PILOTOS DE BARRA DA FIGUEIRA DA FOZ A VIDA ENTRE O MAR E A TERRA Sexta, 19 Junho 2009 00:00 Os portos comerciais têm características muito móveis, não sendo nenhum igual. Torna-se impossível a um Comandante de um navio conhecer porto a porto, logo compete ao Piloto de Barra orientar o Comandante para que as manobras se concretizem com sucesso. Falam entre si em inglês, os termos técnicos são obrigatórios, porém o risco pode aumentar se a comunicação não for eficaz. No porto comercial da Figueira da Foz existem dois Pilotos, os Ctes. São Marcos e Fernando Lé. Substituem-se um ao outro 365 dias por ano, desde o nascer do sol até à meia-noite. Ajudam a manobrar quase 400 navios por ano. Até agora o sucesso é total, mas o risco está sempre presente. A REVISTA DE MARINHA falou com um deles, o Comandante São Marcos. RM: Para quem não conhece, explique-nos qual a sua actividade. Em que consiste? Comandante São Marcos: É impossível a um Comandante de um navio conhecer os portos todos, as suas características como os fundos, correntes e ventos. Cabe ao Piloto de barra assessorar o Comandante do navio, pois ele conhece todas as características do porto. Enquanto o Comandante conhece a embarcação, o Piloto de Barra conhece o porto. As funções do Piloto passam por dar ao Comandante as informações para o navio entrar e sair em segurança. Por outro lado, o navio quando chega é um risco. Há a necessidade de vigilância sobre a carga que lá vem. Temos de avaliar se o navio tem os standards necessários para a entrada. RM: Já assistiu a uma situação destas? CSM: Quando isso não acontece, como já assisti, temos entidades próprias que tratam da situação – a PORT STATE CONTROL. Nós averiguamos a situação, se encontrarmos uma anormalidade canalizamos a informação para as entidades competentes. RM: Há quanto tempo exerce a profissão? CSM: Exerço há 12 anos, 10 dos quais no porto da Figueira da Foz. RM: Qual a parte mais negativa da sua profissão? CSM: Não posso considerar que sejam pontos negativos, mas há situações de risco, de adrenalina. Mas assumir os riscos calculados faz parte da minha profissão. Acidentes ambientais, acidentes com os navios são casos que podem acontecer. Como são os Pilotos que fazem o aconselhamento das manobras e as embarcações são difíceis de manobrar, existem sempre riscos, que temos de calcular. Mas é impossível viabilizarmos o porto sem riscos de acidentes. Eles existem, são é calculados! No meu caso já tive muitos sustos, nunca tive um acidente. RM: Mas é impossível eliminar os riscos? CSM: Nós podemos diminuir consideravelmente o risco. Por exemplo, podíamos decretar que no porto só há tráfego de Maio a Outubro e com navios no máximo de 30 metros de comprimento. Isto diminui o risco consideravelmente, mas comercialmente é inviável. O meu trabalho passa por assumir os riscos calculados ao mesmo tempo que se potenciam os recursos do porto, de forma a tornarmo-lo rentável. Temos de minimizar os riscos e optimizar o porto. É nossa função avaliar os riscos e minimizá-los sem esquecer a optimização dos recursos. RM: Em média quantos navios atracam por ano? CSM: Posso adiantar que tivemos cerca de 350 a 400 manobras realizadas por mim e pelo outro Piloto de barra, o Fernando Lé. RM: Mas o seu trabalho depende das condições Marítimas? Os Pilotos de barra estão sujeitos às decisões da Capitania? CSM: Embora caiba à Capitania tomar decisões sobre as condições Marítimas, se estão favoráveis ou fechadas, em termos de navios comerciais compete-nos a nós tais decisões. Nós é que julgamos as condições, é a nossa opinião que conta para a decisão se um navio entra, ou não entra. Contudo, há um intercâmbio muito grande entre nós (IPTM) e a Capitania. RM: Quanto tempo em média demora a atracar um navio? CMS: Por norma, entre 45 minutos a 1 hora. Mas eventualmente poderá demorar 30 minutos, ou mais de uma hora. Depende do local onde atraca, das condições, do espaço de manobra. RM: Do seu ponto de vista, qual o estado do porto comercial da Figueira da Foz? CSM: A Figueira tem muito para andar, e tem muitas expectativas em termos futuros. Estamos a desenvolver-nos bastante com as condições que temos e se houver as melhorias em perspectiva, melhor. O porto tem aumentado a navegação, um aumento de 15% ao ano, nos últimos dois anos, sem que se tenham feito melhorias. Se houver algum investimento, o porto poderá potenciar o desenvolvimento na Região Centro. Embora não possam atracar navios de grande porte, este porto pode trazer muitos benefícios. Penso que não temos a necessidade de ter outro grande porto, como é o de Sines. O Porto da Figueira funciona como um "short sea", que acolhe navios de curta distância. Com a degradação do transporte rodoviário, pelo impacto ambiental negativo e não só, estes portos estão em franca expansão. Dentro da conjuntura da União Europeia em que é necessário o transporte de cargas entre os países vizinhos, como Portugal, Espanha e França, o porto figueirense pode tornar-se muito importante, para os transportes Marítimos de curta distância. Obviamente que o facto de se estar a investir nas vias de comunicação rodoviárias circundantes à Figueira também optimizará mais o tráfego do porto. RM: É uma profissão que exige preparação física. Não o preocupa a idade avançada com que atingirá a reforma? CSM: Efectivamente o facto de saltarmos da lancha para o navio necessita de preparação e hábito. Um Piloto de Barra necessita de estar em boa forma física para exercer a profissão, tanto que até há um tempo atrás só se podia ser Piloto até aos 35 anos, devido à preparação física. Em relação à reforma, considero que a antiga legislação era a mais adequada, pois os Pilotos podiam reformar-se aos 60, mas quem quisesse ia até aos 65 anos. Mas iam porque tinham condições. Agora a nova lei, trazendo a obrigatoriedade até aos 65 anos é muito penalizadora, pois a partir dos 60 anos somos mais vulneráveis a doenças. São Marcos Formação na Escola Náutica da Marinha Mercante, no curso superior de Oficial de Pilotagem. Andou embarcado, como Comandante mas rápido o apelo de Piloto de barra falou mais alto, isto em 1995! Dois anos mais tarde transferiu-se para o Porto da Figueira da Foz. Há 12 anos que a sua vida é ajudar alguns "monstros do Mar" a atracar. Fernando Lé Com 44 anos, o Comandante Fernando Lé, dedica a sua vida ao Mar desde 1984. Em 1996 transferiu-se para Piloto de Barra, em Lisboa. Depois de quatro anos naquele porto, veio para a Figueira, até porque é um figueirense.