Anais Eletrônicos do VII Encontro Internacional da ANPHLAC Campinas - 2006 ISBN 978-85-61621-00-1 O discurso dos deputados orientais na criação do Estado Cisplatino Fábio Ferreira Com o processo de emancipação do Vice Reino do Rio da Prata, a área designada como Banda Oriental mergulhou em uma guerra civil, que levou à destruição de sua economia e à instabilidade política. A partir de 1811, quando José Gervásio Artigas rompeu com a Espanha e iniciaram-se os conflitos no território oriental, Montevidéu foi controlada, no curto período de seis anos, por governos submetidos aos espanhóis, aos portenhos, às forças revolucionárias de Artigas e aos portugueses. A partir de 1824, a cidade passou ao controle do Império do Brasil e, após a Guerra da Cisplatina (1825-1828), com a criação da República Oriental do Uruguai, em 1828, Montevidéu tornou-se a capital do novo país. No que tange à presença lusa na Banda Oriental, observa-se que o príncipe regente D. João organizou duas expedições militares para conquistar este território. A primeira ação ocorreu em 1811, no entanto, por pressões da Inglaterra e pela oposição de segmentos locais, o soberano português retirou, em 1812, suas forças da Banda Oriental. Porém, em 1815, D. João iniciou a organização de nova expedição para conquistar a antiga área de dominação espanhola. Para liderar a segunda missão bélica ao Prata foi escolhido o general português Carlos Frederico Lecor, veterano das guerras napoleônicas. Lecor ocupou pacificamente Montevidéu em 20 de janeiro de 1817, em um processo negociado com o Cabildo da cidade. Uma vez no poder, o general empregou uma política de composição com elementos locais e de enraizamento da presença lusa na região, com a concessão de títulos, condecorações e promoções na administração pública a segmentos da sociedade oriental. Além disso, Lecor adotou medidas como a realização de casamentos de militares de suas tropas com mulheres orientais, sendo que ele mesmo casou-se com Rosa Maria Josefa Herrera de Basavilbaso. Ressalta-se, ainda, que o general teve atuação fundamental na instalação da Sociedade Lancasteriana de Montevidéu, que era a instituição responsável pela implementação do emprego do Método de Lancaster ou de Ensino Mútuo1 no território oriental, e que teve como presidente o próprio Lecor. Sobre a adesão dos orientais, Lecor trouxe para a sua órbita figuras locais de projeção, sendo que, muitos deles, anteriormente a aliarem-se aos invasores, foram coligados aos espanhóis, aos artiguistas e, com a independência do Uruguai, permaneceram em posições de destaque. Deste modo, pode-se perceber que mesmo com as diversas mudanças na conjuntura 1 Anais Eletrônicos do VII Encontro Internacional da ANPHLAC Campinas - 2006 ISBN 978-85-61621-00-1 platina, vários elementos orientais conseguiram estar sempre atuando com relativa significância no jogo político local, ainda que a Banda Oriental fosse controlado por forças tão díspares, como, por exemplo, as de Artigas e as de Lecor. Dos orientais aliançados ao general português e que tiveram destaque em outros momentos da história oriental, podem ser citados Fructuoso Rivera, líder de milícias no interior da província e, a partir de 1830, presidente do Uruguai; o padre Dámaso Antonio Larrañaga, que compunha o Cabildo que negociou a entrada de Lecor em Montevidéu, além de ter sido eleito senador para representar a Cisplatina no Rio de Janeiro; Francisco Llambí, jurisconsulto e cabildante em 1817 e, após a independência oriental, ministro; o fazendeiro Tomás García de Zúñiga, que pelas mãos do Império do Brasil tornou-se Barão de Calera; Juan José Durán, membro do Cabildo de 1817; e Jerónimo Pio Bianqui, igualmente cabildante à época da ocupação. É ainda importante ressaltar que todos esses orientais participaram do Congresso Cisplatino, que resultou na criação do Estado Cisplatino Oriental. Primeiramente, sobre o Congresso, este foi ordenado por D. João VI em 16 de abril de 1821, no Rio de Janeiro, dez dias antes do seu retorno a Portugal, no contexto liberal vivido no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. A função do Congresso era a de que os orientais decidissem o futuro do território ocupado pelas forças de Lecor já há quase cinco anos. No que refere-se ao contexto oriental, a ordem para a realização do Congresso foi expedida depois de vários anos de conflitos armados que devastaram a Banda Oriental, destruição esta que foi registrada por vários contemporâneos à ocupação de Lecor, como, por exemplo, Saint-Hilaire2, Emeric Essex Vidal3 e Breckenridge4. Assim, a sociedade oriental vivia relativa paz, conseguindo, inclusive, alguma recuperação econômica e, além disto, interessava aos orientais ligados ao setor produtivo a união à Coroa lusa, por esta acenar com a perspectiva da realização de transações comerciais com os seus vastos domínios e, assim, pode-se entender esses fatores como fortalecedores políticos de Lecor e do seu grupo de aliados. Para a reconstituição das reuniões do Congresso Cisplatino utiliza-se como fonte no presente trabalho as suas atas, que encontram-se em Montevidéu, no Archivo General de la Nación. O conjunto documental é manuscrito em espanhol, composto de oitenta páginas, em dezenove atas, e estão em bom estado de conservação. Além disto, as atas apresentam, dentre outras questões, a listagem e assinaturas dos deputados que estiveram presentes nas sessões, os seus discursos e, ainda, todas as propostas e votações, desde a mesa diretiva, até a da incorporação ao Reino Unido português. Este corpus documental possui uma série de 2 Anais Eletrônicos do VII Encontro Internacional da ANPHLAC Campinas - 2006 ISBN 978-85-61621-00-1 possibilidades para análises, bem como fornece vastas informações sobre a sociedade de então. Através das atas pode-se perceber questões como o grau de comprometimento de deputados com a incorporação, o imaginário da sociedade oriental temeroso com a possibilidade do retorno da guerra e diversos outros aspectos característicos da política realizada nesse corte temporal na Banda Oriental. Diante do exposto, as atas mostram que o Congresso iniciou a sua atividade no dia 15 de julho de 1821, contando com doze deputados, e não dezoito conforme estipulado inicialmente. Como congressistas, estiveram na seção de abertura Juan José Durán, Diputado por parte de esta Capital [Montevidéu], Presidente en esta Junta, como Gefe político de la Província: el Sor. Cura y Vicario D.or D. Dámaso Antonio Larrañaga, y el Sor. D. Tomás Garcia de Zúñiga también Diputados por esta Ciudad, así como su Síndico procurador general D. Gerónimo Pío Bianqui – el Sor. D. Fructuoso Rivera, y el Sor D.or D. Francisco Llambí, Diputado por el vecindario de extramuros – el Sor D. Luis Pérez, Diputado por el Departamento de S. José – el Sor D. José Alagón, Diputado por el de la Colonia del Sacramento – el Sor D. Romualdo Gimeno, diputado p.r el de Maldonado el Sor D. Loreto de Gomenzoro, Diputado por Mercedes como su Alcalde territorial: el Sor D. Vizente Gallegos, que lo es de Soriano y D. Manuel Lagos, del Cerro-Largo [...]5 Posteriormente, outros deputados apresentaram-se: No dia 16, Mateo Visillac, representante de Colônia do Sacramento e, no dia 18, Alejandro Chucarro, deputado pela vila de Guadalupe, Salvador García, síndico suplente da mesma localidade, Manuel Antonio Silva, síndico de Maldonado e Romualdo Gimeno, também deputado por Maldonado. Mesmo com o atraso desses congressistas, elegeu-se a mesa diretiva no primeiro dia. Como presidente foi eleito Durán, como vice-presidente, Larrañaga, e como secretário Llambí. Assim, os primeiros aliados que Lecor conquistou na Banda Oriental estiveram no comando do Congresso. No segundo dia, a questão da ameaça bélica já se fez presente através da seguinte mensagem que Lecor enviou aos congressistas, e que consta da ata da reunião do referido dia: Señores del Muy Honorable Congreso extraordinario de esta Provincia= S.M. El Rey del reyno unido de Portugal, Brasil y Algarbes, ha tomado en consideración las repetidas instancias, que han elevado á su real Presencia, Autoridades muy respetables de esta Provincia, solicitando su incorporación á la Monarquía Portuguesa, como el único recurso que en medio de tan funestas circuntancias, puede salvar el País de los males de la guerra y de los horrores de la Anarquía. – Y deseando S.M. proceder en un asunto tan delicado con la circunspección q.e corresponde á la Dignidad de su Augusta persona, á la liberalidad, de sus principios, y al decoro de la Nación Portuguesa, ha determinado en la sabiduría de sus Consejos, que esta Provincia, representada en el Congreso extraordinario de sus Diputados, delibere y sancione en este negocio, con plena y absoluta libertad, lo que crea más útil y conveniente á la felicidad y verdaderos intereses de los pueblos que la constituyen. – Si el Muy Honorable Congreso tubiere á bien decretar la incorporación a la Monarquía Portuguesa, Yo me hallo autorizado por el Rey p.a continuar en el mando y sostener con el Ejército el órden interior y la 3 Anais Eletrônicos do VII Encontro Internacional da ANPHLAC Campinas - 2006 ISBN 978-85-61621-00-1 seguridad exterior bajo el imperio de las Leyes. Pero si el Muy Honorable Congreso estimase más ventajoso á la felicidad de los pueblos incorporar la Provincia á otros estados ó librar sus destinos á la formación de un Gob.o independiente, solo espero sus decisiones para prepararme á la evacuación de este territorio en paz y amistad conforme á las órdenes Soberanas – La grandeza del asunto me excusa recomendarlo á la Sabiduría del Muy Honorable Congreso: todos esperan que la felicidad de la Provincia será la guía de sus acuerdos en tan difiiles circunstancias = Montevideo y julio diez y seis de mil ochocientos veinteuno = A los S.S. de Muy Honorable Congreso de esta Provincia = Barón de la Laguna [Lecor]=6 Na mensagem de Lecor verifica-se a afirmação do general sobre a existência de autoridades locais que anelavam a união com a monarquia portuguesa, vinculando este desejo à manutenção da ordem e à salvação do território oriental. Nas discussões entre os congressistas, que serão observadas posteriormente, também percebe-se a presença do temor e da afirmação da possibilidade do retorno aos conflitos bélicos, vindo a ser, inclusive esta a argumentação dos deputados orientais a favor da incorporação à monarquia lusa. No dia 18 foi colocada em discussão pelo presidente do Congresso, Juan José Durán, a questão da incorporação propriamente dita: [...] se propuso por el Sor Presidente, como el punto principal p.a que había sido reunido este Congreso – si segun el presente estado de las circunstancias del Pais, convendría la incorporacion de esta Provincia á la Monarquía Portuguesa, y sobre que bases o condiciones; ó si por el contrario le sería más ventajoso constituirse independiente ó unirse á cualquiera otro Gobierno, evacuando el territorio las tropas de S.M.F.7 O contato com as atas permite-nos identificar que Bianqui, Llambí e Larrañaga foram os únicos deputados que discursaram, sendo favoráveis à anexação, expondo os seus argumentos sempre fazendo menção à guerra. Neste conjunto documental podemos verificar que em sua fala Bianqui afirmou que tornar a província um Estado era, no âmbito político, impossível. O deputado acrescentou que para sustentar a Independência necessitava-se de meios, no entanto, o território oriental não possuía população nem recursos para que fosse governado pacificamente. Os orientais não teriam como impedir a guerra civil, nem ataques externos, nem conquistar o respeito das outras nações, além de que haveria a emigração dos capitalistas, voltando, assim, a Banda Oriental a ser o “teatro da anarquia” e “a presa de um ambicioso atrevido”.8 Observa-se que Bianqui utilizou o temor existente no imaginário oriental do retorno aos conflitos em sua argumentação, pois se este medo não fosse presente, não haveria razão do congressista ter enfatizado a possibilidade do retorno ao “caos”, nem ao surgimento de “um ambicioso atrevido”, provavelmente aludindo à possibilidade do surgimento de alguma outra liderança com base popular e revolucionária como foi a de Artigas. Assim, a ameaça bélica, 4 Anais Eletrônicos do VII Encontro Internacional da ANPHLAC Campinas - 2006 ISBN 978-85-61621-00-1 independentemente de existir ou não, independente do congressista acreditar nela ou não, estava a ser trabalhada em seu discurso no Congresso Cisplatino. Bianqui, ao anular a possibilidade da Banda Oriental em constituir-se estado autônomo, apontava, em seguida, a necessidade de incorporar-se a outro estado, excluindo Buenos Aires e Entre-Ríos em função de seus conflitos internos. A Espanha também foi descartada, pois segundo o deputado, os pueblos já haviam votado contra ela e, também, a antiga metrópole foi incapaz de manter a província em paz. Deste modo, para o congressista, não havia outra opção que não fosse a incorporação à monarquia portuguesa sob uma constituição liberal. Com a manutenção do poder luso, segundo o deputado, impossibilitava-se a anarquia, o setor produtivo continuava as suas atividades, sendo, assim, restituídos os anos de prejuízos, e os “arruaceiros” teriam que dedicar-se ao trabalho ou então sofrer o rigor das leis. As atas também mostram que, em seguida, quem discursou foi o deputado Llambí. Ele ressaltou a possibilidade de que com a saída das tropas de Lecor o território oriental provavelmente sofreria novas invasões ou cairia em uma guerra civil. Corroborando com Bianqui, Llambí retomou em sua fala os conflitos que a Banda Oriental sofreu nos anos anteriores, afirmando, inclusive, que mais da metade da população foi dizimada, bem como as suas riquezas, e que perderam o pouco armamento que tinham. Llambí também apontou a devastação que a província encontrava-se e utilizou este fato para argumentar a incapacidade dos orientais em tornarem-se independentes, e retomou a questão da estabilidade, já levantada no Congresso: “[...] Un Gobierno independiente pues entre nosotros, sería tan insubsistente, como lo es, el del que no puede ni tiene medios necesarios para sentar las primeras bases de su estabilidad.”9 A possibilidade da incorporação a outros estados também foi abordada por Llambí. O congressista levantou a possibilidade da Espanha, Buenos Aires, Entre Rios e o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. A Espanha foi descartada por razões como a distância, a sua impossibilidade de resolver as mazelas orientais e, ainda, porque levaria a conflitos armados no interior da província entre partidários a favor e contra a antiga metrópole. As guerras em que Buenos Aires e Entre Rios estavam envolvidas impossibilitavam, segundo Llambí, a união da Banda Oriental a estes estados. Assim, o deputado expunha que “A cualquier parte que vuelvo la vista me veo amenazado de los efectos de esta [a guerra]; y si à todos se les presenta con el horroroso aspecto que á mí, ningún mal deberémos temer tanto como él.”10 Llambi ainda afirmou em seu discurso que, de fato, a Banda Oriental estava em poder das tropas portuguesas, o que não se podia evitar, e que qualquer resolução dos orientais, por melhor que fosse, podia ser destruída por alguém que pudesse agrupar um pequeno número de 5 Anais Eletrônicos do VII Encontro Internacional da ANPHLAC Campinas - 2006 ISBN 978-85-61621-00-1 combatentes. O aventurar-se nestas contingências seria uma imprudência que os congressistas teriam que responder eternamente aos pueblos. Percebe-se no discurso de Llambí uma dose de pragmatismo ao destacar a fragilidade da província para sustentar-se independente. Se Llambí acreditava em sua argumentação, ou se a mesma foi um meio de justificar o seu voto e de congregar partidários em torno da opção acordada com Lecor, ou simplesmente uma mera encenação, não é o objetivo do presente artigo. Importante é detectar a constante utilização do temor ao retorno aos conflitos armados, e que o discurso do deputado é um meio para o historiador identificar que a sociedade oriental à época tinha o seu imaginário temeroso no que tange o retorno das guerras ao seu território. Após a fala de Llambí, conforme constata-se nas atas, Larrañaga foi o deputado que discursou, demonstrando uma posição pragmática e o rechaço em relação à guerra, revelando uma espécie de trauma no que se refere aos conflitos armados. Larrañaga afirmou que os orientais encontravam-se, desde 1814, abandonados pela Espanha. Buenos Aires e as demais províncias platinas fizeram o mesmo, deixando a Banda Oriental sozinha em uma guerra muito superior as suas forças e, por esta razão, o religioso anulou qualquer ligação do território com as províncias limítrofes e com a Espanha. Assim, a questão dos conflitos bélicos estava presente na argumentação de mais um dos congressistas. Outro ponto a se observar é que Larrañaga afirmou que após dez anos de revolução, a província estava distante do ponto de partida, e que o dever dos congressistas era conservar o que restou do seu aniquilamento e, caso o conseguissem, seriam, assim, verdadeiros patriotas. Pragmaticamente, Larrañaga conclamou aos deputados a afastarem a guerra e a desfrutarem da paz e da tranqüilidade através da união da província à monarquia portuguesa. No entanto, ele defendeu a autonomia da Banda Oriental, propondo que esta fosse considerada como um estado separado, conservando-se, por exemplo, as suas leis e autoridades. Da mesma forma que os outros deputados, o contato com a ata da sessão que discutiu a anexação permite afirmar que Larrañaga utilizava a possibilidade do retorno à guerra como legitimadora da opção pela permanência dos portugueses na Banda Oriental e, depois do seu discurso, acordava-se a incorporação do território oriental ao Reino Unido português: Entónces por una aclamacion general los S.S. Diputados dijeron: Este es el único medio de salvar la Provincia; y en el presente estado à ninguno pueden ocultàrse las ventajas que se seguiran de la Incorporac.n bajo condiciones que aseguren la libertad civil [...] En este estado, declaràndose suficientemente discutido el punto, acordaron la necesidad de incorporar esta Provincia, al Reyno Unido de Portugal, Brasil y Algarbes, Constitucional, y bajo la precisa circuntancia de que sean admitidas las condiciones que se propondrán y acordarán por el mismo Congreso en sus ulteriores sesiones, como bases principales y esenciales de este acto [...]11 6 Anais Eletrônicos do VII Encontro Internacional da ANPHLAC Campinas - 2006 ISBN 978-85-61621-00-1 Assim, no dia 18 de julho de 1821, os congressistas votaram, unanimemente, pela incorporação de Montevidéu e sua campanha ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. O conjunto das atas também mostra que, no dia 23, denominou-se a província recém anexada aos domínios lusos de Estado Cisplatino Oriental, e que nesta data decidiu-se que os cisplatinos teriam representação no Congresso Nacional. No dia 31, segundo a documentação, Lecor aceitou a anexação em nome de D. João VI, sendo que no quinto dia de agosto ocorreu o juramento da mesma, comparecendo Lecor, os congressistas, e todas as autoridades e funcionários de Montevidéu. No dia 8 houve a dissolução do Congresso e as suas últimas ordens foram no sentido de enviar cópia das atas a Lecor, para assim informar ao rei e as cortes de Lisboa dos acontecimentos.12 Agrega-se, ainda, que do Congresso resultou a redação de vinte e uma bases para a incorporação, sendo que estes itens buscavam, de uma maneira geral, preservar as especificidades orientais dentro da monarquia portuguesa. Conservavam-se os limites territoriais anteriores à revolução artiguista entre a Cisplatina e o Rio Grande, mantinha-se o castelhano como idioma oficial e a aplicação das rendas locais deveriam ser feitas na própria província. Preservavam-se as leis locais, desde que estas não fossem conflitantes com a constituição portuguesa que estava a ser elaborada pelas Cortes e, ainda, os empregos e cargos da Cisplatina eram reservados aos seus naturais ou àqueles que haviam contraído matrimonio na região.13 Assim, observa-se que com a política de casamentos empregada por Lecor, diversos portugueses e brasileiros poderiam ocupar posições em cargos públicos da província. É válido ainda ressaltar que, dentre as bases, mais especificamente a de número dezenove, havia a garantia da manutenção de Lecor no poder, pois a clausula afirmava que: “Continuará en el mando de este Estado [Cisplatino Oriental], el Señor Barón de la Laguna.”14 Em Portugal, não foi ratificado o resultado do Congresso Cisplatino e, com a emancipação do Brasil, Lecor aderiu publicamente à causa da independência, iniciando-se, assim, novos conflitos na região, entre partidários de D. Pedro I e de D. João VI. Desse modo, conclui-se que o temor em relação ao retorno à guerra foi utilizado pelos congressistas para argumentarem pela incorporação à monarquia portuguesa e para legitimar a ocupação, sendo as atas fontes bastante válidas para reconstituir o discurso dos deputados e a argumentação destes para a criação do Estado Cisplatino Oriental, bem como para analisar o temor existente na sociedade local no que refere-se à possibilidade do retorno aos conflitos bélicos. 7 Anais Eletrônicos do VII Encontro Internacional da ANPHLAC Campinas - 2006 ISBN 978-85-61621-00-1 Provavelmente os deputados orientais utilizaram no Congresso a argumentação do retorno aos conflitos bélicos pelos seus interesses pessoais (e dos grupamentos que eles representavam) em incorporar a Banda Oriental à monarquia portuguesa, bem como pela manutenção de Lecor no poder. Deste modo, Bianqui, Llambi e Larrañaga empregaram argumentos plausíveis para respaldarem seus discursos, pois os mesmos estavam inseridos em uma sociedade marcada pelos anos de conflitos e com seu imaginário temeroso no que referia-se ao retorno das guerras. Além disto, não se pode ignorar que a ameaça bélica era um risco eminente não só para a Banda Oriental, mas para toda a região do Prata, visto a desordem que as províncias limítrofes estavam mergulhadas, ratificando, assim, o quão plausível era a argumentação dos congressistas. Assim, o discurso enfatizando a possibilidade do retorno da guerra, e o destaque a possibilidade da paz, visto a ocorrência da recuperação do setor produtivo durante a ocupação de Lecor, foi, sem dúvida, altamente persuasivo para uma população que sofreu por anos em virtude de questões bélicas. Além disso, mesmo que a participação popular tenha sido vedada no Congresso, sendo este constituído por membros dos segmentos dominantes, provavelmente, o que foi discutido em suas reuniões teve repercussão junto à sociedade oriental, criando, deste modo, argumentos favoráveis à atitude dos congressistas de anexar o território oriental à monarquia lusa, bem como legitimadores da presença de Lecor e de suas tropas na região. Sendo assim, a manutenção do poder português acenava ser, ao menos no momento do Congresso, a solução mais conciliatória e a menos conflituosa para a sociedade oriental e para os grupamentos locais mais destacados e representados no Congresso Cisplatino. No entanto, a opção dos orientais pela incorporação ao Reino Unido português não os livrou de novas guerras, pois a adesão de Lecor ao Brasil fez com que conflitos bélicos fossem novamente estabelecidos na Cisplatina. Finalizando, observa-se que o Congresso Cisplatino veio a mudar o destino oriental, pois uniu legalmente este território à Coroa de Bragança, oficializando a ocupação lusa, além de interferir na geopolítica platina, mantendo territorialmente Portugal e, depois, o Brasil, no Prata e diretamente vinculados aos assuntos desta região, tendo que lidar com as constantes oposições e mudanças políticas características dos governos das províncias limítrofes. Agrega-se ainda que o resultado do Congresso foi fato crucial para a eclosão da Guerra da Cisplatina, que levou à criação da República Oriental do Uruguai. 8 Anais Eletrônicos do VII Encontro Internacional da ANPHLAC Campinas - 2006 ISBN 978-85-61621-00-1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E DOCUMENTAIS ABADIE, Washington Reyes e ROMERO, Andrés Vázquez. Crónica general del Uruguay. La Emancipación, vol. 3. Montevideo: Banda Oriental, 1999. ACTAS DEL CONGRESO CISPLATINO. Montevideo, 1821. Archivo General de la Nación. BANDEIRA, Moniz. 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Brasília: Senado Federal, 2002. 10 Anais Eletrônicos do VII Encontro Internacional da ANPHLAC Campinas - 2006 ISBN 978-85-61621-00-1 1 O método permite que um único mestre instrua, com a ajuda de monitores (alunos mais avançados e instruídos diretamente pelos mestres), até mil alunos, e que cada pupilo, em oito meses, possa aprender a escrever, ler e contar. 2 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Brasília: Senado Federal, 2002. 3 RIBEIRO, Ana. Montevideo, la malbienquerida. Montevidéu: Ediciones de la Plaza, 2000, p.43. 4 RIBEIRO, op. cit., p.44. 5 ACTAS DEL CONGRESSO CISPLATINO. Montevidéu, 1821. Archivo General de la Nación. 6 Idem, f.4v. 7 Idem, f. 8v e 9. 8 Idem, f.9 9 Idem, f.10 v e 11. 10 Idem, f.10 v e 11. 11 Idem, f.12v. 12 Idem, f.39 e 39v. 13 Idem, p.31v – 33v. 14 Idem. 11