Teatro · SITE SPECIFIC 11 | SEXTA · 21h30 e 23h FCSH-UNL Blame Beckett Deus criou o verbo e este era tudo. Seria possível o verbo criado por Deus falhar? Falhar faz parte do verbo e do homem, o homem de Beckett: falível, que tem em si o sinal claro de uma putrefacção eminente e que, ainda assim, espera pelo seu pequeno Deus numa ansiedade quase infantil. O homem de Beckett sabe da existência do livre arbítrio, dos caminhos que pode seguir, mesmo que não os siga. Sabe que existe uma possibilidade infindável de opções... O autor | Samuel Beckett (Foxrock, Dublin, 1906 – Paris, 1989) Samuel Beckett foi criado por uma família protestante da classe média. Entre 1946 e 1953, Beckett inicia uma fase de grande criatividade, escrevendo peças como À Espera de Godot (1952), contos e romances em que explora a impotência, a imobilidade e a solidão humanas como elementos responsáveis pela putrefacção do tempo. Murphy (1938), Molloy (1951), Malone está a morrer (1951), Watt (1953) e O inominável (1953) são os seus romances mais conhecidos. No teatro, expressam bem o seu pessimismo desesperado as seguintes peças: Fim de partida (1957), Acto sem palavras (1957) e Dias felizes (1961). Prémio Nobel de Literatura em 1969, Beckett é um dos fundadores do teatro do absurdo. O grupo | GTN (Lisboa, 1991) O Grupo de Teatro da Nova iniciou a sua actividade na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL, com dois ateliers orientados por Joaquim Paulo Nogueira. Trabalhando com os encenadores Carlos Fogaça, Antonino Solmer, Luís Madureira, Alexandre Sousa, Paulo Marques, João Nicolau, Natália Luísa, João d’Ávila, Rui Luís Braz, Peter Michael e Carlos Macedo, leva à cena textos e adaptações de autores como Mário Henrique-Leiria. Em 1999, o GTN conquista o 2º lugar no Festival Teatro Amador da Área Metropolitana de Lisboa. O GTN ressurge das cinzas em 2004, retomando a sua actividade depois de um interregno de dois anos. Integrando o ciclo da Semana do Erotismo, apresentou em 2005, na FSCSH, performances a partir de textos de Sade, Santa Teresa d’Ávila, São João da Cruz, do Cântico dos Cânticos e do Kamasutra. Participou no FATAL 2005 e, em 2006, ganhou o Prémio Fatal Cidade de Lisboa, para a peça mais inovadora do festival. O encenador | Tertúlia A seguir ao espectáculo. CONVIDADOS ESPECIAIS Rui Pina Coelho Duarte B. Ruas Diogo Bento (Torres Vedras, 1979) Licenciado em Estudos Portugueses pela Universidade Nova de Lisboa, concluiu posteriormente o bacharelato em Teatro – Formação de Actores, na Escola Superior de Teatro e Cinema. Actor profissional, trabalhou com várias companhias e encenadores: Luís Castro, Eduardo Barreto, Jean-Paul Bucchieri, Ricardo Gageiro, António Pires, Álvaro Correia, João Brites, Teatro Praga, Mala Voadora, John Romão e Carlos J. Pessoa. Dirige e encena o Grupo de Teatro da Nova (GTN) há três anos. Actualmente é, também, professor de Português. FICHA TÉCNICA Texto A partir de Samuel Becket e outros textos | Interpretação Susana António, Susana Blazer, Marta Cunha, Tiago Dias, Jorge Durões, Sandra Ferreira, Mariana Guerra, Márcio Laranjeira, Daniela Marzavan, Paulo Neto, Romeu Ornelas, Ricardo Sobral, Marina Sousa, Fannie Vrillaud | Produção GTN – Elisabete Fragoso e Jorge Durões 12 GTN | UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA · FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS Processo Criativo Falar sobre um processo de trabalho em que se procura cons- truir um espectáculo de teatro é, normalmente, uma tarefa obsoleta. Isto porque, a nosso ver, o objecto artístico não carece de qualquer espécie de explicação para existir. Ele simplesmente é o que é e justifica-se por si mesmo. Não queremos, com isto, dizer que a reflexão teórica sobre as artes do espectáculo é dispensável. Sempre nos pareceu óbvio que um objecto teatral tem de levantar questões e tem de reflectir um estar no mundo e um pensar actual das artes. Talvez por isso mesmo, o processo deste grupo de teatro comece, evidentemente, a partir do momento em que se tem de escolher um autor. Beckett foi o eleito, não só pelo facto de ter sido tão recentemente relembrado pela comemoração dos cem anos do seu nascimento, mas também por se tratar de um autor de referência incontornável. A nosso ver, depois dele, nada no teatro voltou a ser o que era. Aliás, podemos mesmo afirmar que depois dele nada no mundo continuou a ser o que era. E isto não é uma tese barata de um determinismo tardio, mas antes uma consciência da forma como este autor irlandês abalou todas as estruturas artísticas do seu tempo. Ora, entre Beckett e os dias de hoje vai um mundo de mudanças, e isso não podia de forma alguma ser ignorado por nós. Se a escolha de Beckett foi o nosso ponto de partida, a leitura das suas obras não dramáticas foi o segundo passo do grupo em direcção ao trabalho que, este ano, realizou, tendo sempre em conta o que se faz, o que se escreve e o que se pensa agora. A partir daí, derivámos, relacionámos e propusemos ideias que fossem concretizadas em cena. Basicamente lemos, discutimos, seleccionámos, falámos, ouvimos e começámos a fazer. Bom... talvez isto se passe com todos os grupos de teatro. Talvez isto não seja propriamente uma novidade. Talvez este texto não elucide em nada o espectáculo que apresentamos. Talvez, até, fosse importante referir a estrutura conceptual deste espectáculo, as ideias basilares que presidiram ao seu nascimento, etc., etc., etc. Mas mesmo que o fizéssemos, mesmo que corressemos o perigo de cair num didactismo medonho, de que serviria isso? Paul Ricoeur em Teoria da Interpretação afirma o seguinte: As pessoas, efectivamente, falam umas às outras. Mas (...) a comunicação é um enigma e até mesmo um milagre. (...) Porque o estar junto, enquanto condição existencial da possibilidade de qualquer estrutura dialógica do discurso, surge como um modo de ultrapassar ou de superar a solidão fundamental de cada ser humano. Por solidão não quero indicar o facto de, muitas vezes, nos sentirmos isolados como numa multidão, ou de vivermos e morrermos sós, mas, num sentido mais radical, de que o que é experienciado por uma pessoa não se pode transferir totalmente como tal e tal experiência para mais ninguém. A minha experiência não pode tornar-se directamente a vossa experiência. (...) Apenas o seu sentido, a sua significação se tornam públicos. Posto isto, só resta uma questão: para quê este texto se o que interessa é o espectáculo e aquilo que for experimentado por Diogo Bento cada espectador? 13