O CASO DA BRACHARENSE: UM ESTUDO SOBRE A FABRICAÇÃO, TRÁFICO E CIRCULAÇÃO DE DINHEIRO FALSO NO COMÉRCIO DO RECIFE (1830-1870)∗ Bruno Augusto Dornelas Câmara∗∗ No decorrer de todo o século XIX, houve uma intensa circulação de dinheiro falso em Pernambuco. Essas falsificações eram de moedas de cobre, chamadas popularmente de “xenxém” ou “chanchã”, até dinheiro em cédula de papel. Na documentação policial, nos processos crimes e em outras fontes judiciais correlatas, os portugueses aparecem quase sempre como os principais suspeitos desse ilícito. Por trabalharem no comércio e mexerem constantemente com dinheiro, ou mesmo por fazerem regulares viagens comerciais ao Reino de Portugal (local onde boa parte do dinheiro do Império Brasileiro era falsificada), muitos portugueses foram acusados desse crime. Alguns chegaram mesmo a ser sentenciados, cumprindo pena no presídio de Fernando de Noronha. Não bastasse isso, ainda na onda de antilusitanismo que varreu a província na primeira metade do século XIX, jornais e periódicos ligados aos liberais faziam intensa campanha difamatória contra os comerciantes portugueses, pontuando quase sempre acusações de traficância e de fabricação de dinheiro falso. O caso da Bracharense ilustra muito bem as manifestações de antilusitanismo dessa época. Em resumo, o caso é um processo que envolve o tráfico e circulação de dinheiro falso ocorrido no Recife, em 1850, e envolve dois respeitados comerciantes portugueses locais, Bento José da Silva Magalhães e José Moreira Lopes. O primeiro deles era acusado de transportar para Pernambuco, a bordo de sua embarcação Bracharense, grandes somas de notas falsas produzidas na cidade do Porto, em Portugal. Já José Moreira Lopes foi acusado de repassar dinheiro falso, na forma de um simples troco, a um freguês que comprava tecidos em sua loja, na Rua do Queimado. Ambos eram naturais da cidade de Braga e, em épocas diferentes, emigraram para o Recife, onde exerceram a função de caixeiro de comércio. Com o decorrer do tempo, tornaram-se donos de seus próprios negócios – lojas de fazendas, um dos nichos mais lucrativos do vasto comércio a retalho da cidade do Recife. Bento José, além de sócio de José Moreira Lopes, na ∗ Palestra apresentada em 09/04/2013, dentro do 2º Ciclo de Palestras do Memorial da Justiça – Justiça e Patrimônio Cultural. Mestre e Doutor pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Professor do curso de graduação em História da Universidade de Pernambuco (UPE/Campus Garanhuns-PE). ∗∗ Documentação e Memória/TJPE, Recife, PE, v.3, n.5, 27-28, jan./dez.2012 28 O CASO DA BRACHARENSE: UM ESTUDO SOBRE A FABRICAÇÃO, TRÁFICO E CIRCULAÇÃO DE DINHEIRO FALSO NO COMÉRCIO DO RECIFE (1830-1870) referida loja, era também seu sogro. Eles tinham trajetórias de vida, de trabalho e status profissionais bem similares, e agora estavam juntos, acusados de envolvimento em um mesmo crime. Esse caso envolveu não só os já citados comerciantes, mas também um poderoso traficante de escravos da praça do Rio de Janeiro, políticos ligados aos partidos Liberal e Conservador de Pernambuco, “escritores públicos” responsáveis pelos jornais de teor antilusitano no Recife e até rebeldes exilados da Praieira. Investigando a documentação referente ao caso da Bracarense, é possível entender melhor não só a questão da traficância e circulação de dinheiro falso na província de Pernambuco, mas também as tensões políticas e os conflitos que afligiam parte da comunidade portuguesa, estabelecida no comércio do Recife. Documentação e Memória/TJPE, Recife, PE, v.3, n.5, 27-28, jan./dez.2012