entrevista
Valmir Perez
Lume Arquitetura: O que influenciou o
que abordo temas na área de iluminação
e operação de iluminação cênica. Hoje, no
seu interesse pelas artes?
cênica, arquitetural e museológica e para
Brasil, ainda se aprende iluminação cênica
Valmir Perez: Desde criança eu gosto
captação de imagem. É aberta uma vez
como se aprendia arquitetura, medicina,
de arte. Meu pai é um artista; ele não
por ano, no segundo semestre, e qualquer
num passado razoavelmente distante, na
tem formação, estudou até o quarto ano
aluno da Unicamp ou de outra instituição
relação entre mestre e discípulo.
primário, mas, em uma oficina em casa,
de ensino superior pode se matricular.
havia cursos de formação; agora é que
que ele mantém até hoje, criava e continua
Por Claudia Sá
O lighting designer que
tem a arte como causa
criando qualquer coisa. Então, eu cresci
Lume Arquitetura: E como esses projetos
eles estão começando a surgir, mas os
vendo-o fazer desde brinquedos para
são aproveitados?
projetos ainda chegam aos técnicos, nos
mim e meus irmãos a peças para resol-
Valmir Perez: A maioria dos projetos é
teatros Brasil afora, sem padrão nenhum,
ver problemas dos vizinhos. Ele também
realizada para espetáculos da universi-
cada um faz do seu jeito. Essa questão de
adorava fazer balões grandes, iluminados,
dade, produzidos pelos departamentos
padronização já foi resolvida lá fora, em
desses que hoje são proibidos. Todos os
de dança, música, teatro, e, desde 2007,
países da Europa e da América do Norte,
anos, em abril e maio, minha casa já co-
desenvolvemos trabalhos para empresas
há muitos anos.
meçava a ficar enfeitada com lanterninhas
privadas, também, como faz qualquer
penduradas.
escritório.
pesquisa, criação e execução de projetos
meçou a sua relação com o teatro e a
iluminação cênica?
Valmir Perez: Aconteceu numa brincadeira. Eu tinha 17 anos, estava num bar
com um amigo, e ele me disse que a
Unicamp tinha aberto um curso de teatro,
uma extensão de seis meses, gratuito, e
Nascido em Campinas, Valmir Perez ganhou o mundo
me chamou para participar junto com ele
logo cedo. Até aí, nada de novo; a façanha está em fazer isso
e nós fomos. Eu gostei bastante; de lá
sem ao menos precisar tirar os pés de sua cidade natal. O unicoisas “sem utilidade” em engenhosos brinquedos e tudo que
vinha na mente. O teatro encontrou na adolescência, as artes
plásticas e a iluminação chegaram com a maturidade.
Tudo isso viveu e aprendeu dentro da Universidade de Cam-
pinas (Unicamp), onde se formou em Artes Plásticas, fez mestrado em multimeios com o tema iluminação e pretende fazer um
doutorado na área. É responsável pelo Laboratório de Iluminação
do Departamento de Artes Cênicas do Instituto de Artes, mantido
pela instituição. Autor da série Luz e Arte, publicada na revista
Lume Arquitetura há três anos, Valmir é defensor ferrenho da arte
fazer pensar, não apenas entreter.
Nesta entrevista exclusiva, ele pede que os lighting designers
encarem sua arte como arte, de fato; que a baseiem em pesquisas, que deem sentido a ela e não apenas sigam a moda imposta pelo mercado. Questiona a aplicação da iluminação cênica no
software de iluminação cênica Lablux, que desenvolveu ao lado
de Claudio Martinez, falecido em 2007, ganhará nova versão,
com recursos para projetos de iluminação arquitetônica.
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L U M E ARQUITETURA
Foto: João Maria
espaço urbano e prevê que o design da luz, uma arte emergente,
segundo ele, será a arte do futuro. Ele também anuncia que o
ramenta, num primeiro momento, tinha a
função de explicar para as pessoas quais
são os passos principais para o desenvolvimento de projetos de iluminação cênica.
Lume Arquitetura: O Lablux é um software
exclusivo para iluminação cênica?
Valmir Perez: O primeiro, sim. O segundo,
que vai surgir, poderá ser utilizado para
iluminação, também para projetos do espaço arquitetônico e de entretenimento. O
bando de teatro “Nó na Garganta”, que eu
Lume Arquitetura: Que tipo de projeto
projeto já está pronto, será custeado pelo
cheguei a dirigir, abrimos um bar chamado
você já desenvolveu, dentro da Unicamp,
Ministério da Cultura. Estamos apenas
“Bar Teatro”.
para clientes externos?
aguardando a liberação da verba para
Depois, em 1988, a universidade
Valmir Perez: Acabei de concluir a es-
iniciar o projeto executivo.
abriu um concurso para iluminador teatral
trutura de iluminação cênica de uma sala
– eu já tinha alguma experiência adquirida
para a Universidade Federal de São João
rente, bem mais poderosa que a primeira
com as peças que a gente fazia, já tinha
Del Rei [Minas Gerais], estou projetando a
versão, que fiz juntamente com o Claudio
feito uns trabalhos freelance para eles –
do estúdio Barthmann, aqui de Campinas.
Martinez, na Unicamp. Vai servir para
fiz o concurso e passei. Não sabia muita
Além disso, tenho outros trabalhos em
projetos, desenhos de plantas e docu-
coisa, fui aprendendo mesmo depois de
fase de negociação.
mentação de outras áreas.
plásticas, fiz licenciatura, aí comecei es-
Lume Arquitetura: Fale-nos sobre o
Lume Arquitetura: Quais são as funcio-
tudar e me apaixonar por iluminação.
Lablux, software que você desenvolve há
nalidades da nova versão? Em que a nova
muitos anos. Como começou e em que
versão vai ajudar no trabalho do lighting
Lume Arquitetura: No que consiste o seu
ponto está?
designer?
trabalho na Unicamp?
Valmir Perez: Esse projeto fez parte da
Valmir Perez: O Lablux, que será dispo-
Valmir Perez: Desenvolvo projetos de
minha defesa de mestrado, que comecei a
nibilizado gratuitamente, oferecerá ferra-
iluminação cênica, arquitetural, de estru-
desenvolver em 2003 e terminei em 2007.
mentas mais completas de projeto, tais
turas para teatros, estúdios, museus, etc.
Nasceu de uma coisa que me incomoda,
como dimensionamento em escala cor-
e, também, faço pesquisas na área. Tam-
que é a falta de mão de obra qualificada
reta – seus usuários poderão desenvolver
bém ministro uma disciplina eletiva, em
tanto para projeto quanto para montagem
suas próprias bibliotecas e trocá-las entre
Essa nova ferramenta é bem dife-
ter sido contratado. Em 1996 iniciei artes
como ciência do subjetivo, aquela que tem a função social de
No Brasil, ainda se aprende
iluminação cênica como
se aprendia arquitetura,
medicina, num passado
razoavelmente distante, na
relação entre mestre e discípulo.
saíram vários espetáculos, montamos o
verso artístico, ele descobriu na infância, ao ver o pai transformar
E do meu mestrado, em que tratei de
de iluminação, surgiu o Lablux. Essa ferLume Arquitetura: Como foi que co-
Isso porque até há pouco tempo não
L U M E ARQUITETURA 7
si; roteiros de iluminação automatizados;
Lume Arquitetura: De onde vem tanta
encontro aos conceitos pré-estabelecidos,
automatização de documentação comple-
inspiração?
fechados, preconceituosos. E ao enfrentar
mentar, tal como as listas de instrumentos,
Valmir Perez: Creio que da necessidade
com a sua arte essas imposições, eles
de efeitos etc.
que tenho de transmitir para as pessoas
mostraram para a sociedade de seu tem-
a ideia da arte como ciência do subjetivo,
po e também para as futuras gerações,
Lume Arquitetura: O projeto é patroci-
que para mim é fundamental, em contra-
como a nossa, novas formas de olhar o
nado apenas pelo Ministério da Cultura?
posição à arte produzida apenas para o
mundo. Eles ensinaram que podemos e
Valmir Perez: Contamos com o apoio de
entretenimento. A arte, hoje, é feita apenas
devemos questionar aquilo que fazemos,
empresas parceiras que poderão contri-
para entreter e não para fazer pensar,
tanto em relação ao nosso trabalho, como
buir com os desenvolvimentos futuros. O
questionar o mundo, a vida.
nos demais âmbitos da vida.
ferramenta contendo lista de indústrias,
Lume Arquitetura: Qual a função da arte
Lume Arquitetura: O que é o lighting
lojas, importadores, escolas, livros e revis-
como ciência do subjetivo na sociedade?
design, enquanto arte?
tas, entre outros, para pesquisa dos usu-
Valmir Perez: Fazer com que as pessoas
Valmir Perez: É uma arte emergente.
ários. As empresas parceiras terão seus
conheçam a si mesmas, seus sentimen-
Daqui a alguns anos, com certeza, vamos
nomes incluídos nesse espaço, mediante
tos, seu mundo interior e as relações
começar a ouvir falar de movimentos do
contribuição com o projeto.
cotidianas com o mundo exterior. Saibam
lighting design, como ocorre com as de-
discernir o que tem valor e o que não tem.
mais artes. Talvez a iluminação seja até
Lume Arquitetura: Você assina uma das
Compreender também que a arte existe
a arte do futuro. É claro que a escultura,
seções mais comentadas da Revista Lume
para fazer avançar o espírito.
a pintura, o mural e as outras formas de
Lablux oferecerá, em sua interface, uma
Arquitetura, a série Luz e Arte, que fala da
expressão convencionais ainda estarão
relação da vida e obra de grandes artistas
Lume Arquitetura: E a arte-entretenimeto
aqui, como sempre. Mas, além disso,
e de movimentos artísticos com o lighting
é sempre ruim?
outras formas de expressão – que utiliza-
design. Como surgiu esta ideia?
Valmir Perez: Não, ela é necessária. O
rão outros meios, como temos visto com
Valmir Perez: Comecei a escrever essa
problema é ela ser a única opção. E essa
os meios digitais e, no nosso caso, com
série há 3 anos, porque sentia que na
é a censura mais perversa que existe, pois
as propriedades da luz, que se utilizam
formação dos lighting designers, seja em
é a da omissão, que leva a uma ignorância
de outras soluções tecnológicas – serão
cursos de arquitetura, design e mesmo
profunda, que tira das pessoas a capaci-
nossas aliadas como meios de expressão.
nas pós-graduações, havia uma lacuna
dade de discutir o mundo com liberdade
no que diz respeito ao conhecimento da
de consciência. Hoje, se eu falo que arte
Lume Arquitetura: Como é iluminar um
linguagem visual. Nas revistas especiali-
é ciência, por exemplo, alguns torcem o
espetáculo ou espaço arquitetônico de-
zadas, lia-se muito sobre a técnica, mas
nariz, então eu tento provar isso, inclusive
pois deles serem concebidos?
muito pouco sobre como utilizar essa
ao escrever para a seção Luz e Arte.
Valmir Perez: Há ainda aqueles diretores
técnica para fazer o que nós fazemos,
Os gregos nunca separaram o bom
que fazem o espetáculo e depois chamam
de fato, que é arte. Isso me incomodava
e o belo. Para eles, estética significava
o iluminador para iluminar. Isso é um equí-
muito, como incomoda até hoje. Então
a busca do bom e do belo, então, uma
voco. Essas coisas não são separáveis,
um dia, conversando com a Maria Clara,
coisa para ser boa, precisava ser bela, e
não há como dividir cenografia, ilumina-
editora da Lume Arquitetura, toquei no as-
vice-versa. Uma coisa não se contrapõe
ção, direção, sonoplastia, movimentação
sunto. Ela adorou a idéia e pouco depois
à outra, elas se complementam.
cênica etc. Para você ter uma ideia, não
me convidou para escrever os artigos. Foi
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faz muito tempo, fui convidado para de-
um apoio e tanto.
Lume Arquitetura: Qual é a contribuição
senvolver a estrutura de iluminação de um
dada pelos grandes mestres da pintura ao
auditório em São Paulo. Quando cheguei
sugerir a vida e a obra dos grandes mes-
lighting design?
lá, vi que o espaço já estava pronto e
tres da arte pictórica como pontos de
Valmir Perez: Esses personagens da his-
que o engenheiro de acústica não tinha
referência para os lighting designers, os
tória não nos ensinam apenas as técnicas
levado em consideração a estrutura de
novos e também muitos que já estão em
de olhar, perceber, mas, acima de tudo,
iluminação.
atuação. Quero dizer a eles que existem
eles nos ajudam a compreender a própria
coisas que podem estar se esquecendo
atuação do artista da luz. Como ciência do
lo seria necessário botar tudo abaixo e
de olhar e sentir.
subjetivo, a arte desses mestres vinha de
levantar de novo. O mesmo serve para a
Então, com esses artigos, quero
L U M E ARQUITETURA
Recusei o trabalho, pois para fazê-
arquitetura. Não dá para se projetar um
tiver medida, as pessoas vão acabar
iluminação e seus profissionais e os resul-
espaço arquitetônico sem considerar a es-
transformando as nossas cidades em
tados apresentados nos projetos?
trutura e iluminação em si. São trabalhos
grandes espetáculos visuais. E não sei se
Valmir Perez: Uma vez, um saudoso
que têm de ser desenvolvidos paralela-
isso é interessante. As pessoas já vivem
amigo, um dos maiores dramaturgos que
mente, numa parceria entre profissionais
estressadas durante o dia, imagina se,
este país já teve, que, infelizmente, em
das diversas áreas envolvidas.
ao saírem de casa, à noite, tiverem de
minha opinião, ainda não teve a sua obra
se deparar com uma poluição luminosa
devidamente consagrada – estou falando
Lume Arquitetura: E quando se trata de
em alto nível, com mudanças de cor...
do Plínio Marcos – disse numa palestra
obras já construídas, como bens histó-
Pra quê isso?
na Unicamp: “quando você for participar
ricos?
Claro que algumas intervenções
de festival de teatro, cuidado, porque o
Valmir Perez: É necessário, antes de
podem ser bem-vindas em determina-
prêmio pode ser um insulto, depende da
tudo, conhecer a proposta arquitetônica,
dos espaços, mas eu tenho visto coisas
comissão julgadora”.
as pessoas que vão circular naquele es-
extremamente violentas, como prédios
paço. A iluminação deve ser baseada em
históricos, museus, por exemplo, todos
eu nunca mais esqueci, foi que “arte
pesquisas. Não dá para eu chegar com
revestidos com luzes coloridas, mudan-
não se premia, porque é expressão.
o meu projeto de iluminação e distorcer
do de cor. É uma falta de respeito com
Se você começar a distribuir prêmios a
a ideia central da arquitetura, da história,
a memória da população, é como se o
quem faz arte, os artistas logo vão se
da função social do espaço, etc. Nesses
projetista fizesse o projeto de iluminação
tornar escravos deles”. E era isso que
casos o trabalho exige muito mais cuida-
para ele próprio ser a estrela.
acontecia, por exemplo, no Salão de
do, mais respeito ao patrimônio cultural e
físico do lugar.
Lume Arquitetura: IIuminação teatral e
lighting design arquitetônico são duas
artes e ofícios distintos, ou os profissionais
dessas áreas podem atuar em ambas?
Valmir Perez: Elas possuem a mesma
base “material” como ferramenta de trabalho, que são as propriedades da luz, mas
E outra coisa que ele me disse, que
Paris. Grandes mestres, especialmente
Daqui a alguns anos, com
certeza, vamos começar a
ouvir falar de movimentos do
lighting design, como ocorre
com as demais artes.
com objetivos distintos. Na iluminação
os impressionistas, se rebelaram contra
o evento, porque ele premiava uma arte
que já estava morta. A coroa de louros ia
para artistas que expressavam aquilo que
o salão de artes, patrocinado pelo Estado,
pela grande oligarquia, queria ver. Uma
arte bem comportada.
Eu participo dessas premiações
porque acho que ainda não se chegou
num estado de arte na iluminação em
arquitetural, conforto ambiental, por exem-
Lume Arquitetura: E por que os profissio-
que o projetista tenha a liberdade de se
plo, é essencial. Já na teatral, o projetista
nais têm trabalhado tanto com iluminação
expressar. Então, o que se premia, hoje,
não tem como preocupação primordial
colorida e dinâmica?
é a beleza, claro, mas ainda não é aquela
impedir que a luz ofusque o ator; o mais
Valmir Perez: As grandes empresas
na qual chegaram os impressionistas, por
importante é a cena.
querem criar tendências, ou seja, moda.
exemplo.
Então, são coisas totalmente diferen-
Veja, se elas inventam uma lâmpada que
tes, objetivos diferentes. Quando alguém
dura de 5 a 10 anos acesa, elas têm de
que o seu trabalho também é importante
me fala em levar a iluminação cênica para
ganhar dinheiro de outra forma, talvez
como expressão, e que essa expressão
o espaço urbano, eu costumo responder
fazendo moda... É aquela coisa, você se
é importante para a evolução do espírito
com uma brincadeira: “mas eu não quero
desfaz da sua calça nova, não porque ela
humano, creio que alguns participarão de
morar na Disneylândia...”. Quem quer
não te serve mais, mas porque ela já saiu
concursos, outros não. Pelo simples fato
difundir essa ideia são representantes de
da moda. Da mesma forma, receio que
de que quem esteja julgando possa não
grandes marcas, alguns, inclusive, amigos
as pessoas comecem a trocar também
ter a medida correta daquilo que esteja
meus, que querem nos fazer crer que isso
a iluminação para acompanhar a moda.
sendo expresso.
Lume Arquitetura: Você tem participado
Lume Arquitetura: O que você mudaria
Quando os designers entenderem
traz benefícios para a sociedade, mas
acho que não.
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como jurado em prêmios de projetos de
nesses concursos?
Lume Arquitetura: Por quê?
iluminação, como o da Abilux, por exem-
Valmir Perez: Uma sugestão que eu daria
Valmir Perez: Acho que se isso não
plo. Como avalia a atividade projetual na
aos organizadores desses eventos é que
L U M E ARQUITETURA
passassem a tratar os projetos como
porque se fosse, eles teriam ido para
quer que eu funcione assim, pois assim
arte e que levassem em consideração no
o Salão de Paris, pois eles eram muito
vou ser”. Os futuristas fizeram isso. De
julgamento, não apenas o que foi utilizado
bons. A independência é a faculdade que
início, deu tudo certo, pois eles tinham o
e os resultados obtidos, mas também
o artista tem de dizer: “Não, para você eu
apoio do Estado, mas o preço que eles
os conceitos. Que julgassem também o
não faço; desse jeito não dá.”, e isso está
tiveram de pagar, depois que o sistema
conteúdo, não só a forma.
diretamente ligado aos seus desejos e
ruiu, foi muito grande. Ninguém queria
aos seus ideais.
saber de futurista, eles eram considerados
Os profissionais da luz precisam
basear sua arte em pesquisas e eles têm
traidores da sociedade e da civilização.
de saber explicar qual é a essência de sua
Lume Arquitetura: E o desejo do cliente,
Os caras que ganharam os prêmios no
arte. Se alguém coloca uma luz colorida
do que paga pela arte, onde fica?
salão de Paris, onde estão? Para onde
na fachada de um prédio histórico, por
Valmir Perez: Essa era a briga de Mi-
foram? Quem obteve seu reconhecimento
exemplo, que ele ou ela saiba explicar
chelângelo com os papas, por exemplo.
de verdade?
porque fez aquilo, o que quis dizer com
Ele chegou a dispensar contratos com o
aquilo.
papado, exatamente porque ele queria
estabelecido no passado também não foi
O artista precisa dizer algo como: “eu
se impor. Mas tem o seguinte: para você
baixo, assim como não é hoje. Ou você
coloquei o vermelho nessa fachada, para
impor a sua ideia, é preciso ter conteúdo.
pensa que nós somos mais livres? Nós
ser aceso em determinados dias, porque
É preciso provar para o cliente subjetiva-
somos, na verdade, extremamente escra-
eu quero lembrar às pessoas que ali fun-
mente que aquilo que você está propondo
vos, dentro de um regime em que o que
cionou o DOI-CODI e que muitas pessoas
faz sentido e é viável. É claro que quem
se propaga é apenas a ideia de liberdade
foram torturadas nesse edifício durante a
está pagando quer interagir, porque ele
de expressão, mas que só dá acesso às
ditadura militar”, e assim por diante. Esse
tem uma ideia, então, o que tem que ficar
pessoas, ao que interessa a quem detém
é apenas um dos caminhos, um exemplo.
bem claro é que os conflitos podem existir,
o poder.
mas eles fazem parte do processo.
Como estamos falando de arte, isso
é infinitamente mais complexo, o mais im-
As pessoas têm a consciência e o
espírito aprisionados, elas só têm acesso
portante é que o artista saiba exatamente
Lume Arquitetura: Essa liberdade, da
a um tipo de arte, que é a do entreteni-
o que está fazendo. Essa ideia do artista
qual você fala, é economicamente viável,
mento. Elas não sabem que existe algo
ser aquele cara louco e “viajandão” foi
em sua opinião?
além do que lhes é oferecido pela grande
construída para desmoralizá-lo, assim
Valmir Perez: Sim, porque desenvolver
mídia, que, em todo o mundo, pertence a
como a figura do cientista louco, de jaleco
um projeto independente não implica em
uma meia dúzia de pessoas. São essas
branco e cabelos ouriçados.
perder tempo com conflitos. O design tem
pessoas que decidem o que você vai
de se organizar para cumprir o prazo; se
assistir, vestir, comprar, ou seja, pensar
Lume Arquitetura: Você sempre prega a
ele tem 30 dias para entregar um antepro-
e sentir. Seu comportamento. Por isso
independência artística do lighting design.
jeto, ele tem de respeitar o seu contrato.
somos escravos. Quem se liberta, acaba
O que significa isso, na prática?
As pessoas têm uma ideia distorcida
virando uma pessoa perigosa, subversiva.
Valmir Perez: Muitos fazem arte e não sa-
de que o artista é alguém desligado do
Isso hoje e ontem. Sempre foi assim.
bem dizer por que fazem. E, normalmente,
mundo. Isso é uma grande mentira, é ca-
essas pessoas seguem a ideia de outros
ricatura. O artista é um pesquisador, que
Lume Arquitetura: Conhecimento técnico
que também não sabem. Então, essas
vive o seu mundo, é interado com a arte
e sensibilidade: é possível projetar sem um
pessoas trabalham puramente pelos ga-
a ciência, a filosofia. Ele tem trabalho, tem
ou outro atributo?
nhos, pela vaidade. Ser independente é,
compromissos, tem contas para pagar,
Valmir Perez: Não dá para separar uma
muitas vezes, seguir no sentido contrário.
como todo mundo.
coisa da outra, nem dentro de nós mes-
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O preço de quem enfrentou o poder
Por que será que impressionistas,
mos. Seria como querer apartar a carne
como Van Gogh, Monet, vendiam muito
Lume Arquitetura: Qual é o preço dessa
do espírito, a inteligência da percepção.
poucos quadros no início de suas car-
independência artística?
Quando me falam de partido político, por
reiras? Eles não faziam quadros para
Valmir Perez: Sempre teve e sempre terá,
exemplo, eu já digo: está partido, não está
vender, faziam porque eram artistas, o que
seja de uma forma ou de outra, um preço
inteiro, por isso eles não conseguem re-
queriam era expressar suas ideias, seus
alto a pagar. Tem artistas que se vendem.
solver nada. Se tivessem vontade de fazer
sentimentos, sua ciência, sua pesquisa.
Vendem-se no sentido de dizer “já que a
algo pelo País, era só se juntar. Todos têm
O mote principal deles não era dinheiro,
moda é essa, já que quem tem o poder
boas intenções, não é?
L U M E ARQUITETURA
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Valmir Perez - Lume Arquitetura