Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO UNIDADE ACADÊMICA DE HUMANIDADES, CIÊNCIA E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO ZELIA MEDEIROS SILVEIRA A NOÇÃO DE “PROBLEMA” NA PROPOSTA PEDAGÓGICA DO CURSO DE MEDICINA DA UNESC: UMA ANÁLISE A PARTIR DA “PROBLEMATIZAÇÃO” DE PAULO FREIRE CRICIUMA, MAIO DE 2009. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. ZELIA MEDEIROS SILVEIRA A NOÇÃO DE “PROBLEMA” NA PROPOSTA PEDAGÓGICA DO CURSO DE MEDICINA DA UNESC: UMA ANÁLISE A PARTIR DA “PROBLEMATIZAÇÃO” DE PAULO FREIRE Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação do Professor Dr. Ilton Benoni da Silva. CRICIUMA, MAIO DE 2009. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 2 ZELIA MEDEIROS SILVEIRA A NOÇÃO DE “PROBLEMA” NA PROPOSTA PEDAGÓGICA DO CURSO DE MEDICINA DA UNESC: UMA ANÁLISE A PARTIR DA “PROBLEMATIZAÇÃO” DE PAULO FREIRE Dissertação apresentada e aprovada pela Banca Examinadora como exigência para obtenção do Grau de Mestre em Educação pela Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC – na Linha de Pesquisa “Educação e Produção de conhecimento nos processos pedagógicos”. Criciúma, maio de 2009. APROVADA PELA SEGUINTE BANCA EXAMINADORA: Prof. Dr. Ilton Benoni da Silva – UNESC (Orientador) Prof. Dr. Antonio Fernando Gouvêa da Silva -UFSCar Profa. Dra Janine Moreira – UNESC Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 3 A todos os docentes e discentes da UNESC que compartilharam comigo nesta caminhada, acreditando na educação como uma possibilidade de intervenção no mundo, e de construção de uma sociedade mais ética e fraterna. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 4 AGRADECIMENTOS A realização deste trabalho só foi possível graças à colaboração e envolvimento de muitas pessoas. A elas agradeço: Ao professor e orientador Ilton Benoni da Silva por ser exemplo vivo do compromisso com a docência, encarando-a como ciência, quando trata do conhecimento, e como uma arte, quando nos faz extasiar com sua maestria. À professora Angela Cristina Back pela revisão do texto final da dissertação. A todos os professores do Programa de Mestrado em Educação pelo compromisso com um projeto de universidade mais democrática e participativa. A todos os colegas de curso que compartilharam conosco dos momentos bons e dos difíceis, em especial a amiga Ingrid, a quem considero uma verdadeira guerreira. A UNESC pelo apoio e concessão de 50% da bolsa de estudos. Ao curso de Medicina por prestar as informações necessárias para que pudéssemos desenvolver esta pesquisa. A todos vocês: obrigada. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 5 Por isso que toda prática educativa libertadora, valorizando o exercício da vontade, da decisão, da resistência, da escolha; o papel das emoções, dos sentimentos, dos desejos, dos limites; a importância da consciência na histórica, o sentido ético da presença humana no mundo, a compreensão da história como possibilidade, jamais como determinação, é substancialmente esperançosa, e por isso mesmo, (FREIRE, 1997, p.23). provocadora de esperança. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. SUMÁRIO I APRESENTAÇÃO................................................................................................................13 II INTRODUÇÃO ....................................................................................................................15 2.1 A configuração da problemática e os seus desdobramentos...........................................15 2.3 Procedimentos metodológicos .........................................................................................25 III A NOÇÃO DE “PROBLEMA” NA PROPOSTA PEDAGÓGICA ......................................29 3.1 A ABP e sua contextualização histórica no cenário educacional ...................................30 3.2 A ABP na proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC ................................36 3.3 A estrutura didático-pedagógica da ABP da UNESC .....................................................42 3.3.1 A noção de problema e os “módulos temáticos” .........................................................52 3.3.2 A noção de problema e a “aprendizagem centrada no estudante” .............................59 3.3.3 A noção de problema e a “aprendizagem compartilhada” ...........................................67 3.3.4 A noção de problema e a “avaliação do processo ensino- aprendizagem”............................................................................................................72 IV INTERROGAÇÕES FREIREANAS À NOÇÃO DE PROBLEMA DA ABP ......................79 4.1 A centralidade da Problematização na pedagogia de Paulo Freire ................................80 4.2 “Problema” e “Problematização”: Aproximações e distanciamentos ..............................92 V CONCLUSÃO ..................................................................................................................101 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................109 BIBLIOGRAFIAS COMPLEMENTARES ............................................................................110 Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 8 LISTA DE TABELAS Tabela 1- Relatório IV Fórum Nacional Metodologia Ativas de Ensino-Aprendizagem2007......................................................................................................................................114 Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Estrutura Organizacional do ABP do Curso de Medicina da UNESC ............... 47 Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 10 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ANPED - Associação Nacional de Pesquisa em Educação ABP - Aprendizagem baseada em problemas CNE - Conselho Nacional de Educação CEE - Conselho Estadual de Educação CONSU - Conselho Universitário DCN - Diretrizes Curriculares Nacionais ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. FAMEMA - Faculdade de Medicina de Marília GT - Grupo de Trabalho IES - Instituições de Ensino Superior LDB - Lei de Diretrizes Básicas da Educação MEC - Ministério da Educação OCDE - Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico PBL - Problem Based Learning PPP - Projeto político-pedagógico PSF - Programas de Saúde da Família PUCPRC - Pontifícia Universidade Católica do Paraná. SUS - Sistema Único de Saúde UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina UNESC - Universidade do Extremo Sul Catarinense UEL - Universidade Estadual de Londrina Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 11 RESUMO A noção de ‘problema’ na proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC: uma análise a partir da ‘Problematização’ de Paulo Freire, abordado neste trabalho, apresenta-se como interrogação sobre um conceito basilar, a partir do qual o curso de Medicina da UNESC organiza sua proposta pedagógica. A referida proposta é identificada na UNESC como Aprendizagem Baseada em Problema (ABP), considerada neste estudo uma filosofia curricular centrada no estudante, a partir da qual se constrói ativamente o conhecimento com base em situações-problema. A escolha da proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC para realização dessa análise se justifica por tratar-se do primeiro e único curso desta universidade estruturado na ABP e o quarto do Brasil. Ademais, nesse modelo de currículo, o “problema” se constitui no seu eixo central, e por meio dele toda a proposta didáticopedagógica do curso se estrutura. É nesse sentido que se configura a problemática desta pesquisa: A qual noção de “problema está articulada a proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC? Ao responder a essa questão, o trabalho identifica, a partir da análise de documentos da proposta do curso de Medicina da UNESC, as categorias explicitadoras da noção de “problema”, para em seguida confrontar com a “Problematização” de Paulo Freire. A centralidade de freireana no desfecho desta análise decorre da importância recorrente atribuída a sua obra, atestada nas referências e discursos constitutivos da proposta. Palavras – chave: problema, conhecimento, aprendizagem baseada em problemas, problematização, pedagogia. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 12 ABSTRACT The concept of 'problem' in the proposed educational course UNESC of Medicine: an analysis from the 'Problematization' of Paulo Freire, addressed in this work, appears as basic questions about a concept from which the course of Medicine UNESC organizes its teaching proposal. The proposal is identified in UNESC as problembased learning (PBL), and considered in this study as curriculum philosophy centered on the student, from which it actively constructs knowledge based on problem-situations. The choice of the pedagogical proposal course of Medicine UNESC to perform this analysis is justified because it is the first and only university course structured in this PBL and the fourth in Brazil. Moreover, of this model curriculum, the "problem" will constitute the central axis, and through him the entire proposal-didactic teaching of the course is structured. That is the question that sets this research: The concept of what "problem is the proposal articulated pedagogical course of Medicine UNESC? In answering that question, the work identified from the analysis of documents of the current proposal of Medicine UNESC, explained the categories of the concept of "problem", then face the "Problemation" of Paulo Freire. The centrality of Freire the outcome of this analysis stems from the importance attributed to appellant his work, evidenced in the references and speeches concerning the proposal. Keywords: problem, knowledge, problem-based learning, questioning, pedagogy. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 13 I - APRESENTAÇÃO Este trabalho versa sobre “A noção de ‘problema’ na proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC: uma análise a partir da ‘Problematização’ de Paulo Freire. A referida proposta ancora-se em uma filosofia curricular conhecida como “Aprendizagem Baseada em Problemas” por meio da qual o currículo é organizado por módulos temáticos, em que, os estudantes, sob a coordenação de um tutor, são desafiados a construírem suas aprendizagens a partir da investigação de problemas que retratam ou simulam situações reais, compatíveis com a atividade profissional futura dos estudantes. Em relação à introdução desse modelo de currículo no contexto universitário, os estudos de Mamede e Penaforte (2001) indicam que a primeira Universidade a adotá-lo foi a de McMaster (Canadá) em 1965, no curso de Medicina, o qual foi identificado como PBL (Problem Based Learning), devido a sua origem inglesa. Os autores registram também que, pouco tempo depois, outras escolas médicas o adotaram. São os casos das Universidades de Limburg, em Maastricht, na Holanda, a Universidade de Newcastle, na Austrália, e a Universidade do Novo México, nos Estados Unidos. No Brasil até o ano de 2000, havia apenas quatro escolas médicas a adotarem esse modelo curricular, entre elas o curso de Medicina da UNESC. Porém, a partir desse período, o número de escolas que o adotaram vem crescendo aceleradamente. Em razão disso, sua presença ganhou importância no cenário educacional, o que sugere a realização de estudos sobre suas bases teóricas. No caso dessa investigação, pretende-se investigar a noção de “problema” que se presentifica na proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC, por ser este o seu eixo articulador. Como procedimentos metodológicos, optou-se por uma pesquisa teórica a partir de uma análise de conteúdos, tendo como instrumentos investigativos a “pesquisa bibliográfica” e a “análise de documentos”. Do conjunto de documentos explicitadores da proposta, são analisados: Resolução 05\2000 – CONSU, Resolução 24\2001 – CONSU, Resolução11\2006 – CONSU, Projeto de Reconhecimento do curso (2002), e, principalmente, a proposta pedagógica contida no Projeto de Reengenharia (2000) e no Projeto político-pedagógico (2005) do curso Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 14 de Medicina da UNESC. A exploração desses documentos objetiva compreender a proposta em seu arcabouço teórico, e, identificar as categorias configuradoras da concepção de “problema” constituídas em seus textos. O que se pretende ao demarcar, como categoria central, a noção de “problema” é compreendê-la na articulação com as bases teóricas da proposta, uma vez que, dela podem decorrer outros elementos conceituais definidores da concepção de conhecimento que ela mobiliza. Para esse fim, adota-se a estratégia de lançar perguntas à noção de problema em sua explicitação nos diferentes momentos da proposta para verificar coerências e dissonâncias teóricas. Após esse balanço, e, identificada a importância do referencial de Paulo Freire nos discursos da proposta, produzem-se indagações às aproximações e distanciamentos relativas à noção de “Problematização” desse autor. É com essa intenção que os resultados desta pesquisa foram estruturados, de modo que o primeiro capítulo apresenta o tema em estudo, “a noção de problema na proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC”, realizando uma análise a partir da Problematização de Paulo Freire, contextualiza a problemática da pesquisa e a organização desta dissertação. Quanto ao segundo capítulo, discute-se a problemática da pesquisa, sua relevância social e científica, bem como os procedimentos metodológicos adotados na análise da proposta do curso de Medicina da UNESC e sua confrontação com a Problematização de Paulo Freire. Para o terceiro capítulo, contextualiza-se historicamente a ABP no sistema educacional brasileiro e na UNESC, apresentando e discutindo as categorias centrais da proposta pedagógica do curso de Medicina, concomitante a sua explicitação nos principais tópicos constitutivos: módulos temáticos; aprendizagem centrada no estudante; aprendizagem compartilhada; e, avaliação do processo ensino-aprendizagem. Reservou-se para o quarto capítulo a interrogação quanto à noção de “problema” da proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC, discutindo suas aproximações e distanciamentos com a Problematização de Paulo Freire. Por último, nas considerações finais faz-se um balanço recorrente dos principais objetivos e resultados desta pesquisa, a partir das reflexões travadas no seu interior, levantando possibilidades de continuidade do tema em estudo futuros. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 15 II INTRODUÇÃO 2.1 A CONFIGURAÇÃO DA PROBLEMÁTICA E SEUS DESDOBRAMENTOS Como já observado no capítulo precedente, este trabalho aborda “a noção de ‘problema’ na proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC: uma análise a partir da ‘Problematização’ de Paulo Freire” e se propõe a interrogar uma categoria central, a noção de “problema”, na sua articulação com as teorias que fundamentam a proposta, uma vez que, da categoria “problema” pode decorrer outros elementos que traduzem uma concepção de conhecimento. Pensar a categoria central de uma proposta pedagógica implica compreender não somente os aspectos meramente técnicos e estruturais, mas, sobretudo, problematizar as teorias que a fundamentam. No caso da proposta em análise significa interrogar os elementos conceituais constitutivos do currículo que a materializa. Essa indagação, portanto, não pode ser feita descolada do cenário pedagógico no qual estão centradas as questões curriculares atuais, uma vez que toda proposta pedagógica carrega em si, uma concepção de currículo, de ciência, de aprendizagem, de ser humano e de sociedade, que se pretende construir. Analisar uma proposta curricular, nessa perspectiva implica refletir sobre suas bases teóricas de sustentação. A proposta pedagógica da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) denominada originalmente de Problem Based Leanirng (PBL), devido a sua origem inglesa, apresenta-se nesse cenário como uma das fortes tendências curriculares nacionais, principalmente voltada aos cursos da área da saúde, focando seus processos pedagógicos na “Problematização” dos conteúdos. A referida proposta, de acordo com Mamede e Penaforte (2001), é estruturada por módulos, que integram as diferentes disciplinas. Somado a isso, a ABP tem como propósito formar profissionais com espírito inquiridor, com capacidade de articular prevenção e terapias, dando abertura necessária às demandas sociais e políticas na área da saúde. Ainda de acordo com Mamede e Penaforte (2001), a ABP é mais que uma estratégia didático-pedagógica, é uma “filosofia curricular”, centrada no aluno, em que os mesmos constroem ativamente o conhecimento por meio de problemas. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 16 Compreendê-la como uma “filosofia curricular” e não apenas como estratégia didático-pedagógica pressupõe refletir sobre a concepção de conhecimento que a orienta e sobre as relações estabelecidas com o ensino-aprendizagem. É nesse sentido que cabe perguntar: por que pesquisar sobre um aspecto importante de uma proposta curricular na área da saúde? Diante disso, vale destacar que o interesse por este estudo decorre de minha formação inicial em Pedagogia, e aos vinte e seis anos que atuo na educação, dentre os quais vinte na educação básica e onze na educação superior. No decorrer desse tempo, as questões relativas à educação escolar, ao processo ensino-aprendizagem, à formação do professor foram os focos de minhas pesquisas. Contudo, uma pergunta me perseguia no decorrer dessa caminhada: qual a relação existente entre os processos pedagógicos presentificados na escola e a teoria que os orienta? Dito de outra forma: a prática pedagógica da escola traduz uma determinada concepção de conhecimento? Essa indagação me instigou ao desejo de aprofundar um pouco mais, a partir da pesquisa, as questões relativas a propostas curriculares. Desse modo, a origem do interesse pela proposta curricular ABP, analisada nessa pesquisa, é decorrente de minha prática profissional como professora, e também como assessora pedagógica dos cursos de graduação, que teve início no ano de 1998, quando integrei o quadro docente da UNESC atuando, a princípio, nos cursos de Licenciatura. Após esse período, já no ano de 2000, assumi a assessoria pedagógica da então Diretoria de Graduação1. A função do assessor pedagógico, de acordo com o relatório e planejamento da Diretoria, consistia em: 1 A partir do ano de 1989, a estrutura do ensino da UNESCera organizada pelas Diretorias de Graduação, PósGraduação, Pesquisa e Extensão, subordinadas às Pró-reitorias, Acadêmica, depois de Graduação e de PósGraduação, Pesquisa e Extensão. Após o ano de 2006, a UNESCaprova por meio da Resolução 14/2006 o seu Regimento Geral que estabelece a nova estrutura administrativa, ficando o ensino coordenado pelas Diretorias das Unidades Acadêmicas - UNAS: Ciências da Saúde, Humanidades e Ciências da Educação, Ciências Sociais e Aplicadas e Ciências das Engenharias e Tecnologias, subordinadas às Pró-reitoria de Ensino e Pró-reitoria de Pesquisa, Pós-graduação e de Extensão. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 17 a) prestar assessoria pedagógica aos cursos de graduação, orientando e supervisionando a execução dos programas e ações desenvolvidas pelos diversos cursos superiores oferecidos à comunidade; b) promover a articulação e a integração entre os diversos cursos de graduação, bem como contribuir com a formação continuada dos docentes, auxiliando-os a assumirem postura reflexiva e autônoma diante do fazer pedagógico. (UNESC: RELATÓRIO DA DIRETORIA DE GRADUAÇÃO, 2005, P. 3). No ano de 2001, após reestruturação naquele setor, a equipe foi dividida para atender as necessidades pedagógicas específicas de cada área, que foram assim classificadas: Licenciaturas, Ciências Sociais Aplicadas, Engenharias e Tecnologias e Saúde. Nessa divisão, assumi a assessoria dos cursos da área da Saúde que eram os seguintes: Farmácia, Fisioterapia, Psicologia, Enfermagem e Medicina. Desses cursos, os três primeiros apresentavam matriz curricular organizada por disciplinas e os dois últimos por módulos temáticos. O curso de Enfermagem, de acordo com seu projeto pedagógico (2002), é organizado por um modelo de currículo integrado, em que a metodologia utilizada é a problematização da realidade, sustentada na interdisciplinaridade e na participação ativa do aluno no processo ensino-aprendizagem (UNESC: PROJETO DO CURSO DE ENFERMAGEM, 2002). Já o curso de Medicina, de acordo com seu o Projeto de Reengenharia (2000), é organizado com base em problemas, estruturados por “módulos temáticos”, utilizando-se da ABP (Aprendizagem Baseada em Problemas) como metodologia do processo de ensino e aprendizagem. A proposta pedagógica enfatiza que sua a metodologia pauta-se no construtivismo de Jean Piaget e na pedagogia de Paulo Freire, considerando o estudante como o centro e o sujeito do processo ensino-aprendizagem (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA DO CURSO DE MEDICINA, 2000). Foi, então, na condição de assessora pedagógica que participei das reuniões de colegiado, dos programas de formação continuada, interagindo nas discussões dos projetos pedagógicos dos cursos da área da Saúde, o que provocou o desejo de aprofundar as questões relativas ao currículo “modular”, compreendendo suas bases epistemológicas. Com essa finalidade, estudei as propostas de currículos de cursos de medicina, estruturados por módulos e fundamentados na ABP de universidades brasileiras, e, mais especificamente, a da UNESC. Vale destacar que esse processo Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 18 de investigação seguiu uma longa trajetória, permeada de avanços e rupturas relativas à compreensão desse tema, uma vez que a caminhada de um pesquisador em ciências sociais nunca é linear, muito pelo contrário, é carregada de conflitos buscando superar os obstáculos que dificultam seu olhar sobre o objeto. Assim, ao aproximar-me desse objeto de forma mais aprofundada, compreendi que os módulos não configuravam a concepção do curso, mas se constituíam em uma forma de organização, cujas disciplinas eram integradas, atendendo aos objetivos dos problemas geradores. Os “problemas”, então, eram o foco do modelo de currículo ABP. A organização modular, assim como todo o curso, era estruturado para possibilitar o desenvolvimento e a resolução de “problemas”. Dessa forma, o objeto de estudo passa a ser “as bases pedagógicas e epistemológicas do currículo ABP”, tendo como foco de análise o currículo do curso de Medicina da UNESC. Entretanto, a tentativa de analisar essas “bases pedagógicas e epistemológicas”, acarretou o alerta acerca de alguns conflitos conceituais, a saber: haverá dicotomia na concepção pedagógica e epistemológica de uma proposta? Em toda proposta pedagógica não se presentifica uma concepção de ciência e de conhecimento? Ao tentar abordar de forma isolada essas questões, não se fragmentaria o olhar sobre o objeto de estudo? Compreendendo melhor essas questões, delimita-se o objeto de estudo, a partir da seguinte problemática: em que bases epistemológicas está fundamentada a proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC? Nesse momento de definição do problema, passa-se ao estudo exaustivo das fontes documentais, assim como dos referencias teóricos sobre a ABP, buscando compreender suas bases epistemológicas. Com essa intenção, um significativo número de textos sobre a teoria do conhecimento é mapeado e exaustivamente estudado, dando principal destaque às teses epistemológicas de Gaston Bachelard (1884-1962) e de Thomas Khun (19221996). A escolha desses autores deu-se pelo fato de considerarem os problemas pedagógicos presentificados nas escolas como originários, entre outros aspectos, da forma como as mesma s concebem o conhecimento. O currículo escolar, portanto, não é neutro, pois traduz uma determinada concepção de ciência e de verdade. A exemplo de Bachelard e Kuhn interrogou-se a concepção epistemológica da proposta curricular ABP do curso de Medicina da UNESC, Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 19 identificando em seus textos categorias que permitissem essa investigação. Da exploração do documento, um conjunto de categorias foi identificado, tais como: aprendizagem centrada no estudante, aprendizagem compartilhada, organização modular, avaliação do processo ensino-aprendizagem, que articuladas explicitavam a concepção de ciência e conhecimento predominantes da proposta. Contudo, essas categorias só tinham sentido, se compreendidas no contexto da proposta pedagógica ABP, a partir de uma categoria central, o “problema”, uma espécie de categoria macro, que se constitui no seu eixo orientador. Na referida proposta, o “problema” alavanca o processo de ensino-aprendizagem, sendo em função dele organizada a estrutura física, administrativa e didático-pedagógica necessária à implementação do curso. Nesse percurso de estudo e reflexão, compreendeu-se a necessidade de fazer algumas escolhas visto que, (pelas análises feitas a algumas propostas) a proposta original da ABP, nem sempre converge com a concepção e a forma de implantação nos currículos das universidades. No caso da UNESC, a ABP contempla muitas das características originais, mas, há também adaptações próprias. Além disso, no caso específico do curso de Medicina da UNESC, a categoria “problema” aparece como eixo central desse currículo, não tendo, portanto, como compreender suas bases epistemológicas sem interrogar a noção de “problema” que o fundamenta. É nesse caminho que se atesta a necessidade de focar a noção de “problema” na proposta, por ser este o seu eixo orientador. E, para compreender melhor o seu lugar e seu significado na proposta do curso, fazem-se interrogações à noção de “problema”, identificando suas aproximações e distanciamentos, não mais com Bachelard e Khun2, mas com Paulo Freire (1921-1997), uma vez que o mesmo é indicado como uma referência importante nos discursos teóricos presentes no texto da proposta. Para alcançar esse propósito, a metodologia de pesquisa utilizada neste trabalho tem como instrumento de análise a proposta pedagógica contida no Projeto de Reengenharia (2000) e no Projeto político-pedagógico (2005) do curso de 2 Pesquisa que se pretende ainda realizar em estudos futuros. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 20 Medicina da UNESC, confrontando-a consigo mesma, com seus conteúdos manifestos e latentes, e com os referenciais teóricos sobre a noção de Problematização de Paulo Freire. A escolha por Freire justifica-se também, porque suas idéias sobre Problematização são as que mais se aproximam do projeto de educação e de sociedade que se deseja ajudar a construir. Em Freire (1996), a escola deve ser o lugar da “transcendência”, deve ser o lugar do pensar. Transcender representa superar e superar- sobretudo, em suas concepções sobre a ciência, o conhecimento e as relações estabelecidas na escola. Isso significa que educar é muito mais do que “treinar”, do que repassar conhecimentos. Educar representa libertar o ser humano da ignorância, da subserviência e das diferentes formas de opressão. Por conseguinte, o projeto de educação de Freire apresenta um compromisso político e pedagógico bastante acentuado, o que permite caracterizá-lo como uma teoria da educação. Dialogar com Freire neste trabalho representa compreender melhor as bases de sua teoria e suas implicações em um projeto pedagógico que se comprometa com o desenvolvimento do pensamento crítico e da autonomia, como no caso da ABP do curso de Medicina da UNESC. Fazendo essa escolha, o problema da pesquisa fica assim configurado: A qual noção de “problema” articula-se a proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC? É importante salientar que a escolha pelo estudo da proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC se justifica pelo fato de ser o primeiro e único curso desta universidade estruturado na ABP, sendo também o quarto do Brasil a fazer essa opção, precedido da FAMEMA (Faculdade de Medicina de Marilia - São Paulo) 1997, da UEL (Universidade Estadual de Londrina - Paraná), 1998, PUCPRC (Pontifícia Universidade Católica do Paraná - Curitiba), 1999. Vale destacar também que, o número de escolas médicas que adotam a ABP, a partir deste período aumentou consideravelmente, como se pode observar no quadro comparativo (apêndice 1), elaborado a partir da análise do relatório do IV Fórum Nacional Metodologias Ativas de Ensino-Aprendizagem, ocorrido em Londrina-Paraná, no período de 09 a 11 de agosto de 2007. Nesse quadro é possível constatar que, entre os anos de 2000 a 2006, a implantação de propostas Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 21 curriculares ABP em Escolas Médicas aumentou de cinco para dezenove, ou seja, 263%. Ademais, essa implantação está ocorrendo tanto em Instituições públicas estatais, quanto em públicas não-estatais, a exemplo da UNESC que é comunitária; somando a esse roll algumas instituições privadas. O aumento considerável do modelo de currículo acima descrito requer que se reflita sobre sua influência junto ao perfil do futuro profissional e sua contribuição no processo de construção de conhecimento pelos estudantes. No entanto, é importante salientar que, ao pesquisar a proposta do referido curso, não se postula a intenção de adentrar na epistemologia da área da Saúde, e na especificidade desse campo, ou seja, não se pretende aprofundar os conhecimentos advindos da Formação Médica, e nem, sobretudo, fazer uma apreciação valorativa da modalidade de currículo que a referida proposta adota. Em face do exposto, pretendo interrogar a noção de “problema” na proposta pedagógica, analisando suas aproximações e distanciamentos com a Problematização de Paulo Freire. Para tanto, a problemática desta investigação, foi desdobrada nas seguintes perguntas: - Qual a noção de “problema”, eixo articulador da Proposta? - Quais as aproximações e distanciamentos da noção de “problema” preconizada na Proposta e a Problematização de Paulo Freire? Com o intuito de aprofundar as reflexões sobre as questões postas na seção precedente, definem-se como objetivos específicos: - analisar a noção de “problema” na Proposta do curso de Medicina na UNESC; - identificar as aproximações e distanciamentos da concepção de “problema” da Proposta em relação à Problematização de Paulo Freire. Para atender aos objetivos acima listados, postularam-se as seguintes tarefas: - identificação dos cursos de Medicina de universidades brasileiras que adotam o currículo ABP (apêndice 1); Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 22 - mapeamento das pesquisas sobre currículo ABP ou PBL, especialmente as produzidas pelos GTs da ANPED (Associação Nacional de Pesquisa em Educação), por ser esse o principal evento da comunidade científica da área da educação no Brasil; - mapeamento das teses e dissertações sobre o currículo ABP ou PBL, no banco de dados da Capes (1997-2007); - estudo de obras e periódicos, dissertações e teses que tratam do ABP ou PBL e das teorias do currículo; - estudo das orientações da legislação atual, assim como das diretrizes curriculares nacionais em relação à elaboração dos currículos dos cursos de Medicina; - análise dos documentos do curso de Medicina da UNESC: resolução de criação, projeto de Reengenharia, regulamento e Projeto político-pedagógico institucional e do curso; - Estudo sobre as teorias do conhecimento, com destaque às obras de Paulo Freire para referenciar as perguntas, mencionadas anteriormente, sobre a noção de “problema”, lançadas à proposta pedagógica ABP da UNESC. Em consulta ao site da ANPED e analisando os trabalhos apresentados no GT (Grupo de Trabalho) do Currículo, constatou-se a inexistência de trabalhos sobre essa temática específica. A Revista Currículo sem Fronteira que publica semestralmente artigos selecionados e editados por um Conselho Editorial Internacional, constituído por investigadores de diferentes instituições, também não apresenta nenhum artigo sobre a temática. Encontrou-se, porém, um acervo significativo de artigos publicados na Revista de Educação Médica, um periódico Qualis A classificado pela Capes, que publica, semestralmente, textos pedagógicos da área da Saúde. O encontro de artigos em maior quantidade nessa revista pode ser devido ao fato de a ABP ter sido implantada consideravelmente nos cursos da área da saúde, especialmente na Medicina. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 23 Trabalho significativo sobre essa temática foi encontrado na Revista Interface, Comunicação, Saúde e Educação, publicado no ano de 1998, de autoria de Neusi Aparecida Navas Berbel, professora do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina - UEL, com o título “A problematização e a aprendizagem baseada em problemas”. O referido artigo faz análise comparativa entre a metodologia da problematização fundamentada no Método do Arco, de Charles Magueres, apresentado por Bordenave e Pereira (1982), no livro Estratégias de ensino-aprendizagem e a proposta curricular “Aprendizagem Baseada em Problemas. No banco de dissertações e teses da Capes, encontraram-se pesquisas bastante significativas que tratam do currículo ABP ou PBL. São elas: A utilização da metodologia PBL na odontologia: descortinando novas possibilidades do processo ensino-aprendizagem, de autoria de Roseli Alves Chiaratto, 2002 da Universidade Estadual Paulista. A organização curricular por problemas no curso de Medicina: um estudo de caso, de autoria de Carolina Vieira Mello, 2003 da Universidade Católica Dom Bosco. AVPBL: Uma ferramenta para auxiliar sessões tutoriais e métodos de aprendizagem baseada em problemas, de autoria de Gabriela Ribeiro Peixoto Resende Pinto, 2004 da Universidade de Salvador. A aprendizagem baseada em problemas (PBL): uma implementação na educação das engenharias na voz dos atores, de autoria de Luiz Roberto de Camargo Ribeiro, 2005 da Universidade Federal de São Carlos. Na UNESC identificou-se uma pesquisa realizada no ano de 2003, pelo Programa de pós-graduação lato-sensu, de autoria de Silvana Miranda com o título: A educação médica: uma análise da sessão tutorial e o desenvolvimento de atitudes voltada à uma avaliação global, na formação do médico na universidade. Além das pesquisas anteriores encontraram-se referenciais importantes nas publicações de Mamede (2001), e Komatsu (2003), que tratam especificamente da proposta curricular ABP. A primeira publicação baseia-se na experiência da Escola de Saúde Pública do Ceará, cujo currículo é estruturado na ABP. A segunda trata de uma pesquisa realizada com estudantes universitários da Faculdade de Medicina de Marília (FAMENA), também estruturada na ABP, que aborda o “olhar Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 24 dos futuros médicos para o idoso”. Outra publicação significativa, embora não trate do ABP, é o livro organizado por Neusi Aparecida Navas Berbel que aborda as “metodologias da problematização”, dentre elas a Problematização de Paulo Freire. É importante destacar também as contribuições de Marcos Tarciso Masetto (2004) pesquisador das linhas “Investigação sobre paradigmas curriculares inovadores” e “Formação de professores com novas tecnologias” do programa de pesquisa em educação da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, que atualmente vem discutindo a ABP, enquanto um paradigma curricular e não apenas como uma metodologia de ensino. Masetto vem refletindo também sobre a possibilidade da inserção da ABP nos cursos de licenciatura e formação de professores. Desse autor encontrou-se um texto, apresentado no XII Endipe Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino no ano de 2004, com o título: PBL na educação? Após a realização desse mapeamento, foi possível observar que são escassas as pesquisas sobre a temática em questão, sobretudo em revistas da área da educação. Além disso, nenhuma publicação aborda de forma direta a noção de “problema”, eixo articulador da proposta curricular ABP, comparando com a Problematização de Paulo Freire. Desse modo, a presente pesquisa constitui-se em um tema inovador, uma vez que pretende estudar a proposta pedagógica ABP da UNESC, questionando a noção de “problema” e suas aproximações e distanciamentos com a Problematização de Freire. Vale destacar que, focalizar nesta pesquisa uma categoria que se inscreve na pedagogia Paulo Freire não remeterá apenas a uma releitura e aprofundamento de suas obras, mas, sobretudo, a partir deste estudo, lançar perguntas e fazer análises sobre a noção de “problema” constituída na proposta do curso de Medicina da UNESC. Dessa forma, interrogar a noção de “problema” da ABP no curso de Medicina da UNESC oferece possibilidades para a inovação das práticas pedagógicas, vislumbrando possíveis transformações na concepção de “problema” assumida pelo curso de Medicina, e, conseqüentemente, no perfil do estudante a ser formado. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 25 2.3 Procedimentos metodológicos Para a realização deste trabalho, optou-se por uma pesquisa teórica a partir de uma análise conceitual dos conteúdos, cujos procedimentos investigativos são a pesquisa bibliográfica e a análise de documentos. A pesquisa bibliográfica tem por finalidade conhecer as produções científicas já realizadas sobre o tema investigado e colaborar com o debate, somando-se a isso a reflexão sobre os conceitos fundamentais abordados. Segundo Lakatos e Marconi (2001) a pesquisa bibliográfica “propicia o exame de um tema sob um novo enfoque ou abordagem, abrangendo a bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo” (LAKATOS; MARCONI, 2001, p. 183). Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, etc. Nesta investigação, utilizou-se das seguintes fontes bibliográficas: pesquisas (teses, dissertações, monografias), legislação do ensino superior, livros, revistas e periódicos relacionados ao objeto de estudo. Outro procedimento metodológico do estudo foi a análise de documentos. Com esse fim, realizou-se uma pesquisa documental, que, nas palavras de Lakatos e Marconi (2001) caracteriza-se pela “fonte de coleta de dados restrita a documentos, escritos ou não, constituindo o que se denomina de fontes primárias” (LAKATOS; MARCONI 2001, p. 174), ou seja, materiais que não receberam tratamento analítico, podendo ser re-elaborados de acordo com os objetivos da pesquisa. Assim sendo, utilizaram-se neste trabalho, como fonte de estudo e consulta, os documentos do curso de Medicina da UNESC e os da própria UNESC, que possibilitaram esclarecer a proposta pedagógica pesquisada, a saber: Resolução 20\98-CONSU, Resolução 05\2000-CONSU, Projeto de Reengenharia (2000), Projeto político-pedagógico do curso (2005), Resolução n.11\2006 - CONSU, Projeto de Reconhecimento (2002), Resolução 24\2001-CONSU.3 Para fins de esclarecimento é conveniente explicitar no que se constituem esses documentos: Resolução 20\98-CONSU que cria o curso de Medicina na UNESC; 3 A partir de agora este texto vai utilizar o termo a “Proposta” para referir-se ao conjunto de documentos que descrevem a proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 26 Resolução 05\2000-CONSU que aprova a implantação da proposta pedagógica Aprendizagem Baseada em Problemas no curso de Medicina da UNESC; Projeto de Reengenharia (2000), documento de criação do curso que contém a proposta didático-pedagógica, assim como a matriz curricular e a estrutura física necessária à sua implantação. Esse documento foi encaminhado internamente ao CONSU para aprovação e externamente ao Conselho Estadual de Educação; Projeto político-pedagógico do curso (2005), que fora construído após a implantação do curso com a participação dos gestores, docentes e representantes dos discentes. Nele, definem-se as intenções políticas e pedagógicas, assim como as ações que devem ser desenvolvidas para atingir as metas estabelecidas; Resolução n.11\2006 – CONSU que aprova a alteração do curso de graduação em Medicina, aprovado outrora pela resolução Res. 08\2002 – CONSU e na qual se estabelecem as diretrizes didático-pedagógicas; Projeto de reconhecimento (2002): trata-se do documento utilizado no processo de reconhecimento do curso pelos avaliadores do Conselho Estadual de Educação, após a conclusão da primeira turma. Esse documento reúne os anteriores e também todas as resoluções e normativas aprovadas, assim como a estrutura física e didático-pedagógica do curso, constando que o curso foi aprovado por um período de cinco anos pelo parecer CEE-SC n.639- 17.12.2002; Resolução 24\2001 – CONSU – que aprova o projeto político-pedagógico da UNESC no qual se definem as intenções políticas e pedagógicas da instituição. Após o mapeamento acima listado, deu-se início à exploração do material, especialmente da proposta pedagógica constante no projeto de criação e no projeto político pedagógico do curso, buscando identificar categorias4 que permitissem compreender as bases teóricas fundamentais da ABP na UNESC. Dessa exploração, encontraram-se algumas categorias centrais que orientaram a concepção curricular da 4 Proposta: aprendizagem baseada em problemas, Por categorias compreende-se os conceitos operativos presentes na proposta pedagógica, que reúnem a partir de um título genérico um grupo de elementos que apresentam caracteres comuns apresentados por estes elementos. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 27 aprendizagem centrada no estudante, organização curricular modular, aprendizagem compartilhada e avaliação do processo ensino-aprendizagem. Porém, constatou-se ainda, na análise dessas categorias, que estas só adquirem sentido se compreendidas a partir de um eixo maior a “Aprendizagem Baseada em Problemas”, que representa a proposta didático-pedagógica do curso de Medicina da UNESC, cujo eixo orientador é o “problema”, objeto de sustentação desse modelo de currículo. É no interior dessas categorizações que se buscará compreender a noção de “problema”. Nesse sentido, o estudo e pesquisa em fontes bibliográficas e documentais realizadas têm como intuito a compreensão da noção de “problema” que está articulada à Proposta. É importante lembrar que, como procedimento de análise documental, utilizou-se do método de “análise de conteúdos” que, de acordo com Minayo (1993), deve abranger as seguintes fases: - pré-análise: organização do material de acordo com os objetivos de estudo; - exploração do material: aplicação do que foi definido na fase anterior; - tratamento dos resultados obtidos e interpretação: desvendamento do conteúdo subjacente ao que está sendo manifesto. Desta forma, no processo de tratamento dos dados procurou-se analisar não somente os conteúdos descritos e manifestos, mas, sobretudo, “desvendar o conteúdo latente que eles possuem” (TRIVIÑOS, 1997, p. 162). Isso implica dizer que se procurou lançar um olhar apurado, buscando nas entrelinhas dos conteúdos produzidos na Proposta a noção de “problema” que a fundamenta. Partindo dos pressupostos acima apresentados esta pesquisa traz, em seu bojo, uma concepção de ciência, permeada pela crítica e pela reflexão. Isso implica dizer que o pesquisador, ao ter como ponto de partida a realidade, deve fazer o esforço no sentido de superar as impressões primeiras, o obstáculo da experiência cotidiana e do conhecimento generalizante, e ascender a questões fundamentais. Para Bachelard (1996), a verdadeira tarefa da pesquisa científica não é conhecer os fenômenos da realidade para explicá-los, mas conhecer para criticá-los. O conhecimento, assim concebido, não se dá por compreensão ou extensão, mas, Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 28 sobretudo, por deformação. Nas palavras do autor, por um processo de racionalização da experiência. “A fecundidade de um conhecimento científico é proporcional ao seu poder de deformação”. (BACHELARD, 1996, p.76). A prática da pesquisa, nesse contexto, é construída por meio da ação cotidiana do pesquisador, buscando questionar a visão estática que, no senso comum, se tem da realidade, desvendando os conflitos e as ideologias subjacentes ao fenômeno investigado, tendo como ponto de partida a prática social, produzida pelo homem. Este, ao mesmo tempo em que constrói a história, constrói a si mesmo e se constitui como ser humano. A partir da linha de raciocínio construída ao longo deste capítulo, os seguintes se prestam a explorar o conteúdo da Proposta, localizando seus conceitos essenciais, para, a seguir, confrontar a noção de “problema” da Proposta curricular ABP com a Problematização de Freire. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 29 III A NOÇÃO DE “PROBLEMA” NA PROPOSTA A problemática que se enfrenta neste trabalho refere-se à “noção de problema” que se articula à proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC. Para tanto, faz-se necessário apresentar como ocorreu a inserção desse modelo de currículo no referido curso, situando-o no cenário educacional, bem como destacar suas diferenças em relação a propostas semelhantes, como é o caso do “currículo por problemas” e da “metodologia da Problematização”. O “currículo por problemas”, de acordo com Masetto (2004), utiliza-se de estudos de caso apresentados pelo professor ao estudante para que sejam resolvidos, aplicando a teoria estudada na prática. Nesse caso, o estudante necessita conhecer a teoria antecipadamente, para depois ter condições de apresentar alternativas de solução ao problema. Já a “metodologia da Problematização” se configura como um conjunto de técnicas, métodos e procedimentos selecionados para aprender a trabalhar com problemas. Nesse último caso, trata-se de uma opção individual do professor na organização didática de sua disciplina, não implicando a modificação estrutural do currículo. Diferentemente do “currículo por problemas” e da “metodologia de problematização”, Masetto (2004) aponta que, na ABP, o “problema” é apresentado ao estudante, o que se subtende dizer, antes da participação do estudante no estudo teórico, sendo utilizado como desencadeador da pesquisa e do estudo dos conceitos necessários à sua resolução. Para conhecer um pouco mais sobre as origens do modelo de currículo que se apresentou como uma terceira via, ABP, recorreu-se aos estudos teóricos realizados por Mamede e Penaforte (2001), na obra Aprendizagem baseada em problemas e por Komatsu na obra: Aprendizagem baseada em problemas: sensibilizando o olhar para o idoso. E, na seqüência, procurou-se explorar sua concepção pedagógica no curso de Medicina da UNESC e o contexto de sua emergência. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 30 3.1 A Aprendizagem Baseada em Problemas - ABP: contextualização histórica no cenário educacional Em se tratando das origens do modelo de currículo ABP, não se pode afirmar com segurança onde e quando foi empregada pela primeira vez uma metodologia de ensino/aprendizagem baseada no estudo de problemas com pequenos grupos de estudantes, sob a supervisão de um professor ou tutor. Pelos estudos realizados por Mamede e Penaforte (2001) pode-se admitir que a ABP tenha surgido como fundamento paradigmático da estruturação de um currículo universitário, quando do estabelecimento do curso de Medicina da Universidade McMaster. A Universidade McMaster teve sua origem em Toronto e, desde 1930, localiza-se na periferia da cidade de Hamilton, no Canadá. É uma instituição de porte médio, com fortes vínculos com a comunidade. O processo para a implantação do curso de Medicina começou em 1965 e a primeira turma a participar desse modelo ingressou em 1969, composta por vinte estudantes. Ainda de acordo com Mamede e Penaforte (2001), pouco tempo após a implantação do curso de Medicina da Universidade McMaster, outras escolas médicas adotaram a ABP5, com adaptações próprias, e desenvolveram suas próprias esferas de influência. Em relação às teorias pedagógicas que fundamentaram a ABP na ocasião de sua implantação na Faculdade de Medicina da Universidade de Mac Master, Canadá, na década de 1960, Komatsu (2003) diz que não houve influência das teorias de Dewey (1959-1952) Rogers (1902-1987) Freinet (1916-1900), Piaget (1896-1980) e Vigotski6 (1986-1934) como muitos pensam. Segundo o autor, o 5 Dentre as pioneiras estão a Universidade de Limburg, em Maastricht, na Holanda, a Universidade de Newcastle, na Austrália, e a Universidade do Novo México, nos Estados Unidos. 6 De acordo com Komatsu, em correspondência eletrônica emitida por este em 2 de dezembro de 2000 à Howard Barrows, um dos pioneiros da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de MacMaster, Barrows reconheceu que os professores que planejaram o currículo de Medicina de 1969 daquela Universidade não tinham nenhum contato com obras de educadores como John Dewey, Carl Rogers, Célestin Freinet, Jean Piaget, ou Lev Semenovich Vigotski. A formulação da ABP deu-se sem a influência direta de teóricos da Educação. (KOMATSU, 2003, p.15) Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 31 modelo de currículo ABP foi pensado a partir de uma mistura de diversas correntes e teorias educacionais, como o construtivismo, a psicologia cognitiva, a proposta de integração biopsicossocial, aliadas a uma boa dose de criatividade de aproximadamente vinte educadores que planejaram o currículo para a Medicina naquela universidade. Em se tratando da adesão a esse modelo de currículo por outras universidades, Mamede e Penaforte (2001), registram que, aproximadamente até o final dos anos de 1980, a ABP apresentou um crescimento lento, porém contínuo. Nos últimos vinte anos, entretanto, observou-se o aumento do número de cursos que adotam esse modelo de currículo, porém, com diferentes adaptações. Em relação aos aspectos pedagógicos de sua proposta, os estudos apontam que, em sua origem, no curso de Medicina da Universidade de McMaster, a ABP apresentava alguns componentes centrais como os descrito por Schmidt (apud MAMEDE; PENAFORTE, 2001, p. 29): o problema, os grupos tutoriais, o tutor, o estudo individual, a avaliação do estudante e os blocos, unidades ou módulos por meio dos quais se estrutura o currículo. Vejamos cada um deles: Ø Os “problemas” são situações ou fenômenos extraídos da realidade, que devem ser explicados pelos estudantes, procurando aliar aos objetivos educacionais. É o ponto de partida, o fio condutor do processo ensinoaprendizagem. Ø O “grupo tutorial” é formado por grupos de aproximadamente oito estudantes, coordenado por um tutor (denominação dada ao professor), e tem a tarefa de discutir as situações-problema. No primeiro contato com a situaçãoproblema, os estudantes levantam os objetivos e os conhecimentos prévios sobre o tema. A seguir, estudam individualmente ou em grupos, buscando respostas ao problema proposto e utilizando-se de pesquisas bibliográficas ou mesmo consultas a profissionais da área. Ø O “tutor” é o facilitador do processo de ensino-aprendizagem e deve garantir que os problemas estudados sejam compreendidos pelos alunos. Ø O “estudo individual” é o espaço no qual os estudantes buscam as informações necessárias em livros, internet, laboratórios e com os professores, ocorrendo no intervalo entre o primeiro contato com o problema e o retorno para a resolução do mesmo. O “problema” está posto e o objetivo do estudo é Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 32 compreender sua amplitude. Ø A “avaliação do estudante” é realizada de forma progressiva e constitui-se em um meio para que os professores possam se certificar da aprendizagem dos estudantes, servindo de subsídio para o replanejamento das atividades. Ø A “estruturação do currículo em unidades, blocos ou módulos”, cada um deles tendo um único tema específico como base, enfocado através de uma série de problemas inter-relacionados. Como é possível perceber no trecho acima, o “problema” na ABP, é o eixo condutor de todo processo de ensino-aprendizagem. É a partir dele que se estrutura a organização dos módulos de ensino, a seleção dos conteúdos e o processo de avaliação. Além disso, segundo Komatsu (2003, p. 31), o “problema”, [...] é utilizado como estímulo à aquisição de conhecimentos e habilidades, sem que nenhuma exposição formal prévia da informação seja necessariamente oferecida; o problema educacional deve refletir a realidade, antecipá-la como acontecimento ao estudante que se prepara para a atuação profissional, permitindo a reflexão de uma temática em um contexto, a seleção de recursos educacionais, a busca de informações a avaliação crítica e a aplicação. Por conseguinte, na ABP, os problemas são trabalhados desde a primeira semana do curso, constituindo-se em uma situação desafiadora à aprendizagem, um obstáculo a ser superado pelos estudantes. Tais problemas são elaborados a partir dos conteúdos que compõem os módulos de ensino. Esses são explorados nas sessões tutoriais, com aproximadamente oito estudantes e um tutor. O principal papel do tutor, de acordo Komatsu (2003), é o de “facilitar a aprendizagem dos estudantes”, não sendo de sua competência ministrar aulas, mas incentivá-los a discutirem o “problema” no sentido de que os objetivos de aprendizagem de cada módulo sejam atingidos. Ainda conforme o autor, na ABP, nenhuma exposição formal, prévia, de informação é dada pelo programa ou curso, e a seguinte seqüência de passos é aconselhada: Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 33 1. dar visibilidade ao problema oferecido, explorando-o e refletindo se existe alguma pergunta sobre a descrição do problema que possa ser formulada; 2. resumir os dados oferecidos pelo problema, especificando: ‘o que é o problema? Do que trata o problema?’; 3. reconhecer áreas/pontos importantes no entorno do problema por meio da definição de quais são as áreas relevantes de conhecimento dentro das três dimensões: biológica, psicológica e populacional, considerando os objetivos de aprendizagem em cada unidade educacional; 4. identificar qual conhecimento relevante acionar para o problema, por meio da busca dos saberes relevantes frente aos objetivos de aprendizagem propostos; 5. desenvolver hipóteses, a partir da explicação dos dados apresentados no problema; 6. identificar quais conhecimentos adicionais serão acionados para melhorar a compreensão do problema, baseados na necessidade de aprendizagem individual e/ou do grupo; 7. mobilizar os recursos de aprendizagem apropriados, considerando a diversidade de plataformas, por exemplo: livros, periódicos (revistas), bases de dados, programas interativos multimídia, entrevistas com professores, profissionais ou usuários, vídeos, slides, laboratórios, serviços de saúde, comunidade; 8. procurar novos conhecimentos, utilizando recursos de aprendizagem apropriados, o que implica ampliar os horizontes de busca além dos limites institucionais (outras bibliotecas, outros acervos, outros locais passíveis de utilização no processo ativo de ensino-aprendizagem); 9. sintetizar conhecimentos prévios e novos em relação ao problema; isto é, baseado em sólidas evidências cientificas: ‘como se pode explicar o problema agora?’; 10. repetir / repassar alguns ou todos os passos anteriores, se for necessário; 11. reconhecer o que foi identificado como uma necessidade de aprendizagem, mas que não foi adequadamente explorada, para incursões complementares; 12. sistematizar os conhecimentos auferidos, e, se possível, testar a compreensão do conhecimento adquirido por sua aplicação em outra situação ou problema. (KOMATSU, 2003, p. 32-33). Como se percebe em toda seqüência-processo, o “problema” é “oferecido” ao estudante, não sendo este copartícipe da elaboração do mesmo. Na ABP, conforme Komatsu, “a busca, a seleção, a avaliação crítica e aquisição de conhecimentos e habilidades visando a uma aplicação prática, ou a uma reflexão, constituem um processo ao longo da vida de cada indivíduo”. (KOMATSU 2003, p.34). É nesse sentido que os estudantes devem ser encorajados a desenvolverem seus próprios objetivos, sendo responsáveis por seus progressos pessoais em cada fase da sua capacitação. Os princípios teóricos apresentados acima exerceram forte influência nas escolas de ensino superior que implantaram a ABP. No caso do Brasil, os estudos apontam que a primeira instituição a utilizar a ABP foi a Escola de Saúde Pública do Ceará, em 1994, nos cursos de pós-graduação. Na graduação, foi pioneira a Faculdade de Medicina de Marília, no ano de 1997, seguida da Escola de Medicina da Universidade Estadual de Londrina do Paraná, em 1998. Um ano depois foi a vez Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 34 da Pontifícia Universidade Católica do Paraná de Curitiba. No ano de 2001, dois novos cursos foram implantados: um em Criciúma na Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), e outro, em Campo Grande, na Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (UNIDERP). A partir desse período, o número de escolas que adota esse modelo de currículo vem crescendo constantemente, ganhando projeção importante nos debates pedagógicos, sendo recomendado inclusive pela Associação Brasileira de Ensino Médico. Em se tratando dos aspectos legais para adoção da ABP, destacam-se as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Medicina (DCN), aprovadas pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) em agosto de 2001, cujo objetivo é o seguinte: Levar os alunos dos cursos de graduação em saúde a aprender a aprender que engloba aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a conhecer, garantindo a capacitação de profissionais com autonomia e discernimento para assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidades. (BRASIL, PARECER /CES nº 1.133, 2001, p. 4). Como é possível perceber, o objetivo das DCN congrega os quatro princípios7 apontados no relatório para a UNESCO da comissão internacional sobre educação para o século XXI, coordenada por Jacques Delors e apresentado em seu livro “A educação para o século XXI: questões e perspectivas”, (2005). Além das competências humanas, as DCN apontam a necessidade da “formação generalista, humanista, crítica e reflexiva” e a competência técnica para que o profissional da saúde possa responder as necessidades da profissão. Nesse sentido o médico deve ter o seguinte perfil: 7 “Aprender a conhecer”, corresponde a “aprender a aprender”, enfatizando a necessidade da educação contribuir para a construção das competências necessárias para que o estudante beneficie-se das oportunidades oferecidas pela escola ao longo de toda a vida. “Aprender a fazer”, se constitui na qualificação profissional, para enfrentar as diferentes situações profissão, trabalhando em equipe. “Aprender a viver juntos”, implica na compreensão do outro como pessoa, no respeito ao pluralismo de valores, sendo capaz de gerenciar conflitos. “Aprender a ser”, implica na capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 35 Capacitado a atuar, pautado em princípios éticos, no processo de saúdedoença em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano. (BRASIL: RESOLUÇÃO CNE/CES Nº 4, 2001). Para assegurar uma formação médica qualificada, pautada nos princípios da competência técnica e humana citadas acima, as DCN também apontam a responsabilidade das Instituições de Ensino Superior (IES), na organização de uma matriz curricular coerente com essa formação, como destaca o artigo 11º. “A organização do curso deverá ser definida pelo respectivo colegiado do curso, que indicará o regime: seriado anual, seriado semestral, sistema de créditos ou modular”. Em relação ao processo ensino-aprendizagem, as DCN orientam as IES a optarem por metodologias ativas, que priorizem a construção do conhecimento pelo estudante, como registra o parágrafo II do artigo 12: “Utilizar metodologias que privilegiem a participação ativa do estudante na construção do conhecimento e a integração entre os conteúdos, além de estimular a interação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência”. Neste artigo se destaca a orientação da legislação em relação às metodologias de ensino, no sentido de as mesmas considerarem o estudante como sujeito ativo, construtor do conhecimento, e as responsabilidades das IES no incentivo à produção do conhecimento científico por meio da interação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/ assistência. Com a aprovação das DCN e com ela a autonomia delegada às IES, percebe-se a busca por modelos curriculares alternativos mais apropriados aos profissionais que cada instituição pretende formar. Nesse contexto, a ABP passa a ser integrada de forma significativa às universidades brasileiras, principalmente nos cursos de Medicina, inclusive o da UNESC. É no âmbito deste cenário que surge a necessidade de compreender melhor as bases teóricas da ABP, interrogando a “noção de problema”, uma vez que os estudos realizados sobre esse modelo de currículo indicam ser este o seu eixo condutor. Com essa finalidade, optou-se neste trabalho por se fazer uma análise documental da Proposta pedagógica do curso de Medicina da UNESC, interrogando a “noção de problema” preconizada nos seus textos. Para tanto, na continuidade Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 36 deste trabalho, apresentar-se-á o contexto de surgimento da ABP e sua concepção pedagógica no curso de Medicina da UNESC, assim como suas categorias centrais, buscando indagar a “noção de problema” que ela mobiliza. 3.2 ABP no curso de Medicina da UNESC: concepção pedagógica e seu contexto A análise da Proposta em questão, nos seus aspectos já mencionados, remete a uma contextualização de sua origem no curso de Medicina da UNESC. Por essas razões se inicia essa discussão apresentando o cenário de sua emergência, conforme se expõe a seguir. A referida Proposta foi concebida e implementada na UNESC, cujas atividades iniciaram-se no ano de 1968, com cursos voltados ao Magistério. A cidade de Criciúma pertence a uma região carbonífera, no Sul de Santa Catarina, e, em função da exploração inadequada do carvão, apresenta forte degradação ambiental traduzindo-se na poluição do solo, da água e do ar, trazendo como conseqüências, graves problemas à saúde da população. Além desses aspectos, ressalta-se, também, o difícil acesso da população à saúde pública, fato este que é um problema que se constata na maioria das cidades do Brasil. Consciente dessa situação, a UNESC, após tornar-se universidade no ano de 1997 e, sendo a maior instituição de Ensino Superior da cidade de Criciúma, assume o compromisso de contribuir para a resolução desses problemas sociais. Nos anos de 2000-2001, a UNESC elabora seu projeto políticopedagógico institucional de forma coletiva, com a participação de professores, gestores, representantes de acadêmicos e funcionários, documento este que é aprovado pela Resolução 24\ 2001 do Conselho Universitário (CONSU). Nesse documento universidade: reafirma suas intenções políticas quando almejava ser uma Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 37 • • • comunitária, aberta e voltada para as necessidades sociais; que ofereça educação de qualidade, garantindo as condições necessárias e o investimento na formação continuada/permanente dos seus quadros profissionais; que contemple as mais diversas formas de expressão humana, propondo atividades quais sejam: música, arte, esporte, lazer, cultura, educação, pesquisa, integrando esses trabalhos á vida cotidiana da comunidade. (UNESC: Res. 24/2001-CONS, p.6). Reafirma ainda que, para cumprir esse papel, deve oferecer uma “educação integral... [...] uma educação que contribua para a formação de um profissional capaz de atuar como agente de transformação e construção da sociedade com outros valores. Que seja cidadão íntegro, em todas as dimensões: espiritual, mental, física e cultural”. A esse ser humano-cidadão, atribuem-se “valores humanos essenciais como: ética, criticidade, criatividade, honestidade, sinceridade, compromisso com o bem comum” (UNESC: Res. 24/2001-CONSU, p.6). Para enfim, concretizar sua intenção política no cotidiano das relações pedagógicas, de acordo com o seu PPP (2001), o corpo docente deverá ser capaz de construir uma proposta metodológica em que as aulas não se tornem apenas reprodução de conteúdos, mas, possibilidades de reflexão e construção do conhecimento. Por conseguinte, os docentes devem “integrar teoria e prática (práxis), utilizar recurso e metodologias apropriadas: disciplinar, multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar” (UNESC: Res. 24/2001-CONS, p. 7-8). É assim, que, no cumprimento de sua missão: “promover o desenvolvimento regional para melhorar a qualidade de vida”, a UNESC investe no ensino, na pesquisa e na extensão, oferecendo novos cursos de graduação, entre eles o de Medicina no ano 2000, criado pela Resolução 20/1998 do CONSU, e aprovado externamente pelo parecer 639 de 17/12/2002 do Conselho Estadual de Educação (CEE), com as seguintes intenções, firmando a: contribuição para a melhoria do padrão da Medicina local; formação de profissionais da região. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.2). A apresentação de alguns aspectos inscritos no PPP da UNESC se fez necessário para se conhecer um pouco o contexto de implantação do curso de Medicina. Contudo, é bom lembrar que a construção do projeto do curso de Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 38 Medicina foi anterior à aprovação do documento final do PPP como circunscrito no texto acima. Assim, embora não se possa afirmar que os pressupostos orientadores do projeto do curso de Medicina tenham sido conseqüência dos estabelecidos no PPP da UNESC, os mesmos foram influenciados pelas intenções políticas daqueles que integravam seu quadro docente naquela época. Conceber um sem o outro é perceber esse processo de forma fragmentada e linear, uma vez que esses documentos expressam os ideais de sociedade, universidade e de profissionais que se deseja construir na UNESC. Após ter apresentado as intenções políticas da UNESC ao implantar o curso de Medicina, cabe agora discutir os princípios que orientam sua Proposta. Para fins deste estudo foram utilizados como documentos de análise o Projeto de Reengenharia (2000) e o projeto político-pedagógico do curso (2005), retirando deles os elementos necessários à compreensão da noção de “problema” que perpassa a Proposta. Dito isso, é conveniente lembrar que o contexto de emergência da ABP no curso de Medicina da UNESC é decorrente de suas intenções políticas inscritas no seu Projeto político-pedagógico institucional (2001), uma vez que esta universidade se colocou como missão “Promover o desenvolvimento regional, melhorando o ambiente de vida da população”. Para dar conta desse modelo de currículo a UNESC contratou uma equipe de assessoria da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para prestar orientação didático-pedagógica ao curso, até a formação da primeira turma. Vale destacar que a Proposta do curso de Medicina da UNESC foi baseada em propostas de universidades brasileiras que já haviam implantado a ABP, principalmente a UEL de Londrina-Paraná que, por sua vez, conservaram muitas das características da Universidade de MacMaster. A opção por esse modelo de currículo, de acordo com o Projeto de Reengenharia (2000), foi também decorrente da necessidade da formação de profissionais capazes de contribuir para o processo de melhoria do cuidado à saúde das pessoas e comunidades. É nesse sentido que o curso de Medicina da UNESC assume como compromissos: Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 39 - centralizar o processo de ensino-aprendizagem não só no aluno, mas também na sua relação com o paciente-família-comunidade; - considerar o paciente no seu contexto social, isto é, integrado à família e à comunidade; - valorizar a visão bioética da Medicina; - desenvolver a habilidade para trabalhar em equipe de saúde; - capacitar à educação continuada; - estruturar um currículo integralizado inter-intra semestres letivos; - implementar o processo de ensino-aprendizagem com base na solução de problemas; - melhorar continuamente os sistemas de avaliação do processo de ensinoaprendizagem e do próprio Curso de Medicina; - contribuir para o desenvolvimento de práticas multiprofissionais de ensino, pesquisa e assistência, atuando articuladamente com os demais cursos de graduação da UNESC; - integrar o Curso de Medicina com o Serviço de Saúde da região de Criciúma (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.10-11). Para atender a esses compromissos, o curso de Medicina se propôs a realizar um trabalho de educação em saúde priorizando o atendimento integral ao ser humano. Por “atendimento integral” compreende-se o atendimento às pessoas durante toda sua vida, desde o seu nascimento, preocupando-se com a promoção, prevenção, diagnóstico, terapêutica e reabilitação da saúde. Pressupõe também, compreender o paciente como cidadão cultural, social, emocional e espiritual (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000). De acordo ainda com a Proposta, para alcançar esse enfoque integral, o curso deverá contemplar as práticas alopáticas e seu desenvolvimento tecnológico, mas também estar atento e aberto à discussão e estudo de práticas alternativas. Por esses motivos, a Proposta aponta para a necessidade de se romper com o modelo de prestação de serviços em saúde, substituindo-o por uma proposta de “atenção à saúde”, fundamentada em uma nova ética, beneficiando toda população e respondendo às suas reais necessidades. Ao lançar seu compromisso de “atenção à saúde”, a Proposta registra sua responsabilidade perante a comunidade em “preparar profissionais humanizados e humanizadores”. É nesse sentido que defende a construção de uma [...] nova escola médica ligada ao funcionamento efetivo do Sistema Único de Saúde porque tem consciência que é praticamente impossível obter qualquer mudança efetiva no ensino médico sem que o modelo sistêmico assistencial seja, de fato, reformulado. [...] Não se pode então, esperar mudanças unilaterais, há urgência que essa ação seja conjunta: ensino/serviço para que se atinja os objetivos propostos. Ou seja, a Universidade tem que estar junto com a sociedade e os serviços de saúde da comunidade. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.6). Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 40 Registra, também, que é somente por meio de uma [...] medicina humanizada, com uma abordagem na família e comunidade é que se pode pensar na construção de uma nova relação entre o setor saúde e a comunidade, fundamentada em um intenso e verdadeiro processo de reformulação do modelo de atenção à saúde. [...] O caminho assim definido 8 é a “Medicina de Saúde da Família” . (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.5). Com base nessas considerações, o Projeto de Reengenharia aponta para a implantação de uma Proposta “centrada no aluno” e na sua relação com o paciente, este por sua vez, inserido em sua família e comunidade. Registra ainda que, nessa visão, o “paciente” é um sujeito ativo e não passivo, sendo o foco da ação médica. É nessa perspectiva que se registra a importância do papel do médico como “cuidador”. [...] o processo ensino-aprendizagem deve levar o aluno a ter uma visão de que ser médico é muito mais que realizar procedimentos técnicos; é, antes de tudo, prevenir doenças e promover a saúde, e construir um projeto terapêutico integral e consciente. Esse tipo de médico pode, então, ser denominado de “cuidador”. Médico cuidador, porque médicos que “cuidam” do paciente dão mais segurança, além de conseguirem mais informações para o diagnóstico. Um médico cuidador se preocupa com a totalidade, com a vida, com o saneamento, com a escola, com as áreas de lazer e com que a comunidade pensa de um sistema de saúde. O cuidador não está somente preocupado em fazer um procedimento no paciente, salvar vidas, orientar a terapêutica, mas em captar os problemas de sua comunidade e ajudar a resolvê-los. Assim como, durante o processo de ensinoaprendizagem, deve haver o questionamento sobre a importância de interagir com o paciente, através do toque verbal e corporal entendendo que a reabilitação não se dará sem que o paciente se mostre favorável à terapêutica. É de fundamental importância a adesão do paciente ao tratamento para que a prática médica tenha sucesso. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.6). De acordo com o excerto acima, a questão do “cuidado” na formação médica foi um dos aspectos que impulsionou o curso de Medicina a optar por uma 8 Programa criado pelo Ministério da Saúde em 1994, com o principal propósito de reorganizar a prática da atenção à saúde em novas bases e substituir o modelo tradicional, levando a saúde para mais perto da família e, com isso, melhorar a qualidade de vida dos brasileiros. O referido Programa prioriza as ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde das pessoas, de forma integral e contínua. O atendimento é prestado na unidade básica de saúde ou no domicílio, pelos profissionais (médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde) que compõem as equipes de Saúde da Família. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 41 nova concepção de currículo. Contudo, é possível perceber também dissonâncias entre alguns conceitos uma vez que, ao mesmo tempo em que, a Proposta registra que o sujeito é ativo, enfoca a importância de sua “adesão” à prática terapêutica. Se o paciente é considerado sujeito, como poderá simplesmente “aderir” ao tratamento estabelecido? Ser sujeito em Freire ([1968]1983) implica em ser “autor”, em ajudar a construir o processo de tratamento, muito mais que aderir às orientações médicas. Além disso, o “cuidado” como princípio orientador da educação em saúde vem sendo bastante discutido nas últimas décadas. Autores contemporâneos apontam para a necessidade de uma relação mais humanizada entre o prestador de serviços e o seu usuário. Para compreender melhor o significado do “cuidado”, apresentado na Proposta do curso, recorre-se a Boff ao registrar que: A sociedade contemporânea, chamada sociedade do conhecimento e da comunicação, está criando, contraditoriamente, cada vez mais incomunicação e solidão entre as pessoas. A internet pode conectar-nos com milhões de pessoas sem precisarmos encontrar alguém. Pode-se comprar, pagar as contas, trabalhar, pedir comida, assistir a um filme sem falar com ninguém. Para viajar, conhecer países, visitar pinacotecas não precisamos sair de casa. Tudo vem à nossa casa via on line. [...] Essa antirealidade afeta a vida humana naquilo que ela possui de mais fundamental: o cuidado e a compaixão. Mitos antigos e pensadores contemporâneos dos mais profundos nos ensinam que a essência humana não se encontra tanto na inteligência, na liberdade ou na criatividade, mas basicamente no cuidado. O cuidado é, na verdade, suporte real da criatividade, da liberdade e da inteligência. No cuidado se encontra o éthos fundamental do humano. Quer dizer, no cuidado, identificamos os princípios, os valores e as atitudes que fazem da vida um bem-viver e das ações um reto agir. [...] O cuidado serve de crítica à nossa civilização agonizante e também de princípio inspirador de um novo paradigma de conviviabilidade. (BOFF, 2004, p.1113). A partir das idéias de Boff, percebe-se a necessidade da construção de novas práticas em saúde, considerando-a muito mais do que uma relação técnica, mas, sobretudo, uma relação entre pessoas. Relação essa que pressupõe compreender o usuário da saúde não mais como o “portador” de uma doença que precisa do atendimento para ser “salvo” dos seus problemas, mas em compreendêlo como “ser humano”, portador de uma cultura, e como tal é o principal responsável pelo seu processo de “prevenção e recuperação”. Para implementar tal Proposta a UNESC entende que o melhor caminho é construir um modelo curricular que promova a “excelência médica”, cujos Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 42 professores e estudantes construam juntos o conhecimento, “cada qual deixando suas marcas num processo de formação continuada” (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.6). A implantação da Proposta curricular ABP na UNESC ocorreu com a seleção de trinta estudantes, compondo uma turma, os quais foram divididos em quatro grupos tutoriais. Para esse trabalho, foram contratados quinze profissionais para as funções de: tutor, preceptor e professor9. A maioria foi contratada para cargas horárias integrais e semi-integrais, equivalendo a 40 ou 20 h/a semanais. Na UNESC, assim como em todo cenário educacional, a ABP vem se apresentando como uma proposta de inovação, à frente dos currículos tradicionais, tendo como eixo orientador a “Aprendizagem Baseada em Problemas”. Por essas razões é do entendimento desta pesquisadora que, para compreender melhor a estruturação desse currículo, faz-se necessário interrogar a noção de “problema”, categoria central da ABP na Proposta do curso de Medicina da UNESC. Dessa forma, apresentam-se a seguir os componentes principais da Proposta, assim como a sua estrutura didático-pedagógica, para, a partir daí, localizar as categorias centrais à discussão da noção de “problema” que a compreende. 3.3 Estrutura didático-pedagógica da ABP no curso de Medicina da UNESC A proposta ABP do curso de Medicina da UNESC, de acordo com seu o Projeto de Reengenharia (2000), fundamenta-se no “construtivismo” e na “Problematização” dos conteúdos, em que o estudante é considerado o sujeito e o centro do processo ensino-aprendizagem. Dessa forma, de acordo com a Proposta, suas bases pedagógicas estão fundamentadas na teoria de Jean Piaget (1896-1980) e seus estudos sobre a “epistemologia genética” e Paulo Freire (1921-1997) na sua pedagogia de “educação de adultos”. 9 Tutor na UNESCé a denominação dada ao professor que coordena os grupos tutoriais composto por seis a oito estudantes; preceptor é o profissional médico que acompanha e orienta os estudantes nos ambulatórios e, por fim, professor é o profissional que ministra as disciplinas que não fazem parte dos módulos, nos quais destacamse as disciplinas obrigatórias exigidas pela Resolução 04/1999-Consepe. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 43 Para a implementação desse modelo de currículo, a Proposta pedagógica foi estruturada em dois níveis: nível baseado em problemas (anexo 1) e nível baseado em casos que corresponde ao internato médico (anexo 2). Antes de definir o que vem a ser cada um desses níveis, é importante esclarecer que o ingresso dos estudantes no curso de Medicina da UNESC ocorre a cada semestre, por meio do concurso vestibular, em que são selecionados aproximadamente quarenta estudantes para compor uma turma. Esses estudantes são divididos em grupos de aproximadamente oito componentes que formarão o “grupo tutorial”, que faz parte do primeiro nível, o nível baseado em problemas. De acordo com a Proposta, este nível está estruturado da seguinte forma: módulos temáticos, sessão tutorial, seminário de integralização para consolidação do conhecimento e humanização da prática médica, conferência, recursos instrucionais, coordenação e avaliação (anexo 3). Para fins de esclarecimento, conceitua-se o que vem a ser cada uma dessas instâncias. Os módulos temáticos contemplam os conteúdos das disciplinas necessárias à capacitação do médico, segundo as exigências do Ministério de Educação e Cultura (MEC) e, de acordo com a Proposta, “não é uma disciplina, mas contém temas de várias disciplinas, que são necessárias para o entendimento de uma situação-resposta fisiológica ou patológica” (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.13). Esses são constituídos de temas afins e são apresentados aos estudantes na sessão tutorial (anexo 4). A sessão tutorial se constitui a partir de um grupo de aproximadamente oito estudantes, denominado de grupo tutorial, mediado por um tutor, cuja finalidade é apresentar e discutir o “problema” de estudo, assim como formular os objetivos de aprendizagem que devem ser perseguidos pelos mesmos, visando a encontrar as respostas ao problema em questão. No trecho citado se pode observar que, no próprio papel designado ao grupo tutorial, fica evidenciado o compromisso com as “respostas” aos “problemas”, muito mais do que com o processo de investigação e a construção dos conceitos científicos. Contudo, por ser o grupo tutorial composto por oito estudantes, alguns conceitos importantes que perpassam o “problema” de estudo poderão não ser abordados por todos os grupos. Dessa forma a proposta prevê a socialização dos conhecimentos adquiridos em cada grupo tutorial, por meio Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 44 de um seminário. Assim, o curso oferece, ao final de cada módulo, um seminário para os estudantes de todos os grupos tutoriais denominado de seminário de integralização para consolidação do conhecimento e humanização da prática médica. Além disso, com vistas a permanente atualização da formação médica, o curso também oferece periodicamente conferências com profissionais renomados da região ou de fora dela. Para incentivar o estudo sistemático, a relação teoria-prática e a pesquisa, o curso dispõe de recursos instrucionais como: biblioteca, laboratórios de informática, laboratórios específicos e ambulatórios. E, finalmente, para o acompanhamento de todo esse processo foi constituída uma comissão para coordenação e avaliação cuja função é construir os instrumentos avaliativos. Neste contexto, a Proposta prescreve que o “problema” é o seu elemento central e é utilizado para o desenvolvimento e estudo dos conteúdos específicos do currículo. Contudo, salienta que o “problema” não se limita a mero exercício para a aplicação de princípios ou conceitos já estudados. Por esse motivo, ao ser apresentado aos estudantes na sessão tutorial, o “problema” desencadeia os estudos a serem realizados pelos mesmos, a partir dos seguintes passos: a) Leitura do problema e identificação de termos desconhecidos É na sessão tutorial, sob a coordenação de um tutor, que os estudantes são apresentados ao “problema” de estudo. Nesse primeiro contato faz-se um exercício coletivo da compreensão da sua proposição, assim como do significado dos termos desconhecidos. b) Identificação dos problemas suscitados Após a compreensão do problema, discute-se, coletivamente, quais aspectos são significativos e, destes, quais merecem ser aprofundados. As duas primeiras etapas, portanto, indicam a necessidade da compreensão clara do “problema” para que o estudante não se desvie do caminho na busca das repostas à sua solução. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 45 c) Formulação de hipóteses explicativas Uma vez compreendido o “problema”, o grupo constrói as possíveis hipóteses para sua solução. d) Resumo das hipóteses A partir de todas as possibilidades de respostas levantadas pelo grupo, faz-se uma síntese das proposições, elegendo então a(s) hipótese(s) com as quais se irá trabalhar. Novamente, as etapas “c” e “d” evidenciam a preocupação em manter o estudante no caminho “certo” para que as suas pesquisas encontrem com eficiência as respostas adequadas aos “problemas” em estudo. e) Formulação dos objetivos de aprendizagem Formuladas as hipóteses, estabelecem-se, então, os objetivos que suscitam o “problema” e que devem ser perseguidos pelos estudantes individualmente. f) Estudo individual dos temas referidos nos objetivos de aprendizagem Nessa etapa, os estudantes realizam o estudo individual, por meio de pesquisas a bibliografias relativas ao tema e, ou consultas a especialistas. g) Elaboração da síntese e generalização dos conhecimentos adquiridos Após o período de estudo, os estudantes voltam à sessão tutorial com as respostas ao “problema”. A tarefa do grupo tutorial é, por meio de uma nova discussão do “problema”, elaborar uma síntese dos conhecimentos apropriados. Como se vê, as perguntas, as dúvidas, os questionamentos, o processo de racionalização dos conceitos não é evidenciado, o que reforça a idéia de que o compromisso da Proposta é com as repostas, mais que as perguntas. Por conseguinte, é possível inferir que as Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 46 “respostas” são mais importantes, pois elas representam o produto final e indicam que o conhecimento foi adquirido. h) Discussão dos aspectos da prática humanizada da Medicina A última etapa do estudo do “problema” prevê que os estudantes articulem os conhecimentos já adquiridos com uma prática mais humanizada em saúde, o que se subtende como atenção e cuidado ao paciente. Essa etapa não faz parte do modelo original da ABP, mas é uma particularidade da Proposta da UNESC, por entender a necessidade de uma formação médica mais humanizada e ética, compreendendo o paciente como ser humano e não simplesmente o “portador” de uma doença. O segundo nível da ABP, referido no início deste texto, é o nível baseado em caso. Este consiste no estudo de casos clínicos e treinamento em serviço, que ocorre no internato médico com a mediação do preceptor. Nesse nível, o estudante e sua relação com o paciente são o foco da proposta didático-pedagógica. A esse respeito, o projeto do curso registra que: Espera-se que o aluno esteja apto a vivenciar casos clínicos reais, que são bem mais complexos que os problemas trabalhados nos módulos temáticos. Além da interdisciplinaridade, onde o aluno tem atividades em todas as áreas durante todo o período do internato, ele é caracterizado por uma forte inserção do aluno na comunidade e uma formação básica generalista com ênfase na medicina de saúde da família. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.17). É no momento do internato que o estudante defronta-se com a realidade profissional, cujas relações não são mais estabelecidas com suposições de problemas, elaborados por especialistas, mas, com desafios concretos que fazem parte da realidade da profissão médica. O “problema”, então, toma outra dimensão e o estudante vai necessitar acionar os conhecimentos apropriados, estabelecendo relação teoria-prática na resolução de problemas vinculados a situações reais. Nessa etapa, o estudante é acompanhado e avaliado por um preceptor que o auxilia no processo, estabelecendo as mediações necessárias a sua formação. Ainda de acordo com a Proposta, nesse ciclo é dada ênfase à: Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 47 • prática supervisionada; • humanização no campo hospitalar e comunitário; • promoção da saúde e prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação da doença (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.11). Uma formação médica com toda essa complexidade exige uma organização que atenda as necessidades advindas desse novo modelo. No caso do curso de Medicina da UNESC, foi organizada uma estrutura didático-pedagógica que possibilitasse o seu gerenciamento de forma participativa. Dessa forma, para algumas instâncias foram constituídas comissões de trabalho envolvendo o quadro docente. Para melhor visualização apresenta-se essa estrutura sob a forma de um organograma: COLEGIADO DO CURSO CAPACITAÇÃO ENSINO Coordenador PESQUISA E EXTENSÃO AVALIAÇÃO CICLO BÁSICO CLÍNICO CURRÍCULO LABORATÓRIO INTERNATO AMBULATÓRIO INFORMÁTICA Figura 1: Estrutura organizacional da ABP do curso de Medicina da UNESC. (PROJETO DE REENGENHARIA: 2000, p.15). Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 48 De acordo com a análise realizada na Proposta (PROJETO DE REENGENHARIA, 2000), e, devido à complexidade da estrutura, algumas de suas características merecem ser descritas mais detalhadamente: a) Colegiado é a instância máxima, na qual são discutidas e deliberadas as metas e decisões do curso. O mesmo é presidido pelo coordenador do curso com a participação dos docentes e representantes dos discentes. b) Capacitação tem como função promover o “treinamento” e “reciclagem” dos professores na metodologia ABP. É de sua responsabilidade a construção de políticas de formação de recursos humanos, promovendo cursos de atualização, estágios e intercâmbio com outras instituições. c) Pesquisa e Extensão, sob sua responsabilidade, traça, incentiva e apóia linhas de Pesquisa e Extensão promovidas pelo curso. d) Ciclo Básico Clínico representa o período de inserção dos estudantes em atividades de extensão, desenvolvidas nos ambulatórios, hospitais e clínicas etc, com a finalidade de integrar teoria e prática, por meio da resolução de problemas em casos clínicos. e) Informática: responsável por avaliar; aprovar e acompanhar os projetos de pesquisa em informática médica que a ela forem encaminhados; gerenciar a implantação e a manutenção da estrutura de informática do curso. Tem também a função de avaliar a estrutura de informática do curso (treinamento, software e equipamentos) e encaminhar as solicitações de recursos de informática que se fizerem necessários. f) Internato se constitui no período de inserção dos estudantes, como estagiários, nos hospitais, acompanhados por um preceptor. g) Ensino tem a responsabilidade de coordenar todas as ações relativas ao processo ensino-aprendizagem da ABP. Para melhor atender os objetivos e as especificidades da ABP, a comissão de ensino foi subdivida as seguintes Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 49 comissões: avaliação, currículo, laboratórios e de ambulatório. • Avaliação: esta comissão é composta por docentes que não estão envolvidos na tutoria do módulo avaliado e tem como incumbência conhecer os objetivos de aprendizagem atingidos em cada módulo, para a partir deles gerenciar a elaboração das questões a serem avaliadas nas provas finais. Compete, ainda, a essa comissão a tarefa de reelaborar os instrumentos avaliativos, a saber: avaliação interpares, autoavaliação, avaliação do tutor pelo estudante, avaliação do estudante pelo tutor. • Currículo: a essa comissão cabe o papel de coordenar os grupos de especialistas que definirão: temas, árvores temáticas, objetivos de aprendizagem e problemas de cada um dos módulos. É também de sua responsabilidade: a) Definir os conteúdos das disciplinas fundamentais e complementares, a partir dos quais serão elaboradas árvores temáticas, os objetivos de aprendizagem e os problemas de cada módulo; b) Indicar os coordenadores de módulo; c) Gerenciar a integração dos conteúdos dos módulos temáticos, ativados no momento de buscar respostas à sua solução. Cabe destacar que os documentos consultados não explicitam os critérios utilizados por essa Comissão na elaboração do problema. c- Laboratórios e Ambulatório: em se tratando dessa comissão, a ela coube a função do desenvolvimento das habilidades, conteúdos laboratoriais e atitudes definidas pela Comissão de Currículo. Essas instâncias e comissões são responsáveis diretamente pela coordenação do processo ensino-aprendizagem da ABP na UNESC. De acordo com a Proposta o curso de Medicina, também dispõe-se de recursos e atividades que têm como finalidade agregar os conteúdos complementares, ou seja, aqueles que não foram contemplados nos “módulos” devido às especificidades dos “problemas” de estudo. Entre estes se destacam o seminário de integralização para consolidação do conhecimento e humanização da prática médica, as conferências, os laboratórios Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 50 e ambulatório de atividades práticas e de interação comunitária, as disciplinas obrigatórias e optativas. Das disciplinas obrigatórias são contempladas as que, até 2007, faziam parte da estrutura didático-pedagógica da UNESC: Metodologia Científica e da Pesquisa, Atividade Física e Qualidade de Vida, Epidemiologia e Bioestatística e Sociologia da Saúde10. “Elas aparecem num primeiro momento como disciplinas e seus conteúdos permanecem na interface do desenvolvimento dos módulos ABP”. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.20). Pela análise desta estrutura é possível identificar a complexidade que exige uma proposta curricular ABP em um curso de Medicina. Contudo, vale lembrar que, para o seu funcionamento, há a necessidade de uma integração contínua dos grupos que constituem as comissões de gerenciamento, pois, caso contrário correse o risco de se perder o sentido de sua proposta. Além disso, a organização das próprias instâncias indica algumas fragmentações no exercício de suas funções. Isso pode ser percebido, por exemplo, na comissão de avaliação, que é integrada por docentes que não são tutores dos módulos, cabendo a estes elaborar os instrumentos avaliativos. Essa visão indica certa desarticulação entre o processo ensino-aprendizagem e o processo avaliativo, questão esta que merece uma reflexão mais aprofundada por parte do curso, sobre o seu verdadeiro papel. Outro aspecto que merece destaque é o papel delegado à comissão de capacitação: “treinar” e “reciclar” os professores para aplicação da metodologia ABP. A esse respeito é possível questionar a concepção de formação continuada da Proposta, uma vez que “treinar” e “reciclar” implica compreender o professor como um objeto e não como sujeito, como um receptor que informações que precisa ser treinado para executar a sua função. Como diz Freire: “Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 1996, p.43-44). A partir desse ponto de vista, a educação do professor é uma condição necessária à concretização de qualquer 10 Disciplinas obrigatórias estabelecidas pela Resolução 04/1999-Consepe. São elas: Metodologia Científica, (4 créditos); Atividade Física e Qualidade de Vida, (4 créditos); Filosofia ou Sociologia, (4 créditos). Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 51 proposta pedagógica, pois, é ele quem vai conduzir o processo educativo. Além das questões mencionadas acima, pela análise da Proposta pedagógica do Projeto de Reengenharia do curso (2000) e do Projeto políticopedagógico do curso (2005) é possível concluir que, na ABP da UNESC, o “problema” é considerado o fio condutor de todo processo ensino-aprendizagem, pois é por meio dele que perpassam todas as ações do curso, e é em função dele que se faz necessário toda essa organização curricular. Por essa razão, há a necessidade de interrogar a noção de “problema” preconizada pela ABP, analisando suas aproximações e distanciamentos com a Problematização de Paulo Freire (1921-1997) uma vez que a referida Proposta, conforme mencionado no início deste texto, fundamenta-se em sua teoria. Dito isso, cabe lembrar que, na concepção de ciência de Freire (1985), o problema é o ponto de partida e o de chegada, já que as respostas constituem-se em fundamentos para novas problematizações. Em outras palavras, o resultado dos estudos e das pesquisas deve levar à formulação de novas perguntas que provoquem a curiosidade de continuar pesquisando. O valor não se concentra somente nas respostas, pois estas são sempre provisórias. A medida que se descobre perguntas essenciais, forma-se uma cadeia em que a pesquisa vai se constituindo. Nessa mesma linha de idéias, Paviani diz que “a problematização não se refere apenas ao problema. Abarca também as soluções do problema, que por sua vez poderão originar novos problemas” (PAVIANI, 1988, p.85). O autor também questiona sobre o que vem a ser um problema legitimamente científico, ou seja, que apresente validade pedagógica. Ao que ele anuncia: O problema pode ser visto sob dois ângulos distintos: quanto ao processo da investigação científica e filosófica e quanto aos aspectos pedagógicos de ensinar e aprender. Não se trata de demonstrar como se distinguem, ao contrário, no nosso caso, procura-se resolvê-los um no outro. O modo de ensinar tem íntima relação com o modo de produzir conhecimentos e de refletir filosoficamente. Por isso, precisamos nos voltar à questão dos conteúdos (conhecimentos elaborados), ensinados nas salas de aula, mas não especificamente aos conteúdos existentes em si. Precisamos tentar resolver, e este é o nosso problema, como é possível ensinar alguém a conhecer, pensar e produzir ciência e filosofia. (PAVIANI, 1988, p.82). As considerações de Paviani sobre a produção do conhecimento são de grande importância e levam a refletir sobre sua influência nos processos Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 52 pedagógicos. Isso representa dizer que, na prática pedagógica, o professor deve ajudar os estudantes a assumirem uma atitude questionadora. Dessa forma, os conteúdos trabalhados são encarados como instrumentos para criar condições de aprendizagem, criando oportunidades para o estudante desenvolver habilidades de compreender os mecanismos de construção dos conceitos científicos. É neste sentido que, um dos caminhos apontados pelo autor é trabalhar a partir de “problemas”, “uma vez que estudamos problemas e não matérias” (PAVIANI, 1988, p.80). Porém, trabalhar com “problemas” não representa apenas trabalhar com “perguntas”, por melhor elaboradas que estas sejam. Um problema científico abarca: Um desafio, um obstáculo a ser vencido. [...] O problema nasce da relação entre o homem e os outros homens. Nasce fundamentalmente da práxis humana. Não é algo que se dá ao homem de modo abrupto... [...] Todo problema é constituído a partir de um processo cultural. (PAVIANI, 1988, p.83). A forma de encarar o “problema”, descrita em Paviani na citação acima, expõe a necessidade de analisar a Proposta ABP da UNESC, buscando interrogar a noção de “problema” que perpassa em seus textos. Os possíveis encaminhamentos dessa questão poderão indicar sinais da concepção de problema que a Proposta mobiliza e suas conseqüências pedagógicas traduzidas no processo ensinoaprendizagem. Em face disso, a análise, que segue, buscará rastrear o sentido da noção de “problema” explicitados nos diversos momentos da Proposta, a saber: módulos temáticos, aprendizagem centrada no estudante, aprendizagem compartilhada e avaliação do processo ensino-aprendizagem, para, a partir daí, ir lançando os traços e desdobramentos da pergunta inicial. 3.3.1 A noção de problema e os “módulos temáticos” Como visto em sessões anteriores, a organização curricular do curso de Medicina da UNESC é estruturada por módulos temáticos, cuja organização se orienta pela concepção de “currículo integrado”, fazendo uso de atividades interdisciplinares para desenvolver as competências e habilidades do estudante ao exercício da profissão, por meio da ABP. Em função disso, essa parte do texto se propõe a compreender a noção de “problema” da Proposta, a partir de sua inserção Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 53 nos módulos temáticos. Ou seja, com que noção de “problema” são constituídos os módulos temáticos? Os encaminhamentos dessa indagação poderão indicar a concepção de conhecimento que perpassa o modelo de currículo. Antes, porém, de enfrentarmos a questão em foco, cabe compreender o que vem a ser o currículo integrado, para assim identificar as diferenças em relação ao modelo tradicional. De acordo com Santomé (1998), o currículo integrado pode ser caracterizado como aquele centrado em tópicos, temas, problemas, núcleos etc. Trata-se, portanto, de organização curricular por meio da qual o estudante precisa manejar os referenciais teóricos, procedimentos, habilidades de várias disciplinas a fim de compreender ou solucionar as questões e problemas postos. Sob essa orientação, Santomé (1998) apresenta algumas razões que justificam a implantação de um currículo integrado. A primeira é epistemológica e metodológica, motivo pelo qual, nesse modelo de organização curricular, evidenciam-se maiores possibilidades de análise de um tema ou problema, sob diferentes óticas disciplinares. A segunda é psicológica, pois atende as necessidades e os interesses dos indivíduos, valorizando-se a experiência individual e os processos de aprendizagem. E a terceira é sociológica, porque permite trabalhar com conteúdos culturais relevantes e/ou situados nas fronteiras das disciplinas, estimulando a análise de problemas e a busca de soluções. No caso do curso de Medicina da UNESC, sua Proposta diz pautar-se em um “currículo integrado” e “interdisciplinar”, haja vista organizar-se por módulos temáticos e não por disciplinas. anteriormente, não são Os módulos temáticos, conforme já explicitado disciplinas, mas unidades curriculares que são desenvolvidas ao longo do período letivo, no caso da UNESC, em uma média de três por semestre. Para cada módulo, elabora-se uma árvore temática, dando origem aos “problemas”, que se constituem em situações concretas, vivenciadas na área da saúde,elaborados pela Comissão de Currículo a partir de “temas”, que incorporam conteúdos de várias disciplinas. Tais “problemas” são discutidos pelo tutor junto aos estudantes na “sessão tutorial” (anexo 2), com vistas ao esclarecimento, à elaboração dos objetivos de aprendizagem e à definição dos encaminhamentos que levam a sua solução. O modo de pensar o currículo, acima descrito, remete a uma reflexão Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 54 sobre o sentido de “tema” e “problema” que por ele perpassa. Nesse aspecto recorreu-se a Paviani (1988) ao registrar que “problemas” não podem ser confundidos com “temas”, pois, enquanto o primeiro encaminha para a investigação, o segundo é apresentado como pronto e acabado, levando o estudante a encontrar respostas pré-determinadas. Nas palavras do autor: O problema é o contrário do tema: aquilo que é simplesmente dado, comunicado. É a necessidade de solução de conflitos que marca e delimita o “problema”. [...] De qualquer modo, o problema deve conter a possibilidade de solução, de atingir aquilo que ainda não nos foi fornecido de modo claro. [...] Todo problema quando examinado racionalmente tende a uma solução, não obstante esta solução (....) não possa e não deve ser defendida como algo definitivo. (PAVIANI, 1988, p.83-84). Em razão do exposto na citação acima, há que se interrogar se o “problema” que integra os módulos temáticos na ABP da UNESC se constitui em um elemento mobilizador da pesquisa, conforme definido por Paviani ou se assemelha com “tema”, que contém em si, respostas já definidas. E ainda: se a Proposta do curso de Medicina da UNESC está comprometida com a formação do espírito científico ou com a implantação de metodologias inovadoras que levem o estudante a construir o conhecimento de forma mais dinâmica e atrativa. Para compreender um pouco melhor sobre a formação do espírito científico da qual se está debatendo, acionam-se, para essa discussão, as idéias de Bachelard (1996), epistemólogo francês, sobre o papel da escola na formação. A esse respeito, o referido autor faz um alerta sobre a forma como a escola vem trabalhando os conhecimentos. Para ele, a formação do espírito científico não começa em uma aula, mas é um processo de construção permanente, que transcende o espaço escolar, de forma que é possível inferir que um projeto pedagógico que almeje a formação do espírito científico, em Bachelard, só se torna possível, a partir do estudo dos processos de produção dos conceitos científicos e não apenas de seus resultados. O ensino dos resultados da ciência nunca é um ensino científico. Se não for explicada a linha de produção espiritual que levou ao resultado, pode-se ter a certeza de que o aluno vai associar o resultado a suas imagens mais conhecidas. É preciso ‘que ele compreenda’. Só se consegue guardar o que se compreende. (BACHELARD, 1996, p. 289). Ao tratar da produção do conhecimento científico Bachelard registra ainda Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 55 que: É precisamente o sentido do problema que dá a marca do verdadeiro espírito científico. Para um espírito científico, todo o conhecimento é uma resposta a uma questão. Se não houver uma questão, não pode haver conhecimento científico. Nada é natural. Nada é dado. Tudo é construído. (BACHELARD, 1996, p. 166). Como visto, tanto em Bachelard quanto em Paviani, é o sentido da dúvida e de problema que marca o espírito investigador. Se não houver problemas, não há respostas. Desse modo a prática pedagógica deve incentivar no estudante a capacidade de inquietar-se, de colocar-se sempre novas questões e de estar em permanente inconformismo com o conhecimento estabelecido. Após discutir as idéias desses autores, cabe então indagar a noção de “problema” da Proposta ABP e dos referenciais que ela indica como fundadores, nesse caso, os de Freire (1921-1997). Freire (1985), partindo de uma visão pedagógica progressista compreende que o caminho mais consistente para a produção do conhecimento científico é por meio da Problematização dos conteúdos trabalhados na escola. Conteúdos esses que são inseparáveis da situação concreta do mundo e da relação estabelecida entre o professor e o estudante. Por este motivo, em Freire (1985) muito mais que a transmissão de conteúdos, a postura pedagógica deve ser problematizadora. Acrescenta-se, ainda, que o professor tem a tarefa de ajudar a desvelar a realidade, construindo uma atitude crítica na apropriação dos conceitos, ou seja, mais que dar repostas, facilitar a aprendizagem, deve-se problematizá-los (os conceitos), ensinar/apreender o processo de investigação, não se limitando ao resultado final da ciência, mas sim desencadeando novos problemas a serem pesquisados pelos estudantes. Sob essa orientação, enquanto desafia-se o estudante a pensar, o professor também problematiza seus próprios conhecimentos. Nas palavras de Freire: “O rigor científico vem de um esforço para superar uma concepção ingênua de mundo. A ciência sobrepõe o pensamento crítico, aquilo que observamos da realidade a partir do senso comum”. (FREIRE; SHOR, 1886, p. 69). Nessa perspectiva, a solução de um problema implica penetrar no processo de investigação científica problematizando os conhecimentos frente à realidade concreta em que estão inseridos. É sob esta ótica que Faudez vai dizer que: “A ciência tem que estar em constante transformação: por ser ciência é preciso Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 56 que esse saber se transforme. (FAUDEZ; FREIRE, 1985, p. 33). É por esse viés que as idéias, apresentadas acima, indicam similitudes na concepção de produção do conhecimento de Bachelard (1996), Paviani (1988) e Freire (1985). Vale destacar, também, que uma proposta curricular implementada nos moldes da ABP da UNESC contém grandes possibilidades de desenvolver o espírito científico favorecendo a compreensão interdisciplinar dos conceitos. Tal afirmação encontra sentido no fato de que o problema de estudo na ABP traduz situações da realidade concreta e, portanto, a busca de respostas a sua solução implicará no estudo e pesquisa de diferentes campos do saber. Essas colocações são importantes, pois, pelas questões levantadas é possível identificar que a Proposta assume compromissos com uma concepção interdisciplinar do conhecimento. “O processo de ensino-aprendizagem nesse projeto permeia as disciplinas formando uma rede de conhecimentos teóricopráticos, ambiente este próprio para capacitar o médico do futuro dentro de uma concepção interdisciplinar”. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.20). O Projeto político-pedagógico também reafirma a intenção dizendo que: “É importante que o curso de Medicina busque a interdisciplinaridade dentro do curso e esteja integrado à realidade da Universidade, da comunidade e dos serviços de saúde, num movimento de ambientação interna e externa”. (UNESC: PPP DO CURSO, 2005, p.2). Entretanto, devido às especificidades deste texto e aos limites deste trabalho de investigação, as questões relativas à interdisciplinaridade11 não serão aprofundadas. Por ora se pretende compreender a noção de “problema” dentro dos módulos temáticos. Esclarecendo o compromisso desta pesquisa e buscando compreender a noção de “problema” nos módulos, incorporam-se ao debate, a concepção de interdisciplinaridade de Jean Piaget (1998) e de Paulo Freire ([1968]1983), uma vez que estes autores, assim como conceitos importantes de suas teorias, são acionados na Proposta para justificar os fundamentos na ABP e na organização modular. Dito isso, vale salientar que, nos estudos realizados em Santomé (1998), 11 As questões relativas interdisciplinaridade podem ser melhor aprofundadas na obra “Globalização e interdisciplinaridade” de Jurjo Torres Santomé, das Artes Médicas, publicado no ano de 1998. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 57 o termo interdisciplinaridade foi utilizado pela primeira vez por Jean Piaget no ano de 1970 no Seminário organizado pela OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e pelo Ministério da Educação francês sobre a “Interdisciplinaridade nas Universidades”. A esse respeito, Piaget explica que, na busca das estruturas comuns a todas as disciplinas, encontra-se um dos impulsos decisivos para a filosofia da interdisciplinaridade. Diz Piaget Não temos mais que dividir a realidade em compartimentos impermeáveis ou plataformas superpostas correspondentes às fronteiras aparentes de nossas disciplinas científicas; pelo contrário, vemo-nos compelidos a buscar interações e mecanismos comuns. (PIAGET, apud SANTOMÉ, 1998, p.50). Em estudos futuros, Piaget acrescenta que a interdisciplinaridade representa um “segundo nível de associação entre disciplinas, em que a cooperação entre várias disciplinas provoca intercâmbios reais; isto é, existe verdadeira reciprocidade nos intercâmbios, e, conseqüentemente, enriquecimentos mútuos. (PIAGET apud SANTOMÉ, 1998, p. 70). É possível perceber então, que o sentido que Piaget atribui à interdisciplinaridade é o da cooperação e de intercâmbios entre as disciplinas, uma vez que essa interação, na perspectiva do autor, é uma condição obrigatória na produção do conhecimento científico. Assim, em Piaget (1998), a interdisciplinaridade requer muito mais que a agregação de temas em um problema condutor. Nela, o “problema” de estudo aciona os diferentes campos do saber, por meio do qual se orienta os rumos da investigação. Dessa forma, tanto os conteúdos, quanto os objetivos de aprendizagem, não podem ser pré-determinados, mas construídos dialogicamente durante o processo de investigação e apropriação dos conceitos. Isso quer dizer que um currículo integrado, fundamentado em uma pedagogia interdisciplinar, pressupõe romper com as propostas tradicionais de currículo em prol de uma nova forma de conceber o mundo, a ciência, os processos pedagógicos e a relação professor-aluno. De outro modo, em Paulo Freire (FREIRE, [1968]1983), a interdisciplinaridade é concebida a partir do processo de “redução temática”. Para esclarecer no que se constitui esse processo é conveniente destacar que em na Pedagogia de Freire a apropriação dos conteúdos escolares se iniciae com a investigação temática, cujo objetivo é identificar na realidade local, os temas que Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 58 merecem ser estudados e em seguida faz-se o processo de codificação12 e descodificação13, destes temas. Concluídas as descodificações, os investigadores dão início ao estudo sistemático e interdisciplinar de seus achados. Deste modo o processo de redução temática implica na “cisão dos temas em partes para, voltandose a ele como totalidade, melhor conhecê-lo” (FREIRE, [1968] 1983). Além disso, de acordo com o mesmo autor, feito o processo de delimitação temática: [...] caberá especialista apresentar à equipe interdisciplinar o projeto de redução de seu tema. [...] Neste esforço de ‘redução’ da temática significativa, a equipe reconhecerá a necessidade de colocar alguns temas fundamentais que, não obstante, não foram sugeridos pelo povo, quando da investigação. [...] Na ‘redução’ temática, que é a operação de ‘cisão’ dos temas enquanto totalidades se buscam seus núcleos fundamentais, que são as suas parcialidades. Desta forma, reduzir’ um tema é cindi-lo em suas partes para, voltando-se a ele como totalidade, melhor conhecê-lo”. ([1968] 1983, p. 115, 116). Nesta perspectiva, para Freire ([1968] 1983), o principal objetivo da redução temática é estabelecer um diálogo entre cidadãos detentores de diferentes conhecimentos sobre uma mesma vivência, a partir da leitura crítica da realidade local. Por essas razões, a interdisciplinaridade em Freire encontra seu sentido na medida em que estabelece os critérios político-epistemológicos para a construção de uma proposta pedagógica “problematizadora” contextualizando a realidade estudada e os processos\produtos dos conhecimentos abordados. Em se tratando da Proposta do curso de Medicina da UNESC, conforme já mencionado, a mesma preconiza que seu currículo é integrado e interdisciplinar, devido a sua organização por módulos. Justifica-se essa idéia, haja vista que os conteúdos dos módulos não são transmitidos pelo tutor, ou seja, o tutor não tem a tarefa de repassar, introduzir ou mesmo explicar temas aos estudantes. De outro modo, o tutor apresenta, discute o problema e, a partir daí, todo processo é conduzido pelo estudante. Por ser o problema de estudo uma situação “real”, próprio da profissão médica, não pode ser pensado a partir de conteúdos de uma 12 Representam as situações conhecidas pelos indivíduos cuja temática se busca, possibilitando que, nelas, eles se reconheçam. (FREIRE [1968] 1983). 13 Representa a análise crítica da situação codificada em que o investigador não apenas ouve os indivíduos, mas desafiá-os cada vez mais, problematizando, de um lado, a situação existencial codificadora e, de outro, as próprias respostas que vão dando aqueles no decorrer do diálogo (FREIRE, [1968] 1983). Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 59 determinada disciplina, mas sim, de diversos campos do saber, que atendam as suas especificidades. Para tanto, o estudante, ao resolver os problemas propostos, aciona os conteúdos de diferentes áreas do conhecimento que o possibilite encontrar as respostas pertinentes à questão, de modo a que os estudantes são mobilizados à busca integrada de conceitos, utilizando-se de diversas fontes de consulta. Sob a orientação acima, cabe indagar se o fato de o “problema” ser apresentado ao estudante antes do estudo teórico, ou seja, desde os primeiros módulos, não dificulta a busca interdisciplinar do conhecimento. E se os estudantes terão subsídios teóricos básicos para enfrentar a situação-problema. Para resolver essa dificuldade, a Proposta apresenta algumas saídas, uma delas é a oferta de disciplinas isoladas para fortalecer alguns conteúdos específicos, caso estes surjam como necessidades durante os tutoriais; outra é a consulta à especialista da área, reiterando, sempre, que é o estudante quem constrói o seu conhecimento. Com base no estudo realizado na Proposta, compreende-se que a noção de “problema” que permeia os módulos na ABP se aproxima das idéias vinculadas à integração disciplinar por meio do estudo de um determinado tema de conhecimento. Ou seja, para resolver os “problemas” propostos nas sessões tutoriais, os estudantes precisam acionar os conteúdos de diferentes disciplinas, uma vez que estes exigem o trânsito por diversas áreas do saber. Quanto mais complexo o problema, mais o acadêmico necessitará ativar os conhecimentos de outras áreas. Contudo, ele (o estudante) poderá ter dificuldade em buscar esses conhecimentos, pois o “problema” é apresentado antes do estudo teórico. Exibe-se, portanto, nesse ponto a possibilidade de inferir que, na ABP da UNESC, o problema, embora seja um propiciador da integração dos conteúdos, em si mesmo não garante a interdisciplinaridade desse modelo de currículo, já que para o domínio do todo, também é necessário conhecer as partes. Além disso, é possível indagar também se, atribuir ao estudante a tarefa de conduzir seu processo de apropriação de conhecimentos por meio de uma aprendizagem “auto-dirigida”, não poderá levar a um afrouxamento dos conteúdos, constituindo-se em uma base científica frágil. Esse aspecto poderá levar a uma reflexão mais aprofundada sobre o tema, lançando a necessidade de investigações futuras. Em síntese, por todas as reflexões realizadas até aqui, já é possível inferir Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 60 que o “problema” na ABP sugere ter um fim metodológico, ou seja, sua utilização tem a intenção de provocar o interesse do estudante no processo de construção dos conhecimentos. Nesse sentido, assemelha-se mais a um “eixo curricular”, uma “metodologia de ensino” na qual os estudantes são mobilizados a assimilarem os conhecimentos pré-estabelecidos, do que a “problematização” da realidade estudada e o processo de construção e o produto final dos conteúdos abordados. Dito isso, cabe então, destacar qual é o papel do estudante nesse processo, em função de ser ele quem deve resolver os problemas propostos. É por este viés que a Proposta do curso de Medicina da UNESC diz que o estudante é o “centro do processo educativo, donde surge a necessidade de discutir essa categoria: “aprendizagem centrada no estudante”. 3.3.2 A noção de problema e a “aprendizagem centrada no estudante” Após compreender outros matizes da noção de “problema” que perpassam os módulos temáticos, cabe agora discutir os pressupostos referentes à “aprendizagem centrada no estudante”, uma vez que a análise da Proposta indicou ser este um dos focos principais. Visando a garantir isso, no documento se propõe localizar outros subsídios que permitam compreender a noção de “problema” que mobiliza a referida Proposta. A esse respeito é importante destacar que, pelos estudos realizados na psicologia da aprendizagem, o princípio pedagógico “aprendizagem centrada no estudante” tem seus fundamentos na psicologia humanista de Carl Rogers (1977), que se apresenta como um modelo de educação, cujo eixo central é a “pessoa do estudante”, em contraste com o modelo tradicional centrado na figura do professor. No entanto, ao ser abordado no texto, não se tem a intenção de compreender as suas origens e nem, contudo, discutir as bases teóricas da “aprendizagem centrada no estudante”. Pretende-se, a partir dessa categoria, analisar novas nuanças da concepção de “problema” na ABP da UNESC, ampliando sua compreensão sobre o mesmo. A Proposta do curso de Medicina da UNESC, ao estruturar o currículo pela “Aprendizagem Baseada em Problemas” coloca que, para atingir seus Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 61 objetivos, o estudante deve ter um “papel ativo”, uma vez que ele se constitui no “sujeito do processo ensino-aprendizagem” (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.8). Todavia, para que o processo ensino-aprendizagem ocorra de forma efetiva, a Proposta registra que a busca pelo conhecimento deve ser contínua, e por esse motivo os estudantes devem ser encorajados a atingir seus próprios objetivos por meio da aprendizagem “auto-dirigida”, avaliando seus progressos individuais pela “auto-avaliação”, realizada no final de cada módulo, e da “avaliação cognitiva”14 no final do semestre (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000). O estudante, portanto, é o “sujeito”, pois a ele é apresentado o “problema” de estudo, é ele quem precisa elaborar os objetivos de sua aprendizagem, é ele quem vai, por meio do estudo e da pesquisa, empenhar-se para resolver os problemas propostos e, também, é ele que vai auto-avaliar a sua aprendizagem. Nessas afirmações, fica evidenciado o papel ativo do estudante desde o momento em que é apresentado ao problema. No entanto, é possível identificar também que a centralidade da proposta no estudante não pressupõe a sua participação no momento da elaboração do “problema”, de modo que só é ativado no momento de buscar respostas à sua solução. Porém, ao tratar do papel ativo do estudante no processo de resolução do problema, a Proposta diz pautar-se no construtivismo de Jean Piaget justificando que: [...] o estudante é visto como um pensador. A posição inicial de cada estudante é levada em consideração e a aprendizagem é contínua. Considera fundamental o fazer, a relação do indivíduo com o meio, ou com o objeto a ser explorado e conhecido. Através dessas relações, o aluno constrói e organiza o seu conhecimento. Como cada aluno tem sua maneira de construir e organizar, então o processo é criativo não sendo engessado como na relação memória-aprendizagem, verificado na escola tradicional. As atividades pedagógicas são feitas em grupo, onde são avaliadas as respostas individuais e do grupo. Dessa maneira, o conhecimento é construído num movimento dinâmico do coletivo para o individual. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p. 9). 14 Constitui-se em uma prova aplicada no final do semestre, contendo todos os conteúdos trabalhados nos módulos. Essa prova é composta em média por sessenta questões. Entre elas, dez são dissertativas e cinqüenta objetivas. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 62 Reitera, ainda, que o processo ensino-aprendizagem deve: Buscar desenvolver no aluno a habilidade de aprender-a-aprender e aprender-fazendo, características do cenário atual da educação continuada, necessárias a qualquer profissional de tal forma a mantê-lo atualizado e capaz de disputar postos de destaque intelectual, e oferecendo serviços de qualidade à sociedade. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p. 50). O Projeto político-pedagógico (2005) também retoma esta questão registrando que “os objetivos do processo ensino-aprendizagem estão focados no aluno” (UNESC: PPP DO CURSO, 2005, p. 13). Portanto, como é possível perceber nos trechos citados acima, a Proposta reafirma seu compromisso com uma concepção de aprendizagem “centrada no estudante”, cujo processo de ensino tem como ponto de partida os seus conhecimentos iniciais, a promoção de sua interação com os objetos de estudo e o desenvolvimento da habilidade de “aprender a aprender15” e “aprender a fazer”. Em face do exposto, é possível identificar que a ABP se propõe a romper com uma concepção tradicional de ensino, uma vez que, estando o foco da aprendizagem centrado no estudante, incentivando-o a “aprender a aprender”, há maiores possibilidades de uma construção efetiva do conhecimento e, conseqüentemente, de uma aprendizagem mais significativa. Todavia, não se pode deixar de destacar, também, que o sentido do “aprender a aprender” na Proposta sugere a perspectiva do estudante “aprender sozinho”, por meio da construção de um método próprio de estudo. É nesse sentido que a Proposta acredita que “aprender a aprender” contribui para o desenvolvimento da criatividade e a construção da autonomia do indivíduo, enquanto que aprender pela transmissão de outra pessoa é um obstáculo a essa construção. O exposto encontra respaldo nas palavras proferidas por Piaget (1947), em uma conferência intitulada “O Desenvolvimento Moral do Adolescente em Dois Tipos de Sociedade: Sociedade Primitiva e Sociedade ‘Moderna’”, quando defendeu a tese de que aquilo que o indivíduo aprende por si mesmo é superior ao que ele 15 O livro: Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana de Newton Duarte aprofunda as questões referentes às pedagogias do “aprender a aprender” e as ilusões da sociedade do conhecimento. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 63 aprende pela transmissão de outras pessoas: O problema da educação internacional é, portanto, essencialmente o de direcionar o adolescente não para soluções prontas, mas para um método que lhe permita construí-las por conta própria. A esse respeito, existem dois princípios fundamentais e correlacionados dos quais toda educação inspirada pela psicologia não poderia se afastar: 1) que as únicas verdades reais são aquelas construídas livremente e não aquelas recebidas de fora; 2) que o bem moral é essencialmente autônomo e não poderia ser prescrito. Desse duplo ponto de vista, a educação internacional é solidária de toda a educação. Não apenas a compreensão entre os povos que se vê prejudicada pelo ensino de mentiras históricas ou de mentiras sociais. Também a formação humana dos indivíduos é prejudicada quando verdades, que poderiam descobrir sozinhos, lhes são impostas de fora, mesmo que sejam evidentes ou matemáticas: nós os privamos então de um método de pesquisa que lhes teria sido bem mais útil para a vida que o conhecimento correspondente! (PIAGET, 1998, p.166). Assim, é possível dizer que, nesse entendimento proposto por Piaget na citação acima, estabelece-se uma hierarquia valorativa na qual aprender sozinho situa-se num nível mais elevado do que a aprendizagem resultante da transmissão de conhecimentos. Há que se ressaltar, também, que as pedagogias que se sustentam nos princípios do “aprender a aprender” são alvo de muitas críticas por parte de pesquisadores, entre eles o educador brasileiro Newton Duarte (2001). A esse respeito, Duarte alerta que as mesmas têm como intuito preparar os indivíduos formando as competências exigidas pelo mundo do trabalho. Desse modo, capacitam-se os estudantes para encontrar novas formas de ação que permitam sua melhor adaptação aos ditames da sociedade capitalista. Isso representa dizer que o sentido prescrito pelas pedagogias do “aprender a aprender” enquanto mobilizadoras da iniciativa do estudante buscar por si mesmo novos conhecimentos e desenvolver sua autonomia são ilusórias. Ao contrário, trata-se de ”uma arma na competição por postos de trabalho, na luta contra o desemprego” (DUARTE, 2001, p.42). Outro aspecto que merece destaque na Proposta é a forma como o conhecimento se apresenta ao estudante. Enquanto na aula tradicional o professor introduz e conclui o conteúdo em uma mesma aula ou conjunto de aulas, na ABP esse processo exige trabalho árduo e busca ativa do estudante pelo conhecimento. Os conteúdos, por serem integrantes do “problema”, não se esgotam em uma aula, mas são constituídos em um processo que vai desde a sensibilização do estudante Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 64 ao problema de estudo, até a elaboração das sínteses com base nas respostas encontradas pelo grupo à sua solução. Essa concepção de “construção do conhecimento” encontra respaldo nas idéias de Vasconcelos (1999), pesquisador da linha piagetiana, quando registra que, em uma aprendizagem significativa, o processo de construção dos conceitos é favorecido por meio de uma metodologia dialética e envolve três momentos integrados: a mobilização, a construção e a elaboração da síntese dos conhecimentos adquiridos16. A mobilização tem como objetivo “desafiar”, “provocar” o interesse do estudante pela situação em estudo. Na ABP, essa etapa pode ser identificada na primeira sessão tutorial de apresentação do problema. A construção do conhecimento envolve a fase de sua elaboração efetiva, podendo ser identificada na ABP como aquela em que o estudante se concentra focalizando o estudo individual e a pesquisa. A elaboração da síntese representa a sistematização dos conhecimentos adquiridos, e pode ser identificada na última sessão tutorial e no seminário de integralização dos conteúdos. Pelas questões apresentadas acima em relação ao processo de construção do conhecimento percebe-se que os pressupostos teóricos da ABP encontram ressonância na concepção “construtivista” de Jean Piaget (1990) por ser este autor aquele que valoriza o processo de construção dos conceitos tanto quanto o seu produto, pois, no processo, o estudante confronta-se com o objeto de estudo, explorando toda a sua complexidade. Essa construção exige um trabalho árduo, de estudo e pesquisa sobre o objeto a ser conhecido, que, embora demorado, evita uma aproximação superficial com conhecimento e, por conseqüência, a reprodução de conceitos existentes sem a devida reflexão sobre todos os elementos envolvidos. Sob a ótica piajetiana, também reflete-se sobre a concepção de conhecimento que perpassa os conteúdos escolares e o processo ensinoaprendizagem. Do ponto de vista do autor, a construção do conhecimento envolve uma relação de interdependência entre o sujeito e o meio, só podendo ser efetivada por meio da interação de ambos. Assim compreendido, o conhecimento em Piaget é 16 Os aspectos relacionados a mobilização, construção do conhecimento e elaboração da síntese pode ser aprofundado na obra: VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Construção do conhecimento. São Paulo: Liberdad, 1999. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 65 construído a partir da ação do sujeito sobre o objeto do conhecimento, interagindo com ele, sendo as trocas sociais condições necessárias para o desenvolvimento do pensamento. Reafirmando as idéias piagetianas, Ramozzi-Chiarottino (1988) diz que, para Piaget, o objeto do conhecimento é tudo que envolve o sujeito, é o meio físico, é o meio simbólico e o meio social. Todavia, o meio ou o objeto existem independentes do sujeito, mas não podem ser conhecidos, senão por aproximações através das atividades físicas e simbólicas. Essas aproximações podem provocar modificações da estrutura cognitiva do sujeito tanto em nível do pensamento, quanto em nível da ação. Nas palavras de Piaget “Conhecer é modificar, transformar o objeto e compreender o processo dessa transformação e, conseqüentemente, compreender o modo como o objeto é construído” (PIAGET, 1973, p.4). Partindo desta perspectiva, o conhecimento em Piaget (1973) não é algo transmitido por alguém e recebido por outro de forma passiva. Muito ao contrário, no processo de construção do conhecimento, o sujeito relaciona as suas concepções prévias com as informações advindas do meio (assimilação)17, construindo estruturas de pensamento cada vez mais complexas que lhe permitam incorporar as situações novas (acomodação)18. O conhecimento, assim, não está nem no sujeito e nem no objeto, mas na relação estabelecida entre ambos. Desse modo, o sujeito para Piaget é intelectualmente ativo, pois compara, exclui, ordena, categoriza, classifica, reformula, comprova, formula hipóteses de acordo com o seu nível de desenvolvimento. Por conseguinte, o principal objetivo da educação escolar deve ser a formação de homens "criativos, inventivos e descobridores", de pessoas críticas e ativas na busca constante da construção de sua autonomia. A aprendizagem, portanto, não é um processo apenas de “retenção” de conhecimentos, mas, acima de tudo, de construção, que ocorre por meio da ação e interação do sujeito sobre o objeto. As idéias apresentadas permitem dizer que a noção de “problema” que perpassa a aprendizagem centrada no estudante encontra respaldo na teoria construtivista de Piaget (1973) Isso representa dizer que na ABP, assim como em 17 Assimilação: é o processo cognitivo pelo qual uma pessoa integra um novo dado perceptual, motor ou conceitual nos esquemas ou padrões de comportamentos já existentes. 18 Acomodação é a criação de novos esquemas ou a modificação de velhos esquemas. Ambas as ações resultam em uma mudança na estrutura cognitiva (esquemas) ou no seu desenvolvimento. Para maiores informações, ver WADSWORTH, Barry. Inteligência e Afetividade da criança na teoria de Jean Piaget. São Paulo: Pioneira, 1992. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 66 Piaget, o estudante é um sujeito construtor e não consumidor de conhecimento. Permite dizer, ainda, que a formação do espírito científico exige “busca”, “trabalho árduo”, por parte do estudante. Assim, o papel do professor deve ser o de desafiar o estudante a pensar, evitando a apresentação imediata do conhecimento, incentivando-o a problematizar e estabelecer relações cada vez mais complexas e racionalizadas. Como se poder perceber o papel do professor tem uma importância relevante na epistemologia de Piaget. Por isso, os aspectos relativos ao papel do professor continuarão a ser debatidos na próxima categoria “aprendizagem compartilhada”. No entanto, mesmo percebendo-se a ênfase no estudante como “centro” e a preocupação com o trabalho em grupo, o processo de construção dos conceitos científicos sugere ser individual, uma vez que, como a própria Proposta indica, “cada aluno tem sua maneira de construir e organizar”. Outra questão que merece destaque é a preocupação com as “respostas” dos estudantes aos problemas propostos, uma vez que a Proposta necessita garantir a apropriação dos conteúdos curriculares necessários à formação médica. Contudo, vale destacar que, embora a função principal dos cursos de graduação seja o ensino, quanto mais problematizadora for a prática pedagógica, mais desenvolverá no estudante a capacidade de perguntar, de questionar os conteúdos e não somente de assimilá-los, mesmo que essa assimilação ocorra de forma dinâmica e interativa. Uma prática pedagógica que atribui mais valor a respostas aos problemas do que ao processo de construção dos conceitos, poderá levar o ensino a tornar-se um amontoado de respostas para perguntas que o estudante nunca formulou, o que comumente ocorre nos currículos tradicionais. A presente questão aponta a necessidade de se estabelecer um diálogo com Freire (1985), interrogando se a Proposta em análise é de fato problematizadora, uma vez que, para esse autor, “[...] a pedagogia da resposta é uma pedagogia da adaptação e não da criatividade. Não estimula o risco da invenção e da reinvenção. Para mim, negar o risco é a melhor maneira que se tem de negar a própria existência humana” (FAUDEZ, FREIRE, 1985, p. 27). Por esse motivo, o capítulo posterior vai dedicar-se à uma análise mais aprofundada da noção de “Problematização” em Paulo Freire. Para finalizar, de acordo com os estudos realizados na Proposta, foi Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 67 possível identificar que o estudante é visto como o “sujeito” e o “centro” do processo ensino-aprendizagem, respaldando-se em uma concepção construtivista do conhecimento. Justifica-se a afirmação, em função de a resolução dos “problemas” na ABP só poder ser efetivada por meio da participação ativa do estudante, levantando hipóteses, confrontando-as, elaborando novas sínteses, ou seja, por um processo que incentive o estudante a “aprender a aprender”. O “problema”, então, é um mobilizador para a construção do conhecimento, alavanca o “aprender a aprender” e, conseqüentemente, poderá contribuir para a construção das competências exigidas pelo mercado de trabalho. Considerar o estudante como centro na proposta ABP, assim como em Piaget (1973) implica partir do nível de desenvolvimento intelectual de cada estudante, desafiando-o, provocando conflitos intelectuais, mobilizando a construção do conhecimento por meio de um processo de investigação. Pressupõe ainda trabalhar com uma pedagogia que incentive a construção da autonomia do estudante. A autonomia no sentido piagetiano representa o nível mais alto do desenvolvimento cognitivo, aquele que possibilita pensar sobre o ponto de vista do outro. É a submissão do indivíduo a uma disciplina que ele próprio escolhe e a constituição da qual ele elabora sua personalidade (PIAGET, 1998). Dito de outro modo o acima exposto, é a capacidade de auto-governo, de tomar decisões. No entanto, essa capacidade implica, sobretudo, agir orientado pelo bem comum, pelo princípio da coletividade. É a partir desse ponto de vista que Piaget aponta para a necessidade do trabalho em grupo, pois é somente por meio dele que se torna possível a troca de idéias e, conseqüentemente, o exercício da cooperação. Na ABP da UNESC, o parâmetro ‘trabalho em grupo’ é evidenciado pela “aprendizagem compartilhada”, ocorrida nos grupos tutoriais, donde surge a necessidade de discutir qual a noção de “problema” que perpassa nesse eixo, uma vez que por meio dele poder-se-á conhecimento que essa Proposta produz. compreender melhor a concepção de Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 68 3.3.3 A noção de problema e a “aprendizagem compartilhada” nos grupos tutoriais Após analisar os elementos constituintes da noção de “problema” na “aprendizagem centrada no estudante” cabe agora identificar outros matizes dessa noção a partir da categoria “aprendizagem compartilhada”. Para fins de esclarecimento é conveniente lembrar que os “grupos tutoriais” são constituídos por pequenos grupos de estudantes (aproximadamente oito) e um tutor e têm como objetivo discutir os “problemas” planejados pela “comissão de currículo” para cada módulo. O encontro desse grupo é chamado de “sessão tutorial”. Conforme prevê a Proposta, desde os primeiros módulos, o estudante deve aprender “a trabalhar em grupo e compartilhar conhecimento, de tal forma que [...] adquira a atitude de aprender cooperativamente (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p. 22). Além disso, para cada “problema” são previstos três tempos de trabalho: O primeiro ocorre na sessão tutorial, na qual o grupo identifica o que já sabe sobre o problema e formula objetivos de aprendizagem; o segundo é o estudo individual para o cumprimento dos objetivos; o terceiro é o retorno à sessão tutorial e ao grupo de origem para discutir as repostas encontradas ao “problema” (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000). A função do tutor nos grupos tutoriais é apresentar e coordenar as discussões sobre o “problema”, a partir das orientações constantes no seu manual e pelos objetivos formulados pelos estudantes. Nesse aspecto, a Proposta destaca, como papel do tutor, a necessidade de: [...] identificar e compreender os diferentes estágios de desenvolvimento dos alunos, para que sejam organizados desafios pedagógicos, garantindo condições para que o aluno ultrapasse seus limites e avance continuamente em suas elaborações. Ao invés de dar uma tarefa aos alunos e medir o quão bem eles fazem ou o quanto erram, dá-se uma tarefa, estimula-se a busca de solução e observa-se o quanto de ajuda eles precisam, e de qual tipo, para completar a tarefa de forma bem sucedida. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.9). A Proposta ainda registra que: Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 69 É importante que o professor/tutor tenha uma abordagem, uma proposta e uma postura que proporcione que os conhecimentos absorvidos pelos estudantes se transformem em habilidades. Nesse processo o tutor assume o papel de mediador e organizador de informações e idéias. Hábil negociador e mestre em relação interpessoal, é pró-ativo e reativo durante o treinamento. Sensível e apto a mudanças de rumo quando necessário. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.9). Como é possível perceber, o papel do tutor se materializa na coordenação das sessões tutoriais com o propósito de mediar as discussões sobre o “problema” em estudo, de modo que, após a sessão tutorial em que ocorrem os devidos esclarecimentos às questões suscitadas pelo “problema”, cabe ao estudante envolver-se no estudo e na pesquisa buscando respostas visando à solução. Esse é chamado de momento individual de estudo. O tutor, portanto, não participa no processo de resolução do problema pelo estudante. Sua mediação, depois da apresentação inicial do problema na primeira sessão tutorial, ocorrerá novamente por ocasião do retorno dos estudantes à segunda sessão tutorial, momento em que se discutem as respostas ao “problema”. Essas idéias remetem ao entendimento de que a ABP da UNESC apresenta algumas inovações pedagógicas, sobretudo quando preconiza o deslocamento do centro do processo ensino-aprendizagem, que, no currículo tradicional, era focado no professor como transmissor de conhecimentos, para o estudante construtor do seu próprio conhecimento por meio da pesquisa e da interação com o grupo e com o tutor. É nesse aspecto que cabe refletir sobre o papel do tutor prescrito na Proposta, já que a sua compreensão pode apresentar novas informações sobre a noção de problema que a perpassa. Em relação ao papel do tutor é possível perceber a presença de conceitos teóricos distintos, pois, ao mesmo tempo em que se considera o professor como “mediador”, salienta-se, também, que o mesmo deve “proporcionar conhecimentos”, fazendo as mediações quando houver a necessidade de mudança rumo ao trabalho desenvolvido, e, ainda, “garantir” que os conteúdos sejam “absorvidos” pelos estudantes. Nesse sentido é possível dizer que o papel do professor (tutor) continua a ser o de dirigir o processo pedagógico mesmo que em outros moldes. Contudo, vale lembrar que a Proposta preconiza fundamentar-se teoricamente na pedagogia problematizadora de Paulo Freire e no construtivismo de Jean Piaget. Porém, ao tomar-se como referência as idéias de Freire e Piaget sobre Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 70 o papel do professor, identificam-se concepções diferentes. Freire (1985) concebe o papel do professor como problematizador. Problematizar implica ajudar o educando a desvelar a realidade, numa atitude crítica e dialógica com o conhecimento. Piaget concebe o papel do professor como desafiador. Desafiar para Piaget implica provocar conflitos, instigar no estudante o desejo de aprender mais e construir novos conhecimentos. Tratam-se, portanto, de pedagogias que valorizam muito mais a pergunta do que a resposta, uma vez que é esta que alavanca os processos de descoberta. A “absorção” de conhecimento só pode ocorrer em uma pedagogia tradicional, cujo centro da Proposta não é o estudante, mas o professor que “despeja” os conteúdos e “garante” a sua “retenção”. A aprendizagem enquanto atividade mediada é um conceito bastante discutido pela concepção histórico-cultural de Vigotski (1988). Para o autor, o papel do professor mediador é o de atuar na zona de desenvolvimento proximal19 dos estudantes com o objetivo de desenvolver as funções psicológicas superiores. Essa atuação se concretiza por meio de intervenções intencionais que explicitarão os sistemas conceituais e permitirão aos estudantes a aquisição de conhecimentos sistematizados. Nesse sentido, o professor tem o papel explícito de interferir na zona de desenvolvimento proximal dos estudantes, provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente. Ser mediador, portanto, pressupõe uma atitude ativa tanto do professor quanto do estudante na busca da apropriação dos conhecimentos. Isso representa dizer que o estudante não pode ser considerado uma “esponja” em que o professor “despeja” o conteúdo que é “absorvido” por ele num processo mecânico. Nessa mesma linha de idéias, Silva (1999), ao tratar do papel do professor, diz que o mesmo deve exercer a função de “complicador e não de facilitador”. Enfatiza ainda que “o professor só facilita quando complica” e: 19 É um conceito elaborado por Vigotski que define a distância entre o nível de desenvolvimento real, determinado pela capacidade de resolver um problema sem ajuda, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através de resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou em colaboração com outro companheiro. Quer dizer, é a série de informações que a pessoa tem a potencialidade de aprender mas ainda não completou o processo, conhecimentos fora de seu alcance atual, mas potencialmente atingíveis. (FONTANA, Roseli. A mediação pedagógica na sala de aula. Campinas: Autores Associados, 1996). Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 71 Complica, à medida que desafia; à medida que propõe a análise de cada perspectiva, como uma perspectiva. Quando provoca a exposição do erro de forma discursiva, complica o saber fácil, dificulta os juízos apressados. Fazer um discurso significa expor razões. Não permite, nega a ida imediata a conclusões ligeiras e que não tenham saído do problema em questão. (SILVA, 1999, p.138). Então, partindo desse ponto de vista, o professor não deve incentivar a resposta apressada, mas, sobretudo, estimular a procura, problematizar os resultados, compreendendo a dificuldade como parte integrante do processo de construção. Essas questões são de grande importância para se pensar a concepção de problema da Proposta. Nesse aspecto, é possível perceber que o processo de construção dos conceitos não é muito evidenciado na Proposta do curso de Medicina da UNESC. De outro modo, a Proposta atribui um grande valor às respostas dos estudantes, aquelas advindas dos resultados dos estudos orientados a partir das sessões tutoriais. Assim, demonstra compromisso com os “acertos”, e, caso as respostas dos estudantes não sejam as previstas pelo professor, avalia-se a elaboração do “problema”, identificando sua clareza e seus comandos. O processo de investigação é pouco evidenciado, pois a aprendizagem é autodirigida, posto que cada estudante tem uma “maneira particular de construir e organizar” o conhecimento. Além disso, para garantir que os objetivos de aprendizagem sejam apropriados, o tutor e o estudante recebem materiais específicos (manual do tutor e manual do aluno) contendo o enunciado e as referências dos recursos educacionais disponíveis, tais como: bibliografias, recursos audiovisuais (vídeos, slides) e endereços de páginas da WEB. O manual do tutor contém também os objetivos específicos de aprendizagem e os possíveis conteúdos a serem abordados em cada problema. O manual orienta os rumos que deve tomar as sessões tutoriais em uma aprendizagem compartilhada e a busca de “resolução dos problemas”, como demonstra o trecho a seguir: Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 72 Na sessão tutorial é apresentado aos alunos um problema pré-elaborado pela Comissão de Currículo. Esse problema deverá atender a determinações curriculares e, dentro de um módulo temático, abordar um tema do conhecimento. De sua discussão os alunos deverão formular objetivos de aprendizagem. Espera-se que tais objetivos sejam análogos aos objetivos previamente especificados pelos especialistas das várias disciplinas que compõem o módulo temático. O tutor mediará a sessão tutorial norteado pelos objetivos que constam no manual do tutor e pelos objetivos formulados pelos alunos. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.13). A aprendizagem compartilhada, conforme sugere a citação acima, ocorre por meio da troca de idéias para o esclarecimento do “problema”, para a elaboração dos objetivos da aprendizagem e para a socialização dos resultados encontrados. A construção dos conceitos científicos dá-se num processo, sobretudo, individual, em que os estudantes precisam buscar as alternativas de solução aos “problemas”. Em síntese, após ter explorado a Proposta buscando rastrear alguns elementos que indiquem a noção de “problema” que perpassa a “aprendizagem compartilhada”, é possível tecer algumas considerações. O “problema” se constitui em um estímulo, desencadeador de conflitos no estudante, servindo como alavanca para a interação entre estes e o tutor. Para amenizar esses conflitos e orientar os caminhos desse processo, o tutor atua como mediador, estabelecendo conexões entre os conhecimentos trazidos pelos estudantes e aqueles advindos do problema. Sua tarefa é “facilitar” a organização do caminho a ser percorrido pelo estudante na procura de respostas à solução dos problemas. Por essas razões, seu papel é de “ajuda”, de “auxílio” aos estudantes para que estes possam completar a tarefa de forma bem sucedida, que é análoga ao manual do tutor. Desse modo, é necessário também verificar se os objetivos dos “problemas”, desenvolvidos em cada sessão tutorial e de cada módulo estão sendo atingidos pelos estudantes. Para essa verificação, a Proposta aponta a “avaliação” como uma ferramenta importante na ABP, de modo que se faz necessário analisar como ocorre a “avaliação da aprendizagem” na ABP, e sua relevância na compreensão da noção de “problema” que nela se presentifica. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 73 3.3.4 A noção de problema e a “avaliação do processo ensino-aprendizagem” A avaliação da aprendizagem em uma proposta curricular é inerente ao processo de ensinar e aprender, justamente em função de traduzir a concepção de ciência, ensino e aprendizagem que permeia a proposta curricular. Diante dessa constatação, compreender a noção de “problema” da proposta ABP da UNESC remete à análise sobre o papel da avaliação no processo, visando a identificar elementos que contribuam para o debate. Ao tratar da avaliação da aprendizagem, a Proposta contida no Projeto de Reengenharia (2000) preconiza que, para o processo avaliativo atingir sua finalidade educativa, deve ser coerente com os princípios pedagógico-psico-sociais do processo de ensino-aprendizagem adotado. Assim, a avaliação é compreendida como: - processo de formação integral do aluno, incluindo atitudes e habilidades além da aquisição de conhecimento técnico; - compreensão dos avanços, limites e dificuldades que os alunos estão encontrando para atingir os objetivos de aprendizagem propostos; - ato dinâmico que continuamente subsidie o direcionamento do curso. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.18). Junto à citação acima é possível identificar, na concepção de avaliação, a preocupação com o cumprimento dos pressupostos das Diretrizes Curriculares Nacionais (2001), quando centra suas discussões na responsabilidade dos cursos com a formação de atitudes e habilidades nos estudantes para que possam atuar com competência no mundo do trabalho. Além disso, apresenta indícios de uma concepção de avaliação “formativa”, ou seja, aquela que acompanha todo o processo educativo diagnosticando, interferindo e encaminhando a ação do professor e do estudante, com vistas à qualificação da aprendizagem. É nesse sentido que o PPP (2005) define que a avaliação é “o processo que valida, analisa, norteia e diagnostica, acompanhando a construção do conhecimento em relação as competências, habilidades e atitudes” (UNESC: PPP DO CURSO, 2005, p.24) e acrescentando, ainda, que a mesma avalia não só os aspectos “somativos”, mas, sobretudo, os “formativos”. Por conseguinte, é possível dizer que o curso considera que o sistema avaliativo é “formativo”, pois não avalia somente os resultados finais, mas o desempenho do estudante em todas as atividades realizadas durante a resolução Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 74 dos problemas. Para o melhor entendimento do processo avaliativo, retirou-se do Regulamento do curso de Medicina, proposta pela Res. 11/2006/Consu, os artigos referentes à essa questão, para uma posterior análise: Art. 4º – A avaliação nas disciplinas ABP modulares é entendida como processo que visa à formação, quantificação e qualificação do conhecimento, auxiliando o ensino e orientando a aprendizagem, a partir da obtenção de informações sobre o aluno, devendo: I.Posicioná-lo em relação ao grupo quanto ao seu desempenho. II. Promover e auxiliar a progressão do aprendizado do aluno. III. Possibilitar a reflexão e tomada de decisão sobre os resultados do processo ensino-aprendizagem. Art. 5º – Nas disciplinas ABP modulares, a avaliação está dividida em avaliação formativa, avaliação somativa. Art. 6º – A Nota Geral da Avaliação da Disciplina ABP modular (NGADM) é composta pelas notas da avaliação somativa e formativa. Art. 7º – A avaliação formativa visa a acompanhar a aprendizagem do aluno ao longo da disciplina e é constituída por: I. Auto-avaliação, assim entendida como a realizada pelo aluno, sobre o seu próprio desempenho. II.Interpares, realizada pelo aluno sobre o desempenho de seus colegas. III.Aluno pelo Tutor, realizada sobre o desempenho de cada aluno na sessão tutorial. IV.Relatórios Pró-Estudo, entendidos como os relatórios semanais apresentados pelos acadêmicos ao Tutor referentes às atividades desenvolvidas nos tempos pró-estudo. Art. 8º – A avaliação somativa tem como objetivo identificar e qualificar a aprendizagem adquirida, subdividindo-se em: I. Avaliação cognitiva: prova teórica, ocorrida no final da disciplina, sobre os conteúdos abordados nas atividades desenvolvidas durante a disciplina ABP modular. II. Avaliações prático-teóricas: realizadas durante e/ou ao final da disciplina, em cada um dos laboratórios/ambulatório, objetivando verificar o desenvolvimento de habilidades, atitudes e conhecimentos. Art. 9º – Na avaliação formativa somente será pontuada a avaliação do aluno pelo tutor com o valor máximo de 2,0 (dois) pontos. § 1º – Somente as avaliações formalizadas serão contabilizadas para a composição da Nota Geral da Avaliação da Disciplina ABP modular (NGADM). § 2º – A avaliação formativa interpares e auto-avaliações não terão valor na composição da Nota Geral da Avaliação da Disciplina ABP modular (NGADM). § 3º - Os Relatórios Pró-Estudo não são pontuados para efeito de nota, mas é indispensável a entrega de, pelo menos, 75% (setenta e cinco por cento) dos mesmos para aprovação na disciplina. Art. 10 – A avaliação somativa será pontuada com a seguinte distribuição: I. Avaliação cognitiva: 4,0 (quatro) pontos. II. Avaliação prático-teórica: 4,0 (quatro) pontos, compostos pela média das avaliações realizadas em cada um dos laboratórios e ambulatório. (UNESC: Res. 11/2006/CONSU). Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 75 A análise dos artigos acima destacados remete ao entendimento de certa “separação” entre os conceitos formativos e somativos da avaliação. O conteúdo da resolução concebe a avaliação somativa, como aquela em que se avaliam os conteúdos trabalhados nos módulo e disciplinas, enquanto que a avaliação formativa se aproxima mais daquela que não exige a demonstração explicita dos conteúdos apropriados. Para fins de composição de nota, conforme dito acima, “somente será pontuada a avaliação do aluno pelo tutor com o valor máximo de 2,0 (dois) pontos”. A Proposta indica também que o processo avaliativo ocorre ao final de cada “problema”, “módulo” e “semestre letivo”. A avaliação do “problema” tem como objetivo “avaliar a qualidade do problema proposto (clareza, consistência e adequação aos objetivos do módulo) e dos recursos instrucionais disponíveis, sendo esta última de caráter opcional” (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.18). Já a avaliação ao final do “módulo” visa a avaliar “o conhecimento adquirido, tanto em termos teóricos quanto em habilidades e atitudes, tendo em vista os objetivos de aprendizagem em questão” (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.18). A Proposta afirma, ainda, que no final do semestre letivo, ocorre uma avaliação por meio de uma prova escrita composta, na sua maioria, por questões objetivas. Esta tem peso 4,0 (quatro) e é identificada pelo curso como sendo a “avaliação cognitiva”, contemplando de forma cumulativa todos os conteúdos dos módulos temáticos. Além da prova escrita, o estudante é avaliado pelo tutor de acordo com o seu desempenho nas aulas práticas ocorridas nos laboratórios e ambulatórios atribuindo-se, para isso, peso 4,0 (quatro). Portanto, a composição da nota, de acordo com a Proposta, é formalizada pela avaliação formativa: 2,0 pontos da avaliação (avaliação do estudante pelo tutor sobre o seu desempenho nas sessões tutoriais); e somativa, valendo 4,0 (quatro) pontos da prova cognitiva, ocorrida ao final do módulos; 4,0 (quatro) pontos pelo desempenho nas aulas práticas, ocorridas durante ou no final da disciplina. Todas essas modalidades de avaliação utilizadas na Proposta têm como objetivo: [...] a verificação de aprovação do aluno, considerando a dinâmica e participação nas sessões tutoriais, o conhecimento, as atitudes, e as habilidades adquiridas; assim como a verificação da qualidade dos problemas propostos e dos recursos instrucionais disponíveis. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.18-19). Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 76 Pelas citações retiradas tanto do regulamento do curso (RES. 11/2006/Consu) quanto do Projeto de Reengenharia (2000) e do Projeto políticopedagógico (2005) é possível identificar algumas sutilezas focalizando à noção de “problema” que a Proposta revela. Nesses trechos, identificam-se indícios de uma concepção de conhecimento que dicotomiza o processo do produto final, reafirmada em diversos momentos. Como visto, a Proposta concebe os estudantes como sujeitos do processo, construtores do seu conhecimento por meio da interação com o grupo e o tutor, sendo também responsáveis pela avaliação de seus progressos individuais e de seus pares. Contudo, apesar da avaliação do desempenho ocorrer durante o processo (autoavaliação, interpares, avaliação do estudante pelo tutor) somente é pontuada para composição da nota, a avaliação do tutor sobre o desempenho dos estudantes, atribuindo-se o peso máximo de dois pontos. A avaliação dos conteúdos abordados pelos problemas nas sessões tutoriais ocorre, sobretudo, no final do processo quando da prova cumulativa, e nas aulas práticas, que somam cada uma, quatro pontos na nota do estudante. Ao tomar-se por base a concepção “construtivista” e a “pedagogia problematizadora”, a avaliação deve ocorrer durante todo o processo e implica o compromisso do professor e do estudante, uma vez que o processo ensinoaprendizagem é de corresponsabilidade de ambos. Desse modo, é possível inferir que nem o professor e nem o estudante são o centro do processo, pois ambos são partícipes, cujo conhecimento das ciências é o propósito central, já que é por meio dele que se formam profissionais qualificados e cidadãos responsáveis e éticos. Sob esta ótica, a avaliação é um instrumento que, articulado ao processo ensinoaprendizagem, é fundamental na formação, em função de traduzir a concepção de ensino-aprendizagem que orienta as bases teóricas do currículo. A avaliação, então, encontra sua razão de ser, na medida que subsidia o processo ensinoaprendizagem e oferece elementos para o seu constante aperfeiçoamento. Todavia, vale salientar que, em Freire (1985) o conhecimento por ele mesmo não transforma a realidade. Só transforma se instiga a atitude crítica e assume o compromisso político com as transformações sociais e com as práticas hegemônicas da saúde. Neste sentido, o conhecimento científico só tem sentido se contribuir para a humanização das relações sociais. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 77 As questões apresentadas acima são de grande importância para se pensar a noção de “problema” da Proposta, entendendo que, na abordagem “construtivista” e na pedagogia “problematizadora”, a avaliação tem a finalidade de ajudar o estudante a superar suas impressões primeiras sobre o objeto de estudo. Com base nessa premissa, o “erro” apresentado pelo estudante no processo de construção dos conceitos é permitido e desejável, por indicar que os conceitos estão em processo de racionalização. Tarefa essa que não ocorre de um dia para outro, visto a complexidade do conhecimento científico. É nesse sentido que Piaget (1967) concebe o “erro” como possível e até necessário, mas não um erro qualquer, o erro “construtivo”: aquele que mostra que o sujeito está elaborando uma hipótese, ou seja, está seguindo suas concepções a respeito da realidade e usando seus próprios procedimentos para testar e experimentar suas hipóteses. É o resultado do esforço que o sujeito faz para aprender. Isto quer dizer que Piaget não concebe o “erro” como oposição ao acerto, mas como processo de invenção, de descoberta. O erro é visto e compreendido de forma dinâmica, como caminho para o avanço. É uma rica fonte de informação para o professor, mostrando como os estudantes estão raciocinando e apontando, em especial, os aspectos que, no momento, concentram as principais dificuldades. O “erro”, visto desta maneira, auxilia o professor, orientando sua conduta em sala de aula. Nesta mesma linha de pensamento, Freire (1985), ao falar sobre o “erro” diz que uma pedagogia da liberdade é eminentemente arriscada. Esta não deve, portanto, temer o “erro”, mas, ousar o risco, provocar o risco como uma forma de avançar no conhecimento: Julgo importante essa pedagogia do risco, que está ligada à pedagogia do erro. Sem negação que é o erro, essa nova negação é que dará positividade ao erro; essa passagem do erro ao não-erro é o conhecimento. Jamais um novo erro será absolutamente um novo erro, cujos elementos relativos implicam em um novo erro essa cadeia se estende ao infinito”. (FREIRE,1985, p.27). Cabe destacar que, na Proposta ABP da UNESC, a concepção de “erro” e a noção de “risco” são pouco explicitadas. De outro modo, demonstra compromisso com os “acertos”, e, caso as respostas dos estudantes aos problemas não sejam as previstas pelo professor (e pelos objetivos constantes em seu manual), avalia-se a Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 78 elaboração do mesmo, identificando sua clareza e seus comandos. O processo de investigação é pouco evidenciado. A ênfase é atribuída às respostas ao problema, pois demonstram que o estudante está se apropriando dos conteúdos. Além disso, para garantir que os objetivos de aprendizagem sejam apropriados, a Proposta propõe que o tutor e o estudante recebam “manuais” que orientam os rumos tomados visando às sessões tutoriais, bem como orientem os conteúdos a serem abordados em cada problema. Após compreender melhor os fundamentos da “avaliação da aprendizagem” na Proposta da UNESC, é possível inferir que a noção de “problema” que se articula a essa categoria atribui grande valor às respostas e aos acertos, muito mais do que aos erros e ao processo de investigação, o que a distancia do construtivismo e da pedagogia da problematização que valoram, colocando em evidência, o “risco” e a incerteza do conhecimento. Do conjunto da análise das principais categorias que compõem a Proposta, inscritas tanto no seu Projeto de Reengenharia (2000), quanto no seu Projeto político-pedagógico (2005), é possível fazer algumas considerações. A noção de “problema” nos módulos temáticos da ABP sugere ter um fim metodológico e sua utilização tem a intenção de provocar o interesse do estudante a assimilar os conhecimentos preestabelecidos e tornar a aprendizagem significativa, mais do que desencadear a produção do conhecimento científico. Já a noção de problema na “aprendizagem centrada no estudante” remete ao entendimento do “problema” como um mobilizador na construção do conhecimento, por meio do princípio de “aprender a aprender” e da aprendizagem autodirigida. O “problema” é um instrumento pedagógico que estimula o estudante a ser o gestor de sua aprendizagem. A noção de “problema” na “aprendizagem compartilhada” se constitui em desencadeador de conflitos no estudante, servindo como alavanca para a interação entre estes e o tutor, uma vez que, nessa Proposta, o estudante é encorajado à busca de respostas e não a recebê-las de forma pronta e acabada. Para solucionar esses “conflitos” o tutor atua como facilitador, auxiliando o estudante na organização de sua tarefa. Na “avaliação da aprendizagem”, a noção de “problema” atribui mais valor às respostas e aos acertos do que aos erros, e ao produto final mais do que ao Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 79 processo de investigação. Isso quer dizer que se problematiza as respostas do problema e as novidades dele decorrentes, mas o “problema”, a pergunta não é problematizada. Diante das análises, impõe-se agora confrontar a noção de “problema” da ABP na UNESC com a noção de Problematização de Paulo Freire. Esse confronto encontra sentido na medida que os documentos da Proposta do curso de Medicina da UNESC citam os referenciais teóricos de Freire e, também, porque a Problematização está presente em todas as suas obras. Isso quer dizer que, Freire não somente disserta sobre a Problematização, mas suas idéias são problematizadoras. A opção por Freire justifica-se também pelo fato do autor ter sido um grande educador e pesquisador na área da pedagogia, que buscou na educação problematizadora, a construção de um projeto educacional voltado à libertação do ser humano e a transformação da sociedade. Para fins de esclarecimento é importante dizer que a apresentação da Proposta ABP antes dos estudos teóricos de Paulo Freire sobre a Problematização se justifica, porque foi a partir da análise da Proposta que se identificou como categoria central à “noção de problema”. Isso quer dizer que a Problematização não foi definida como uma categoria a priori no estudo da Proposta, mas, pelo contrário, emergiu de sua análise. Dando seguimento às discussões até aqui discutidas, o próximo capítulo se propõe a explicitar os pressupostos teóricos que orientam a concepção de Problematização de Freire, para, a partir daí, confrontá-la com a ABP, apresentando as aproximações e distanciamentos na “noção de problema” das duas teorias. Discutir a noção de “problema” da Proposta com o Freire se torna decisivo nessa análise, uma vez os referenciais teóricos desse autor aparecem em seus documentos. Por conseguinte, o compromisso metodológico dessa pesquisa é confrontar a Proposta com ela mesma, bem como, com os fundamentos teóricos inscritos em seus documentos. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 80 IV INTERROGAÇÕES FREIREANAS À NOÇÃO DE PROBLEMA DA ABP A noção de “problema” tem sido apresentada nesta pesquisa como uma categoria-chave à compreensão da Proposta ABP do curso de Medicina da UNESC. Em capítulos anteriores ficou evidenciado que, ao tratar da sua metodologia por “problemas”, a Proposta se propõe a estar fundamentada em Paulo Freire. Contudo, a Problematização de Freire ([1969] 1983), vai além de uma metodologia de ensino, por se constituir, efetivamente, em uma concepção de ensino-aprendizagem cujo propósito maior é o desenvolvimento da consciência crítica e a transformação da realidade. Diante disso, faz-se necessário um esforço teórico em direção aos estudos e fundamentos da pedagogia freireana buscando compreender seus reflexos em uma proposta pedagógica que almeje perseguir esses princípios. É dentro desse contexto que este estudo visa a compreender a concepção de “problema” que está vinculada à Proposta, confrontando-a com a concepção de Problematização de Paulo Freire. Vale destacar que, na Proposta, as aproximações com Freire podem ser identificadas especialmente pela organização curricular por “problemas” e não por disciplinas isoladas como nos currículos tradicionais, conforme citação a seguir: Desde a década de 50, existem novas propostas de currículos para escolas médicas. Há, hoje, um consenso entre os educadores que o aprendizado deve ser mais centrado no aluno, que deve dispor de mais carga horária para atividades de pesquisa e de estudo. A partir da década de 70 houve melhoria no conhecimento da psicologia da aprendizagem no adulto, mostrando a importância de sua participação ativa na incorporação do conhecimento, a importância de sua experiência prévia e do uso desta experiência como elemento motivador para o aprendizado. Parte destes conhecimentos foi desenvolvida a partir dos estudos de Paulo Freire. (...) Com base nesses estudos surgiu a metodologia de Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) e sua implantação em vários cursos de Medicina. Essa metodologia é baseada no construtivismo de forma a favorecer o processo de ensino-aprendizagem. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p.10). No trecho acima é possível identificar que a Proposta sugere aproximações com Freire pelas questões relacionadas à Problematização, à participação ativa do estudante no processo de ensino-aprendizagem e ao uso da experiência prévia como elemento motivador de aprendizado. Essas questões Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 81 desafiam a perguntar, neste trabalho, se a “Aprendizagem Baseada em Problemas” segue o mesmo caminho que a Problematização de Freire. Para a análise, em um primeiro momento apresentar-se-á os fundamentos teóricos da Problematização de Freire, para a seguir, a exemplo do que foi feito com a noção de “problema” no capítulo anterior, confrontá-la com a noção de “problema” da ABP na UNESC. 4.1 A centralidade da Problematização na pedagogia de Paulo Freire Paulo Freire, educador brasileiro, marcou a história da educação do Brasil e da América Latina, por meio de uma proposta de educação que buscava romper com a concepção elitista que favorecia apenas a classe dominante. A essa educação, Freire chamou de “popular”, pois sua proposta era voltada aos interesses e necessidades da classe popular. Freire acreditava que somente por meio dela, a escola poderia contribuir para a emancipação dessa classe, superando a sua condição de dominação. A sua intenção era construir um projeto educacional para as minorias excluídas da sociedade, que ficou conhecida no cenário educacional como “educação libertadora”. A educação para ser verdadeiramente humanista tem que ser libertadora e uma das suas preocupações básicas deve ser o aprofundamento de tomada de consciência que se opera nos homens enquanto agem, enquanto trabalham. Se a tomada de consciência, ultrapassando a mera apreensão da presença do fato, o coloca, de forma crítica, num sistema de relações, dentro da totalidade em que se deu, é que, superando-se a si mesma, aprofundando-se, se tornou conscientização. (FREIRE, [1969]1985, p.5253). Para concretizar esse projeto, Freire (1995) acreditava que uma educação promotora da libertação da classe popular só é possível por meio de uma pedagogia problematizadora, que desafie os educando a serem os sujeitos e não o objeto do processo educativo. Essa concepção está fundamentada na perspectiva de que o ser humano, diferente do animal, é um ser de “relações” e não de “contatos”. Se apenas estivesse no mundo (contato), não haveria transcendência nem se objetivaria a si mesmo. A “relação” com o mundo possibilita ao ser humano desenvolver a capacidade de refletir sobre seus atos. O ato de reflexão sobre a Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 82 realidade e sobre sua própria condição leva-o a desenvolver a consciência crítica que lhe permite transformar a realidade. O homem está no mundo e com o mundo. Se apenas estivesse no mundo não haveria transcendência e nem se objetivaria a si mesmo. Mas, como pode também objetivar-se, pode distinguir entre um eu e um não-eu. Isso o tornar capaz de relacionar-se; de sair de si; de projetar-se nos outros; de transcender. Pode distinguir órbitas existenciais distintas de si mesmo. (FREIRE, 1994, p.15). A partir deste ponto de vista, Freire (1994) concebe o ser humano como sujeito capaz de transformar a realidade, como produtor e produto da história, uma vez que, transformando o mundo, sofre os efeitos dessa transformação. Sendo a história um processo dialético, em Freire não há como pensar a educação fora do contexto da própria sociedade. É nesse sentido que Freire vai falar da educação como forma de libertação do homem, não pode ocorrer por meio de uma educação “bancária”, mas somente por uma educação Problematizadora. Na “educação bancária” o ato de educar consiste em depositar ou transmitir conhecimentos prontos e acabados, sendo esse processo um ato de doação dos que julgam saber aos que nada sabem (FREIRE, [1969]1983). Assim, os educando não são sujeitos, mas objetos do processo educativo. A educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante. Em lugar de comunicar-se, o educador faz comunicados e depósitos que os estudantes, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação. (FREIRE, [1969]1983, p.66). Freire ([1969]1983) alerta que, na educação “bancária”, o conhecimento é reduzido a mera transferência de conteúdos, por um professor que segue uma matriz curricular, um programa de ensino e um livro didático. O currículo nessa perspectiva se resume ao conteúdo programático predeterminado por aqueles que julgar deter o saber. Dessa forma, tanto o estudante quanto o professor são meros expectadores do processo pedagógico. A educação “bancária”, portanto, não desafia a consciência crítica, assim como o conhecimento produzido não tem a função de desvelar a realidade. De outro modo, a educação Problematizadora de acordo com Freire ([1968]1983) indica a “relação” do próprio ser humano com o mundo, que é “estar” Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 83 nele e “com” ele, como um ser do trabalho, da ação, com que transforma o mundo (FREIRE, [1968] 1983, p.83). É por esta razão que a mesma se sustenta na relação dialógica entre educador e educando, possibilitando a ambos aprenderem juntos, por meio de um processo emancipatório. A “bancária”, por óbvios motivos, insiste em manter ocultas certas razões que explicam a maneira como estão sendo os homens no mundo e, para isto, mistifica a realidade. A problematizadora, comprometida com a libertação, se empenha na desmistificação. Por isto, a primeira nega o diálogo, enquanto a segunda tem nele o selo do ato cognoscente, desvelador da realidade. (FREIRE, [1969]1983, p.83). Por conseguinte, na educação proposta por Freire ([1969]1983), a comunicação entre professor-aluno possui um caráter problematizador que gera a consciência crítica comprometendo-se com a transformação da realidade. Sobre isso, o autor também argumenta que [...] “a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica num constante ato de desvelamento da realidade. [...] busca a emersão das consciências, de que resulte sua inserção crítica na realidade”. (FREIRE, [1968]1983, p. 80). Nesse contexto, a função primordial da Problematização é possibilitar aos estudantes exercitar a prática de pensar criticamente, é interpretar os fatos. Mas qual o sentido da crítica nessa pedagogia? O próprio Freire responde: a crítica representa a “promoção da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica”. (1996, p.51). A crítica nesse ponto de vista implica, sobretudo, na autocrítica, no colocar-se à prova numa atitude de reflexão constante sobre o mundo e sobre seus próprios atos. Desse modo, no processo de desenvolvimento da consciência crítica dos educandos, o educador deve problematizar os conteúdos trabalhados, estimulandoos a curiosidade e a pergunta. A esse respeito, ressalta Freire, no diálogo com Faudez, no livro Pedagogia da Pergunta: Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 84 Volto a insistir na necessidade permanente de estimular a curiosidade, o ato de perguntar, em lugar de reprimi-la. As escolas ora recusam a pergunta, ora burocratizam o ato de perguntar. A questão não está simplesmente em introduzir no currículo o momento das perguntas, das nove as dez, por exemplo. Não é isso! A questão nossa não é a burocratização das perguntas, mas reconhecer a existência como um ato de perguntar. A existência humana é, por que se fez perguntando, à raiz da transformação do mundo. Há uma radicalidade na existência que é a radicalidade do ato de perguntar. Exatamente quando uma pessoa perde a capacidade de perguntar, se burocratiza. (FAUDEZ; FREIRE, 1985, p. 27) Para Freire, conforme citação acima, o ato de perguntar é uma necessidade ontológica do ser humano. Desconsiderar essa necessidade é negar sua essência, sua condição humana. O ato pedagógico que não valoriza a pergunta e, mais ainda, que não ensina os estudantes a interrogarem é inócuo. Nessa mesma linha de idéias, também na obra citada acima, Faudez reflete sobre o valor da pergunta no processo educativo: Acho, então, que é profundamente democrático começar a aprender a perguntar. No ensino esqueceram-se das perguntas, tanto o professor como o aluno esqueceram-nas, e no meu entender todo conhecimento começa pela pergunta. Começa pelo que você Paulo chama de curiosidade. Mas, toda curiosidade é uma pergunta! Tenho a impressão [...] que hoje, o ensino, o saber é resposta e não pergunta. (FAUDEZ; FREIRE, 1985, p.24). Ao que Freire reitera: [...] Então a pedagogia da resposta é uma pedagogia da adaptação e não da criatividade. Não estimula o risco da invenção e da reinvenção. Para mim, negar o risco é a melhor maneira que se tem de negar a própria existência humana. (FAUDEZ; FREIRE, 1985, p. 27). Freire (1985) também alerta que a “pergunta” não é simplesmente um ato mecânico, uma estratégia de ensino. Ela se constitui na razão de ser do conhecimento, está na sua origem, pois, todo conhecimento começa com uma pergunta. E mais, todo conhecimento é a resposta a uma pergunta. Assim, a pergunta é também conhecimento. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 85 Estou certo, porém, de que é preciso deixar claro mais uma vez que a nossa preocupação em torno da pergunta não pode apenas ficar ao nível da pergunta pela pergunta. O importante é ligar, sempre que possível, a pergunta e a resposta às ações que foram praticadas ou as ações que podem vir a ser praticadas ou refeitas. [...] Parece-me fundamental esclarecer que a tua defesa e a minha do ato de perguntar sobre um fato, tenha uma resposta e uma explicação do fato e não uma descrição pura das palavras ligadas ao fato. É preciso que o educando vá descobrindo a relação dinâmica, forte e viva entre a palavra e ação, entre palavra-açãoreflexão. Aproveitando então, exemplos concretos, da própria experiência dos alunos [...] estimulá-los a fazer perguntas em torno da própria prática e as respostas, então, envolveriam a ação que provocou a pergunta. Agir, falar, conhecer, estariam juntos. (FAUDEZ; FREIRE, 1985, p.26). Por isso, em Freire (1985) é possível compreender que a superação da escola tradicional não ocorre apenas por questões metodológicas, mas, sobretudo, pelas relações estabelecidas entre educador e educando e estes com o conhecimento. Relações essas estabelecidas no respeito mútuo e no reconhecimento do outro como sujeito portador de cultura e de conhecimentos. É nesse sentido que a pedagogia da Problematização leva o professor e o estudante a aventurarem-se, a lançarem perguntas sobre as próprias perguntas, a dialetizarem o processo de produção dos conceitos numa atitude eminentemente crítica e dialógica com a realidade. Nessa perspectiva, a educação Problematizadora integra educador e educando, numa relação em que ambos produzem conhecimentos e aprendem juntos. Essa pedagogia desestabiliza o papel exercido pelo professor na escola tradicional, uma vez que ressalta o seu papel de aprendiz. A esse respeito Faudez registra que: A única maneira de ensinar é aprendendo e essa afirmação valeria tanto para o professor, como para o aluno. Não concebo que um professor possa ensinar sem que ele mesmo esteja aprendendo; para que ele possa ensinar é preciso que ele tenha de aprender. (FAUDEZ; FREIRE, 1985, p.24). Com base na citação acima, Faudez, assim como Freire, compreende o professor como aprendiz. Mas, o que pode o professor aprender com os estudantes? Aprende seu contexto de vida, sua cultura, sua forma de compreender os conceitos e acima de tudo, aprende a “ser professor”. Também aprende a estabelecer outras relações com o objeto de estudo, muitas vezes não vistas por ele e que, só se tornam possíveis num processo de diálogo entre educador e educando. Afinal, o que pode mais ensinar o professor a ser professor do que a sua própria prática pedagógica, quando assume os desafios e os riscos inerentes a sua Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 86 profissão? É, pois, no contexto da sala de aula, no exercício da docência que o professor se constitui professor. Como diz o próprio Freire: Ninguém começa a ser professor, numa certa terça feira às 4 horas da tarde. Ninguém nasce professor ou marcado para ser professor. A gente se faz professor. A gente se forma como educador permanentemente na prática e na reflexão sobre a prática. (FREIRE, 1991, p.32). Partindo da compreensão de que o educador se constrói no processo de ensino-aprendizagem, no ato pedagógico o professor não pode simplesmente apresentar os conhecimentos do mundo ao estudante, mas construir dialogicamente esses conhecimentos. O diálogo é, então, a base da pedagogia freireana, uma vez que é por meio dele que os seres humanos refletem sobre a realidade como sujeitos cognoscentes e criativos. Nas palavras de Freire: Diálogo é uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade. Nutre-se de amor, de humildade, de esperança, de fé, de confiança. Por isso, somente o diálogo comunica. [...] quem dialoga com alguém sobre alguma coisa. Essa alguma coisa deveria ser o conteúdo programático da educação que defendíamos. (FREIRE; SHOR, 1986, p.6869). Vale destacar que, para Freire (1986) a dialogicidade deve existir inclusive na seleção do conteúdo a ser trabalhado com o educando. Freire propõe que o momento da escolha do conteúdo inaugura o processo de diálogo em que se produz a educação libertadora. Essa busca deve investigar o universo temático dos estudantes organizando-o em temas geradores. A relação dialógica, então, possibilita a tomada de consciência sobre tais temas. É conveniente lembrar, também, que o diálogo em Freire não pode ser considerado apenas como uma técnica que o professor se utiliza para estabelecer uma relação amigável com os estudantes. Agindo assim, estaria se utilizando do diálogo como “uma técnica para manipulação, ao invés de iluminação”. Ao contrário, em Freire o diálogo é entendido como: Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 87 [...] algo que faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos. É parte do nosso progresso histórico, do caminho para nos tornarmos seres humanos. Isto é, o diálogo é uma espécie de postura necessária na medida em que os seres humanos se transformam cada vez mais em seres comunicativos. O diálogo é o momento em que os seres humanos se encontram para refletir sobre a sua realidade, tal como a fazem e refazem. [...] Através do diálogo, refletindo juntos sobre o que sabemos e não sabemos, podemos, a seguir, atuar criticamente para transformar a realidade. (FREIRE; SHOR, 1986, p. 64-65). O ato pedagógico nessa concepção se faz, na medida que, tanto o professor quanto o estudante refletem juntos sobre o objeto de estudo. Ao invés de uma transferência mecânica do conhecimento por parte do professor, o diálogo requer a aproximação dinâmica de ambos na direção do objeto a ser conhecido. Além disso, em consultas a algumas de suas obras, verificou-se que Freire (1986) propôs um método de ensino voltado à educação de jovens e adultos não-alfabetizados. Entretanto, conforme palavras do próprio autor (1985), apesar de ter sido conhecido como autor de um método de alfabetização de jovens e adultos, sua pretensão político-pedagógica era bem mais ousada, uma vez que fazia a crítica à educação brasileira voltada às elites dominantes propondo uma educação voltada aos excluídos do poder. Educação esta que Freire chamou de libertadora, cuja pedagogia tinha como matriz epistemológica a “Problematização” dos conteúdos. Freire (1985) alerta ainda que, seu método de alfabetização não é um modelo, mas um conjunto de princípios que precisam ser recriados de acordo com a realidade concreta. Nesse sentido, na medida que a realidade é diversa, esses princípios devem ser lidos de maneiras diferentes. O método de Freire, então, é uma provocação aos educadores para que possam recriá-los de acordo com a sua realidade. Como diz o próprio Freire “a única maneira que alguém tem de aplicar no seu contexto algumas proposições que fiz, é exatamente refazer-me, quer dizer, é não seguir-me. Para seguir-me o fundamental é não seguir-me”. (FAUDEZ; FREIRE, 1985, p.21). Em face do exposto Freire (1985) sugere que o ato educativo tenha como ponto de partida o “estudo da realidade” do educando, e, por meio dela “organize os dados”, elencando os “temas geradores”. Esses temas, extraídos da realidade, devem ser “problematizados” por meio do diálogo entre os envolvidos. Assim, os conteúdos a serem ensinados não são pré-concebidos como no currículo tradicional, mas emergem do contexto histórico e cultural dos estudantes. Para ensinar, Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 88 portanto, é preciso conhecer o estudante e o seu contexto de vida. O relacionamento entre o educador e o educando é horizontal, com base no qual os mesmos se posicionam como sujeitos no ato de conhecer. Diante das idéias abordadas até aqui, nos estudos realizados em Freire, especialmente nas obras: Pedagogia do oprimido ([1969]1983), Educação como prática da liberdade ([1969]1983), Conscientização (1980), Pedagogia da autonomia (1996), Por uma pedagogia da pergunta (1985), Medo e ousadia (1986), é possível, mesmo correndo o risco de parecer reducionista, apontar alguns caminhos a serem perseguidos em uma proposta pedagógica que intente ser Problematizadora. Entre eles destacam-se: a) Tema “gerador” como eixo articulador do processo ensino-aprendizagem: os conteúdos de ensino não devem ser transmitidos de forma acabada, mas na forma de problemas extraídos da realidade, cujas relações devem ser construídas pelos estudantes. Após o estudo da realidade, é papel do professor sistematizar junto com os estudantes os “temas geradores” que merecem ser explorados. O “tema gerador” em Freire ([1968] 1983) constitui-se no “universo mínimo temático” sobre o qual, educador e educando buscam compreender a realidade. Porém, Freire alerta que sua constituição não é arbitrária, ou mesmo uma hipótese de trabalho que deva ser comprovada. Se o tema gerador fosse uma hipótese que devesse ser comprovada, a investigação primeiramente não seria em torno dele, mas de sua existência ou não. [...] o tema gerador como uma concretização, é algo a que chegamos através, não só da própria experiência existencial, mas também de uma reflexão crítica, sobre as relações homens-mundo e homenshomens, implícitas nas primeiras. (FREIRE, [1968]1983, p. 50). A partir dos temas geradores, educador e educando desvelam seus níveis de compreensão da realidade, determinam um mundo comum entre si, no qual ocorre um ato de conhecimento. Os temas geradores não estão nos seres humanos isolados, nem na realidade separada dos seres humanos, mas nas relações homem-mundo. Por essa razão, ao promover o estudo da realidade, sua compreensão e representação, o educador contribui para romper com o senso comum e com a visão ingênua da realidade. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 89 No entanto, a busca do universo temático não é uma tarefa mecânica, mas um processo de busca, de criação, o que exige do educador e do educando o questionamento constante na interpenetração dos problemas da realidade. b) A curiosidade como mola propulsora do conhecimento: o ser humano é um ser curioso, é talvez por isso que Freire considera a curiosidade como “[...] parte integrante do fenômeno vital” (FREIRE, 1996, p.35). Entretanto, as pessoas, a partir da sua vivência, aprendem a satisfazer ou não a sua curiosidade. É nesse sentido que o educador cumpre um papel fundamental, pois é de sua responsabilidade auxiliar a passagem da curiosidade ingênua do educando à curiosidade crítica. Essa passagem não acontece de forma espontânea. Para o educador, trata-se de uma tarefa imprescindível, em função de contribuir para que os educandos consigam se aproximar do objeto cognoscível com uma maior exatidão, exercendo a capacidade de aprender criticamente para pensar autenticamente. [...] uma das tarefas precípuas da prática educativo-progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil. Curiosidade com que podemos nos defender de “irracionalismos” decorrentes do ou produzidos por certo excesso de “racionalidade” de nosso tempo altamente tecnologizado. (FREIRE, 1996, p. 36). Assim, deve o educador auxiliar os educandos a criticizarem a sua curiosidade, haja vista ser esta essencial para que se avancem qualitativamente nos estudos e assumam postura crítica frente à realidade social. c) O valor da pergunta no trabalho pedagógico: a pergunta é condição inerente num processo pedagógico problematizador. De tal forma, cabe ao educador ensinar o educando a criticizar o problema e, também, a ensinar a aperfeiçoar a pergunta, uma vez que em Freire (1996) as perguntas são necessárias para a construção de um pensamento autêntico. A Problematização em Freire ([1969]1983) só acontece na medida que o educador e o educando aprendem a questionar e a desenvolver a consciência crítica, que, segundo o autor, tem como características o “anseio de profundidade na análise de problemas” (FREIRE, 1994, p. 40). Diverge, portanto, da consciência ingênua, motivo pelo qual esta: Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 90 Revela uma certa simplicidade, tende a um simplismo, na interpretação dos problemas, isto é, encara um desafio de maneira simplista ou com simplicidade. Não se aprofunda na casualidade do próprio fato. Suas conclusões são apressadas, superficiais. [... ] É frágil na discussão dos problemas. O ingênuo parte do princípio de que sabe tudo. Pretende ganhar a discussão com argumentos frágeis. É polêmico, mas não pretende esclarecer. Sua discussão é feita mais de emocionalidades que de criticidade [...]. (FREIRE, 1994, p. 40). Por conseguinte, o trabalho pedagógico na perspectiva freireana deve incentivar o estudante a perguntar em lugar de dar respostas. Deve ensinar o estudante a encontrar respostas criativamente, ou seja, participar do seu processo de conhecimento. [...] a origem do conhecimento está na pergunta, ou nas perguntas, ou no ato mesmo de perguntar... (FREIRE, 1985, p.26), o que revela a necessidade de formular perguntas muito mais do que, eventualmente, respondê-las. Assumir a educação como um ato de conhecimento é, portanto, a condição principal para uma prática pedagógica guiada pela pergunta, problematizadora e provocadora. d) Conhecimentos prévios dos estudantes como ponto de partida: ao trabalhar o conteúdo, o professor necessita conhecer as experiências prévias dos estudantes. Os conteúdos só terão significado, se estes puderem estabelecer relações com outros já apropriados anteriormente. O respeito aos saberes do estudante, então, é condição necessária sob o enfoque dessa pedagogia. O respeito implica, sobretudo, discutir a razão de seus saberes e a relação com o ensino dos conteúdos. É nesse sentido que Freire faz a seguinte reflexão: Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? Por que não estabelecer uma necessária “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e à experiência social que eles têm como indivíduos? (1996, p.33-34). Os conhecimentos iniciais dos educados são o ponto de partida do processo ensino-aprendizagem, por possibilitar ao educador compreender os processos de pensamento do educando, reconhecendo conceitos advindos Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 91 de sua cultura. Considerá-los como ponto de partida não implica, porém, que a prática pedagógica da escola deva sobrevalorizá-los. Pelo contrário, ao educador e educando cabe, por meio do estudo e da pesquisa intensa, reconhecer os conhecimentos mal-estabelecidos, identificando aqueles que fazem parte do senso-comum, para superá-los. Não se trata, portanto, de desvalorizar ou simplesmente negar os conhecimentos do senso-comum, mas identificá-los, com vistas a sua superação permanente, por ser esta a tarefa da escola. e) Educando como o sujeito do processo educativo: o educando só aprende quando se envolve profundamente com a situação. Ao pesquisar os problemas advindos da realidade, os mesmos interrogam “o porquê” daquela realidade. Aprendem, com a ajuda do educador, a pensar criticamente sobre os fatos e estabelecer relação teoria-prática. “A educação, portanto, implica uma busca realizada por um sujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém”. (FREIRE, 1994, p.14). Além disso, o estudante é compreendido nessa pedagogia como um sujeito histórico, e, como tal, inserido em uma realidade concreta, em que produz e é produzido por uma cultura. Em conseqüência disso, a cultura dos estudantes não deve apenas ser respeitada, mas reconhecida como parte inerente de uma pedagogia que intenta ser libertadora. f) Pesquisa como princípio pedagógico: a pesquisa e o ensino são dois processos imbricados. Ensina-se porque se busca o conhecimento, e buscase o conhecimento para poder intervir na realidade e educar. É por meio da pesquisa que se parte do senso-comum para a sua necessária superação mobilizando a consciência crítica dos professores e estudantes. Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres encontram-se um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo pesquisando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e conheço para comunicar, anunciar a novidade. (FREIRE, 1996, p. 14). Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 92 A pesquisa é, então, um princípio pedagógico por excelência. Tanto o educador quanto o educando são acima de tudo pesquisadores. g) O diálogo como base de sustentação da pedagogia Problematizadora: a pesquisa só pode ser considerada um princípio educativo se houver o diálogo. Assim, o diálogo se apresenta como elemento constitutivo e imprescindível em uma pedagogia Problematizadora. Entretanto, esse não pode ser reduzido a simples conversação, devendo ser compreendido como fenômeno humano, e que por isso constitui-se de ação e reflexão. É nesse sentido que, para Freire, o diálogo é: [...] uma exigência existencial . E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de idéias a serem consumidas pelos permutantes . (FREIRE, [1968]1983, p. 79). Freire ([1968]1983), ao falar da educação dialógica, diz que não há diálogo sem humildade, sem esperança, sem um profundo amor ao mundo e aos homens, sem a fé no seu poder de criar e recriar, e que não há diálogo verdadeiro sem um pensar verdadeiro. Por conseguinte, o diálogo é possível nas relações e interlocuções entre educador e educando e não em relações de dominação. h) Superação dos conhecimentos do senso-comum: ao trabalhar os conteúdos escolares, o professor deve desafiar o estudante a avançar nos seus conhecimentos. Para tanto, é necessário um trabalho de continuidade e superação em relação aos conhecimentos que o estudante traz. O professor tem como tarefa inicial identificar o que o estudante já sabe, levando-o a estabelecer relações com os conteúdos (continuidade), provocando novas necessidades e desafios, no sentido de ajudá-lo a superar seus conhecimentos anteriores, elaborando novas sínteses (superação). Nas palavras de Freire: Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 93 Não há para mim, na diferença e na “distância” entre a ingenuidade e a criticidade, entre o saber de pura experiência feito e os que resultam dos procedimentos metodicamente rigorosos, uma ruptura, mas uma superação. A superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se, tornando-se então, [...] curiosidade epistemológica, metodicamente, “rigorizando-se”, na sua aproximação ao objeto conota seus achados de maior exatidão. (FREIRE, 1996, p.34). Essas idéias são exploradas em diversas obras do próprio Freire (19831985-1996), ou de autores que compartilham de seus princípios. Como já dito anteriormente, grande parte desses trabalhos dedica-se a explorar o método utilizado por Freire e sua aplicação na alfabetização de jovens e adultos. Porém, é do entendimento desta pesquisadora que a pedagogia de Freire trata muito mais de uma Teoria do Conhecimento do que uma metodologia de ensino, ou um novo jeito de “ensinar” e “aprender”, seja ela voltada para educação de crianças, ou de jovens ou adultos. Por esses motivos, suas idéias são propagadas nas escolas, universidades e em outros espaços educativos. Em face do exposto é possível afirmar que a Problematização de Freire vai muito além das questões metodológicas do ensino. Freire propôs uma “pedagogia Problematizadora”. Seu projeto de educação buscou construir uma Teoria do Conhecimento baseada no respeito ao educando, no desenvolvimento da sua autonomia e na dialogicidade enquanto postura pedagógica. Além disso, Freire (1996) ressalta que uma pedagogia Problematizadora é, sobretudo, uma pedagogia da pergunta, uma pedagogia que incentiva a curiosidade do estudante, em lugar de reprimi-la. É uma pedagogia que se propõe a desvelar a realidade para transformá-la. Nesse sentido, apresenta uma concepção pedagógica bastante ousada, marcada pelo “sonho” de transformação da sociedade. Não é por acaso que as idéias de Freire exerceram forte influência nas práticas pedagógicas das escolas, orientando inclusive propostas curriculares das redes municipais e estaduais de educação, tanto nacional, quanto internacionalmente. No caso da ABP, Freire vem sendo apontado como um dos autores que a sustentam. Contudo, é possível perguntar em que medida a noção de “problema” da ABP se articula com a noção de Problematização de Paulo Freire. É com essa intenção que este texto busca agora confrontar as aproximações e distanciamentos entre as duas proposições, a partir dos eixos centrais da ABP, explorados no capítulo anterior: módulos temáticos, aprendizagem centrada no estudante, Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 94 aprendizagem compartilhada, avaliação do processo ensino-aprendizagem. 4.2 Problema e Problematização: aproximações e distanciamentos. As análises e discussões feitas até aqui sobre a ABP e a Problematização levam-nos a indagar se essas duas formulações não seguem caminhos diferentes na medida que apresentam núcleos teóricos distintos. Para responder a questão, buscar-se-á confrontar a “noção de problema” da ABP, a partir das categorias centrais retiradas da Proposta da UNESC, problematizando o discurso freireno mobilizado pela mesma e o discurso do próprio Freire em sua teoria. Nesse contexto, um aspecto que merece ser destacado refere-se à forma de estruturação curricular que exige as duas proposições. A esse respeito cabe ressaltar que a ABP na UNESC é uma proposta de reestruturação curricular organizada por módulos temáticos, a qual se orienta pela concepção de “currículo integrado”, utilizando atividades interdisciplinares no trabalho com os conteúdos curriculares. Os módulos são constituídos de “problemas” de estudo, que representam situações vivenciadas pelo médico no exercício de sua profissão. O “problema”, após ser discutido no grupo tutorial, deve promover o levantamento de hipóteses para explicá-lo. A partir daí, estabelecem-se os objetivos, realizam-se pesquisas e estudos com vistas a sua resolução. Por esse motivo, a noção de “problema” que perpassa os módulos temáticos na ABP se aproxima de uma metodologia de ensino que tem a intenção de provocar o interesse do estudante tornando a aprendizagem significativa. A Problematização é uma concepção de ensino-aprendizagem que orienta a prática pedagógica dos professores. Aos que desejam segui-la devem conhecer as obras de Freire e os princípios que fundamentam a sua teoria. Portanto, a Problematização não exige uma matriz curricular diferenciada, uma vez que a sua implementação pode ser uma opção individual do professor, de um grupo de professores ou de toda instituição que almeja a construção de uma proposta a partir dos princípios freireanos. Já a ABP só pode ser implementada como uma proposta curricular, haja vista que sua estruturação afeta a todos os envolvidos no curso e a própria instituição que o adotou. Ademais, a opção pela ABP implica na Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 95 construção de uma proposta que exige uma reorganização curricular total e complexa, incluindo o corpo docente, administrativo e a estrutura física da instituição. Para sua implementação, faz-se necessário a constituição de diversas comissões de trabalho (mencionadas no capítulo II), cujas atividades devem ser desenvolvidas pelo coletivo de seus professores. As comissões devem trabalhar de forma integrada para que se possa garantir a unidade da Proposta. De outro modo, a Problematização não implica grandes mudanças estruturais, mas a conscientização e formação continuada de todos os envolvidos. Somado ao exposto no parágrafo anterior, é importante trazer para esse debate a noção de “problema” que perpassa as duas proposições. Na ABP da UNESC, os “problemas” são constituintes dos módulos temáticos e orientam todo processo ensino-aprendizagem. Os mesmo são elaborados pela Comissão de Currículo a partir dos conteúdos que os estudantes precisam se apropriar para cumprir o currículo, sob pena de, se não apropriados, não serem considerados aptos a exercerem a profissão. E por esse motivo, como a própria Proposta indica, sua elaboração exige muitos cuidados para ser o mais claro possível, para que o problema seja tratado como: - simples e objetivo, evitar pistas falsas que desviem a atenção do grupo em relação ao tema principal; - motivador, despertar o interesse do aluno para sua discussão. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p. 14). Para resolver o “problema” na ABP da UNESC, o estudante faz uso de pesquisa bibliográfica ou consultas à especialistas, utilizando-se dos conhecimentos já elaborados sobre o assunto, visando a encontrar as repostas à solução do mesmo. Na Problematização, o estudante é desafiado a construir conhecimentos novos, por meio do estudo, da pesquisa sistemática e da reflexão constante sobre os conteúdos trabalhados. A ABP na UNESC apresenta uma seqüência de “problemas” a serem estudados. Ao término de um, inicia-se outro. O conhecimento adquirido em cada “problema” é avaliado ao final de cada módulo, tendo como bases os objetivos estabelecidos nas sessões tutoriais e no manual do tutor. Devido à responsabilidade de garantir os conhecimentos exigidos pelo currículo, na ABP os objetivos cognitivos são previamente estabelecidos e os construídos pelos estudantes deverão coincidir Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 96 com os dos especialistas da Comissão de Currículo, descritos no manual do tutor. A concepção de “problema” até aqui exposta revela uma aproximação com a idéia de resolução de “quebra-cabeças20” de Thomas Khun (2003), uma vez que seu objetivo principal é a “busca de solução”. Com a intenção de compreender melhor o significado que o autor atribui a “quebra-cabeça”, recorre-se a seguinte citação: “Para ser classificado como um quebra-cabeça não basta a um problema possuir uma solução assegurada. O problema deve obedecer as regras que limitam tanto a natureza das soluções aceitáveis como os passos necessários para obtê-la”. (KHUN, 2003, p. 67). É no sentido esboçado na citação de Khun (2003) que se registra também outra citação constante da Proposta quando destaca o papel do professor no processo de resolução do problema pelo estudante: (...) Ao invés de dar uma tarefa aos alunos e medir o quão bem eles fazem ou o quanto erram, dá-se uma tarefa, estimula-se a busca de solução e observa-se o quanto de ajuda eles precisam, e de que tipo, para completar a tarefa de forma bem sucedida. (UNESC, 2001, p.9). A idéia apresentada acima sugere que a “crítica” não está na base da sustentação do “problema”. Embora as respostas dos estudantes aos “problemas” possam indicar “soluções novas”, estas não desestabilizam seus pressupostos fundamentais. De outro modo, na Problematização, os “problemas” são extraídos da realidade, do contexto de vida dos estudantes, ou a partir de conteúdos significativos. Como diz o próprio Freire: Em torno de situações reais, concretas, existenciais, ou em torno dos conteúdos intelectuais, referidos também ao concreto, demanda a compreensão dos signos significantes dos significados, por parte dos sujeitos interlocutores problematizados. (FREIRE; SHOR, 1986, p.82). Por serem selecionados na realidade, os mesmos propiciam uma visão interdisciplinar dos conteúdos trabalhados. É nesse sentido que, na Problematização, o estudante é desafiado a construir conhecimentos novos, por meio do estudo, da pesquisa sistemática e da reflexão constante sobre os conteúdos 20 O termo quebra-cabeça é utilizado neste trabalho no sentido kuhniano. Khun entende a ciência normal como uma atividade de resolução de “quebra-cabeças” (puzzles), já que, como eles, ela se desenvolve segundo regras relativamente bem definidas. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 97 trabalhados. Outro aspecto que merece ser confrontado é a aprendizagem centrada no estudante. O curso de Medicina da UNESC registra que sua Proposta pedagógica é centrada no estudante, por ser este o “sujeito do processo ensino aprendizagem”. Nesse sentido sua aprendizagem deve ser “auto-dirigida”, num processo em que o estudante é mobilizado a “aprender a aprender”. Desse modo, cabe também a ele (o estudante) avaliar o seu grupo tutorial, o seu tutor e o seu próprio desempenho no processo ensino-aprendizagem. No entanto, ele somente não participa da elaboração do problema, uma vez que esse é elaborado pela Comissão de Currículo. Por este motivo, a noção de problema que perpassa a categoria “aprendizagem centrada no estudante” remete ao entendimento do “problema” como um mobilizador do princípio de “aprender a aprender”, ou seja, no desenvolvimento das competências necessárias para que o estudante desenvolva a capacidade e a iniciativa de buscar por si mesmo novos conhecimentos, a autonomia intelectual, tão necessários ao mundo do trabalho e ao exercício profissional. Na Problematização de Freire ([1968]1983) tanto o professor quanto o estudante são considerados sujeitos do processo educativo. Isso implica dizer que o processo educativo é realizado com o educando e não sobre ele. Desse modo, professor e estudantes não são passivos, ou seja, meros transmissores e receptores de conteúdos, mas assumem posição ativa em suas aprendizagens. Essa posição ativa, no entanto, não se reduz às atividades pedagógicas desenvolvidas em sala de aula, mas, sobretudo, a sua inserção crítica na sociedade, uma vez que a pedagogia freireana tem como propósito fundamental a transformação da realidade. Nas palavras de Freire: “Educador e educando, educando e educador no processo educativo libertador, são ambos sujeitos cognoscentes diante de objetos cognoscíveis, que os mediatizam”. (FREIRE, [1969]1985, p. 53). A esse respeito é importante também problematizar o papel do professor nas duas propostas. Na ABP da UNESC, segundo o trecho retirado da sua Proposta, o “tutor assume o papel de mediador e organizador de informações e idéias. Hábil negociador e mestre em relação interpessoal. É pró-ativo e reativo durante o treinamento. Sensível e apto a mudanças de rumo quando necessário”. (UNESC: PROJETO DE REENGENHARIA, 2000, p. 9). Já no Projeto político- Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 98 pedagógico, o tutor deve ser “mediador do processo de aprendizagem, ser humilde [...] respeitar as diferenças, ter conhecimento da metodologia utilizada para atingir os objetivos da aprendizagem [...]” (UNESC: PROJETO POLITICO PEDAGÓGICO DO CURSO, 2005, p.10). Como é possível perceber, o papel do tutor se assemelha ao de um motivador e supervisor, que intervém quando necessário nos conhecimentos dos estudantes, propondo novos caminhos, caso os mesmos estejam se distanciando dos objetivos propostos. Vale destacar também que, embora em muitos momentos a Proposta preconize o papel não-diretivo do tutor, em trechos como esses aparecem diretivismos, em função de os “problemas”, bem como os objetivos de aprendizagem, estarem predefinidos no manual do tutor. Além disso, como o primeiro trecho demonstra, o processo pedagógico é considerado um treinamento do estudante para o exercício de sua profissão. Na Problematização, o professor tem o papel de ajudar o estudante a desvelar a realidade, contribuindo para a superação do senso-comum. A função do professor, então, é a de “problematizar aos educandos os conteúdos que os mediatiza e não a de dissertar sobre ele, de dá-lo, de estendê-lo, de entregá-lo,como se tratasse de algo já feito, elaborado, acabado, terminado”. (FREIRE, SHOR, 1986, p.81). De todo modo, Freire (1986) aos educandos faz um alerta ao professor, para que o mesmo tenha claro o seu papel, para não cair no expontaneísmo, deixando o processo pedagógico nas mãos do estudante. Nas suas palavras: Não posso ser espontaneísta, isto é, não posso deixar os estudantes entregues a si mesmos, por estar tentando ser um educador libertador. Laissez-Faire! Não posso cair no laissez-faire. Por um lado não posso ser autoritário. Por outro lado não posso cair no laissez-faire. Tenho que ser radicalmente democrático, responsável e diretivo. Não diretivo dos estudantes, mas diretivo do processo, no qual os estudantes estão comigo. Enquanto dirigente do processo, o professor libertador não está fazendo alguma coisa ao estudante, mas com o estudante. (FREIRE, SHOR, 1986, p.34). Freire, portanto, reafirma o papel diretivo do professor no processo pedagógico e aponta também para a sua responsabilidade de ser democrático, e, acima de tudo, responsável. Outro aspecto que merece análise pela sua relevância é a aprendizagem compartilhada. Na ABP da UNESC, a aprendizagem compartilhada acontece nos grupos tutoriais por meio das relações pedagógicas estabelecidas entre o tutor e os Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 99 estudantes e nas relações interpares (estudante-estudante), de modo que a noção de “problema”, na “aprendizagem compartilhada”, constitui-se em um desencadeador de conflitos no estudante, servindo como alavanca para a interação entre este e o tutor. Nesse processo, o diálogo se apresenta como um instrumento de troca de idéias, possibilitador da construção de conhecimento de forma interativa e coparticipativa em que o professor é o facilitador. Na Problematização de Freire (1985) o diálogo é a base de sustentação, pois sem ele não há processo ensino-aprendizagem. O diálogo nasce da crítica, nutre-se dela e gera criticidade. É uma relação de humildade, de amor e de confiança, em que tanto o educando quanto o educador aprendem e constrói o conhecimento; por isso, em Freire, o diálogo se constitui numa relação horizontal, de troca, de partilha que permeia todo processo educativo, inclusive na seleção dos conteúdos que são trabalhados. Ademais, o diálogo funciona como um potencializador da elaboração de conflitos e permite, no trabalho coletivo, aprender a conviver com os limites e as diferenças. Por ser o diálogo a base do processo ensino-aprendizagem, não há como pensar a Problematização sem reconhecer o valor da pergunta nessa pedagogia. Na Problematização, a pergunta é necessária, desejada e reconhecida uma vez que em Freire (1996) a origem do conhecimento está na pergunta e não na resposta. O ato educativo deve incentivar a pergunta, pois todo conhecimento só se torna possível quando o educador e o educando se permitem perguntar, questionar os conhecimentos legitimados como verdadeiros, duvidar das suas certezas, numa atitude crítica constante. Vale destacar que na Problematização de Freire (1996), não se trata apenas de uma pedagogia de respostas a perguntas, por mais elaboradas que elas sejam. É preciso questionar a pergunta, deformar os conceitos, dialetizar os resultados. Na mesma linha de idéias de Freire, Silva argumenta que: Não se trata de o professor repetir exaustivamente a mesma pergunta, mas de perguntar, antes de mais nada, se a pergunta está bem formulada, se pergunta sugestionou novos problemas para os alunos, se a multiplicidade de perguntas, construídas naquele espaço, convergem ou não na proliferação dos problemas e das cadeias de conceitualizações, as quais possam configurar respostas possíveis a problemas igualmente bem configurados, ou seja, a problemas científicos. (SILVA, 1999, p. 137). Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 100 As idéias apresentadas acima permitem dizer que uma pedagogia problematizadora preocupa-se muito mais com o processo de apropriação dos conceitos, na sua dialetização com a realidade do que com as respostas finais da investigação. Na ABP da UNESC, a preocupação sugere estar centrada mais nas respostas do que nas perguntas, uma vez que todo processo de apropriação e racionalização dos conceitos não é evidenciado. Dito de outro modo, os “problemas” na ABP são abordados para que os estudantes encontrem, por meio de estudos e pesquisas, a sua solução. Se esta coincidir com os objetivos estabelecidos no manual do tutor, as pesquisas estão encerradas. A pergunta “problema” não é questionada. Caso os estudantes não cheguem aos resultados preestabelecidos, questiona-se a forma de elaboração do problema, sendo reformulado, caso necessário, em outras oportunidades pelos tutores para que não haja incidência das respostas erradas. Por conseguinte, as bases do “problema” não são questionadas. A crítica não está na base da ABP da UNESC. Essa questão pode ser melhor compreendida a partir do conceito de “criticidade” registrado no Projeto políticopedagógico: Criticidade: é a capacidade de questionar com objetividade e organização a metodologia, a dinâmica do curso e dos demais aspectos que abrangem a graduação em Medicina, visando ao aprimoramento do ensino. É a reflexão crítica sobre a própria prática baseada nos conhecimentos históricos e contemporâneos, podendo ser realizada com a prática existente em nossa sociedade. (UNESC: PROJETO POLITICO PEDAGÓGICO DO CURSO, 2005, p.11). Em face do exposto, é possível inferir que, embora a Proposta contida tanto no Projeto de Reengenharia (2000), quanto no Projeto político-pedagógico (2005), faça-se menção ao desenvolvimento do espírito crítico do estudante, o sentido dessa crítica não propõe rupturas com os conhecimentos já estabelecidos. Como contraponto, na Problematização de Freire (1996), a crítica alavanca todo o processo pedagógico. Ela está na base, na raiz dos problemas, tendo em vista a superação da visão ingênua da realidade por uma visão epistemológica. Outro aspecto a ser analisado é o papel da avaliação no processo ensinoaprendizagem. Na ABP da UNESC, conforme explicitado na Res. (11/2006CONSU), a avaliação é “formativa”, já que ocorre durante todo o processo, por meio Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 101 dos seguintes instrumentos: autoavaliação, avaliação interpares, avaliação do estudante pelo tutor, avaliação do tutor pelos estudantes e avaliação do “problema” de estudo. É também “somativa”, porque ocorre no final do módulo, por meio de uma prova denominada de “prova cognitiva”, por meio da qual são avaliados os conteúdos apropriados nos módulos e também pelas aulas práticas que ocorrem durante ou no final das disciplinas. Por conseguinte, os conteúdos apropriados ou não nas sessões tutoriais são avaliados, sobretudo no final do módulo em uma prova e nas atividades práticas. Essa afirmação sugere que o processo avaliativo está descolado do processo ensino-aprendizagem, uma vez que a Proposta considera como formativa apenas as avaliações que não têm como propósito a verificação dos conteúdos, pois estes somente são avaliados no final do módulo. Nesse sentido é possível dizer que a noção de “problema” que perpassa a “avaliação da aprendizagem” atribui mais valor às respostas e aos acertos do que aos erros e ao processo de investigação. De outro modo, na Problematização de Freire (1996), não há um controle total dos resultados em termos de conhecimento, já que o processo pedagógico não está previamente estabelecido, construindo-se na própria caminhada do grupo. Isso não quer dizer que na Problematização de Freire não haja rigorosidade na apropriação dos conteúdos. Muito ao contrário, Freire ressalta que se o professor não for capaz de demonstrar por meio de sua própria prática que seu trabalho é sério, exigente e rigoroso, falha em seu propósito e conseqüentemente, não atinge o objetivo de uma proposta problematizadora. Isso acontece porque problematizar não implica facilitar a aprendizagem, tendo em vista que “o conhecimento requer disciplina. É uma coisa que exige muito de nós, que nos faz sentir cansados, apesar de felizes. E não é apenas uma coisa que apenas acontece. O conhecimento, repito, não é um fim de semana numa praia tropical”. (FREIRE, SHOR, 1986, p.54). Deste modo, é possível inferir que a apropriação dos conceitos não é tarefa fácil, pois os conceitos científicos não se apresentam de imediato ao sujeito. Em relação a esse aspecto é possível identificar indícios de facilitação do ensino na Proposta, uma vez que a crítica não está na sua base de sustentação, ou seja, não sugere a superação com os conhecimentos legitimados como verdadeiros. Para Freire (1986) o papel da escola não é o de “facilitar” a ida ao encontro do conhecimento já estabelecido, mas o de colocar a verdade em risco, Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 102 dialetizar o processo de construção do conhecimento, “iluminando” a realidade. A partir de Freire é possível dizer que a escola não deve considerar as dificuldades na apropriação dos conceitos científicos como um problema, mas uma característica do conhecimento que só pode ser enfrentada se considerada em todos os seus aspectos. A postura da escola deve ser a de incentivar os educandos a estudar, a encarar a dificuldade como um desafio permanente. Pelas análises realizadas é possível dizer que a noção de Problematização de Freire e aquela presentifica na Proposta possuem nuanças teóricas distintas; por isso, apontam também para caminhos pedagógicos diferentes. Enquanto a ABP é uma proposta curricular, a Problematização de Freire se constitui em uma concepção de ensino e aprendizagem e vai além de uma organização curricular, pelo fato de exigir a mudança de postura dos professores e da instituição que deseja segui-la. Trata-se de uma nova forma de conceber o conhecimento e todos os elementos envolvidos nesse processo. A Problematização de Freire, portanto, vai muito além das questões metodológicas, sua Teoria do Conhecimento aponta para a construção de uma nova pedagogia e a constante recriação da práxis transformadora. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 103 CONCLUSÃO As reflexões apresentadas neste estudo buscaram compreender melhor a noção de “problema” na Proposta do curso de Medicina da UNESC, identificando suas aproximações e distanciamentos com a concepção de Problematização de Paulo Freire. Vale destacar que este trabalho se constitui em uma pesquisa teórica, utilizando-se da análise de documental como técnica de estudo, sem consulta aos sujeitos envolvidos (professores, estudantes, coordenação do curso, egressos, etc...). Dito isso, é sabido que essa não é única análise possível, e, que, a pesquisa em outras fontes, incluindo esses sujeitos, poderá acrescentar elementos para enriquecer ou mesmo conflitar as sínteses produzidas. No entanto, a análise feita procura dar conta do seu objetivo que é interrogar a noção de problema preconizada nos documentos da Proposta. Da análise produzida neste documento é possível destacar alguns elementos que identificam a ABP como uma proposta curricular inovadora na área da Saúde, por ficar evidenciado a busca no sentido de romper com os modelos tradicionais de currículo, comprometendo-se com a formação de profissionais com competência técnica e humana, para melhorar as condições da saúde regional, especialmente a pública, e atender as necessidades da população. Ademais, enquanto em um currículo tradicional de uma escola de Medicina o ensino médico ocorre basicamente pelas disciplinas curriculares, atividades práticas de laboratório e estágios, na ABP da UNESC, o contato com as questões profissionais ocorre desde o início do curso, devendo o estudante ser um gestor de sua aprendizagem, e, por meio de estudos e pesquisa, encontrar as soluções para os problemas estudados. Para atender a esses objetivos, a Proposta está fundamentada na construção do conhecimento com ênfase na Problematização dos conteúdos, questão essa que impulsionou a realização deste trabalho de pesquisa. Deste modo, o “problema” sob o viés da ABP se constitui no eixo condutor do processo ensino-aprendizagem e é considerado um estímulo à “construção do conhecimento” pelos estudantes, após ser apresentado nas sessões tutoriais, cuja tarefa dos estudantes é pesquisar e encontrar respostas à sua resolução. Desse Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 104 modo, são encorajados durante todo o processo ao estudo árduo e à pesquisa sistemática, pois os conteúdos não são transmitidos pelo tutor, mas construídos por eles (os estudantes). Além disso, para resolver os problemas propostos, os estudantes necessitam acionar os conceitos de diferentes áreas, não importando a fase do curso em que eles se encontram. Por conseguinte, o nível de complexidade dos conteúdos é definido pelo próprio “problema” e não por uma organização disciplinar rígida, típica dos currículos tradicionais. Sustentando-se nessas idéias, a Proposta se fundamenta em um modelo de currículo integrado, encorajando a pesquisa e o estudo de diferentes campos do saber. Outro elemento de diferenciação da Proposta é a concepção de avaliação assumida pelo curso, na qual se destaca que o processo avaliativo além de ser “formativo também é “somativo”, já que acompanha o desempenho dos estudantes nas sessões tutoriais que compõem os módulos temáticos; e, no final do processo, por meio de outro instrumento denominado “prova cognitiva”. Algumas análises indicam também que a referida Proposta oferece possibilidades efetivas à produção do conhecimento. Entre estas, destacam-se a utilização de uma metodologia inovadora, a organização curricular por módulos temáticos, e neles as sessões tutoriais, nas quais se reúnem pequenos grupos de estudantes sob a coordenação de um tutor. Por ser constituído de poucos membros, o grupo tutorial favorece a troca de idéias, a aprendizagem compartilhada e possibilita ao tutor compreender melhor o processo de construção e racionalização dos conceitos dos estudantes, fazendo as mediações necessárias. A análise da Proposta permite identificar ainda, nos seus fundamentos, um ecletismo teórico, caracterizado por uma pluralidade de concepções teóricas presentes nos seus textos, contidos tanto no Projeto de Reengenharia (2000) quanto no Projeto político-pedagógico (2005). O ecletismo, então, é evidenciado pela utilização de conceitos advindos de matrizes epistemológicas diversas, como, por exemplo, quando se constata que o papel do tutor é “garantir que os conhecimentos sejam absorvidos pelos estudantes” (UNESC, PROJETO DE REENGENHARIA, 2000) e “ser mediador do processo ensino-aprendizagem” (UNESC: PROJETO POLITICO PEDAGOGICO DO CURSO, 2005). Esta indisciplina teórica é caracterizada em todo documento. A indisciplina aqui referida encontra sustentação em Triviños (1987, p. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 105 15), cuja definição é identificada como “ausência de coerência entre os suportes teóricos que, presumivelmente, orientam a prática social que realizamos”. Esses aspectos ficam em evidência quando, ao tratar do mesmo objeto, as direções tomadas são antagônicas, caracterizando-se por um ecletismo intelectual. O ecletismo caracterizado na ABP do curso de Medicina da UNESC pressupõe uma conciliação entre as várias abordagens, uma justaposição de várias concepções distintas. A indisciplina é identificada também por Canclini (apud DUSSEL, 2005), como “hibridismo” que se traduz pela presença de fundamentos teóricos distintos, fazendo com que a Proposta não assuma uma identidade própria. A esse respeito, percebe-se na ABP da UNESC, que boa parte dos princípios são inspirados direta ou indiretamente na teoria de Jean Piaget e de Paulo Freire. A inspiração teórica que se identifica na Proposta decorre de que, com base em Piaget, identificam-se: aprendizagem centrada no estudante; o estudante como sujeito ativo; o foco na construção do conhecimento e não a sua transmissão; a interação entre o sujeito e o conhecimento. Já em Freire, constatam-se a problematização dos conteúdos, a necessidade de a escola desenvolver o espírito crítico do estudante a partir de sua inserção na realidade social. Contudo, ao lançar suas opções teóricas a Proposta, não fundamenta esses conceitos, fazendo uma aproximação rápida e superficial com esses autores. Além disso, no texto da Proposta se identificam a presença de conceitos distintos, mesclando ora a construção do conhecimento, pressuposto de teorias progressistas, ora a retenção e absorção do mesmo (educação bancária), e a aquisição de habilidades, pressuposto comportamentalista e tecnicista. Em face das questões apresentadas e discutidas neste trabalho, ficou evidenciado, durante a análise com certa produtividade, que a Proposta do curso apresenta preocupação acentuada com a resolução do “problema” pelo estudante, do que de fato com a sua problematização. As perguntas lançadas, o processo de racionalização dos conceitos não são evidenciados. Na verdade, o que se espera é que o estudante resolva o problema proposto pelo manual, atingindo os objetivos previamente formulados pelos especialistas, ou, em outras palavras, é fato incontestável que os professores já sabem aonde os estudantes devem chegar. Assim, não só o ponto de partida, mas também o de chegada já estão previamente estabelecidos; razão pela qual a metodologia utilizada na Proposta se assemelha à Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 106 resolução de um “quebra-cabeça”, haja vista que um quebra-cabeça possui uma solução assegurada e deve obedecer as regras que permitem soluções aceitáveis e os passos necessários para obtê-las. A pergunta “problema” não é questionada. Caso os estudantes não cheguem aos resultados preestabelecidos, questiona-se a forma de elaboração do problema, sendo reformulado, quando necessário, em outras oportunidades pelos tutores. Ratifica-se, então, que as bases do “problema”, portanto, não são questionadas. A partir desse entendimento, o problema na ABP da UNESC encontra-se em uma zona de conforto, atestando que seus objetivos já estão previamente estabelecidos e suas respostas asseguradas nos referenciais pesquisados e nos manuais do tutor e do estudante. A “crítica” não está na base da sustentação do problema, ou seja, não se problematiza a pergunta, pois, quanto melhores forem as respostas dadas pelos estudantes aos problemas propostos, maiores são os indícios de que o problema está bem elaborado, reforçando os pressupostos teóricos que o orientou. Em conseqüência do exposto, comprova-se a afirmação de que se aproxima da idéia de “quebra-cabeças”, em função de o objetivo principal ser a “busca de solução. São, assim, quebra-cabeças já resolvidos, e a tarefa do estudante é localizar os caminhos e as respostas já produzidas nas literaturas para aquele “problema”. Pesquisar na ABP da UNESC, portanto, implica localizar e descobrir soluções (mesmo que sejam “soluções novas”), ainda assim, fica em evidência o foco na solução, e não no tencionamento que as demandam. Isso quer dizer que as soluções novas não desestabilizam, mas reforçam as base do problema que as gerou. Essa noção de “problema” da ABP da UNESC é compreensível na medida em que a universidade tem como compromisso a formação de profissionais competentes para atender as necessidades e demandas do mundo do trabalho. Porém, não há como negar também a importância da formação científica para o exercício da profissão. A profissão médica, no mundo contemporâneo, necessita de profissionais com mentalidade científica, que, por meio da formação continuada e da prática reflexiva, sejam capazes de superar concepções médicas hegemônicas, buscando respostas para os atuais problemas da saúde e, por ventura, àqueles que vierem a se fazer presentes. Em relação à pedagogia Problematizadora de Freire, que também foi foco Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 107 desta análise, diferentemente da ABP, atestam-se que as “situações-problema” são extraídas da realidade pelos estudantes cuja mediação cabe ao professor. Trata-se, antes de tudo, de um desafio, de um obstáculo, que tem origem na realidade social e na inquietação do indivíduo na relação com o mundo e consigo próprio. O “problema” em Freire (1986) nasce da relação entre os homens, nasce da práxis humana. Não é algo que aparece espontaneamente, mas fruto de um contexto social. Requer um trabalho árduo de estudo e pesquisa na realidade concreta. Seu objetivo não se concentra na busca de respostas convencionais, com o claro propósito de ajudar os estudantes a desvelarem a realidade numa atitude crítica. É a necessidade de solução de conflitos que impulsiona a sua resolução. Nessa perspectiva, diante de um “problema”, a própria pergunta precisa ser interrogada, assim como seus resultados. A apropriação dos conhecimentos científicos está mais bem assegurada quanto mais problematizada for a pergunta e o processo de construção dos conceitos. Assim, embora todo problema tende a uma solução, esta não pode ser considerada definitiva. As soluções do problema podem originar novos problemas, principalmente quando o problema original for fecundo. Desse modo, é possível dizer que na Problematização não existe um ponto de chegada, sua natureza constitutiva é a investigação. Em síntese, é possível dizer que, apesar de a Proposta ABP do curso de Medicina da UNESC apontar seus fundamentos em Freire, a concepção de “problema” da pedagogia freireana proporciona caminhos diferentes, alternativos. Essa afirmação se sustenta na medida que as duas formulações apresentam objetivos distintos. A ABP da UNESC se propõe a preparar cognitivamente os estudantes para resolver problemas relativos ao ensino da profissão. Os estudantes começam o estudo assumindo que o paciente da situação tem um problema e que sua tarefa é encontrar a causa do mesmo procurando enfrentá-lo por diferentes caminhos de estudo. A intenção do “problema”, assim como o papel do tutor, visa a incentivar os estudantes à pesquisa, evitando seu uso como um mero exercício de ensino. A Problematização se propõe a interrogar as situações concretas, ajudando os estudantes, a partir do confronto posto, a “refazer essa confrontação” (FREIRE, 1977, p.82). Por esse motivo, a Problematização parte da ação e retorna a ela de forma crítica, cujo objetivo é a superação da consciência ingênua ou senso comum sobre a realidade. É possível dizer, então, que uma prática pedagógica, que intente Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 108 ser problematizadora, necessita realizar uma reflexão profunda sobre os conteúdos estudados, conteúdos estes extraídos das relações do ser humano com a realidade, como um ser do trabalho, da ação, que transforma o mundo e por ele é transformado. Sob esse mesmo ponto de vista, Berbel acrescenta que a Problematização de Freire tem como objetivo fundamental A mobilização do potencial social, político e ético dos alunos, que estudam cientificamente para agir politicamente como cidadãos e profissionais em formação, como agentes sociais que participam da construção da história de seu tempo, mesmo que em pequena dimensão. (BERBEL, 1999, p.145). A concepção de Freire, portanto, se compromete em desvendar a realidade para transformá-la. Apresenta claramente uma explicitação de sua intencionalidade política no ato de educar, consubstanciando-se em uma concepção libertadora de educação, entendendo-a como ato de conhecimento, ato criador e eminentemente político. Por conseguinte, a pedagogia de Freire apresenta compromisso político acentuado com a formação do cidadão responsável e ético. Isso quer dizer que, em Freire, “Além de um ato de conhecimento, a educação é também um ato político. É por isso que não há pedagogia neutra. (FREIRE, SHOR, 1986, p.17). Ressalta-se, ainda, que a educação é, fundamentalmente, uma situação na qual tanto o professor quanto o estudante devem ser sujeitos críticos do ato de conhecer. Uma pedagogia Problematizadora, então, não depende apenas da inovação de métodos e técnicas. Se fosse apenas uma questão de métodos, bastaria mudar algumas metodologias tradicionais, substituindo-as por outras mais modernas. “A questão é o estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento e com a sociedade”. (FREIRE, SHOR, 1986, p.28). Com base no modo como se constrói o conhecimento freireano, a pedagogia que se pretende compromete-se com a crítica permanente da realidade, não se contenta com os discursos aceitos como vencedores. Trata-se, portanto, de uma pedagogia que valoriza a incerteza e as atitudes capazes de desvelar a realidade, colocando em risco os conhecimentos legitimados como verdadeiros. Ademais, as idéias de Freire exigem novas posturas do professor sobre o modo de produção do conhecimento e o seu papel no mundo contemporâneo. A Problematização, portanto, constitui-se em uma possibilidade para as instituições Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 109 educativas, sejam elas do ensino básico, médio ou superior, para a democratização da escola e a solução dos problemas pedagógicos. Ao finalizar este trabalho é fundamental reiterar alguns pontos colocados ao longo da discussão. Primeiramente é preciso reafirmar que a ABP se constitui em uma Proposta ousada, na medida que buscou romper com os modelos tradicionais de currículo, estimulando a gestão participativa e consolidando uma nova forma de ensinar e aprender por meio de uma metodologia inovadora. Em segundo lugar que esta pesquisa não teve como intenção fazer um julgamento valorativo da ABP na UNESC, assim como da noção de “problema” que permeia a sua proposta. O que se pretendeu foi analisar em que medida a mesma apresenta similitudes e distanciamentos com a noção da Problematização de Freire. A esse respeito vale destacar que as mesmas têm potenciais diferentes em termos de concepção de educação. Perceber criticamente as similitudes e distanciamentos de cada uma destas formulações, valendo-se da análise de seus fundamentos teóricos e metodológicos, considerando, ainda, as condições reais da instituição, representa uma possibilidade ao curso de Medicina da UNESC de refletir sobre as bases teóricas do modelo de currículo e, conseqüentemente, ampliar suas discussões sobre o tema. Ao término deste trabalho não poderia deixar de dizer, também, o quanto foi significativo a releitura das obras de Paulo Freire. Fato que por si só é extremamente significativo, pois foi em meio ao estudo das obras do autor, buscando “respostas” para fundamentar as perguntas da investigação, que se pode, mais uma vez, compreender o quanto Freire ainda vive, sobretudo, quanto às opções políticas, no compromisso com a educação dos menos favorecidos, no amor pelos homens, animais e plantas e, acima de tudo, no “sonho” de transformar a sociedade. Foi com Freire que se tornou possível fazer as seguintes reflexões: O que será dos educadores se deixarem de sonhar? O que é a vida sem o “sonho”? Quando foi que se perdeu a capacidade de sonhar? O que se pretende deixar para os filhos senão a esperança de um mundo melhor? Com Freire, sabidamente é possível sorrir, chorar, emocionar a si e aos outros e reavivar o “sonho” da construção de uma sociedade melhor, por meio do exercício da profissão de educador e das opções políticas inerentes à função. Mesmo diante dessa constatação, vale destacar que por mais que se buscou neste Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 110 trabalho confrontar a noção de “problema” da ABP com a noção de Problematização de Paulo Freire, muitas questões continuam em abertas e apontam para a necessidade de se continuar a discutir sobre o tema. Tais reflexões são fundamentais em um trabalho de pesquisa que está provisoriamente “pronto”, pois o estudo, a crítica, o aprofundamento irão permear durante muito tempo as discussões aqui propostas nos futuros desdobramentos que, certamente, provocarão na comunidade acadêmica. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 111 REFERÊNCIAS BACHELARD, Gaston. (Tradução de Estela dos Santos Abreu) A formação do espírito científico. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 1996. BERBEL, Neusi Aparecida Navas. (Org). 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Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 115 APENDICE I A INSERÇÃO DA ABP NAS ESCOLAS MÉDICAS BRASILEIRAS Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 116 ESCOLAS MÉDICAS QUE UTILIZAM O ABP FAMEMA (Faculdade Médica de Marilia) UEL (Universidade Estadual de Londrina) PUCPRC (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) UNIDERP (Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal) UNESC (Universidade do Extremo Sul Catarinense) FEPCS (Universidade de Ciências da Saúde) UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz) UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) UNIMONTES (Universidade de Montes Claros) UNAERP (Universidade de Ribeirão Preto) UNIFENAS (Universidade de José do Rosário Vellano) UFG (Universidade Federal de Goiás) UEFS (Universidade de Freira de Santana) UNIPLAC (Universidade do Planalto Catarinense) UNICID (Universidade da Cidade de São Paulo) UNESC (Centro Universitário do Espírito Santo) UNIFESO (Centro Universitário de Serra dos Órgãos) FUNORT (Faculdades Unidas do Norte de Minas) UESB (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) PUC SP (Pontíficia Universidade Católica de São Paulo) UFSCAR (Universidade Federal de São Carlos) UNOCHAPECÓ (Universidade do Oeste Catarinense) UNIFOR (Universidade de Fortaleza) IMIP (Instituto Materno Infantil Prof Fernando Figueira) LOCALIDADE Marilia ANO DE IMPLANTAÇÃO DO CURSO 1997 Londrina 1998 Curitiba 1999 Campo Grande 2000 Criciúma 2000 Brasília 2001 Ilhéus 2001 Florianópolis 2002 Montes Claros 2002 Ribeirão Preto 2003 Bahia 2003 Goiás 2003 Feira de Santomé 2003 Lages 2004 São Paulo 2004 Colatina 2005 Teresópolis 2005 Montes Claros 2005 Bahia 2006 São Paulo 2006 São Carlos 2006 Chapecó 2006 Fortaleza 2006 Recife 2006 Fonte: Relatório IV Fórum Nacional Metodologia Ativas de Ensino-Aprendizagem, 2007. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 117 ANEXO 1: EXEMPLO DE UM PROBLEMA (NÍVEL BASEADO EM PROBLEMAS) Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 118 MÓDULO TEMÁTICO: NUTRIÇÃO E METABOLISMO Tema: Falência do crescimento Problema: Dificuldade de ganho de peso 1. Leitura do problema e identificação de termos: O pediatra Dr. Júlio recebe no posto de saúde uma mãe com a seguinte história: "Meu filho Marco Aurélio, de um mês, mama o tempo inteiro no peito e parece nunca estar satisfeito e também não está ganhando peso que deveria ganhar; eu e meu marido estamos muito preocupados, esse é o nosso primeiro filho e eu me acho competente para amamentar". 2. Identificação dos problemas propostos: - Dificuldades no aleitamento materno. - Desaceleração do ganho de peso. - Ansiedade dos pais. 3. Formulação de hipóteses explicativas: - Leite fraco - Pouca produção de leite pela mãe. - A desaceleração do peso é devida a pouca ingestão de leite. - Infecção silenciosa. 4. Resumo das hipóteses: - Distúrbios da lactação - Infecção do lactente Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 119 - Falência do crescimento 5. Formulação dos objetivos de aprendizagem: - Higiene da nutriz - Fisiologia e distúrbios da lactação - Dinâmica do aleitamento materno - Monitorização do crescimento - Medicamentos transitórios de suporte à lactação - Infecções neonatais - Dinâmica familiar Os objetivos originais deste problema são fundamentalmente a lactação e a desaceleração do crescimento. Entretanto o tutor poderá aceitar outros objetivos surgidos na discussão com os alunos que não haviam sido previamente contemplados. 6. Estudo individual e/ou coletivo dos temas referidos nos objetivos de aprendizagem. 7. Por meio de uma nova discussão do problema, realizar a síntese e generalização dos conhecimentos adquiridos. 8. Discussão dos aspectos da prática humanizada da Medicina. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 120 ANEXO 2: EXEMPLO DE UM CASO CLÍNICO (Nível baseado em Casos) Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 121 1- Caso Clínico: A minha filha Luiza era gordinha até oito meses. Nessa idade teve uma diarréia e emagreceu bastante. Com um ano e dois meses não sentiu mais apetite e deixou de ganhar peso. Hoje com dois anos e quatro meses não quer comer mais nada a não ser leite do peito (várias vezes ao dia). O irmão com quatro anos é perfeitamente normal. Fora isso ela é uma criança normal que não tem nenhum outro sintoma; brinca, dorme bem e não reclama de nada. Minha filha foi encaminhada pela pediatra que não conseguiu resolver o problema. 2. Identificação dos problemas propostos: - Dificuldades na alimentação. - Desaceleração do ganho de peso. - Ansiedade dos pais. - Diarréia. 3. Formulação de hipóteses explicativas: - Alimentação inadequada - Síndrome de má absorção desencadeada pela diarréia - Intolerância à lactose? Ao glútem? - Anemia - A desaceleração do peso é devida a ingestão demasiada de leite materno em detrimento de outros alimentos - Dinâmica familiar - Infecção silenciosa. - Processo central 4. Resumo das hipóteses - Distúrbios da alimentação - Infecção - Processo expansivo central - Falência do crescimento Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 122 - SMA - Dinâmica familiar 5. Formulação dos objetivos de aprendizagem a) Diagnóstico Clínico: - Crescimento e desenvolvimento - Diarréia infecciosa como causa inicial levando a desnutrição - Síndrome de má absorção com diarréia e desnutrição? - Pesquisar causas de diarréia e mecanismos de má absorção - Identificar as síndromes dissabsortivas do lactente - Formas de desnutrição - Epidemiologia - Nutrição e metabolismo - Medicina Preventiva e Social - Dinâmica do aleitamento materno - Alimentação da Criança - Monitorização do crescimento - Dinâmica familiar - Neurologia - Patologia e Fisiologia do Sistema Gastro Intestinal - Bioética - Psicologia - laboratorial: bioquímico ou imagem - riscos e benefícios - indicações - interpretação - abordagem dos exames frente a criança e a família (preparo e orientação da família) b) Proposta terapêutica - abordagem do diagnóstico frente a criança e família - proposta terapêutica - riscos e benefícios dessa proposta Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 123 - importância da adesão ao tratamento c) Reabilitação - importância da qualidade de vida - monitorização e suporte no tratamento Os objetivos originais deste caso são fundamentalmente a alimentação e a falência do crescimento em relação ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento. Entretanto o professor/preceptor poderá aceitar outros objetivos surgidos na discussão com os alunos que não haviam sido previamente contemplados. 6. Estudo individual e/ou coletivo dos temas referidos nos objetivos de aprendizagem 7. Por meio de uma nova discussão do problema, realizar síntese e generalização dos conhecimentos adquiridos. 8. Discussão dos aspectos da prática humanizada da Medicina. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 124 ANEXO 3: O ABP NO NIVEL BASEADO EM PROBLEMAS NO CURSO DE MEDICINA DA UNESC. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 125 ♦ Laboratórios ♦ Grupo de alunos ♦ Tutor ♦ Objetivos habilidades específicos, médicas e de de Informática médica ♦ Ambulatório de atividades práticas de e de interação comunitária aprendizagem Sessão Tutorial Recursos Instrucionais P roblema Tema Módulo Temá tico Coordena ção e A valiação ♦ Coordenação • Comissão de Currículo • Comissão de Laboratórios e de Ambulatório • Comissão de Informática ♦ Avaliação Visão Geral da ABP no Curso de Medicina da UNESC. Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 126 ANEXO 4: SESSÃO TUTORIAL DO CURSO DE MEDICINA DA UNESC Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. 127 O grupo tutorial ( 8 alunos e tutor ) Temas Módulo temático Comissão de Currículo Problema: Objetivos de Aprendizagem Av aliação Comissão de Av aliação Panorama da Sessão Tutorial do Curso de Medicina da UNESC. R ecursos Instrucionais