A Administração da Crise Aérea Brasileira: Os Discursos de Empresas Aéreas, Aeronautas e Aeroviários. Autoria: Jose Lindenberg Julião Xavier Filho, Jefferson Lindberght de Sousa, Sérgio Carvalho Benício de Mello Resumo Este estudo visa entender como os discursos das empresas aéreas, dos aeronautas e dos aeroviários significam a crise aérea brasileira. A Administração de Crises e a Teoria do Discurso constituem ferramental teórico utilizado, de forma a utilizar a Análise do Discurso como procedimento teórico-analítico. O corpus contém 213 documentos que abarcam os discursos tanto das empresas aéreas quanto dos aeronautas e aeroviários, entre 2005-2013. Os resultados apontam para uma prática discursiva das empresas aéreas pautada na evidenciação da eficiência e na denúncia do Estado como protagonista da crise. Para os aeronautas e aeroviários, evidencia-se uma forte agenda sindical. 1 1. Problematização Nos tempos atuais, os acidentes provocados pelo homem vêm revelando dimensões catastróficas comparáveis aos desastres naturais, no que tange ao alcance e amplitude de suas consequências. Autores como Santana (2000; 2004) afirmam que a devastação causada por crises provocadas pelo homem resultou em centenas de vidas ceifadas e incalculáveis danos ao meio ambiente. À medida que a tecnologia vem sendo desenvolvida, argumenta o autor, são criados sistemas (organizações) que aumentam riscos para operadores, passageiros, e espectadores inocentes. Galindo e Nogueira (2008) asseguram que tais crises permeiam a relação espaço-tempo de qualquer organização e que a repercussão da existência de uma crise aumenta na proporção em que vai despertando a atenção das entidades de comunicação, a exemplo da imprensa. Na realidade, as crises nas organizações são matérias constantemente perseguidas pela mídia, muito embora autores como Silveira (2010) defendam que isso não represente o motivo principal para que sejam desenvolvidos planos de crise e sua administração, uma vez que qualquer organização pode estar vulnerável a crises e a maior perda que ela pode sofrer é a queda de sua credibilidade. Assim, o autor corrobora com a idéia de que administração de crises não ocorre somente em momentos nos quais nasça e ecloda a crise, ou mesmo o posterior, mas ao longo de todo o processo, começando pelo plano que previu a crise antes ainda de sua ocorrência. No Brasil, a crise aérea – ou o apagão aéreo – teve significativa repercussão na imprensa nacional. Salgado (2009) argumenta que tal conflito tem sido resultado de um crescimento desordenado e desproporcional em relação ao número de usuários de voos e o investimento em infraestrutura para dar suporte a tal crescimento, um colapso que vem sendo desenhado ao longo dos últimos 20 anos, passando por acontecimentos envolvendo a VARIG, em 2003, e deflagrado em 2006 com o choque entre um Boeing da GOL e um jato Legacy da companhia norte americana ExcelAir Service, somado aos problemas de atrasos nos voos, extravios de bagagens e às reinvidicações da categoria dos controladores de voo por melhores condições de trabalho. Os problemas que levaram à crise aérea no Brasil não são isolados, uma vez que ela é formada por um conjunto interligado de fatores que têm trazido este cenário de desordem no setor aéreo nacional, a exemplo do fato de a Aeronáutica ter negado a existência de tais problemas, mesmo quando diversos órgãos de impresa nacional divulgaram amplamente o caso (VEJA, 2007). Adicionalmente, não se pode deixar de trazer à baila a falta de recursos ou sua má administração para se prover uma estrutura adequada aos aeroportos, de modo que possa ser atendida uma demanda crescente de usuários, a escassez de mão de obra de controladores de tráfego aéreo aliada às precárias condições de trabalho e às falhas técnicas como as “zonas cegas” dos radares, como exemplos de componentes impróprios e ineficazes que comprometem esse complexo sistema aeroviário (SALGADO, 2009). Existem agentes envolvidos com o mercado da aviação civil nacional que têm função estratégica nessa estrutura de gestão, tais como o Ministério da Defesa, que é o órgão responsável pela aviação no Brasil e que é comandado pela Força Aérea Brasileira (FAB), a qual, por sua vez, não responde exclusivamente pelo gerenciamento do setor, contando com a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO), que é uma empresa estatal e tem a principal finalidade de administrar os aeroportos do Brasil. Além desses órgãos, existe a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) - responsável pela regulação e fiscalização das atividades de aviação civil e de infraestrutura aeronáutica e aeroportuária. O ponto complexo dessa estruturação interorganizacional é que a ANAC é a única das três entidades que é 2 comandada por uma autoridade civil. Do ponto de vista do mercado, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) regula a estrutura do mercado. No calor das discussões, indícios de práticas discursivas das empresas aéreas, dos aeronautas e dos aeroviários vêm corroborando com possibilidades de enaltecerem imagens e reputações institucionais, na medida em que mostram o envolvimento com ações voltadas para as questões sociais, como o ato de abrilhantar a compreensão do panorama da crise aérea no Brasil, atuando, como discute Santana (2000), com processos comunicacionais voltados ao conjunto de stakeholders, de modo a demonstrar sua posição política em meio às suas práticas discursivas. A reflexão que abrange a necessidade de uma articulação entre os diversos atores envolvidos na crise aérea do Brasil poderá remeter este estudo a procedimentos metodológicos no campo da Teoria do Discurso, uma vez que Howarth (2000) afirma serem seus fundadores, Laclau e Mouffe, os quais se fundamentam em três conceitos centrais: antagonismo social, subjetividade política e hegemonia. No antagonismo social, cabe ao analista descrever as causas, as condições e a resolução do conflito. Na subjetividade política, o analista necessita entender, em primeiro lugar, que tal conceito está vinculado à entendimento de discurso. Isso posto, resta saber como os atores agenciam as transformações das estruturas sociais e, finalmente, no tocante à hegemonia, o analista deve entender que se trata de uma ação política envolvendo diferentes identidade e forças no bojo de um projeto comum (JORGENSEN; PHILLIPS, 2002). Tendo por base este pano de fundo, parece oportuno entender como ocorre o processo de significação da crise aérea brasileira pelos discursos das empresas aéreas, dos aeroviários e dos aeronautas? Tal inquietação está direcionada para a compreensão dos posicionamentos assumidos pelas empresas aéreas, aeronautas e aeroviários frente à crise aérea no Brasil. Para proceder com este estudo, foi levantado um corpus com 213 documentos referentes aos anos de 2005 até 2013. Na seção 2, apresentaremos os fundamentos teóricos de base para a análise, compreendendo a Administração de Crises e a Teoria do Discurso; Na seção 3 será apresentada a metodologia e na seção 4 analisadas e discutidas as evidências presentes no Corpus. 2. Abordagem teórica Nesta seção, serão discutidos dois conjuntos de conceitos. O primeiro conjunto se refere ao paradigma da Administração de Crises que, entre outros estudiosos, destaca-se como principal pesquisador nacional Guilherme Guimarães Santana; e o segundo conjunto de conceitos diz respeito à Teoria do Discurso dos estudiosos pós-estruturalistas Ernesto Laclau e Chantal Mouffe. 2.1. Administração de Crises Em 1997, o estudioso Gilherme Santana Guimarães defendeu sua Tese de doutorado a respeito da temática Gestão de Crises (Crisis Management) na Bournemouth Universty, Inglaterra, e tratou de defender, já em publicação no Brasil, que seu entendimento a respeito da gestão de crises, ou como o mesmo utilizou, “Administração de Crises” vem sendo paradigmático. De início, enfatiza-se a afirmação de que “fatores como erro humano, falta de julgamento, falta de antecipação, ganância, falha mecânica, todos combinam para que, cedo ou tarde, os executivos organizacionais enfrentem uma grande crise” (SANTANA, 2000, p. 3), indicando que, diferentemente do risk management, como historicamente a crise é tratada, ela não envolve probabilidades, mas, acima de tudo, planejamento, pois se trata de um 3 fenômeno latente em todas as organizações. Essa iminência de uma crise assolar as organizações deriva da complexidade dos sistemas e da complexidade dos indivíduos que gerenciam esses sistemas, como afirma Weick (1987) quando indica que os acidentes de percurso ocorrem porque os homens que operam e administram sistemas complexos não são, eles mesmos, suficientemente complexos para sentir e antecipar os problemas gerados pelos mesmos sistemas. A complexidade, além disso, não está no indivíduo isoladamente, mas na estrutura gerencial do sistema. Essa discussão também tem sido conduzida por autores como Pforr e Hoise (2008), além de Blackman e Ritchie (2008), que vêm remetendo a um contexto em que desastres de grande magnitude e comoção social ocorreram e, para isso, surge o paradigma da gestão da crise para lidar com tais situações. Assim, a administração de crise tem sido entendida como sendo um esforço contínuo, abrangente e integrado em que as organizações efetivamente realizam como uma tentativa de, antes de tudo, “entender e prevenir as crises, e de efetivamente administrar aquela que vier a ocorrer, considerando o interesse de seus stakeholders em cada etapa de suas atividades de treinamento e planejamento para crises” (SANTANA, 2000, p. 7). Autores como Shinyashiki, Fischer e Shinyashiki (2007) vêm observando que, tendo em vista a visão limitada de empresas que voltam suas gestões de crise alinhadas à reputação, há necessidade de tal gestão esteja envolvida com todos os aspectos organizacionais. No que se refere ao ato de entender e prevenir as crises, há alinhamento com autores como Laws e Prideaux (2005), Pforr e Hoise (2008) e Huang, Tseng e Petrick (2008) em que a crise não ocorre num vácuo sócio-histórico, mas sim, ela se apresenta como um fenômeno contextualizado com emissão de diversos sinais. Muitas vezes, tais sinais são de baixa frequência, conforme são tratados por Day e Schoemaker (2004), sob impactos em longo prazo, sendo perceptível apenas se a organização possuir estrutura organizacional para captálos. Embora não seja possível eliminar a crise, pois as variáveis que a deflagram não são todas controladas pelo agente (SANTANA, 2004), pode-se mitigar seus efeitos ou suportar mais adequadamente se houver planejamento adequado. As variáveis não são plenamente controladas, dado que as crises não respeitam limites geográficos e políticos, nem mesmo estruturais, o que indica que a organização pode ser afetada por uma crise estrutural, pelo fato de se deflagrar um conflito que implique na ocorrência de impactos estruturais, ambientais e, até mesmo, em mudanças no âmbito de uma nação, como foi estudado por Huang, Tseng e Patrick (2008). O segundo termo a ser discutido neste estudo diz respeito ao esforço por administrar alguma crise que venha a ocorrer como sendo elemento constitutivo da gestão de crises. Nesse aspecto, retoma-se a discussão de que a crise não pode ser totalmente evitada por ações isoladas. Porém, a ideia gerencial de administrar crises parece que, como sugerem Blackman e Ritchie (2008), não está tendo o devido tratamento acadêmico. Por isso, Santana (2004, p. 2) entende como necessária “a organização sistemática dos elementos que envolvem e compõem este fenômeno para sua aplicabilidade nas ciências administrativas”. Blackman e Ritchie (2008) têm defendido que a comunicação que flui da organização para o grupo de stakeholders constitui poderosa ferramenta para a gestão da crise, entendendo que a gestão da crise, mesmo a defendida por Santana (2000; 2004) em seu framework, não pode se limitar a comunicar. Como se apresenta na figura 1, a administração da crise deve ser entendida como permeando uma séria de etapas. No sentido de administrar a crise, é sugestivo pensar que o plano de comunicação atende às exigências de stakeholders da organização ou dos envolvidos na crise. Assim, 4 percebe-se a preocupação presente na administração de crises de manter a reputação, credibilidade, confiança e a segurança que fizeram com que os stakeholders se interessassem pela organização. Isso se refere ao fato de que muitas organizações possuem um grupo extenso de stakeholders que não necessariamente são investidores, mas sim, a própria sociedade. Figura 1: Fases da admistração de crises Fonte: Adaptado de Santana (2000, p. 9) e Silveira (2010). Para complementar a discussão teórica do conceito de administração de crise, é fundamental uma reflexão acerca das etapas apresentadas na figura 1. Embora já tenhamos discorrido a respeito das 2 primeiras etapas, as 3 últimas delas reservam certa dose de importância. A etapa 3 (Contenção/Limitação de Danos) diz respeito ao esforço por se conter a crise, ou mesmo por mantê-la controlada. O curioso é a possível relação entre os processos de comunicação, tidos por Blackman e Ritchie (2008) como necessários à gestão da crise, que são eminentemente linguísticos, representando práticas discursivas que se mostram diferentes em cada uma das etapas. Nessa etapa 3, a preocupação em meio ao processo de comunicação é de mitigar, reduzir e, no máximo do continuum, negar a existência da crise. Essa prática discursiva se difere, por exemplo, da etapa 1 (Alerta e detecção de sinais) em que a sugestão discursiva é de informar que existem sinais da crise mas que a empresa está atenta aos fatos. Na etapa 2, (Preperação/Prevenção) reforça-se a prática discursiva da etapa 1 e são adicionados os planos da gestão da crise. Na etapa 4 (Recuperação), a preocupação da empresa reside em “reparar os danos à sua imagem (e muito provalmente às suas finanças) causados pela crise” (SANTANA, 2000, p. 10). A prática discursiva presente nas comunicações pretende retomar a normalidade das funções, embora, a depender da sua magnitude, não seja provável o pleno retorno ao início. Sugere-se que, a partir deste framework, o reforço das qualidades da organização, com base em articulações com outras organizações que tenham legitimidade frente ao conjunto de stakeholders, seja a prática discursiva constitutiva nesta etapa. Por fim, a etapa 5 (Aprendizagem) permite às organizações o exercício da auto-análise por meio de seus gestores e reflexão acerca do todo o processo da crise, caso ela já tenha se encerrado, ou mesmo ocorrendo durante a crise, pois esta etapa perpassa todas as demais. Um ponto significativo sugerido por Santana (2000, p. 10) consiste no fato de que nesta etapa possa estar ocorrendo o efeito “bode-espiatório, culpados, heróis, vítimas” que afetam negativamente a aprendizagem. Portanto, a etapa 5 revela um tipo de discussão que se refere 5 ao discurso interno à organização e que, entendendo a crise como uma possibilidade sistêmica, não há fuga do conceito em Santana (2000) em expandí-lo para o ambiente externo à organização, por meio de seus processos comunicacionais. 2.2. Teoria do Discurso Torna-se imperativo falar da compreensão acerca do termo discurso, tendo em vista a existência de diferentes sentidos dados àquele vocábulo. Howarth (2000) afirma que nas ciências sociais a proliferação do discurso pelo discurso vem resultando em rápidas mudanças com respeito ao que a palavra significa no senso comum. Por essa lógica, a Teoria do Discurso compreende três categorias básicas: a discursiva, que reconhece todos os objetos como sendo objetos de discurso; a segunda categoria compreende o discurso que vai se referir ao sistema de significados historicamente específicos; e a terceira diz respeito à análise de discurso, cuja referência se centra no processo de análise das significações das práticas como formas discursivas (HOWARTH, 2000). Tendo como fundadores Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, a Teoria do Discurso se assenta em tres concepções centrais: Antagonismo Social, Subjetividade Política e Hegemonia (LACLAU; MOUFFE, 2001). Para Mendonça (2009), a Teoria do Discurso centraliza a questão do poder na condição de elemento constituidor das relações sociais. Isso remete à reflexão acerca do Antagonismo Social, já que Howarth (2000) discute como sendo uma ação incapacitada do agente social de ter sua identidade estática ou fixa. A compreensão de articulação tem amparo em Southwell (2008) como sendo uma prática diante de certo esforço entre os elementos a partir de um ponto nodal, que vem sendo apreendido pelos autores como algo privilegiado no campo discursivo e remete ao establecimento de uma articulação. A segunda concepção central é a subjetividade política, compreendida por Howarth (2000) como uma posição dos sujeitos manifestada no âmbito da estrutura discursiva, assim, essa pluraridade vai interferir na combinação de posições identitárias. Para a terceira concepção central da Teoria do Discurso – hegemonia – Howarth (2000) a entende como fundamental para a abordagem política da Teoria do Discurso. Conceitos como cadeia de equivalência e cadeia de diferença são significativos, haja vista sua relação direta com articulação. Autores como Pessoa (2008), contribuem para a compreensão do conceito de articulação quando dizem se tratar de um processo que abarca várias demandas como parte de um procedimento político sistemático. Para o autor, essas demandas podem formar uma cadeia de equivalência ou de diferença, a saber do objetivo a ser atingido e do poder aglutinador da demanda. Portanto, a cadeia de equivalência apresenta relações de equivalência onde as posições antagônicas estão reduzidas, embora presentes, enquanto que a cadeia da diferença reflete a diferença entre os diferentes elementos sociais (SOUTHWELL, 2008). Nesse nível, elementos hegemônicos vão interferir na estruturação das cadeias de equivalência e de diferença com intuito de atrair o maior número de aliados. Dessa forma, emerge a relação antagônica, em relação ao discurso dominante com os que não foram atraídos, entre os equivalentes e os diferentes. 3. Abordagem Metodológica Este estudo apresenta como objetivo central o entendimento de como as empresas aéreas, os aeronautas e os aeroviários significam a crise aérea e, para tanto, pretende-se responder como ocorre o processo de significação da crise aérea brasileira pelos discursos das empresas aéreas, dos aeroviários e dos aeronautas. Nesse sentido, trata-se de um estudo orientado pelo paradigma interpretativista, que se apresenta com postura ontológica a 6 entender o sentido dado à ação humana por meio do acesso à sua realidade, unicamente possível por intermédio da linguagem e de suas representações (LIMA, 2011). Em concordância com Mussalim (2001), este estudo visa esclarecer que, ao se falar de Análise do Discurso, pode correr o risco de se estar fazendo menção a qualquer coisa, uma vez que toda produção da linguagem pode ser compreendida como discurso. Dessa forma, há a necessidade de se aclarar, mesmo que seja de forma abreviada, a trajetória dessa disciplina desde sua fundação até o surgimento das vertentes contemporâneas. Antes mesmo de descrever a trajetória da Análise do Discurso, torna-se imprescindível fazer alusão à virada pragmática de Wittgenstein, uma vez que, sem a qual, todos nós estaríamos fadados à incompreensão acerca do uso da linguagem. Nesse sentido, Moura (2000) argumenta que a linguagem era concebida sob um modelo instrumentalista e, portanto, estava reduzida à função designativa. Na via do contraponto se deu a chamada virada pragmática, buscando observar o funcionamento da linguagem e de como fazemos uso das palavras. Autores como Mattos (2003, p. 40) afirmam que “nossa linguagem é um sistema de signos convencionados”, de forma que “o uso (social) da linguagem produz seu sentido! Para entendê-la, olhe o uso”. O alinhamento marcado entre uso da linguagem, significado e sentido abriu caminhos para o crescimento da Linguística, uma vez que a linguagem não estava mais presa à primazia de sua função designativa. Mussalim (2001) revela que é no desenvolvimento da Linguística como ciência que nasce o projeto da Análise do Discurso (AD) em um objetivo político, uma vez que é a Linguística que oferece meios para abordar a política. Nesse contexto, ocorre a primeira fase da AD. São três as fases da AD propostas por Mussalim (2001): a AD-1 apresenta uma abordagem com menor polêmica por ser fragilmente polissêmica e de fraca variação de sentido, uma vez que o outro era silenciado; a AD-2 toma de empréstimo o conceito foucaultiano de formação discursiva (FD) para analisar o que pode/deve ser dito a partir de um lugar social específico; por fim, AD-3 vem trabalhando com a desconstrução discursiva, uma vez que se entende o deslocamento que ocorre no que diz respeito à relação de uma FD com outras. Ao que tudo indica, as três fases da AD parecem ter relação com as três concepções de identidade trazidas por Hall (2008) a partir do sujeito do iluminismo como sendo totalmente centrado e unificado, similar ao estabilizado sujeito discursivo da AD-1; O sujeito sociológico que refletia a complexidade do mundo moderno, formado na relação com outras pessoas tem espelho no sujeito discursivo da AD-2 e; O sujeito pós-moderno que é fragmentado, composto de várias identidades qual sujeito discursivo da AD-3 que é clivado e composto de várias vozes sociais. Essa última fase da Análise do Discurso será prestigiada neste estudo. O emprego da Análise do Discurso constituiu-se um corpus de pesquisa. Logo, a construção de tal corpus atendeu as seguintes etapas: consulta livre no buscador Google® pelas expressões “crise aérea”+“caos aéreo”+sindicato+empresas+aeroviário+aeronauta; Triagem crítica observando se as fontes discursivas eram as empresas aéreas e/ou suas representações e os aeroviários e aeronautas, com suas respectivas representações e; Visitação aos sites das empresas aéreas TAM e GOL, escolhidas pela expressiva participação de mercado. A construção do corpus seguiu as recomendações de Bauer e Aarts (2008) quanto a separação entre gêneros discursivos, com elevada reflexão discursiva para manter no corpus o posicionamento dos sujeitos de interesse do estudo. Tal detalhamento se manteve presente no corpus contendo documentos que não são institucionais, tais como: blogs, entrevistas e comentários. 7 A quantidade de documentos presentes no corpus limitou-se pelo critério de saturação em que se atinge o equilíbrio “quando esforços adicionais acrescenam pouca variação dialética” (BAUER; AARTS, 2008, p. 53). Será claramente apresentado na seção de discussão e análise que a prática discursiva dos sujeitos analisados faz parte de uma agenda rígida de temas, embora venha a sofrer ajustes a depender de demandas. A seleção por período (ano) foi criteriosamente analisada, mantendo-se alocado no período (ano) apenas os documentos com publicação correspondente àquele período. Por fim, o corpus teve seu fechamento em 20/11/2013, contendo 213 arquivos, como apresentado na tabela 1. Cada documento incorporado ao corpus foi nomeado conforme a estrutura exemplificativa a seguir: GOLII2006, que indica que o documento recebeu o nome da fonte (GOL); a ordem no corpus (II) e, por último, o ano a que se refere (2006). Corpus Gêneros discursivos Empresas Aéreas 132 arquivos 213 arquivos Aeroviários e Aeronautas 81 arquivos Ano Quantidade de Arquivos 2005 3 2006 10 2007 20 2008 16 2009 23 2010 18 2011 12 2012 19 2013 11 2005 3 2006 5 2007 3 2008 7 2009 5 2010 11 2011 7 2012 18 2013 Tabela 1: Apresentação do corpus Fonte: Elaborado pelos autores, 2014. 22 4. Discussões e Análises A análise do corpus revelou práticas discursivas que tiveram seus contornos modificados, no transcorrer dos anos analisados, em relação às das empresas aéreas, dos aeronautas e dos aeroviários. Nesse sentido, torna-se oportuno esclarecer que a composição das empresas aéreas abrange, para este estudo, as duas organizações que abarcam a maior fatia do mercado de transporte aéreo civil no Brasil: a TAM e a GOL. Em 1961, surgiu a empresa Táxi Aéreo Marília, quando, em 1976, originou-se o que hoje conhecemos como TAM Linhas Aéreas e a missão institucional de “ser a companhia aérea preferida das pessoas, com alegria, criatividade, respeito e responsabilidade”1. A GOL iniciou as operações em 2001 e a missão institucional era de “aproximar pessoas com segurança e inteligência”.2 Utilizaremos a expressão aeronautas para representar pilotos, copilotos e comissários, e o vocábulo aeroviários para configurar os funcionários que trabalham em terra. Como serão 8 analisadas as práticas discursivas, então os sujeitos discursivos estarão representados pelos respectivos ocupantes dos cargos de presidentes das empresas aéreas e dos sindicatos dos aeronautas e dos aeorviários. Essa perspectiva traz o entendimento de que a categoria “sujeito” abarca uma coletividade posicionada em determinada estrutura discursiva e reflete a existência de formas de luta discursiva. A partir de agora, a análise será realizada por critério de ano, envolvendo tanto as empresas aéreas quanto os aeronautas e aeroviários. No que se refere às empresas aéreas, em 2005, a prática discursiva pautava-se pela comunicação acerca da eficiência, não apenas operacional, por meio de técnicas e normas, mas também eficiência financeira. Em relatório anual da GOL, o trecho transcrito a seguir tenta esclarecer esta prática discursiva: Há cinco anos, quando iniciamos as atividades no setor de transporte aéreo brasileiro, inovamos ao trazer para o mercado um novo modelo de gestão de negócios de baixo custo, baixa tarifa, que popularizou os ares nacionais. Ao longo desse período registramos resultados expressivos, indicadores de uma trajetória de sucesso que me permitem reafirmar que estamos no rumo certo. Não há um recorde na história da aviação brasileira que não tenha sido batido. Nenhuma empresa tinha conseguido transportar um milhão de passageiros em menos de um ano de existência – fizemos isso ao final de sete meses de operações. Recorde de tempo de solo, recorde de uso de equipamento com alta eficiência, indicadores financeiros, em todas as áreas temos colhido os frutos de nosso trabalho e, acima de tudo, mantemos nosso elevado padrão de segurança. O crescimento ordenado e disciplinado de uma gestão eficiente fez a GOL atingir a vice-liderança nacional do setor aéreo (GOL, 2005 – Relatório Financeiro). Esta prática é comum também no discurso da TAM, o que deixa claro que para as empresas aéreas, sua função ou serviço atende adequadamente ao que prevê a lei das concessões (Lei 8.987/95) quando se trata do conceito de “serviço adequado”, necessário para conceder e renovar licenças. Para a referida lei, em seu art. 6º, § 1, serviço adequado é “o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”. O reforço no ano de 2005 em atributos do serviço adequado atendeu para configurar que as empresas aéreas estariam eficientemente conduzindo seus negócios. No entanto, o curioso foi que nenhuma empresa, nem mesmo o Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (SNAE), revelou indícios de crise, problemas estruturais ou quaisquer outros que pudessem apontar para um estrangulamento do sistema. A comunicação analisada neste período se direcionou à comunidade de stakeholders e civil em geral, silenciando-se a respeito de crise. Se considerarmos, apenas para fins de recorte temporal, que a crise foi deflagrada em 2006 com o acidente que ocorreu em Setembro daquele ano, com o voo 1907 da GOL, o ano de 2005 poderia revelar sinais, como bem argumenta Santana (2000; 2004) em seu framework. A inclusão de 2005 no corpus deu-se por este objetivo, analisar se havia sinais, indícios, de crise. O silenciamento das empresas aéreas em relação aos indícios de crise no ano de 2005 pode ser entendido como uma prática inserida em uma Estrutura Discursiva, no sentido em que estudiosos da Teoria do Discurso, a exemplo de Torfing (1999), Howarth (2000), vêm considerando como sendo uma prática articulatória que constitui e organiza relações sociais. Tal prática articulatória, por sua vez, está inserida naquilo que Foucault (2007) vem denominando de Formação Discursiva, ou seja, aquilo que numa formação ideológica dada, determina o que pode e deve ser dito. Ainda pode-se compreender que as práticas articulatórias das empresas aéreas estão assentadas em uma lógica entendida pela Teoria do 9 Discurso como Lógica Fantasmática. Assim, autores como Laclau (2005) associam a Lógica Fantasmática à dimensão ideológica das relações sociais para capturar onde os sujeitos são cúmplices na ocultação da contingência radical inserida nas relações sociais. Quanto aos aeronautas, o discurso se pautou em um histórico conflito por representação da classe em torno de salários e melhores condições de trabalho, envolvendo uma tensão entre as empresas do setor, não abarcando o governo, por exemplo. Essas articulações podem ser concebidas com base em conceitos trazidos pela Teoria do Discurso , tais como cadeia de equivalência e cadeia de diferença (PESSOA, 2008; SOUTHWELL, 2008). Para Pessoa (2008), as diversas demandas inseridas no processo de articulação formam uma cadeia de equivalência ou de diferença. Southwell (2008) vem revelando que na cadeia de equivalência inscrevem-se equivalências onde há posições antagônicas reduzidas. Nesse caso, os aeronautas se antogonizam com as empresas aéreas devido ao conflito salarial, mas não se envolvem com o governo, o elemento hegemônico com poder de interferência. Já em 2006, há uma mudança nas práticas discursivas, em especial nas empresas aéreas. Uma demanda foi capaz de mudar os contornos das práticas discursivas, que se iniciou com o acidente da GOL, o qual colocou as empresas aéreas e todo o sistema aéreo nacional sob os holofotes da impressa, quando vários segmentos da sociedade civil pedem esclarecimento a respeito da tragédia. Tão logo as empresas aéreas se posicionaram: Somos competentes e eficientes, o sistema é que está atrapalhando. Poderia representar essa sentença o resumo da crise pelo discurso das empresas aéreas, como pode ser ilustrado nos extratos abaixo indicados:: A crise nos aeroportos brasileiros afeta mais fortemente hoje as ações das empresas aéreas (SNEAII2006). A Gol divulgou esta tarde comunicado reduzindo as previsões para 2006 devido aos problemas com tráfego aéreo (SNEAX2006). O presidente da TAM e do Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (Snea), Marco Antonio Bologna, disse hoje, no Senado, que a ocupação das aeronaves está caindo, reflexo da situação enfrentada nos aeroportos (SNEAIX2006). O ambiente de caos começou no final do mês passado, com a greve dos controladores de voos - que durou de 26 de outubro e 4 de novembro (SNAEIV2006). Tão logo impelidos a opinar em relação à crise, apontaram o problema: A estrutura do sistema, que, mais que a própria estrutura, é de controle do Estado, como já apresentou-se na problemática. Essa formação discursiva, que é ideológica (HOWARTH, 2000), permite aclarar a posição política e, nesse caso, seus primeiros traços foram dados: A ineficiência do governo na posição de controlador da estrutura/sistema está atrapalhando os negócios. A posição discursiva dos sujeitos coletivos formados pelas vozes sociais das empresas aéreas remete a refletir que há nessa formação discursiva o elemento da Memória Discursiva, uma vez que não é de hoje que entidades privadas buscam denegrir a imagem da administração pública como sendo ineficiente e improdutiva. Brandão (2007) compreende a memória discursiva na condição de um elemento que torna possível a toda formação discursiva fazer circular formulações anteriores, já enunciadas. Este posicionamento fica evidente quando do pronunciamento oficial da GOL por meio do relatório Anual de 2006, quando indica que: [...] mais de 55 milhões de passageiros já voaram GOL, sendo que 5 mil deles pela primeira vez em suas vidas. Lamentavelmente, em 29 de setembro, um acidente vitimou o voo 1907 da GOL. A aeronave, um dos novos boeing 737-800 nG, sofreu uma colisão no ar com um embraer legacy de propriedade de empresa de taxi-aereo 10 americana Excelair Service. Estivermos luto e priorizamos o amparo às famílias das vítimas, seguindo adiante em nosso compromisso fundamental de fazer com que milhões de pessoas possam viajar de maneira segura em nossos aviões [...] (GOLIV2006). O texto que não ocupou mais que 3 linhas do relatório anual da GOL, composto por 72 páginas, relata o fato como se fosse mais um que ocorreu, e não o fato que deflagrou a crise. Inclusive, a crise é tão discursivamente relacionada à estrutura que no mesmo relatório apontado anteriormente a GOL se posiciona e afirma que: No ano de 2006, avançamos rumo à consolidação do processo e popularizar o transporte aéreo na américa do sul ... apesar das adversidades, mantivemo-nos como uma das empresas aéreas mais rentáveis do mundo e foi graças ao empenho de nossos colaboradores que conseguimos minimizar o impacto da crise no setor aéreo brasileiro... a política de não praticar overbooking ajudaram-nos a mitigar os atrasos e cancelamentos de voo [...] durante o ano, aumentamos nossa capacidade operacional [...] sempre investimos para que nosso crescimento seja planejado e sustentado (GOLX2006). O posicionamento discursivo das empresas aéreas é de uma crise externa, e não protagnizada pelas empresas. Por isso chama de “crise no setor aéreo brasileiro”, deixando o não dito que o controle do setor aéreo brasileiro não está nas mãos das empresas aéreas, como bem informou o presidente da TAM e do Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (SNEA), “O que não aconteceu foi a execução daquilo que não é visível: os investimentos no controle da aerovia, o que acabou dando esse problema no controle do espaço aéreo” (TAMIII2006). Tão forte a posição discursiva das empresas aéreas que o SNAE em nota oficial infoma que, em ofício à Agência Nacional de Aviação (ANAC): O Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea) [...] vem, mui respeitosamente, perante V. Exas., requerer que essa Agência, em razão dos substanciais impactos econômico-financeiros negativos a que estão submetidas as referidas empresas, em decorrência da atual crise no controle de tráfego aéreo brasileiro, adote medidas urgentes que visem amenizar os prejuízos em curso [...] (SNAEI2006). O termo ‘posicionamento’ vem sendo trabalhado pela análise do discurso e, de acordo com Maingueneau (2000), tem sido empregado sob dois aspectos: como ato pelo qual uma formação discursiva se posiciona em um campo discursivo, marcando sua identidade com relação a outras identidades; ou como a própria formação discursiva na condição de identidade num interdiscurso. Além disso, outro ponto crítico é a sequência histórica apresentada no corpus indicando ser a etapa da crise reconhecida como (1) Alerta e detecção de sinais e (2) Preperação/Prevenção estão presentes nas práticas discursivas das empresas aéreas pela forte presença no discurso do SNAE, como ilustra o relato a seguir: A opinião do sindicato é que essa crise tem raízes antigas e estruturais e passam pelo contingenciamento de recursos que são cobrados em forma de tarifas e taxas dos passageiros e das empresas, mas que não são aplicados no setor de aviação como se deveria (SNAEIII2006). Para o presidente da TAM e presidente do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (SNEA), a crise enfrentada pelas empresas aéreas e pelos passageiros deu-se “por 11 causa da falta de uma reserva técnica de controladores no Cindacta-1 (Brasília), que controla parte do espaço aéreo brasileiro” (TAMII2006), deixando explítico que é uma questão pontual, porém, apontando o problema, pois assevera que “a crise não teria ocorrido, entretanto, se o governo tivesse executado as resoluções do Plano Nacional de Aviação Civil” (TAMII2006), declarando, ainda mais explicitamente, que “as empresas aéreas não têm nenhuma responsabilidade pela crise. Pelo contrário, ele calcula um prejuízo diário de R$ 4 milhões das empresas com o ocorrido” (TAMII2006). Nessa fase discursiva, que se aproxima daquela definida por Santana (2000) como (3) Contenção/Limitação de Danos ou (4) Recuperação, o discurso é mitigador e denunciador, com fim de recuperar a imagem construída pelas empresas. Tal estrutura discursiva é encontrada em todas as manifestações das empresas áreas e do Sindicato das Empresas Aéreas, em que ressaltam a segurança de suas operações e buscam legitimidade de instituições internacionais que validam suas estatísticas. O trecho a seguir permite clareza no entendimento do discurso das empresas aéreas: [...] o Brasil é classificado como “nível 1” com relação à segurança de voo junto com Estados Unidos, Canada, França, Reino Unido, Alemanha, Austrália, Espanha, Italia e Japão. Os aviões brasileiros voam com os mesmos padrões de segurança das companhias norte-americanas, obedecendo às regras do ICAO - Internacional Civil Aviation Orgazation [...] A Gol é membro da flight safety foundation, que promove o intercâmbio sobre segurança de voo (GOLXII2006). Nesse ponto, pode-se afirmar que a prática discursiva manifestada em 2006 pelas empresas aéreas foi de mitigação e denúncia, na tentativa de iniciar uma recuperação de imagem junto aos stakeholders, o que se alinha com as etapas (3) Contenção/Limitação de Danos e (4) Recuperação na anatomia da crise em Santana (2000). No mesmo período, embora a pauta de salário e condições de trabalho ainda estejam presentes, o Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) se posiciona declarando que “o controle do tráfego aéreo no Brasil apresenta problemas há, pelo menos, duas décadas” (SNAI2006), reforçando que a crise foi anunciada, porém, o sistema não apresentou estrutura adequada para captar os sinais de baixa frequência. Além dos sinais, a complexidade do sistema e de seus operadores foi relatada nos discursos dos aeronautas, significando o conhecimento parcial das informações por parte dos responsáveis, como é presente na prática discursiva do SNA em que indica que “que o próprio ministro da Defesa, Waldir Pires, não recebe informações claras sobre a situação e, por isso, não pode repassá-las com clareza” (SNAI2006), evidenciando apresentar o sistema uma complexidade tamanha que seus operadores desconhecem tal funcionamento. No final de 2006, é percebida uma articulação plena entre os sindicatos no que diz respeito à crise aérea: As empresas são eficientes, os sindicatos representam suas classes e o governo não permite o pleno desenvolvimento seguro do setor aéreo. O que fundamenta o discurso das empresas aéreas é sua eficiência operacional, representando uma prática discursiva que aponta para legitimidade externa de suas estatísticas. Já em 2007, afora o acidente da TAM, que é um capítulo a parte na cobertura da impressa e nas posições dos sujeitos da TAM, que não serão tratadas aqui pois o desenrolar apresenta indícios de falha humana na operação, confirmada pelo depoimento do vicepresidente de manutenção da TAM à época, o Sr. Ruy Amparo, “que a empresa não havia entendido um comunicado da Airbus que recomendava a instalação de um software nas aeronaves A-320, modelo do avião que caiu em julho deste ano após tentar pousar no aeroporto de Congonhas, zona sul da cidade” (TAMVI2007), dando a entender que poderia ser falha de operação. 12 Mais importante do que o motivo do acidente é a posição da TAM em relação ao setor aéreo que, contando com a retórica do presidente, diz claramente que a crise “é parte de uma questão mais ampla, que envolve o crescimento econômico e alguns problemas de infraestrutura, e que já estão sendo tratados pelas duas CPIs existentes” (TAMVII2007), reforçando o argumento de que a crise é uma questão estrutural e o agente que detém o controle da estrutura é o Estado. Neste sentido, para o ano de 2007, a prática discursiva continua a mesma para os sujeitos envolvidos, a saber: As empresas são eficientes, os sindicatos representam suas classes e o governo não permite o pleno desenvolvimento seguro do setor aéreo. É sempre válido informar que os sindicatos de classe, tais como a CUT/RJ, Sindicato Nacional dos Aeroviários, Sindipetro – RJ, Contaf (confederação dos trabalhahores do ramo financeiro), SINTFF (Sindicadto dos trabalhados em educação da Universidade Federal Fluminense, Sindicato dos Aeroviários de Guarulhos (SINDGRU), Sindicato dos Aeroviários do Estado de São Paulo (Saesp), Sindicato dos aeroviários do Amazonas Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), O presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, O Sindicato Nacional dos Aeroviários, Federação Nacional dos Trabalhadores em Aviação Civil (Fentac/CUT) se articulam em torno de uma demanda atemporal, que corresponde à busca por melhores condições de trabalho e salário. Contudo, a luta sindical toca vagamente na questão da crise aérea, a não ser quando a jutificativa para isso reside em apresentar a relação entre crise e condições de trabalho. Embora ofereça problemas que toquem diretamente na crise, prática discursiva dos sindicatos é demarcada em defesa da classe dos aeronautas e aeroviários. Essa estrutura discursiva das empresas e dos aeronautas permaneça inalterada até meados de 2010 e início de 2011, quando a imprensa e o governo iniciaram discussões acerca da privatização dos aeroportos. Essa nova demanda tratou de rearticular os sujeitos em meio às suas práticas, dando destaque a mudança no discurso dos aeronautas. Até este momento a discussão era que as empresas aéreas exploravam os funcionários. De certo modo, seu posicionamente tangenciava a crise, como já discutido. Contudo, ainda defendendo a classe e o pleno empregado e salários, que é bandeira dos sindicatos neste período, compreendido entre 2011 e 2013, sua argumentação ou prática discursiva mudou. Logo, sua inclinação agora é direcionada em favor da Infraero, como bem ilustram os recortes abaixo: A Fentac/CUT e seus sindicatos irão defender ate o fim os empregos dos trabalhadores da Infraero. E continuar reinsistindo em busca de um diálogo com o Executivo, para contribuir, somar esforços em busca da modernização setor aéreo, de melhores condições de trabalho, segurança de voo e atendimento aos passageiros (FENTCIII2011). Não é vendendo o patrimônio público para a iniciativa privada que vamos agilizar a modernização dos aeroportos. O controle da malha aérea brasileira tem de ficar sob controle do Estado Nacional, por se tratar de uma questão de segurança e soberania. A Infraero precisa continuar no controle dos aeroportos (CUTII2012). Nós temos convicção de que a Infraero tem todas as condições e qualificações técnicas para administrar os aeroportos. Somos contra a privatização (SAIV2012). Em nota publicada na ultima segunda-feira (6), Paulo Pereira da Silva (Paulinho), presidente da Força Sindical, reconheceu que o sistema aeroviário necessita passar por modernização, já que este setor se configura como ponto estratégico para o desenvolvimento e evolução de nossa economia. Porém, frisou que essa modernização não deve estar atrelada a nenhum tipo de demissão (FSIV2012). Vivemos um momento de crise nos países capitalistas centrais, o que torna necessária uma ação mais ativa do Estado no fortalecimento do mercado interno. Privatização e desnacionalização não contribuem em nada para o desenvolvimento nacional soberano, pelo contrario (SAIII2012). 13 Os trechos destacados revelam o posicionamento discursivo mais presente nos aeronautas, e se vê claramente que agora o Estado é alvejado por sua prática discursiva. Os aeronautas, em suas práticas discursivas, defendem a Infraero, que antes não se posicionavam a este respeito, bem como entendem que o setor necessita ser melhorado e modernizado. Contudo, não entendem a privatização como a solução, incluindo, desde questões técnicas indicando que a Infraero é capaz de gerenciar os aeroportos, até questões políticoideológicas, lembrando que a privatização está centrada em vender o patrimônio público, suscitando discursos nacionalistas por meio do desenvolvimento soberano ou da segurança nacional. O trecho a seguir, que revela a posição dos aeronautas em articulação às empresas aéreas: Estamos falando da desnacionalização do transporte aéreo brasileiro e de um cenário em que empresas como TAM e Gol poderão ser engolidas por companhias americanas e europeias, ou esmagadas (SINDIGRUIII2013). Adicionando a demanda “Céus Aberto”, que prevê a maior participação no mercado doméstico de empresas estrangeiras, a relação entre aeronautas e empresas aéreas é de plena articulação. Obviamente de um lado a preocupação em não abrir concorrência qualificada (empresas aéreas) e do outro a preocupação por manter empregos e salários (aeronautas), mas, agora, a partir de 2011, se apresentam articulados a fim de manter a administração dos aeroportos com a Infraero e o espaço aéreo nacional com exploração de empresas nacionais. Neste momento a cadeia de equivalência defendendo que a crise é protagonizada pelo Estado aumenta, incorporando tanto as práticas discursivas das empresas aéreas quanto das aeronautas, demonstrando que as articulações se dão em meio à demandas, como preconiza a Teoria do Discurso. Logo, a crise continua sendo estrutural na perspectiva discursiva dos sujeitos analisados (empresas aéreas e aeronautas), mas o distanciamento (2005 até 2010) e a aproximação (2011 até 2013) se dão por demandas circunstanciais, demonstrando que a articulação é precária e contingencial. 5. Considerações Finais O objetivo foi entender como os discursos das empresas aéreas, dos aeroviários e dos aeronatuas significam a crise aérea brasileira, logo, foram constatados discursos atemporais, precários e contingenciais. Em relação aos atemporais, os aeronautas (também incluídos os aeroviários) mantêm uma agenda fixa de defesa da classe, discutindo de forma presente e constante temas como salário e condições de trabalho, sendo tangenciais no que diz res´peito à significação da crise. No que tange às empresas aéreas, existe certa predominância da idelologia neoliberal em todos os seus discursos, defendendo-se a ideia de que a iniciativa privada é eficiente e que necessita do Estado condições estruturais para a plena prática da iniciativa privada. Essa eficiência se pauta, sobretudo, na prática discursiva que privilegia elementos que atendem ao prescrito na lei 8.987/95 quanto ao conceito de serviço adequado, necessário para explorar serviços públicos, bem como em legitimar a eficiência operacional por meio de parceria em redes internacional de aviação civil, como a Flight Safety Foundation, a Star Alliance, IATA (International Air Transport Association), buscando legitimidade por meio de participação e certificação internacionais, bem como pela evidenciação que utiliza um sem número de softwares e programas para monitorar a qualidade e eficiência na prestação de serviços. Logo, se as empresas aéreas se apresentam como eficientes, noticiam e, com isso, sua prática 14 discursiva de construção da realidade é de eficiência, sugere que o caos aéreo, ou a crise aérea, é protagonizada pelo Estado. Após 2010, com o surgimento contextual da demanda por privatização da gestão dos aeroportos e pelo programa “Céus Abertos”, observa-se uma rearticulação discursiva no que se refere ao papel das empresas aéreas e dos sindicatos (aeroviários e aeronautas), pois estes se articulam em favor da Infraero defendendo sua competência técnica, além de defender um discurso nacionalista de soberania a segurança nacional. Então, entre 2011 e 2013, as empresas aéreas apresentam a mesma prática discursiva dos sindicatos no que se refere às empresas, ou seja, proteção do mercado nacional. Um elemento primordial na compreensão da Teoria do Discurso é a lógica fantasmática, que permite o entendimento do lugar do sujeito e de sua prática discursiva por intermédio de sua inclinação ideológica. Por essa razão, o discurso das empresas é facilmente reconhecido como neoliberal e o dos sindicatos como neomarxista ou marxista. As contribuições trazidas para os estudos organizacionais giram em torno de uma concepção que venha ampliar o escopo de ação gerencial a ser aplicado a fenômenos organizacionais complexos, portadores de abordagens unidimensionais e, portanto, trazendo resultados sofríveis. Nesse sentido, as etapas da anatomia da crise, em especial, as que vislumbram manter o fenômeno da crise sob observação, com vistas a um plano de recuperação, até mesmo reputacional, considerando que a agenda contemporânea das organizações apresentam crescentes e recorrentes temáticas que versam a respeito da imagem institucional. Sugere-se, portanto, que a administração da crise seja uma temática que provoque a busca por compreensão da prática discursiva dos sujeitos organizacionais que, historicamente, revelam seus posicionamentos políticos, o que alerta para a necessidade de envolver outros gêneros discursivos e suas consequentes práticas sociais no estudo de fenômenos mais amplos e plurais no âmbito da gestão contemporânea. REFERÊNCIAS BAUER, M. W.; AARTS, B. A construção do corpus: Um princípio para a coleta de dados qualitativos. In: BAUER, M. W.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: Um manual prático. Petrópolis, RJ: Vozes. 2008, p. 39-63. BLACKMAN, D.; RITCHIE, B. W. Tourism Crisis Management and Organizational Learning. Journal ou Travel & Tourism Marketing, v. 23, p. 45-57, June, 2008. BRANDÃO, H. H. N. Introdução à análise do discurso. Campinas: Unicamp. 2004. DAY, G. S.; SCHOEMAKER, P. J. H. Driving Through the Fog: Managing at the Edge. 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