRADUAÇÃO, 2005, P. 3).
No ano de 2001, após reestruturação naquele setor, a equipe foi dividida
para atender as necessidades pedagógicas específicas de cada área, que foram
assim classificadas: Licenciaturas, Ciências Sociais Aplicadas, Engenharias e
Tecnologias e Saúde. Nessa divisão, assumi a assessoria dos cursos da área da
Saúde que eram os seguintes: Farmácia, Fisioterapia, Psicologia, Enfermagem e
Medicina. Desses cursos, os três primeiros apresentavam matriz curricular
organizada por disciplinas e os dois últimos por módulos temáticos.
O curso de Enfermagem, de acordo com seu projeto pedagógico (2002), é
organizado por um modelo de currículo integrado, em que a metodologia utilizada é
a problematização da realidade, sustentada na interdisciplinaridade e na
participação ativa do aluno no processo ensino-aprendizagem (UNESC: PROJETO
DO CURSO DE ENFERMAGEM, 2002).
Já o curso de Medicina, de acordo com seu o Projeto de Reengenharia
(2000), é organizado com base em problemas, estruturados por “módulos
temáticos”, utilizando-se da ABP (Aprendizagem Baseada em Problemas) como
metodologia do processo de ensino e aprendizagem. A proposta pedagógica
enfatiza que sua a metodologia pauta-se no construtivismo de Jean Piaget e na
pedagogia de Paulo Freire, considerando o estudante como o centro e o sujeito do
processo ensino-aprendizagem (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA DO
CURSO DE MEDICINA, 2000).
Foi, então, na condição de assessora pedagógica que participei das
reuniões de colegiado, dos programas de formação continuada, interagindo nas
discussões dos projetos pedagógicos dos cursos da área da Saúde, o que provocou
o
desejo
de
aprofundar
as
questões
relativas
ao
currículo
“modular”,
compreendendo suas bases epistemológicas.
Com essa finalidade, estudei as propostas de currículos de cursos de
medicina, estruturados por módulos e fundamentados na ABP de universidades
brasileiras, e, mais especificamente, a da UNESC. Vale destacar que esse processo
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18
de investigação seguiu uma longa trajetória, permeada de avanços e rupturas
relativas à compreensão desse tema, uma vez que a caminhada de um pesquisador
em ciências sociais nunca é linear, muito pelo contrário, é carregada de conflitos
buscando superar os obstáculos que dificultam seu olhar sobre o objeto. Assim, ao
aproximar-me desse objeto de forma mais aprofundada, compreendi que os módulos
não configuravam a concepção do curso, mas se constituíam em uma forma de
organização, cujas disciplinas eram integradas, atendendo aos objetivos dos
problemas geradores. Os “problemas”, então, eram o foco do modelo de currículo
ABP. A organização modular, assim como todo o curso, era estruturado para
possibilitar o desenvolvimento e a resolução de “problemas”.
Dessa forma, o objeto de estudo passa a ser “as bases pedagógicas e
epistemológicas do currículo ABP”, tendo como foco de análise o currículo do curso
de Medicina da UNESC. Entretanto, a tentativa de analisar essas “bases
pedagógicas e epistemológicas”, acarretou o alerta acerca de alguns conflitos
conceituais, a saber: haverá dicotomia na concepção pedagógica e epistemológica
de uma proposta? Em toda proposta pedagógica não se presentifica uma concepção
de ciência e de conhecimento? Ao tentar abordar de forma isolada essas questões,
não se fragmentaria o olhar sobre o objeto de estudo?
Compreendendo melhor essas questões, delimita-se o objeto de estudo, a
partir da seguinte problemática: em que bases epistemológicas está fundamentada a
proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC?
Nesse momento de definição do problema, passa-se ao estudo exaustivo
das fontes documentais, assim como dos referencias teóricos sobre a ABP,
buscando compreender suas bases epistemológicas.
Com essa intenção, um significativo número de textos sobre a teoria do
conhecimento é mapeado e exaustivamente estudado, dando principal destaque às
teses epistemológicas de Gaston Bachelard (1884-1962) e de Thomas Khun (19221996). A escolha desses autores deu-se pelo fato de considerarem os problemas
pedagógicos presentificados nas escolas como originários, entre outros aspectos, da
forma como as mesma s concebem o conhecimento. O currículo escolar, portanto,
não é neutro, pois traduz uma determinada concepção de ciência e de verdade.
A
exemplo
de
Bachelard
e
Kuhn
interrogou-se
a
concepção
epistemológica da proposta curricular ABP do curso de Medicina da UNESC,
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19
identificando em seus textos categorias que permitissem essa investigação. Da
exploração do documento, um conjunto de categorias foi identificado, tais como:
aprendizagem centrada no estudante, aprendizagem compartilhada, organização
modular, avaliação do processo ensino-aprendizagem, que articuladas explicitavam
a concepção de ciência e conhecimento predominantes da proposta. Contudo, essas
categorias só tinham sentido, se compreendidas no contexto da proposta
pedagógica ABP, a partir de uma categoria central, o “problema”, uma espécie de
categoria macro, que se constitui no seu eixo orientador. Na referida proposta, o
“problema” alavanca o processo de ensino-aprendizagem, sendo em função dele
organizada a estrutura física, administrativa e didático-pedagógica necessária à
implementação do curso.
Nesse percurso de estudo e reflexão, compreendeu-se a necessidade de
fazer algumas escolhas visto que, (pelas análises feitas a algumas propostas) a
proposta original da ABP, nem sempre converge com a concepção e a forma de
implantação nos currículos das universidades. No caso da UNESC, a ABP
contempla muitas das características originais, mas, há também adaptações
próprias. Além disso, no caso específico do curso de Medicina da UNESC, a
categoria “problema” aparece como eixo central desse currículo, não tendo,
portanto, como compreender suas bases epistemológicas sem interrogar a noção de
“problema” que o fundamenta.
É nesse caminho que se atesta a necessidade de focar a noção de
“problema” na proposta, por ser este o seu eixo orientador. E, para compreender
melhor o seu lugar e seu significado na proposta do curso, fazem-se interrogações à
noção de “problema”, identificando suas aproximações e distanciamentos, não mais
com Bachelard e Khun2, mas com Paulo Freire (1921-1997), uma vez que o mesmo
é indicado como uma referência importante nos discursos teóricos presentes no
texto da proposta.
Para alcançar esse propósito, a metodologia de pesquisa utilizada neste
trabalho tem como instrumento de análise a proposta pedagógica contida no Projeto
de Reengenharia (2000) e no Projeto político-pedagógico (2005) do curso de
2
Pesquisa que se pretende ainda realizar em estudos futuros.
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20
Medicina da UNESC, confrontando-a consigo mesma, com seus conteúdos
manifestos e latentes, e com os referenciais teóricos sobre a noção de
Problematização de Paulo Freire.
A escolha por Freire justifica-se também, porque suas idéias sobre
Problematização são as que mais se aproximam do projeto de educação e de
sociedade que se deseja ajudar a construir. Em Freire (1996), a escola deve ser o
lugar da “transcendência”, deve ser o lugar do pensar. Transcender representa
superar e superar- sobretudo, em suas concepções sobre a ciência, o conhecimento
e as relações estabelecidas na escola. Isso significa que educar é muito mais do
que “treinar”, do que repassar conhecimentos. Educar representa libertar o ser
humano da ignorância, da subserviência e das diferentes formas de opressão. Por
conseguinte, o projeto de educação de Freire apresenta um compromisso político e
pedagógico bastante acentuado, o que permite caracterizá-lo como uma teoria da
educação.
Dialogar com Freire neste trabalho representa compreender melhor as
bases de sua teoria e suas implicações em um projeto pedagógico que se
comprometa com o desenvolvimento do pensamento crítico e da autonomia, como
no caso da ABP do curso de Medicina da UNESC.
Fazendo essa escolha, o problema da pesquisa fica assim configurado: A
qual noção de “problema” articula-se a proposta pedagógica do curso de Medicina
da UNESC?
É importante salientar que a escolha pelo estudo da proposta pedagógica
do curso de Medicina da UNESC se justifica pelo fato de ser o primeiro e único curso
desta universidade estruturado na ABP, sendo também o quarto do Brasil a fazer
essa opção, precedido da FAMEMA (Faculdade de Medicina de Marilia - São Paulo)
1997, da UEL (Universidade Estadual de Londrina - Paraná), 1998, PUCPRC
(Pontifícia Universidade Católica do Paraná - Curitiba), 1999.
Vale destacar também que, o número de escolas médicas que adotam a
ABP, a partir deste período aumentou consideravelmente, como se pode observar
no quadro comparativo (apêndice 1), elaborado a partir da análise do relatório do IV
Fórum Nacional Metodologias Ativas de Ensino-Aprendizagem, ocorrido em
Londrina-Paraná, no período de 09 a 11 de agosto de 2007. Nesse quadro é
possível constatar que, entre os anos de 2000 a 2006, a implantação de propostas
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21
curriculares ABP em Escolas Médicas aumentou de cinco para dezenove, ou seja,
263%. Ademais, essa implantação está ocorrendo tanto em Instituições públicas
estatais, quanto em públicas não-estatais, a exemplo da UNESC que é comunitária;
somando a esse roll algumas instituições privadas.
O aumento considerável do modelo de currículo acima descrito requer
que se reflita sobre sua influência junto ao perfil do futuro profissional e sua
contribuição no processo de construção de conhecimento pelos estudantes.
No
entanto, é importante salientar que, ao pesquisar a proposta do referido curso, não
se postula a intenção de adentrar na epistemologia da área da Saúde, e na
especificidade desse campo, ou seja, não se pretende aprofundar os conhecimentos
advindos da Formação Médica, e nem, sobretudo, fazer uma apreciação valorativa
da modalidade de currículo que a referida proposta adota. Em face do exposto,
pretendo interrogar a noção de “problema” na proposta pedagógica, analisando suas
aproximações e distanciamentos com a Problematização de Paulo Freire.
Para
tanto, a problemática desta investigação, foi desdobrada nas seguintes perguntas:
- Qual a noção de “problema”, eixo articulador da Proposta?
- Quais as aproximações e distanciamentos da noção de “problema”
preconizada na Proposta e a Problematização de Paulo Freire?
Com o intuito de aprofundar as reflexões sobre as questões postas na
seção precedente, definem-se como objetivos específicos:
- analisar a noção de “problema” na Proposta do curso de Medicina na UNESC;
- identificar as aproximações e distanciamentos da concepção de “problema” da
Proposta em relação à Problematização de Paulo Freire.
Para atender aos objetivos acima listados, postularam-se as seguintes
tarefas:
- identificação dos cursos de Medicina de universidades brasileiras que adotam o
currículo ABP (apêndice 1);
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22
- mapeamento das pesquisas sobre currículo ABP ou PBL, especialmente as
produzidas pelos GTs da ANPED (Associação Nacional de Pesquisa em
Educação), por ser esse o principal evento da comunidade científica da área da
educação no Brasil;
- mapeamento das teses e dissertações sobre o currículo ABP ou PBL, no banco
de dados da Capes (1997-2007);
- estudo de obras e periódicos, dissertações e teses que tratam do ABP ou PBL
e das teorias do currículo;
- estudo das orientações da legislação atual, assim como das diretrizes
curriculares nacionais em relação à elaboração dos currículos dos cursos de
Medicina;
- análise dos documentos do curso de Medicina da UNESC: resolução de
criação, projeto de Reengenharia, regulamento e Projeto político-pedagógico
institucional e do curso;
- Estudo sobre as teorias do conhecimento, com destaque às obras de Paulo
Freire para referenciar as perguntas, mencionadas anteriormente, sobre a noção
de “problema”, lançadas à proposta pedagógica ABP da UNESC.
Em consulta ao site da ANPED e analisando os trabalhos apresentados
no GT (Grupo de Trabalho) do Currículo, constatou-se a inexistência de trabalhos
sobre essa temática específica.
A Revista Currículo sem Fronteira que publica semestralmente artigos
selecionados e editados por um Conselho Editorial Internacional, constituído por
investigadores de diferentes instituições, também não apresenta nenhum artigo
sobre a temática.
Encontrou-se, porém, um acervo significativo de artigos publicados na
Revista de Educação Médica, um periódico Qualis A classificado pela Capes, que
publica, semestralmente, textos pedagógicos da área da Saúde.
O encontro de
artigos em maior quantidade nessa revista pode ser devido ao fato de a ABP ter sido
implantada consideravelmente nos cursos da área da saúde, especialmente na
Medicina.
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23
Trabalho significativo sobre essa temática foi encontrado na Revista
Interface, Comunicação, Saúde e Educação, publicado no ano de 1998, de autoria
de Neusi Aparecida Navas Berbel, professora do Departamento de Educação da
Universidade Estadual de Londrina - UEL, com o título “A problematização e a
aprendizagem baseada em problemas”. O referido artigo faz análise comparativa
entre a metodologia da problematização fundamentada no Método do Arco, de
Charles Magueres, apresentado por Bordenave e Pereira (1982), no livro Estratégias
de ensino-aprendizagem e a proposta curricular “Aprendizagem Baseada em
Problemas.
No banco de dissertações e teses da Capes, encontraram-se pesquisas
bastante significativas que tratam do currículo ABP ou PBL. São elas:
A utilização da metodologia PBL na odontologia: descortinando novas
possibilidades do processo ensino-aprendizagem, de autoria de Roseli Alves
Chiaratto, 2002 da Universidade Estadual Paulista.
A organização curricular por problemas no curso de Medicina: um estudo
de caso, de autoria de Carolina Vieira Mello, 2003 da Universidade Católica Dom
Bosco.
AVPBL: Uma ferramenta para auxiliar sessões tutoriais e métodos de
aprendizagem baseada em problemas, de autoria de Gabriela Ribeiro Peixoto
Resende Pinto, 2004 da Universidade de Salvador.
A aprendizagem baseada em problemas (PBL): uma implementação na
educação das engenharias na voz dos atores, de autoria de Luiz Roberto de
Camargo Ribeiro, 2005 da Universidade Federal de São Carlos.
Na UNESC identificou-se uma pesquisa realizada no ano de 2003, pelo
Programa de pós-graduação lato-sensu, de autoria de Silvana Miranda com o título:
A educação médica: uma análise da sessão tutorial e o desenvolvimento de atitudes
voltada à uma avaliação global, na formação do médico na universidade.
Além das pesquisas anteriores encontraram-se referenciais importantes
nas publicações de Mamede (2001), e Komatsu (2003), que tratam especificamente
da proposta curricular ABP. A primeira publicação baseia-se na experiência da
Escola de Saúde Pública do Ceará, cujo currículo é estruturado na ABP. A segunda
trata de uma pesquisa realizada com estudantes universitários da Faculdade de
Medicina de Marília (FAMENA), também estruturada na ABP, que aborda o “olhar
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24
dos futuros médicos para o idoso”. Outra publicação significativa, embora não trate
do ABP, é o livro organizado por Neusi Aparecida Navas Berbel que aborda as
“metodologias da problematização”, dentre elas a Problematização de Paulo Freire.
É importante destacar também as contribuições de Marcos Tarciso
Masetto (2004) pesquisador das linhas “Investigação sobre paradigmas curriculares
inovadores” e “Formação de professores com novas tecnologias” do programa de
pesquisa em educação da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, que
atualmente vem discutindo a ABP, enquanto um paradigma curricular e não apenas
como uma metodologia de ensino. Masetto vem refletindo também sobre a
possibilidade da inserção da ABP nos cursos de licenciatura e formação de
professores. Desse autor encontrou-se um texto, apresentado no XII Endipe Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino no ano de 2004, com o título:
PBL na educação?
Após a realização desse mapeamento, foi possível observar que são
escassas as pesquisas sobre a temática em questão, sobretudo em revistas da área
da educação. Além disso, nenhuma publicação aborda de forma direta a noção de
“problema”, eixo articulador da proposta curricular ABP, comparando com a
Problematização de Paulo Freire. Desse modo, a presente pesquisa constitui-se em
um tema inovador, uma vez que pretende estudar a proposta pedagógica ABP da
UNESC,
questionando
a
noção
de
“problema”
e
suas
aproximações
e
distanciamentos com a Problematização de Freire.
Vale destacar que, focalizar nesta pesquisa uma categoria que se
inscreve na pedagogia Paulo Freire não remeterá apenas a uma releitura e
aprofundamento de suas obras, mas, sobretudo, a partir deste estudo, lançar
perguntas e fazer análises sobre a noção de “problema” constituída na proposta do
curso de Medicina da UNESC.
Dessa forma, interrogar a noção de “problema” da ABP no curso de
Medicina da UNESC oferece possibilidades para a inovação das práticas
pedagógicas, vislumbrando possíveis transformações na concepção de “problema”
assumida pelo curso de Medicina, e, conseqüentemente, no perfil do estudante a ser
formado.
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25
2.3 Procedimentos metodológicos
Para a realização deste trabalho, optou-se por uma pesquisa teórica a
partir de uma análise conceitual dos conteúdos, cujos procedimentos investigativos
são a pesquisa bibliográfica e a análise de documentos. A pesquisa bibliográfica tem
por finalidade conhecer as produções científicas já realizadas sobre o tema
investigado e colaborar com o debate, somando-se a isso a reflexão sobre os
conceitos fundamentais abordados. Segundo Lakatos e Marconi (2001) a pesquisa
bibliográfica “propicia o exame de um tema sob um novo enfoque ou abordagem,
abrangendo a bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo”
(LAKATOS; MARCONI, 2001, p. 183). Sua finalidade é colocar o pesquisador em
contato direto com tudo o que foi escrito, desde publicações avulsas, boletins,
jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, etc. Nesta investigação,
utilizou-se das seguintes fontes bibliográficas: pesquisas (teses, dissertações,
monografias),
legislação do
ensino
superior,
livros,
revistas
e periódicos
relacionados ao objeto de estudo.
Outro procedimento metodológico do estudo foi a análise de documentos.
Com esse fim, realizou-se uma pesquisa documental, que, nas palavras de Lakatos
e Marconi (2001) caracteriza-se pela “fonte de coleta de dados restrita a
documentos, escritos ou não, constituindo o que se denomina de fontes primárias”
(LAKATOS; MARCONI 2001, p. 174), ou seja, materiais que não receberam
tratamento analítico, podendo ser re-elaborados de acordo com os objetivos da
pesquisa. Assim sendo, utilizaram-se neste trabalho, como fonte de estudo e
consulta, os documentos do curso de Medicina da UNESC e os da própria UNESC,
que possibilitaram esclarecer a proposta pedagógica pesquisada, a saber:
Resolução 20\98-CONSU, Resolução 05\2000-CONSU, Projeto de Reengenharia
(2000), Projeto político-pedagógico do curso (2005), Resolução n.11\2006 - CONSU,
Projeto de Reconhecimento (2002), Resolução 24\2001-CONSU.3
Para fins de esclarecimento é conveniente explicitar no que se constituem
esses documentos:
Resolução 20\98-CONSU que cria o curso de Medicina na UNESC;
3
A partir de agora este texto vai utilizar o termo a “Proposta” para referir-se ao conjunto de documentos que
descrevem a proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC.
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26
Resolução 05\2000-CONSU que aprova a implantação da proposta pedagógica
Aprendizagem Baseada em Problemas no curso de Medicina da UNESC;
Projeto de Reengenharia (2000), documento de criação do curso que contém a
proposta didático-pedagógica, assim como a matriz curricular e a estrutura física
necessária à sua implantação. Esse documento foi encaminhado internamente
ao CONSU para aprovação e externamente ao Conselho Estadual de Educação;
Projeto político-pedagógico do curso (2005), que fora construído após a
implantação do curso
com a
participação dos
gestores, docentes e
representantes dos discentes. Nele, definem-se as intenções políticas e
pedagógicas, assim como as ações que devem ser desenvolvidas para atingir as
metas estabelecidas;
Resolução n.11\2006 – CONSU que aprova a alteração do curso de graduação
em Medicina, aprovado outrora pela resolução Res. 08\2002 – CONSU e na qual
se estabelecem as diretrizes didático-pedagógicas;
Projeto de reconhecimento (2002): trata-se do documento utilizado no
processo de reconhecimento do curso pelos avaliadores do Conselho Estadual
de Educação, após a conclusão da primeira turma. Esse documento reúne os
anteriores e também todas as resoluções e normativas aprovadas, assim como
a estrutura física e didático-pedagógica do curso, constando que o curso foi
aprovado por
um período de cinco anos pelo parecer CEE-SC n.639-
17.12.2002;
Resolução 24\2001 – CONSU – que aprova o projeto político-pedagógico da
UNESC no qual se definem as intenções políticas e pedagógicas da instituição.
Após o mapeamento acima listado, deu-se início à exploração do
material, especialmente da proposta pedagógica constante no projeto de criação e
no projeto político pedagógico do curso, buscando identificar categorias4 que
permitissem compreender as bases teóricas fundamentais da ABP na UNESC.
Dessa exploração, encontraram-se algumas categorias centrais que orientaram a
concepção curricular da
4
Proposta: aprendizagem baseada em problemas,
Por categorias compreende-se os conceitos operativos presentes na proposta pedagógica, que reúnem a partir
de um título genérico um grupo de elementos que apresentam caracteres comuns apresentados por estes
elementos.
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27
aprendizagem centrada no estudante, organização curricular modular, aprendizagem
compartilhada e avaliação do processo ensino-aprendizagem. Porém, constatou-se
ainda, na análise dessas categorias, que estas só adquirem sentido se
compreendidas a partir de um eixo maior a “Aprendizagem Baseada em Problemas”,
que representa a proposta didático-pedagógica do curso de Medicina da UNESC,
cujo eixo orientador é o “problema”, objeto de sustentação desse modelo de
currículo. É no interior dessas categorizações que se buscará compreender a noção
de “problema”.
Nesse sentido, o estudo e pesquisa em fontes bibliográficas e
documentais realizadas têm como intuito a compreensão da noção de “problema”
que está articulada à Proposta.
É importante lembrar que, como procedimento de análise documental,
utilizou-se do método de “análise de conteúdos” que, de acordo com Minayo (1993),
deve abranger as seguintes fases:
- pré-análise: organização do material de acordo com os objetivos de
estudo;
- exploração do material: aplicação do que foi definido na fase anterior;
- tratamento dos resultados obtidos e interpretação: desvendamento do
conteúdo subjacente ao que está sendo manifesto.
Desta forma, no processo de tratamento dos dados procurou-se analisar
não somente os conteúdos descritos e manifestos, mas, sobretudo, “desvendar o
conteúdo latente que eles possuem” (TRIVIÑOS, 1997, p. 162). Isso implica dizer
que se procurou lançar um olhar apurado, buscando nas entrelinhas dos conteúdos
produzidos na Proposta a noção de “problema” que a fundamenta.
Partindo dos pressupostos acima apresentados esta pesquisa traz, em
seu bojo, uma concepção de ciência, permeada pela crítica e pela reflexão. Isso
implica dizer que o pesquisador, ao ter como ponto de partida a realidade, deve
fazer o esforço no sentido de superar as impressões primeiras, o obstáculo da
experiência cotidiana e do conhecimento generalizante, e ascender a questões
fundamentais.
Para Bachelard (1996), a verdadeira tarefa da pesquisa científica não é
conhecer os fenômenos da realidade para explicá-los, mas conhecer para criticá-los.
O conhecimento, assim concebido, não se dá por compreensão ou extensão, mas,
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28
sobretudo, por deformação. Nas palavras do autor, por um processo de
racionalização da experiência. “A fecundidade de um conhecimento científico é
proporcional ao seu poder de deformação”. (BACHELARD, 1996, p.76).
A prática da pesquisa, nesse contexto, é construída por meio da ação
cotidiana do pesquisador, buscando questionar a visão estática que, no senso
comum, se tem da realidade, desvendando os conflitos e as ideologias subjacentes
ao fenômeno investigado, tendo como ponto de partida a prática social, produzida
pelo homem. Este, ao mesmo tempo em que constrói a história, constrói a si mesmo
e se constitui como ser humano.
A partir da linha de raciocínio construída ao longo deste capítulo, os
seguintes se prestam a explorar o conteúdo da Proposta, localizando seus conceitos
essenciais, para, a seguir, confrontar a noção de “problema” da Proposta curricular
ABP com a Problematização de Freire.
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29
III A NOÇÃO DE “PROBLEMA” NA PROPOSTA
A problemática que se enfrenta neste trabalho refere-se à “noção de
problema” que se articula à proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC.
Para tanto, faz-se necessário apresentar como ocorreu a inserção desse modelo de
currículo no referido curso, situando-o no cenário educacional, bem como destacar
suas diferenças em relação a propostas semelhantes, como é o caso do “currículo
por problemas” e da “metodologia da Problematização”.
O “currículo por problemas”, de acordo com Masetto (2004), utiliza-se de
estudos de caso apresentados pelo professor ao estudante para que sejam
resolvidos, aplicando a teoria estudada na prática. Nesse caso, o estudante
necessita conhecer a teoria antecipadamente, para depois ter condições de
apresentar
alternativas
de
solução
ao
problema.
Já
a
“metodologia
da
Problematização” se configura como um conjunto de técnicas, métodos e
procedimentos selecionados para aprender a trabalhar com problemas. Nesse último
caso, trata-se de uma opção individual do professor na organização didática de sua
disciplina, não implicando a modificação estrutural do currículo.
Diferentemente do “currículo por problemas” e da “metodologia de
problematização”, Masetto (2004) aponta que, na ABP, o “problema” é apresentado
ao estudante, o que se subtende dizer, antes da participação do estudante no
estudo teórico, sendo utilizado como desencadeador da pesquisa e do estudo dos
conceitos necessários à sua resolução.
Para conhecer um pouco mais sobre as origens do modelo de currículo
que se apresentou como uma terceira via, ABP, recorreu-se aos estudos teóricos
realizados por Mamede e Penaforte (2001), na obra Aprendizagem baseada em
problemas e por Komatsu na obra: Aprendizagem baseada em problemas:
sensibilizando o olhar para o idoso. E, na seqüência, procurou-se explorar sua
concepção pedagógica no curso de Medicina da UNESC e o contexto de sua
emergência.
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30
3.1 A Aprendizagem Baseada em Problemas - ABP: contextualização histórica
no cenário educacional
Em se tratando das origens do modelo de currículo ABP, não se pode
afirmar com segurança onde e quando foi empregada pela primeira vez uma
metodologia de ensino/aprendizagem baseada no estudo de problemas com
pequenos grupos de estudantes, sob a supervisão de um professor ou tutor.
Pelos estudos realizados por Mamede e Penaforte (2001) pode-se admitir
que a ABP tenha surgido como fundamento paradigmático da estruturação de um
currículo universitário, quando do estabelecimento do curso de Medicina da
Universidade McMaster. A Universidade McMaster teve sua origem em Toronto e,
desde 1930, localiza-se na periferia da cidade de Hamilton, no Canadá. É uma
instituição de porte médio, com fortes vínculos com a comunidade. O processo para
a implantação do curso de Medicina começou em 1965 e a primeira turma a
participar desse modelo ingressou em 1969, composta por vinte estudantes.
Ainda de acordo com Mamede e Penaforte (2001), pouco tempo após a
implantação do curso de Medicina da Universidade McMaster, outras escolas
médicas adotaram a ABP5, com adaptações próprias, e desenvolveram suas
próprias esferas de influência.
Em relação às teorias pedagógicas que fundamentaram a ABP na
ocasião de sua implantação na Faculdade de Medicina da Universidade de Mac
Master, Canadá, na década de 1960, Komatsu (2003) diz que não houve influência
das teorias de Dewey (1959-1952) Rogers (1902-1987) Freinet (1916-1900), Piaget
(1896-1980) e Vigotski6 (1986-1934) como muitos pensam. Segundo o autor, o
5
Dentre as pioneiras estão a Universidade de Limburg, em Maastricht, na Holanda, a Universidade de
Newcastle, na Austrália, e a Universidade do Novo México, nos Estados Unidos.
6
De acordo com Komatsu, em correspondência eletrônica emitida por este em 2 de dezembro de 2000 à Howard
Barrows, um dos pioneiros da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de MacMaster, Barrows
reconheceu que os professores que planejaram o currículo de Medicina de 1969 daquela Universidade não
tinham nenhum contato com obras de educadores como John Dewey, Carl Rogers, Célestin Freinet, Jean Piaget,
ou Lev Semenovich Vigotski. A formulação da ABP deu-se sem a influência direta de teóricos da Educação.
(KOMATSU, 2003, p.15)
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31
modelo de currículo ABP foi pensado a partir de uma mistura de diversas correntes e
teorias educacionais, como o construtivismo, a psicologia cognitiva, a proposta de
integração
biopsicossocial,
aliadas
a
uma
boa
dose
de
criatividade
de
aproximadamente vinte educadores que planejaram o currículo para a Medicina
naquela universidade.
Em se tratando da adesão a esse modelo de currículo por outras
universidades, Mamede e Penaforte (2001), registram que, aproximadamente até o
final dos anos de 1980, a ABP apresentou um crescimento lento, porém contínuo.
Nos últimos vinte anos, entretanto, observou-se o aumento do número de cursos
que adotam esse modelo de currículo, porém, com diferentes adaptações. Em
relação aos aspectos pedagógicos de sua proposta, os estudos apontam que, em
sua origem, no curso de Medicina da Universidade de McMaster, a ABP apresentava
alguns componentes centrais como os descrito por Schmidt (apud MAMEDE;
PENAFORTE, 2001, p. 29): o problema, os grupos tutoriais, o tutor, o estudo
individual, a avaliação do estudante e os blocos, unidades ou módulos por meio dos
quais se estrutura o currículo. Vejamos cada um deles:
Ø
Os “problemas” são situações ou fenômenos extraídos da realidade,
que devem ser explicados pelos estudantes, procurando aliar aos objetivos
educacionais. É o ponto de partida, o fio condutor do processo ensinoaprendizagem.
Ø
O “grupo tutorial” é formado por grupos de aproximadamente oito
estudantes, coordenado por um tutor (denominação dada ao professor), e tem a
tarefa de discutir as situações-problema. No primeiro contato com a situaçãoproblema, os estudantes levantam os objetivos e os conhecimentos prévios
sobre o tema. A seguir, estudam individualmente ou em grupos, buscando
respostas ao problema proposto e utilizando-se de pesquisas bibliográficas ou
mesmo consultas a profissionais da área.
Ø
O “tutor” é o facilitador do processo de ensino-aprendizagem e deve
garantir que os problemas estudados sejam compreendidos pelos alunos.
Ø
O “estudo individual” é o espaço no qual os estudantes buscam as
informações necessárias em livros, internet, laboratórios e com os professores,
ocorrendo no intervalo entre o primeiro contato com o problema e o retorno para
a resolução do mesmo. O “problema” está posto e o objetivo do estudo é
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32
compreender sua amplitude.
Ø
A “avaliação do estudante” é realizada de forma progressiva e
constitui-se em um meio para que os professores possam se certificar da
aprendizagem dos estudantes, servindo de subsídio para o replanejamento das
atividades.
Ø
A “estruturação do currículo em unidades, blocos ou módulos”, cada
um deles tendo um único tema específico como base, enfocado através de uma
série de problemas inter-relacionados.
Como é possível perceber no trecho acima, o “problema” na ABP, é o eixo
condutor de todo processo de ensino-aprendizagem. É a partir dele que se estrutura
a organização dos módulos de ensino, a seleção dos conteúdos e o processo de
avaliação.
Além disso, segundo Komatsu (2003, p. 31), o “problema”,
[...] é utilizado como estímulo à aquisição de conhecimentos e habilidades,
sem que nenhuma exposição formal prévia da informação seja
necessariamente oferecida; o problema educacional deve refletir a
realidade, antecipá-la como acontecimento ao estudante que se prepara
para a atuação profissional, permitindo a reflexão de uma temática em um
contexto, a seleção de recursos educacionais, a busca de informações a
avaliação crítica e a aplicação.
Por conseguinte, na ABP, os problemas são trabalhados desde a primeira
semana do curso, constituindo-se em uma situação desafiadora à aprendizagem, um
obstáculo a ser superado pelos estudantes. Tais problemas são elaborados a partir
dos conteúdos que compõem os módulos de ensino. Esses são explorados nas
sessões tutoriais, com aproximadamente oito estudantes e um tutor. O principal
papel do tutor, de acordo Komatsu (2003), é o de “facilitar a aprendizagem dos
estudantes”, não sendo de sua competência ministrar aulas, mas incentivá-los a
discutirem o “problema” no sentido de que os objetivos de aprendizagem de cada
módulo sejam atingidos.
Ainda conforme o autor, na ABP, nenhuma exposição formal, prévia, de
informação é dada pelo programa ou curso, e a seguinte seqüência de passos é
aconselhada:
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33
1. dar visibilidade ao problema oferecido, explorando-o e refletindo se existe alguma
pergunta sobre a descrição do problema que possa ser formulada;
2. resumir os dados oferecidos pelo problema, especificando: ‘o que é o problema? Do
que trata o problema?’;
3. reconhecer áreas/pontos importantes no entorno do problema por meio da definição
de quais são as áreas relevantes de conhecimento dentro das três dimensões:
biológica, psicológica e populacional, considerando os objetivos de aprendizagem em
cada unidade educacional;
4. identificar qual conhecimento relevante acionar para o problema, por meio da busca
dos saberes relevantes frente aos objetivos de aprendizagem propostos;
5. desenvolver hipóteses, a partir da explicação dos dados apresentados no problema;
6. identificar quais conhecimentos adicionais serão acionados para melhorar a
compreensão do problema, baseados na necessidade de aprendizagem individual
e/ou do grupo;
7. mobilizar os recursos de aprendizagem apropriados, considerando a diversidade de
plataformas, por exemplo: livros, periódicos (revistas), bases de dados, programas
interativos multimídia, entrevistas com professores, profissionais ou usuários, vídeos,
slides, laboratórios, serviços de saúde, comunidade;
8. procurar novos conhecimentos, utilizando recursos de aprendizagem apropriados, o
que implica ampliar os horizontes de busca além dos limites institucionais (outras
bibliotecas, outros acervos, outros locais passíveis de utilização no processo ativo de
ensino-aprendizagem);
9. sintetizar conhecimentos prévios e novos em relação ao problema; isto é, baseado
em sólidas evidências cientificas: ‘como se pode explicar o problema agora?’;
10. repetir / repassar alguns ou todos os passos anteriores, se for necessário;
11. reconhecer o que foi identificado como uma necessidade de aprendizagem, mas que
não foi adequadamente explorada, para incursões complementares;
12. sistematizar os conhecimentos auferidos, e, se possível, testar a compreensão do
conhecimento adquirido por sua aplicação em outra situação ou problema.
(KOMATSU, 2003, p. 32-33).
Como se percebe em toda seqüência-processo, o “problema” é
“oferecido” ao estudante, não sendo este copartícipe da elaboração do mesmo.
Na ABP, conforme Komatsu, “a busca, a seleção, a avaliação crítica e
aquisição de conhecimentos e habilidades visando a uma aplicação prática, ou a
uma reflexão, constituem um processo ao longo da vida de cada indivíduo”.
(KOMATSU 2003, p.34). É nesse sentido que os estudantes devem ser encorajados
a desenvolverem seus próprios objetivos, sendo responsáveis por seus progressos
pessoais em cada fase da sua capacitação.
Os princípios teóricos apresentados acima exerceram forte influência nas
escolas de ensino superior que implantaram a ABP. No caso do Brasil, os estudos
apontam que a primeira instituição a utilizar a ABP foi a Escola de Saúde Pública do
Ceará, em 1994, nos cursos de pós-graduação. Na graduação, foi pioneira a
Faculdade de Medicina de Marília, no ano de 1997, seguida da Escola de Medicina
da Universidade Estadual de Londrina do Paraná, em 1998. Um ano depois foi a vez
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34
da Pontifícia Universidade Católica do Paraná de Curitiba.
No ano de 2001, dois novos cursos foram implantados: um em Criciúma
na Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), e outro, em Campo Grande,
na Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal
(UNIDERP). A partir desse período, o número de escolas que adota esse modelo de
currículo vem crescendo constantemente, ganhando projeção importante nos
debates pedagógicos, sendo recomendado inclusive pela Associação Brasileira de
Ensino Médico.
Em se tratando dos aspectos legais para adoção da ABP, destacam-se
as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Medicina (DCN), aprovadas
pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) em agosto de 2001, cujo objetivo é o
seguinte:
Levar os alunos dos cursos de graduação em saúde a aprender a aprender
que engloba aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e
aprender a conhecer, garantindo a capacitação de profissionais com
autonomia e discernimento para assegurar a integralidade da atenção e a
qualidade e humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias
e comunidades. (BRASIL, PARECER /CES nº 1.133, 2001, p. 4).
Como é possível perceber, o objetivo das DCN congrega os quatro
princípios7 apontados no relatório para a UNESCO da comissão internacional sobre
educação para o século XXI, coordenada por Jacques Delors e apresentado em seu
livro “A educação para o século XXI: questões e perspectivas”, (2005).
Além das competências humanas, as DCN apontam a necessidade da
“formação generalista, humanista, crítica e reflexiva” e a competência técnica para
que o profissional da saúde possa responder as necessidades da profissão. Nesse
sentido o médico deve ter o seguinte perfil:
7
“Aprender a conhecer”, corresponde a “aprender a aprender”, enfatizando a necessidade da educação contribuir
para a construção das competências necessárias para que o estudante beneficie-se das oportunidades oferecidas
pela escola ao longo de toda a vida. “Aprender a fazer”, se constitui na qualificação profissional, para enfrentar
as diferentes situações profissão, trabalhando em equipe. “Aprender a viver juntos”, implica na compreensão do
outro como pessoa, no respeito ao pluralismo de valores, sendo capaz de gerenciar conflitos. “Aprender a ser”,
implica na capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal.
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35
Capacitado a atuar, pautado em princípios éticos, no processo de saúdedoença em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção,
prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da
integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e
compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser
humano. (BRASIL: RESOLUÇÃO CNE/CES Nº 4, 2001).
Para assegurar uma formação médica qualificada, pautada nos princípios
da competência técnica e humana citadas acima, as DCN também apontam a
responsabilidade das Instituições de Ensino Superior (IES), na organização de uma
matriz curricular coerente com essa formação, como destaca o artigo 11º. “A
organização do curso deverá ser definida pelo respectivo colegiado do curso, que
indicará o regime: seriado anual, seriado semestral, sistema de créditos ou modular”.
Em relação ao processo ensino-aprendizagem, as DCN orientam as IES a
optarem por metodologias ativas, que priorizem a construção do conhecimento pelo
estudante, como registra o parágrafo II do artigo 12: “Utilizar metodologias que
privilegiem a participação ativa do estudante na construção do conhecimento e a
integração entre os conteúdos, além de estimular a interação entre o ensino, a
pesquisa e a extensão/assistência”.
Neste artigo se destaca a orientação da legislação em relação às
metodologias de ensino, no sentido de as mesmas considerarem o estudante como
sujeito ativo, construtor do conhecimento, e as responsabilidades das IES no
incentivo à produção do conhecimento científico por meio da interação entre o
ensino, a pesquisa e a extensão/ assistência.
Com a aprovação das DCN e com ela a autonomia delegada às IES,
percebe-se a busca por modelos curriculares alternativos mais apropriados aos
profissionais que cada instituição pretende formar. Nesse contexto, a ABP passa a
ser integrada de forma significativa às universidades brasileiras, principalmente nos
cursos de Medicina, inclusive o da UNESC.
É no âmbito deste cenário que surge a necessidade de compreender
melhor as bases teóricas da ABP, interrogando a “noção de problema”, uma vez que
os estudos realizados sobre esse modelo de currículo indicam ser este o seu eixo
condutor. Com essa finalidade, optou-se neste trabalho por se fazer uma análise
documental da Proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC, interrogando
a “noção de problema” preconizada nos seus textos. Para tanto, na continuidade
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36
deste trabalho, apresentar-se-á o contexto de surgimento da ABP e sua concepção
pedagógica no curso de Medicina da UNESC, assim como suas categorias centrais,
buscando indagar a “noção de problema” que ela mobiliza.
3.2 ABP no curso de Medicina da UNESC: concepção pedagógica e seu
contexto
A análise da Proposta em questão, nos seus aspectos já mencionados,
remete a uma contextualização de sua origem no curso de Medicina da UNESC. Por
essas razões se inicia essa discussão apresentando o cenário de sua emergência,
conforme se expõe a seguir.
A referida Proposta foi concebida e implementada na UNESC, cujas
atividades iniciaram-se no ano de 1968, com cursos voltados ao Magistério. A
cidade de Criciúma pertence a uma região carbonífera, no Sul de Santa Catarina, e,
em função da exploração inadequada do carvão, apresenta forte degradação
ambiental traduzindo-se na poluição do solo, da água e do ar, trazendo como
conseqüências, graves problemas à saúde da população. Além desses aspectos,
ressalta-se, também, o difícil acesso da população à saúde pública, fato este que é
um problema que se constata na maioria das cidades do Brasil.
Consciente dessa situação, a UNESC, após tornar-se universidade no
ano de 1997 e, sendo a maior instituição de Ensino Superior da cidade de Criciúma,
assume o compromisso de contribuir para a resolução desses problemas sociais.
Nos anos de 2000-2001, a UNESC elabora seu projeto políticopedagógico institucional de forma coletiva, com a participação de professores,
gestores, representantes de acadêmicos e funcionários, documento este que é
aprovado pela Resolução 24\ 2001 do Conselho Universitário (CONSU). Nesse
documento
universidade:
reafirma
suas
intenções
políticas
quando
almejava
ser
uma
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37
•
•
•
comunitária, aberta e voltada para as necessidades sociais;
que ofereça educação de qualidade, garantindo as condições
necessárias e o investimento na formação continuada/permanente
dos seus quadros profissionais;
que contemple as mais diversas formas de expressão humana,
propondo atividades quais sejam: música, arte, esporte, lazer,
cultura, educação, pesquisa, integrando esses trabalhos á vida
cotidiana da comunidade. (UNESC: Res. 24/2001-CONS, p.6).
Reafirma ainda que, para cumprir esse papel, deve oferecer uma
“educação integral... [...] uma educação que contribua para a formação de um
profissional capaz de atuar como agente de transformação e construção da
sociedade com outros valores. Que seja cidadão íntegro, em todas as dimensões:
espiritual, mental, física e cultural”. A esse ser humano-cidadão, atribuem-se “valores
humanos essenciais como: ética, criticidade, criatividade, honestidade, sinceridade,
compromisso com o bem comum” (UNESC: Res. 24/2001-CONSU, p.6).
Para enfim, concretizar sua intenção política no cotidiano das relações
pedagógicas, de acordo com o seu PPP (2001), o corpo docente deverá ser capaz
de construir uma proposta metodológica em que as aulas não se tornem apenas
reprodução de conteúdos, mas, possibilidades de reflexão e construção do
conhecimento. Por conseguinte, os docentes devem “integrar teoria e prática
(práxis), utilizar recurso e metodologias apropriadas: disciplinar, multidisciplinar,
interdisciplinar e transdisciplinar” (UNESC: Res. 24/2001-CONS, p. 7-8).
É
assim,
que,
no
cumprimento
de
sua
missão:
“promover
o
desenvolvimento regional para melhorar a qualidade de vida”, a UNESC investe no
ensino, na pesquisa e na extensão, oferecendo novos cursos de graduação, entre
eles o de Medicina no ano 2000, criado pela Resolução 20/1998 do CONSU, e
aprovado externamente pelo parecer 639 de 17/12/2002 do Conselho Estadual de
Educação (CEE), com as seguintes intenções, firmando a: contribuição para a
melhoria do padrão da Medicina local; formação de profissionais da região. (UNESC:
PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.2).
A apresentação de alguns aspectos inscritos no PPP da UNESC se fez
necessário para se conhecer um pouco o contexto de implantação do curso de
Medicina. Contudo, é bom lembrar que a construção do projeto do curso de
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Medicina foi anterior à aprovação do documento final do PPP como circunscrito no
texto acima. Assim, embora não se possa afirmar que os pressupostos orientadores
do projeto do curso de Medicina tenham sido conseqüência dos estabelecidos no
PPP da UNESC, os mesmos foram influenciados pelas intenções políticas daqueles
que integravam seu quadro docente naquela época. Conceber um sem o outro é
perceber esse processo de forma fragmentada e linear, uma vez que esses
documentos expressam os ideais de sociedade, universidade e de profissionais que
se deseja construir na UNESC.
Após ter apresentado as intenções políticas da UNESC ao implantar o
curso de Medicina, cabe agora discutir os princípios que orientam sua Proposta.
Para fins deste estudo foram utilizados como documentos de análise o Projeto de
Reengenharia (2000) e o projeto político-pedagógico do curso (2005), retirando
deles os elementos necessários à compreensão da noção de “problema” que
perpassa a Proposta.
Dito isso, é conveniente lembrar que o contexto de emergência da ABP
no curso de Medicina da UNESC é decorrente de suas intenções políticas inscritas
no seu Projeto político-pedagógico institucional (2001), uma vez que esta
universidade se colocou como missão “Promover o desenvolvimento regional,
melhorando o ambiente de vida da população”. Para dar conta desse modelo de
currículo a UNESC contratou uma equipe de assessoria da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC) para prestar orientação didático-pedagógica ao curso, até a
formação da primeira turma.
Vale destacar que a Proposta do curso de Medicina da UNESC foi
baseada em propostas de universidades brasileiras que já haviam implantado a
ABP, principalmente a UEL de Londrina-Paraná que, por sua vez, conservaram
muitas das características da Universidade de MacMaster. A opção por esse modelo
de currículo, de acordo com o Projeto de Reengenharia (2000), foi também
decorrente da necessidade da formação de profissionais capazes de contribuir para
o processo de melhoria do cuidado à saúde das pessoas e comunidades. É nesse
sentido que o curso de Medicina da UNESC assume como compromissos:
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- centralizar o processo de ensino-aprendizagem não só no aluno, mas
também na sua relação com o paciente-família-comunidade;
- considerar o paciente no seu contexto social, isto é, integrado à família e à
comunidade;
- valorizar a visão bioética da Medicina;
- desenvolver a habilidade para trabalhar em equipe de saúde;
- capacitar à educação continuada;
- estruturar um currículo integralizado inter-intra semestres letivos;
- implementar o processo de ensino-aprendizagem com base na solução de
problemas;
- melhorar continuamente os sistemas de avaliação do processo de ensinoaprendizagem e do próprio Curso de Medicina;
- contribuir para o desenvolvimento de práticas multiprofissionais de ensino,
pesquisa e assistência, atuando articuladamente com os demais cursos de
graduação da UNESC;
- integrar o Curso de Medicina com o Serviço de Saúde da região de
Criciúma (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.10-11).
Para atender a esses compromissos, o curso de Medicina se propôs a
realizar um trabalho de educação em saúde priorizando o atendimento integral ao
ser humano. Por “atendimento integral” compreende-se o atendimento às pessoas
durante toda sua vida, desde o seu nascimento, preocupando-se com a promoção,
prevenção, diagnóstico, terapêutica e reabilitação da saúde. Pressupõe também,
compreender o paciente como cidadão cultural, social, emocional e espiritual
(UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000).
De acordo ainda com a Proposta, para alcançar esse enfoque integral, o
curso deverá contemplar as práticas alopáticas e seu desenvolvimento tecnológico,
mas também estar atento e aberto à discussão e estudo de práticas alternativas. Por
esses motivos, a Proposta aponta para a necessidade de se romper com o modelo
de prestação de serviços em saúde, substituindo-o por uma proposta de “atenção à
saúde”, fundamentada em uma nova ética, beneficiando toda população e
respondendo às suas reais necessidades.
Ao lançar seu compromisso de “atenção à saúde”, a Proposta registra sua
responsabilidade perante a comunidade em “preparar profissionais humanizados e
humanizadores”. É nesse sentido que defende a construção de uma
[...] nova escola médica ligada ao funcionamento efetivo do Sistema Único
de Saúde porque tem consciência que é praticamente impossível obter
qualquer mudança efetiva no ensino médico sem que o modelo sistêmico
assistencial seja, de fato, reformulado. [...] Não se pode então, esperar
mudanças unilaterais, há urgência que essa ação seja conjunta:
ensino/serviço para que se atinja os objetivos propostos. Ou seja, a
Universidade tem que estar junto com a sociedade e os serviços de saúde
da comunidade. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.6).
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Registra, também, que é somente por meio de uma
[...] medicina humanizada, com uma abordagem na família e comunidade é
que se pode pensar na construção de uma nova relação entre o setor saúde
e a comunidade, fundamentada em um intenso e verdadeiro processo de
reformulação do modelo de atenção à saúde. [...] O caminho assim definido
8
é a “Medicina de Saúde da Família” . (UNESC: PROJETO DE
REENGENHARIA, 2000, p.5).
Com base nessas considerações, o Projeto de Reengenharia aponta para
a implantação de uma Proposta “centrada no aluno” e na sua relação com o
paciente, este por sua vez, inserido em sua família e comunidade. Registra ainda
que, nessa visão, o “paciente” é um sujeito ativo e não passivo, sendo o foco da
ação médica. É nessa perspectiva que se registra a importância do papel do médico
como “cuidador”.
[...] o processo ensino-aprendizagem deve levar o aluno a ter uma visão de
que ser médico é muito mais que realizar procedimentos técnicos; é, antes
de tudo, prevenir doenças e promover a saúde, e construir um projeto
terapêutico integral e consciente. Esse tipo de médico pode, então, ser
denominado de “cuidador”. Médico cuidador, porque médicos que “cuidam”
do paciente dão mais segurança, além de conseguirem mais informações
para o diagnóstico. Um médico cuidador se preocupa com a totalidade, com
a vida, com o saneamento, com a escola, com as áreas de lazer e com que
a comunidade pensa de um sistema de saúde. O cuidador não está
somente preocupado em fazer um procedimento no paciente, salvar vidas,
orientar a terapêutica, mas em captar os problemas de sua comunidade e
ajudar a resolvê-los. Assim como, durante o processo de ensinoaprendizagem, deve haver o questionamento sobre a importância de
interagir com o paciente, através do toque verbal e corporal entendendo que
a reabilitação não se dará sem que o paciente se mostre favorável à
terapêutica. É de fundamental importância a adesão do paciente ao
tratamento para que a prática médica tenha sucesso. (UNESC: PROJETO
DE REENGENHARIA, 2000, p.6).
De acordo com o excerto acima, a questão do “cuidado” na formação
médica foi um dos aspectos que impulsionou o curso de Medicina a optar por uma
8
Programa criado pelo Ministério da Saúde em 1994, com o principal propósito de reorganizar a prática da
atenção à saúde em novas bases e substituir o modelo tradicional, levando a saúde para mais perto da família e,
com isso, melhorar a qualidade de vida dos brasileiros. O referido Programa prioriza as ações de prevenção,
promoção e recuperação da saúde das pessoas, de forma integral e contínua. O atendimento é prestado na
unidade básica de saúde ou no domicílio, pelos profissionais (médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e
agentes comunitários de saúde) que compõem as equipes de Saúde da Família.
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nova concepção de currículo. Contudo, é possível perceber também dissonâncias
entre alguns conceitos uma vez que, ao mesmo tempo em que, a Proposta registra
que o sujeito é ativo, enfoca a importância de sua “adesão” à prática terapêutica. Se
o paciente é considerado sujeito, como poderá simplesmente “aderir” ao tratamento
estabelecido? Ser sujeito em Freire ([1968]1983) implica em ser “autor”, em ajudar a
construir o processo de tratamento, muito mais que aderir às orientações médicas.
Além disso, o “cuidado” como princípio orientador da educação em saúde
vem sendo bastante discutido nas últimas décadas. Autores contemporâneos
apontam para a necessidade de uma relação mais humanizada entre o prestador de
serviços e o seu usuário. Para compreender melhor o significado do “cuidado”,
apresentado na Proposta do curso, recorre-se a Boff ao registrar que:
A sociedade contemporânea, chamada sociedade do conhecimento e da
comunicação, está criando, contraditoriamente, cada vez mais
incomunicação e solidão entre as pessoas. A internet pode conectar-nos
com milhões de pessoas sem precisarmos encontrar alguém. Pode-se
comprar, pagar as contas, trabalhar, pedir comida, assistir a um filme sem
falar com ninguém. Para viajar, conhecer países, visitar pinacotecas não
precisamos sair de casa. Tudo vem à nossa casa via on line. [...] Essa antirealidade afeta a vida humana naquilo que ela possui de mais fundamental:
o cuidado e a compaixão. Mitos antigos e pensadores contemporâneos dos
mais profundos nos ensinam que a essência humana não se encontra tanto
na inteligência, na liberdade ou na criatividade, mas basicamente no
cuidado. O cuidado é, na verdade, suporte real da criatividade, da liberdade
e da inteligência. No cuidado se encontra o éthos fundamental do humano.
Quer dizer, no cuidado, identificamos os princípios, os valores e as atitudes
que fazem da vida um bem-viver e das ações um reto agir. [...] O cuidado
serve de crítica à nossa civilização agonizante e também de princípio
inspirador de um novo paradigma de conviviabilidade. (BOFF, 2004, p.1113).
A partir das idéias de Boff, percebe-se a necessidade da construção de
novas práticas em saúde, considerando-a muito mais do que uma relação técnica,
mas, sobretudo, uma relação entre pessoas. Relação essa que pressupõe
compreender o usuário da saúde não mais como o “portador” de uma doença que
precisa do atendimento para ser “salvo” dos seus problemas, mas em compreendêlo como “ser humano”, portador de uma cultura, e como tal é o principal responsável
pelo seu processo de “prevenção e recuperação”.
Para implementar tal Proposta a UNESC entende que o melhor caminho é
construir um modelo curricular que promova a “excelência médica”, cujos
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professores e estudantes construam juntos o conhecimento, “cada qual deixando
suas marcas num processo de formação continuada” (UNESC: PROJETO DE
REENGENHARIA, 2000, p.6).
A implantação da Proposta curricular ABP na UNESC ocorreu com a
seleção de trinta estudantes, compondo uma turma, os quais foram divididos em
quatro grupos tutoriais. Para esse trabalho, foram contratados quinze profissionais
para as funções de: tutor, preceptor e professor9. A maioria foi contratada para
cargas horárias integrais e semi-integrais, equivalendo a 40 ou 20 h/a semanais.
Na UNESC, assim como em todo cenário educacional, a ABP vem se
apresentando como uma proposta de inovação, à frente dos currículos tradicionais,
tendo como eixo orientador a “Aprendizagem Baseada em Problemas”.
Por essas razões é do entendimento desta pesquisadora que, para
compreender melhor a estruturação desse currículo, faz-se necessário interrogar a
noção de “problema”, categoria central da ABP na Proposta do curso de Medicina da
UNESC. Dessa forma, apresentam-se a seguir os componentes principais da
Proposta, assim como a sua estrutura didático-pedagógica, para, a partir daí,
localizar as categorias centrais à discussão da noção de “problema” que a
compreende.
3.3 Estrutura didático-pedagógica da ABP no curso de Medicina da UNESC
A proposta ABP do curso de Medicina da UNESC, de acordo com seu o
Projeto de Reengenharia (2000), fundamenta-se no “construtivismo” e na
“Problematização” dos conteúdos, em que o estudante é considerado o sujeito e o
centro do processo ensino-aprendizagem. Dessa forma, de acordo com a Proposta,
suas bases pedagógicas estão fundamentadas na teoria de Jean Piaget (1896-1980)
e seus estudos sobre a “epistemologia genética” e Paulo Freire (1921-1997) na sua
pedagogia de “educação de adultos”.
9
Tutor na UNESCé a denominação dada ao professor que coordena os grupos tutoriais composto por seis a oito
estudantes; preceptor é o profissional médico que acompanha e orienta os estudantes nos ambulatórios e, por
fim, professor é o profissional que ministra as disciplinas que não fazem parte dos módulos, nos quais destacamse as disciplinas obrigatórias exigidas pela Resolução 04/1999-Consepe.
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43
Para a implementação desse modelo de currículo, a Proposta pedagógica
foi estruturada em dois níveis: nível baseado em problemas (anexo 1) e nível
baseado em casos que corresponde ao internato médico (anexo 2).
Antes de definir o que vem a ser cada um desses níveis, é importante
esclarecer que o ingresso dos estudantes no curso de Medicina da UNESC ocorre a
cada semestre, por meio do concurso vestibular, em que são selecionados
aproximadamente quarenta estudantes para compor uma turma. Esses estudantes
são divididos em grupos de aproximadamente oito componentes que formarão o
“grupo tutorial”, que faz parte do primeiro nível, o nível baseado em problemas.
De acordo com a Proposta, este nível está estruturado da seguinte forma:
módulos temáticos, sessão tutorial, seminário de integralização para consolidação
do conhecimento e humanização da prática médica, conferência, recursos
instrucionais, coordenação e avaliação (anexo 3).
Para fins de esclarecimento, conceitua-se o que vem a ser cada uma
dessas instâncias.
Os módulos temáticos contemplam os conteúdos das disciplinas
necessárias à capacitação do médico, segundo as exigências do Ministério de
Educação e Cultura (MEC) e, de acordo com a Proposta, “não é uma disciplina, mas
contém temas de várias disciplinas, que são necessárias para o entendimento de
uma
situação-resposta
fisiológica
ou
patológica”
(UNESC:
PROJETO
DE
REENGENHARIA, 2000, p.13). Esses são constituídos de temas afins e são
apresentados aos estudantes na sessão tutorial (anexo 4).
A sessão tutorial se constitui a partir de um grupo de aproximadamente
oito estudantes, denominado de grupo tutorial, mediado por um tutor, cuja finalidade
é apresentar e discutir o “problema” de estudo, assim como formular os objetivos de
aprendizagem que devem ser perseguidos pelos mesmos, visando a encontrar as
respostas ao problema em questão. No trecho citado se pode observar que, no
próprio papel designado ao grupo tutorial, fica evidenciado o compromisso com as
“respostas” aos “problemas”, muito mais do que com o processo de investigação e a
construção dos conceitos científicos. Contudo, por ser o grupo tutorial composto por
oito estudantes, alguns conceitos importantes que perpassam o “problema” de
estudo poderão não ser abordados por todos os grupos. Dessa forma a proposta
prevê a socialização dos conhecimentos adquiridos em cada grupo tutorial, por meio
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de um seminário.
Assim, o curso oferece, ao final de cada módulo, um seminário para os
estudantes de todos os grupos tutoriais denominado de seminário de integralização
para consolidação do conhecimento e humanização da prática médica. Além disso,
com vistas a permanente atualização da formação médica, o curso também oferece
periodicamente conferências com profissionais renomados da região ou de fora dela.
Para incentivar o estudo sistemático, a relação teoria-prática e a
pesquisa, o curso dispõe de recursos instrucionais como: biblioteca, laboratórios de
informática, laboratórios específicos e ambulatórios. E, finalmente, para o
acompanhamento de todo esse processo foi constituída uma comissão para
coordenação e avaliação cuja função é construir os instrumentos avaliativos.
Neste contexto, a Proposta prescreve que o “problema” é o seu elemento
central e é utilizado para o desenvolvimento e estudo dos conteúdos específicos do
currículo. Contudo, salienta que o “problema” não se limita a mero exercício para a
aplicação de princípios ou conceitos já estudados. Por esse motivo, ao ser
apresentado aos estudantes na sessão tutorial, o “problema” desencadeia os
estudos a serem realizados pelos mesmos, a partir dos seguintes passos:
a) Leitura do problema e identificação de termos desconhecidos
É na sessão tutorial, sob a coordenação de um tutor, que os
estudantes são apresentados ao “problema” de estudo. Nesse
primeiro contato faz-se um exercício coletivo da compreensão da sua
proposição, assim como do significado dos termos desconhecidos.
b) Identificação dos problemas suscitados
Após a compreensão do problema, discute-se, coletivamente, quais
aspectos
são
significativos
e,
destes,
quais
merecem
ser
aprofundados.
As duas primeiras etapas, portanto, indicam a necessidade da
compreensão clara do “problema” para que o estudante não se desvie
do caminho na busca das repostas à sua solução.
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c) Formulação de hipóteses explicativas
Uma vez compreendido o “problema”, o grupo constrói as possíveis
hipóteses para sua solução.
d) Resumo das hipóteses
A partir de todas as possibilidades de respostas levantadas pelo
grupo, faz-se uma síntese das proposições, elegendo então a(s)
hipótese(s) com as quais se irá trabalhar.
Novamente, as etapas “c” e “d” evidenciam a preocupação em manter
o estudante no caminho “certo” para que as suas pesquisas
encontrem com eficiência as respostas adequadas aos “problemas”
em estudo.
e) Formulação dos objetivos de aprendizagem
Formuladas as hipóteses, estabelecem-se, então, os objetivos que
suscitam o “problema” e que devem ser perseguidos pelos estudantes
individualmente.
f) Estudo individual dos temas referidos nos objetivos de aprendizagem
Nessa etapa, os estudantes realizam o estudo individual, por meio de
pesquisas a bibliografias relativas ao tema e, ou consultas a
especialistas.
g) Elaboração da síntese e generalização dos conhecimentos adquiridos
Após o período de estudo, os estudantes voltam à sessão tutorial com
as respostas ao “problema”. A tarefa do grupo tutorial é, por meio de
uma nova discussão do “problema”, elaborar uma síntese dos
conhecimentos apropriados.
Como se vê, as perguntas, as dúvidas, os questionamentos, o
processo de racionalização dos conceitos não é evidenciado, o que
reforça a idéia de que o compromisso da Proposta é com as repostas,
mais que as perguntas. Por conseguinte, é possível inferir que as
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“respostas” são mais importantes, pois elas representam o produto
final e indicam que o conhecimento foi adquirido.
h) Discussão dos aspectos da prática humanizada da Medicina
A última etapa do estudo do “problema” prevê que os estudantes
articulem os conhecimentos já adquiridos com uma prática mais
humanizada em saúde, o que se subtende como atenção e cuidado
ao paciente.
Essa etapa não faz parte do modelo original da ABP, mas é uma
particularidade da Proposta da UNESC, por entender a necessidade
de uma formação médica mais humanizada e ética, compreendendo o
paciente como ser humano e não simplesmente o “portador” de uma
doença.
O segundo nível da ABP, referido no início deste texto, é o nível baseado
em caso. Este consiste no estudo de casos clínicos e treinamento em serviço, que
ocorre no internato médico com a mediação do preceptor. Nesse nível, o estudante
e sua relação com o paciente são o foco da proposta didático-pedagógica. A esse
respeito, o projeto do curso registra que:
Espera-se que o aluno esteja apto a vivenciar casos clínicos reais, que são
bem mais complexos que os problemas trabalhados nos módulos temáticos.
Além da interdisciplinaridade, onde o aluno tem atividades em todas as
áreas durante todo o período do internato, ele é caracterizado por uma forte
inserção do aluno na comunidade e uma formação básica generalista com
ênfase na medicina de saúde da família. (UNESC: PROJETO DE
REENGENHARIA, 2000, p.17).
É no momento do internato que o estudante defronta-se com a realidade
profissional, cujas relações não são mais estabelecidas com suposições de
problemas, elaborados por especialistas, mas, com desafios concretos que fazem
parte da realidade da profissão médica. O “problema”, então, toma outra dimensão
e o estudante vai necessitar acionar os conhecimentos apropriados, estabelecendo
relação teoria-prática na resolução de problemas vinculados a situações reais.
Nessa etapa, o estudante é acompanhado e avaliado por um preceptor que o auxilia
no processo, estabelecendo as mediações necessárias a sua formação.
Ainda de acordo com a Proposta, nesse ciclo é dada ênfase à:
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47
•
prática supervisionada;
•
humanização no campo hospitalar e comunitário;
•
promoção da saúde e prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação da doença
(UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.11).
Uma formação médica com toda essa complexidade exige uma
organização que atenda as necessidades advindas desse novo modelo. No caso do
curso de Medicina da UNESC, foi organizada uma estrutura didático-pedagógica que
possibilitasse o seu gerenciamento de forma participativa. Dessa forma, para
algumas instâncias foram constituídas comissões de trabalho envolvendo o quadro
docente. Para melhor visualização apresenta-se essa estrutura sob a forma de um
organograma:
COLEGIADO DO CURSO
CAPACITAÇÃO
ENSINO
Coordenador
PESQUISA E
EXTENSÃO
AVALIAÇÃO
CICLO BÁSICO CLÍNICO
CURRÍCULO
LABORATÓRIO
INTERNATO
AMBULATÓRIO
INFORMÁTICA
Figura 1: Estrutura organizacional da ABP do curso de Medicina da UNESC. (PROJETO DE
REENGENHARIA: 2000, p.15).
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48
De acordo com a análise realizada na Proposta (PROJETO DE
REENGENHARIA, 2000), e, devido à complexidade da estrutura, algumas de suas
características merecem ser descritas mais detalhadamente:
a) Colegiado é a instância máxima, na qual são discutidas e deliberadas as
metas e decisões do curso. O mesmo é presidido pelo coordenador do curso
com a participação dos docentes e representantes dos discentes.
b) Capacitação tem como função promover o “treinamento” e “reciclagem” dos
professores na metodologia ABP. É de sua responsabilidade a construção de
políticas de formação de recursos humanos, promovendo cursos de
atualização, estágios e intercâmbio com outras instituições.
c) Pesquisa e Extensão, sob sua responsabilidade, traça, incentiva e apóia
linhas de Pesquisa e Extensão promovidas pelo curso.
d) Ciclo Básico Clínico representa o período de inserção dos estudantes em
atividades de extensão, desenvolvidas nos ambulatórios, hospitais e clínicas
etc, com a finalidade de integrar teoria e prática, por meio da resolução de
problemas em casos clínicos.
e) Informática: responsável por avaliar; aprovar e acompanhar os projetos de
pesquisa em informática médica que a ela forem encaminhados; gerenciar a
implantação e a manutenção da estrutura de informática do curso. Tem
também a função de avaliar a estrutura de informática do curso (treinamento,
software e equipamentos) e encaminhar as solicitações de recursos de
informática que se fizerem necessários.
f) Internato se constitui no período de inserção dos estudantes, como
estagiários, nos hospitais, acompanhados por um preceptor.
g) Ensino tem a responsabilidade de coordenar todas as ações relativas ao
processo ensino-aprendizagem da ABP. Para melhor atender os objetivos e
as especificidades da ABP, a comissão de ensino foi subdivida as seguintes
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49
comissões: avaliação, currículo, laboratórios e de ambulatório.
•
Avaliação: esta comissão é composta por docentes que não estão
envolvidos na tutoria do módulo avaliado e tem como incumbência
conhecer os objetivos de aprendizagem atingidos em cada módulo,
para a partir deles gerenciar a elaboração das questões a serem
avaliadas nas provas finais. Compete, ainda, a essa comissão a tarefa
de reelaborar os instrumentos avaliativos, a saber: avaliação interpares, autoavaliação, avaliação do tutor pelo estudante, avaliação do
estudante pelo tutor.
•
Currículo: a essa comissão cabe o papel de coordenar os grupos de
especialistas que definirão: temas, árvores temáticas, objetivos de
aprendizagem e problemas de cada um dos módulos. É também de
sua responsabilidade: a) Definir os conteúdos das disciplinas
fundamentais e complementares, a partir dos quais serão elaboradas
árvores temáticas, os objetivos de aprendizagem e os problemas de
cada módulo; b) Indicar os coordenadores de módulo; c) Gerenciar a
integração dos conteúdos dos módulos temáticos,
ativados no
momento de buscar respostas à sua solução.
Cabe destacar que os documentos consultados não explicitam os
critérios utilizados por essa Comissão na elaboração do problema.
c- Laboratórios e Ambulatório: em se tratando dessa comissão, a ela
coube a função do desenvolvimento
das habilidades, conteúdos
laboratoriais e atitudes definidas pela Comissão de Currículo.
Essas instâncias e comissões são responsáveis diretamente pela
coordenação do processo ensino-aprendizagem da ABP na UNESC. De acordo com
a Proposta o curso de Medicina, também dispõe-se de recursos e atividades que
têm como finalidade agregar os conteúdos complementares, ou seja, aqueles que
não foram contemplados nos “módulos” devido às especificidades dos “problemas”
de estudo. Entre estes se destacam o seminário de integralização para consolidação
do conhecimento e humanização da prática médica, as conferências, os laboratórios
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50
e ambulatório de atividades práticas e de interação comunitária, as disciplinas
obrigatórias e optativas.
Das disciplinas obrigatórias são contempladas as que, até 2007, faziam
parte da estrutura didático-pedagógica da UNESC: Metodologia Científica e da
Pesquisa, Atividade Física e Qualidade de Vida, Epidemiologia e Bioestatística e
Sociologia da Saúde10. “Elas aparecem num primeiro momento como disciplinas e
seus conteúdos permanecem na interface do desenvolvimento dos módulos ABP”.
(UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.20).
Pela análise desta estrutura é possível identificar a complexidade que
exige uma proposta curricular ABP em um curso de Medicina. Contudo, vale lembrar
que, para o seu funcionamento, há a necessidade de uma integração contínua dos
grupos que constituem as comissões de gerenciamento, pois, caso contrário correse o risco de se perder o sentido de sua proposta.
Além disso, a organização das próprias instâncias indica algumas
fragmentações no exercício de suas funções. Isso pode ser percebido, por exemplo,
na comissão de avaliação, que é integrada por docentes que não são tutores dos
módulos, cabendo a estes elaborar os instrumentos avaliativos. Essa visão indica
certa desarticulação entre o processo ensino-aprendizagem e o processo avaliativo,
questão esta que merece uma reflexão mais aprofundada por parte do curso, sobre
o seu verdadeiro papel.
Outro aspecto que merece destaque é o papel delegado à comissão de
capacitação: “treinar” e “reciclar” os professores para aplicação da metodologia ABP.
A esse respeito é possível questionar a concepção de formação continuada da
Proposta, uma vez que “treinar” e “reciclar” implica compreender o professor como
um objeto e não como sujeito, como um receptor que informações que precisa ser
treinado para executar a sua função. Como diz Freire: “Por isso é que, na formação
permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a
prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode
melhorar a próxima prática” (FREIRE, 1996, p.43-44). A partir desse ponto de vista,
a educação do professor é uma condição necessária à concretização de qualquer
10
Disciplinas obrigatórias estabelecidas pela Resolução 04/1999-Consepe. São elas: Metodologia Científica, (4
créditos); Atividade Física e Qualidade de Vida, (4 créditos); Filosofia ou Sociologia, (4 créditos).
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51
proposta pedagógica, pois, é ele quem vai conduzir o processo educativo.
Além das questões mencionadas acima, pela análise da Proposta
pedagógica do Projeto de Reengenharia do curso (2000) e do Projeto políticopedagógico do curso (2005) é possível concluir que, na ABP da UNESC, o
“problema” é considerado o fio condutor de todo processo ensino-aprendizagem,
pois é por meio dele que perpassam todas as ações do curso, e é em função dele
que se faz necessário toda essa organização curricular. Por essa razão, há a
necessidade de interrogar a noção de “problema” preconizada pela ABP, analisando
suas aproximações e distanciamentos com a Problematização de Paulo Freire
(1921-1997) uma vez que a referida Proposta, conforme mencionado no início deste
texto, fundamenta-se em sua teoria. Dito isso, cabe lembrar que, na concepção de
ciência de Freire (1985), o problema é o ponto de partida e o de chegada, já que as
respostas constituem-se em fundamentos para novas problematizações. Em outras
palavras, o resultado dos estudos e das pesquisas deve levar à formulação de novas
perguntas que provoquem a curiosidade de continuar pesquisando. O valor não se
concentra somente nas respostas, pois estas são sempre provisórias. A medida que
se descobre perguntas essenciais, forma-se uma cadeia em que a pesquisa vai se
constituindo.
Nessa mesma linha de idéias, Paviani diz que “a problematização não se
refere apenas ao problema. Abarca também as soluções do problema, que por sua
vez poderão originar novos problemas” (PAVIANI, 1988, p.85).
O autor também questiona sobre o que vem a ser um problema
legitimamente científico, ou seja, que apresente validade pedagógica. Ao que ele
anuncia:
O problema pode ser visto sob dois ângulos distintos: quanto ao processo
da investigação científica e filosófica e quanto aos aspectos pedagógicos de
ensinar e aprender. Não se trata de demonstrar como se distinguem, ao
contrário, no nosso caso, procura-se resolvê-los um no outro. O modo de
ensinar tem íntima relação com o modo de produzir conhecimentos e de
refletir filosoficamente. Por isso, precisamos nos voltar à questão dos
conteúdos (conhecimentos elaborados), ensinados nas salas de aula, mas
não especificamente aos conteúdos existentes em si. Precisamos tentar
resolver, e este é o nosso problema, como é possível ensinar alguém a
conhecer, pensar e produzir ciência e filosofia. (PAVIANI, 1988, p.82).
As considerações de Paviani sobre a produção do conhecimento são de
grande importância e levam a refletir sobre sua influência nos processos
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52
pedagógicos. Isso representa dizer que, na prática pedagógica, o professor deve
ajudar os estudantes a assumirem uma atitude questionadora. Dessa forma, os
conteúdos trabalhados são encarados como instrumentos para criar condições de
aprendizagem, criando oportunidades para o estudante desenvolver habilidades de
compreender os mecanismos de construção dos conceitos científicos.
É neste sentido que, um dos caminhos apontados pelo autor é trabalhar a
partir de “problemas”, “uma vez que estudamos problemas e não matérias”
(PAVIANI, 1988, p.80). Porém, trabalhar com “problemas” não representa apenas
trabalhar com “perguntas”, por melhor elaboradas que estas sejam. Um problema
científico abarca:
Um desafio, um obstáculo a ser vencido. [...] O problema nasce da relação
entre o homem e os outros homens. Nasce fundamentalmente da práxis
humana. Não é algo que se dá ao homem de modo abrupto... [...] Todo
problema é constituído a partir de um processo cultural. (PAVIANI, 1988,
p.83).
A forma de encarar o “problema”, descrita em Paviani na citação acima,
expõe a necessidade de analisar a Proposta ABP da UNESC, buscando interrogar a
noção de “problema” que perpassa em seus textos. Os possíveis encaminhamentos
dessa questão poderão indicar sinais da concepção de problema que a Proposta
mobiliza e suas conseqüências pedagógicas traduzidas no processo ensinoaprendizagem. Em face disso, a análise, que segue, buscará rastrear o sentido da
noção de “problema” explicitados nos diversos momentos da Proposta, a saber:
módulos
temáticos,
aprendizagem
centrada
no
estudante,
aprendizagem
compartilhada e avaliação do processo ensino-aprendizagem, para, a partir daí, ir
lançando os traços e desdobramentos da pergunta inicial.
3.3.1 A noção de problema e os “módulos temáticos”
Como visto em sessões anteriores, a organização curricular do curso de
Medicina da UNESC é estruturada por módulos temáticos, cuja organização se
orienta pela concepção de “currículo integrado”, fazendo uso de atividades
interdisciplinares para desenvolver as competências e habilidades do estudante ao
exercício da profissão, por meio da ABP. Em função disso, essa parte do texto se
propõe a compreender a noção de “problema” da Proposta, a partir de sua inserção
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53
nos módulos temáticos. Ou seja, com que noção de “problema” são constituídos os
módulos temáticos? Os encaminhamentos dessa indagação poderão indicar a
concepção de conhecimento que perpassa o modelo de currículo.
Antes, porém, de enfrentarmos a questão em foco, cabe compreender o
que vem a ser o currículo integrado, para assim identificar as diferenças em relação
ao modelo tradicional.
De acordo com Santomé (1998), o currículo integrado pode ser
caracterizado como aquele centrado em tópicos, temas, problemas, núcleos etc.
Trata-se, portanto, de organização curricular por meio da qual o estudante
precisa manejar os referenciais teóricos, procedimentos, habilidades de várias
disciplinas a fim de compreender ou solucionar as questões e problemas postos.
Sob essa orientação, Santomé (1998) apresenta algumas razões que
justificam a implantação de um currículo integrado. A primeira é epistemológica e
metodológica, motivo pelo qual, nesse modelo de organização curricular,
evidenciam-se maiores possibilidades de análise de um tema ou problema, sob
diferentes óticas disciplinares. A segunda é psicológica, pois atende as
necessidades e os interesses dos indivíduos, valorizando-se a experiência individual
e os processos de aprendizagem. E a terceira é sociológica, porque permite
trabalhar com conteúdos culturais relevantes e/ou situados nas fronteiras das
disciplinas, estimulando a análise de problemas e a busca de soluções.
No caso do curso de Medicina da UNESC, sua Proposta diz pautar-se em
um “currículo integrado” e “interdisciplinar”, haja vista organizar-se por módulos
temáticos e não por disciplinas.
anteriormente,
não
são
Os módulos temáticos, conforme já explicitado
disciplinas,
mas
unidades
curriculares
que
são
desenvolvidas ao longo do período letivo, no caso da UNESC, em uma média de
três por semestre. Para cada módulo, elabora-se uma árvore temática, dando
origem aos “problemas”, que se constituem em situações concretas, vivenciadas na
área da saúde,elaborados pela Comissão de Currículo a partir de “temas”, que
incorporam conteúdos de várias disciplinas. Tais “problemas” são discutidos pelo
tutor junto aos estudantes na “sessão tutorial” (anexo 2), com vistas ao
esclarecimento, à elaboração dos objetivos de aprendizagem e à definição dos
encaminhamentos que levam a sua solução.
O modo de pensar o currículo, acima descrito, remete a uma reflexão
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54
sobre o sentido de “tema” e “problema” que por ele perpassa. Nesse aspecto
recorreu-se a Paviani (1988) ao registrar que “problemas” não podem ser
confundidos com “temas”, pois, enquanto o primeiro encaminha para a investigação,
o segundo é apresentado como pronto e acabado, levando o estudante a encontrar
respostas pré-determinadas. Nas palavras do autor:
O problema é o contrário do tema: aquilo que é simplesmente dado,
comunicado. É a necessidade de solução de conflitos que marca e delimita
o “problema”. [...] De qualquer modo, o problema deve conter a
possibilidade de solução, de atingir aquilo que ainda não nos foi fornecido
de modo claro. [...] Todo problema quando examinado racionalmente tende
a uma solução, não obstante esta solução (....) não possa e não deve ser
defendida como algo definitivo. (PAVIANI, 1988, p.83-84).
Em razão do exposto na citação acima, há que se interrogar se o
“problema” que integra os módulos temáticos na ABP da UNESC se constitui em um
elemento mobilizador da pesquisa, conforme definido por Paviani ou se assemelha
com “tema”, que contém em si, respostas já definidas. E ainda: se a Proposta do
curso de Medicina da UNESC está comprometida com a formação do espírito
científico ou com a implantação de metodologias inovadoras que levem o estudante
a construir o conhecimento de forma mais dinâmica e atrativa.
Para compreender um pouco melhor sobre a formação do espírito
científico da qual se está debatendo, acionam-se, para essa discussão, as idéias de
Bachelard (1996), epistemólogo francês, sobre o papel da escola na formação. A
esse respeito, o referido autor faz um alerta sobre a forma como a escola vem
trabalhando os conhecimentos. Para ele, a formação do espírito científico não
começa em uma aula, mas é um processo de construção permanente, que
transcende o espaço escolar, de forma que é possível inferir que um projeto
pedagógico que almeje a formação do espírito científico, em Bachelard, só se torna
possível, a partir do estudo dos processos de produção dos conceitos científicos e
não apenas de seus resultados.
O ensino dos resultados da ciência nunca é um ensino científico. Se não for
explicada a linha de produção espiritual que levou ao resultado, pode-se ter
a certeza de que o aluno vai associar o resultado a suas imagens mais
conhecidas. É preciso ‘que ele compreenda’. Só se consegue guardar o que
se compreende. (BACHELARD, 1996, p. 289).
Ao tratar da produção do conhecimento científico Bachelard registra ainda
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55
que:
É precisamente o sentido do problema que dá a marca do verdadeiro
espírito científico. Para um espírito científico, todo o conhecimento é uma
resposta a uma questão. Se não houver uma questão, não pode haver
conhecimento científico. Nada é natural. Nada é dado. Tudo é construído.
(BACHELARD, 1996, p. 166).
Como visto, tanto em Bachelard quanto em Paviani, é o sentido da dúvida
e de problema que marca o espírito investigador. Se não houver problemas, não há
respostas. Desse modo a prática pedagógica deve incentivar no estudante a
capacidade de inquietar-se, de colocar-se sempre novas questões e de estar em
permanente inconformismo com o conhecimento estabelecido.
Após discutir as idéias desses autores, cabe então indagar a noção de
“problema” da Proposta ABP e dos referenciais que ela indica como fundadores,
nesse caso, os de Freire (1921-1997).
Freire
(1985),
partindo
de
uma
visão
pedagógica
progressista
compreende que o caminho mais consistente para a produção do conhecimento
científico é por meio da Problematização dos conteúdos trabalhados na escola.
Conteúdos esses que são inseparáveis da situação concreta do mundo e da relação
estabelecida entre o professor e o estudante. Por este motivo, em Freire (1985)
muito mais que a transmissão de conteúdos, a postura pedagógica deve ser
problematizadora. Acrescenta-se, ainda, que o professor tem a tarefa de ajudar a
desvelar a realidade, construindo uma atitude crítica na apropriação dos conceitos,
ou seja, mais que dar repostas, facilitar a aprendizagem, deve-se problematizá-los
(os conceitos), ensinar/apreender o processo de investigação, não se limitando ao
resultado final da ciência, mas sim desencadeando novos problemas a serem
pesquisados pelos estudantes. Sob essa orientação, enquanto desafia-se o
estudante a pensar, o professor também problematiza seus próprios conhecimentos.
Nas palavras de Freire: “O rigor científico vem de um esforço para superar uma
concepção ingênua de mundo. A ciência sobrepõe o pensamento crítico, aquilo que
observamos da realidade a partir do senso comum”. (FREIRE; SHOR, 1886, p. 69).
Nessa perspectiva, a solução de um problema implica penetrar no
processo de investigação científica problematizando os conhecimentos frente à
realidade concreta em que estão inseridos. É sob esta ótica que Faudez vai dizer
que: “A ciência tem que estar em constante transformação: por ser ciência é preciso
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56
que esse saber se transforme. (FAUDEZ; FREIRE, 1985, p. 33).
É por esse viés que as idéias, apresentadas acima, indicam similitudes na
concepção de produção do conhecimento de Bachelard (1996), Paviani (1988) e
Freire (1985). Vale destacar, também, que uma proposta curricular implementada
nos moldes da ABP da UNESC contém grandes possibilidades de desenvolver o
espírito científico favorecendo a compreensão interdisciplinar dos conceitos. Tal
afirmação encontra sentido no fato de que o problema de estudo na ABP traduz
situações da realidade concreta e, portanto, a busca de respostas a sua solução
implicará no estudo e pesquisa de diferentes campos do saber.
Essas colocações são importantes, pois, pelas questões levantadas é
possível identificar que a Proposta assume compromissos com uma concepção
interdisciplinar do conhecimento. “O processo de ensino-aprendizagem nesse
projeto permeia as disciplinas formando uma rede de conhecimentos teóricopráticos, ambiente este próprio para capacitar o médico do futuro dentro de uma
concepção interdisciplinar”. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.20).
O Projeto político-pedagógico também reafirma a intenção dizendo que:
“É importante que o curso de Medicina busque a interdisciplinaridade dentro do
curso e esteja integrado à realidade da Universidade, da comunidade e dos serviços
de saúde, num movimento de ambientação interna e externa”. (UNESC: PPP DO
CURSO, 2005, p.2).
Entretanto, devido às especificidades deste texto e aos limites deste
trabalho de investigação, as questões relativas à interdisciplinaridade11 não serão
aprofundadas. Por ora se pretende compreender a noção de “problema” dentro dos
módulos temáticos. Esclarecendo o compromisso desta pesquisa e buscando
compreender a noção de “problema” nos módulos, incorporam-se ao debate, a
concepção de interdisciplinaridade de Jean Piaget (1998) e de Paulo Freire
([1968]1983), uma vez que estes autores, assim como conceitos importantes de
suas teorias, são acionados na Proposta para justificar os fundamentos na ABP e na
organização modular.
Dito isso, vale salientar que, nos estudos realizados em Santomé (1998),
11
As questões relativas interdisciplinaridade podem ser melhor aprofundadas na obra “Globalização e
interdisciplinaridade” de Jurjo Torres Santomé, das Artes Médicas, publicado no ano de 1998.
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57
o termo interdisciplinaridade foi utilizado pela primeira vez por Jean Piaget no ano de
1970 no Seminário organizado pela OCDE (Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômico) e pelo Ministério da Educação francês sobre a
“Interdisciplinaridade nas Universidades”. A esse respeito, Piaget explica que, na
busca das estruturas comuns a todas as disciplinas, encontra-se um dos impulsos
decisivos para a filosofia da interdisciplinaridade. Diz Piaget
Não temos mais que dividir a realidade em compartimentos impermeáveis
ou plataformas superpostas correspondentes às fronteiras aparentes de
nossas disciplinas científicas; pelo contrário, vemo-nos compelidos a buscar
interações e mecanismos comuns. (PIAGET, apud SANTOMÉ, 1998, p.50).
Em estudos futuros, Piaget acrescenta que a interdisciplinaridade
representa um “segundo nível de associação entre disciplinas, em que a cooperação
entre várias disciplinas provoca intercâmbios reais; isto é, existe verdadeira
reciprocidade nos intercâmbios, e, conseqüentemente, enriquecimentos mútuos.
(PIAGET apud SANTOMÉ, 1998, p. 70).
É possível perceber então, que o sentido que Piaget atribui à
interdisciplinaridade é o da cooperação e de intercâmbios entre as disciplinas, uma
vez que essa interação, na perspectiva do autor, é uma condição obrigatória na
produção
do
conhecimento
científico.
Assim,
em
Piaget
(1998),
a
interdisciplinaridade requer muito mais que a agregação de temas em um problema
condutor. Nela, o “problema” de estudo aciona os diferentes campos do saber, por
meio do qual se orienta os rumos da investigação. Dessa forma, tanto os conteúdos,
quanto os objetivos de aprendizagem, não podem ser pré-determinados, mas
construídos dialogicamente durante o processo de investigação e apropriação dos
conceitos. Isso quer dizer que um currículo integrado, fundamentado em uma
pedagogia interdisciplinar, pressupõe romper com as propostas tradicionais de
currículo em prol de uma nova forma de conceber o mundo, a ciência, os processos
pedagógicos e a relação professor-aluno.
De
outro
modo,
em
Paulo
Freire
(FREIRE,
[1968]1983),
a
interdisciplinaridade é concebida a partir do processo de “redução temática”. Para
esclarecer no que se constitui esse processo é conveniente destacar que em na
Pedagogia de Freire a apropriação dos conteúdos escolares se iniciae com a
investigação temática, cujo objetivo é identificar na realidade local, os temas que
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58
merecem ser estudados e em seguida faz-se o processo de codificação12 e
descodificação13, destes temas. Concluídas as descodificações, os investigadores
dão início ao estudo sistemático e interdisciplinar de seus achados. Deste modo o
processo de redução temática implica na “cisão dos temas em partes para, voltandose a ele como totalidade, melhor conhecê-lo” (FREIRE, [1968] 1983). Além disso, de
acordo com o mesmo autor, feito o processo de delimitação temática:
[...] caberá especialista apresentar à equipe interdisciplinar o projeto de
redução de seu tema. [...] Neste esforço de ‘redução’ da temática
significativa, a equipe reconhecerá a necessidade de colocar alguns temas
fundamentais que, não obstante, não foram sugeridos pelo povo, quando da
investigação. [...] Na ‘redução’ temática, que é a operação de ‘cisão’ dos
temas enquanto totalidades se buscam seus núcleos fundamentais, que são
as suas parcialidades. Desta forma, reduzir’ um tema é cindi-lo em suas
partes para, voltando-se a ele como totalidade, melhor conhecê-lo”. ([1968]
1983, p. 115, 116).
Nesta perspectiva, para Freire ([1968] 1983), o principal objetivo da
redução temática é estabelecer um diálogo entre cidadãos detentores de diferentes
conhecimentos sobre uma mesma vivência, a partir da leitura crítica da realidade
local. Por essas razões, a interdisciplinaridade em Freire encontra seu sentido na
medida em que estabelece os critérios político-epistemológicos para a construção de
uma proposta pedagógica “problematizadora” contextualizando a realidade estudada
e os processos\produtos dos conhecimentos abordados.
Em se tratando da Proposta do curso de Medicina da UNESC, conforme
já mencionado, a mesma preconiza que seu currículo é integrado e interdisciplinar,
devido a sua organização por módulos. Justifica-se essa idéia, haja vista que os
conteúdos dos módulos não são transmitidos pelo tutor, ou seja, o tutor não tem a
tarefa de repassar, introduzir ou mesmo explicar temas aos estudantes. De outro
modo, o tutor apresenta, discute o problema e, a partir daí, todo processo é
conduzido pelo estudante. Por ser o problema de estudo uma situação “real”, próprio
da profissão médica, não pode ser pensado a partir de conteúdos de uma
12
Representam as situações conhecidas pelos indivíduos cuja temática se busca, possibilitando que,
nelas, eles se reconheçam. (FREIRE [1968] 1983).
13
Representa a análise crítica da situação codificada em que o investigador não apenas ouve os
indivíduos, mas desafiá-os cada vez mais, problematizando, de um lado, a situação existencial
codificadora e, de outro, as próprias respostas que vão dando aqueles no decorrer do diálogo
(FREIRE, [1968] 1983).
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59
determinada disciplina, mas sim, de diversos campos do saber, que atendam as
suas especificidades. Para tanto, o estudante, ao resolver os problemas propostos,
aciona os conteúdos de diferentes áreas do conhecimento que o possibilite
encontrar as respostas pertinentes à questão, de modo a que os estudantes são
mobilizados à busca integrada de conceitos, utilizando-se de diversas fontes de
consulta.
Sob a orientação acima, cabe indagar se o fato de o “problema” ser
apresentado ao estudante antes do estudo teórico, ou seja, desde os primeiros
módulos, não dificulta a busca interdisciplinar do conhecimento. E se os estudantes
terão subsídios teóricos básicos para enfrentar a situação-problema. Para resolver
essa dificuldade, a Proposta apresenta algumas saídas, uma delas é a oferta de
disciplinas isoladas para fortalecer alguns conteúdos específicos, caso estes surjam
como necessidades durante os tutoriais; outra é a consulta à especialista da área,
reiterando, sempre, que é o estudante quem constrói o seu conhecimento.
Com base no estudo realizado na Proposta, compreende-se que a noção
de “problema” que permeia os módulos na ABP se aproxima das idéias vinculadas à
integração disciplinar por meio do estudo de um determinado tema de
conhecimento. Ou seja, para resolver os “problemas” propostos nas sessões
tutoriais, os estudantes precisam acionar os conteúdos de diferentes disciplinas,
uma vez que estes exigem o trânsito por diversas áreas do saber. Quanto mais
complexo o problema, mais o acadêmico necessitará ativar os conhecimentos de
outras áreas. Contudo, ele (o estudante) poderá ter dificuldade em buscar esses
conhecimentos, pois o “problema” é apresentado antes do estudo teórico.
Exibe-se, portanto, nesse ponto a possibilidade de inferir que, na ABP da
UNESC, o problema, embora seja um propiciador da integração dos conteúdos, em
si mesmo não garante a interdisciplinaridade desse modelo de currículo, já que para
o domínio do todo, também é necessário conhecer as partes. Além disso, é possível
indagar também se, atribuir ao estudante a tarefa de conduzir seu processo de
apropriação de conhecimentos por meio de uma aprendizagem “auto-dirigida”, não
poderá levar a um afrouxamento dos conteúdos, constituindo-se em uma base
científica frágil. Esse aspecto poderá levar a uma reflexão mais aprofundada sobre
o tema, lançando a necessidade de investigações futuras.
Em síntese, por todas as reflexões realizadas até aqui, já é possível inferir
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60
que o “problema” na ABP sugere ter um fim metodológico, ou seja, sua utilização
tem a intenção de provocar o interesse do estudante no processo de construção dos
conhecimentos. Nesse sentido, assemelha-se mais a um “eixo curricular”, uma
“metodologia de ensino” na qual os estudantes são mobilizados a assimilarem os
conhecimentos pré-estabelecidos, do que a “problematização” da realidade
estudada e o processo de construção e o produto final dos conteúdos abordados.
Dito isso, cabe então, destacar qual é o papel do estudante nesse
processo, em função de ser ele quem deve resolver os problemas propostos. É por
este viés que a Proposta do curso de Medicina da UNESC diz que o estudante é o
“centro do processo educativo, donde surge a necessidade de discutir essa
categoria: “aprendizagem centrada no estudante”.
3.3.2 A noção de problema e a “aprendizagem centrada no estudante”
Após compreender outros matizes da noção de “problema” que
perpassam os módulos temáticos, cabe agora discutir os pressupostos referentes à
“aprendizagem centrada no estudante”, uma vez que a análise da Proposta indicou
ser este um dos focos principais. Visando a garantir isso, no documento se propõe
localizar outros subsídios que permitam compreender a noção de “problema” que
mobiliza a referida Proposta.
A esse respeito é importante destacar que, pelos estudos realizados na
psicologia da aprendizagem, o princípio pedagógico “aprendizagem centrada no
estudante” tem seus fundamentos na psicologia humanista de Carl Rogers (1977),
que se apresenta como um modelo de educação, cujo eixo central é a “pessoa do
estudante”, em contraste com o modelo tradicional centrado na figura do professor.
No entanto, ao ser abordado no texto, não se tem a intenção de compreender as
suas origens e nem, contudo, discutir as bases teóricas da “aprendizagem centrada
no estudante”. Pretende-se, a partir dessa categoria, analisar novas nuanças da
concepção de “problema” na ABP da UNESC, ampliando sua compreensão sobre o
mesmo.
A Proposta do curso de Medicina da UNESC, ao estruturar o currículo
pela “Aprendizagem Baseada em Problemas” coloca que, para atingir seus
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61
objetivos, o estudante deve ter um “papel ativo”, uma vez que ele se constitui no
“sujeito
do
processo
ensino-aprendizagem”
(UNESC:
PROJETO
DE
REENGENHARIA, 2000, p.8).
Todavia, para que o processo ensino-aprendizagem ocorra de forma
efetiva, a Proposta registra que a busca pelo conhecimento deve ser contínua, e por
esse motivo os estudantes devem ser encorajados a atingir seus próprios objetivos
por meio da aprendizagem “auto-dirigida”, avaliando seus progressos individuais
pela “auto-avaliação”, realizada no final de cada módulo, e da “avaliação cognitiva”14
no final do semestre (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000).
O estudante, portanto, é o “sujeito”, pois a ele é apresentado o “problema”
de estudo, é ele quem precisa elaborar os objetivos de sua aprendizagem, é ele
quem vai, por meio do estudo e da pesquisa, empenhar-se para resolver os
problemas propostos e, também, é ele que vai auto-avaliar a sua aprendizagem.
Nessas afirmações, fica evidenciado o papel ativo do estudante desde o momento
em que é apresentado ao problema. No entanto, é possível identificar também que a
centralidade da proposta no estudante não pressupõe a sua participação no
momento da elaboração do “problema”, de modo que só é ativado no momento de
buscar respostas à sua solução.
Porém, ao tratar do papel ativo do estudante no processo de resolução do
problema, a Proposta diz pautar-se no construtivismo de Jean Piaget justificando
que:
[...] o estudante é visto como um pensador. A posição inicial de cada
estudante é levada em consideração e a aprendizagem é contínua.
Considera fundamental o fazer, a relação do indivíduo com o meio, ou com
o objeto a ser explorado e conhecido. Através dessas relações, o aluno
constrói e organiza o seu conhecimento. Como cada aluno tem sua maneira
de construir e organizar, então o processo é criativo não sendo engessado
como na relação memória-aprendizagem, verificado na escola tradicional.
As atividades pedagógicas são feitas em grupo, onde são avaliadas as
respostas individuais e do grupo. Dessa maneira, o conhecimento é
construído num movimento dinâmico do coletivo para o individual. (UNESC:
PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p. 9).
14
Constitui-se em uma prova aplicada no final do semestre, contendo todos os conteúdos trabalhados nos
módulos. Essa prova é composta em média por sessenta questões. Entre elas, dez são dissertativas e cinqüenta
objetivas.
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62
Reitera, ainda, que o processo ensino-aprendizagem deve:
Buscar desenvolver no aluno a habilidade de aprender-a-aprender e
aprender-fazendo, características do cenário atual da educação continuada,
necessárias a qualquer profissional de tal forma a mantê-lo atualizado e
capaz de disputar postos de destaque intelectual, e oferecendo serviços de
qualidade à sociedade. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.
50).
O Projeto político-pedagógico (2005) também retoma esta questão
registrando que “os objetivos do processo ensino-aprendizagem estão focados no
aluno” (UNESC: PPP DO CURSO, 2005, p. 13).
Portanto, como é possível perceber nos trechos citados acima, a Proposta
reafirma seu compromisso com uma concepção de aprendizagem “centrada no
estudante”, cujo processo de ensino tem como ponto de partida os seus
conhecimentos iniciais, a promoção de sua interação com os objetos de estudo e o
desenvolvimento da habilidade de “aprender a aprender15” e “aprender a fazer”.
Em face do exposto, é possível identificar que a ABP se propõe a romper
com uma concepção tradicional de ensino, uma vez que, estando o foco da
aprendizagem centrado no estudante, incentivando-o a “aprender a aprender”, há
maiores
possibilidades
de
uma
construção
efetiva
do
conhecimento
e,
conseqüentemente, de uma aprendizagem mais significativa. Todavia, não se pode
deixar de destacar, também, que o sentido do “aprender a aprender” na Proposta
sugere a perspectiva do estudante “aprender sozinho”, por meio da construção de
um método próprio de estudo. É nesse sentido que a Proposta acredita que
“aprender a aprender” contribui para o desenvolvimento da criatividade e a
construção da autonomia do indivíduo, enquanto que aprender pela transmissão de
outra pessoa é um obstáculo a essa construção.
O exposto encontra respaldo nas palavras proferidas por Piaget (1947),
em uma conferência intitulada “O Desenvolvimento Moral do Adolescente em Dois
Tipos de Sociedade: Sociedade Primitiva e Sociedade ‘Moderna’”, quando defendeu
a tese de que aquilo que o indivíduo aprende por si mesmo é superior ao que ele
15
O livro: Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria
vigotskiana de Newton Duarte aprofunda as questões referentes às pedagogias do “aprender a aprender” e as
ilusões da sociedade do conhecimento.
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aprende pela transmissão de outras pessoas:
O problema da educação internacional é, portanto, essencialmente o de
direcionar o adolescente não para soluções prontas, mas para um método
que lhe permita construí-las por conta própria. A esse respeito, existem dois
princípios fundamentais e correlacionados dos quais toda educação
inspirada pela psicologia não poderia se afastar: 1) que as únicas verdades
reais são aquelas construídas livremente e não aquelas recebidas de fora;
2) que o bem moral é essencialmente autônomo e não poderia ser prescrito.
Desse duplo ponto de vista, a educação internacional é solidária de toda a
educação. Não apenas a compreensão entre os povos que se vê
prejudicada pelo ensino de mentiras históricas ou de mentiras sociais.
Também a formação humana dos indivíduos é prejudicada quando
verdades, que poderiam descobrir sozinhos, lhes são impostas de fora,
mesmo que sejam evidentes ou matemáticas: nós os privamos então de um
método de pesquisa que lhes teria sido bem mais útil para a vida que o
conhecimento correspondente! (PIAGET, 1998, p.166).
Assim, é possível dizer que, nesse entendimento proposto por Piaget na
citação acima, estabelece-se uma hierarquia valorativa na qual aprender sozinho
situa-se num nível mais elevado do que a aprendizagem resultante da transmissão
de conhecimentos.
Há que se ressaltar, também, que as pedagogias que se sustentam nos
princípios do “aprender a aprender” são alvo de muitas críticas por parte de
pesquisadores, entre eles o educador brasileiro Newton Duarte (2001). A esse
respeito, Duarte alerta que as mesmas têm como intuito preparar os indivíduos
formando as competências exigidas pelo mundo do trabalho. Desse modo,
capacitam-se os estudantes para encontrar novas formas de ação que permitam sua
melhor adaptação aos ditames da sociedade capitalista. Isso representa dizer que o
sentido
prescrito
pelas
pedagogias
do
“aprender
a
aprender”
enquanto
mobilizadoras da iniciativa do estudante buscar por si mesmo novos conhecimentos
e desenvolver sua autonomia são ilusórias. Ao contrário, trata-se de ”uma arma na
competição por postos de trabalho, na luta contra o desemprego” (DUARTE, 2001,
p.42).
Outro aspecto que merece destaque na Proposta é a forma como o
conhecimento se apresenta ao estudante. Enquanto na aula tradicional o professor
introduz e conclui o conteúdo em uma mesma aula ou conjunto de aulas, na ABP
esse processo exige trabalho árduo e busca ativa do estudante pelo conhecimento.
Os conteúdos, por serem integrantes do “problema”, não se esgotam em uma aula,
mas são constituídos em um processo que vai desde a sensibilização do estudante
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ao problema de estudo, até a elaboração das sínteses com base nas respostas
encontradas pelo grupo à sua solução.
Essa concepção de “construção do conhecimento” encontra respaldo nas
idéias de Vasconcelos (1999), pesquisador da linha piagetiana, quando registra que,
em uma aprendizagem significativa, o processo de construção dos conceitos é
favorecido por meio de uma metodologia dialética e envolve três momentos
integrados: a mobilização, a construção e a elaboração da síntese dos
conhecimentos adquiridos16.
A mobilização tem como objetivo “desafiar”, “provocar” o interesse do
estudante pela situação em estudo. Na ABP, essa etapa pode ser identificada na
primeira sessão tutorial de apresentação do problema. A construção do
conhecimento envolve a fase de sua elaboração efetiva, podendo ser identificada na
ABP como aquela em que o estudante se concentra focalizando o estudo individual
e a pesquisa. A elaboração da síntese representa a sistematização dos
conhecimentos adquiridos, e pode ser identificada na última sessão tutorial e no
seminário de integralização dos conteúdos.
Pelas questões apresentadas acima em relação ao processo de
construção do conhecimento percebe-se que os pressupostos teóricos da ABP
encontram ressonância na concepção “construtivista” de Jean Piaget (1990) por ser
este autor aquele que valoriza o processo de construção dos conceitos tanto quanto
o seu produto, pois, no processo, o estudante confronta-se com o objeto de estudo,
explorando toda a sua complexidade. Essa construção exige um trabalho árduo, de
estudo e pesquisa sobre o objeto a ser conhecido, que, embora demorado, evita
uma aproximação superficial com conhecimento e, por conseqüência, a reprodução
de conceitos existentes sem a devida reflexão sobre todos os elementos envolvidos.
Sob a ótica piajetiana, também reflete-se sobre a concepção de
conhecimento que perpassa os conteúdos escolares e o processo ensinoaprendizagem. Do ponto de vista do autor, a construção do conhecimento envolve
uma relação de interdependência entre o sujeito e o meio, só podendo ser efetivada
por meio da interação de ambos. Assim compreendido, o conhecimento em Piaget é
16
Os aspectos relacionados a mobilização, construção do conhecimento e elaboração da síntese pode ser
aprofundado na obra: VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Construção do conhecimento. São Paulo:
Liberdad, 1999.
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construído a partir da ação do sujeito sobre o objeto do conhecimento, interagindo
com ele, sendo as trocas sociais condições necessárias para o desenvolvimento do
pensamento. Reafirmando as idéias piagetianas, Ramozzi-Chiarottino (1988) diz
que, para Piaget, o objeto do conhecimento é tudo que envolve o sujeito, é o meio
físico, é o meio simbólico e o meio social. Todavia, o meio ou o objeto existem
independentes do sujeito, mas não podem ser conhecidos, senão por aproximações
através das atividades físicas e simbólicas. Essas aproximações podem provocar
modificações da estrutura cognitiva do sujeito tanto em nível do pensamento, quanto
em nível da ação. Nas palavras de Piaget “Conhecer é modificar, transformar o
objeto e compreender o processo dessa transformação e, conseqüentemente,
compreender o modo como o objeto é construído” (PIAGET, 1973, p.4).
Partindo desta perspectiva, o conhecimento em Piaget (1973) não é algo
transmitido por alguém e recebido por outro de forma passiva. Muito ao contrário, no
processo de construção do conhecimento, o sujeito relaciona as suas concepções
prévias com as informações advindas do meio (assimilação)17, construindo
estruturas de pensamento cada vez mais complexas que lhe permitam incorporar as
situações novas (acomodação)18. O conhecimento, assim, não está nem no sujeito e
nem no objeto, mas na relação estabelecida entre ambos.
Desse modo, o sujeito para Piaget é intelectualmente ativo, pois compara,
exclui, ordena, categoriza, classifica, reformula, comprova, formula hipóteses de
acordo com o seu nível de desenvolvimento. Por conseguinte, o principal objetivo da
educação escolar deve ser a formação de homens "criativos, inventivos e
descobridores", de pessoas críticas e ativas na busca constante da construção de
sua autonomia. A aprendizagem, portanto, não é um processo apenas de “retenção”
de conhecimentos, mas, acima de tudo, de construção, que ocorre por meio da ação
e interação do sujeito sobre o objeto.
As idéias apresentadas permitem dizer que a noção de “problema” que
perpassa a aprendizagem centrada no estudante encontra respaldo na teoria
construtivista de Piaget (1973) Isso representa dizer que na ABP, assim como em
17
Assimilação: é o processo cognitivo pelo qual uma pessoa integra um novo dado perceptual, motor ou
conceitual nos esquemas ou padrões de comportamentos já existentes.
18
Acomodação é a criação de novos esquemas ou a modificação de velhos esquemas. Ambas as ações resultam
em uma mudança na estrutura cognitiva (esquemas) ou no seu desenvolvimento. Para maiores informações, ver
WADSWORTH, Barry. Inteligência e Afetividade da criança na teoria de Jean Piaget. São Paulo: Pioneira,
1992.
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Piaget, o estudante é um sujeito construtor e não consumidor de conhecimento.
Permite dizer, ainda, que a formação do espírito científico exige “busca”, “trabalho
árduo”, por parte do estudante. Assim, o papel do professor deve ser o de desafiar o
estudante a pensar, evitando a apresentação imediata do conhecimento,
incentivando-o a problematizar e estabelecer relações cada vez mais complexas e
racionalizadas. Como se poder perceber o papel do professor tem uma importância
relevante na epistemologia de Piaget. Por isso, os aspectos relativos ao papel do
professor continuarão a ser debatidos na próxima categoria “aprendizagem
compartilhada”.
No entanto, mesmo percebendo-se a ênfase no estudante como “centro”
e a preocupação com o trabalho em grupo, o processo de construção dos conceitos
científicos sugere ser individual, uma vez que, como a própria Proposta indica, “cada
aluno tem sua maneira de construir e organizar”. Outra questão que merece
destaque é a preocupação com as “respostas” dos estudantes aos problemas
propostos, uma vez que a Proposta necessita garantir a apropriação dos conteúdos
curriculares necessários à formação médica.
Contudo, vale destacar que, embora a função principal dos cursos de
graduação seja o ensino, quanto mais problematizadora for a prática pedagógica,
mais desenvolverá no estudante a capacidade de perguntar, de questionar os
conteúdos e não somente de assimilá-los, mesmo que essa assimilação ocorra de
forma dinâmica e interativa.
Uma prática pedagógica que atribui mais valor a
respostas aos problemas do que ao processo de construção dos conceitos, poderá
levar o ensino a tornar-se um amontoado de respostas para perguntas que o
estudante nunca formulou, o que comumente ocorre nos currículos tradicionais.
A presente questão aponta a necessidade de se estabelecer um diálogo
com Freire (1985), interrogando se
a Proposta em análise
é
de fato
problematizadora, uma vez que, para esse autor, “[...] a pedagogia da resposta é
uma pedagogia da adaptação e não da criatividade. Não estimula o risco da
invenção e da reinvenção. Para mim, negar o risco é a melhor maneira que se tem
de negar a própria existência humana” (FAUDEZ, FREIRE, 1985, p. 27). Por esse
motivo, o capítulo posterior vai dedicar-se à uma análise mais aprofundada da noção
de “Problematização” em Paulo Freire.
Para finalizar, de acordo com os estudos realizados na Proposta, foi
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possível identificar que o estudante é visto como o “sujeito” e o “centro” do processo
ensino-aprendizagem, respaldando-se em uma concepção construtivista
do
conhecimento. Justifica-se a afirmação, em função de a resolução dos “problemas”
na ABP só poder ser efetivada por meio da participação ativa do estudante,
levantando hipóteses, confrontando-as, elaborando novas sínteses, ou seja, por um
processo que incentive o estudante a “aprender a aprender”. O “problema”, então, é
um mobilizador para a construção do conhecimento, alavanca o “aprender a
aprender” e, conseqüentemente, poderá contribuir para a construção das
competências exigidas pelo mercado de trabalho.
Considerar o estudante como centro na proposta ABP, assim como em
Piaget (1973) implica partir do nível de desenvolvimento intelectual de cada
estudante, desafiando-o, provocando conflitos intelectuais, mobilizando a construção
do conhecimento por meio de um processo de investigação. Pressupõe ainda
trabalhar com uma pedagogia que incentive a construção da autonomia do
estudante. A autonomia no sentido piagetiano representa o nível mais alto do
desenvolvimento cognitivo, aquele que possibilita pensar sobre o ponto de vista do
outro. É a submissão do indivíduo a uma disciplina que ele próprio escolhe e a
constituição da qual ele elabora sua personalidade (PIAGET, 1998).
Dito de outro modo o acima exposto, é a capacidade de auto-governo, de
tomar decisões. No entanto, essa capacidade implica, sobretudo, agir orientado pelo
bem comum, pelo princípio da coletividade. É a partir desse ponto de vista que
Piaget aponta para a necessidade do trabalho em grupo, pois é somente por meio
dele que se torna possível a troca de idéias e, conseqüentemente, o exercício da
cooperação. Na ABP da UNESC, o parâmetro ‘trabalho em grupo’ é evidenciado
pela “aprendizagem compartilhada”, ocorrida nos grupos tutoriais, donde surge a
necessidade de discutir qual a noção de “problema” que perpassa nesse eixo, uma
vez que por meio dele poder-se-á
conhecimento que essa Proposta produz.
compreender melhor a concepção de
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3.3.3 A noção de problema e a “aprendizagem compartilhada” nos grupos
tutoriais
Após analisar os elementos constituintes da noção de “problema” na
“aprendizagem centrada no estudante” cabe agora identificar outros matizes dessa
noção a partir da categoria “aprendizagem compartilhada”.
Para fins de esclarecimento é conveniente lembrar que os “grupos
tutoriais” são constituídos por pequenos grupos de estudantes (aproximadamente
oito) e um tutor e têm como objetivo discutir os “problemas” planejados pela
“comissão de currículo” para cada módulo. O encontro desse grupo é chamado de
“sessão tutorial”. Conforme prevê a Proposta, desde os primeiros módulos, o
estudante deve aprender “a trabalhar em grupo e compartilhar conhecimento, de tal
forma que [...] adquira a atitude de aprender cooperativamente (UNESC: PROJETO
DE REENGENHARIA, 2000, p. 22).
Além disso, para cada “problema” são previstos três tempos de trabalho:
O primeiro ocorre na sessão tutorial, na qual o grupo identifica o que já sabe sobre o
problema e formula objetivos de aprendizagem; o segundo é o estudo individual para
o cumprimento dos objetivos; o terceiro é o retorno à sessão tutorial e ao grupo de
origem para discutir as repostas encontradas ao “problema” (UNESC: PROJETO DE
REENGENHARIA, 2000).
A função do tutor nos grupos tutoriais é apresentar e coordenar as
discussões sobre o “problema”, a partir das orientações constantes no seu manual e
pelos objetivos formulados pelos estudantes. Nesse aspecto, a Proposta destaca,
como papel do tutor, a necessidade de:
[...] identificar e compreender os diferentes estágios de desenvolvimento
dos alunos, para que sejam organizados desafios pedagógicos, garantindo
condições para que o aluno ultrapasse seus limites e avance continuamente
em suas elaborações. Ao invés de dar uma tarefa aos alunos e medir o
quão bem eles fazem ou o quanto erram, dá-se uma tarefa, estimula-se a
busca de solução e observa-se o quanto de ajuda eles precisam, e de qual
tipo, para completar a tarefa de forma bem sucedida. (UNESC: PROJETO
DE REENGENHARIA, 2000, p.9).
A Proposta ainda registra que:
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É importante que o professor/tutor tenha uma abordagem, uma proposta e
uma postura que proporcione que os conhecimentos absorvidos pelos
estudantes se transformem em habilidades. Nesse processo o tutor assume
o papel de mediador e organizador de informações e idéias. Hábil
negociador e mestre em relação interpessoal, é pró-ativo e reativo durante o
treinamento. Sensível e apto a mudanças de rumo quando necessário.
(UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.9).
Como é possível perceber, o papel do tutor se materializa na
coordenação das sessões tutoriais com o propósito de mediar as discussões sobre o
“problema” em estudo, de modo que, após a sessão tutorial em que ocorrem os
devidos esclarecimentos às questões suscitadas pelo “problema”, cabe ao estudante
envolver-se no estudo e na pesquisa buscando respostas visando à solução. Esse é
chamado de momento individual de estudo. O tutor, portanto, não participa no
processo de resolução do problema pelo estudante. Sua mediação, depois da
apresentação inicial do problema na primeira sessão tutorial, ocorrerá novamente
por ocasião do retorno dos estudantes à segunda sessão tutorial, momento em que
se discutem as respostas ao “problema”.
Essas idéias remetem ao entendimento de que a ABP da UNESC
apresenta algumas inovações pedagógicas, sobretudo quando preconiza o
deslocamento do centro do processo ensino-aprendizagem, que, no currículo
tradicional, era focado no professor como transmissor de conhecimentos, para o
estudante construtor do seu próprio conhecimento por meio da pesquisa e da
interação com o grupo e com o tutor. É nesse aspecto que cabe refletir sobre o
papel do tutor prescrito na Proposta, já que a sua compreensão pode apresentar
novas informações sobre a noção de problema que a perpassa.
Em relação ao papel do tutor é possível perceber a presença de conceitos
teóricos distintos, pois, ao mesmo tempo em que se considera o professor como
“mediador”, salienta-se, também, que o mesmo deve “proporcionar conhecimentos”,
fazendo as mediações quando houver a necessidade de mudança rumo ao trabalho
desenvolvido, e, ainda, “garantir” que os conteúdos sejam “absorvidos” pelos
estudantes. Nesse sentido é possível dizer que o papel do professor (tutor) continua
a ser o de dirigir o processo pedagógico mesmo que em outros moldes.
Contudo, vale lembrar que a Proposta preconiza fundamentar-se
teoricamente na pedagogia problematizadora de Paulo Freire e no construtivismo de
Jean Piaget. Porém, ao tomar-se como referência as idéias de Freire e Piaget sobre
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o papel do professor, identificam-se concepções diferentes.
Freire (1985) concebe o papel do professor como problematizador.
Problematizar implica ajudar o educando a desvelar a realidade, numa atitude crítica
e dialógica com o conhecimento. Piaget concebe o papel do professor como
desafiador. Desafiar para Piaget implica provocar conflitos, instigar no estudante o
desejo de aprender mais e construir novos conhecimentos. Tratam-se, portanto, de
pedagogias que valorizam muito mais a pergunta do que a resposta, uma vez que é
esta que alavanca os processos de descoberta. A “absorção” de conhecimento só
pode ocorrer em uma pedagogia tradicional, cujo centro da Proposta não é o
estudante, mas o professor que “despeja” os conteúdos e “garante” a sua “retenção”.
A aprendizagem enquanto atividade mediada é um conceito bastante
discutido pela concepção histórico-cultural de Vigotski (1988). Para o autor, o papel
do professor mediador é o de atuar na zona de desenvolvimento proximal19 dos
estudantes com o objetivo de desenvolver as funções psicológicas superiores. Essa
atuação se concretiza por meio de intervenções intencionais que explicitarão os
sistemas conceituais e permitirão aos estudantes a aquisição de conhecimentos
sistematizados. Nesse sentido, o professor tem o papel explícito de interferir na zona
de desenvolvimento proximal dos estudantes, provocando avanços que não
ocorreriam espontaneamente. Ser mediador, portanto, pressupõe uma atitude ativa
tanto do
professor quanto do
estudante
na busca
da apropriação
dos
conhecimentos. Isso representa dizer que o estudante não pode ser considerado
uma “esponja” em que o professor “despeja” o conteúdo que é “absorvido” por ele
num processo mecânico.
Nessa mesma linha de idéias, Silva (1999), ao tratar do papel do
professor, diz que o mesmo deve exercer a função de “complicador e não de
facilitador”. Enfatiza ainda que “o professor só facilita quando complica” e:
19
É um conceito elaborado por Vigotski que define a distância entre o nível de desenvolvimento real,
determinado pela capacidade de resolver um problema sem ajuda, e o nível de desenvolvimento potencial,
determinado através de resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou em colaboração com outro
companheiro. Quer dizer, é a série de informações que a pessoa tem a potencialidade de aprender mas ainda não
completou o processo, conhecimentos fora de seu alcance atual, mas potencialmente atingíveis. (FONTANA,
Roseli. A mediação pedagógica na sala de aula. Campinas: Autores Associados, 1996).
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71
Complica, à medida que desafia; à medida que propõe a análise de cada
perspectiva, como uma perspectiva. Quando provoca a exposição do erro
de forma discursiva, complica o saber fácil, dificulta os juízos apressados.
Fazer um discurso significa expor razões. Não permite, nega a ida imediata
a conclusões ligeiras e que não tenham saído do problema em questão.
(SILVA, 1999, p.138).
Então, partindo desse ponto de vista, o professor não deve incentivar a
resposta apressada, mas, sobretudo, estimular a procura, problematizar os
resultados, compreendendo a dificuldade como parte integrante do processo de
construção. Essas questões são de grande importância para se pensar a concepção
de problema da Proposta.
Nesse aspecto, é possível perceber que o processo de construção dos
conceitos não é muito evidenciado na Proposta do curso de Medicina da UNESC.
De outro modo, a Proposta atribui um grande valor às respostas dos estudantes,
aquelas advindas dos resultados dos estudos orientados a partir das sessões
tutoriais. Assim, demonstra compromisso com os “acertos”, e, caso as respostas dos
estudantes não sejam as previstas pelo professor, avalia-se a elaboração do
“problema”, identificando sua clareza e seus comandos. O processo de investigação
é pouco evidenciado, pois a aprendizagem é autodirigida, posto que cada estudante
tem uma “maneira particular de construir e organizar” o conhecimento.
Além disso, para garantir que os objetivos de aprendizagem sejam
apropriados, o tutor e o estudante recebem materiais específicos (manual do tutor e
manual do aluno) contendo o enunciado e as referências dos recursos educacionais
disponíveis, tais como: bibliografias, recursos audiovisuais (vídeos, slides) e
endereços de páginas da WEB. O manual do tutor contém também os objetivos
específicos de aprendizagem e os possíveis conteúdos a serem abordados em cada
problema. O manual orienta os rumos que deve tomar as sessões tutoriais em uma
aprendizagem compartilhada e a busca de “resolução dos problemas”, como
demonstra o trecho a seguir:
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Na sessão tutorial é apresentado aos alunos um problema pré-elaborado
pela Comissão de Currículo. Esse problema deverá atender a
determinações curriculares e, dentro de um módulo temático, abordar um
tema do conhecimento. De sua discussão os alunos deverão formular
objetivos de aprendizagem. Espera-se que tais objetivos sejam análogos
aos objetivos previamente especificados pelos especialistas das várias
disciplinas que compõem o módulo temático. O tutor mediará a sessão
tutorial norteado pelos objetivos que constam no manual do tutor e pelos
objetivos
formulados
pelos
alunos.
(UNESC:
PROJETO DE
REENGENHARIA, 2000, p.13).
A aprendizagem compartilhada, conforme sugere a citação acima, ocorre
por meio da troca de idéias para o esclarecimento do “problema”, para a elaboração
dos objetivos da aprendizagem e para a socialização dos resultados encontrados. A
construção dos conceitos científicos dá-se num processo, sobretudo, individual, em
que os estudantes precisam buscar as alternativas de solução aos “problemas”.
Em síntese, após ter explorado a Proposta buscando rastrear alguns
elementos que indiquem a noção de “problema” que perpassa a “aprendizagem
compartilhada”, é possível tecer algumas considerações.
O “problema” se constitui em um estímulo, desencadeador de conflitos no
estudante, servindo como alavanca para a interação entre estes e o tutor. Para
amenizar esses conflitos e orientar os caminhos desse processo, o tutor atua como
mediador, estabelecendo conexões entre os conhecimentos trazidos pelos
estudantes e aqueles advindos do problema. Sua tarefa é “facilitar” a organização do
caminho a ser percorrido pelo estudante na procura de respostas à solução dos
problemas. Por essas razões, seu papel é de “ajuda”, de “auxílio” aos estudantes
para que estes possam completar a tarefa de forma bem sucedida, que é análoga ao
manual do tutor.
Desse modo, é necessário também verificar se os objetivos dos
“problemas”, desenvolvidos em cada sessão tutorial e de cada módulo estão sendo
atingidos pelos estudantes. Para essa verificação, a Proposta aponta a “avaliação”
como uma ferramenta importante na ABP, de modo que se faz necessário analisar
como ocorre a “avaliação da aprendizagem” na ABP, e sua relevância na
compreensão da noção de “problema” que nela se presentifica.
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73
3.3.4 A noção de problema e a “avaliação do processo ensino-aprendizagem”
A avaliação da aprendizagem em uma proposta curricular é inerente ao
processo de ensinar e aprender, justamente em função de traduzir a concepção de
ciência, ensino e aprendizagem que permeia a proposta curricular. Diante dessa
constatação, compreender a noção de “problema” da proposta ABP da UNESC
remete à análise sobre o papel da avaliação no processo, visando a identificar
elementos que contribuam para o debate.
Ao tratar da avaliação da aprendizagem, a Proposta contida no Projeto de
Reengenharia (2000) preconiza que, para o processo avaliativo atingir sua finalidade
educativa, deve ser coerente com os princípios pedagógico-psico-sociais do
processo de ensino-aprendizagem adotado. Assim, a avaliação é compreendida
como:
- processo de formação integral do aluno, incluindo atitudes e
habilidades além da aquisição de conhecimento técnico;
- compreensão dos avanços, limites e dificuldades que os alunos estão
encontrando para atingir os objetivos de aprendizagem propostos;
- ato dinâmico que continuamente subsidie o direcionamento do curso.
(UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.18).
Junto à citação acima é possível identificar, na concepção de avaliação, a
preocupação com o cumprimento dos pressupostos das Diretrizes Curriculares
Nacionais (2001), quando centra suas discussões na responsabilidade dos cursos
com a formação de atitudes e habilidades nos estudantes para que possam atuar
com competência no mundo do trabalho. Além disso, apresenta indícios de uma
concepção de avaliação “formativa”, ou seja, aquela que acompanha todo o
processo educativo diagnosticando, interferindo e encaminhando a ação do
professor e do estudante, com vistas à qualificação da aprendizagem. É nesse
sentido que o PPP (2005) define que a avaliação é “o processo que valida, analisa,
norteia e diagnostica, acompanhando a construção do conhecimento em relação as
competências, habilidades e atitudes” (UNESC: PPP DO CURSO, 2005, p.24) e
acrescentando, ainda, que a mesma avalia não só os aspectos “somativos”, mas,
sobretudo, os “formativos”.
Por conseguinte, é possível dizer que o curso considera que o sistema
avaliativo é “formativo”, pois não avalia somente os resultados finais, mas o
desempenho do estudante em todas as atividades realizadas durante a resolução
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74
dos problemas.
Para o melhor entendimento do processo avaliativo, retirou-se do
Regulamento do curso de Medicina, proposta pela Res. 11/2006/Consu, os artigos
referentes à essa questão, para uma posterior análise:
Art. 4º – A avaliação nas disciplinas ABP modulares é entendida como
processo que visa à formação, quantificação e qualificação do
conhecimento, auxiliando o ensino e orientando a aprendizagem, a partir da
obtenção de informações sobre o aluno, devendo:
I.Posicioná-lo em relação ao grupo quanto ao seu desempenho.
II. Promover e auxiliar a progressão do aprendizado do aluno.
III. Possibilitar a reflexão e tomada de decisão sobre os resultados do
processo ensino-aprendizagem.
Art. 5º – Nas disciplinas ABP modulares, a avaliação está dividida em
avaliação formativa, avaliação somativa.
Art. 6º – A Nota Geral da Avaliação da Disciplina ABP modular (NGADM) é
composta pelas notas da avaliação somativa e formativa.
Art. 7º – A avaliação formativa visa a acompanhar a aprendizagem do aluno
ao longo da disciplina e é constituída por:
I. Auto-avaliação, assim entendida como a realizada pelo aluno, sobre o seu
próprio desempenho.
II.Interpares, realizada pelo aluno sobre o desempenho de seus colegas.
III.Aluno pelo Tutor, realizada sobre o desempenho de cada aluno na
sessão tutorial.
IV.Relatórios Pró-Estudo, entendidos como os relatórios semanais
apresentados pelos acadêmicos ao Tutor referentes às atividades
desenvolvidas nos tempos pró-estudo.
Art. 8º – A avaliação somativa tem como objetivo identificar e qualificar a
aprendizagem adquirida, subdividindo-se em:
I. Avaliação cognitiva: prova teórica, ocorrida no final da disciplina, sobre os
conteúdos abordados nas atividades desenvolvidas durante a disciplina
ABP modular.
II. Avaliações prático-teóricas: realizadas durante e/ou ao final da disciplina,
em cada um dos laboratórios/ambulatório, objetivando verificar o
desenvolvimento de habilidades, atitudes e conhecimentos.
Art. 9º – Na avaliação formativa somente será pontuada a avaliação do
aluno pelo tutor com o valor máximo de 2,0 (dois) pontos.
§ 1º – Somente as avaliações formalizadas serão contabilizadas para a
composição da Nota Geral da Avaliação da Disciplina ABP modular
(NGADM).
§ 2º – A avaliação formativa interpares e auto-avaliações não terão valor na
composição da Nota Geral da Avaliação da Disciplina ABP modular
(NGADM).
§ 3º - Os Relatórios Pró-Estudo não são pontuados para efeito de nota, mas
é indispensável a entrega de, pelo menos, 75% (setenta e cinco por cento)
dos mesmos para aprovação na disciplina.
Art. 10 – A avaliação somativa será pontuada com a seguinte distribuição:
I. Avaliação cognitiva: 4,0 (quatro) pontos.
II. Avaliação prático-teórica: 4,0 (quatro) pontos, compostos pela média das
avaliações realizadas em cada um dos laboratórios e ambulatório. (UNESC:
Res. 11/2006/CONSU).
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75
A análise dos artigos acima destacados remete ao entendimento de certa
“separação” entre os conceitos formativos e somativos da avaliação. O conteúdo da
resolução concebe a avaliação somativa, como aquela em que se avaliam os
conteúdos trabalhados nos módulo e disciplinas, enquanto que a avaliação formativa
se aproxima mais daquela que não exige a demonstração explicita dos conteúdos
apropriados. Para fins de composição de nota, conforme dito acima, “somente será
pontuada a avaliação do aluno pelo tutor com o valor máximo de 2,0 (dois) pontos”.
A Proposta indica também que o processo avaliativo ocorre ao final de
cada “problema”, “módulo” e “semestre letivo”. A avaliação do “problema” tem como
objetivo “avaliar a qualidade do problema proposto (clareza, consistência e
adequação aos objetivos do módulo) e dos recursos instrucionais disponíveis, sendo
esta última de caráter opcional” (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000,
p.18). Já a avaliação ao final do “módulo” visa a avaliar “o conhecimento adquirido,
tanto em termos teóricos quanto em habilidades e atitudes, tendo em vista os
objetivos de aprendizagem em questão” (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA,
2000, p.18). A Proposta afirma, ainda, que no final do semestre letivo, ocorre uma
avaliação por meio de uma prova escrita composta, na sua maioria, por questões
objetivas. Esta tem peso 4,0 (quatro) e é identificada pelo curso como sendo a
“avaliação cognitiva”, contemplando de forma cumulativa todos os conteúdos dos
módulos temáticos. Além da prova escrita, o estudante é avaliado pelo tutor de
acordo com o seu desempenho nas aulas práticas ocorridas nos laboratórios e
ambulatórios atribuindo-se, para isso, peso 4,0 (quatro).
Portanto, a composição da nota, de acordo com a Proposta, é formalizada
pela avaliação formativa: 2,0 pontos da avaliação (avaliação do estudante pelo tutor
sobre o seu desempenho nas sessões tutoriais); e somativa, valendo 4,0 (quatro)
pontos da prova cognitiva, ocorrida ao final do módulos; 4,0 (quatro) pontos pelo
desempenho nas aulas práticas, ocorridas durante ou no final da disciplina.
Todas essas modalidades de avaliação utilizadas na Proposta têm como
objetivo:
[...] a verificação de aprovação do aluno, considerando a dinâmica e
participação nas sessões tutoriais, o conhecimento, as atitudes, e as
habilidades adquiridas; assim como a verificação da qualidade dos
problemas propostos e dos recursos instrucionais disponíveis. (UNESC:
PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.18-19).
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76
Pelas citações retiradas
tanto do regulamento do curso (RES.
11/2006/Consu) quanto do Projeto de Reengenharia (2000) e do Projeto políticopedagógico (2005) é possível identificar algumas sutilezas focalizando à noção de
“problema” que a Proposta revela. Nesses trechos, identificam-se indícios de uma
concepção de conhecimento que dicotomiza o processo do produto final, reafirmada
em diversos momentos.
Como visto, a Proposta concebe os estudantes como sujeitos do
processo, construtores do seu conhecimento por meio da interação com o grupo e o
tutor, sendo também responsáveis pela avaliação de seus progressos individuais e
de seus pares. Contudo, apesar da avaliação do desempenho ocorrer durante o
processo (autoavaliação, interpares, avaliação do estudante pelo tutor) somente é
pontuada para composição da nota, a avaliação do tutor sobre o desempenho dos
estudantes, atribuindo-se o peso máximo de dois pontos. A avaliação dos conteúdos
abordados pelos problemas nas sessões tutoriais ocorre, sobretudo, no final do
processo quando da prova cumulativa, e nas aulas práticas, que somam cada uma,
quatro pontos na nota do estudante.
Ao tomar-se por base a concepção “construtivista” e a “pedagogia
problematizadora”, a avaliação deve ocorrer durante todo o processo e implica o
compromisso do professor e do estudante, uma vez que o processo ensinoaprendizagem é de corresponsabilidade de ambos. Desse modo, é possível inferir
que nem o professor e nem o estudante são o centro do processo, pois ambos são
partícipes, cujo conhecimento das ciências é o propósito central, já que é por meio
dele que se formam profissionais qualificados e cidadãos responsáveis e éticos. Sob
esta ótica, a avaliação é um instrumento que, articulado ao processo ensinoaprendizagem, é fundamental na formação, em função de traduzir a concepção de
ensino-aprendizagem que orienta as bases teóricas do currículo. A avaliação, então,
encontra sua razão de ser, na medida que subsidia o processo ensinoaprendizagem e oferece elementos para o seu constante aperfeiçoamento.
Todavia, vale salientar que, em Freire (1985) o conhecimento por ele
mesmo não transforma a realidade. Só transforma se instiga a atitude crítica e
assume o compromisso político com as transformações sociais e com as práticas
hegemônicas da saúde. Neste sentido, o conhecimento científico só tem sentido se
contribuir para a humanização das relações sociais.
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77
As questões apresentadas acima são de grande importância para se
pensar a noção de “problema” da Proposta, entendendo que, na abordagem
“construtivista” e na pedagogia “problematizadora”, a avaliação tem a finalidade de
ajudar o estudante a superar suas impressões primeiras sobre o objeto de estudo.
Com base nessa premissa, o “erro” apresentado pelo estudante no
processo de construção dos conceitos é permitido e desejável, por indicar que os
conceitos estão em processo de racionalização. Tarefa essa que não ocorre de um
dia para outro, visto a complexidade do conhecimento científico.
É nesse sentido que Piaget (1967) concebe o “erro” como possível e até
necessário, mas não um erro qualquer, o erro “construtivo”: aquele que mostra que o
sujeito está elaborando uma hipótese, ou seja, está seguindo suas concepções a
respeito da realidade e usando seus próprios procedimentos para testar e
experimentar suas hipóteses. É o resultado do esforço que o sujeito faz para
aprender. Isto quer dizer que Piaget não concebe o “erro” como oposição ao acerto,
mas como processo de invenção, de descoberta. O erro é visto e compreendido de
forma dinâmica, como caminho para o avanço. É uma rica fonte de informação para
o professor, mostrando como os estudantes estão raciocinando e apontando, em
especial, os aspectos que, no momento, concentram as principais dificuldades. O
“erro”, visto desta maneira, auxilia o professor, orientando sua conduta em sala de
aula.
Nesta mesma linha de pensamento, Freire (1985), ao falar sobre o “erro”
diz que uma pedagogia da liberdade é eminentemente arriscada. Esta não deve,
portanto, temer o “erro”, mas, ousar o risco, provocar o risco como uma forma de
avançar no conhecimento:
Julgo importante essa pedagogia do risco, que está ligada à pedagogia do
erro. Sem negação que é o erro, essa nova negação é que dará
positividade ao erro; essa passagem do erro ao não-erro é o conhecimento.
Jamais um novo erro será absolutamente um novo erro, cujos elementos
relativos implicam em um novo erro essa cadeia se estende ao infinito”.
(FREIRE,1985, p.27).
Cabe destacar que, na Proposta ABP da UNESC, a concepção de “erro” e
a noção de “risco” são pouco explicitadas. De outro modo, demonstra compromisso
com os “acertos”, e, caso as respostas dos estudantes aos problemas não sejam as
previstas pelo professor (e pelos objetivos constantes em seu manual), avalia-se a
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78
elaboração do mesmo, identificando sua clareza e seus comandos. O processo de
investigação é pouco evidenciado. A ênfase é atribuída às respostas ao problema,
pois demonstram que o estudante está se apropriando dos conteúdos. Além disso,
para garantir que os objetivos de aprendizagem sejam apropriados, a Proposta
propõe que o tutor e o estudante recebam “manuais” que orientam os rumos
tomados visando às sessões tutoriais, bem como orientem os conteúdos a serem
abordados em cada problema.
Após
compreender
melhor
os
fundamentos
da
“avaliação
da
aprendizagem” na Proposta da UNESC, é possível inferir que a noção de “problema”
que se articula a essa categoria atribui grande valor às respostas e aos acertos,
muito mais do que aos erros e ao processo de investigação, o que a distancia do
construtivismo e da pedagogia da problematização que valoram, colocando em
evidência, o “risco” e a incerteza do conhecimento.
Do conjunto da análise das principais categorias que compõem a
Proposta, inscritas tanto no seu Projeto de Reengenharia (2000), quanto no seu
Projeto político-pedagógico (2005), é possível fazer algumas considerações.
A noção de “problema” nos módulos temáticos da ABP sugere ter um fim
metodológico e sua utilização tem a intenção de provocar o interesse do estudante a
assimilar os conhecimentos preestabelecidos e tornar a aprendizagem significativa,
mais do que desencadear a produção do conhecimento científico.
Já a noção de problema na “aprendizagem centrada no estudante” remete
ao entendimento do “problema” como um mobilizador na construção do
conhecimento, por meio do princípio de “aprender a aprender” e da aprendizagem
autodirigida. O “problema” é um instrumento pedagógico que estimula o estudante a
ser o gestor de sua aprendizagem.
A noção de “problema” na “aprendizagem compartilhada” se constitui em
desencadeador de conflitos no estudante, servindo como alavanca para a interação
entre estes e o tutor, uma vez que, nessa Proposta, o estudante é encorajado à
busca de respostas e não a recebê-las de forma pronta e acabada. Para solucionar
esses “conflitos” o tutor atua como facilitador, auxiliando o estudante na organização
de sua tarefa.
Na “avaliação da aprendizagem”, a noção de “problema” atribui mais valor
às respostas e aos acertos do que aos erros, e ao produto final mais do que ao
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79
processo de investigação. Isso quer dizer que se problematiza as respostas do
problema e as novidades dele decorrentes, mas o “problema”, a pergunta não é
problematizada.
Diante das análises, impõe-se agora confrontar a noção de “problema” da
ABP na UNESC com a noção de Problematização de Paulo Freire. Esse confronto
encontra sentido na medida que os documentos da Proposta do curso de Medicina
da UNESC citam os referenciais teóricos de Freire e, também, porque a
Problematização está presente em todas as suas obras. Isso quer dizer que, Freire
não
somente
disserta
sobre
a
Problematização,
mas
suas
idéias
são
problematizadoras. A opção por Freire justifica-se também pelo fato do autor ter sido
um grande educador e pesquisador na área da pedagogia, que buscou na educação
problematizadora, a construção de um projeto educacional voltado à libertação do
ser humano e a transformação da sociedade.
Para fins de esclarecimento é importante dizer que a apresentação da
Proposta ABP antes dos estudos teóricos de Paulo Freire sobre a Problematização
se justifica, porque foi a partir da análise da Proposta que se identificou como
categoria central à “noção de problema”. Isso quer dizer que a Problematização não
foi definida como uma categoria a priori no estudo da Proposta, mas, pelo contrário,
emergiu de sua análise.
Dando seguimento às discussões até aqui discutidas, o próximo capítulo
se propõe a explicitar os pressupostos teóricos que orientam a concepção de
Problematização de Freire, para, a partir daí, confrontá-la com a ABP, apresentando
as aproximações e distanciamentos na “noção de problema” das duas teorias.
Discutir a noção de “problema” da Proposta com o Freire se torna decisivo nessa
análise, uma vez os referenciais teóricos desse autor aparecem em seus
documentos. Por conseguinte, o compromisso metodológico dessa pesquisa é
confrontar a Proposta com ela mesma, bem como, com os fundamentos teóricos
inscritos em seus documentos.
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80
IV INTERROGAÇÕES FREIREANAS À NOÇÃO DE PROBLEMA DA ABP
A noção de “problema” tem sido apresentada nesta pesquisa como uma
categoria-chave à compreensão da Proposta ABP do curso de Medicina da UNESC.
Em capítulos anteriores ficou evidenciado que, ao tratar da sua metodologia por
“problemas”, a Proposta se propõe a estar fundamentada em Paulo Freire. Contudo,
a Problematização de Freire ([1969] 1983), vai além de uma metodologia de ensino,
por se constituir, efetivamente, em uma concepção de ensino-aprendizagem cujo
propósito maior é o desenvolvimento da consciência crítica e a transformação da
realidade. Diante disso, faz-se necessário um esforço teórico em direção aos
estudos e fundamentos da pedagogia freireana buscando compreender seus
reflexos em uma proposta pedagógica que almeje perseguir esses princípios. É
dentro desse contexto que este estudo visa a compreender a concepção de
“problema” que está vinculada à Proposta, confrontando-a com a concepção de
Problematização de Paulo Freire.
Vale destacar que, na Proposta, as aproximações com Freire podem ser
identificadas especialmente pela organização curricular por “problemas” e não por
disciplinas isoladas como nos currículos tradicionais, conforme citação a seguir:
Desde a década de 50, existem novas propostas de currículos para escolas
médicas. Há, hoje, um consenso entre os educadores que o aprendizado
deve ser mais centrado no aluno, que deve dispor de mais carga horária
para atividades de pesquisa e de estudo. A partir da década de 70 houve
melhoria no conhecimento da psicologia da aprendizagem no adulto,
mostrando a importância de sua participação ativa na incorporação do
conhecimento, a importância de sua experiência prévia e do uso desta
experiência como elemento motivador para o aprendizado. Parte destes
conhecimentos foi desenvolvida a partir dos estudos de Paulo Freire. (...)
Com base nesses estudos surgiu a metodologia de Aprendizagem Baseada
em Problemas (ABP) e sua implantação em vários cursos de Medicina.
Essa metodologia é baseada no construtivismo de forma a favorecer o
processo
de
ensino-aprendizagem.
(UNESC:
PROJETO
DE
REENGENHARIA, 2000, p.10).
No trecho acima é possível identificar que a Proposta sugere
aproximações com Freire pelas questões relacionadas à Problematização, à
participação ativa do estudante no processo de ensino-aprendizagem e ao uso da
experiência prévia como elemento motivador de aprendizado. Essas questões
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desafiam a perguntar, neste trabalho, se a “Aprendizagem Baseada em Problemas”
segue o mesmo caminho que a Problematização de Freire. Para a análise, em um
primeiro momento apresentar-se-á os fundamentos teóricos da Problematização de
Freire, para a seguir, a exemplo do que foi feito com a noção de “problema” no
capítulo anterior, confrontá-la com a noção de “problema” da ABP na UNESC.
4.1 A centralidade da Problematização na pedagogia de Paulo Freire
Paulo Freire, educador brasileiro, marcou a história da educação do Brasil
e da América Latina, por meio de uma proposta de educação que buscava romper
com a concepção elitista que favorecia apenas a classe dominante. A essa
educação, Freire chamou de “popular”, pois sua proposta era voltada aos interesses
e necessidades da classe popular. Freire acreditava que somente por meio dela, a
escola poderia contribuir para a emancipação dessa classe, superando a sua
condição de dominação. A sua intenção era construir um projeto educacional para
as minorias excluídas da sociedade, que ficou conhecida no cenário educacional
como “educação libertadora”.
A educação para ser verdadeiramente humanista tem que ser libertadora e
uma das suas preocupações básicas deve ser o aprofundamento de tomada
de consciência que se opera nos homens enquanto agem, enquanto
trabalham. Se a tomada de consciência, ultrapassando a mera apreensão
da presença do fato, o coloca, de forma crítica, num sistema de relações,
dentro da totalidade em que se deu, é que, superando-se a si mesma,
aprofundando-se, se tornou conscientização. (FREIRE, [1969]1985, p.5253).
Para concretizar esse projeto, Freire (1995) acreditava que uma educação
promotora da libertação da classe popular só é possível por meio de uma pedagogia
problematizadora, que desafie os educando a serem os sujeitos e não o objeto do
processo educativo.
Essa concepção está fundamentada na perspectiva de que o
ser humano, diferente do animal, é um ser de “relações” e não de “contatos”. Se
apenas estivesse no mundo (contato), não haveria transcendência nem se
objetivaria a si mesmo. A “relação” com o mundo possibilita ao ser humano
desenvolver a capacidade de refletir sobre seus atos. O ato de reflexão sobre a
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realidade e sobre sua própria condição leva-o a desenvolver a consciência crítica
que lhe permite transformar a realidade.
O homem está no mundo e com o mundo. Se apenas estivesse no mundo
não haveria transcendência e nem se objetivaria a si mesmo. Mas, como
pode também objetivar-se, pode distinguir entre um eu e um não-eu. Isso o
tornar capaz de relacionar-se; de sair de si; de projetar-se nos outros; de
transcender. Pode distinguir órbitas existenciais distintas de si mesmo.
(FREIRE, 1994, p.15).
A partir deste ponto de vista, Freire (1994) concebe o ser humano como
sujeito capaz de transformar a realidade, como produtor e produto da história, uma
vez que, transformando o mundo, sofre os efeitos dessa transformação. Sendo a
história um processo dialético, em Freire não há como pensar a educação fora do
contexto da própria sociedade. É nesse sentido que Freire vai falar da educação
como forma de libertação do homem, não pode ocorrer por meio de uma educação
“bancária”, mas somente por uma educação Problematizadora.
Na “educação bancária” o ato de educar consiste em depositar ou
transmitir conhecimentos prontos e acabados, sendo esse processo um ato de
doação dos que julgam saber aos que nada sabem (FREIRE, [1969]1983). Assim,
os educando não são sujeitos, mas objetos do processo educativo.
A educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os
depositários e o educador o depositante. Em lugar de comunicar-se, o
educador faz comunicados e depósitos que os estudantes, meras
incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a
concepção “bancária” da educação. (FREIRE, [1969]1983, p.66).
Freire ([1969]1983) alerta que, na educação “bancária”, o conhecimento é
reduzido a mera transferência de conteúdos, por um professor que segue uma
matriz curricular, um programa de ensino e um livro didático. O currículo nessa
perspectiva se resume ao conteúdo programático predeterminado por aqueles que
julgar deter o saber. Dessa forma, tanto o estudante quanto o professor são meros
expectadores do processo pedagógico. A educação “bancária”, portanto, não desafia
a consciência crítica, assim como o conhecimento produzido não tem a função de
desvelar a realidade.
De outro modo, a educação Problematizadora de acordo com Freire
([1968]1983) indica a “relação” do próprio ser humano com o mundo, que é “estar”
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83
nele e “com” ele, como um ser do trabalho, da ação, com que transforma o mundo
(FREIRE, [1968] 1983, p.83). É por esta razão que a mesma se sustenta na relação
dialógica entre educador e educando, possibilitando a ambos aprenderem juntos,
por meio de um processo emancipatório.
A “bancária”, por óbvios motivos, insiste em manter ocultas certas razões
que explicam a maneira como estão sendo os homens no mundo e, para
isto, mistifica a realidade. A problematizadora, comprometida com a
libertação, se empenha na desmistificação. Por isto, a primeira nega o
diálogo, enquanto a segunda tem nele o selo do ato cognoscente,
desvelador da realidade. (FREIRE, [1969]1983, p.83).
Por conseguinte, na educação proposta por Freire ([1969]1983), a
comunicação entre professor-aluno possui um caráter problematizador que gera a
consciência crítica comprometendo-se com a transformação da realidade. Sobre
isso, o autor também argumenta que [...] “a educação problematizadora, de caráter
autenticamente reflexivo, implica num constante ato de desvelamento da realidade.
[...] busca a emersão das consciências, de que resulte sua inserção crítica na
realidade”. (FREIRE, [1968]1983, p. 80).
Nesse contexto, a função primordial da Problematização é possibilitar aos
estudantes exercitar a prática de pensar criticamente, é interpretar os fatos. Mas
qual o sentido da crítica nessa pedagogia? O próprio Freire responde: a crítica
representa a “promoção da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica”.
(1996, p.51). A crítica nesse ponto de vista implica, sobretudo, na autocrítica, no
colocar-se à prova numa atitude de reflexão constante sobre o mundo e sobre seus
próprios atos.
Desse modo, no processo de desenvolvimento da consciência crítica dos
educandos, o educador deve problematizar os conteúdos trabalhados, estimulandoos a curiosidade e a pergunta. A esse respeito, ressalta Freire, no diálogo com
Faudez, no livro Pedagogia da Pergunta:
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Volto a insistir na necessidade permanente de estimular a curiosidade, o ato
de perguntar, em lugar de reprimi-la. As escolas ora recusam a pergunta,
ora burocratizam o ato de perguntar. A questão não está simplesmente em
introduzir no currículo o momento das perguntas, das nove as dez, por
exemplo. Não é isso! A questão nossa não é a burocratização das
perguntas, mas reconhecer a existência como um ato de perguntar. A
existência humana é, por que se fez perguntando, à raiz da transformação
do mundo. Há uma radicalidade na existência que é a radicalidade do ato
de perguntar. Exatamente quando uma pessoa perde a capacidade de
perguntar, se burocratiza. (FAUDEZ; FREIRE, 1985, p. 27)
Para Freire, conforme citação acima, o ato de perguntar é uma
necessidade ontológica do ser humano. Desconsiderar essa necessidade é negar
sua essência, sua condição humana. O ato pedagógico que não valoriza a pergunta
e, mais ainda, que não ensina os estudantes a interrogarem é inócuo. Nessa mesma
linha de idéias, também na obra citada acima, Faudez reflete sobre o valor da
pergunta no processo educativo:
Acho, então, que é profundamente democrático começar a aprender a
perguntar. No ensino esqueceram-se das perguntas, tanto o professor como
o aluno esqueceram-nas, e no meu entender todo conhecimento começa
pela pergunta. Começa pelo que você Paulo chama de curiosidade. Mas,
toda curiosidade é uma pergunta! Tenho a impressão [...] que hoje, o
ensino, o saber é resposta e não pergunta. (FAUDEZ; FREIRE, 1985,
p.24).
Ao que Freire reitera:
[...] Então a pedagogia da resposta é uma pedagogia da adaptação e não
da criatividade. Não estimula o risco da invenção e da reinvenção. Para
mim, negar o risco é a melhor maneira que se tem de negar a própria
existência humana. (FAUDEZ; FREIRE, 1985, p. 27).
Freire (1985) também alerta que a “pergunta” não é simplesmente um ato
mecânico, uma estratégia de ensino. Ela se constitui na razão de ser do
conhecimento, está na sua origem, pois, todo conhecimento começa com uma
pergunta. E mais, todo conhecimento é a resposta a uma pergunta. Assim, a
pergunta é também conhecimento.
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Estou certo, porém, de que é preciso deixar claro mais uma vez que a
nossa preocupação em torno da pergunta não pode apenas ficar ao nível da
pergunta pela pergunta. O importante é ligar, sempre que possível, a
pergunta e a resposta às ações que foram praticadas ou as ações que
podem vir a ser praticadas ou refeitas. [...] Parece-me fundamental
esclarecer que a tua defesa e a minha do ato de perguntar sobre um fato,
tenha uma resposta e uma explicação do fato e não uma descrição pura das
palavras ligadas ao fato. É preciso que o educando vá descobrindo a
relação dinâmica, forte e viva entre a palavra e ação, entre palavra-açãoreflexão. Aproveitando então, exemplos concretos, da própria experiência
dos alunos [...] estimulá-los a fazer perguntas em torno da própria prática e
as respostas, então, envolveriam a ação que provocou a pergunta. Agir,
falar, conhecer, estariam juntos. (FAUDEZ; FREIRE, 1985, p.26).
Por isso, em Freire (1985) é possível compreender que a superação da
escola tradicional não ocorre apenas por questões metodológicas, mas, sobretudo,
pelas relações estabelecidas entre educador e educando e estes com o
conhecimento.
Relações
essas
estabelecidas
no
respeito
mútuo
e
no
reconhecimento do outro como sujeito portador de cultura e de conhecimentos. É
nesse sentido que a pedagogia da Problematização leva o professor e o estudante a
aventurarem-se, a lançarem perguntas sobre as próprias perguntas, a dialetizarem o
processo de produção dos conceitos numa atitude eminentemente crítica e dialógica
com a realidade. Nessa perspectiva, a educação Problematizadora integra educador
e educando, numa relação em que ambos produzem conhecimentos e aprendem
juntos. Essa pedagogia desestabiliza o papel exercido pelo professor na escola
tradicional, uma vez que ressalta o seu papel de aprendiz. A esse respeito Faudez
registra que:
A única maneira de ensinar é aprendendo e essa afirmação valeria tanto
para o professor, como para o aluno. Não concebo que um professor possa
ensinar sem que ele mesmo esteja aprendendo; para que ele possa ensinar
é preciso que ele tenha de aprender. (FAUDEZ; FREIRE, 1985, p.24).
Com base na citação acima, Faudez, assim como Freire, compreende o
professor como aprendiz. Mas, o que pode o professor aprender com os
estudantes? Aprende seu contexto de vida, sua cultura, sua forma de compreender
os conceitos e acima de tudo, aprende a “ser professor”. Também aprende a
estabelecer outras relações com o objeto de estudo, muitas vezes não vistas por ele
e que, só se tornam possíveis num processo de diálogo entre educador e educando.
Afinal, o que pode mais ensinar o professor a ser professor do que a sua própria
prática pedagógica, quando assume os desafios e os riscos inerentes a sua
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profissão? É, pois, no contexto da sala de aula, no exercício da docência que o
professor se constitui professor. Como diz o próprio Freire:
Ninguém começa a ser professor, numa certa terça feira às 4 horas da
tarde. Ninguém nasce professor ou marcado para ser professor. A gente se
faz professor. A gente se forma como educador permanentemente na
prática e na reflexão sobre a prática. (FREIRE, 1991, p.32).
Partindo da compreensão de que o educador se constrói no processo de
ensino-aprendizagem, no ato pedagógico o professor não pode simplesmente
apresentar os conhecimentos do mundo ao estudante, mas construir dialogicamente
esses conhecimentos. O diálogo é, então, a base da pedagogia freireana, uma vez
que é por meio dele que os seres humanos refletem sobre a realidade como sujeitos
cognoscentes e criativos. Nas palavras de Freire:
Diálogo é uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e
gera criticidade. Nutre-se de amor, de humildade, de esperança, de fé, de
confiança. Por isso, somente o diálogo comunica. [...] quem dialoga com
alguém sobre alguma coisa. Essa alguma coisa deveria ser o conteúdo
programático da educação que defendíamos. (FREIRE; SHOR, 1986, p.6869).
Vale destacar que, para Freire (1986) a dialogicidade deve existir
inclusive na seleção do conteúdo a ser trabalhado com o educando. Freire propõe
que o momento da escolha do conteúdo inaugura o processo de diálogo em que se
produz a educação libertadora. Essa busca deve investigar o universo temático dos
estudantes organizando-o em temas geradores. A relação dialógica, então,
possibilita a tomada de consciência sobre tais temas.
É conveniente lembrar, também, que o diálogo em Freire não pode ser
considerado apenas como uma técnica que o professor se utiliza para estabelecer
uma relação amigável com os estudantes. Agindo assim, estaria se utilizando do
diálogo como “uma técnica para manipulação, ao invés de iluminação”. Ao contrário,
em Freire o diálogo é entendido como:
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[...] algo que faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos. É
parte do nosso progresso histórico, do caminho para nos tornarmos seres
humanos. Isto é, o diálogo é uma espécie de postura necessária na medida
em que os seres humanos se transformam cada vez mais em seres
comunicativos. O diálogo é o momento em que os seres humanos se
encontram para refletir sobre a sua realidade, tal como a fazem e refazem.
[...] Através do diálogo, refletindo juntos sobre o que sabemos e não
sabemos, podemos, a seguir, atuar criticamente para transformar a
realidade. (FREIRE; SHOR, 1986, p. 64-65).
O ato pedagógico nessa concepção se faz, na medida que, tanto o
professor quanto o estudante refletem juntos sobre o objeto de estudo. Ao invés de
uma transferência mecânica do conhecimento por parte do professor, o diálogo
requer a aproximação dinâmica de ambos na direção do objeto a ser conhecido.
Além disso, em consultas a algumas de suas obras, verificou-se que
Freire (1986) propôs um método de ensino voltado à educação de jovens e adultos
não-alfabetizados. Entretanto, conforme palavras do próprio autor (1985), apesar de
ter sido conhecido como autor de um método de alfabetização de jovens e adultos,
sua pretensão político-pedagógica era bem mais ousada, uma vez que fazia a crítica
à educação brasileira voltada às elites dominantes propondo uma educação voltada
aos excluídos do poder. Educação esta que Freire chamou de libertadora, cuja
pedagogia tinha como matriz epistemológica a “Problematização” dos conteúdos.
Freire (1985) alerta ainda que, seu método de alfabetização não é um
modelo, mas um conjunto de princípios que precisam ser recriados de acordo com a
realidade concreta. Nesse sentido, na medida que a realidade é diversa, esses
princípios devem ser lidos de maneiras diferentes. O método de Freire, então, é uma
provocação aos educadores para que possam recriá-los de acordo com a sua
realidade. Como diz o próprio Freire “a única maneira que alguém tem de aplicar no
seu contexto algumas proposições que fiz, é exatamente refazer-me, quer dizer, é
não seguir-me. Para seguir-me o fundamental é não seguir-me”. (FAUDEZ; FREIRE,
1985, p.21).
Em face do exposto Freire (1985) sugere que o ato educativo tenha como
ponto de partida o “estudo da realidade” do educando, e, por meio dela “organize os
dados”, elencando os “temas geradores”. Esses temas, extraídos da realidade,
devem ser “problematizados” por meio do diálogo entre os envolvidos. Assim, os
conteúdos a serem ensinados não são pré-concebidos como no currículo tradicional,
mas emergem do contexto histórico e cultural dos estudantes. Para ensinar,
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portanto, é preciso conhecer o estudante e o seu contexto de vida. O relacionamento
entre o educador e o educando é horizontal, com base no qual os mesmos se
posicionam como sujeitos no ato de conhecer.
Diante das idéias abordadas até aqui, nos estudos realizados em Freire,
especialmente nas obras: Pedagogia do oprimido ([1969]1983), Educação como
prática da liberdade ([1969]1983), Conscientização (1980), Pedagogia da autonomia
(1996), Por uma pedagogia da pergunta (1985), Medo e ousadia (1986), é possível,
mesmo correndo o risco de parecer reducionista, apontar alguns caminhos a serem
perseguidos em uma proposta pedagógica que intente ser Problematizadora. Entre
eles destacam-se:
a) Tema “gerador” como eixo articulador do processo ensino-aprendizagem: os
conteúdos de ensino não devem ser transmitidos de forma acabada, mas na
forma de problemas extraídos da realidade, cujas relações devem ser
construídas pelos estudantes. Após o estudo da realidade, é papel do professor
sistematizar junto com os estudantes os “temas geradores” que merecem ser
explorados. O “tema gerador” em Freire ([1968] 1983) constitui-se no “universo
mínimo temático” sobre o qual, educador e educando buscam compreender a
realidade. Porém, Freire alerta que sua constituição não é arbitrária, ou mesmo
uma hipótese de trabalho que deva ser comprovada.
Se o tema gerador fosse uma hipótese que devesse ser comprovada, a
investigação primeiramente não seria em torno dele, mas de sua existência
ou não. [...] o tema gerador como uma concretização, é algo a que
chegamos através, não só da própria experiência existencial, mas também
de uma reflexão crítica, sobre as relações homens-mundo e homenshomens, implícitas nas primeiras. (FREIRE, [1968]1983, p. 50).
A partir dos temas geradores, educador e educando desvelam seus
níveis de compreensão da realidade, determinam um mundo comum entre si, no
qual ocorre um ato de conhecimento. Os temas geradores não estão nos seres
humanos isolados, nem na realidade separada dos seres humanos, mas nas
relações homem-mundo. Por essa razão, ao promover o estudo da realidade, sua
compreensão e representação, o educador contribui para romper com o senso
comum e com a visão ingênua da realidade.
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No entanto, a busca do universo temático não é uma tarefa mecânica,
mas um processo de busca, de criação, o que exige do educador e do educando
o questionamento constante na interpenetração dos problemas da realidade.
b) A curiosidade como mola propulsora do conhecimento: o ser humano é um ser
curioso, é talvez por isso que Freire considera a curiosidade como “[...] parte
integrante do fenômeno vital” (FREIRE, 1996, p.35). Entretanto, as pessoas, a
partir da sua vivência, aprendem a satisfazer ou não a sua curiosidade. É nesse
sentido que o educador cumpre um papel fundamental, pois é de sua
responsabilidade auxiliar a passagem da curiosidade ingênua do educando à
curiosidade crítica. Essa passagem não acontece de forma espontânea. Para o
educador, trata-se de uma tarefa imprescindível, em função de contribuir para
que os educandos consigam se aproximar do objeto cognoscível com uma maior
exatidão, exercendo a capacidade de aprender criticamente para pensar
autenticamente.
[...] uma das tarefas precípuas da prática educativo-progressista é
exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil.
Curiosidade com que podemos nos defender de “irracionalismos”
decorrentes do ou produzidos por certo excesso de “racionalidade” de
nosso tempo altamente tecnologizado. (FREIRE, 1996, p. 36).
Assim, deve o educador auxiliar os educandos a criticizarem a sua
curiosidade, haja vista ser esta essencial para que se avancem qualitativamente
nos estudos e assumam postura crítica frente à realidade social.
c) O valor da pergunta no trabalho pedagógico: a pergunta é condição inerente
num processo pedagógico problematizador. De tal forma, cabe ao educador
ensinar o educando a criticizar o problema e, também, a ensinar a aperfeiçoar a
pergunta, uma vez que em Freire (1996) as perguntas são necessárias para a
construção de um pensamento autêntico.
A Problematização em Freire ([1969]1983) só acontece na medida que o
educador e o educando aprendem a questionar e a desenvolver a consciência
crítica, que, segundo o autor, tem como características o “anseio de profundidade
na análise de problemas” (FREIRE, 1994, p. 40). Diverge, portanto, da
consciência ingênua, motivo pelo qual esta:
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Revela uma certa simplicidade, tende a um simplismo, na interpretação dos
problemas, isto é, encara um desafio de maneira simplista ou com
simplicidade. Não se aprofunda na casualidade do próprio fato. Suas
conclusões são apressadas, superficiais. [... ] É frágil na discussão dos
problemas. O ingênuo parte do princípio de que sabe tudo. Pretende ganhar
a discussão com argumentos frágeis. É polêmico, mas não pretende
esclarecer. Sua discussão é feita mais de emocionalidades que de
criticidade [...]. (FREIRE, 1994, p. 40).
Por conseguinte, o trabalho pedagógico na perspectiva freireana
deve incentivar o estudante a perguntar em lugar de dar respostas. Deve
ensinar o estudante a encontrar respostas criativamente, ou seja, participar do
seu processo de conhecimento. [...] a origem do conhecimento está na
pergunta, ou nas perguntas, ou no ato mesmo de perguntar... (FREIRE, 1985,
p.26), o que revela a necessidade de formular perguntas muito mais do que,
eventualmente, respondê-las.
Assumir a educação como um ato de conhecimento é, portanto, a
condição principal para uma prática pedagógica guiada pela pergunta,
problematizadora e provocadora.
d) Conhecimentos prévios dos estudantes como ponto de partida: ao
trabalhar o conteúdo, o professor necessita conhecer as experiências
prévias dos estudantes.
Os conteúdos só terão significado, se estes
puderem estabelecer relações com outros já apropriados anteriormente.
O respeito aos saberes do estudante, então, é condição necessária sob o
enfoque dessa pedagogia. O respeito implica, sobretudo, discutir a razão
de seus saberes e a relação com o ensino dos conteúdos. É nesse
sentido que Freire faz a seguinte reflexão:
Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que deva
associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que
a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a
morte do que com a vida? Por que não estabelecer uma necessária
“intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e à
experiência social que eles têm como indivíduos? (1996, p.33-34).
Os conhecimentos iniciais dos educados são o ponto de partida do
processo ensino-aprendizagem, por possibilitar ao educador compreender os
processos de pensamento do educando, reconhecendo conceitos advindos
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de sua cultura. Considerá-los como ponto de partida não implica, porém, que
a prática pedagógica da escola deva sobrevalorizá-los. Pelo contrário, ao
educador e educando cabe, por meio do estudo e da pesquisa intensa,
reconhecer os conhecimentos mal-estabelecidos, identificando aqueles que
fazem parte do senso-comum, para superá-los. Não se trata, portanto, de
desvalorizar ou simplesmente negar os conhecimentos do senso-comum, mas
identificá-los, com vistas a sua superação permanente, por ser esta a tarefa
da escola.
e) Educando como o sujeito do processo educativo: o educando só aprende
quando se envolve profundamente com a situação. Ao pesquisar os
problemas advindos da realidade, os mesmos interrogam “o porquê” daquela
realidade. Aprendem, com a ajuda do educador, a pensar criticamente sobre
os fatos e estabelecer relação teoria-prática.
“A educação, portanto, implica
uma busca realizada por um sujeito que é o homem. O homem deve ser o
sujeito de sua própria educação. Não pode ser objeto dela. Por isso, ninguém
educa ninguém”. (FREIRE, 1994, p.14).
Além disso, o estudante é compreendido nessa pedagogia como
um sujeito histórico, e, como tal, inserido em uma realidade concreta, em que
produz e é produzido por uma cultura. Em conseqüência disso, a cultura dos
estudantes não deve apenas ser respeitada, mas reconhecida como parte
inerente de uma pedagogia que intenta ser libertadora.
f) Pesquisa como princípio pedagógico: a pesquisa e o ensino são dois
processos imbricados. Ensina-se porque se busca o conhecimento, e buscase o conhecimento para poder intervir na realidade e educar. É por meio da
pesquisa que se parte do senso-comum para a sua necessária superação
mobilizando a consciência crítica dos professores e estudantes.
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres
encontram-se um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo
pesquisando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque
indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando intervenho,
intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não
conheço e conheço para comunicar, anunciar a novidade. (FREIRE, 1996,
p. 14).
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A pesquisa é, então, um princípio pedagógico por excelência. Tanto o
educador quanto o educando são acima de tudo pesquisadores.
g) O diálogo como base de sustentação da pedagogia Problematizadora: a
pesquisa só pode ser considerada um princípio educativo se houver o
diálogo. Assim, o diálogo se apresenta como elemento constitutivo e
imprescindível em uma pedagogia Problematizadora. Entretanto, esse não
pode ser reduzido a simples conversação, devendo ser compreendido como
fenômeno humano, e que por isso constitui-se de ação e reflexão. É nesse
sentido que, para Freire, o diálogo é:
[...] uma exigência existencial . E, se ele é o encontro em que se solidarizam
o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser
transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar
idéias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de
idéias a serem consumidas pelos permutantes . (FREIRE, [1968]1983, p.
79).
Freire ([1968]1983), ao falar da educação dialógica, diz que não há
diálogo sem humildade, sem esperança, sem um profundo amor ao mundo e
aos homens, sem a fé no seu poder de criar e recriar, e que não há diálogo
verdadeiro sem um pensar verdadeiro. Por conseguinte, o diálogo é possível
nas relações e interlocuções entre educador e educando e não em relações
de dominação.
h) Superação dos conhecimentos do senso-comum: ao trabalhar os conteúdos
escolares, o professor deve desafiar o estudante a avançar nos seus
conhecimentos. Para tanto, é necessário um trabalho de continuidade e
superação em relação aos conhecimentos que o estudante traz. O professor
tem como tarefa inicial identificar o que o estudante já sabe, levando-o a
estabelecer relações com os conteúdos (continuidade), provocando novas
necessidades
e
desafios, no sentido de ajudá-lo
a superar seus
conhecimentos anteriores, elaborando novas sínteses (superação). Nas
palavras de Freire:
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Não há para mim, na diferença e na “distância” entre a ingenuidade e a
criticidade, entre o saber de pura experiência feito e os que resultam dos
procedimentos metodicamente rigorosos, uma ruptura, mas uma superação.
A superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade
ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser
curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se, tornando-se então, [...] curiosidade
epistemológica, metodicamente, “rigorizando-se”, na sua aproximação ao
objeto conota seus achados de maior exatidão. (FREIRE, 1996, p.34).
Essas idéias são exploradas em diversas obras do próprio Freire (19831985-1996), ou de autores que compartilham de seus princípios. Como já dito
anteriormente, grande parte desses trabalhos dedica-se a explorar o método
utilizado por Freire e sua aplicação na alfabetização de jovens e adultos. Porém, é
do entendimento desta pesquisadora que a pedagogia de Freire trata muito mais de
uma Teoria do Conhecimento do que uma metodologia de ensino, ou um novo jeito
de “ensinar” e “aprender”, seja ela voltada para educação de crianças, ou de jovens
ou adultos. Por esses motivos, suas idéias são propagadas nas escolas,
universidades e em outros espaços educativos.
Em face do exposto é possível afirmar que a Problematização de Freire
vai muito além das questões metodológicas do ensino. Freire propôs uma
“pedagogia Problematizadora”. Seu projeto de educação buscou construir uma
Teoria do Conhecimento baseada no respeito ao educando, no desenvolvimento da
sua autonomia e na dialogicidade enquanto postura pedagógica.
Além disso, Freire (1996) ressalta que uma pedagogia Problematizadora
é, sobretudo, uma pedagogia da pergunta, uma pedagogia que incentiva a
curiosidade do estudante, em lugar de reprimi-la. É uma pedagogia que se propõe a
desvelar a realidade para transformá-la. Nesse sentido, apresenta uma concepção
pedagógica bastante ousada, marcada pelo “sonho” de transformação da sociedade.
Não é por acaso que as idéias de Freire exerceram forte influência nas práticas
pedagógicas das escolas, orientando inclusive propostas curriculares das redes
municipais e estaduais de educação, tanto nacional, quanto internacionalmente.
No caso da ABP, Freire vem sendo apontado como um dos autores que a
sustentam. Contudo, é possível perguntar em que medida a noção de “problema” da
ABP se articula com a noção de Problematização de Paulo Freire. É com essa
intenção que este texto busca agora confrontar as aproximações e distanciamentos
entre as duas proposições, a partir dos eixos centrais da ABP, explorados no
capítulo anterior: módulos temáticos, aprendizagem centrada no estudante,
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aprendizagem compartilhada, avaliação do processo ensino-aprendizagem.
4.2 Problema e Problematização: aproximações e distanciamentos.
As análises e discussões feitas até aqui sobre a ABP e a Problematização
levam-nos a indagar se essas duas formulações não seguem caminhos diferentes
na medida que apresentam núcleos teóricos distintos. Para responder a questão,
buscar-se-á confrontar a “noção de problema” da ABP, a partir das categorias
centrais retiradas da Proposta da UNESC, problematizando o discurso freireno
mobilizado pela mesma e o discurso do próprio Freire em sua teoria.
Nesse contexto, um aspecto que merece ser destacado refere-se à forma
de estruturação curricular que exige as duas proposições. A esse respeito cabe
ressaltar que a ABP na UNESC é uma proposta de reestruturação curricular
organizada por módulos temáticos, a qual se orienta pela concepção de “currículo
integrado”, utilizando atividades interdisciplinares no trabalho com os conteúdos
curriculares. Os módulos são constituídos de “problemas” de estudo, que
representam situações vivenciadas pelo médico no exercício de sua profissão.
O
“problema”, após ser discutido no grupo tutorial, deve promover o levantamento de
hipóteses para explicá-lo. A partir daí, estabelecem-se os objetivos, realizam-se
pesquisas e estudos com vistas a sua resolução.
Por esse motivo, a noção de “problema” que perpassa os módulos
temáticos na ABP se aproxima de uma metodologia de ensino que tem a intenção
de provocar o interesse do estudante tornando a aprendizagem significativa.
A Problematização é uma concepção de ensino-aprendizagem que
orienta a prática pedagógica dos professores. Aos que desejam segui-la devem
conhecer as obras de Freire e os princípios que fundamentam a sua teoria.
Portanto, a Problematização não exige uma matriz curricular diferenciada, uma vez
que a sua implementação pode ser uma opção individual do professor, de um grupo
de professores ou de toda instituição que almeja a construção de uma proposta a
partir dos princípios freireanos. Já a ABP só pode ser implementada como uma
proposta curricular, haja vista que sua estruturação afeta a todos os envolvidos no
curso e a própria instituição que o adotou. Ademais, a opção pela ABP implica na
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construção de uma proposta que exige uma reorganização curricular total e
complexa, incluindo o corpo docente, administrativo e a estrutura física da
instituição. Para sua implementação, faz-se necessário a constituição de diversas
comissões de trabalho (mencionadas no capítulo II), cujas atividades devem ser
desenvolvidas pelo coletivo de seus professores. As comissões devem trabalhar de
forma integrada para que se possa garantir a unidade da Proposta. De outro modo,
a
Problematização
não
implica
grandes
mudanças
estruturais,
mas
a
conscientização e formação continuada de todos os envolvidos.
Somado ao exposto no parágrafo anterior, é importante trazer para esse
debate a noção de “problema” que perpassa as duas proposições. Na ABP da
UNESC, os “problemas” são constituintes dos módulos temáticos e orientam todo
processo ensino-aprendizagem. Os mesmo são elaborados pela Comissão de
Currículo a partir dos conteúdos que os estudantes precisam se apropriar para
cumprir o currículo, sob pena de, se não apropriados, não serem considerados aptos
a exercerem a profissão. E por esse motivo, como a própria Proposta indica, sua
elaboração exige muitos cuidados para ser o mais claro possível, para que o
problema seja tratado como:
- simples e objetivo, evitar pistas falsas que desviem a atenção do grupo em
relação ao tema principal;
- motivador, despertar o interesse do aluno para sua discussão. (UNESC:
PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p. 14).
Para resolver o “problema” na ABP da UNESC, o estudante faz uso de
pesquisa bibliográfica ou consultas à especialistas, utilizando-se dos conhecimentos
já elaborados sobre o assunto, visando a encontrar as repostas à solução do
mesmo. Na Problematização, o estudante é desafiado a construir conhecimentos
novos, por meio do estudo, da pesquisa sistemática e da reflexão constante sobre
os conteúdos trabalhados.
A ABP na UNESC apresenta uma seqüência de “problemas” a serem
estudados. Ao término de um, inicia-se outro. O conhecimento adquirido em cada
“problema” é avaliado ao final de cada módulo, tendo como bases os objetivos
estabelecidos nas sessões tutoriais e no manual do tutor. Devido à responsabilidade
de garantir os conhecimentos exigidos pelo currículo, na ABP os objetivos cognitivos
são previamente estabelecidos e os construídos pelos estudantes deverão coincidir
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com os dos especialistas da Comissão de Currículo, descritos no manual do tutor.
A concepção de “problema” até aqui exposta revela uma aproximação
com a idéia de resolução de “quebra-cabeças20” de Thomas Khun (2003), uma vez
que seu objetivo principal é a “busca de solução”. Com a intenção de compreender
melhor o significado que o autor atribui a “quebra-cabeça”, recorre-se a seguinte
citação: “Para ser classificado como um quebra-cabeça não basta a um problema
possuir uma solução assegurada. O problema deve obedecer as regras que limitam
tanto a natureza das soluções aceitáveis como os passos necessários para obtê-la”.
(KHUN, 2003, p. 67).
É no sentido esboçado na citação de Khun (2003) que se registra também
outra citação constante da Proposta quando destaca o papel do professor no
processo de resolução do problema pelo estudante:
(...) Ao invés de dar uma tarefa aos alunos e medir o quão bem eles fazem
ou o quanto erram, dá-se uma tarefa, estimula-se a busca de solução e
observa-se o quanto de ajuda eles precisam, e de que tipo, para completar
a tarefa de forma bem sucedida. (UNESC, 2001, p.9).
A idéia apresentada acima sugere que a “crítica” não está na base da
sustentação do “problema”. Embora as respostas dos estudantes aos “problemas”
possam indicar “soluções novas”, estas não desestabilizam seus pressupostos
fundamentais.
De outro modo, na Problematização, os “problemas” são extraídos da
realidade, do contexto de vida dos estudantes, ou a partir de conteúdos
significativos. Como diz o próprio Freire:
Em torno de situações reais, concretas, existenciais, ou em torno dos
conteúdos intelectuais, referidos também ao concreto, demanda a
compreensão dos signos significantes dos significados, por parte dos
sujeitos interlocutores problematizados. (FREIRE; SHOR, 1986, p.82).
Por serem selecionados na realidade, os mesmos propiciam uma visão
interdisciplinar
dos
conteúdos
trabalhados.
É
nesse
sentido
que,
na
Problematização, o estudante é desafiado a construir conhecimentos novos, por
meio do estudo, da pesquisa sistemática e da reflexão constante sobre os conteúdos
20
O termo quebra-cabeça é utilizado neste trabalho no sentido kuhniano. Khun entende a ciência normal como
uma atividade de resolução de “quebra-cabeças” (puzzles), já que, como eles, ela se desenvolve segundo regras
relativamente bem definidas.
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trabalhados.
Outro aspecto que merece ser confrontado é a aprendizagem centrada no
estudante. O curso de Medicina da UNESC registra que sua Proposta pedagógica é
centrada no estudante, por ser este o “sujeito do processo ensino aprendizagem”.
Nesse sentido sua aprendizagem deve ser “auto-dirigida”, num processo em que o
estudante é mobilizado a “aprender a aprender”. Desse modo, cabe também a ele
(o estudante) avaliar o seu grupo tutorial, o seu tutor e o seu próprio desempenho no
processo ensino-aprendizagem. No entanto, ele somente não participa da
elaboração do problema, uma vez que esse é elaborado pela Comissão de
Currículo.
Por este motivo, a noção de problema que perpassa a categoria
“aprendizagem centrada no estudante” remete ao entendimento do “problema” como
um mobilizador do princípio de “aprender a aprender”, ou seja, no desenvolvimento
das competências necessárias para que o estudante desenvolva a capacidade e a
iniciativa de buscar por si mesmo novos conhecimentos, a autonomia intelectual, tão
necessários ao mundo do trabalho e ao exercício profissional.
Na Problematização de Freire ([1968]1983) tanto o professor quanto o
estudante são considerados sujeitos do processo educativo. Isso implica dizer que o
processo educativo é realizado com o educando e não sobre ele. Desse modo,
professor e estudantes não são passivos, ou seja, meros transmissores e receptores
de conteúdos, mas assumem posição ativa em suas aprendizagens. Essa posição
ativa, no entanto, não se reduz às atividades pedagógicas desenvolvidas em sala de
aula, mas, sobretudo, a sua inserção crítica na sociedade, uma vez que a pedagogia
freireana tem como propósito fundamental a transformação da realidade. Nas
palavras de Freire: “Educador e educando, educando e educador no processo
educativo libertador, são ambos sujeitos cognoscentes diante de objetos
cognoscíveis, que os mediatizam”. (FREIRE, [1969]1985, p. 53).
A esse respeito é importante também problematizar o papel do professor
nas duas propostas. Na ABP da UNESC, segundo o trecho retirado da sua
Proposta, o “tutor assume o papel de mediador e organizador de informações e
idéias. Hábil negociador e mestre em relação interpessoal. É pró-ativo e reativo
durante o treinamento. Sensível e apto a mudanças de rumo quando necessário”.
(UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p. 9). Já no Projeto político-
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pedagógico, o tutor deve ser “mediador do processo de aprendizagem, ser humilde
[...] respeitar as diferenças, ter conhecimento da metodologia utilizada para atingir os
objetivos da aprendizagem [...]” (UNESC: PROJETO POLITICO PEDAGÓGICO DO
CURSO, 2005, p.10). Como é possível perceber, o papel do tutor se assemelha ao
de um motivador e supervisor, que intervém quando necessário nos conhecimentos
dos estudantes, propondo novos caminhos, caso os mesmos estejam se
distanciando dos objetivos propostos. Vale destacar também que, embora em muitos
momentos a Proposta preconize o papel não-diretivo do tutor, em trechos como
esses aparecem diretivismos, em função de os “problemas”, bem como os objetivos
de aprendizagem, estarem predefinidos no manual do tutor. Além disso, como o
primeiro trecho demonstra, o processo pedagógico é considerado um treinamento do
estudante para o exercício de sua profissão.
Na Problematização, o professor tem
o papel de ajudar o estudante a desvelar a realidade, contribuindo para a superação
do senso-comum. A função do professor, então, é a de “problematizar aos
educandos os conteúdos que os mediatiza e não a de dissertar sobre ele, de dá-lo,
de estendê-lo, de entregá-lo,como se tratasse de algo já feito, elaborado, acabado,
terminado”. (FREIRE, SHOR, 1986, p.81). De todo modo, Freire (1986) aos
educandos faz um alerta ao professor, para que o mesmo tenha claro o seu papel,
para não cair no expontaneísmo, deixando o processo pedagógico nas mãos do
estudante. Nas suas palavras:
Não posso ser espontaneísta, isto é, não posso deixar os estudantes
entregues a si mesmos, por estar tentando ser um educador libertador.
Laissez-Faire! Não posso cair no laissez-faire. Por um lado não posso ser
autoritário. Por outro lado não posso cair no laissez-faire. Tenho que ser
radicalmente democrático, responsável e diretivo.
Não diretivo dos
estudantes, mas diretivo do processo, no qual os estudantes estão comigo.
Enquanto dirigente do processo, o professor libertador não está fazendo
alguma coisa ao estudante, mas com o estudante. (FREIRE, SHOR, 1986,
p.34).
Freire, portanto, reafirma o papel diretivo do professor no processo
pedagógico e aponta também para a sua responsabilidade de ser democrático, e,
acima de tudo, responsável.
Outro aspecto que merece análise pela sua relevância é a aprendizagem
compartilhada. Na ABP da UNESC, a aprendizagem compartilhada acontece nos
grupos tutoriais por meio das relações pedagógicas estabelecidas entre o tutor e os
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estudantes e nas relações interpares (estudante-estudante), de modo que a noção
de
“problema”,
na
“aprendizagem
compartilhada”,
constitui-se
em
um
desencadeador de conflitos no estudante, servindo como alavanca para a interação
entre este e o tutor. Nesse processo, o diálogo se apresenta como um instrumento
de troca de idéias, possibilitador da construção de conhecimento de forma interativa
e coparticipativa em que o professor é o facilitador.
Na Problematização de Freire (1985) o diálogo é a base de sustentação,
pois sem ele não há processo ensino-aprendizagem. O diálogo nasce da crítica,
nutre-se dela e gera criticidade. É uma relação de humildade, de amor e de
confiança, em que tanto o educando quanto o educador aprendem e constrói o
conhecimento; por isso, em Freire, o diálogo se constitui numa relação horizontal, de
troca, de partilha que permeia todo processo educativo, inclusive na seleção dos
conteúdos
que são trabalhados. Ademais, o diálogo funciona como um
potencializador da elaboração de conflitos e permite, no trabalho coletivo, aprender a
conviver com os limites e as diferenças. Por ser o diálogo a base do processo
ensino-aprendizagem, não há como pensar a Problematização sem reconhecer o
valor da pergunta nessa pedagogia.
Na Problematização, a pergunta é necessária, desejada e reconhecida
uma vez que em Freire (1996) a origem do conhecimento está na pergunta e não na
resposta. O ato educativo deve incentivar a pergunta, pois todo conhecimento só se
torna possível quando o educador e o educando se permitem perguntar, questionar
os conhecimentos legitimados como verdadeiros, duvidar das suas certezas, numa
atitude crítica constante.
Vale destacar que na Problematização de Freire (1996), não se trata
apenas de uma pedagogia de respostas a perguntas, por mais elaboradas que elas
sejam. É preciso questionar a pergunta, deformar os conceitos, dialetizar os
resultados.
Na mesma linha de idéias de Freire, Silva argumenta que:
Não se trata de o professor repetir exaustivamente a mesma pergunta, mas
de perguntar, antes de mais nada, se a pergunta está bem formulada, se
pergunta sugestionou novos problemas para os alunos, se a multiplicidade
de perguntas, construídas naquele espaço, convergem ou não na
proliferação dos problemas e das cadeias de conceitualizações, as quais
possam configurar respostas possíveis a problemas igualmente bem
configurados, ou seja, a problemas científicos. (SILVA, 1999, p. 137).
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100
As idéias apresentadas acima permitem dizer que uma pedagogia
problematizadora preocupa-se muito mais com o processo de apropriação dos
conceitos, na sua dialetização com a realidade do que com as respostas finais da
investigação.
Na ABP da UNESC, a preocupação sugere estar centrada mais nas
respostas do que nas perguntas, uma vez que todo processo de apropriação e
racionalização dos conceitos não é evidenciado. Dito de outro modo, os “problemas”
na ABP são abordados para que os estudantes encontrem, por meio de estudos e
pesquisas, a sua solução. Se esta coincidir com os objetivos estabelecidos no
manual do tutor, as pesquisas estão encerradas. A pergunta “problema” não é
questionada. Caso os estudantes não cheguem aos resultados preestabelecidos,
questiona-se a forma de elaboração do problema, sendo reformulado, caso
necessário, em outras oportunidades pelos tutores para que não haja incidência das
respostas erradas. Por conseguinte, as bases do “problema” não são questionadas.
A crítica não está na base da ABP da UNESC. Essa questão pode ser melhor
compreendida a partir do conceito de “criticidade” registrado no Projeto políticopedagógico:
Criticidade: é a capacidade de questionar com objetividade e organização a
metodologia, a dinâmica do curso e dos demais aspectos que abrangem a
graduação em Medicina, visando ao aprimoramento do ensino. É a reflexão
crítica sobre a própria prática baseada nos conhecimentos históricos e
contemporâneos, podendo ser realizada com a prática existente em nossa
sociedade. (UNESC: PROJETO POLITICO PEDAGÓGICO DO CURSO,
2005, p.11).
Em face do exposto, é possível inferir que, embora a Proposta contida
tanto no Projeto de Reengenharia (2000), quanto no Projeto político-pedagógico
(2005), faça-se menção ao desenvolvimento do espírito crítico do estudante, o
sentido dessa crítica não propõe rupturas com os conhecimentos já estabelecidos.
Como contraponto, na Problematização de Freire (1996), a crítica alavanca todo o
processo pedagógico. Ela está na base, na raiz dos problemas, tendo em vista a
superação da visão ingênua da realidade por uma visão epistemológica.
Outro aspecto a ser analisado é o papel da avaliação no processo ensinoaprendizagem. Na ABP da UNESC, conforme explicitado na Res. (11/2006CONSU), a avaliação é “formativa”, já que ocorre durante todo o processo, por meio
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dos seguintes instrumentos: autoavaliação, avaliação interpares, avaliação do
estudante pelo tutor, avaliação do tutor pelos estudantes e avaliação do “problema”
de estudo. É também “somativa”, porque ocorre no final do módulo, por meio de uma
prova denominada de “prova cognitiva”, por meio da qual são avaliados os
conteúdos apropriados nos módulos e também pelas aulas práticas que ocorrem
durante ou no final das disciplinas. Por conseguinte, os conteúdos apropriados ou
não nas sessões tutoriais são avaliados, sobretudo no final do módulo em uma
prova e nas atividades práticas. Essa afirmação sugere que o processo avaliativo
está descolado do processo ensino-aprendizagem, uma vez que a Proposta
considera como formativa apenas as avaliações que não têm como propósito a
verificação dos conteúdos, pois estes somente são avaliados no final do módulo.
Nesse sentido é possível dizer que a noção de “problema” que perpassa a
“avaliação da aprendizagem” atribui mais valor às respostas e aos acertos do que
aos erros e ao processo de investigação.
De outro modo, na Problematização de Freire (1996), não há um controle
total dos resultados em termos de conhecimento, já que o processo pedagógico não
está previamente estabelecido, construindo-se na própria caminhada do grupo. Isso
não quer dizer que na Problematização de Freire não haja rigorosidade na
apropriação dos conteúdos. Muito ao contrário, Freire ressalta que se o professor
não for capaz de demonstrar por meio de sua própria prática que seu trabalho é
sério, exigente e rigoroso, falha em seu propósito e conseqüentemente, não atinge o
objetivo de uma proposta problematizadora. Isso acontece porque problematizar não
implica facilitar a aprendizagem, tendo em vista que “o conhecimento requer
disciplina. É uma coisa que exige muito de nós, que nos faz sentir cansados, apesar
de felizes.
E não é apenas uma coisa que apenas acontece. O conhecimento,
repito, não é um fim de semana numa praia tropical”. (FREIRE, SHOR, 1986, p.54).
Deste modo, é possível inferir que a apropriação dos conceitos não é
tarefa fácil, pois os conceitos científicos não se apresentam de imediato ao sujeito.
Em relação a esse aspecto é possível identificar indícios de facilitação do ensino na
Proposta, uma vez que a crítica não está na sua base de sustentação, ou seja, não
sugere a superação com os conhecimentos legitimados como verdadeiros.
Para Freire (1986) o papel da escola não é o de “facilitar” a ida ao
encontro do conhecimento já estabelecido, mas o de colocar a verdade em risco,
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dialetizar o processo de construção do conhecimento, “iluminando” a realidade. A
partir de Freire é possível dizer que a escola não deve considerar as dificuldades na
apropriação dos conceitos científicos como um problema, mas uma característica do
conhecimento que só pode ser enfrentada se considerada em todos os seus
aspectos. A postura da escola deve ser a de incentivar os educandos a estudar, a
encarar a dificuldade como um desafio permanente.
Pelas
análises
realizadas
é
possível
dizer
que
a
noção
de
Problematização de Freire e aquela presentifica na Proposta possuem nuanças
teóricas distintas; por isso, apontam também para caminhos pedagógicos diferentes.
Enquanto a ABP é uma proposta curricular, a Problematização de Freire se constitui
em uma concepção de ensino e aprendizagem e vai além de uma organização
curricular, pelo fato de exigir a mudança de postura dos professores e da instituição
que deseja segui-la. Trata-se de uma nova forma de conceber o conhecimento e
todos os elementos envolvidos nesse processo. A Problematização de Freire,
portanto, vai muito além das questões metodológicas, sua Teoria do Conhecimento
aponta para a construção de uma nova pedagogia e a constante recriação da práxis
transformadora.
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CONCLUSÃO
As reflexões apresentadas neste estudo buscaram compreender melhor a
noção de “problema” na Proposta do curso de Medicina da UNESC, identificando
suas aproximações e distanciamentos com a concepção de Problematização de
Paulo Freire. Vale destacar que este trabalho se constitui em uma pesquisa teórica,
utilizando-se da análise de documental como técnica de estudo, sem consulta aos
sujeitos envolvidos (professores, estudantes, coordenação do curso, egressos,
etc...). Dito isso, é sabido que essa não é única análise possível, e, que, a pesquisa
em outras fontes, incluindo esses sujeitos, poderá acrescentar elementos para
enriquecer ou mesmo conflitar as sínteses produzidas. No entanto, a análise feita
procura dar conta do seu objetivo que é interrogar a noção de problema preconizada
nos documentos da Proposta.
Da análise produzida neste documento é possível destacar alguns
elementos que identificam a ABP como uma proposta curricular inovadora na área
da Saúde, por ficar evidenciado a busca no sentido de romper com os modelos
tradicionais de currículo, comprometendo-se com a formação de profissionais com
competência técnica e humana, para melhorar as condições da saúde regional,
especialmente a pública, e atender as necessidades da população. Ademais,
enquanto em um currículo tradicional de uma escola de Medicina o ensino médico
ocorre basicamente pelas disciplinas curriculares, atividades práticas de laboratório
e estágios, na ABP da UNESC, o contato com as questões profissionais ocorre
desde o início do curso, devendo o estudante ser um gestor de sua aprendizagem,
e, por meio de estudos e pesquisa, encontrar as soluções para os problemas
estudados.
Para atender a esses objetivos, a Proposta está fundamentada na
construção do conhecimento com ênfase na Problematização dos conteúdos,
questão essa que impulsionou a realização deste trabalho de pesquisa.
Deste modo, o “problema” sob o viés da ABP se constitui no eixo condutor
do processo ensino-aprendizagem e é considerado um estímulo à “construção do
conhecimento” pelos estudantes, após ser apresentado nas sessões tutoriais, cuja
tarefa dos estudantes é pesquisar e encontrar respostas à sua resolução. Desse
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modo, são encorajados durante todo o processo ao estudo árduo e à pesquisa
sistemática, pois os conteúdos não são transmitidos pelo tutor, mas construídos por
eles (os estudantes). Além disso, para resolver os problemas propostos, os
estudantes necessitam acionar os conceitos de diferentes áreas, não importando a
fase do curso em que eles se encontram. Por conseguinte, o nível de complexidade
dos conteúdos é definido pelo próprio “problema” e não por uma organização
disciplinar rígida, típica dos currículos tradicionais. Sustentando-se nessas idéias, a
Proposta se fundamenta em um modelo de currículo integrado, encorajando a
pesquisa e o estudo de diferentes campos do saber.
Outro elemento de diferenciação da Proposta é a concepção de avaliação
assumida pelo curso, na qual se destaca que o processo avaliativo além de ser
“formativo também é “somativo”, já que acompanha o desempenho dos estudantes
nas sessões tutoriais que compõem os módulos temáticos; e, no final do processo,
por meio de outro instrumento denominado “prova cognitiva”.
Algumas análises indicam também que a referida Proposta oferece
possibilidades efetivas à produção do conhecimento. Entre estas, destacam-se a
utilização de uma metodologia inovadora, a organização curricular por módulos
temáticos, e neles as sessões tutoriais, nas quais se reúnem pequenos grupos de
estudantes sob a coordenação de um tutor. Por ser constituído de poucos membros,
o grupo tutorial favorece a troca de idéias, a aprendizagem compartilhada e
possibilita ao tutor compreender melhor o processo de construção e racionalização
dos conceitos dos estudantes, fazendo as mediações necessárias.
A análise da Proposta permite identificar ainda, nos seus fundamentos,
um ecletismo teórico, caracterizado por uma pluralidade de concepções teóricas
presentes nos seus textos, contidos tanto no Projeto de Reengenharia (2000) quanto
no Projeto político-pedagógico (2005).
O ecletismo, então, é evidenciado pela utilização de conceitos advindos
de matrizes epistemológicas diversas, como, por exemplo, quando se constata que o
papel do tutor é “garantir que os conhecimentos sejam absorvidos pelos estudantes”
(UNESC, PROJETO DE REENGENHARIA, 2000) e “ser mediador do processo
ensino-aprendizagem” (UNESC: PROJETO POLITICO PEDAGOGICO DO CURSO,
2005). Esta indisciplina teórica é caracterizada em todo documento.
A indisciplina aqui referida encontra sustentação em Triviños (1987, p.
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15), cuja definição é identificada como “ausência de coerência entre os suportes
teóricos que, presumivelmente, orientam a prática social que realizamos”. Esses
aspectos ficam em evidência quando, ao tratar do mesmo objeto, as direções
tomadas são antagônicas, caracterizando-se por um ecletismo intelectual. O
ecletismo caracterizado na ABP do curso de Medicina da UNESC pressupõe uma
conciliação entre as várias abordagens, uma justaposição de várias concepções
distintas. A indisciplina é identificada também por Canclini (apud DUSSEL, 2005),
como “hibridismo” que se traduz pela presença de fundamentos teóricos distintos,
fazendo com que a Proposta não assuma uma identidade própria. A esse respeito,
percebe-se na ABP da UNESC, que boa parte dos princípios são inspirados direta
ou indiretamente na teoria de Jean Piaget e de Paulo Freire.
A inspiração teórica que se identifica na Proposta decorre de que, com
base em Piaget, identificam-se: aprendizagem centrada no estudante; o estudante
como sujeito ativo; o foco na construção do conhecimento e não a sua transmissão;
a interação entre o sujeito e o conhecimento.
Já em Freire, constatam-se a
problematização dos conteúdos, a necessidade de a escola desenvolver o espírito
crítico do estudante a partir de sua inserção na realidade social.
Contudo, ao lançar suas opções teóricas a Proposta, não fundamenta
esses conceitos, fazendo uma aproximação rápida e superficial com esses autores.
Além disso, no texto da Proposta se identificam a presença de conceitos distintos,
mesclando ora a construção do conhecimento, pressuposto de teorias progressistas,
ora a retenção e absorção do mesmo (educação bancária), e a aquisição de
habilidades, pressuposto comportamentalista e tecnicista.
Em face das questões apresentadas e discutidas neste trabalho, ficou
evidenciado, durante a análise com certa produtividade, que a Proposta do curso
apresenta preocupação acentuada com a resolução do “problema” pelo estudante,
do que de fato com a sua problematização. As perguntas lançadas, o processo de
racionalização dos conceitos não são evidenciados. Na verdade, o que se espera é
que o estudante resolva o problema proposto pelo manual, atingindo os objetivos
previamente formulados pelos especialistas, ou, em outras palavras, é fato
incontestável que os professores já sabem aonde os estudantes devem chegar.
Assim, não só o ponto de partida, mas também o de chegada já estão previamente
estabelecidos; razão pela qual a metodologia utilizada na Proposta se assemelha à
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resolução de um “quebra-cabeça”, haja vista que um quebra-cabeça possui uma
solução assegurada e deve obedecer as regras que permitem soluções aceitáveis e
os passos necessários para obtê-las. A pergunta “problema” não é questionada.
Caso os estudantes não cheguem aos resultados preestabelecidos, questiona-se a
forma de elaboração do problema, sendo reformulado, quando necessário, em
outras oportunidades pelos tutores. Ratifica-se, então, que as bases do “problema”,
portanto, não são questionadas.
A partir desse entendimento, o problema na ABP da UNESC encontra-se
em uma zona de conforto, atestando que seus objetivos já estão previamente
estabelecidos e suas respostas asseguradas nos referenciais pesquisados e nos
manuais do tutor e do estudante. A “crítica” não está na base da sustentação do
problema, ou seja, não se problematiza a pergunta, pois, quanto melhores forem as
respostas dadas pelos estudantes aos problemas propostos, maiores são os indícios
de que o problema está bem elaborado, reforçando os pressupostos teóricos que o
orientou. Em conseqüência do exposto, comprova-se a afirmação de que se
aproxima da idéia de “quebra-cabeças”, em função de o objetivo principal ser a
“busca de solução. São, assim, quebra-cabeças já resolvidos, e a tarefa do
estudante é localizar os caminhos e as respostas já produzidas nas literaturas para
aquele “problema”. Pesquisar na ABP da UNESC, portanto, implica localizar e
descobrir
soluções (mesmo que sejam “soluções novas”), ainda assim, fica em
evidência o foco na solução, e não no tencionamento que as demandam. Isso quer
dizer que as soluções novas não
desestabilizam, mas reforçam as base do
problema que as gerou.
Essa noção de “problema” da ABP da UNESC é compreensível na
medida em que a universidade tem como compromisso a formação de profissionais
competentes para atender as necessidades e demandas do mundo do trabalho.
Porém, não há como negar também a importância da formação científica para o
exercício da profissão. A profissão médica, no mundo contemporâneo, necessita de
profissionais com mentalidade científica, que, por meio da formação continuada e da
prática reflexiva, sejam capazes de superar concepções médicas hegemônicas,
buscando respostas para os atuais problemas da saúde e, por ventura, àqueles que
vierem a se fazer presentes.
Em relação à pedagogia Problematizadora de Freire, que também foi foco
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desta análise, diferentemente da ABP, atestam-se que as “situações-problema” são
extraídas da realidade pelos estudantes cuja mediação cabe ao professor. Trata-se,
antes de tudo, de um desafio, de um obstáculo, que tem origem na realidade social e
na inquietação do indivíduo na relação com o mundo e consigo próprio. O
“problema” em Freire (1986) nasce da relação entre os homens, nasce da práxis
humana. Não é algo que aparece espontaneamente, mas fruto de um contexto
social. Requer um trabalho árduo de estudo e pesquisa na realidade concreta. Seu
objetivo não se concentra na busca de respostas convencionais, com o claro
propósito de ajudar os estudantes a desvelarem a realidade numa atitude crítica. É
a necessidade de solução de conflitos que impulsiona a sua resolução.
Nessa perspectiva, diante de um “problema”, a própria pergunta precisa
ser interrogada, assim como seus resultados. A apropriação dos conhecimentos
científicos está mais bem assegurada quanto mais problematizada for a pergunta e o
processo de construção dos conceitos. Assim, embora todo problema tende a uma
solução, esta não pode ser considerada definitiva. As soluções do problema podem
originar novos problemas, principalmente quando o problema original for fecundo.
Desse modo, é possível dizer que na Problematização não existe um ponto de
chegada, sua natureza constitutiva é a investigação.
Em síntese, é possível dizer que, apesar de a Proposta ABP do curso de
Medicina da UNESC apontar seus fundamentos em Freire, a concepção de
“problema” da pedagogia freireana proporciona caminhos diferentes, alternativos.
Essa afirmação se sustenta na medida que as duas formulações apresentam
objetivos distintos.
A ABP da UNESC se propõe a preparar cognitivamente os
estudantes para resolver problemas relativos ao ensino da profissão. Os estudantes
começam o estudo assumindo que o paciente da situação tem um problema e que
sua tarefa é encontrar a causa do mesmo procurando enfrentá-lo por diferentes
caminhos de estudo. A intenção do “problema”, assim como o papel do tutor, visa a
incentivar os estudantes à pesquisa, evitando seu uso como um mero exercício de
ensino. A Problematização se propõe a interrogar as situações concretas, ajudando
os estudantes, a partir do confronto posto, a “refazer essa confrontação” (FREIRE,
1977, p.82). Por esse motivo, a Problematização parte da ação e retorna a ela de
forma crítica, cujo objetivo é a superação da consciência ingênua ou senso comum
sobre a realidade. É possível dizer, então, que uma prática pedagógica, que intente
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ser problematizadora, necessita realizar uma reflexão profunda sobre os conteúdos
estudados, conteúdos estes extraídos das relações do ser humano com a realidade,
como um ser do trabalho, da ação, que transforma o mundo e por ele é
transformado. Sob esse mesmo ponto de vista, Berbel acrescenta que a
Problematização de Freire tem como objetivo fundamental
A mobilização do potencial social, político e ético dos alunos, que estudam
cientificamente para agir politicamente como cidadãos e profissionais em
formação, como agentes sociais que participam da construção da história
de seu tempo, mesmo que em pequena dimensão. (BERBEL, 1999, p.145).
A concepção de Freire, portanto, se compromete em desvendar a
realidade para transformá-la. Apresenta claramente uma explicitação de sua
intencionalidade política no ato de educar, consubstanciando-se em uma concepção
libertadora de educação, entendendo-a como ato de conhecimento, ato criador e
eminentemente político.
Por conseguinte, a pedagogia de Freire apresenta compromisso político
acentuado com a formação do cidadão responsável e ético. Isso quer dizer que, em
Freire, “Além de um ato de conhecimento, a educação é também um ato político. É
por isso que não há pedagogia neutra. (FREIRE, SHOR, 1986, p.17). Ressalta-se,
ainda, que a educação é, fundamentalmente, uma situação na qual tanto o professor
quanto o estudante devem ser sujeitos críticos do ato de conhecer. Uma pedagogia
Problematizadora, então, não depende apenas da inovação de métodos e técnicas.
Se fosse apenas uma questão de métodos, bastaria mudar algumas metodologias
tradicionais, substituindo-as
por
outras
mais
modernas. “A
questão é o
estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento e com a sociedade”.
(FREIRE, SHOR, 1986, p.28).
Com base no modo como se constrói o conhecimento freireano, a
pedagogia que se pretende compromete-se com a crítica permanente da realidade,
não se contenta com os discursos aceitos como vencedores. Trata-se, portanto, de
uma pedagogia que valoriza a incerteza e as atitudes capazes de desvelar a
realidade, colocando em risco os conhecimentos legitimados como verdadeiros.
Ademais, as idéias de Freire exigem novas posturas do professor sobre o modo de
produção do conhecimento e o seu papel no mundo contemporâneo. A
Problematização, portanto, constitui-se em uma possibilidade para as instituições
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educativas, sejam elas do ensino básico, médio ou superior, para a democratização
da escola e a solução dos problemas pedagógicos.
Ao finalizar este trabalho é fundamental reiterar alguns pontos colocados
ao longo da discussão. Primeiramente é preciso reafirmar que a ABP se constitui em
uma Proposta ousada, na medida que buscou romper com os modelos tradicionais
de currículo, estimulando a gestão participativa e consolidando uma nova forma de
ensinar e aprender por meio de uma metodologia inovadora.
Em segundo lugar que esta pesquisa não teve como intenção fazer um
julgamento valorativo da ABP na UNESC, assim como da noção de “problema” que
permeia a sua proposta. O que se pretendeu foi analisar em que medida a mesma
apresenta similitudes e distanciamentos com a noção da Problematização de Freire.
A esse respeito vale destacar que as mesmas têm potenciais diferentes em termos
de concepção de educação. Perceber criticamente as similitudes e distanciamentos
de cada uma destas formulações, valendo-se da análise de seus fundamentos
teóricos e metodológicos, considerando, ainda, as condições reais da instituição,
representa uma possibilidade ao curso de Medicina da UNESC de refletir sobre as
bases teóricas do modelo de currículo e, conseqüentemente, ampliar suas
discussões sobre o tema.
Ao término deste trabalho não poderia deixar de dizer, também, o quanto
foi significativo a releitura das obras de Paulo Freire. Fato que por si só é
extremamente significativo, pois foi em meio ao estudo das obras do autor,
buscando “respostas” para fundamentar as perguntas da investigação, que se pode,
mais uma vez, compreender o quanto Freire ainda vive, sobretudo, quanto às
opções políticas, no compromisso com a educação dos menos favorecidos, no amor
pelos homens, animais e plantas e, acima de tudo, no “sonho” de transformar a
sociedade. Foi com Freire que se tornou possível fazer as seguintes reflexões: O
que será dos educadores se deixarem de sonhar? O que é a vida sem o “sonho”?
Quando foi que se perdeu a capacidade de sonhar? O que se pretende deixar para
os filhos senão a esperança de um mundo melhor?
Com Freire, sabidamente é possível sorrir, chorar, emocionar a si e aos
outros e reavivar o “sonho” da construção de uma sociedade melhor, por meio do
exercício da profissão de educador e das opções políticas inerentes à função.
Mesmo diante dessa constatação, vale destacar que por mais que se buscou neste
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trabalho confrontar a noção de “problema” da ABP com a noção de Problematização
de Paulo Freire, muitas questões continuam em abertas e apontam para a
necessidade de se continuar a discutir sobre o tema. Tais reflexões são
fundamentais em um trabalho de pesquisa que está provisoriamente “pronto”, pois o
estudo, a crítica, o aprofundamento irão permear durante muito tempo as discussões
aqui propostas nos futuros desdobramentos que, certamente, provocarão na
comunidade acadêmica.
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115
APENDICE I A INSERÇÃO DA ABP NAS ESCOLAS MÉDICAS BRASILEIRAS
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116
ESCOLAS MÉDICAS QUE
UTILIZAM O ABP
FAMEMA (Faculdade Médica de
Marilia)
UEL (Universidade Estadual de
Londrina)
PUCPRC (Pontifícia Universidade
Católica do Paraná)
UNIDERP (Universidade para o
Desenvolvimento da Região do
Pantanal)
UNESC (Universidade do Extremo
Sul Catarinense)
FEPCS (Universidade de Ciências
da Saúde)
UESC (Universidade Estadual de
Santa Cruz)
UFSC (Universidade Federal de
Santa Catarina)
UNIMONTES (Universidade de
Montes Claros)
UNAERP
(Universidade
de
Ribeirão Preto)
UNIFENAS (Universidade de José
do Rosário Vellano)
UFG (Universidade Federal de
Goiás)
UEFS (Universidade de Freira de
Santana)
UNIPLAC
(Universidade
do
Planalto Catarinense)
UNICID (Universidade da Cidade
de São Paulo)
UNESC (Centro Universitário do
Espírito Santo)
UNIFESO (Centro Universitário de
Serra dos Órgãos)
FUNORT (Faculdades Unidas do
Norte de Minas)
UESB (Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia)
PUC SP (Pontíficia Universidade
Católica de São Paulo)
UFSCAR (Universidade Federal de
São Carlos)
UNOCHAPECÓ (Universidade do
Oeste Catarinense)
UNIFOR
(Universidade
de
Fortaleza)
IMIP (Instituto Materno Infantil
Prof Fernando Figueira)
LOCALIDADE
Marilia
ANO DE
IMPLANTAÇÃO DO
CURSO
1997
Londrina
1998
Curitiba
1999
Campo Grande
2000
Criciúma
2000
Brasília
2001
Ilhéus
2001
Florianópolis
2002
Montes Claros
2002
Ribeirão Preto
2003
Bahia
2003
Goiás
2003
Feira de Santomé
2003
Lages
2004
São Paulo
2004
Colatina
2005
Teresópolis
2005
Montes Claros
2005
Bahia
2006
São Paulo
2006
São Carlos
2006
Chapecó
2006
Fortaleza
2006
Recife
2006
Fonte: Relatório IV Fórum Nacional Metodologia Ativas de Ensino-Aprendizagem, 2007.
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117
ANEXO 1: EXEMPLO DE UM PROBLEMA (NÍVEL BASEADO EM PROBLEMAS)
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118
MÓDULO TEMÁTICO: NUTRIÇÃO E METABOLISMO
Tema: Falência do crescimento
Problema: Dificuldade de ganho de peso
1. Leitura do problema e identificação de termos:
O pediatra Dr. Júlio recebe no posto de saúde uma mãe com a seguinte
história: "Meu filho Marco Aurélio, de um mês, mama o tempo inteiro no peito e
parece nunca estar satisfeito e também
não está ganhando peso que deveria
ganhar; eu e meu marido estamos muito preocupados, esse é o nosso primeiro filho
e eu me acho competente para amamentar".
2. Identificação dos problemas propostos:
-
Dificuldades no aleitamento materno.
-
Desaceleração do ganho de peso.
-
Ansiedade dos pais.
3. Formulação de hipóteses explicativas:
-
Leite fraco
-
Pouca produção de leite pela mãe.
-
A desaceleração do peso é devida a pouca ingestão de leite.
-
Infecção silenciosa.
4. Resumo das hipóteses:
-
Distúrbios da lactação
-
Infecção do lactente
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119
-
Falência do crescimento
5. Formulação dos objetivos de aprendizagem:
-
Higiene da nutriz
-
Fisiologia e distúrbios da lactação
-
Dinâmica do aleitamento materno
-
Monitorização do crescimento
-
Medicamentos transitórios de suporte à lactação
-
Infecções neonatais
-
Dinâmica familiar
Os objetivos originais deste problema são fundamentalmente a lactação e a
desaceleração do crescimento. Entretanto o tutor poderá aceitar outros objetivos
surgidos na discussão com os alunos que não haviam sido previamente
contemplados.
6. Estudo individual e/ou coletivo dos temas referidos nos objetivos de
aprendizagem.
7. Por meio de uma nova discussão do problema, realizar a síntese e generalização
dos conhecimentos adquiridos.
8. Discussão dos aspectos da prática humanizada da Medicina.
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120
ANEXO 2: EXEMPLO DE UM CASO CLÍNICO (Nível baseado em Casos)
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121
1- Caso Clínico:
A minha filha Luiza era gordinha até oito meses. Nessa idade teve uma
diarréia e emagreceu bastante. Com um ano e dois meses não sentiu mais apetite e
deixou de ganhar peso.
Hoje com dois anos e quatro meses não quer comer mais nada a não ser leite
do peito (várias vezes ao dia). O irmão com quatro anos é perfeitamente normal.
Fora isso ela é uma criança normal que não tem nenhum outro sintoma; brinca,
dorme bem e não reclama de nada. Minha filha foi encaminhada pela pediatra que
não conseguiu resolver o problema.
2. Identificação dos problemas propostos:
-
Dificuldades na alimentação.
-
Desaceleração do ganho de peso.
-
Ansiedade dos pais.
-
Diarréia.
3. Formulação de hipóteses explicativas:
-
Alimentação inadequada
-
Síndrome de má absorção desencadeada pela diarréia
-
Intolerância à lactose? Ao glútem?
-
Anemia
-
A desaceleração do peso é devida a ingestão demasiada de leite materno em
detrimento de outros alimentos
-
Dinâmica familiar
-
Infecção silenciosa.
-
Processo central
4. Resumo das hipóteses
-
Distúrbios da alimentação
-
Infecção
-
Processo expansivo central
-
Falência do crescimento
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122
-
SMA
-
Dinâmica familiar
5. Formulação dos objetivos de aprendizagem
a) Diagnóstico Clínico:
-
Crescimento e desenvolvimento
-
Diarréia infecciosa como causa inicial levando a desnutrição
-
Síndrome de má absorção com diarréia e desnutrição?
-
Pesquisar causas de diarréia e mecanismos de má absorção
-
Identificar as síndromes dissabsortivas do lactente
-
Formas de desnutrição
-
Epidemiologia
-
Nutrição e metabolismo
-
Medicina Preventiva e Social
-
Dinâmica do aleitamento materno
-
Alimentação da Criança
-
Monitorização do crescimento
-
Dinâmica familiar
-
Neurologia
-
Patologia e Fisiologia do Sistema Gastro Intestinal
-
Bioética
-
Psicologia
-
laboratorial: bioquímico ou imagem
-
riscos e benefícios
-
indicações
-
interpretação
-
abordagem dos exames frente a criança e a família (preparo e orientação da
família)
b) Proposta terapêutica
-
abordagem do diagnóstico frente a criança e família
-
proposta terapêutica
-
riscos e benefícios dessa proposta
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123
-
importância da adesão ao tratamento
c) Reabilitação
-
importância da qualidade de vida
-
monitorização e suporte no tratamento
Os objetivos originais deste caso são fundamentalmente a alimentação e a
falência do crescimento em relação ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento.
Entretanto o professor/preceptor poderá aceitar outros objetivos surgidos na
discussão com os alunos que não haviam sido previamente contemplados.
6. Estudo individual e/ou coletivo dos temas referidos nos objetivos
de
aprendizagem
7. Por meio de uma nova discussão do problema, realizar síntese e generalização
dos conhecimentos adquiridos.
8. Discussão dos aspectos da prática humanizada da Medicina.
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124
ANEXO 3: O ABP NO NIVEL BASEADO EM PROBLEMAS NO CURSO DE
MEDICINA DA UNESC.
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125
♦ Laboratórios
♦ Grupo de alunos
♦ Tutor
♦ Objetivos
habilidades
específicos,
médicas
e
de
de
Informática médica
♦ Ambulatório de atividades práticas
de
e de interação comunitária
aprendizagem
Sessão Tutorial
Recursos Instrucionais
P roblema
Tema
Módulo Temá tico
Coordena ção e A valiação
♦ Coordenação
• Comissão de Currículo
• Comissão de Laboratórios e de Ambulatório
• Comissão de Informática
♦ Avaliação
Visão Geral da ABP no Curso de Medicina da UNESC.
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126
ANEXO 4: SESSÃO TUTORIAL DO CURSO DE MEDICINA DA UNESC
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127
O grupo tutorial
( 8 alunos e tutor )
Temas
Módulo temático
Comissão
de
Currículo
Problema: Objetivos
de Aprendizagem
Av aliação
Comissão
de
Av aliação
Panorama da Sessão Tutorial do Curso de Medicina da UNESC.
R ecursos
Instrucionais
Download

Imagem em PDF - Universidade do Extremo Sul Catarinense