A LÍNGUA PORTUGUESA EM TIMOR-LESTE: A (NÃO) EXPANSÃO DA LÍNGUA OFICIAL Aliete Bormann Universidade do Rio Grande do Norte [email protected] Marília Silveira Instituto Federal do Rio Grande do Norte [email protected] Este estudo trata de uma das problemáticas que envolvem a Língua Portuguesa (LP) em Timor-Leste no que se refere a sua expansão. O panorama linguístico do país nos faz refletir sobre àquela que é considerada símbolo de luta e de identidade da nação, mas para compreendê-lo, é essencial considerar o contexto histórico-social em que, (não) se efetiva a língua de Camões em terras maubere, a fim de que possamos entender as dificuldades da sua expansão. O timorense fala a língua materna do seu grupo, mas quando em contato com as outras línguas nativas, usa a língua franca que é o tétum. A nossa pesquisa parte de documentos, entrevistas com docentes timorenses que atuam no sistema de ensino, além de outros documentos que circulam na Internet. Em TimorLeste, a língua portuguesa apresenta uma lógica diferente, que não é a lógica portuguesa tampouco a brasileira, mas a lógica asiática. A Análise do Discurso (AD) nos dá suporte teórico, pois considera o homem na sua história e as condições da produção do discurso. É por meio da linguagem que existe sentido nas relações humanas, no espaço e no tempo. Essa união é o que torna possível a permanência, a continuidade, o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive. A língua portuguesa, para cumprir o seu papel de elemento que une o indivíduo a sua prática social, deverá ser aquisição e um direito de todos, uma vez que foi escolhida como língua oficial e de ensino. Para entender, o contexto é importante situar que os colonizadores portugueses chegaram a Timor Leste em torno de 1512, mas não houve preocupação por parte do colonizador de expandir a língua portuguesa, limitando-a, apenas aos habitantes nativos que possuíam influência na sociedade local. O resultado dessa decisão foi a não expansão da língua no território. Mesmo assim, em todo processo de colonização, os colonizadores não apenas impõe a sua língua como também aprende a do colonizado, no caso o tétum que era a língua franca. Inicia-se assim, o histórico de constituição da língua portuguesa com o encontro entre pelo menos dezesseis línguas1 materna, cada uma delas com suas próprias histórias, cultura e políticas diferentes daquela introduzida pelo colonizador europeu. Para Mariani (2007) ao se impor uma língua se impõe também uma língua com outra memória, a do colonizador, que também vai sofrer influencia das línguas locais. A noção de colonização leva a coexistência de mundos com histórias e línguas distintas em um dado momento histórico: Com a colonização lingüística inevitavelmente há o início de um enorme trabalho da(s) língua(s), um trabalho que se materializa na prática discursiva marcada por uma heterogeneidade lingüística. Pode-se pensar, então, que os sujeitos são tomados por esse trabalho, são tomados pela(s) língua(s), nelas e com ela. (2007, p.85) A história da e sobre a língua portuguesa em Timor-Leste, pode compreendida de diferentes formas, assim o discurso que se adota se apresenta, de acordo com os interesses de determinados grupos específicos, uma vez que há questões que se mantêm implícitas no discurso de expansão da língua, além de evidenciar aspectos que, embora cruciais para essa expansão, são silenciados, o que favorece uma visão parcial das conseqüências da política linguística adotada no país, vejamos: Hoje, embora o Português seja considerado a Língua oficial de Timor, a par do Tétum, (art. 13 da Constituição de RDTL), a sua implementação depara-se com grandes obstáculos. Há sectores da sociedade timorense que são contra o uso da Língua Portuguesa; as línguas nacionais (21) e línguas estrangeiras (o Bahasa indonésio e o Inglês) são fortes concorrentes do Português. (XIMENES BELO, 2008). 1 O lingüista australiano Geoffrey Hull no livro Timor-Leste identidade, língua e política educacional (2001, p.31) classifica o número de línguas em quinze, no Manual de Língua Tétum para Timor Leste (2000, p.1) afirma que há pelo menos dezesseis línguas. Outros autores consultados apontam dezesseis línguas. Em outro trabalho, a língua é identificada como símbolo não apenas de resistência, mas também como sagrada: Durante a ocupação indonésia, a Língua Portuguesa continuou viva em Timor-Leste, não apenas como um símbolo da resistência, mas também por ser uma “língua sagrada” que faz parte da base da identidade nacional. Neste sentido, a constituição da República Democrática de Timor-leste consagra, no seu 13.º Artigo, a Língua Portuguesa juntamente com o Tétum, como as duas línguas oficiais do mais jovem país do mundo. (PINTO, 2010, p. 80) Para melhor entender as citações acima, temos que retroceder até 1975, quando o país tornou-se independente de Portugal, em 1975. Essa independência durou pouco tempo, pois o país foi invadido pelas forças armadas da Indonésia até 1999, período durante o qual falar o português foi proibido, mas o idioma passa a ser usado como língua de resistência pelos grupos revolucionários. A Indonésia, apesar de ter dominado a ilha por cerca de vinte quatro anos, se comparado aos quatrocentos anos de domínio português, foi mais eficiente na imposição da sua língua, pois grande parcela da população timorense, cerca de 58%, domina o bahasa-indonésio, uma variedade da língua malaia. Segundo informações, os indonésios levaram três mil professores que foram espalhados pela ilha como forma de assegurar seu domínio, vejamos: Onde Portugal demorou em estender sua presença para além do nível do suco, a indonésia entrou com todo aparato da mídia de massa, incluindo apresentação de filmes, exibições, mídia impressa, rádio e televisão, sem mencionar a imposição de uma nova língua e de um novo conceito de Estado ao povo timorense. (GUNN, 2006, p.50) A nosso ver, essa tomada de decisão implicou integrar a ilha considerando a educação como fundamental, o que significa dizer que foi um dos recursos mais eficiente de desenvolvimentos trazidos pelos invasores e que alterou profundamente o sistema educacional timorense. Em outras palavras, podemos dizer que a grande mudança aconteceu a partir do campo da linguagem e da educação O que não foi considerado por Portugal durante os tempos de colonização. O resultado da omissão portuguesa reflete que apenas uma pequena parcela da população, fala a língua portuguesa, além de o governo timorense reconhecer a falta de professores nativos aptos para ensinar o português. Atualmente, no sistema educacional existe a predominância do bahasa-indonésio e do inglês, como línguas de ensino, pois o tétum ainda não passou pelo “processo de gramatização” (MARIANI, 2007), ou seja, não possui um léxico publicado, enquanto o idioma português apesar de estar escrito e ter uma gramática, é falado pela minoria. Para Orlandi (2007, p.59) “A língua oficial é um dos lugares de representação de nossa unidade e soberania em relação a outras nações”. Apontamos em Timor Leste duas línguas oficiais, ao lado de muitas outras, mas a língua portuguesa é oficial, mas não está presente na comunicação cotidiana. A população timorense entre si, se comunica em sua língua materna, no idioma indonésio, em inglês ou em tétum, esse fato corrobora com: Se pensarmos em termos nacionais, de um país com suas diferentes línguas mas pratica-se, com o apoio do conhecimento institucionalizado, uma língua, a língua nacional, aparatada pelo Estado para ser a língua oficial. Pode-se até mesmo fazer com que muitas línguas sejam faladas, sejam aprendidas, circulem. Mas o que significa falar essas face à língua nacional? Teriam estes falantes o estatuto de cidadãos, ou apenas “usuários”? Ser usuário de uma língua tem um estatuto totalmente diferente de ser falante de uma língua oficial, materna etc. (2007, p. 60) Segundo Coracini (2003), o encontro de duas línguas ou mais (materna e estrangeira) estabelece sempre uma “relação de conflito”, assim o sujeito se realiza em um contexto permeado por diferentes línguas. O que significa que na perspectiva da Análise do Discurso, esse sujeito é constituído por uma multiplicidade de vozes, conflitos, que se constrói em diferentes discursos mediados pela língua materna, a língua bahasa indonésia e pelo tétum. Guimarães (2007) considerar a língua em dois espaços de enunciação: no primeiro vai representar as relações imaginárias do dia-a-dia entre os falantes e segundo as relações imaginárias institucionais, ou seja, ideológicas. Para a primeira situação a língua materna é considerada a língua que os falantes praticam, pois toda a sociedade em que nasceu a pratica. Na segunda situação, o autor estabelece diferença para língua nacional que é a língua de um povo e a língua oficial que é a língua estabelecida pelo Estado/Nação, obrigatória nas suas ações formais. É importante refletir a língua portuguesa sob este prisma, além de refletir em: Como ela se situa? O que tem sido feito em favor dessa língua para sua expansão? Não seria o caso de alfabetização em massa? Qual tem sido o papel da cooperação Brasil e Portugal para consolidar a língua portuguesa em território timorense? Quais sãos os resultados? Em entrevista à Rádio ONU, em Nova York, o primeiro ministro timorense destacou a importância do idioma, afirmando que “o português parece-me mais como um instrumento de identidade. Somos diferentes pela história e pela cultura e aí é que nós nos apegamos. Somos Timor Leste por causa da presença portuguesa, que nos deu uma identidade e o direito de sermos um povo” (2011). Se por um lado o discurso do Primeiro Ministro é esse, por outro na Conferência Internacional de Díli que aconteceu em abril de 2010, divulgou-se que há “sinal oficial de desacordo à manutenção do português como língua oficial que foi aproveitado pelos anglófonos para atacar” o símbolo de luta dos timorenses. Ainda de acordo com a reportagem, acrescenta-se o fato que a esposa do Primeiro Ministro (Kirsty Gusmão, Embaixadora da Boa Vontade para Educação), nomeada Presidente da Comissão Nacional de Educação, vem utilizando como “estratégia para defesa do tétun o ataque à língua portuguesa”. De acordo com o exposto, podemos inferir que há um discurso contraditório e uma luta de sobrevivência da língua portuguesa, a sombra do poder. Numa tentativa de defesa, o vice-presidente parlamento, em carta dirigida ao presidente do parlamento2, declara que: A decisão de adoptar o Tétum e o Português como as nossas Línguas oficiais (Artigo 13º nº1 da Constituição) foi uma decisão que tomámos - clara e inequivocamente - há oito atrás. Tivesse a década passada, entretanto decorrida sido aproveitada para implementar efectivamente esta decisão, ao invés de periodicamente revisitar os seus pressupostos, frequentemente por insistência de indivíduos ou organizações estrangeiras e estranhas a TimorLeste, e certamente que não haveria hoje lugar para um fórum sobre a Língua. (VICENTE GUTERRES, 26/06/2010) O idioma português, apesar de ser falado por uma minoria, estabelece relações de poder e domínio, em relação às línguas locais, pois é a língua que intermedeia as relações políticas e comerciais. É preciso considerar sempre que, para muitos timorenses, a língua portuguesa é língua do outro, é língua estrangeira, portanto passível de questionamento. O jornal da República - Publicação Oficial da República Democrática de TimorLeste , 03 de novembro de 2010 - Resolução do Parlamento Nacional n.º 24/2010 2 A carta foi publicada pó Sebastião em O EÇA em 22 de Junho de 2010 (Díli, Parlamento Nacional, 22 de Junho de 2010). sobre o uso das línguas oficiais, considera que o tétum e português constituem-se como patrimônio nacional, além de serem elemento de unificação nacional, contribuindo decisivamente para a coesão da sociedade e do Estado timorenses. Entretanto de acordo com a matéria jornalística cujo título é Timor Leste: A língua portuguesa em dúvida: A manutenção do Português como língua oficial de Timor-Leste tem vindo, nos últimos meses, a ser questionada por «várias vozes» da sociedade timorense. Na base das críticas estão argumentos como a distância geográfica que separa o país de qualquer um dos seus parceiros da CPLP e o facto de grande parte da população entender as línguas dos dois principais países vizinhos (bahasa indonésio e inglês).(03/05/2010) Não se pode esquecer o valor que a língua portuguesa assumiu durante os anos de resistência da nação, pois representa a luta pela reconstrução da identidade cultural timorense, portanto, ser língua oficial significa que está (ou deveria estar) protegida e presente na prática governamental, administrativa, educativa e social. E, isso não tem ocorrido, os discursos estão longe da realidade. É evidente que a língua portuguesa apresenta-se permeada por questões de resistência, identidade, autoridade e distância social e se constitui em dois campos de tensão: língua oficial e de ensino, “A Língua portuguesa para Timor-Leste é fundamental. Torna-o distinto a sua soberania. Constitui sobremaneira o pilar da sobrevivência política, o equilíbrio geopolítico e económico na região”. (Revista Cultural, Economica e Diplomática, 2008, p.10). Essa visão da língua possibilita para a minoria que a domina, relações de poder e saber dominante, a partir dos discursos que sustentam os conceitos como os de cultura, de sujeito e de identidade. É fundamental entender um pouco alguns fatos como a construção de uma nação cujo território e povo estiveram sob os traumas da dominação indonésia e também, anteriormente, da colonização e dominação portuguesa; tais influências compõem parte dessa complexa herança cultural e linguística. As línguas oficiais A constituição de uma língua oficial passa pela constituição da história da língua do país, uma vez que o sujeito sofre ação da linguagem, da ideologia e da história, constituindo-se de forma complexa. A língua portuguesa é oficial, é institucional, está na Constituição determinada pelo Estado-Nação, é a língua exigida na administração pública, esse fato assegura o país um lugar na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Entretanto, a história da língua nacional timorense inicia-se com “a língua tétum, além de ser língua oficial, é língua nacional, é a língua da oralidade, da informalidade, é uma das línguas maternas, onde se constrói o imaginário social da maioria dos sujeitos” (BORMANN e SILVEIRA, 2009). Em 2000, a língua portuguesa foi introduzida como idioma de ensino nas escolas públicas timorenses, no primeiro ano do ensino primário, para depois, gradativamente se expandir até o último ano do ensino secundário. No entanto, em 2003, o ensino mediado pelo português ocorria de forma deficiente, apenas em poucas escolas de Díli, passados oito anos a expansão da língua portuguesa em Timor-Leste ainda é questionada. Uma nação que deseja expandir uma língua o faz via a alfabetização em massa, o que não vem ocorrendo, ficando restrita a alguns, dando-lhe uma característica excludente. Quem fala a língua portuguesa se investe de certo poder perante os demais, mesmo que não faça parte das classes dominantes, no seu imaginário tem a "ilusão" de fazer parte dessa elite, parte do aparelho ideológico que lhes confere tal poder: Discursivamente é possível vislumbrar esse jogo de prestidigitação pelo qual no mesmo lugar há uma presença dupla, de pelo menos dois discursos distintos, efeitos de uma clivagem de duas histórias na relação com a língua portuguesa. (ORLANDI, 2003, p.22) 3 O português que acontecem nesses espaços são formações discursivas diferentes, mas consideradas como “não porque as palavras sejam diferentes, mas porque essas palavras derivam de distintos sistemas simbólicos, distintas histórias lingüísticas” (2006, p.23). A língua portuguesa apresenta-se na voz dos sujeitos como uma característica de identidade política e cultural, mas também dentro desse universo há diferentes sujeitos com diferentes identidades lingüístico-político-social forjadas nas 3 Orlandi vai se referir ao português do Brasil e Portugal, neste texto assumimos a postura em relação a Portugal e Timor-Leste pelo fato de ocorrer fenômeno semelhante. diásporas. A pesquisa de Silva (2004) revela e classifica os timorenses em três grupos: os que ficaram e lutaram pela liberdade; aqueles que ficaram, mas não lutaram; e aqueles que integraram as diásporas em África, Portugal e Austrália. Nesse contexto, é importante destacar que os grupos de luta sempre defenderam a implantação da língua portuguesa como oficial, enquanto que outros desejaram a língua tétum ou a língua inglesa. Para o grupo de luta, a língua é instrumento de libertação, que reforça questões como identidade cultural, nacional e pessoal. Na perspectiva bakhtiniana a linguagem é um fenômeno social com relação direta na construção do sujeito, esse sujeito se constitui ouvindo e assimilando as palavras e os discursos do outro. Assim, todo discurso se constitui na fronteira entre aquilo que é seu e aquilo que é do outro, portanto: [...] a linguagem não é um meio neutro que passa livremente e facilmente para a propriedade privada das intenções de um falante, ela é povoada– superpovoada – com as intenções de outros. Expropriá-la, forçando-a a se submeter a sua própria intenção e acentos, é um processo difícil e complicado. (BAKHTIN, 1981, p. 294) A língua portuguesa no território timorense é atravessada por discursos de ser língua oficial, da resistência, de identidade nacional, mas ainda não é tratada como tal, apesar de esforços de poucos. A língua e o imaginário que a constitui se imbricam como língua e sujeito. Refletir a linguagem nessa perspectiva é vê-la como processo de interação social, em que aprender a língua considera a relação do sujeito com a língua e seu uso social. Vozes dos sujeitos É importante dar “voz” aqueles que vivem o conflito de aprender e ensinar a língua portuguesa, mediado por uma língua materna. No final de 2009, aplicamos um questionário com perguntas abertas e fechadas via e-mail, a professores timorenses que cursam pós-graduação em universidades do Brasil e da Europa. Deste questionário pinçamos algumas questões que consideramos relevantes. A idade desses docentes está acima de 47 anos. Docente Professora 1 Língua de uso em casa Tetun Infância e idiomas que falava 04 Professor 2 Tetun 03 Professor 3 Professora 4 Tetun Várias 02 03 A cooperação Brasil/Portugal é suficiente para expandir a LP Não, é necessária uma atenção especial do governo em especial o ministério de educação, em criar estratégias para a apreciação na língua portuguesa. Por exemplo, concorrências de músicas, livros, produção de filmes, feiras de livros, prémios de bolsa de estudos, cursos de 3 ou 6 meses em portugal ou CPLP ou oportunidades de viajar da CPLP. Portugal e Brasil investiram muito e tudo para poder chegar até o atual resultado. Estou achando que o governo timorense bem como os próprios timorenses não estão conseguindo aproveitar essa oportunidade para usufruir o máximo desse investimento. Acredito Acredito, na medida em que há boa vontade de todas as partes Dificuldades encontradas para lecionar a LP falta de materiais de ensino, dicionário, bons professores de língua portuguêsa, metodologias varias e creativas. Os estudantes não conseguem comunicar bem com o português, entendem mal ou não entendem. A dificuldade não está no lecionar, mas, sobretudo na comunicação. gramática Estão relacionadas a problemas fonético, fonológicos e semânticos As respostas revelam sujeitos que falam mais de um idioma, desde criança, pelas condições sócio-históricas a que são submetidos, também observamos que o uso do tétun se apresenta como uma das línguas mais faladas em casa, que pode não ser a língua materna de alguns, mas é a língua materna de um familiar próximo. Essas respostas, ainda revelam a realidade em relação à constituição dos sujeitos com as línguas que os constituem. É possível identificar os conflitos que se estabelecem e se debatem em busca de soluções no contexto social em relação à língua portuguesa. O domínio de estruturas orais e escritas é elemento essencial para possibilitar a autonomia linguística que se deseja de um idioma. Qualquer língua é antes de tudo estrutura de pensamento, ao se desejar desenvolver a língua portuguesa (oficial) como idioma: [...] é necessário considerar o fato de que as pessoas a quem se pretende envolver em tal operação possuem uma língua com uma lógica própria; e a lógica de muitos timorenses que habitam em diversas aldeias fundamentam-se na oralidade e não em um sistema de códigos escritos. (BORMANN, SILVEIRA, 2007, p.250) Se considerarmos que a aquisição da língua portuguesa é um desejo de todos, e parece que não está sendo assim, a escola deveria ser o espaço privilegiado para que se possa desenvolver em solo timorense, pois se configura como o local onde se processa a formação intelectual da criança, do jovem e do adulto. Considerações Ao longo de oito anos vimos discutindo a língua portuguesa em Timor-Leste, apesar do nosso distanciamento, mas sempre fica evidente que a língua portuguesa representa para alguns a luta e a resistência, portanto carrega um significado simbólico no imaginário de alguns. Por outro lado, para uma parcela considerável da população à adoção do idioma português representa dificuldade, uma vez que a mesma é usada na sua maioria como língua estrangeira O Brasil até 2010 cumpriu uma agenda diplomática, enviando missões a TimorLeste, desde 2003, a fim de prestar assistência técnica na área de educação, especificamente da formação de professores em língua portuguesa. O trabalho que se realiza para formação, no território timorense está além do desejado, apenas para refletirmos sobre tal problemática, o Programa de Qualificação de Docente e Ensino de Língua Portuguesa, promovido pela Capes/MEC, com o objetivo de formação de professores em Língua Portuguesa, é composto por professores que não são lincenciados na sua grande maioria em Letras, das 13 vagas oferecidas em 2010, apenas duas foram destinadas a professores com licenciatura em Língua Portuguesa. Entendemos a importância da presença de profissionais de outras áreas no território, mas não entendemos essa formação em língua portuguesa. Será que um professor de língua portuguesa ensinaria matemática, geografia de meio ambiente? Ora se os professores timorenses apresentam dificuldades em relação à língua portuguesa como fazer para melhorar esse aprendizado. Enfim, se houver o desejo de consolidar a expansão da língua portuguesa, acreditamos na necessidade de uma política eficaz de ensino, caso contrário, ela continuará apenas como um privilégio de poucos e como fator de exclusão. Referências BAKTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1992. ______. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ______. The dialogic imagination. Austin: University of Texas Press, 1981. BORMANN, A., Silveira M. Primeira missão de especialistas brasileiros em TimorLeste: desafios e impasses. In: Silva, K. C. & Simião, D. S. (Org.) Timor-Leste por trás do Palco: cooperação internacional e a dialética da formação do Estado. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. p. 234 -254. CORACINI, M. J. R. F. Língua estrangeira e Língua materna: uma questão de sujeito e identidade. In: ______. (Org.). Identidade & discurso: (des)construindo subjetividades. 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