Figura: TALITA VITÓRIA, COM 25 DIAS DE VIDA, VAI ESCAPAR DAS ESTATÍSTICAS QUE APONTAM A MORTE DE
29,78 CRIANÇAS POR CADA GRUPO DE MIL NASCIDAS NO RECIFE
A batalha de garantir uma
VITÓRIA POR DIA
Dados do Atlas de Desenvolvimento
Humano mostram que nascer e
sobreviver no Recife são uma luta contra
as duras estatísticas
FRED FIGUEIROA_________________________________________
DA EQUIPE DO DIARIO
Em abril, o Diario de Pernambuco contou a curta
história de uma menina chamada Ana Vitória. Uma
pernambucana que recebeu o atestado de óbito antes da
certidão de nascimento. Uma vida que durou apenas 18 horas
e 45 minutos. “No documento, feito com a impessoalidade
dos padrões científicos, consta que Vitória foi vítima de
insuficiência respiratória (...) mas basta conhecer os detalhes
da curta existência da menina para constatar o óbvio: ela
morreu de miséria”, dizia o texto da reportagem. Oito meses
depois, a constatação é de que a impessoalidade continua
marcando a passagem de Ana Vitória pela vida. Ela se tornou
mais um número dentro de uma estatística impiedosamente
maior: no Recife, a cada mil crianças que nascem, quase 30
morrem antes de completar o primeiro ano de vida.
Mas hoje, uma outra Vitória aparece nas páginas do
Diario. E dessa vez, sorrindo. Talita Vitória, 25 dias de vida.
Nasceu prematura, depois de sete meses de gestação e luta
diariamente para ganhar peso ou, pelo menos, não perder
mais (perdeu mais de 100 fundamentais gramas até agora).
Ela está com 1,5 kg. Os intensos problemas durante a
gravidez inspiraram Dione Ferreira — que já havia perdido
dois filhos em outras gestações — a dar o nome de Vitória
para a sua primeira filha a abrir os olhos.
Talita, no entanto, ainda não tem certidão de
nascimento. Está esperando receber a alta do hospital —
continua internada no Instituto Materno Infantil de
Pernambuco — para poder, finalmente, ter a sua existência
certificada. Mas nos olhos da menina, nos da mãe dela e nos
da equipe médica que a cerca de perto, revela-se muito mais
do que uma esperança. Revela-se uma certeza de que esse
dia não está longe. “Talvez segunda-feira”, espera a mãe da
pequena Vitória, que já não tem medo de falar sobre o futuro:
“Depois de tudo o que já passou, ela merece só coisas boas daqui para frente. Uma vida realmente feliz”.
E é assim, de pequenas vitórias, que ela vai construindo seus primeiros dias de vida e ganhando forças para enfrentar
a realidade de uma cidade e de um país que ainda não conseguiram diminuir o impacto dos seus índices de mortalidade
infantil — apesar de uma significativa e gradual redução (houve uma queda de quase 50% durante a década passada). No
Recife, a cada mil crianças que nascem, pelo menos 47 não conseguem completar nem cinco anos de vida — vítimas das
precariedades e, sobretudo, das desigualdades sociais que, mais do que nunca, ficaram expostas coma apresentação do
Atlas do Desenvolvimento Humano.
Demografia — Viver realmente é difícil no Recife. Em todos os sentidos e, inclusive, no significado literal do verbo. Entre as
maiores metrópoles brasileiras, a capital de Pernambuco é a que tem o menor índice de esperança de vida: 68,6 anos —
apresentando uma variação demais de 15 anos entre os extremos sociais da cidade. Na área da orla de Boa Viagem, a
expectativa de vida alcança o índice de 78,6 anos. Enquanto nas zonas especiais de interesse social (ZEIS) de Santo
Amaro, a estimativa é de 62,9 anos.
É uma relação direta: quanto maior a pobreza, menor o tempo de vida. Miséria e morte andam de mãos dadas pelas
ruas do Recife. São raras as exceções que conseguem desprender-se desse trágico elo e seguir em frente, sabe-se lá
como. Pouco mais de 80%das pessoas que se encontram nos maiores aglomerados de pobreza do Recife ultrapassamos
40 anos. E menos de 70%delas chegam aos 60 anos de vida. Esses Joãos, Josés , Franciscos, Marias, Terezas, Severinas
que chegam a essa idade poderiam perfeitamente acrescentar aos seus nomes o sobrenome Vitória.
Download

A batalha de garantir uma vitória por dia