The polemic of hysterorraphy on caesarean section
Resumo
A histerorrafia no parto cesáreo constitui tempo cirúrgico nobre, pois a adequada cicatrização uterina
poderá evitar as nefastas conseqüências da ruptura uterina, para a mãe e concepto, em futura gestação
e parto. Essa técnica de sutura, entretanto, não apresenta uniformidade plena na literatura. Os métodos
subsidiários de avaliação do estado da cicatriz uterina também não têm se mostrado eficientes e práticos.
Há preferência pela utilização de fios absorvíveis sintéticos, principalmente em função da menor reação
tecidual que promovem. Não é consenso, mas prevalece a opinião de que um único plano com sutura
contínua tem melhor relação custo/benefício. A técnica de histerorrafia na cesariana também poderá
variar de acordo com o grau de urgência e volume de sangramento no momento do procedimento.
AT U A L I Z A Ç Ã O
A polêmica da histerorrafia na operação cesariana
Eduardo de Souza1
Luiz Camano2
3
Rogério Gomes dos Reis Guidoni
4
Rodrigo Ferreira Buzzini
Sérgio Floriano de Toledo5
Cláudia Ribas Araújo Starnini5
Francisco Lázaro Pereira de Sousa5
Palavras-chave
Cesárea
Técnicas de sutura
Ruptura uterina
Abstract
Keywords
Caesarean section
Suture techniques
Uterine rupture
The hysterorraphy in the caesarean section constitutes a right time surgical procedure , as the adequate
uterine cicatrization will prevent the uterine rupture undesirable effects for the mother and concepto,
future gestation and childbirth. This suture technique, however, does not present full uniformity in literature.
The subsidiary evaluation methods on the state of the uterine scar have not been shown efficient and
practical. There is preference for the synthetic absorvible thread use, mainly in relation to the lesser
tecidual reaction that is promoted. It is not a consensus, but the prevailing opinion is that there is better
cost/benefit relation in an only plan with continuous suture. The technique of hysterorraphy in the cesarian
section may also vary according to the urgency level and bleeding volume at the procedure time.
1
Professor Associado do Departamento de Obstetrícia da UNIFESP/EPM
Professor Titular do Departamento de Obstetrícia da UNIFESP/EPM
3
Coordenador da Disciplina de Obstetrícia da FCMS/UNILUS.
4
Residente de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital do Servidor Público Estadual e ex-aluno da FCMS/UNILUS
5
Professor da Disciplina de Obstetrícia da FCMS/UNILUS
Faculdade de Ciências Médicas de Santos – Centro Universitário Lusíada (FCMS/UNILUS)
Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM)
2
FEMINA | Julho 2008 | vol 36 | nº 7
Femina_Julho.indb 439
439
17.09.08 09:41:24
A polêmica da histerorrafia na operação cesariana
A incidência de cesariana
Até meados do século passado, além de haver menos médicos
habilitados no procedimento da cesariana, sua realização envolvia
riscos maternos muito significativos. O aprimoramento das técnicas cirúrgicas, anestésicas e da antibioticoterapia fez com que
esse tipo de parto fosse mundialmente difundido, reduzindo-se
o índice de morbidade materno-fetal por ele provocado.
Embora as entidades oficiais e acadêmicas tenham se posicionado contrárias às indicações não acadêmicas para a cesariana,
como o Comitê de Aspectos Éticos em Reprodução Humana e
Saúde das Mulheres da Federação Internacional de Ginecologia
e Obstetrícia (FIGO), que deliberou que é antiético realizar uma
cesariana sem indicação médica, não houve desestímulo, por
parte da classe médica, em fazê-lo1.
Guardadas as peculiaridades regionais, a percentagem desse
tipo de parto não deve ultrapassar 15% das gestações, índice
este aceitável pela Organização Mundial de Saúde. O tema ganha
controvérsia quando, com mais freqüência, os médicos encontram
publicados dados que lhes reforçam a segurança desse tipo de
via obstétrica. Em agosto de 2003, em seu editorial, o conceituado periódico Obstetrics and Gynecology questiona: dever-se-ia
2
oferecer a cesariana a todas as mulheres?” .
Nas últimas décadas, o fato é que tem havido incrementos
significativos nos índices de cesariana em todo o mundo. Países
que tradicionalmente apresentavam índices muito baixos desse
procedimento, como a Turquia e a Itália, por exemplo, alcançaram, no
3
início dos anos 2000, índices de 30 e 33%, respectivamente .
Os índices de cesarianas nos principais centros econômicos do
mundo também apresentam índices acima do preconizado: Estados
Unidos 22,7%, Portugal 27,5%, Alemanha 19,8%, Inglaterra 17%4.
Em nosso meio, dados do Ministério da Saúde indicam índice
de 26,4% de cesarianas atendidas pelo Sistema Único de Saúde.
A distribuição por região é de: Região Norte 23,3%, Nordeste
21,7%, Sudeste 30,7%, Sul 29,1% e Centro-oeste 28,4%5 em
hospitais privados e, embora não haja dados oficiais, os índices
atingem 80% dos casos.
Não se questiona o grande valor da cesariana para salvar vidas
e prevenir seqüelas neonatais, outrora comuns, principalmente advindas dos partos vaginais distócicos. Por outro lado, o aumento de
sua prevalência, além de seus benefícios, incrementa a morbidade
e o custo que podem transformar a solução em problema.
Várias iniciativas têm sido tomadas para a redução dos índices desse tipo de parto, como campanhas de incentivo ao parto
6
normal e de realização de parto transpélvico em pacientes com
cesariana prévia. Níveis animadores são obtidos com sucesso entre
440
60 e 80% de partos vaginais em pacientes submetidas à cesariana
anterior7, apresentando vantagens que incluem diminuição de
infecção pós-parto, transfusão sangüínea, tempo de internação
7
hospitalar, sem aumentar a morbidade materno-fetal .
O risco de ruptura uterina na cesariana prévia
O fantasma da ruptura uterina ainda assombra a iniciativa de
8
realização de parto vaginal após cesariana prévia . A ruptura da
cicatriz uterina representa risco de vida fetal e materno. Quando
ocorre ruptura uterina extensa, a intervenção imediata é necessária
e, por vezes, a histerectomia é a única opção cirúrgica. O feto,
nessa situação, muitas vezes sucumbe ou cursa com seqüelas
7
graves no seu desenvolvimento neuropsíquico-motor .
A ocorrência de ruptura depende do tipo e localização da
sutura uterina prévia. Dados da literatura apontam para a seguinte
variação8: - Incisão clássica (4-9%); - incisão em T (4% – 9%);
- incisão segmento-corporal (1% - 7%); - incisão segmentar
transversa (0,2% - 1,5%).
A adequada cicatrização da matriz obtida após parto operatório
é de suma importância, uma vez que ela determinará a via do
futuro parto e, em alguns casos, o próprio porvir obstétrico. A
resistência das cicatrizes uterinas está diretamente subordinada
ao número de fibras seccionadas e, naturalmente, à técnica de
histerorrafia; todo músculo cortado une-se por processo conjuntivo, ponto de menor resistência, capaz de ceder em face de
tração enérgica.
Embora o verdadeiro teste de qualidade da sutura uterina
se dê no período expulsivo do parto seguinte, alguns métodos
tentam avaliar a sua qualidade no período interpartal ou no período gestacional. Avaliações por meio da histerossalpingografia
identificaram irregularidades cicatriciais como: fístulas, hérnias,
divertículos, sáculos, esporões e espinhas. O método mais utilizado
atualmente é o ultra-som, preferencialmente realizado pela via
transvaginal. Estudos recentes demonstraram elevada sensibilidade
e especificidade desse método, chegando a índices de 80 e 100%,
9
respectivamente, para o diagnóstico de deiscências uterinas . A
utilização de ultra-sonografia para avaliar doenças ocorridas na
cicatriz de cesárea como: gestação ectópica na cicatriz de cesárea,
endometriose, fístulas, tumores, também apresentam adequação
cada vez maior na clínica ginecológica10.
Alguns protocolos que estimulam o parto normal após cesárea
seguimentar transversa anterior também se utilizam de avaliação
da espessura da cicatriz uterina (cut off > 2,5 mm) para estimular
a via transpélvica de parturição11.
FEMINA | Julho 2008 | vol 36 | nº 7
Femina_Julho.indb 440
17.09.08 09:41:25
A polêmica da histerorrafia na operação cesariana
Mais recentemente, a sono-histerografia (ultra-sonografia
com contraste salino) em situações especiais tem sido utilizada.
Espículas e deiscências, são mais bem evidenciadas com o uso
12
de contrastes salinos .
A histeroscopia, embora método invasivo, também pode ser
utilizada para avaliar a cicatriz uterina. Tem mais indicação em
situações em que as biópsias ou correções cirúrgicas se fazem
13
necessárias .
Há também estudos à luz da anatomia patológica, como de
14
Morris , que avaliou série de 51 úteros histerectomizados com
cesárea segmentar prévia, realizada no período entre dois e 15
anos, evidenciando: 75% apresentaram irregularidade e distorção
cicatricial; 65% com acúmulo de endométrio sobre a cicatriz; 16%
com formação poliposa; 65% com infiltração linfocitária acentuada;
92% com presença de células gigantes celulares com resíduo de
fios de sutura; 37% com descontinuidade do endométrio.
A técnica da histerorrafia na cesariana
Embora a cesariana seja o procedimento cirúrgico mais realizado
em todo o mundo, e com perspectivas de percentual cada vez
mais alto, as técnicas empregadas para a sua realização ainda são
motivo de discussão e estudo, principalmente no que se refere
ao fechamento cirúrgico do útero. As técnicas empregadas para
a histerorrafia, ainda hoje, não obedecem a uma normatização. A
sutura uterina é realizada em função de protocolos institucionais
e, muitas vezes locais, como se pode observar no Quadro 1.
Quadro 1 - Protocolos de histerorrafias em algumas instituições de ensino médico
Faculdade de Ciências Médicas de Santos - UNILUS
®
Fio Vicryl com pontos contínuos
Escola Paulista de Medicina - UNIFESP
®
Fio categute / Vicryl com pontos separados
Faculdade de Medicina de São Paulo - FMUSP
®
Fio Vicryl com pontos separados
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
®
Fio Vicryl com pontos separados ou contínuos
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
Fio categute cromado com pontos separados
Harvard School of Medicine - Boston - USA
Fio de categute cromado com pontos ancorados
a
33 enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro
Fio de categute cromado com pontos separados
Protocolo de condutas em Obstetrícia - Faculdade de Ciências Médicas
de Santos, 2006 /Manual de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina,
2003 / Zugaib Obstetrícia, 2008 /Rotinas em Obstetrícia do Hospital
das Clínicas de Porto Alegre, 2001 / Tratado de Obstetrícia da FEBRASa
GO, 2000 / Williams, Tratado de Obstetrícia, 22 edição /Obstetrícia,
a
2005 (10 edição) - Jorge de Resende
Enquanto uns difundem o uso da sutura separada, por ser menos
isquemiante e ter melhor coaptação das bordas uterinas, outros
acreditam que, por ser mais hemostática e despender menos tempo
cirúrgico, a sutura contínua acaba tendo melhor adequação.
A não-uniformidade de técnicas cirúrgicas para realização
de cesarianas motivou em fevereiro de 2004 o início de uma
metanálise cujo protocolo se encontra no instituto Cochrane.
Tal protocolo visa à elaboração de uma metanálise, analisando as
diversas técnicas de parto cesáreo, intitulado: “Surgical tecniques
15
involving the uterus at the time of caesarean section [protocol]” .
No que tange à histerorrafia, o referido protocolo não apresenta
uma normatização quanto à técnica cirúrgica mais adequada.
Algumas avaliações clínicas relacionando tempo cirúrgico,
gasto cirúrgico e aumento de morbidade em função das suturas
16
uterina contínua e separada já foram realizadas . A sutura que
apresentou redução do tempo cirúrgico, redução de gasto de fio
cirúrgico e menos uso de analgésico no puerpério foi a sutura
17
contínua em um único plano .
Alguns estudos experimentais envolvendo análise anatomopatológica e avaliação do emprego ou não das suturas uterinas também já
18
foram realizados . Surpreendentemente, evidenciaram-se em úteros
não suturados menos reação local com reduzida fase de fibroplasia
e diminuição da necrose local. Tais avaliações contribuíram para
a hipótese de que a própria involução uterina pós-parto é o fator
preponderante para a adequada aproximação das bordas cicatriciais.
A sutura uterina não teria, como no tecido cutâneo, a função de
sustentação e coaptação das bordas, facilitando a cicatrização do
tecido sempre submetido à tensão, e sim função puramente hemostática. A involução uterina puerperal seria a grande responsável por
aproximar de maneira adequada às bordas miometriais, diminuindo,
assim, a distância entre elas e favorecendo o processo cicatricial.
Após o secundamento, ocorre involução uterina rapidamente, com
diminuição acentuada do volume uterino. Essa involução rápida
se dá não só pela saída de seu conteúdo (feto, placenta e líquido
amniótico), mas também pela contração uterina, potencializada pela
ação da ocitocina nos períodos de amamentação. Ocorre também
um intenso processo de autólise, principalmente citoplasmático do
miócito, com perda do conteúdo protéico e degeneração, em menor
escala, do tecido conjuntivo.
A escolha do fio de sutura
A procura por novos materiais e novas técnicas cirúrgicas,
assim como o conhecimento dos fatores que influenciam a cicatrização dos tecidos, tem possibilitado resultados cirúrgicos cada
FEMINA | Julho 2008 | vol 36 | nº 7
Femina_Julho.indb 441
441
17.09.08 09:41:25
A polêmica da histerorrafia na operação cesariana
vez mais satisfatórios. Variações técnicas utilizando diferentes
tipos de materiais, como staples, ou de substâncias bioquimicamente ativas para modular as reações cicatriciais tentam, até o
presente momento sem o sucesso esperado, intervir e modular
o processo de cicatrização ad integrum, para que a matriz tenha
19
sua resistência e contratilidade preservadas integralmente .
As reações tissulares aos vários materiais de sutura são
diferentes, podendo responder com a absorção, extrusão ou
encapsulamento do fio utilizado. A reação inicial é secundária
ao trauma da passagem da agulha e do fio de sutura através do
tecido. Todas as suturas são corpos estranhos e, como tal, vão
estimular uma reação inflamatória de corpo estranho.
Na histerorrafia da cesariana, na atualidade, os fios mais utilizados são os absorvíveis, como categute (simples e cromado) e o de
poliglactina (vicryl®). A propriedade primordial para a escolha do tipo
de fio a ser utilizado deverá ser provocar reação tecidual mínima.
A mais popular característica do categute, a absorção, ocorre
por fagocitose, a qual se processa com grande infiltrado de polimorfonucleares e edema. Essa reação é mais precoce e prolongada
do que a gerada por fios inabsorvíveis, como a seda, o algodão
e o náilon. A fase exsudativa da cicatrização é, desta forma,
prolongada e o começo da fibroplasia retardado.
Mais recentemente, com a introdução de fios de poliglactina
(vicryl®), fios sintéticos e absorvíveis, foi possível reunir em um
só fio as vantagens das suturas cirúrgicas com fios absorvíveis e
desencadeamento de uma reação tecidual menos intensa.
Os fios de sutura inabsorvíveis, como o de polipropileno,
apresentam reação inflamatória menos exuberante do que a
produzida por fios absorvíveis. Os fios inabsorvíveis geram uma
reação granulomatosa, um corpo estranho imunologicamente
inerte. Esse tipo de granuloma se desenvolve como uma lesão
quiescente em torno de um corpo estranho constituído de
material, cujas características químicas não incluem o poder de
antigenicidade contra o hospedeiro.
20
Segundo Boros , as células inflamatórias que aparecem nos
granulomas de corpo estranho de baixa atividade (imunologicamente inertes) são representadas principalmente pelos macrófagos
e fibroblastos. Essas lesões são caracterizadas por baixa atividade
proliferativa e alta proporção de macrófagos de longa vida, com
mínimo recrutamento de novas células.
Por outro lado, quando o corpo estranho indutor do granuloma
atua de forma ativa do ponto de vista imunológico, sua ingestão
pelos macrófagos gera a liberação de enzimas dos lisossomos,
determinando, assim, lesão celular do “invasor” e dos tecidos
adjacentes. Tudo isso leva a uma reação inflamatória local complexa, com alto grau de atividade celular, completamente diversa da
442
simplicidade morfológica e da inércia funcional que caracterizam
o granuloma de corpo estranho destituído de antigenicidade.
Os granulomas formados em torno de fio de categute e em
torno do fio de algodão (fios biológicos de estrutura arboriforme
e caráter imunogênico) são do tipo imunologicamente ativos, com
produção de processo inflamatório granulomatoso exuberante,
necrose tecidual e células gigantes do tipo corpo estranho.
Alguns autores consideram que no granuloma imunologicamente
inerte, as células epitelióides verdadeiras não são encontradas.
A ausência das células epitelióides atesta que o hospedeiro não
possui hipersensibilidade ao corpo estranho e sua existência é
considerada um carimbo da natureza alérgica de um granuloma.
Os fios absorvíveis sintéticos tipo vicryl® são compostos de
um copolímero (união de dois polímeros) de glicolida + lactida,
forma avançada do ácido glicólico + ácido láctico, respectivamente, originando seu nome técnico, que é poliglactina 910. A
lactida dificulta a penetração de líquidos entre os filamentos da
sutura, proporcionando adequada resistência tênsil durante o
período crítico de cicatrização, por apresentar características de
hidrofobicidade mais intensas do que a glicolida.
O processo de absorção do vicryl® ocorre através de uma
hidrólise, sendo os polímeros transformados em ácidos (láctico e
glicólico). O processo de hidrólise caracteriza-se pela penetração
de líquidos na estrutura molecular do polímero, provocando o rompimento da cadeia molecular e retornando à sua forma inicial.
Outra característica importante dos fios é o coeficiente de
atrito, pois existe relação direta entre o coeficiente de atrito e a
segurança do nó. De forma geral, os fios que melhor deslizam
pelos tecidos são os que mais tendência apresentam ao afrouxamento do nó.
A resistência do nó à tração (resistência tênsil efetiva) é mais
representativa da capacidade tênsil do que a resistência do fio
à ruptura.
Alguns trabalhos têm demonstrado que o nó é o ponto mais
fraco do laço de uma sutura. O grau de umidade do tecido suturado
é fator determinante para a perda da resistência tênsil das suturas.
Outro aspecto a ser considerado é a capacidade dos tecidos de
suportarem as suturas que, por sua vez, são influenciados pelo
número e constituição de suas fibras como também a sua direção
em relação ao sentido de forças. Músculos e gordura apresentam
menos poder de sustentação dos pontos, fato que é ligeiramente
modificado por sua direção.
Idealmente, os fios de sutura deverão ser: desprovidos de
propriedades eletrolíticas, baratos, facilmente esterilizáveis sem,
contudo, perder suas características físico-químicas. Não deverão
ser alergênicos ou cancerigênicos.
FEMINA | Julho 2008 | vol 36 | nº 7
Femina_Julho.indb 442
17.09.08 09:41:25
A polêmica da histerorrafia na operação cesariana
As reações inflamatórias desencadeadas pelos diversos fios
de sutura têm peculiaridades próprias, como já mencionado
anteriormente e sumarizado a seguir.
O categute é o que desencadeia uma reação exsudativa
inicial mais intensa, com o aparecimento de células polimorfonucleares, que digerem enzimaticamente o categute, diminuindo
rapidamente sua resistência tênsil. Os fios absorvíveis sintéticos,
poliglactina 910, são absorvidos por hidrólise e não por digestão
enzimática, como ocorre nos fios de categute, diminuindo a
fase exsudativa. A reação tecidual é mínima, por não promover
formação de metabólitos protéicos. Quase não existe reação
vascular aguda. A reação celular é preponderante de caráter
mononuclear, parecendo estar limitada à área imediatamente
próxima do fio de sutura implantado. A absorção completa das
suturas é rapidamente seguida pelo desaparecimento do infiltrado de elementos celulares, sem vestígio da lesão remanescente
após longo tempo.
É ainda bastante interessante o fato de que os perfis de
absorção dos polímeros parecem não depender do diâmetro dos
21
fios de sutura ou do estado imunológico do hospedeiro.
A conseqüência da fase exsudativa menos intensa e mais
curta é a instalação prematura da fibroplasia. Esta responde por
maior e mais precoce resistência tênsil das suturas executadas,
como seda e algodão, quando comparadas àquelas realizadas
com categute.
Outra questão envolvendo os fios de sutura diz respeito
ao número de filamentos que compõem o fio; classicamente,
os fios multifilamentares propiciam mais infecções do que os
monofilamentares; no entanto, estudos sugerem que a constituição química dos fios pode ser mais significativa do que a sua
constituição física na determinação de infecção. Esses estudos
ainda observaram atividade antibacteriana nos produtos de de-
gradação do ácido poliglicólico, introduzindo a possibilidade de
uma nova geração de fios sintéticos, que liberem medicamentos
antimicrobianos ou biologicamente ativos.
Alguns aspectos da constituição e das propriedades dos
fios de sutura absorvíveis mais utilizados em obstetrícia estão
sumarizados no Quadro 2.
Considerações finais
A histerorrafia é o principal tempo cirúrgico na cesariana na
determinação da futura via de parto e mesmo no próprio porvir
obstétrico. Falhas técnicas no momento da histerorrafia poderão
contribuir para gerar ou agravar desfechos indesejáveis, quer sejam
imediatos ou tardios. Não só as preocupações com sangramentos
cataclísmicos devem orientar a conduta do cirurgião no momento
da histerorrafia. Processos mórbidos tardios estão cada vez mais
presentes na clínica ginecológica. Fístulas, deiscências, hipertrofia
e hiper-retração cicatricial, sangramentos vaginais irregulares e
endometriose cicatricial, são algumas das intercorrências advindas
de má cicatrização uterina.
O parto cesáreo é a cirurgia mais realizada em todo o mundo
e o fato de a gestante possuir uma cicatriz uterina a levará com
mais freqüência a um novo parto abdominal. A história de uma
ou mais intervenções uterinas é um dos mais relevantes motivos
para indicar-se novo parto abdominal22.
Atualmente, não só a história de partos cirúrgicos prévios
são relevantes, mas todo tipo de intervenção cirúrgica uterina,
quer seja por técnica laparotômica tradicional, quer seja por
métodos laparoscópicos minimamente invasivos. Os métodos
laparoscópicos principalmente para miomectomia devem fazer
parte da anamnese do obstetra.
Quadro 2 - Características dos fios absorvíveis de sutura cirúrgica
FIOS
Origem
Reação tissular
Força tênsil
Tempo de absorção
Processo de absorção
Cor
Efeito memória
Construção
Categute Simples
Animal (intestino de gado bovino)
Moderada
1 dia = 100%
7 dias = 45%
14 dias = 15%
21 dias = 10%
70 dias
Fagocitose
Amarela
Alta
Torcido
Categute Cromado
Animal (intestino de gado bovino)
Moderada
1 dia = 100%
7 dias = 65%
14 dias = 40%
21 dias = 10%
90 dias
Fagocitose
Marrom
Alta
Torcido
VICRYL®
Sintética (Poliglactina)
Leve
1 dia = 100%
3 dias = 100%
21 dias = 30 / 40%
28 dias = 5 / 10%
70 dias
Hidrólise
Violeta
Regular
Trançado
Fonte: Catálogos de produtos (Ethicon, 2002)
FEMINA | Julho 2008 | vol 36 | nº 7
Femina_Julho.indb 443
443
17.09.08 09:41:25
A polêmica da histerorrafia na operação cesariana
Entende-se que ainda há um fecundo terreno para as investigações científicas na busca da melhor técnica para o fechamento
da matriz uterina e da garantia de melhor porvir obstétrico. A
histerorrafia em um ou dois planos, o tipo de fio de sutura e o
tipo de técnica cirúrgica são pontos ainda polêmicos a respeito
da abordagem uterina no parto cesáreo. Não é consenso, mas
prevalece a opinião de que um único plano com sutura contínua
23
tem melhor custo-benefício .
A não-evidência de diferenças significativas entre as diversas
técnicas de sutura cirúrgicas para a histerorrafia possibilita ao
cirurgião utilizar a técnica mais apropriada para cada situação. A
sutura contínua, por representar o tipo de sutura em que há menos
gasto de fio cirúrgico, na qual ocorre distribuição homogênea das
forças em todo o tecido suturado, e por ser a técnica de execução
mais rápida, terá mais adequação à rotina obstétrica. A técnica
ancorada teria mais adequação nos segmentos mais espessos, com
sangramento uterino mais intenso, por se valer da sua capacidade
hemostática. Os pontos separados ficariam reservados para as
intercorrências infecciosas e para as histerorrafias longitudinais
uterinas. A conquista de um resultado cicatricial mais anatômico e principalmente funcional, com a interposição de pequena
quantidade de material fibrótico, é o objetivo desejável.
Leituras suplementares
1.
Schenker JG, Cain JM. FIGO Committee Report. FIGO Committee
for the Ethical Aspects of Human Reproduction and Women”s healt.
Internation Federation of Gynecology and Obstetrics. Int J Gynecol
Obstet. 1999 Mar; 64(3):317-22.
13. Wang CJ, Chao AS, Yuen LT, Wang CW, Soong YK, Lee CL.
2. Nygaard I, Cruikshank DP. Should all women be offered elective
section scar: is the scar a source of clinical symptoms? Int J Gynecol
Pathol. 1995; 14(1):16-20.
cesarean delivery? Obstet Gynecol. 2003; 102(2):217-22.
3. Donati S, Grandolfo ME, Andreazzi S. Do Italian mothers prefer
cesarean delivery? Birth. 2003; 30(2):89-93.
4.
Strobino D. Current controversies in perinatal health. OECD health Data. In:
Johns Hopkins Bloomberg School of Public Healt. 4th Edition; 2006.
14. Morris H. Surgical pathology of lower uterine segment caesarean
15. Dodd JM, Anderson ER, Gates S. Surgical techniques involving
the uterus at the time of caesarean section [protocol]. Protocol for
a Cochrane Review. In: The Cochrane Library, Issue 2. Oxford:
Update Software; 2004.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Datasus.gov.br [homepage na internet].
16. Hohlagschwandtner M, Chalubinski K. Continous vs interrupted
Sistemas de informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) 2003.
[Citado em 20 Set 2005]. Disponível em: http://tabnet.datasus.
gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/piuf.def.
17. Chapman SJ, Owen J, Hauth J. One-versus two-layer clusure of a
6. Lagrew DC Jr, Morgan MA. Decreasing the cesarean section rate
sutures for single-layer closure of uterine incision at cesarean section.
Arch Gynecol Obstet. 2003; 268:26-8.
low transverse casarean: the next pregnancy the American College.
Elservier Science; 1996. p. 16-8.
in a private hospital: success without mandated clinical changes.
Am J Obstet Gynecol. 1996; 174:184-91.
18. Gul A, Simsek Y, Ugras S, Gul T. Transverse uterine incision non-
Rosen MG, Dickinson JC, Westhof CL. Vaginal birth after cesarean: a metaanalysis of morbidity and mortality. Obstet Gynecol. 1991; 87:135-43.
closure versus closure: an experimental study in sheep. Acta Obstet
Gynecol Scand. 2000; 79(10):813-7.
8. Al Sakka M, Mamsho A. Rupture of the pregnant uterus: a 21 years
19. Peacock KE, Hurst BS, Marshburn PB, Matthews ML. Effects of fibrin
7.
review. Int J Gynecol Obstet. 1998; 63(2):105-8.
9.
Armstrong V, Hansen WF, Van Voorhis BJ, Syrop CH. Detection
of cesarean scars by transvaginal ultrasound. Obstet Gynecol.
2003; 101(1):61-5.
sealant on single-layer uterine incision closure in the New Zealand
white rabbit. Fertil Steril. 2006; 85(Suppl 1):1261-4.
20. Boros DL. Granulomatous inflammations. Progr Allergy. 1978;
24:183-267.
10. Hayakawa H, Itakura A, Mitsui T, Okada M, Suzuki M, Tamakoshi K,
21. Craig PH, Williams JA, Davis KW, Magoun AD, Levy AJ, Bogdansky S,
et al. Methods for myometrium closure and other factors impacting
effects on cesarean section scars of the uterine segment detected by the
ultrasonography. Acta Obstet Gynecol Scand. 2006; 85(4):429-34.
22. Society of Obstetricians and Gynaecologists of Canada. SOGC
11. Sen S, Malik S, Salhan S. Ultrasonographic evaluation of lower
uterine segment thickness in patients of previous cesarean section.
Int J Gynaecol Obstet. 2004; 87(3):215-9.
12. Regnard C, Nosbusch M, Fellemans C, Benali N, van Rysselberghe
M, Barlow P, et al. Cesarean section scar evaluation by saline contrast
sonohysterography. Ultrasound Obstet Gynecol. 2004; 23(3):289-92.
444
Endoscopic management of cesarean scar pregnancy. Fertil Steril.
2006; 85(2):494.e1-4.
et al. A biological comparison of polyglactin 910 and polyglycolic acid
synthetic absorbable sutures. Surg Gynec Obstet. 1975; 141:1-10.
clinical practice guidelines. Guidelines for vaginal birth after previous
caesarean birth. Number 155 (Replaces guideline Number 147),
February 2005. Int J Gynaecol Obstet. 2005; 89(3):319-31.
23. Enkin MW, Wilkinson C. Single versus two layer suturing for closing
the uterine incision at caesarean section. Cochrane Database Syst
Rev. 2000; 2:192.
FEMINA | Julho 2008 | vol 36 | nº 7
Femina_Julho.indb 444
17.09.08 09:41:26
Femina_Julho.indb 445
17.09.08 09:41:26
1, 2
Duplo controle da dor.
Sua paciente de
volta à vida normal.
• Alívio imediato dos sintomas da dismenorréia em 95% das mulheres.3
• Maior inibição na produção de prostaglandinas (vs. naproxeno
e a indometacina).3
BR – KETa – 08.03.03
3
Av. Major Sylvio de Magalhães Padilha, 5.200 – Ed. Atlanta – Jd. Morumbi – São Paulo – SP – CEP 05693-000
Femina_Julho.indb 446
17.09.08 09:41:28
Download

Resu m o A bstra ct