A COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT) E A LUTA CAMPONESA NO SUL DO
PARÁ EM TEMPOS DE DITADURA1.
Fábio Tadeu de Melo Pessôa2
Problemática
Com o golpe de 1964 e a consequente repressão aos acusados de “subversão” pelos
golpistas, entre os quais padres, freiras, agentes de pastoral e muitos jovens católicos, a
simpatia inicial do clero conservador aos golpistas começa a definhar. As torturas, prisões e
assassinatos fizeram com que os setores “progressistas” da Igreja Católica brasileira, embora
numericamente minoritários, se tornassem politicamente hegemônicos em relação aos
conservadores. Uma mudança significativa de postura da Igreja diante dos governos
autoritários foi a criação da Comissão Pastoral da Terra – CPT, em 1975 (PESSÔA: 2014).
Formalmente, a criação da CPT foi feita a partir do encontro de Bispos da Amazônia
para discutir questões relacionadas à terra e às migrações crescentes na região. A preocupação
residia exatamente nos conflitos provocados pela expansão do latifúndio, que expulsava
posseiros e desmatava áreas imensas, a escravização de peões nas fazendas, a ineficiência ou
cumplicidade do INCRA nos casos de pressões dos grandes empresários e grileiros, além da
omissão das autoridades, sobretudo judiciárias, diante das violências de jagunços e policiais
(MOURA : 1981, p. 87).
Mas o que explicaria essa “guinada” de setores da Igreja, vale dizer, em relação às
lutas camponesas? Essa reorientação, que aproximou setores católicos dos sujeitos sociais em
luta pela terra, ocorreu por diversas motivações. Para uns, tal reorientação teria ocorrido em
razão da proximidade de pensamento de setores da Igreja com visões antes visceralmente
combatidas, como o marxismo, gerando aquilo que Michael Löwy chamou de “Cristianismo
de Libertação” (Löwy: 2007). Para outros, seria uma resposta à aproximação do PCB das
lutas camponesas para com ele disputar as “bases” dos setores populares em luta pela terra,
assim como em relação às Ligas Camponesas, já que as ações desses dois grupos ao
investirem nas lutas dos camponeses, “levaram à mobilização da Igreja Católica numa ampla
cruzada de organização e conscientização dos trabalhadores rurais” (Martins: 2011, p.112).
1
Este artigo conta com apoio do Programa Institucional de Apoio à Produção Acadêmica – PIAPA, da
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – UNIFESSPA.
2
Doutorando em História pela Universidade Federal do Pará. Professor Assistente I do Curso de História na
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. Pesquisador do Grupo de Pesquisa História do Tempo Presente
na Amazônia - UFPA/CNPq. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa "Laboratório de História Social da Amazônia" na
Linha de Pesquisa "Relações de poder, Conflitos e Movimentos Sociais"/CNPq. Contato do autor:
[email protected].
Meu ponto de vista é o de que o papel político desempenhado pela CPT nas lutas
camponesas no Sul do Pará foi muito maior do que mediar conflitos. Trabalho com a hipótese
de que existia uma longa tradição histórica enraizada no movimento camponês, que se
intensifica com a força aglutinadora da Igreja e com o discurso radicalizado presente na
“Teologia da Libertação”, fundamentalmente através dos agentes pastorais das Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs), a partir da CPT e dos religiosos atuantes na Pastoral. Como diria
Eric Hobsbawm, “Marx chegou relativamente tarde ao comunismo” (Hobsbawm: 1980, p.13),
pois antes dele inúmeros grupos cristãos e suas ideias e atitudes radicais já haviam construído
o embrião dos modernos movimentos comunistas.
Objetivos
O objetivo central do trabalho proposto é discutir o papel político que a Comissão
Pastoral da Terra desempenhou nas lutas camponesas na região sul do Pará, num momento de
expansão da chamada fronteira agrícola, entre 1975 e 1985, tendo como foco a criação da
CPT em 1975 e a atuação das Comunidades Eclesiais de Base como instrumento organizativo,
comunitário, identitário e formativo dos camponeses na região, potencializando suas formas
de resistência e luta ao processo de privatização das terras na região3.
Interessa também perceber de que maneira a formação dos religiosos que se
deslocaram para a região e que protagonizaram inúmeros exemplos de atuação política em
apoio aos camponeses, num momento político concreto, a ditadura civil-militar imposta em
1964, contribuiu para o engajamento e apoio de cristãos na luta camponesa, de modo a
compreender a inserção dos mesmos no movimento e as estratégias de atuação junto aos
camponeses.
Metodologia, Fontes e resultados.
O presente texto é o resultado de parte da pesquisa que desenvolvo no doutorado na
UFPA. Como resultado da pesquisa documental realizada nos arquivos da CPT nos
municípios de Belém, Marabá e Xinguara, levantamos um número considerável de
reportagens impressas em periódicos de circulação nacional, regional e local nos Jornais – A
Província do Pará, O Liberal, Diário do Pará, O São Paulo, O Estado de São Paulo,
Resistência, A Vanguarda, Jornal da Tarde, Folha de São Paulo, Jornal de Brasília, O
Estado de Minas, Diário Mercantil, Correio Brasiliense, Maria Fumaça, Tribuna da Luta
Operária, O Popular, Diário da Manhã –, principalmente no que se refere às prisões de
religiosos, sindicalistas e posseiros, bem como aos conflitos existentes no período
3
Sobre isso ver, por exemplo: PETIT, Pere. Chão de Promessas: elites políticas e transformações econômicas no
Estado do Pará pós-1964. Belém: Paka-Tatu, 2003, pp.69-72; HALL, Anthony. Amazônia, desenvolvimento pra
quem? Desmatamento e conflitos sociais no Programa Grande Carajás. Belém: NAEA/UFPA, 1991.
supracitado. Também analisamos matérias contidas em Revistas e Boletins – O Grito,
Financial Times, Isto é, Veja, The Observer, Boletim CPT Nacional, Igreja Hoje, Tempo
Presença, Extra –; Panfletos – STR, Movimento pela Libertação dos Padres Presos,
Arquidiocese de Belém, CNBB, CPT, CONTAG, FETAGRI, Relatórios dos Conflitos de Terra
no Brasil e no Sul do Pará, bem como da situação dos trabalhadores e das propriedades. Além
disso, já realizamos algumas entrevistas com os sujeitos sociais envolvidos na luta pela terra
no sul do Pará.
Um aspecto metodológico fundamental analisado no texto diz respeito à importância
da memória para os estudos do tempo presente, memória aqui compreendida como campo de
disputa (Pollak, 1989). Como preocupações metodológicas e tratamento das fontes, utilizamos
as perspectivas metodológicas apontadas por (Fernandes, 1999; Amado, 1992; Alberti, 2008,
Montenegro, 2010 e Rocioeur, 1997).
Referências
ALBERTI, Verena. “Histórias dentro da história”. In: PINSKY, Carla B (Org.). Fontes
Históricas. 2ª Ed. São Paulo: Contexto, 2008.
AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos e Abusos da História Oral. 2ª Ed.
Rio de Janeiro: FGV, 1992.
FERNANDES, Simone Silva. “Arquivos permanentes de Movimentos Sociais: novos
procedimentos arranjo e descrição”. In: SILVA, Zélia Lopes da. Arquivos, Patrimônio e
Memória: trajetórias e perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1999.
HALL, Anthony. Amazônia, desenvolvimento pra quem? Desmatamento e conflitos sociais
no Programa Grande Carajás. Belém: NAEA/UFPA, 1991.
HOBSBAWM, Eric. História do Marxismo: o marxismo no tempo de Marx. Vol. 1. São
Paulo: Paz e Terra, 1980, p. 13.
LÖWY, Michael. “Cristianismo de Libertação e Marxismo: de 1960 aos nossos dias”. In:
RIDENTI, Marcelo; REIS, Daniel Aaarão (Org.). História do Marxismo no Brasil: partidos
e movimentos após os anos de 1960. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.
MARTINS, José de Souza. A Política do Brasil lúmpen e místico. São Paulo: Contexto,
2011, p. 112.
MONTENGRO, Antonio Torres. História, Metodologia, Memória. São Paulo: Contexto,
2010.
MOURA, Antônio Carlos. A Comissão Pastoral da Terra. In: SALEM, Helena (Org.). A
igreja dos oprimidos. São Paulo: Brasil Debates, 1981, p. 87.
PESSÔA, Fábio T. M. “Bispo comunista, padres subversivos: cristianismo de libertação e a
luta camponesa no sul do Pará durante o período militar”. Outros Tempos, vol. 11, n.18,
2014, p. 61-82.
PETIT, Pere. Chão de Promessas: elites políticas e transformações econômicas no Estado do
Pará pós-1964. Belém: Paka-Tatu, 2003.
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
vol. 2, n. 3, 1989.
RICOEUR, Paul. “Arquivos, documento, rastro”. In: Tempo e Narrativa – Tomo III.
Tradução: Roberto Leal Ferreira. Campinas: Papirus, 1997.
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