DISCURSOS SOBRE IDADE NO CORPO FEMININO: REFLEXÕES SOBRE IDENTIDADE E SUBJETIVIDADE Marina Oliveira Barboza Brandão* RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar os discursos produzidos pelas tecnologias da beleza e sua relação com os discursos sobre idade no corpo feminino. Procurou-se refletir sobre o corpo feminino e o seu entrelaçamento com os discursos sobre beleza e idade marcados pelos processos de subjetivação construídos pelas formações discursivas. Para tanto tomaremos como arcabouço teórico os estudos do gênero LOURO (2010), LAURETIS (1994) e a Análise do Discurso Francesa MARIANI (1998), VAN DIJK (2008), ORLANDI (2007), SOUZA (2003) e outros. Como lócus de análise escolhemos os discursos produzidos por uma revista de cosméticos destinados ao “tratamento do envelhecimento”. PALAVRAS-CHAVE: mulher; idade e discursos; tecnologias da beleza. ABSTRACT: This article intends to analyze the discourses produced by the beauty of technology and its relation to the discourse on age in the female body. We tried to reflect about the female body and its imbrication with the discourses on beauty and age marked by processes of subjectivity constructed by discursive formations. For that, we will take as the theoretical foundation of the genre studies LOURO (2010), LAURETIS (1994) and the French Discourse Analysis (MARIANI (1998), VAN DIJK (2008) ORLANDI (2007), SOUZA (2003) and others. The locus of analysis chosen were the discourses produced by a magazine cosmetic for the "treatment from aging" KEYWORDS: woman; age and discourses; beauty of technologies INTRODUÇÃO Discutiremos, inicialmente e de forma breve, alguns conceitos sobre identidade e corpo, bem como a significação do corpo feminino e seu entrelaçamento com os discursos hegemônicos sobre beleza. Louro (2001) argumenta que os corpos são construídos socialmente, ou seja, somos seres culturais. Não é a biologia quem nos define, mas os valores simbólicos, as convenções, as linguagens e representações que vão atuando nos corpos, definindo-os, modificando-os. Assim, através de processos culturais, definimos o que é - ou não – natural; produzimos e transformamos a natureza e a biologia e consequentemente, as tornamos históricas. Os corpos ganham sentido socialmente (LOURO, 2010, p. 11). Interletras, volume 3, Edição número 19. Abril, 2014/Setembro, 2014 - p 1 O corpo feminino é alvo das construções sócio-identitárias sobre beleza. Os discursos produzidos pelas tecnologias da beleza movimentam o mercado capitalista e produzem diversas identidades. Em busca de um padrão de beleza construído discursivamente, as mulheres modificam seus corpos acreditando serem donas dessa decisão. Lauretis (1994) afirma que o corpo feminino sempre foi alvo dos discursos sobre sexualização, salientando que o cinema é responsável por parte dessa discursividade sobre o corpo feminino. Segundo a autora, as teóricas feministas da área do cinema já estudavam os efeitos dos discursos e códigos cinematográficos sob a construção da identidade da mulher. Ou seja, esses discursos trazem subjacentes “o corpo feminino como lócus primário da sexualidade e do prazer visual” (LAURETIS, 1994, p. 221). Assim, o cinema constitui-se, segundo a autora, numa “tecnologia de gênero”, pois através do aparato cinematográfico e a análise das técnicas cinematográficas como “(iluminação, enquadramento, edição, etc.) e os códigos cinematográficos específicos (por exemplo, a maneira de olhar) constroem a mulher como imagem, como objeto do olhar voyeurista do espectador” (LAURETIS, 1994, p. 221). A mídia, então vai construindo um padrão para o gênero feminino. A sexualidade feminina é sempre construída em oposição à masculina. O ideal é sempre o oposto ao masculino, assim o gênero feminino pela normatização social não deve questionar o masculino, para que isso ocorra adjetivos como beleza, sensualidade, leveza, delicadeza, fragilidade são atribuídos ao corpo feminino. Assim um corpo que não apresente essas características é alvo de “desconfiança”. Desse modo, existem discursos diferenciados para homens e mulheres que produzem diferentes significados em diferentes momentos históricos. Em citação a Hollway, Lauretis argumenta que, o que faz as pessoas se constituírem como resultado de alguns discursos e não de outros é o: Investimento que se faz nas posições discursivas. Esse investimento estaria entre um comprometimento emocional e um interesse investido no poder relativo (satisfação, recompensa, vantagem), que tal posição promete (mas não necessariamente garante) (LAURETIS, 1994, p. 221). Isso poderia explicar os investimentos, neste caso, financeiros, que as mulheres fazem para modificarem seus corpos. Não são necessariamente as mudanças que interessam, mas o sentido e os ganhos simbólicos que essas mudanças trazem. Os discursos sobre beleza e juventude são de, tal modo, incutidos pelos meios de comunicação que meninas desde muito cedo já se preocupam com os seus corpos de uma forma, muitas vezes, doentia. Acredita-se nessa lógica da indústria da beleza de tal forma que a única possibilidade aceitável, para a maioria, é aquela ditada pela mídia. A beleza tem cor, tipo de corpo e peso ideal, todos construídos sócio-discursivamente. Interletras, volume 3, Edição número 19. Abril, 2014/Setembro, 2014 - p 2 1. A MULHER E AS IDENTIDADES DO MERCADO DA JUVENTUDE Ser mulher na sociedade atual é vivenciar múltiplos papeis e ao mesmo tempo ser interpelada por construções sócio-discursivas de toda ordem. Analisaremos como se dá a constituição do sujeito feminino em face aos discursos sobre beleza e juventude. A beleza construída discursivamente para a mulher se caracteriza como capital simbólico. Segundo Mariani (1998): O simbólico está relacionado ao processo do significante e do sócio-histórico na constituição do sujeito de tal forma que, posto em relação à experiência no mundo, possibilita que sentidos sejam sempre produzidos (MARIANI, 1998, p. 88). Desse modo, a identificação com os discursos sobre o cuidado com o corpo e a beleza feminina é possível graças ao valor simbólico agregado a esses discursos. As identidades são sempre produzidas no âmbito da cultura e da história e por isso como bem afirma Hall (2003), são contingentes e transitórias. Em diversos momentos ao longo da história a categoria mulher assumiu diversos significados sociais. Esses sentidos produzidos nos discursos e para atenderem a inúmeros interesses ideológicos, econômicos e de classe, dentre outros, constituíram a imagem da mulher de modos diversos ao longo do tempo. Como dito antes, a mulher é alvo do olhar, constitui-se como figura que deve representar a beleza, a sensibilidade, deve dar prazer ao olhar. A mídia, grande produtora e reprodutora de ideologias, assume um papel primordial na construção de identidades femininas. Pelo controle dos discursos sobre beleza, juventude e feminilidade vão se construindo categorias discursivas que produzem novas necessidades e, consequentemente, se transformam em capital simbólico, do qual não se pode abrir mão. Os meios de comunicação de massa manipulam os discursos do mercado de consumo como nos aponta Guareschi (1987): Numa sociedade capitalista, cada atividade e cada produto participam do mundo e da lógica dos objetos de consumo [...] a fim de estabelecer a forma mercantilista das comunicações, fazer dessa forma uma atividade natural, isto é, uma atividade que seja realizada sem que os dominados (ou seja, os receptores) suspeitem da identidade dela como sendo um instrumento de dominação, controlado por determinada classe – os meios de comunicação têm de passar através de um processo de fetichização, semelhante àquele a que todas as atividades e produtos estão sujeitos. Sob a influência desse fetichismo, seres vivos são transformados em coisas (fatores de produção) e coisas começam a assumir qualidades de seres vivos. Dessa maneira, o dinheiro trabalha, o capital produz e, consequentemente, os meios de comunicação agem. (GUARESCHI, 1987, p. 18) Grifo nosso. Interletras, volume 3, Edição número 19. Abril, 2014/Setembro, 2014 - p 3 Desse modo, produtos são transformados em objetos de desejo, mais que isso, em seu entorno são produzidos todos os discursos que justificam sua existência e legitimam sua necessidade para que enfim, possa-se utilizá-lo e/ou consumi-lo sem culpa. Assim, usando a estratégia da persuasão e da manipulação a mídia produz no consumidor uma necessidade legítima. “Uma característica típica da manipulação é comunicar crenças implicitamente, isto é, sem realmente afirmá-las e, portanto, com pouca chance de serem questionadas” (VAN DIJK, 2008, p. 123). Os discursos sobre beleza e juventude são de tal modo, inculcados na mente das pessoas, que sua validade não é questionada pela maioria. Van Dijk (2008) diz que uma maneira de manter o poder sobre as pessoas, além dos discursos é através do controle de suas mentes. Segundo o autor as pessoas (receptores) tendem a aceitar crenças, conhecimentos e opiniões através dos discursos produzidos por fontes tidas como confiáveis, tais como, peritos, acadêmicos, meios de comunicação confiáveis e somado a isso, quando outras visões de crenças não são divulgadas ou falta às pessoas conhecimentos e crenças necessárias para contra-argumentarem, tudo isso contribui para a aceitação do que está posto como “normal”, como verdade. Nesse contexto partimos para análise do “tratamento do envelhecimento”, visto que se tem em nossa sociedade um padrão e/ou um discurso sobre o conceito de mulher que consequentemente está atrelado à beleza, não se admite relacionar beleza e velhice ou idade avançada, pois o belo na nossa sociedade está intrinsecamente ligado ao conceito de novo, jovem, atual. Deste modo, uma mulher velha já foge à ordem vigente dos discursos sobre beleza. Assim, a sociedade “trata” a velhice ou, nos termos das empresas cosméticas, o “envelhecimento”. Na sociedade atual há tratamento para todos os males sejam físicos ou psicológicos e trata-se de forma bioquímica. As pessoas estão acostumadas a não viverem suas emoções, assim os estados psíquicos como tristeza, stress, melancolia podem ser medicados/tratados como doença, conforme aponta o Psicanalista Bezerra Junior (2009). Junior diz que na contemporaneidade a subjetividade se cola no corpo, ou seja, há um desenvolvimento de vocabulário fisicalista que determina como o corpo deve atuar ou funcionar socialmente. A medicina passa a responder aos anseios da população que incorpora o seu vocabulário e o usa com propriedade justificando-o inclusive. As formações discursivas do campo da medicina contribuem para a construção de um discurso incontestável. O corpo como alvo da medicina passa na atualidade a ser o centro do sujeito, assim, o sujeito atual tira as normas de comportamento social da corporeidade não mais das ideologias e religiões dentre outras opções (Bezerra Junior, 2009). Os conceitos de vida saudável passam a dominar nossa sociedade atual interferindo nos processos de interação social, deste modo criou-se um padrão de vida saudável e corpo saudável. Nestes termos, o corpo saudável deve ser o corpo jovem, rígido, rápido, musculoso dentre tantos outros adjetivos. O “corpo bom” passa a ser a Interletras, volume 3, Edição número 19. Abril, 2014/Setembro, 2014 - p 4 norma e quem foge dessa norma é considerado “atrasado” ou doente, ou seja, não alcançar o padrão desejado muitas vezes é sinal de doença. E o padrão é sempre o ideal construído pelos interesses econômicos do poder hegemônico. 2 OS DISCURSOS DA JUVENTUDE CORPORAL – TRATANDO A VELHICE Neste tópico analisaremos as formações discursivas produzidas por uma empresa de cosméticos voltada para o mercado feminino. O recorte para a análise foram os produtos destinados ao tratamento da pele, especificamente o rosto feminino no que tange a idade e envelhecimentoi. A questão da idade em relação à mulher é muito forte em nossa sociedade, pois que a velhice é tratada como doença, algo que deve ser mascarado/maquiado, ou seja, deve ficar escondido caso seja impossível se livrar dela. Deste modo, as mulheres buscam cada vez mais produtos que possam trazer-lhes a beleza prometida, beleza esta associada a uma aparência jovem, lisa, sem rugas. A linha de produto analisada promete produtos “anti-idade” para todas as faixa etária da mulher (25 anos, 35 anos, 45 anos e 60 ou mais). Uma mulher com 25 anos não poderia ser considerada como velha ou necessitando de produtos para idade, mas existem discursos que justificam o uso de produtos “anti-idade” que previnem esse envelhecimento, ou seja, já muito cedo a mulher começa a entender que envelhecer, processo natural ao qual todos os humanos passaram, não é um fator positivo visto que é preciso prevenir-se. Para justificar essa necessidade, o discurso médico é aludido: Aos 25 anos, a pele fica mais oleosa, os poros mais abertos e começam a aparecer as primeiras marcas de envelhecimento, como as linhas finas. Desse modo, como afirma a empresa, “previne e trata os primeiros sinais”. Quanto à justificativa da pele mais oleosa seria mesmo em todos os tipos de pele? Caso não o fosse, porque isso não está explicito? Aos 35 anos sugere-se que haja uma reversão dos sinais de envelhecimento. A terminologia dos produtos muda para “reversalist”, “restaurador anti-idade”. Para convencer a consumidora da necessidade do produto encontramos apelos como: “reverte os sinais moderados de envelhecimento” E como justificativa médica: Interletras, volume 3, Edição número 19. Abril, 2014/Setembro, 2014 - p 5 “por volta dos 35 anos, a pele do rosto começa a apresentar sinais de ressecamento, rugas e marcas mais acentuadas”. “reverte os sinais de idade enquanto você dorme” “reduz visivelmente a aparência de rugas e marcas da idade” “Em 03 dias, começa a reduzir a aparência das rugas” ** Nota-se que as mídias do consumo sabem com que tipo de público lidam, desse modo, não fazem afirmativas sem que tenham respaldo médico ou científico. Mas podem fazer parecer que há uma pesquisa sobre o assunto, assim, na frase “Em 03 dias começa a reduzir a aparência das rugas**”, os asteriscos remetem a uma informação estrategicamente colocada na vertical da revista com a mensagem: “Baseado em estudo de percepção do consumidor”. Ou seja, dito deste modo ganha um caráter de aparente cientificidade implícito nas terminologias “estudo” e “percepção do consumidor”. Não está dito que é uma pesquisa nos moldes acadêmicos, mas fica implícito, parece ser, pois opera com as formas didáticas de referenciação científica, qual seja indicar em nota de rodapé o referente, e/ou a explicação da afirmação realizada. Aos 45 anos os produtos para tratamento tornam-se mais potentes, desse modo o campo lexical também deve persuadir as consumidoras, assim temos expressões como; “Combate os sinais avançados do envelhecimento” E como justificativa tem-se: “Na maturidade, a pele do rosto fica mais seca e apresenta sinais avançados de envelhecimento, como flacidez, mais marcas e rugas”. Nesta idade, o tempo é uma questão crucial, assim os produtos devem ser rápidos em seus efeitos: “Em 3 dias: preenche a aparência de rugas profundas”. (creme noite) “Em 3 dias: restaura o controle facial”. (creme dia) A partir dos 60 anos a mulher tem a opção de “restaurar os sinais muito avançados do envelhecimento”. Assim as áreas consideradas problemáticas tais como, lábios e olhos são apontadas, e um produto específico para essas áreas é indicado. “Restaura os sinais muito avançados do envelhecimento” “Melhora na aparência das rugas finas dos lábios e dos pés-de-galinha dos olhos” Interletras, volume 3, Edição número 19. Abril, 2014/Setembro, 2014 - p 6 Justificativa médica: “Nesta idade, a pele apresenta alto grau de ressecamento e sinais muito avançados de envelhecimento, como rugas, flacidez e marcas profundas” Desse modo, a empresa consegue chamar a atenção para o público feminino de todas as idades com um campo lexical que justifica a necessidade de uso dos produtos em cada faixa etária. Aos 25 anos “previne”, aos 35 “reverte”, aos 45 “combate” e aos 60 ou mais “restaura”. Desse modo, possibilita que as mulheres em geral se identifiquem com determinadas necessidades de consumo e a empresa garante para sua linha de produtos um mercado constante de consumidoras, visto que a ideia dos produtos atende às mulheres de várias gerações. Esses discursos mostram a impossibilidade de aceitar que uma mulher não mascare e/ou trate os sinais do tempo. Mulheres com um rosto irreal, visto que são rostos produzidos/maquiados para mostrarem as vantagens do produto, são associadas aos produtos como possibilidade ou objetivo de beleza feminina e juventude. Observe-se que essa linha de produto não considera os rostos negros, a maioria dos rostos são de modelos brancas, apesar de vivermos em um país em que cerca de 50% da população é declaradamente negra e/ou parda. A preferência por peles claras está implícita em muitas frases como “mãos mais jovens, claras e protegidas” para a venda de produtos específicos para o clareamento da pele. Assim, o produto apresenta um nome “poderoso” como “Luminosity”, alusão à claridade, luz, brilho. E claro, esses adjetivos não são associados à pele escura ou negra já que a mesma não possui tal característica, logo, evidencia-se que o padrão de beleza estabelecido hegemonicamente é a pele branca. A pele escura geralmente não é mostrada como sinal de beleza. As mulheres passam por um processo de assujeitamento produzido pelos discursos históricos sobre sua própria constituição dada pelas construções da linguagem que estão carregadas de posições ideológicas. Assim, em nossa sociedade o olhar sobre a mulher não permite que esta assuma uma identidade de “mulher velha”, pois que envelhecer em nossa sociedade é tornar-se obsoleto, objeto de asco, muitas vezes. O culto ao novo, jovem e viril é o padrão socialmente aceito. Segundo Mariani (1998): Ser trabalhado pela língua diz respeito à entrada do sujeito em um mundo já dotado de sentidos que o antecedem. Há, nesta entrada, uma memória discursiva já organizando este mundo para o sujeito. O processo de identificação-interpelação, portanto, se realiza nas filiações constituídas pelas redes de memória, memória atravessada ao mesmo tempo pelas relações inconscientes e determinações históricas. Ou seja, o sujeito não escolhe um Interletras, volume 3, Edição número 19. Abril, 2014/Setembro, 2014 - p 7 modo pelo qual será interpelado. Ele é interpelado porque é afetado pelas determinações históricas e inconscientes. (MARIANI, p. 90, 1998) Contudo, podemos observar que há espaços para as resistências, muitas mulheres não aceitam o papel ao qual lhes foi imposto e rejeitam essas noções de padrão de comportamento, de beleza, dentre outros. Poderíamos pensar em o que as faz resistir? Por que nos identificamos com determinadas formações discursivas? Souza (2003) argumenta citando Foucault (1998) que é preciso pensar não no por que os indivíduos se deixam subjugar, mas é necessário analisar “as relações de sujeição efetivas que fabricam sujeitos”. Segundo Souza: O que define a resistência não é uma ação de entrincheiramento do sujeito em si mesmo. É justamente o contrário. O movimento é de saída da trincheira (...), resistir não é deter-se em si como origem da subjetividade, mas enveredar para outros modos de subjetivação. (SOUZA, 2003 p.41) Assim, os novos modos de subjetivação só são possíveis graças aos novos modos subjetivos de ser, construídos por novas práticas discursivas. Focamos nossa análise nesse ponto. É preciso pensar em práticas discursivas opcionais ao poder hegemônico imposto pela mídia no que tange às simbologias sobre beleza e idade no corpo feminino, pois estes valores simbólicos constroem determinadas identidades em detrimentos de outras. Embora a identificação ou não com determinados discursos tenha relação com aspectos do inconsciente, Bakhtin (2009) tece considerações acerca do conteúdo do inconsciente formulado por Freud. Segundo o autor, “nenhuma enunciação verbalizada pode ser atribuída exclusivamente a quem a enunciou: é produto da interação entre falantes e, em termos mais amplos, produto de toda uma situação social em que ela surgiu” (BAKHTIN, 2009, p. 79). Desse modo, para Bakhtin, o material do inconsciente é constituído na materialidade da linguagem localizada no consciente. Para ele “uma vivência individual conscientizada já é ideológica”. Esse material verbal discursivo e ideológico é que forma o inconsciente, parte-se sempre do exterior para o interior e nunca o contrário, segundo o autor. Para analisarmos as posições de constituição dos sujeitos e de resistência é preciso levar em conta que os lapsos, as falhas que produzimos ao enunciarmos nossa posição de sujeitos se dá em um espaço consciente/inconsciente de forma contingente, ou seja, não há garantias de que estejamos lá sempre e do mesmo modo. As posições ocupadas são sempre instáveis e apelam para o que, em determinado momento, pode interpelar o sujeito, de modo que seus enunciados pertençam a essa ou aquela formação discursiva. Como afirma Orlandi (2007), as palavras significam e ressignificam a partir da posição dos sujeitos. Interletras, volume 3, Edição número 19. Abril, 2014/Setembro, 2014 - p 8 Essa produção enunciativa dada pelos discursos apresenta-se ao sujeito como algo que só poderia ser dito desta forma, visto que em sua enunciação não consegue ou não pode lembrar-se (esquecimento n. 2) de que seu discurso poderia ser dito de outra forma. Soma-se a isso o fato de que o sujeito, é ao mesmo tempo, assujeitado pelas condições de produção do seu discurso. Desse modo, retorna-se para o material linguístico e para o campo ideológico inscrito na história e nas relações de poder estabelecidas entre as sociedades, culturas, espaço e tempo. Porém, esse retorno ao campo material dos discursos nos leva de volta ao inconsciente, pois o material linguístico sempre apresenta faces diversas e as escolhas que fazemos são marcadas pela inconstância, pela falta de coerência e pelos lapsos que afinal vão dando um contorno ao sujeito afetado sócio historicamente e interpelado pela subjetividade da sua própria identidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo teve por objetivo refletir sobre a mulher e a fase da velhice e como ela é interpelada pelos discursos de juventude de nossa sociedade. Entendendo que os meios de comunicação estão a serviço da ideologia dominante e do mercado capitalista do qual estamos sujeitos e que tem por objetivo manipular e criar desejos e expectativas para enfim, conseguir um mercado para seus produtos. Desse modo, analisar a linguagem utilizada em produtos publicitários implica em analisar os discursos como construção social na qual as pessoas envolvidas agem sobre o mundo e, ao mesmo tempo, constroem suas identidades. Essas formações discursivas posicionam as pessoas nas mais diferentes esferas da vida social. As relações de poder estabelecidas nos discursos sobre o corpo feminino posicionam as mulheres e marcam as diferenças aceitas ou não. Woodward (2007) argumenta que: As identidades são fabricadas por meio da marcação da diferença. E a marcação da diferença ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de formas de exclusão social. A identidade, pois, não é oposto da diferença: a identidade depende da diferença. Nas relações sociais, essas formas de diferença – a simbólica e a social – são estabelecidas, ao menos em parte, por meio de sistemas classificatórios (WOODWARD, 2007: p. 39-40). Segundo Woodward (2007), as diferenças são produzidas em sistemas de oposição que delimitam os espaços determinando o nós-eles. Dessa forma, pode-se produzir, determinar e classificar quais os símbolos pertencentes a cada grupo, e quais aqueles a que se atribui valor ou não. Interletras, volume 3, Edição número 19. Abril, 2014/Setembro, 2014 - p 9 Essas classificações nem sempre são explicitas, mas aparecem nas ausências significativas, nos ditos e não ditos sobre determinado tópico (Orlandi, 2007). Não está explicito que determinados produtos não foram feitos para mulheres negras, mas está implícito pela ausência de representação dessas mulheres. Não está explicito que mulheres que não apresentem determinada padrão de beleza serão excluídas, mas está implícito pelas ausências e silenciamentos sobre as mulheres etnicamente diferentes, por exemplo, ou pela afirmação e reafirmação de valores relacionados apenas às mulheres brancas. Quando a mídia e as tecnologias de beleza tratam a juventude como valor supremo, automaticamente estão delimitando posições sociais, ou seja, aqueles que não pertencem ao grupo jovem estão sendo posicionados do lado oposto, excluídos daquele campo lexical e consequentemente, produz-se uma exclusão social. Mudar o corpo deve e pode ser uma escolha, mas o que chamamos atenção é que o mercado consumista traz isso como uma imposição ao criar padrões e identidades “corretas” por meio de discursos que tem como finalidade alimentar o mercado capitalista. Procurou-se, então, refletir sobre a velhice como tratamento, pois ao tratarmos os sinais de envelhecimento que é inerente ao ser humano, estamos tratando este ser humano velho como uma doença. Deste modo, trabalha-se a exclusão de uma parcela significativa da população. Há que se considerar que para os homens ser velho não o torna propriamente alguém excluído, contudo a mulher velha não é vista com bons olhos. O apelo pela juventude no gênero feminino é muito maior. Assim, a identificação com determinados discursos pode ocorrer pela necessidade de ser aceito e não necessariamente por escolha, pois que somos construídos a partir do outro e o olhar do outro dilacera, perpassa-nos a alma, nos faz perguntar sobre quem somos. Uma construção discursiva é mais que um código verbal, é a representação daquilo que construímos sócio-historicamente nas interações sociais. i Foram analisados os discursos produzidos para a venda dos produtos para rejuvenescimento anunciados pela Revista Avon – Campanha 13/2013 – p. 70-77. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail/VOLOSHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2004. BAKHTIN, Mikhail/ O Freudismo: um esboço crítico. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Perspectiva, 2009. Interletras, volume 3, Edição número 19. Abril, 2014/Setembro, 2014 - p 10 BEZERRA JUNIOR, B. C. O que forma o sujeito hoje? Disponível em <http://www.cpflcultura.com.br > Acesso em 02 de agosto de 2013. GUARESHI, Pedrinho A. Comunicação e poder: a presença e o papel dos meios de comunicação de massa estrangeiros na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1987. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 8 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. LAURETIS, Tereza de. A tecnologia do gênero. 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Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2007. *Marina Oliveira Barboza Brandão é Mestre em Letras – Área de concentração: Linguística e Transculturalidade pela Universidade Federal da Grande Dourados/UFGD. Interletras, volume 3, Edição número 19. Abril, 2014/Setembro, 2014 - p 11