The polemic of hysterorraphy on caesarean section Resumo A histerorrafia no parto cesáreo constitui tempo cirúrgico nobre, pois a adequada cicatrização uterina poderá evitar as nefastas conseqüências da ruptura uterina, para a mãe e concepto, em futura gestação e parto. Essa técnica de sutura, entretanto, não apresenta uniformidade plena na literatura. Os métodos subsidiários de avaliação do estado da cicatriz uterina também não têm se mostrado eficientes e práticos. Há preferência pela utilização de fios absorvíveis sintéticos, principalmente em função da menor reação tecidual que promovem. Não é consenso, mas prevalece a opinião de que um único plano com sutura contínua tem melhor relação custo/benefício. A técnica de histerorrafia na cesariana também poderá variar de acordo com o grau de urgência e volume de sangramento no momento do procedimento. AT U A L I Z A Ç Ã O A polêmica da histerorrafia na operação cesariana Eduardo de Souza1 Luiz Camano2 3 Rogério Gomes dos Reis Guidoni 4 Rodrigo Ferreira Buzzini Sérgio Floriano de Toledo5 Cláudia Ribas Araújo Starnini5 Francisco Lázaro Pereira de Sousa5 Palavras-chave Cesárea Técnicas de sutura Ruptura uterina Abstract Keywords Caesarean section Suture techniques Uterine rupture The hysterorraphy in the caesarean section constitutes a right time surgical procedure , as the adequate uterine cicatrization will prevent the uterine rupture undesirable effects for the mother and concepto, future gestation and childbirth. This suture technique, however, does not present full uniformity in literature. The subsidiary evaluation methods on the state of the uterine scar have not been shown efficient and practical. There is preference for the synthetic absorvible thread use, mainly in relation to the lesser tecidual reaction that is promoted. It is not a consensus, but the prevailing opinion is that there is better cost/benefit relation in an only plan with continuous suture. The technique of hysterorraphy in the cesarian section may also vary according to the urgency level and bleeding volume at the procedure time. 1 Professor Associado do Departamento de Obstetrícia da UNIFESP/EPM Professor Titular do Departamento de Obstetrícia da UNIFESP/EPM 3 Coordenador da Disciplina de Obstetrícia da FCMS/UNILUS. 4 Residente de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital do Servidor Público Estadual e ex-aluno da FCMS/UNILUS 5 Professor da Disciplina de Obstetrícia da FCMS/UNILUS Faculdade de Ciências Médicas de Santos – Centro Universitário Lusíada (FCMS/UNILUS) Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM) 2 FEMINA | Julho 2008 | vol 36 | nº 7 Femina_Julho.indb 439 439 17.09.08 09:41:24 A polêmica da histerorrafia na operação cesariana A incidência de cesariana Até meados do século passado, além de haver menos médicos habilitados no procedimento da cesariana, sua realização envolvia riscos maternos muito significativos. O aprimoramento das técnicas cirúrgicas, anestésicas e da antibioticoterapia fez com que esse tipo de parto fosse mundialmente difundido, reduzindo-se o índice de morbidade materno-fetal por ele provocado. Embora as entidades oficiais e acadêmicas tenham se posicionado contrárias às indicações não acadêmicas para a cesariana, como o Comitê de Aspectos Éticos em Reprodução Humana e Saúde das Mulheres da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), que deliberou que é antiético realizar uma cesariana sem indicação médica, não houve desestímulo, por parte da classe médica, em fazê-lo1. Guardadas as peculiaridades regionais, a percentagem desse tipo de parto não deve ultrapassar 15% das gestações, índice este aceitável pela Organização Mundial de Saúde. O tema ganha controvérsia quando, com mais freqüência, os médicos encontram publicados dados que lhes reforçam a segurança desse tipo de via obstétrica. Em agosto de 2003, em seu editorial, o conceituado periódico Obstetrics and Gynecology questiona: dever-se-ia 2 oferecer a cesariana a todas as mulheres?” . Nas últimas décadas, o fato é que tem havido incrementos significativos nos índices de cesariana em todo o mundo. Países que tradicionalmente apresentavam índices muito baixos desse procedimento, como a Turquia e a Itália, por exemplo, alcançaram, no 3 início dos anos 2000, índices de 30 e 33%, respectivamente . Os índices de cesarianas nos principais centros econômicos do mundo também apresentam índices acima do preconizado: Estados Unidos 22,7%, Portugal 27,5%, Alemanha 19,8%, Inglaterra 17%4. Em nosso meio, dados do Ministério da Saúde indicam índice de 26,4% de cesarianas atendidas pelo Sistema Único de Saúde. A distribuição por região é de: Região Norte 23,3%, Nordeste 21,7%, Sudeste 30,7%, Sul 29,1% e Centro-oeste 28,4%5 em hospitais privados e, embora não haja dados oficiais, os índices atingem 80% dos casos. Não se questiona o grande valor da cesariana para salvar vidas e prevenir seqüelas neonatais, outrora comuns, principalmente advindas dos partos vaginais distócicos. Por outro lado, o aumento de sua prevalência, além de seus benefícios, incrementa a morbidade e o custo que podem transformar a solução em problema. Várias iniciativas têm sido tomadas para a redução dos índices desse tipo de parto, como campanhas de incentivo ao parto 6 normal e de realização de parto transpélvico em pacientes com cesariana prévia. Níveis animadores são obtidos com sucesso entre 440 60 e 80% de partos vaginais em pacientes submetidas à cesariana anterior7, apresentando vantagens que incluem diminuição de infecção pós-parto, transfusão sangüínea, tempo de internação 7 hospitalar, sem aumentar a morbidade materno-fetal . O risco de ruptura uterina na cesariana prévia O fantasma da ruptura uterina ainda assombra a iniciativa de 8 realização de parto vaginal após cesariana prévia . A ruptura da cicatriz uterina representa risco de vida fetal e materno. Quando ocorre ruptura uterina extensa, a intervenção imediata é necessária e, por vezes, a histerectomia é a única opção cirúrgica. O feto, nessa situação, muitas vezes sucumbe ou cursa com seqüelas 7 graves no seu desenvolvimento neuropsíquico-motor . A ocorrência de ruptura depende do tipo e localização da sutura uterina prévia. Dados da literatura apontam para a seguinte variação8: - Incisão clássica (4-9%); - incisão em T (4% – 9%); - incisão segmento-corporal (1% - 7%); - incisão segmentar transversa (0,2% - 1,5%). A adequada cicatrização da matriz obtida após parto operatório é de suma importância, uma vez que ela determinará a via do futuro parto e, em alguns casos, o próprio porvir obstétrico. A resistência das cicatrizes uterinas está diretamente subordinada ao número de fibras seccionadas e, naturalmente, à técnica de histerorrafia; todo músculo cortado une-se por processo conjuntivo, ponto de menor resistência, capaz de ceder em face de tração enérgica. Embora o verdadeiro teste de qualidade da sutura uterina se dê no período expulsivo do parto seguinte, alguns métodos tentam avaliar a sua qualidade no período interpartal ou no período gestacional. Avaliações por meio da histerossalpingografia identificaram irregularidades cicatriciais como: fístulas, hérnias, divertículos, sáculos, esporões e espinhas. O método mais utilizado atualmente é o ultra-som, preferencialmente realizado pela via transvaginal. Estudos recentes demonstraram elevada sensibilidade e especificidade desse método, chegando a índices de 80 e 100%, 9 respectivamente, para o diagnóstico de deiscências uterinas . A utilização de ultra-sonografia para avaliar doenças ocorridas na cicatriz de cesárea como: gestação ectópica na cicatriz de cesárea, endometriose, fístulas, tumores, também apresentam adequação cada vez maior na clínica ginecológica10. Alguns protocolos que estimulam o parto normal após cesárea seguimentar transversa anterior também se utilizam de avaliação da espessura da cicatriz uterina (cut off > 2,5 mm) para estimular a via transpélvica de parturição11. FEMINA | Julho 2008 | vol 36 | nº 7 Femina_Julho.indb 440 17.09.08 09:41:25 A polêmica da histerorrafia na operação cesariana Mais recentemente, a sono-histerografia (ultra-sonografia com contraste salino) em situações especiais tem sido utilizada. Espículas e deiscências, são mais bem evidenciadas com o uso 12 de contrastes salinos . A histeroscopia, embora método invasivo, também pode ser utilizada para avaliar a cicatriz uterina. Tem mais indicação em situações em que as biópsias ou correções cirúrgicas se fazem 13 necessárias . Há também estudos à luz da anatomia patológica, como de 14 Morris , que avaliou série de 51 úteros histerectomizados com cesárea segmentar prévia, realizada no período entre dois e 15 anos, evidenciando: 75% apresentaram irregularidade e distorção cicatricial; 65% com acúmulo de endométrio sobre a cicatriz; 16% com formação poliposa; 65% com infiltração linfocitária acentuada; 92% com presença de células gigantes celulares com resíduo de fios de sutura; 37% com descontinuidade do endométrio. A técnica da histerorrafia na cesariana Embora a cesariana seja o procedimento cirúrgico mais realizado em todo o mundo, e com perspectivas de percentual cada vez mais alto, as técnicas empregadas para a sua realização ainda são motivo de discussão e estudo, principalmente no que se refere ao fechamento cirúrgico do útero. As técnicas empregadas para a histerorrafia, ainda hoje, não obedecem a uma normatização. A sutura uterina é realizada em função de protocolos institucionais e, muitas vezes locais, como se pode observar no Quadro 1. Quadro 1 - Protocolos de histerorrafias em algumas instituições de ensino médico Faculdade de Ciências Médicas de Santos - UNILUS ® Fio Vicryl com pontos contínuos Escola Paulista de Medicina - UNIFESP ® Fio categute / Vicryl com pontos separados Faculdade de Medicina de São Paulo - FMUSP ® Fio Vicryl com pontos separados Universidade Federal do Rio Grande do Sul ® Fio Vicryl com pontos separados ou contínuos Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Fio categute cromado com pontos separados Harvard School of Medicine - Boston - USA Fio de categute cromado com pontos ancorados a 33 enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro Fio de categute cromado com pontos separados Protocolo de condutas em Obstetrícia - Faculdade de Ciências Médicas de Santos, 2006 /Manual de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina, 2003 / Zugaib Obstetrícia, 2008 /Rotinas em Obstetrícia do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, 2001 / Tratado de Obstetrícia da FEBRASa GO, 2000 / Williams, Tratado de Obstetrícia, 22 edição /Obstetrícia, a 2005 (10 edição) - Jorge de Resende Enquanto uns difundem o uso da sutura separada, por ser menos isquemiante e ter melhor coaptação das bordas uterinas, outros acreditam que, por ser mais hemostática e despender menos tempo cirúrgico, a sutura contínua acaba tendo melhor adequação. A não-uniformidade de técnicas cirúrgicas para realização de cesarianas motivou em fevereiro de 2004 o início de uma metanálise cujo protocolo se encontra no instituto Cochrane. Tal protocolo visa à elaboração de uma metanálise, analisando as diversas técnicas de parto cesáreo, intitulado: “Surgical tecniques 15 involving the uterus at the time of caesarean section [protocol]” . No que tange à histerorrafia, o referido protocolo não apresenta uma normatização quanto à técnica cirúrgica mais adequada. Algumas avaliações clínicas relacionando tempo cirúrgico, gasto cirúrgico e aumento de morbidade em função das suturas 16 uterina contínua e separada já foram realizadas . A sutura que apresentou redução do tempo cirúrgico, redução de gasto de fio cirúrgico e menos uso de analgésico no puerpério foi a sutura 17 contínua em um único plano . Alguns estudos experimentais envolvendo análise anatomopatológica e avaliação do emprego ou não das suturas uterinas também já 18 foram realizados . Surpreendentemente, evidenciaram-se em úteros não suturados menos reação local com reduzida fase de fibroplasia e diminuição da necrose local. Tais avaliações contribuíram para a hipótese de que a própria involução uterina pós-parto é o fator preponderante para a adequada aproximação das bordas cicatriciais. A sutura uterina não teria, como no tecido cutâneo, a função de sustentação e coaptação das bordas, facilitando a cicatrização do tecido sempre submetido à tensão, e sim função puramente hemostática. A involução uterina puerperal seria a grande responsável por aproximar de maneira adequada às bordas miometriais, diminuindo, assim, a distância entre elas e favorecendo o processo cicatricial. Após o secundamento, ocorre involução uterina rapidamente, com diminuição acentuada do volume uterino. Essa involução rápida se dá não só pela saída de seu conteúdo (feto, placenta e líquido amniótico), mas também pela contração uterina, potencializada pela ação da ocitocina nos períodos de amamentação. Ocorre também um intenso processo de autólise, principalmente citoplasmático do miócito, com perda do conteúdo protéico e degeneração, em menor escala, do tecido conjuntivo. A escolha do fio de sutura A procura por novos materiais e novas técnicas cirúrgicas, assim como o conhecimento dos fatores que influenciam a cicatrização dos tecidos, tem possibilitado resultados cirúrgicos cada FEMINA | Julho 2008 | vol 36 | nº 7 Femina_Julho.indb 441 441 17.09.08 09:41:25 A polêmica da histerorrafia na operação cesariana vez mais satisfatórios. Variações técnicas utilizando diferentes tipos de materiais, como staples, ou de substâncias bioquimicamente ativas para modular as reações cicatriciais tentam, até o presente momento sem o sucesso esperado, intervir e modular o processo de cicatrização ad integrum, para que a matriz tenha 19 sua resistência e contratilidade preservadas integralmente . As reações tissulares aos vários materiais de sutura são diferentes, podendo responder com a absorção, extrusão ou encapsulamento do fio utilizado. A reação inicial é secundária ao trauma da passagem da agulha e do fio de sutura através do tecido. Todas as suturas são corpos estranhos e, como tal, vão estimular uma reação inflamatória de corpo estranho. Na histerorrafia da cesariana, na atualidade, os fios mais utilizados são os absorvíveis, como categute (simples e cromado) e o de poliglactina (vicryl®). A propriedade primordial para a escolha do tipo de fio a ser utilizado deverá ser provocar reação tecidual mínima. A mais popular característica do categute, a absorção, ocorre por fagocitose, a qual se processa com grande infiltrado de polimorfonucleares e edema. Essa reação é mais precoce e prolongada do que a gerada por fios inabsorvíveis, como a seda, o algodão e o náilon. A fase exsudativa da cicatrização é, desta forma, prolongada e o começo da fibroplasia retardado. Mais recentemente, com a introdução de fios de poliglactina (vicryl®), fios sintéticos e absorvíveis, foi possível reunir em um só fio as vantagens das suturas cirúrgicas com fios absorvíveis e desencadeamento de uma reação tecidual menos intensa. Os fios de sutura inabsorvíveis, como o de polipropileno, apresentam reação inflamatória menos exuberante do que a produzida por fios absorvíveis. Os fios inabsorvíveis geram uma reação granulomatosa, um corpo estranho imunologicamente inerte. Esse tipo de granuloma se desenvolve como uma lesão quiescente em torno de um corpo estranho constituído de material, cujas características químicas não incluem o poder de antigenicidade contra o hospedeiro. 20 Segundo Boros , as células inflamatórias que aparecem nos granulomas de corpo estranho de baixa atividade (imunologicamente inertes) são representadas principalmente pelos macrófagos e fibroblastos. Essas lesões são caracterizadas por baixa atividade proliferativa e alta proporção de macrófagos de longa vida, com mínimo recrutamento de novas células. Por outro lado, quando o corpo estranho indutor do granuloma atua de forma ativa do ponto de vista imunológico, sua ingestão pelos macrófagos gera a liberação de enzimas dos lisossomos, determinando, assim, lesão celular do “invasor” e dos tecidos adjacentes. Tudo isso leva a uma reação inflamatória local complexa, com alto grau de atividade celular, completamente diversa da 442 simplicidade morfológica e da inércia funcional que caracterizam o granuloma de corpo estranho destituído de antigenicidade. Os granulomas formados em torno de fio de categute e em torno do fio de algodão (fios biológicos de estrutura arboriforme e caráter imunogênico) são do tipo imunologicamente ativos, com produção de processo inflamatório granulomatoso exuberante, necrose tecidual e células gigantes do tipo corpo estranho. Alguns autores consideram que no granuloma imunologicamente inerte, as células epitelióides verdadeiras não são encontradas. A ausência das células epitelióides atesta que o hospedeiro não possui hipersensibilidade ao corpo estranho e sua existência é considerada um carimbo da natureza alérgica de um granuloma. Os fios absorvíveis sintéticos tipo vicryl® são compostos de um copolímero (união de dois polímeros) de glicolida + lactida, forma avançada do ácido glicólico + ácido láctico, respectivamente, originando seu nome técnico, que é poliglactina 910. A lactida dificulta a penetração de líquidos entre os filamentos da sutura, proporcionando adequada resistência tênsil durante o período crítico de cicatrização, por apresentar características de hidrofobicidade mais intensas do que a glicolida. O processo de absorção do vicryl® ocorre através de uma hidrólise, sendo os polímeros transformados em ácidos (láctico e glicólico). O processo de hidrólise caracteriza-se pela penetração de líquidos na estrutura molecular do polímero, provocando o rompimento da cadeia molecular e retornando à sua forma inicial. Outra característica importante dos fios é o coeficiente de atrito, pois existe relação direta entre o coeficiente de atrito e a segurança do nó. De forma geral, os fios que melhor deslizam pelos tecidos são os que mais tendência apresentam ao afrouxamento do nó. A resistência do nó à tração (resistência tênsil efetiva) é mais representativa da capacidade tênsil do que a resistência do fio à ruptura. Alguns trabalhos têm demonstrado que o nó é o ponto mais fraco do laço de uma sutura. O grau de umidade do tecido suturado é fator determinante para a perda da resistência tênsil das suturas. Outro aspecto a ser considerado é a capacidade dos tecidos de suportarem as suturas que, por sua vez, são influenciados pelo número e constituição de suas fibras como também a sua direção em relação ao sentido de forças. Músculos e gordura apresentam menos poder de sustentação dos pontos, fato que é ligeiramente modificado por sua direção. Idealmente, os fios de sutura deverão ser: desprovidos de propriedades eletrolíticas, baratos, facilmente esterilizáveis sem, contudo, perder suas características físico-químicas. Não deverão ser alergênicos ou cancerigênicos. FEMINA | Julho 2008 | vol 36 | nº 7 Femina_Julho.indb 442 17.09.08 09:41:25 A polêmica da histerorrafia na operação cesariana As reações inflamatórias desencadeadas pelos diversos fios de sutura têm peculiaridades próprias, como já mencionado anteriormente e sumarizado a seguir. O categute é o que desencadeia uma reação exsudativa inicial mais intensa, com o aparecimento de células polimorfonucleares, que digerem enzimaticamente o categute, diminuindo rapidamente sua resistência tênsil. Os fios absorvíveis sintéticos, poliglactina 910, são absorvidos por hidrólise e não por digestão enzimática, como ocorre nos fios de categute, diminuindo a fase exsudativa. A reação tecidual é mínima, por não promover formação de metabólitos protéicos. Quase não existe reação vascular aguda. A reação celular é preponderante de caráter mononuclear, parecendo estar limitada à área imediatamente próxima do fio de sutura implantado. A absorção completa das suturas é rapidamente seguida pelo desaparecimento do infiltrado de elementos celulares, sem vestígio da lesão remanescente após longo tempo. É ainda bastante interessante o fato de que os perfis de absorção dos polímeros parecem não depender do diâmetro dos 21 fios de sutura ou do estado imunológico do hospedeiro. A conseqüência da fase exsudativa menos intensa e mais curta é a instalação prematura da fibroplasia. Esta responde por maior e mais precoce resistência tênsil das suturas executadas, como seda e algodão, quando comparadas àquelas realizadas com categute. Outra questão envolvendo os fios de sutura diz respeito ao número de filamentos que compõem o fio; classicamente, os fios multifilamentares propiciam mais infecções do que os monofilamentares; no entanto, estudos sugerem que a constituição química dos fios pode ser mais significativa do que a sua constituição física na determinação de infecção. Esses estudos ainda observaram atividade antibacteriana nos produtos de de- gradação do ácido poliglicólico, introduzindo a possibilidade de uma nova geração de fios sintéticos, que liberem medicamentos antimicrobianos ou biologicamente ativos. Alguns aspectos da constituição e das propriedades dos fios de sutura absorvíveis mais utilizados em obstetrícia estão sumarizados no Quadro 2. Considerações finais A histerorrafia é o principal tempo cirúrgico na cesariana na determinação da futura via de parto e mesmo no próprio porvir obstétrico. Falhas técnicas no momento da histerorrafia poderão contribuir para gerar ou agravar desfechos indesejáveis, quer sejam imediatos ou tardios. Não só as preocupações com sangramentos cataclísmicos devem orientar a conduta do cirurgião no momento da histerorrafia. Processos mórbidos tardios estão cada vez mais presentes na clínica ginecológica. Fístulas, deiscências, hipertrofia e hiper-retração cicatricial, sangramentos vaginais irregulares e endometriose cicatricial, são algumas das intercorrências advindas de má cicatrização uterina. O parto cesáreo é a cirurgia mais realizada em todo o mundo e o fato de a gestante possuir uma cicatriz uterina a levará com mais freqüência a um novo parto abdominal. A história de uma ou mais intervenções uterinas é um dos mais relevantes motivos para indicar-se novo parto abdominal22. Atualmente, não só a história de partos cirúrgicos prévios são relevantes, mas todo tipo de intervenção cirúrgica uterina, quer seja por técnica laparotômica tradicional, quer seja por métodos laparoscópicos minimamente invasivos. Os métodos laparoscópicos principalmente para miomectomia devem fazer parte da anamnese do obstetra. Quadro 2 - Características dos fios absorvíveis de sutura cirúrgica FIOS Origem Reação tissular Força tênsil Tempo de absorção Processo de absorção Cor Efeito memória Construção Categute Simples Animal (intestino de gado bovino) Moderada 1 dia = 100% 7 dias = 45% 14 dias = 15% 21 dias = 10% 70 dias Fagocitose Amarela Alta Torcido Categute Cromado Animal (intestino de gado bovino) Moderada 1 dia = 100% 7 dias = 65% 14 dias = 40% 21 dias = 10% 90 dias Fagocitose Marrom Alta Torcido VICRYL® Sintética (Poliglactina) Leve 1 dia = 100% 3 dias = 100% 21 dias = 30 / 40% 28 dias = 5 / 10% 70 dias Hidrólise Violeta Regular Trançado Fonte: Catálogos de produtos (Ethicon, 2002) FEMINA | Julho 2008 | vol 36 | nº 7 Femina_Julho.indb 443 443 17.09.08 09:41:25 A polêmica da histerorrafia na operação cesariana Entende-se que ainda há um fecundo terreno para as investigações científicas na busca da melhor técnica para o fechamento da matriz uterina e da garantia de melhor porvir obstétrico. A histerorrafia em um ou dois planos, o tipo de fio de sutura e o tipo de técnica cirúrgica são pontos ainda polêmicos a respeito da abordagem uterina no parto cesáreo. Não é consenso, mas prevalece a opinião de que um único plano com sutura contínua 23 tem melhor custo-benefício . A não-evidência de diferenças significativas entre as diversas técnicas de sutura cirúrgicas para a histerorrafia possibilita ao cirurgião utilizar a técnica mais apropriada para cada situação. A sutura contínua, por representar o tipo de sutura em que há menos gasto de fio cirúrgico, na qual ocorre distribuição homogênea das forças em todo o tecido suturado, e por ser a técnica de execução mais rápida, terá mais adequação à rotina obstétrica. A técnica ancorada teria mais adequação nos segmentos mais espessos, com sangramento uterino mais intenso, por se valer da sua capacidade hemostática. Os pontos separados ficariam reservados para as intercorrências infecciosas e para as histerorrafias longitudinais uterinas. A conquista de um resultado cicatricial mais anatômico e principalmente funcional, com a interposição de pequena quantidade de material fibrótico, é o objetivo desejável. Leituras suplementares 1. Schenker JG, Cain JM. FIGO Committee Report. FIGO Committee for the Ethical Aspects of Human Reproduction and Women”s healt. Internation Federation of Gynecology and Obstetrics. Int J Gynecol Obstet. 1999 Mar; 64(3):317-22. 13. Wang CJ, Chao AS, Yuen LT, Wang CW, Soong YK, Lee CL. 2. Nygaard I, Cruikshank DP. Should all women be offered elective section scar: is the scar a source of clinical symptoms? Int J Gynecol Pathol. 1995; 14(1):16-20. cesarean delivery? Obstet Gynecol. 2003; 102(2):217-22. 3. Donati S, Grandolfo ME, Andreazzi S. Do Italian mothers prefer cesarean delivery? Birth. 2003; 30(2):89-93. 4. Strobino D. Current controversies in perinatal health. 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