FACULDADE CAPIXABA DA SERRA- SERRAVIX PEDAGOGIA MARIA DE FÁTIMA FERREIRA SILDYANE PEREIRA ROCHA INCLUSÃO: AFIRMANDO A IDENTIDADE DA CRIANÇA NEGRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL SERRA 2013 1 MARIA DE FÁTIMA FERREIRA SILDYANE PEREIRA ROCHA INCLUSÃO: AFIRMANDO A IDENTIDADE DA CRIANÇA NEGRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao programa de Graduação em Pedagogia da Faculdade Capixaba da Serra como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em Pedagogia. Orientador Prof. Me. Paulo Roberto Nunes Scarpatti. SERRA 2013 2 Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca da Faculdade Capixaba da Serra - Serravix. Serra, ES.) F383i FERREIRA, Maria de Fátima. Inclusão: afirmando a identidade da criança negra na educação infantil. / Maria de Fátima Ferreira, Sildyane Pereira Rocha. – Serra: Faculdade Capixaba da Serra, 2013. 59f. Orientador: Paulo Roberto Nunes Trabalho de conclusão de curso (Curso de Pedagogia) – Faculdade Capixaba da Serra – Serravix 2013. 1. Preconceito. 2. Educação. 3. Desigualdade. 4. Políticas Afirmativas. I. Nunes, Paulo Roberto. II. Faculdade Capixaba da Serra - Serravix. lll. Curso de Pedagogia. IV. Título. CDD:371.9 3 MARIA DE FÁTIMA FERREIRA SILDYANE PEREIRA ROCHA INCLUSÃO: AFIRMANDO A IDENTIDADE DA CRIANÇA NEGRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL Trabalho de Conclusão de Curso sob a orientação do professor Paulo Roberto Nunes Scarpatti, apresentada ao programa de Graduação em Pedagogia a Faculdade Capixaba da Serra, como requisito para a obtenção do grau de Licenciatura em Pedagogia. Aprovada em 05 de Julho de 2013 COMISSÃO EXAMINADORA Prof. Me. Paulo Roberto Nunes Scarpatti Faculdade Capixaba da Serra-Multivix Orientador Prof. Ma. Fabiola Souza Almeida D´Cezari Faculdade Capixaba da Serra- Serravix Membro 1 Prof. Ma. Claudiméia do Rosário Almeida Faculdade Capixaba da Serra- Serravix Membro 2 4 Dedico essa monografia, a meu esposo Ronaldo, por acreditar que era possível, mesmo diante de tantos desafios. Aos meus filhos, Guilherme e João Pedro, pela compreensão a cada momento de lazer renunciado, aos meus irmãos Josué e Franklin, pelo apoio, a minha cunhada Leila pela solidariedade, e a todos que oraram por mim. Em especial a Jesus, que me ensinou a combater o bom combate, terminar a graduação e guardar a fé. Maria de Fátima Dedico a todas as pessoas que passaram na minha vida, principalmente nessa caminhada acadêmica, com palavras de incentivo e de amizade. A minha família por ter compreendido algumas ausências em certas comemorações, agradeço principalmente a minha mãe por ter me sustentado em orações e pelo exemplo de luta, também a minha avó Anna, por toda dedicação. Ao meu namorado, Arlindo, por ter compreendido tantas oscilações de humor e não ter medido esforço para me ajudar no que fosse necessário para a conclusão deste trabalho. “Toda honra e glória seja dada a Deus”. Sildyane. 5 A Deus, cujas bênçãos tornaram tudo possível, nos dando força e graça para superarmos quaisquer obstáculos; À família, que sempre permaneceu ao nosso lado, mostrando o caminho certo para alcançarmos a vitória e o sucesso. 6 “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar." (Nelson Mandela) 7 RESUMO O objetivo do presente trabalho é abordar a Inclusão, com objetivos específicos na afirmação da identidade da criança negra na educação infantil. Veremos se a escola é igualitária em oportunidades de vez e voz independente da cor da pele, se dá visibilidade à diferença étnica racial, se é trabalhada o pluralismo cultural. Falaremos da importância que a educação formal, ou seja, a educação na escola tem na formação do caráter da criança. A pluralidade cultural vem sendo discutida ao longo da história, a pesar da discussão, ainda prevalece as praticas discriminatórias. De modo que reflete na sociedade e no espaço escolar. Fazem-se necessárias pesquisas voltadas para a educação infantil, com o objetivo de avaliar até que ponto o preconceito e a descriminação racial interferem na formação da identidade da criança negra dentro e fora do espaço escolar. E refletir sobre a importância da escola na contribuição para a afirmação e aceitação da diversidade cultural, racial e o respeito as diferenças. Portanto, esta pesquisa busca refletir sobre o papel do professor e da escola, no desenvolvimento futuro da criança negra, reconhecer que a criança negra constrói sua identidade dentro e fora do ambiente escolar e proporcionar uma maior aceitação da cultura afro, respeitando diferenças no ambiente escolar. Mediante as referencias, LDB, RCNEI, e uma pesquisa de campo, que dispõe de uma análise qualitativa, com entrevistas individuais com professores e pedagogos. Questões relacionadas à discriminação racial e educação, tanto no âmbito acadêmico quanto nos demais, têm sido objeto de um número crescente de publicações e estudos, favorecendo a abertura de espaços para discussões e busca de alternativas para minimizar a discriminação racial e o preconceito nas nossas escolas. PALAVRAS-CHAVE: Preconceito. Educação. Desigualdade. Políticas afirmativas. 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..................................................................................... 10 2 CONTEXTOS HISTÓRICOS, INTERAÇÕES SOCIAIS E FORMAÇÃO DA IDENTIDADE DA CRIANÇA NEGRA ......... 13 2.1 CONCEITO E PRECONCEITO................................................................ 13 2.2 A RESISTÊNCIA DO NEGRO NO BRASIL, SUA LUTA POR AUTOAFIRMAÇÃO E SUA INSERÇÃO NO CONTEXTO ESCOLAR................................................................................................ 16 2.3 RECONHECENDO QUE A CRIANÇA NEGRA CONSTRÓI SUA IDENTIDADE DENTRO E FORA DO AMBIENTE ESCOLAR................. 22 3 O PAPEL DO PROFESSOR E DA ESCOLA NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA NEGRA FRENTE ÀS DIFERENÇAS HISTÓRICAS E AVANÇOS................................. 23 3.1 A FORMAÇÃO DO EDUCADOR MULTICULTURAL............................... 23 3.2 O PAPEL DO PROFESSOR E DA ESCOLA NA DESCONSTRUÇÃO E AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE............................................................... 28 3.3 DIVERSIDADE CULTURAL E CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INFANTIL.................................................................................................. 34 4 CULTURA, EDUCAÇÃO E LEI ...................................................... 38 4.1 LEI 10.639/03........................................................................................... 38 4.2 AS POLÍTICAS AFIRMATIVAS PARA INSERÇÃO DO NEGRO NA SOCIEDADE............................................................................................ 40 5 METODOLOGIA DA PESQUISA.................................................... 44 5.1 UNIVERSO DA PESQUISA..................................................................... 45 5.2 RELATO DAS ENTREVISTAS................................................................. 45 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 51 9 7 REFERÊNCIAS.................................................................................... 54 7.1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................... 54 7.2 WEBGRÁFIA............................................................................................ 55 8 APÊNDICE............................................................................................ 57 10 1. INTRODUÇÃO A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 tem como fundamento garantir no Art. 2º inciso IV, a promoção, o bem estar a todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou qualquer outra forma de discriminação. O cenário que se observa nas escolas brasileiras, no que diz respeito à questão do preconceito racial, é uma significativa desigualdade da população negra. Geralmente, tendo como consequência as diferenças de desempenho, que desencadeiam a desigualdade social e racial legitimado pela sociedade brasileira. No currículo a imagem da África e do negro foi moldada pela instituição do escravismo no Brasil e pelo colonialismo português. Desde o inicio, os negros foram transformados em mercadorias e bens, evidenciando uma dominação sexual, religiosa e lingüística. Havendo uma valorização da cultura europeia e causando danos a outras etnias, como a africana e a indígena, principalmente como componente curricular. Tal valorização fez com que essas culturas fossem negadas e desvalorizadas, fazendo com que a ideologia da superioridade do branco enraizasse na sociedade brasileira e, conseqüentemente, nas escolas. Este trabalho objetiva levantar o questionamento se a escola é, de fato, igualitária em oportunidades de vez e voz independente da cor da pele, se ela dá visibilidade à diferença étnica racial, se é trabalhada o pluralismo cultural que existe no Brasil, enfim a importância que a educação formal, ou seja, a educação na escola tem na formação do caráter da criança. Silva (2001), ao se reportar às orientações curriculares oficiais, lições, rituais escolares, datas festivas e nacionais, étnicas e raciais afirma que: Essas narrativas celebram os mitos da origem nacional, confirmam o privilégio das identidades dominantes e tratam as identidades dominadas como exóticas ou folclóricas. Em termos de representação racial, o texto curricular conserva, de forma evidente as marcas da herança colonial. O currículo é, sem dúvida, entre outras coisas, um texto racial. (SILVA, 2001, p. 102). A história da África precisa ser recontada. A escola precisa problematizar conceitos como discriminação, preconceito e racismo na caracterização do comportamento de uma criança, que percebe diferenças raciais, expõem preferências, se identificando 11 ou rejeitando crianças negras. O Estado e a política educacional têm suas responsabilidades na formação de um indivíduo, capaz de conviver e respeitar a diversidade humana, comprometidos com a igualdade. Mas vai além do papel, é preciso práticas pedagógicas, professores, gestores, familiares, empenhados por uma educação igualitária e despidos de todo e qualquer preconceito. Entretanto, para a efetivação dessas práticas, é preciso que o educador tenha uma formação crítica, reflexiva, uma formação multicultural. Que tenha a consciência de que a educação infantil brasileira integrou-se legalmente ao sistema de ensino em 1996, através da LDB (Lei de Diretrizes e Bases), como a primeira etapa da educação básica, atendendo crianças de zero a cinco anos, compreendendo as creches e pré-escolas. Faz-se necessário dar visibilidade à educação infantil, tirá-la da informalidade, conscientizar-se que é a partir dela que se constituem princípios, ética, respeito e que começa a legitimação da formação de cidadãos que muita das vezes não têm sua devida valorização na construção da identidade da criança. Entende-se que o social tem um papel fundamental na constituição do cognitivo, conforme Vygotsky defende. Assim sendo, se o aluno negro estiver imerso em um ambiente escolar em que os valores como: respeito, amor, solidariedade, companheirismo e, sobretudo, a amizade estiverem presentes, ele poderá se ver igualmente aceito e poderá também se desenvolver a partir da interação com o outro, não se isolando. Pois, infelizmente, e frequentemente, ao próprio aluno negro recai o ônus dos processos discriminatórios e excludentes que marcam sua trajetória escolar, surgindo a necessidade de se trabalhar o respeito e a valorização das diferenças raciais na educação infantil. E consequentemente analisar e propor práticas e posturas pedagógicas que possibilitem a valorização e a afirmação da identidade. Um dos objetivos deste trabalho é contribuir com o aprendizado e, portanto ampliar o conhecimento, assim favorecendo futuros alunos, e a educação como um todo. Cooperando com a formação da autoestima, afirmando a identidade da criança negra em seu convívio social. Os objetivos específicos consistem em refletir sobre o papel do professor e da escola no desenvolvimento futuro da criança negra. Reconhecer que a criança negra constrói sua identidade dentro e fora do ambiente 12 escolar e proporcionar uma maior aceitação da cultura afro, respeitando as diferenças no ambiente escolar. Um dos instrumentos metodológicos que a pesquisa irá dispor é a pesquisa bibliográfica. Após a escolha de um assunto é necessário fazer uma revisão bibliográfica do tema apontado. Segundo Santos (1990, p.26), “o conjunto materiais escritos/gravados, mecânica ou eletronicamente, que contêm informações já elaboradas e publicadas por outros autores é uma bibliografia”. Definindo-se como a busca de uma problematização do projeto de pesquisa, a partir de referenciais publicados. Constitui uma técnica para proporcionar ao pesquisador a bagagem teórica, de conhecimento e o treinamento científico, que habilita a produção do trabalho científico. Sendo realizada uma análise qualitativa, utiliza-se o método estudo de caso, pois apresenta características metodológicas que se mostram mais adequadas ao objetivo. Além disso, haverá a observação participante e entrevistas individuais com professores e pedagogos. A pluralidade cultural vem sendo discutida ao longo da história. Mesmo com toda discussão, o preconceito racial é um dos grandes problemas latentes da sociedade brasileira, e consequentemente refletidos nas escolas. Por acreditar que a escola e a educação se dá no meio de um espaço onde há sujeitos com contexto sóciopolíticos econômicos diferentes, com cor de pele e religiões distintas, se faz necessário investigar até que ponto a escola na educação infantil tem contribuído para trabalhar todas essas diversidades, investigar também a sua contribuição para a afirmação, aceitação de todo esse pluralismo de identidades e problematização da a discriminação racial. 13 2. CONTEXTOS HISTÓRICOS, INTERAÇÕES SOCIAIS E FORMAÇÃO DA IDENTIDADE DA CRIANÇA NEGRA 2.1 CONCEITO E PRECONCEITO No século XV o conceito de raça foi criado para a classificação das plantas, com o passar do tempo esse conceito foi distorcido e atribuído a espécie humana, de acordo com Munanga, 2006, p.1: “O conceito de raça originou-se do italiano razza, vindo do latim ratio, significando categoria sorte e espécie. As ciências naturais usaram primeiramente o conceito de raça na zoologia e na botânica para a classificação das espécies animais e vegetais. Esse conceito foi usado pelo naturalista sueco, Carl Von Linné (Lineu) para classificar as plantas em 24 raças ou classes. Classificação atualmente esquecida”. Após a queda do Império Romano o conceito de raça passou a nomear a descendência, linhagem, pessoas com um ancestral comum e característica física em comum. O francês François Bemier classifica de forma moderna a diversidade humana em grupos denominados raças. Entre as classes sociais da França passam a utilizar o conceito de raça para diferenciar a nobreza da plebe. Os francos considerados nobres acreditavam ser uma raça distinta dos Gauleses, população identificada como plebe. Eles admitiam ter sangue puro, por isso, valorizavam suas habilidades para governar. Com a descoberta da existência de novos povos (ameríndios, negros, melanésios, etc.) os franceses começam a ter dúvidas sobre o conceito de civilização, e passam a inquirir essa existência. “São bestas ou são seres humanos como ‘nós’ europeus”? (MUNANGA, 2006, p.1) Para eles as diferenças significavam que não tinham sangue puro, se não fosse um nobre seria um ser sem valor, sem habilidades digna de valorização. Alguns acreditavam que o negro era descendente de Cam, e que a cor do negro era sinônimo de maldição por causa da escritura sagrada, que conta a passagem em que Noé amaldiçoou seu filho Cam, Gêneses n 9:25. Uma ideologia sustentada por argumentos que afirma a inferiorização da raça negra. Negando, assim, as circunstâncias do escravismo dos negros introduzidos no mercantilismo e negando também a colaboração desenvolvimento cultural. dos povos africanos na criação e suporte ao 14 De acordo com Nascimento (2006), essa forma, os europeus permaneceram justificando sua suposta superioridade, afirmando o conceito de excelência da raça branca hipoteticamente comprovada pela ciência passou a justificar atitudes de repressão, poder absoluto a outros povos, com a subordinação exercendo o controle sobre os grupos e de todo território ocupado por esses indivíduos, e a expansão e domínio territorial, cultural e econômico dos europeus a outras nações. Visão de mundo eurocêntrico, pautada na superioridade “civilizatória” de um povo, para justificar o domínio de outros povos No final do século XV, no ano de 1500, o Brasil foi colonizado pelos europeus, a partir do ano de 1530 foram instaladas as primeiras lavouras de cana-de-açúcar surgindo à necessidade de grande quantidade de trabalhadores, nasceu então à escravidão com o objetivo de resolver a necessidade da mão de obra e aumentar os lucros com a execução agroexportadora a se expandir no Brasil. A escravidão era em si um negócio muito lucrativo. Os índios brasileiros foram forçados a trabalhar para os portugueses, e os africanos foram trazidos para o país em navios negreiros de forma precária sem condição de sobrevivência, apenas metade desses negros conseguia sobreviver nos porões do navio durante as travessias do Oceano Atlântico. Os sobreviventes eram tratados de forma desumana por seus senhores, privados dos seus direitos. É preciso à reflexão para o preconceito arraigado em cada um de nós, às vezes sem perceber nossas atitudes disseminam o preconceito racial, outros sentem prazer em manter dentro de si a ideologia de que se for branco representa superioridade aos demais. Podemos compreender também como parte submersa o elevado nível de baixa autoestima nos indivíduos vítimas do preconceito. Esse fenômeno deu origem à ideologia do branqueamento, essa ideologia ganhou força nos debates políticos com o objetivo de auxiliar na construção das identidades nacional, a miscigenação como parte fundamental no processo de homogeneização biológica teve sua aprovação política para a construção da identidade nacional brasileira. “A miscigenação entre negros e brancos, exaltada por Gilberto Freyre como um embrião da “democracia racial” e base de nossa identidade nacional – “povo mestiço”, “moreno” – foi parte da escravidão colonial. Mas o cruzamento racial não foi um processo natural, e sim determinado pela 15 violência e exploração do português de ultramar contra o africano sob o cativeiro” (CARONE, 2002, p. 14) O processo de formação do povo brasileiro se deu de forma multicultural, ou seja, de diversas culturas em sua raiz, onde a expectativa era de que a miscigenação originaria uma raça menos negra, arianizada. Como os índios, negros e mestiços eram considerados inferiores historicamente por sua raça, cor, religião e cultura, acreditava-se que com a miscigenação a nação com o passar do tempo não seria representada por um povo inferior “Na reflexão da maioria desses filósofos, os mestiços são vistos sempre como seres ambivalentes, degenerados, anormais, pois são frutos de uniões escandalosas e contra a natureza; “raça” bastarda, imoral, estéril, etc. Os mais generosos viam nos mestiços a raça mais vigorosa fisicamente, por ter conservado o melhor de cada raça. A adaptação ao clima ao meio ambiente dos indígenas, a força dos brancos, todos estes atributos se encontrariam segundo diziam – concentrado no mestiço.” (CARONE, 2002, p. 11) A visão iluminista a partir do século XVIII se fundamenta, na visão de que o mestiço era a expressão do cruzamento da raça, tida como superior com outra inferior. Isso significou uma violência e autoritarismo, pois na maioria das vezes, acontecia à força esse cruzamento sem o consentimento das mulheres negras. Ser mestiço significava ser sem valor algum, raça imoral. No entanto, havia aqueles que acreditavam que os mestiços eram seres iluminados, que através do cruzamento entre uma raça inferior e superior, o fruto seria a junção do melhor de cada raça. “O branqueamento, todavia não poderia deixar de ser entendido também como uma pressão cultural exercida pela hegemonia branca, sobretudo após a Abolição da Escravatura, para que o negro negasse a si mesmo, no seu corpo e na sua mente, como uma espécie de condição para se “integrar” (ser aceito e ter mobilidade social) na nova ordem social”. (CARONE, 2002, p. 14) Após a abolição, o negro não era mais obrigado a se submeter ao branco através do trabalho forçado, o branqueamento como forma de manter psicologicamente o negro escravizado, e obrigado a se submeter à cultura e os valores impostos pela 16 sociedade europeia, negando a si mesmo através da interiorização de suas crenças, valores e cultura para ser aceito. Segundo Carone (2002), para a psicologia social as marcas de tanto preconceito permanecem causando sequelas no psicológico dos inferiorizados, dificultando na aceitação da identidade individual e racial, tendo como alternativa a teoria do branqueamento, negando sua cor, cultura, religião etc. Caminho trilhado pela homogeneização biológica. 2.2 A RESISTENCIA DO NEGRO NO BRASIL SUA LUTA EM BUSCA DA AUTOAFIRMAÇÃO E SUA INSERÇÃO NO CONTEXTO ESCOLAR Segundo Lody (2004), desde o início da escravidão, que o negro luta por sua liberdade e por seu espaço na sociedade, no Brasil uma das primeiras atitudes de resistência foi à criação dos quilombos. O mais importante e o que mais significou para o africano e para o negro foi o de Palmares no Estado de Alagoas. “A história da formação do povo brasileiro foi forjada na resistência com garra e saga dos diferentes movimentos negros desde as ―chamadas revoltas negras, a exemplo da luta de Zumbi dos Palmares. Esses movimentos, entre outros, foram formas de lutas e reivindicações políticas para conquistar direitos historicamente negados.” (MONTEIRO, 2010. p. 61) Zumbi dos Palmares um dos mais importantes líderes do quilombo que liderou algumas das rebeliões dos negros, lutava bravamente pela liberdade dos escravos. Os integrantes desses movimentos lutavam pelos direitos sociais, culturais e econômicos, porém as tentativas de negociações não foram atendidas e o grande líder Zumbi foi morto no dia 20 de novembro de 1695 vítima da impetuosidade dos europeus. Os quilombos eram espaços para onde os escravos, que não aceitavam a sua condição, fugiam e lutavam contra a escravidão. Segundo Souza (2008), era também chamado de mocambos e abrigavam além de negros, índios e brancos pobres, e pela maneira como se contrapunham à escravidão, foram vistos como propostas alternativas de sociedade. A grande força 17 que o quilombo dos palmares alcançou durante quase um século de existência, obrigando a administração portuguesa a ter de negociar com ela, mostra a importância que esse instrumento de luta negra conquistou na sociedade brasileira. De acordo com Lody (2004), os movimentos permaneceram através de rebeliões escravas, os africanos movimentaram a revolta dos Malés, na Bahia, contavam também com o apoio da Igreja Católica devota de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito para a organização de festas do congo; a festa reunia grande número de africanos e a participação de outros movimentos negros - os movimentos estavam ganhando força a caminho da liberdade. A partir de 1884 deputados se levantam com o objetivo de criar propostas que abordavam a abolição da escravatura e enviar à Câmara dos Deputados da Assembléia Geral do Império do Brasil para serem discutidas. Uma das leis sancionadas foi a Lei n.º 3.270, Lei do Sexagenário publicada em 28 de setembro de 1885, com a garantia de liberdade aos negros a partir de 60 anos, era a Luz que começava brilhar na conquista da liberdade do negro. “O Brasil do final do século XlX, pressionados pelos países europeus, especialmente pela Inglaterra, cede e finalmente assina um ato político legal, A Lei Áurea (1888), abolindo a escravatura no Brasil. Contudo, o longo processo de liberdade, que é o das conquistas sociais, continua a acontecer ainda lentamente”.(LODY, 2004, p. 90). A Lei n.º 3.353, Lei Áurea, foi aprovada em 13 de maio de 1888. Desde então todos os escravos foram considerados livres, eles não eram mais obrigados a trabalharem para os europeus na prática de mão de obra forçada. Os países europeus pressionaram o Brasil por questões políticas e econômicas. Viver essa “liberdade” ainda dependeria de um longo processo de aquisição através das políticas públicas. De acordo com Lody (2004), após a abolição, o negro agora considerado livre se deparou com mais uma difícil realidade de ser classificado pela sociedade elitista como indivíduo inferior por suas características econômicas. Na época, o país importava mão de obra europeia por causa do crescimento econômico, essa importação desvalorizou o trabalho do negro, os ex-escravos abandonados à sua própria sorte. Por causa do aumento econômico no país os europeus criaram um 18 projeto chamado “teoria do branqueamento”, com o objetivo de extingui o negro do país, matando-o no corpo e na alma. Portanto, segundo Ribeiro e Souza (2008), uma atitude política deliberada para embranquecer o país e assim fugir dos estigmas formulados pela ciência da época, cujas teorias apontavam a inferioridade negra para, mais uma vez, saquear as riquezas do continente africano, agora justificado por teorias eugênicas e pela antropometria que habilitava os negros apenas a práticas sociais físicas. Se um negro quisesse comprar um pedaço de terra era impedido, entretanto, para os imigrantes europeus as terras eram dadas e sua entrada no país, estimulada, efetivando a política do embranquecimento da população brasileira. A liberdade advinda com a abolição, além de excluir, possibilitava a república tornar seu sonho eurocêntrico em uma realidade, empurrando para as periferias dos grandes centros a massa desempregada. Outro processo de branqueamento foi iniciado, a descendência negra era evidente, clareado em fotos e ilustrações de personagens mestiços e mulatos que, com o tempo passaram a ser brancos com esforços editoriais. Havendo uma resistência do povo negro, como fruto de uma mobilização em prol de uma sociedade mais justa e igualitária, cabendo destacar a luta anti-racista dos Movimentos Negros Organizados, consolidada após a assinatura da Lei Áurea como um movimento pelo direito à educação da comunidade negra. Pode se destacar a atuação do Jornal Quilombo que afirmava em sua primeira edição “lutar para que enquanto não for gratuito o ensino em todos os graus, sejam admitidos estudantes negros, como pensionistas do Estado, em todos os estabelecimentos particulares e oficiais de ensino secundário e superior do país, inclusive nos estabelecimentos militares” (Souza e Ribeiro p. 14, 2008). Há poucos registros sobre a instrução escolar dos ex-escravos, mas os poucos registros trazem dados que indicam as condições precárias da população negra e uma presença pequena de crianças negras que frequentavam os grupos escolares reveladas nas fotografias da época. Rosa Fátima de Souza 1998, (apud Felipe 2012), afirma: 19 Pode-se dizer que os grupos escolares atenderam, nas primeiras décadas de sua implantação, aos alunos provenientes das camadas populares, no entanto, daqueles setores mais bem integrados no trabalho urbano. Desse contingente estavam excluídos os pobres, os miseráveis e os negros. As fotografias da época revelam a pequena presença de crianças negras nas classes dos grupos escolares, e isso se explica pelas péssimas condições sociais em que se encontrava a população negra da época.(SOUZA, 1998, p.27 apud FELIPE, 2012, p.8). A escola pública não contemplou o negro brasileiro e o Estado não viabilizou a sua inclusão durante o período de 1889 a 1930. Isso não significa que o ex-escravo não encontrou alguma forma de lutar contra a discriminação e exclusão social. Apesar de poucas informações que História da Educação no Brasil oferece sobre a educação do negro. Felipe (2012), afirma que, nos “jornais da Raça Negra” ou em pesquisas de História Oral realizadas com as lideranças do movimento negro do início do século XX, encontramos a existência de um esforço para a criação de escolas voltadas para a população negra no interior de vários estados brasileiros, por exemplo, na Bahia, Maranhão, Pernambuco, São Paulo, onde havia projetos de conscientização das populações negras desde o início da República. O alto índice de analfabetismo preocupava os intelectuais, pois essa situação comprometia os rumos da nação, o progresso econômico brasileiro dependeria da inclusão de todos os segmentos na escola pública. Um exemplo de tal fato é a elaboração no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932, que tinha como discurso a busca por uma educação que contemplasse os diversos grupos sociais existente na sociedade brasileira. A educação nova, alargando na sua finalidade para além dos limites das classes,assume, com uma feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparando-se,para formar “a hierarchia democrática” pela “hierarchia das capacidades” recrutada em todos os grupos sociaes, e que se abrem as mesmas opportunidades de educação. Ella tem, por objecto,organizar e desenvolver os meios de acção durável, com o fim de “dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento”, de acordo com uma certa concepção do mundo . (MANIFESTO 1932, p.42 apud FELIPE, 2012, p.11) Segundo o documento Manifesto, à escola era defendia como um direito e o dever do Estado para atender os interesses dos indivíduos segundo as suas capacidades. Em nenhum momento da história do Brasil, o governo brasileiro não se mobilizou a desenvolver políticas de inclusão dos negros nessa sociedade e mesmo assim, os 20 negros desenvolveram a sua trajetória educacional. Seu acesso à instrução pública dos negros durante o Império foi impedido devido aos mecanismos do Estado brasileiro em nível legislativo, proibindo o escravo, e até mesmo o negro liberto de frequentar a escola pública. Mesmo tendo garantido o direito dos libertos de estudarem, na prática, não se criaram as condições necessárias para a realização desse direito. Mesmo assim, uma restrita parcela da população negra conseguiu atingir um bom nível de instrução, quando criaram suas próprias escolas. Segundo Felipe (2012), p.12 “a instrução era oferecida por pessoas escolarizadas, que adentravam a rede pública gratuita, os asilos de órfãos e vagas nas escolas particulares”. O ingresso do negro às escolas públicas se tornou rotineiro, com o aumento de escolas públicas na década de 60, no entanto, as relações raciais permaneceram discriminatórias nas salas de aulas. De modo que, na década de 70, organizações negras de caráter civil, passam a denunciar as praticas educacionais vigentes, e a reivindicar um novo modelo de currículo educacional. O novo modelo deveria incluir o patrimônio cultural da população negra, afirmando a inclusão da classe majoritária negra no processo de ensino e aprendizagem. 2.3 RECONHENCENDO QUE A CRIANÇA NEGRA CONSTRÓI SUA IDENTIDADE DENTRO E FORA DO AMBIENTE ESCOLAR Segundo Vygotsky, a memória é responsável pela construção das funções psicológicas na formação da criança. O autor afirma que o raciocínio da criança muito nova tem características motivadas pela memória, que é naturalmente diferente no caso de crianças maiores. A criança pequena cria uma relação entre raciocinar e lembrar, para ela ambos tem o mesmo significado. Em nenhuma outra etapa da vida ela constrói essa relação entre as duas funções psicológicas, essa ligação ocorre apenas no início da infância. “O conteúdo do ato de pensar na criança, quando da definição de tais conceitos, é determinado não tanto pela estrutura lógica do conceito em si, como o é pelas suas lembranças concretas. Quanto a seu caráter, ele é 21 sincrético e reflete o fato de pensar da criança depender, antes de mais nada, de sua memória”. (Vygotsky, 1998, p.6). A criança pequena começa a construir o processo de formação do seu intelecto pelas lembranças de ações praticadas por outras pessoas, por situações presenciadas pela criança em sua vivência e etc. Esse processo não se dá pela lógica e sim pelas lembranças concretas, refletindo no ato de pensar, conciliando várias situações vivenciadas, justificando a dependência da memória para raciocinar. Dessa forma, fazendo uma análise do ponto de vista psicológico, a lembrança tem aspecto mais categórico no início do desenvolvimento do aprendizado. Conforme o processo desenvolvido na fase da adolescência, ocorrem muitas mudanças, invertendo essa relação. Para a criança, raciocinar significa lembrar; porém para o adolescente, lembrar significa raciocinar. Nesse caso, o processo de lembranças estabelece relação lógica por causa do acúmulo de lembranças em sua memória. Diante do pensamento de Vygotsky compreende-se que a criança constrói sua identidade dentro e fora do ambiente escolar. Esse processo de construção se inicia desde o nascimento até o fim da infância. Quando a criança é inserida na escola, ela já traz consigo acúmulo de lembranças em sua memória. Algumas crianças são inseridas muito pequenas no contexto escolar, elas ainda não conseguem fazer relação entre as lembranças acumuladas em sua memória e a lógica. Para Cavalleiro (1998), a criança negra não é diferente das demais, ela também constrói sua identidade por meio das experiências vividas, e sua socialização ocorre lentamente através da interiorização das regras afirmadas pela família e pela sociedade. Tornando fundamental a mediação de ambos para dar significado ao mundo social. “As idiossincrasias estarão determinando as diferenças pessoais, pois esse processo não é simplesmente ensinado: a criança mostra-se um parceiro ativo, podendo procurar novas informações em outros lugares. Desse modo, as atitudes e os comportamentos sociais não serão obrigatoriamente cópias fiéis das atitudes e dos comportamentos de seus mediadores. Porem dizer isso não significa diminuir o papel dos mediadores, nem desconsiderar o fato de as crianças se identificarem com os seus familiares: pais, irmãos mais velhos e outros adultos. Elas podem, inconscientemente, copiar a conduta do adulto exatamente como elas vêem o adulto atuando a sua volta”. (CAVALLEIRO,1998, p. 16). 22 A criança pode reagir de maneira peculiar inconscientemente repetindo comportamento vivido pelo adulto no contexto familiar. Por isso, é fundamental que haja mediação da família e da escola, pois a criança negra ao interiorizar comportamentos de inferioridade ou de práticas racistas, pode refletir no processo da autoafirmação, interferindo na construção de sua identidade. No caso do comportamento de inferioridade, podendo refletir na reprodução da baixa autoestima. Sendo que as práticas racistas podem desencadear a não aceitação de sua cor, e das diferenças existentes em sua etnia. É necessário que a escola tenha consciência do seu papel transformador, desenvolvendo mecanismos para desmistificar o preconceito racial interiorizado pela criança e pela família 23 3. O PAPEL DO DESENVOLVIMENTO PROFESSOR DA CRIANÇA E DA NEGRA ESCOLA NO FRENTE ÀS DIFERENÇAS HISTÓRICAS E AVANÇOS. 3.1 A FORMAÇÃO DO EDUCADOR MULTICULTURAL A educação infantil a partir da Constituição Federal de 1988 torna-se a primeira etapa da educação básica, estabelecendo-se como integrante do sistema educacional brasileiro, representando um grande um avanço na medida em que se torna dever do Estado a garantia de “educação infantil, em creche e pré-escolas, as crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Ementa Constitucional número 53, de 2006)”. (Art.208, inciso IV) “A educação infantil passou a ser objeto de planejamento, legislação e de políticas sociais e educacionais, propiciando, em alguns setores, a transferência do atendimento institucional a criança pequena do âmbito de assistência para o da educação. Integrar programas de creches e préescolas para a educação de políticas igualitárias tem sido um dos grandes desafios no campo da educação infantil brasileira, uma vez que elas possuem trajetórias históricas específicas e desiguais, que se entrecruzam apenas muito recentemente. (SCARPA, 1998, p. 19) Os jardins de infância e as pré-escolas, inicialmente, eram vistas como espaço de recreação, brincadeiras, designados a garantir a assistência e o cuidado da criança; no entanto, a partir da Constituição de 1988, passaram a ser vistas como etapa preparatória do 1º grau, preocupando-se com o intelecto e a socialização da criança. Segundo Vieira (1996, apud SCARPA 1998), integrando as creches nos sistemas de educação, o nível pedagógico, exige uma abordagem integrada para o trabalho em creches e pré-escolas. Há décadas, instituições sociais mantinham creches e organizações não governamentais (ONGS), contribuíam no âmbito da formação docente. Com o histórico de desenvolvimento nas creches e pré-escolas no Brasil, se põe em dúvida a falta de formação específica dos professores, sendo leigos. Conforme NICOLAU (1991, p. 43 apud ESCARPA, 1998, p.22) “O uso semântico do termo “leigo” surgiu no âmbito da religião, significando aquela pessoa ignorante dos mistérios sagrados por não ter sido iniciada nas ordens sacras. A evolução se encarregou de fazer deste termo 24 sinônimo de pessoa que ignora um assunto por não estar preparada para ele. Na linguagem religiosa, o leigo é o profano, contraposto ao sagrado”. Quando se analisa os professores “leigos”, se trata de profissionais que não estão habilitados, menos aptos a conduzir o processo de aprendizagem do que qualquer outro habilitado. Levando em consideração as determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que como descreve SCARPA (1998), instituiu o prazo de dez anos, a partir de 1996, para que fossem admitidos apenas professores habilitados em nível superior, ou formados por treinamento em serviço, para compor seus quadros da educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental e de valorização do magistério, exige a busca de qualificação mínima de nível médio, em cinco anos, para que possam atualizar sua escolaridade em nível de 2º grau. “A formação para o alcance da qualidade no trabalho com as crianças pequenas recebe destaque na proposta de Política de Educação Infantil elaborada pelo Ministério da Educação e do Desporto (MEC) e apoiada por órgãos de governo e entidades da sociedade civil. Ela explicita como diretrizes: a formação inicial em nível médio e superior com conteúdos específicos a esta etapa educacional, mecanismos de atualização dos profissionais, concepções e implantação de estratégias curriculares para as creches e pré-escolas e para a formação – prévia e em serviço – de seus profissionais”. (SCARPA, 1998, p.23) Essas diretrizes revelam o esforço que hoje existe de incluir a creche como espaço de educação infantil, e determinar o perfil desses profissionais e de profissionalizálos, para assumir, a partir de uma prática crítica e responsável, o seu papel de educador, desenvolvendo juntamente com as crianças um trabalho de maior qualidade. Pensar nessa perspectiva de formação de professores é ter em Donald Schön (1983, 1992, apud, Scarpa 1998) uma relevante referência. O autor propõe uma epistemologia da prática, tendo como referência as competências que se encontram implícito a prática dos bons profissionais. Schön buscou explicitar a natureza prática da atividade docente e diz que ela implica: Um conhecimento na ação, que é aquele que orienta a maior parte das ações do professor e é fruto de suas experiências práticas, seus conhecimentos teóricos ou espontâneos, suas convicções, mesmo que não-conscientes - é seu saber fazer; A necessidade de reflexão na ação, que é o processo mediante o qual o professor tem de refletir para saber como melhor intervir, e neste 25 momento, confronta suas teorias com a necessidade de tomar decisões ajustadas às necessidades das crianças e das situações enquanto está atuando; A reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação que é o modo que os professores aprende a partir da análise e interpretação da sua própria atividade, com maior sistematização e distanciamento e em um momento posterior à prática, com o objetivo de tematizá-la, tomá-la como alguma coisa sobre a qual se pode pensar de forma fundamentada a partir de pressupostos que lhes possam servir de referência teórica, para melhor reconstruí-la. Justamente o que precisa ser realizado nos processos de formação de professores. (Schön, apud, SCARPA, 1998, p.37) Schön defende que a formação inclua reflexão a partir de situações didáticas reais. Sendo uma possível via, para que o profissional aprimore suas práticas e desenvolva sua capacidade reflexiva no contexto da sala de aula. Há uma necessidade de repensar na formação de professores em todos os níveis de ensino, mas levando em consideração que é na educação infantil onde os valores das crianças começam a ser construídos. As transformações tecnológicas, econômicas, sociais e culturais têm influenciado as novas gerações. Nos últimos anos, a questão do multiculturalismo tem ganhado destaque nos âmbitos educacionais e sociais. “No Brasil, ser negro é tornar-se negro. O conhecimento dessas questões podem nos ajudar a superar o medo e/ou desprezo das diferenças raciais ainda presente na escola e na sociedade. Entender essa complexidade é uma tarefa dos/as profissionais da educação. É tarefa de uma escola que se quer cidadã e, por isso mesmo, não pode deixar de incluir a questão racial no seu currículo e na sua prática”. (Gomes, 2001, p.89, apud, GONÇALVES, p. 6) Os educadores foram formados durante décadas, através de uma visão homogeneizadora e linear. Essa neutralidade frente a questões como valores básicos da composição de várias etnias da sociedade brasileira fosse ignorados, através de sua formação. Valorizando um currículo eurocêntrico, que privilegiou a cultura branca, menosprezando as demais culturas. Muitos profissionais foram preparados apenas para ser professor e não um verdadeiro educador. Não tendo em sua formação essa discussão. Muita das vezes, expectativas e atitudes dos professores a respeito das crianças são determinantes na aprendizagem delas, assim: 26 “Preconceitos e atitudes discriminatórias por parte dos professores, baseadas em raça, língua, gênero, condição socioeconômica ou qualquer outro fator, incidem de maneira decisiva nos processos e resultados de aprendizagens das crianças. Estudos mostram que os mesmos professores se comportam de maneira diferente em escolas de setores pobres, têm uma visão negativa dos pobres, julgam seus alunos a partir de suas famílias e seu meio, esperam pouco deles e portanto lhes exigem menos, tudo o que contribui a reproduzir o círculo vicioso da baixa auto estima e o baixo rendimento escolar” (Torres, 1995, p.49 apud SCARPA, 1998, p. 59). Para a mudança de um contexto que privilegia apenas uma cultura, a formação docente que aborde a diversidade cultural, o respeito e a valorização que as correspondem são prioritários. Pois grande parte dos educadores segundo Dias (2002), ainda não reconhece a diversidade e a diferença, por conseguinte não possuem a capacidade de análise para transformar a sua prática. “Diante das transformações mundiais, que impõe novos olhares frente ao conhecimento, observa-se nas últimas décadas do século XX uma série de reformas educacionais, onde foram elaborados novos marcos legais para educação junto com o desenho de Políticas Públicas, que objetivam o desenvolvimento de novas capacidades técnicas administrativas, incluindo entre outras questões, novos conteúdos de ensino da escola pública e da formação de educadores (as). Esse processo estimulou discussões em diversas áreas do conhecimento sobre a presença ou não no currículo das culturas presentes na sociedade”. (GONÇALVES, 2011, p.6) A exclusão presente na prática social fez com que durante muito tempo estudantes pertencentes a etnias oprimidas fossem submetidos ao fracasso escolar. Teorias tentavam explicar o fracasso escolar com base em características biológicas que apontavam suposta inferioridade genética relacionada à raça. Apple (1997, apud GONÇALVES) afirma que essa perspectiva, serviu para que vários governantes e formuladores de políticas neoliberais e conservadoras legitimassem a eliminação dos direitos educacionais e sociais de mulheres, pobres e negros. Historicamente a educação escolar tem contribuído, sendo uma aliada para que essas camadas assumissem posições sociais inferiores. Gonçalves (2004), afirma que para tentar romper com esse paradigma de reprodução de inferioridade que a educação tem vinculado existem aspectos que devem ser levados em consideração. E um dos aspectos é a valorização da cultura europeia e o desprezo a outras etnias, como a africana e a indígena, sobretudo 27 como elemento curricular. A negação dessas culturas fez com que seus descendentes se sentissem muitas vezes relegados à inferioridade, fazendo com que alguns casos fossem gerados abandono e exclusão. É difícil avaliar a questão de raça e etnia na escola, até que proporção chegou seus efeitos, mas a temática é dissipadora quando se volta nas abordagens do currículo escolar. Silva (2001) ao se reportar às orientações curriculares oficiais, lições, rituais escolares, datas festivas e nacionais, étnicas e raciais afirma que: Essas narrativas celebram os mitos da origem nacional, confirmam o privilégio das identidades dominantes e tratam as identidades dominadas como exóticas ou folclóricas. Em termos de representação racial, o texto curricular conserva, de forma evidente as marcas da herança colonial. O currículo é, sem dúvida, entre outras coisas, um texto racial. (Silva, 2001, p.102). De acordo com Silva (2001), lembrar da historia do negro, apenas nas datas comemorativas e proporcionar um ritual escolar com o objetivo de afirmar a participação do negro na construção da identidade nacional, só afirma que a classe dominante permanece inferiorizando o negro, pois suas origens, suas histórias são lembradas apenas como um mito, comemoração de origem folclórica. É preciso lembrar-se do negro como um personagem real, que faz parte da construção diária da história do Brasil. Como um cidadão independente de cor e raça. Portanto é necessário despir o educador do preconceito enraizado dentro de si, pois sem perceber disseminam ações que afirmam a inferiorização do negro. Somente através da conscientização de suas ações, é que o professor irá perceber a importância de buscar novas metodologias para o ensino de relações étnicas raciais. Porém é necessário que haja reformulação dos currículos, proporcionarem um ambiente escolar de acordo com a diversidade cultural, desmistificar a ideia que os livros didáticos apresentam, “negros apenas como escravos, e fracassados”. É preciso mostrar a verdadeira historia. Um povo cheio de coragem, que lutou incansavelmente por sua liberdade, e por sua cidadania. Suas conquistas foram pautadas por suas características de união, força e perseverança. A importância do entendimento de cultura é primordial para esse educador, pois: 28 Esse entendimento de cultura é necessário para o professor na medida em que ele atua em um sistema que através da tradição seletiva impõe a cultura dominante efetiva a alunos de segmentos étnicos e raciais diversos, colocando-a como a ‘tradição’ e o passado significativo. O conteúdo é realmente significativo quando este é relacionado com o contexto sóciocultural do aluno e lhe propicia o domínio do conhecimento sistematizado (SILVA, 2001, p.102) É desafiador desmontar uma ideologia que predomina e desumaniza por tantos anos, mas através de uma orientação específica haverá contribuição para reflexão e uma ação criadora, que reconstrua a identidade étnica racial e a autoestima da criança negra, e consequentemente refletindo na aprendizagem. Mas o primeiro desafio é o professor reconhecer que muita das vezes sua prática desumaniza, que é preciso desmontar em si ideologias e preconceito, reconhecer que ele foi formado primeiramente em uma sociedade preconceituosa. 3.2 O PAPEL DO PROFESSOR E DA ESCOLA NA DESCONTRUÇÃO E AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE Existe a crença que o preconceito e a discriminação não fazem parte do cotidiano da educação infantil, que não há conflitos entre as crianças por conta de suas características raciais, de que nessa etapa os professores não fazem escolhas com base no fenótipo das crianças. Nesse território, há a ideia de felicidade, afeição, e na verdade não é isso que ocorre. “Os estudos de mestrado e de doutorado que tratam das relações raciais na faixa de 0 (zero) a 5 (cinco) anos apontam que hás muitas situações de discriminação que envolvem crianças, professores, profissionais de educação e famílias”. (CEERT, 2012, p.8). Logo compreende que, afirmar que as crianças negras na educação infantil não sofrem preconceito por causa de seus fenótipos, e que não há discriminação racial entre crianças e profissionais da educação infantil em relação à criança negra, é uma ideia falida segundo a pesquisa. O CEERT (2012, p.9) ainda afirma que “se houver uma intervenção qualificada e que não ignore a raça como um componente importante no processo de construção da 29 identidade da criança terá outra história sendo construída”. Se a criança negra se sente bem com seu rosto, sua cor, seus cabelos, assim como uma criança branca se sente bem consigo mesma, as chances de haver uma aceitação e respeito entre elas é grande. As crianças percebem as diferenças físicas, tipo de cabelo e a cor da pele muito mais cedo que o senso comum imagina, chegando a ignorar a percepção do diferente aos olhos das crianças. Assim gerando a formação do pensamento racial e discriminação, segundo o Ministério da Educação. Ainda de acordo com o CEERT (2012, p. 29), (...) Ao reivindicarmos que é necessário abordar na educação infantil aspectos que tratem das relações raciais é porque as marcas raciais, cor de cabelo, aspectos culturais são elementos presentes no cotidiano das crianças nesta faixa etária suscitando-lhes curiosidades e conflitos que não podem ser desconsiderados. É de suma importância que desde a educação infantil se trabalhe temas transversais como raça/diversidade, para que no futuro consigamos pensar em sujeitos que consigam viver harmoniosamente com o diferente. De acordo com Silva¹ (2007, p.3), “a educação, umas das vias de socialização da maioria dos indivíduos que a freqüenta em especial, as crianças, têm papel transformador na vida das pessoas. Ela pode modificar uma dada realidade a partir de possíveis intervenções reais contextualizadas na sociedade da qual estamos inseridos”. Algumas crianças já trazem para o espaço escolar algum tipo de preconceito ou conflito que pode estar vinculado ao contato familiar ou não, que é produzido por uma sociedade que valoriza o fenótipo cor de pele branca, cabelos lisos, uma sociedade elitizada. Onde o belo está relacionado às características citadas, quaisquer características diferentes, quem não as possuírem, como o índio e o negro são denominados como feio, sujo, inferiorizando o diferente de uma sociedade burguesa. Nesse sentindo, Silva (2004, p.36) aponta que: “A ideologia da inferiorização, além de causar auto rejeição, a não aceitação do outro assemelhado étnico e a busca do branqueamento, internaliza nas pessoas de pele clara uma imagem negativa do negro, veem, na maioria 30 das vezes com indiferença e insensibilidade a sua situação de penúria e o seu extermínio cultural e físico”. Essa inferiorização destacada pela autora nos leva a uma grande adjetivação, caracterizando os negros como uns imprestáveis, tornando realidade o preconceito racial. Essas características negativas atribuída ao negro vêm desde a época onde eles foram submetidos à escravidão, servindo senhores e os colocando em condições desumanas, sem direito a saúde, lazer, educação. Na sociedade atual, não é mais aceitável essas condições miseráveis que eram postas ao negro. Há um novo discurso, lutas por novas práticas e ações que respeitem a diversidade. A Lei (9394/96) Diretrizes e Bases a LDB, no artigo 26, busca atender essa demanda da população: O Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura AfroBrasileira. § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileira. O art. 26-A acrescido à Lei 9394/1996 e a lei 10.639/03 é bem mais do que a inclusão desses novos conteúdos, exige que reflita nas relações étnicas raciais, pedagógicas, sociais, condições oferecidas para aprendizagem, procedimentos de ensino na educação oferecida pelas escolas. É imprescindível que as escolas reformulem seus projetos políticos pedagógicos, com o objetivo de incluir as relações étnicas raciais, que promovam mudanças nos ambientes escolares, que aja uma desconstrução de tudo que foi relacionado ao negro como sujo, feio, e inferior. É evidente que tais ações refletirão na transformação da sociedade, interferindo de forma positiva na auto-estima do negro. “A criança que internaliza essa representação negativa tende a não gostar de si própria e dos outros que se lhe assemelham”. (SILVA, 2004, p. 27) 31 Nos dias atuais o livro didático, ainda é um dos materiais didáticos mais usados pelo professor. Pois o livro tem sua importância atribuída e um caráter de verdade, mas ele pode ser um veículo de expansão de estereótipos não percebido pelo professor. “O livro didático, de um modo geral, omite ou apresenta de uma forma simplificada e falsificada o cotidiano, as experiências e o processo histórico cultural de diversos segmentos sociais, tais como a mulher, o branco, o negro, os indígenas e os trabalhadores, entre outros”. (SILVA, 2004, p. 23) Pesquisas feitas nos últimos anos revelam que a população negra é excluída e marcada por estereótipos, por uma caricatura com traços grosseiros nos livros didáticos. Autores se dirigiam apenas a crianças brancas e de classe média, enquanto crianças negras eram excluídas no processo de comunicação. De acordo com Silva (2004), ao veicular estereótipo que expandem uma representação negativa do negro e uma representação positiva do branco, o livro didático está expandindo a ideologia do branqueamento, que se alimenta das ideologias, das teorias e dos estereótipos de inferioridade/superioridade raciais. Fazendo assim, com que a ideologia do branqueamento se efetiva no momento em que, é internalizada uma imagem negativa de si própria e uma imagem positiva do outro. A presença dos estereótipos nos livros didáticos, materiais pedagógicos, pode promover a exclusão, a auto-rejeição e baixa autoestima, que dificulta a organização política do grupo. Para SILVA (2004), um professor formado com uma visão não crítica das instituições e por uma ciência positivista e tecnicista, que não tem uma ação de reflexão, ele pode vir a ser um mediador inconsciente dos estereótipos. “A presença do negro nos livros, frequentemente como escravo, sem referência ao seu passado de homem livre antes da escravidão e às lutas de libertação que desenvolveu no período da escravidão e desenvolve hoje por direitos de cidadania, pode ser corrigida se o professor contar a história de Zumbi dos Palmares, dos quilombos, das revoltas e insurreições ocorridas durante a escravidão; contar algo do que foi a organização sóciopolíticoeconômica e cultural na África pré-colonial; e também sobre a luta das organizações negras, hoje, no Brasil e nas Américas”. (SILVA, 2004, p. 25) É papel do professor intervir com atividades que associa a cor negra a algo positivo, como jabuticaba, café, petróleo, etc. Mostrar e solicitar que indiquem obras de 32 artistas, escritores, poetas, jogadores e pessoas da comunidade negros e negras, como meio de mostrar o positivo, contrapondo-se ao estereótipo. A hora da história pode ser um momento de reconhecimento ou negação, a roda de conversa muitas das vezes se caracteriza pela a contação de histórias que é uma atividade caracterizada na educação infantil. Livros infantis como “O amigo do rei”, de Rutch Rocha, traz na capa dois meninos um de cor de pele branca o Ioiô e o outro de cor de pele negra Matias. Pela interiorização preconceituosa a ideia que nos remete é que Ioiô seja o rei, mas no decorrer da história os meninos chegam a um quilombo ocupado por guerreiros negros, ex-escravos. Nessa comunidade Matias é surpreendentemente aclamado rei, e Ioiô é o amigo do rei. Uma história que contrapõe o que está interiorizado muita vezes nas crianças. É a oportunidade do professor educador desconstruir algo internalizado e construir nas crianças uma nova concepção. Livros como “cadê você, Jamela? E “o que tem na panela de Jamela? São literaturas que trazem as características do negro e suas origens. Pois Jamela é uma criança negra, feliz, que tem uma família, com uma cultura, características que não são inferiorizadas. Pelo contrário, o autor Niki Daly retrata Jamela, uma protagonista negra, inteligente. Há um cuidado com as ilustrações, com as roupas, com os cabelos, uma suavidade com os traços. Trazendo um vocabulário com palavras de outras línguas que aparecem no texto, não desprezando sua origem africana. Essas são uma das possibilidades que o professor de educação infantil tem de intervir e desconstruir que as histórias contadas só são bonitas quando retratam princesas, reis, brancos de cabelos lisos. É preciso considerar que os espaços não são neutros, o ambiente é um espaço de aprendizagem, sua organização expressa valores e atitudes que educam. “Sabemos que, ao organizar as salas dos grupos e demais ambientes das unidades de educação, os gestores e os professores colocam à disposição das crianças “artefatos culturais”, brinquedos, livros, imagens etc. Em geral, não há consciência de que esses objetos traduzem determinadas ideologias e concepções, que educam em uma direção que esses profissionais não planejaram e que não o fariam intencionalmente”. (CEERT, 2012, p.19) Por tanto, é necessário que os gestores e professores estejam sempre se atualizando. A formação continuada viabiliza a conscientização de que a organização do espaço escolar e o material contido no mesmo, como os brinquedos, 33 livros, cartazes e etc., também são elementos curriculares. Dessa forma, para o gestor que visa à igualdade racial, é necessário cuidar para que não ajam apenas brinquedos com estereótipos de crianças brancas, historias de princesas brancas, mas também brinquedos com estereótipos de belas negras, histórias de princesas negras, príncipes negros e etc. É indispensável que a criança negra veja suas características de forma positiva, para a afirmação de sua identidade. O CEERT (2012) explicita que é preciso ter em mãos bonecas e bonecos negros, instrumentos musicais usados nas manifestações afro-brasileiras e livros que contemplem personagens negros representados de modo positivo é fundamental para o desenvolvimento de uma educação para a igualdade racial. Um dos instrumentos presentes no contexto da educação infantil é a música, tem sido suporte para atender vários propósitos de atitudes, comportamentos e hábitos. Segundo o RCNEI (volume 3, p. 45) “A música é a linguagem que se traduz em formas sonoras capazes de expressar e comunicar sensações, sentimentos e pensamentos, por meio da organização e relacionamento expressivo entre o som e o silêncio. A música está presente em todas as culturas, nas mais diversas situações: festas e comemorações, rituais religiosos, manifestações cívicas, políticas etc. [...] A integração entre os aspectos sensíveis, afetivos, estéticos e cognitivos, assim como a promoção de interação e comunicação social, conferem caráter significativo à linguagem musical”. O trabalho com a musicalidade é uma importante marca da cultura afro-brasileira. Devem-se valorizar inserir no contexto da educação infantil os instrumentos/brinquedos como os chocalhos, matraca, piões sonoros, tambores. Quanto mais as crianças tiverem conhecimento de que os argumentos usados para provar a inferioridade de outras raças foram desmentidos, mais fortemente hábitos e atitudes de aceitação e integração do diferentes irão desenvolver (Klimberg, 1966 apud SILVA, 2004). A escola e o professor precisam assumir o papel de desmistificar a ideologia de que o negro pertence a uma classe inferior, de que tudo que esta ligada ao negro com sua cultura, crença é ruim. É preciso se trabalhar com as crianças e com suas famílias. 34 3.3 DIVERSIDADE CULTURAL E CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Devido às constantes transformações nos últimos anos, principalmente pelo avanço das tecnologias da informação, a sociedade contemporânea encontra-se em um processo de constantes mudanças. Essas mudanças além de influenciar a sociedade em sua rotina e costumes consequentemente refletem no ambiente escolar. Não deixando de influenciar na forma de ser criança das mesmas. Essas têm passado por um intenso processo de transformação, pois grande é o volume de informação que elas adquirem através dos meios de comunicação, que acabam influenciando na formação, na definição de sua personalidade. Com base nessa reflexão, compreende-se que há muitos desafios para se construir um novo currículo na educação infantil. Um currículo que atenda o psicossocial da criança, que as prepare para administrar e conviver com tantas informações que são colocadas para elas. Informações que influenciam suas formas de agir e de ser no mundo. Um currículo que as façam compreender as pessoas enquanto sujeitos diferentes, que construa na criança desde cedo uma visão que supere estereótipos e os preconceitos construídos pelo pensamento ocidental homogeneizado. De acordo com os estudos desenvolvidos por Moreira (1990) e Silva (1990), apud Mota (2010), dentre as principais concepções teóricas que influenciam na construção das propostas curriculares no Brasil destacam: a) As Teorias Tradicionais que compreendem o currículo como uma atividade de organização de conteúdos visando à formação de jovens para a vida profissional, sem nenhuma preocupação com outras questões referentes aos aspectos individuais ou sociais das pessoas. Traz como principais características a fragmentação, a descontextualização e a transmissão de conhecimentos abstratos considerados como “verdades absolutas”. b) As Teorias Críticas voltam-se para a análise e discussão acerca do processo desconstrução do currículo, principalmente, com relação à definição dos conteúdos.Compreende o currículo como um campo de disputa política, na qual os diferentes grupos sociais buscam apresentar suas concepções acerca da realidade. 35 Contrapõe-se ao modelo tradicional de currículo voltado para a transmissão das ideologias dos grupos dominantes e propõe a construção de um currículo democrático, voltado para a valorização dos diferentes saberes reproduzidos pelas classes populares (LIMA, 2010) apud (Mota 2010). c) As Teorias Pós-Críticas compreendem que “o currículo não está simplesmente envolvido com a transmissão de fatos e conhecimentos objetivos. O currículo é um local onde, ativamente, se produz e se criam significados sociais” (SILVA, 1999, p. 55, apud Mota 2010). Essas tendências propostas de currículo revigoram o processo de afirmação de poder e desigualdade social. Alguns autores discutem que está em construção outro modelo de currículo, um modelo que é denominado “currículo multicultural”. Para Lima (2009, p. 06-07, apud MOTA, 2010), o currículo multicultural volta-se para: [...] o reconhecimento da diversidade cultural, étnica, religiosa que permeia o tecido social, criando espaço de encontro entre as diferentes culturas, possibilitando o diálogo e a troca de experiência entre os diferentes sujeitos afim de favorecer, tanto a compreensão mais aprofundada das diferenças culturais, quanto à reconstrução de valores, hábitos e saberes entre os sujeitos. Portanto, o novo currículo atende a necessidade de uma escola mais democrática, refletindo de forma positiva na sociedade. Valoriza os diversos saberes e as diversas culturas existentes no país. Possibilitando a troca de experiências através do dialogo e da vivencia entre indivíduos diferentes, e a valorização dos conhecimentos adquiridos, proporcionando o respeito e valorizando a diversidade cultural. Tendo em vista que a educação infantil é onde se inicia a construção da identidade da criança, de acordo com Kramer (1994), apud Mota (2010), é preciso um currículo com práticas culturais que articule os valores, saberes e experiências da criança fora do ambiente escolar, com o patrimônio cultural, assumindo um caráter ético e os valores democráticos e de solidariedade. É preciso que na educação infantil se tenha um currículo multicultural, que tenha como um dos objetivos de preparar as crianças para viverem de forma democrática com grupos étnicos e sociais diferentes que compõe a sociedade brasileira, despindo-se de qualquer forma de discriminação e de preconceito. 36 De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), proposto pelo Ministério da Educação, as escolas que atuam na área da educação infantil devem “oferecer condições para que as crianças aprendam a conviver, a ser e a estar com os outros e consigo mesmas em uma atitude básica de aceitação, de respeito e de confiança” (BRASIL, 1998, p. 46), possibilitando o desenvolvimento da identidade e da autonomia das crianças. Diante disso, Santos e Costa (2010, p. 01) apud, Mota (2010) propõem que “É preciso trabalhar a discussão da diversidade já na infância. Se a criança não for preparada desde cedo, dificilmente romperá com os preconceitos possivelmente presentes em seu meio e tenderá a repetir os padrões de discriminação que aprender”. Considerando as particularidades afetivas, cognitivas, sociais das crianças, de acordo com o RCNEI, o currículo da educação infantil deve contribuir para a cidadania se baseando nos seguintes princípios: o respeito à dignidade e aos direitos das crianças, consideradas nas suas diferenças individuais, sociais, econômicas, culturais, étnicas, religiosas etc.; o direito das crianças a brincar, como forma particular de expressão, pensamento, interação e comunicação infantil; o acesso das crianças aos bens socioculturais disponíveis, ampliando o desenvolvimento das capacidades relativas à expressão, à comunicação, à interação social, ao pensamento, à ética e à estética; a socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas mais diversificadas práticas sociais, sem discriminação de espécie alguma; o atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência e ao desenvolvimento de sua identidade (RCNEI vol. I, 1998, p. 13). O RCNEI (1998) afirma que a criança deve ser respeitada independente de sua cultura, religião, cor, e classe social. Respalda seu direito de brincar como forma de expressão e interação e comunicação, pois a criança aprende brincando. A escola deve proporcioná-la o acesso aos patrimônios culturais. Para que associem o passado com a construção de sua historia, ampliando o conhecimento, expressando a comunicação social, cultural, e estética. A criança deve ser cuidada de acordo com suas necessidades. A pluralidade cultural, isto é, a diversidade de etnias, crenças, costumes, valores etc. que caracterizam a população brasileira marca, também, as instituições de educação infantil. O trabalho com a diversidade e o convívio com a diferença possibilitam a ampliação de horizontes tanto para o professor quanto para a criança. Isto porque permite a conscientização de 37 que a realidade de cada um é apenas parte de um universo maior que oferece múltipla escolhas. Assumir um trabalho de acolhimento às diferentes expressões e manifestações das crianças e suas famílias significa valorizar e respeitar a diversidade, não implicando a adesão incondicional aos valores do outro. (RCNEI vol. I. 1998, p. 77) Diante disso, as escolas devem construir um currículo onde as crianças aprendam a respeitar as diferenças e ao seu próximo, aniquilando atitudes preconceituosas e discriminatórias, um currículo que as façam refletir, respeitar e valorizar costumes e crenças que compõe a sociedade brasileira. 38 4. CULTURA, EDUCAÇÃO E LEI 4.1 Lei 10.639/03 Em meio a tantas lutas do povo negro, ver sua cultura e história reconhecida nacionalmente, desfrutar de direitos como todos os cidadãos brasileiros, o governo federal por meio da SEPPER (Secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), instituiu a Política Nacional de Promoção de Igualdade Racial, recalcando na agenda nacional, a questão racial, promovendo ações afirmativas. A lei 10.630 altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. Art. 1º A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B: "Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura AfroBrasileira. § 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. § 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. § 3º (VETADO)" "Art. 79-A. (VETADO)" "Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como 'Dia Nacional da Consciência Negra'." Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182º da Independência e 115º da República.LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque Com o intuito de viabilizar a implementação da lei, são elaboradas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o ensino de História e cultura afro-brasileira e africana, aprovada pelo Conselho Nacional de educação em 10 de março de 2004. Nos seus apontamentos, as diretrizes atentam para o fato de que “estas condições materiais das escolas e de formação de professores são indispensáveis para uma educação de qualidade, para todos, assim como o é o reconhecimento e valorização da história, cultura e identidade dos descendentes de africanos (Diretrizes Curriculares)”. 39 É a Lei 10.639/03 que vem tornar público uma das lutas frequentes do movimento negro, afirmando a necessidade da História da África e seus descendentes serem re-contadas, expor as consequências da colonização do Brasil e da escravidão. Cabe ao Estado promover e incentivar políticas de reparações, no que cumpre ao disposto na Constituição Federal, Art. 205, que assinala o dever do Estado de garantir indistintamente, por meio da educação, iguais direitos para o pleno desenvolvimento de todos e de cada um, enquanto pessoa, cidadão ou profissional. Sem a intervenção do Estado, os postos à margem, entre eles os afro-brasileiros, dificilmente, e as estatísticas o mostram sem deixar dúvidas, romperão o sistema meritocrático que agrava desigualdades e gera injustiça, ao reger-se por critérios de exclusão, fundados em preconceitos e manutenção de privilégios para os sempre privilegiados. (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana) A normatização e aprovação da lei 10.639/03 deveriam ser mais conhecidas pelos educadores e educadoras das escolas públicas e privadas do país. Pois as ações pedagógicas precisam ser voltadas para o cumprimento da mesma, a sanção da legislação não tem que ser representada só nas políticas e nas práticas, mas no meio pedagógico e sua relação com a diversidade. Embasado nesse contexto, a referida lei é uma medida de ação afirmativa. As ações afirmativas são políticas, projetos e práticas públicas e privadas que visam à superação de desigualdades que atingem historicamente determinados grupos sociais, a saber: negros, mulheres, homossexuais, indígenas, pessoas com deficiência, entre outros. Tais ações são passíveis de avaliação e têm caráter emergencial, sobretudo no momento em que entram em vigor. Elas podem ser realizadas por meio de cotas, projetos, leis, planos de ação, etc. (GOMES, 2001,p.3). É preciso reconhecer que em todas as modalidades da educação é passível de ações afirmativas, desmistificarem a ideia de que políticas igualitárias só podem ser afirmadas por meio de cotas. A lei 10.639/03 tem como objetivo afirmar desde a educação infantil o direito à diversidade étnica racial na educação escolar, afirmar a história de luta, romper com o silêncio sobre a realidade africana e afro-brasileira nas práticas e nos currículos escolares. Ainda há uma resistência a essa lei que altera a LDB (Lei de Diretrizes e Bases), mas sua aprovação tem causado impactos na educação escolar brasileira como: 40 “Ações do MEC e dos sistemas de ensino no que se refere à formação de professores para a diversidade étnico-racial; novas perspectivas na pesquisa sobre relações raciais, no Brasil; visibilidade à produção de intelectuais negros sobre as relações raciais em nossa sociedade; inserção de docentes da educação básica e superior na temática africana e afrobrasileira; ampliação da consciência dos educadores de que a questão étnico-racial diz respeito a toda a sociedade brasileira, e não somente aos negros; e entendimento do trato pedagógico e democrático da questão étnico-racial como um direito”. (GOMES, 2001, p.5) Sabe-se que há muitos caminhos para ser percorrido, até se chegar a um Estado que de fato valoriza e expressa sua cultura, sem nem um sentimento de vergonha e de desprezo; que um dia essa política afirmativa tenha seu total enraizamento fazendo-se parte da política educacional brasileira e se efetivando nas ações pedagógicas. Entendida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei nº 10.639/03 poderá garantir de forma explicita, o direito à diferença. 4.2 POLÍTICAS AFIRMATIVAS PARA INSERÇÃO DO NEGRO NA SOCIEDADE Mesmo depois da abolição da escravatura em 1888, perpetuava as práticas de desigualdade racial e preconceito e nenhuma garantia de afirmação de cidadania para o negro. De modo que, as comunidades negras em São Paulo em 1989 protestam contra a lei Afonso Arino, a mesma não via preconceito como crime. Diante dos protestos a lei Afonso Arino é derrubada, entrando em vigor a lei Caó, de autoria do ex deputado e jornalista, Carlos Alberto Oliveira, que torna o crime de racismo inafiançável. Em 20 de julho de 2010, a Lei Nº 12.288, instituiu o Estatuto da igualdade Racial; altera as leis nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003. “Art.1º Esta Lei instituiu o estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, e defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”. 41 A lei assegura o direito à saúde, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, o reconhecimento das sociedades negras, sua trajetória comprovada, como patrimônio histórico e cultural, nos termos dos arts. 215 e 216 da Constituição Federal. Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. § 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. § 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005) [...] Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico [...]. O estatuto da igualdade racial vem assegurar: “O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos, do esporte e lazer. Possibilitando o acesso a terra e à moradia adequada, o poder público elaborará e implementará políticas capazes de promover o acesso da população negra à terra e às atividades produtivas no campo. Assegura políticas voltadas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho, sendo responsável o poder público. Dos meios de comunicação valorizará a herança cultural e a participação da população negra na história do País”. Do direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos, do esporte e do lazer. Possibilitando o acesso a terra e à moradia adequada, o poder público elaborará e implementará políticas capazes de promover o acesso da população negra a terra e às atividades produtivas no campo. Assegura políticas voltadas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho, sendo responsável o poder público. Dos meios de comunicação valorizará a herança cultural e a participação da população negra na história do País. Na produção de filmes e programas destinados à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas, sendo adotada a prática de conferir 42 oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros, sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política, ideológica, étnica ou artística. O Estatuto da Igualdade Racial aborda o SINAPIR (Sistema de Promoção da Igualdade Racial), ele é instituído como forma de organização e de articulação voltadas à implementação do conjunto de políticas e serviços destinados a superar as desigualdades étnicas existentes no País, prestados pelo poder público federal. “Tendo como um dos objetivos de promover a igualdade étnica e o combate às desigualdades sociais resultantes do racismo, inclusive mediante adoção de ações afirmativas. O Poder Executivo Federal elaborará plano nacional de promoção da igualdade racial contendo as metas, princípios e diretrizes para a implementação da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR)”. O Congresso Nacional pressionado pelos movimentos negro permanece em busca de mecanismos para que o país indenize os africanos e afro descendentes, pelos danos causados pelo preconceito, isso reforça as políticas públicas de igualdade racial. A Comissão de Direitos Humanos impõe que o governo brasileiro aplique o valor da indenização nas ações de políticas afirmativas de igualdade racial. “O Decreto n°60872, de 4 de Junho de 2009 aprova o PLANAPIR- Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial, e constitui o seu Comitê de Articulação e Monitoramento”. (Presidente da República, Casa Civil). Sancionado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PLANAPIR tem o objetivo de: “solucionar a desigualdade social, política e econômica em relação ao negro, reconhecendo o como sujeito histórico. Resultado de muitas décadas de esforços dos movimentos negros no país, agora o descendentes de africanos, os afro descendentes podem contar com as políticas de ações afirmativas para a igualdade racial no Brasil”. No dia 29 de agosto de 2012 foi sancionada a lei nº 12.711 regulamentada pelo Decreto nº 7824, de 11 de outubro de 2012 que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Art. 2º - As instituições federais vinculadas ao Ministério da Educação que ofertam vagas de educação superior reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo cinquenta por cento de suas vagas para estudantes que tenham cursado 43 integralmente o ensino médio em escolas públicas, inclusive em cursos de educação profissional técnica, observadas as seguintes condições: II - proporção de vagas no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação do local de oferta de vagas da instituição, segundo o último Censo Demográfico divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, que será reservada, por curso e turno, aos auto declarados pretos, pardos e indígenas. Para Contins e Sant’ Ana (1996, p.210) apud Lima¹ (2008 p.30) as ações afirmativas teriam como uma das funções específicas: [...] a promoção de oportunidades iguais para pessoas vitimadas por discriminação. Seu objetivo é, portanto, o de fazer com que os beneficiados possam a vir competir efetivamente por serviços educacionais e por posições no mercado de trabalho. Para Lima¹ (2008 p.30) “As ações afirmativas podem ser entendidas como políticas de correções de distorções sociais, pois falamos de um “lugar”, no qual entendemos as medidas afirmativas enquanto justificativa para/de correções de distorções sociais, que acreditamos existirem e propomos um axioma no qual entendemos e relegamos ao discurso jurídico constitucional da “igualdade de todos os cidadãos perante a lei”, enquanto elemento necessário para a promoção da igualdade, justificando e legitimando ações afirmativas para que eventuais distorções sejam corrigidas e fazendo com que as cotas adquiriam o valor de “políticas compensatórias”. (LIMA¹, 2008, p.30) 44 5. METODOLOGIA DA PESQUISA Uma pesquisa/MEC realizada em 22 de junho de 2009 que a escola educa para discriminação. Professores de história ensinam os alunos a respeitarem bravos bandeirantes, desbravadores do sertão. Já em relação aos negros e seus heróis vemos não se observa isso com frequência. Os negros aparecem nos livros de história até 1888 marginalizados, depois desaparecem. Segue uma pesquisa do MEC sobre preconceito nas escolas, publicada pela agência de notícias afropress. Segundo o levantamento, 94,2 dos entrevistados, entre alunos, pais de estudantes e funcionários de unidades municipais, estaduais e federais de ensino do país, alimentam preconceitos contra negros e outras etnias. A pesquisa mostrou ainda que por meio das crenças, valores e atitudes, o preconceito contra negros é uma constante nas salas de aula. Os pesquisadores sortearam 500 escolas públicas do país, incluindo as localizadas em regiões rurais. Além de uma parcela de pais, diretores de escolas, professores e funcionários das instituições de ensino, foram entrevistados cerca de 15 mil alunos, com idades a partir dos 14 anos. Os resultados não deixam dúvidas quanto ao fato de o ambiente escolar ser lugar privilegiado da cultura de discriminação que atinge 40,7% da população negra brasileira. Além de alimentar o preconceito com uma visão negativa de negros, os entrevistados admitiram evitar contato com as vítimas. Os negros como os demais segmentos discriminados são excluídos em brincadeiras, no recreio ou até em trabalhos na sala de aula, e por isso, a socialização entre todos é prejudicada. Mostrando que as unidades que apresentaram índice de discriminação mais elevado, o rendimento escolar é mais baixo. Diante do exposto, sentimos a necessidade de se realizar uma pesquisa de campo de cunho qualitativo, pois a mesma valoriza o indivíduo e o significado que ele dá à vida. Com caráter exploratório por meio de entrevista e observação direta extensiva, e virá a ser o segundo passo de nosso trabalho, ela servirá para a averiguação de dados. Segundo Andrade (1999), “A observação direta extensiva baseia na aplicação de formulário e questionários; medidas de opinião de atitudes; testes de pesquisas de mercado; história de vida etc.”. 45 A técnica escolhida para essa pesquisa foi à observação direta extensiva, através de entrevista com perguntas abertas para o levantamento de dados. Sendo bibliográfica ou de campo, não importa, pois para Andrade (1999, p.34) a pesquisa é: “O conjunto de procedimentos sistemáticos, baseado no raciocínio lógico, que tem como objetivo encontrar soluções para problemas propostos, mediante a utilização e métodos científicos”. Por tudo isso, o método utilizado para a realização dessa pesquisa será o empírico, porque, segundo a autora esse método é baseando na observação sensorial, e abrangem parte das ciências da natureza e das culturas sociais. Os sujeitos da pesquisa foram professores e gestores das escolas entrevistadas que deram respaldo para que a análise fosse significativa. Foram entregues quatorze perguntas, sete direcionadas ao gestor e as outras sete ao professor. 5.1 UNIVERSO DA PESQUISA As entrevistas foram realizadas em dois CMEIS nas redes municipais de ensino, localizadas na cidade de Serra (ES), a pesquisa foi realizada com duas professoras e com duas gestoras. Os nomes citados na pesquisa são de natureza fictícia para garantir a privacidade dos entrevistados. 5.2 RELATO DAS ENTREVISTAS Realizada as entrevistas, constatamos divergências nas respostas com o que foi observado no espaço escolar em relação à temática desse estudo. Assumimos essas divergências como elemento de discussão desses dados, de modo que os antagonismos se constituam marca de referência para este estudo. A entrevista foi constituída de perguntas que oportunizaram leituras de dados qualitativos. Quando perguntado aos professores se a unidade educativa tratava a questão da diversidade racial, e se o espaço físico, materiais disponíveis para as crianças, e as atividades incluem a temática racial, as respostas foram as seguintes: Sim. São tratadas dentro do projeto bimestral ou quando surge algum problema dessa natureza, em qualquer ocasião há intervenção através da 46 conversa. (Professora do grupo 4,39 anos, pós graduada em educação infantil e atua a 16 anos na educação). Não. (Professora do grupo 3, 30 anos, pós graduada em educação infantil e atua a 10 anos na educação) A resposta da segunda professora deixa claro que a escola vai contra o que defendemos durante todo o trabalho e contra as diretrizes e leis. Questionadas se as famílias são incluídas nos projetos didáticos desenvolvidos com as crianças as respostas foram: Em datas comemorativas. Ex: Dia das mães, páscoa, em reuniões eles são convidados para participar. São mostradas as atividades que desenvolveram na sala com as crianças de acordo com a faixa etária de cada uma. Quando vamos trabalhar algum tema especial convidamos os pais para nos ajudar nos trabalhos escritos ou na confecção de algum brinquedo em casa. Também participam dos eventos que são apresentados pelas crianças no CMEI. (Professora do grupo 4,39 anos, pós graduada em educação infantil e atua a 16 anos na educação). Através do e-mail em que são enviadas informações relacionadas ao projeto e fotos do dia a dia das crianças, assim como através de pedidos de materiais e objetos para as culminâncias do projeto. (Professora do grupo 3, 30 anos, pós graduada em educação infantil e atua a 10 anos na educação) Percebemos nas respostas, principalmente no relato da segunda professora entrevistada, um distanciamento das famílias, sobretudo pelo contato ser através de e-mails, não havendo uma participação efetiva dos responsáveis. Acreditando que espaços culturais, escolas de sambas, capoeira, museus físicos ou virtuais, grupos de danças, podem enriquecer o dia a dia das instituições educativas e contribuir com tema relações étnicas raciais, perguntamos se na cidade havia algum desses recursos e se a instituição tinha parceria com algum desses grupos. Obtivemos as seguintes respostas: Sim. Museus, bibliotecas, grupos de danças, capoeira. Mas a escola não tem parceria. (Professora do grupo 4,39 anos, pós graduada em educação infantil e atua a 16 anos na educação). Sim. Grupos de danças, capoeira. Mas que a escola não tinha parceria. São realizadas apresentação cultural e festa cultural, onde são trabalhadas e valorizadas a cultura do estado, este ano será a influência italiana que recebemos, destacando a festa da polenta que acontece em Venda Nova 47 do Imigrante. (Professora do grupo 3, 30 anos, pós graduada em educação infantil e atua a 10 anos na educação) Percebemos nas respostas que as escolas têm recursos em sua cidade para trabalhar as questões étnicas raciais, mas não a utilizam. Perguntado a segunda professora do grupo 3 se a escola trabalha a diversidade racial, a resposta foi não, mas a escola tem trabalhado a influência italiana, onde podemos perceber uma valorização só da cultura branca. Quando perguntado quais imagens predominam na decoração do espaço físico da escola, na sala de aula, nas paredes, nos murais, nas capas de livros e nas caixas da instituição tivemos as respostas: As imagens que predominam são de acordo com as datas comemorativas dentro do projeto desenvolvido no bimestre. (Professora do grupo 4,39 anos, pós graduada em educação infantil e atua a 16 anos na educação). Na escola não temos painéis ou decorações infantis, em tudo é usado o slogan da escola. Já nas salas de aula possuem um mural grande onde são expostos os trabalhos do dia a dia das crianças da turma. (Professora do grupo 3, 30 anos, pós graduada em educação infantil e atua a 10 anos na educação) As professoras não conseguiram compreender a pergunta, e o questionamento foi feito duas vezes. Mas com as nossas observações do cotidiano e do espaço escolar, pudemos perceber que nas duas escolas tanto nos murais quanto na decoração das salas predominavam desenhos de cor de pele e cabelos claros. Só na sala da primeira professora entrevistada que tinha um desenho na parede de uma criança negra. Quando questionadas se já vivenciaram ou presenciaram alguma prática de discriminação racial entre alunos, e se a resposta for sim, como que se deu essa intervenção obtivemos estas respostas: Já. Entre duas alunas de quatro anos. A menina branca não queria brincar com a outra porque ela era negra. A intervenção foi através de conversa com a criança no momento da cena que aconteceu. Depois conversei com os pais. (Professora do grupo 4,39 anos, pós graduada em educação infantil e atua a 16 anos na educação). Não, até mesmo porque desde quando comecei a trabalhar com educação infantil, tenho trabalhado com crianças de apenas dois e três anos que e ainda não observam as diferenças raciais de forma explícitas. (Professora 48 do grupo 3, 30 anos, pós graduada em educação infantil e atua a 10 anos na educação) No relato da primeira professora, pudemos perceber que situações com atitudes preconceituosas não estão distantes da educação infantil. Por isso é preciso um trabalho contínuo, uma intervenção de todo corpo docente com a criança e com sua família para que possamos criar cidadãos que respeitem e valorizem a diferença. Os relatos das entrevistas neste momento são direcionados aos gestores dos CEMEI entrevistados. Quando perguntados como é o processo de formação continuada nas unidades às respostas foram: É feita uma vez por semana. (Gestora1, pós graduada em gestão, 15 anos de gestão) A formação continuada acontece todas as segundas-feiras, excepcionalmente nas terças-feiras. Após a seleção dos conteúdos a serem estudados, o grupo do segmento do magistério organiza um cronograma de estudo, de auto-avaliação (semestral) e avaliação escrita no final do ano letivo. Todos os estudos são registrados em um livro de ata, com registro da carga horária para emissão de certificado no final do ano. (Gestora 2, pós graduada em gestão, 17 anos de gestão) Pelo o que podemos perceber a segunda escola é mais organizada e detalhista de como se da à formação continuada. Prosseguimos com a entrevista se os profissionais conhecem as diretrizes curriculares nacionais para educação infantil? Sim, pois faz parte do estudo nas formações continuadas do CMEI. (Gestora 1 pós graduada em gestão, 15 anos de gestão) Sim, no estudo do ano passado contemplamos o tema de diretrizes curriculares para educação infantil. (Gestora 2 pós graduada em gestão, 17 anos de gestão) Quando perguntadas se os profissionais conheciam as diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnicas raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana tivemos as seguintes respostas: Todas as relações citadas estão contidas nas diretrizes curriculares nacionais o que se torna tema debatido nos estudos. (Gestora1 pós graduada em gestão, 15 anos de gestão) Não. Esse tema ainda não foi contemplado no nosso estudo. (Gestora 2 pós graduada em gestão, 17 anos de gestão) 49 Nas respostas das gestoras podemos perceber uma falta de informação para um trabalho eficaz que possa contemplar as relações étnicas raciais. Quando perguntadas se há uma socialização, uma reunião interativa sobre o tema relações étnicas raciais com a equipe de profissionais, famílias e comunidade, para obter caminhos de transformação de uma prática que discriminas, e se a resposta fosse sim, como se da essa reunião, vejamos quais respostas obtivemos: Não de forma específica, porém é trabalhado de forma que a família entenda através das atividades e conscientização. (Gestora 1 pós graduada em gestão, 15 anos de gestão) Não aconteceu este tipo de prática discriminatória em nosso CMEI. (Gestora 2 pós graduada em gestão, 17 anos de gestão) Baseando-nos nas respostaras das gestoras, percebemos que na visão delas não há necessidade de ser trabalhado a questões étnicas na educação infantil, com as crianças e com suas famílias. Sabendo da importância das famílias, da comunidade na construção do projeto político pedagógico, perguntamos qual o envolvimento das famílias? Não são muitos envolvidos, as famílias muitas das vezes acham que o trabalho é só da escola. Apesar de que a escola precisa encontrar meios que os faça interessar e saber que para um melhor andamento é necessário a participação de todos nessa construção. (Gestor 1 pós graduada em gestão, 15 anos de gestão) A participação da família se deu através de entrevistas escritas e reunião com toda a comunidade. (Gestora 2 pós graduada em gestão, 17 anos de gestão) O que percebemos pelas respostas das gestoras que ainda é um desafio inserirem a família com participação ativa na elaboração do projeto político pedagógico. Perguntamos como que a escola trabalha as representações étnicas raciais nas imagens de crianças, famílias etc., nos murais da escola? Através de histórias, cartazes, etc. (Gestor 1 pós graduada em gestão, 15 anos de gestão) Trabalhamos no cotidiano através das histórias infantis e apresentações e recreação. (Gestor 2 pós graduada em gestão, 17 anos de gestão) 50 As gestoras se limitaram a responder a pergunta, e não responderam quais características predominam nos murais da escola, mas durante toda a nossa observação em dois CMEI o mural foi substituído por outra caracterização, e tanto na anterior quanto na atual não tinha nem uma criança negra. Perguntadas se já haviam presenciado algum professor com práticas discriminatórias racial com seu aluno, e se a resposta fosse sim quais intervenções foram feitas neste incidente discriminatório, obtivemos as seguintes respostas: Todos os profissionais do CMEI procuram respeitar não só as diferenças raciais entre outras. Até então não foi presenciado nenhuma atitude indesejável neste sentido. (Gestor 1 pós graduada em gestão, 15 anos de gestão) Não, nunca houve esse tipo de atitude no nosso CMEI. (Gestor 2 pós graduada em gestão, 17 anos de gestão) Pelas respostas dos gestores nos CMEI entrevistados não houve por parte de professores algum tipo de discriminação racial, mas sabemos que não são atitudes que possam acontecer em nossas escolas. Em uma conversa informal, foi perguntado aos gestores se o dia 20 de novembro era lembrado e trabalhado nas escolas, e todas as duas disseram que não era trabalhado esse dia nas escolas. O que pudemos perceber é que tanto para os professores, quanto para os gestores não há uma necessidade de se trabalhar as questões étnicas raciais, que é um assunto distante na educação infantil, mesmo com o relato de uma das professoras uma situação de preconceito entre duas alunas de quatro anos. 51 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Questões relacionadas à discriminação racial e à educação, tanto no âmbito acadêmico quanto nos demais, têm sido objeto de um número crescente de publicações e de estudos, favorecendo a abertura de espaços para discussões e busca de alternativas para minimizar a discriminação racial e o preconceito nas nossas escolas. A luta do negro por liberdade vem marcada por resistência, violência, condições precárias de saúde, saneamento básico, e educação mesmo depois da sua “liberdade”. Dificuldade e classificação em uma sociedade elitista, que classifica como indivíduo inferior o que é diferente as suas características econômicas e fenotípicas. Uma liberdade conquistada que além de excluir, empurrou para as periferias a grande massa de escravos desempregados, dando início a um processo, uma política de branqueamento. O governo brasileiro não se mobilizou, não criou condições necessárias para a realização de inclusão do negro. Vimos que em 1960, as redes de ensino públicas se ampliaram, possibilitando o ingresso do negro às escolas públicas, contudo as relações raciais no interior das salas de aula permaneceram discriminatórias. As organizações negras de caráter civil começaram a denunciar nos anos 70 a seletividade do modelo educacional, que excluía o patrimônio cultural da população negra dos currículos escolares. Começou então a reivindicação ao reconhecimento para o legado histórico do negro na sociedade brasileira. Em meio a tantas tecnologias e informações acessíveis nos dias atuais, tal exclusão, e o não reconhecimento da diversidade cultural perpetuam no ambiente social e consequentemente no âmbito educacional. Considerando que na educação infantil começam a ser formados os primeiros embriões dos valores humanos, princípios e costumes, as manifestações racistas e discriminatórias poderão ser combatidas. Considerando ainda que segundo Vygotsky, a criança constrói sua identidade dentro e fora do ambiente escolar. Quando a criança é inserida na escola, ela traz consigo acúmulo de lembranças em sua memória, construindo sua identidade por meio das experiências vividas. Ao longo da história e até os dias atuais, a escola tem assumido uma identidade de exclusão. Questões como as diferenças e seu tratamento no cotidiano escolar precisam ser prioritárias para a formação do educador, que terá no seu cotidiano a 52 defesa do direito à diferença e à valorização cultural de todos os segmentos sociais. A formação de educadores não pode ignorar o multiculturalismo, a globalização, manifestações religiosas e culturais, devem dá a devida importância a essas realidades e aos seus impactos no cotidiano escolar. A pluralidade cultural e a racial nos desafiam a construir uma proposta pedagógica multicultural. Faz-se necessário formar educadores para lidar com a diversidade e criticar práticas discriminatórias. Práticas que vão desconstruir preconceitos desde a educação infantil e afirmar a identidade da criança negra. Uma criança que tem seu passado de lutas, de influências culturais na sociedade brasileira como na dança, comidas, vocabulários, valorizados e reconhecidos, e que teve sua relevância na construção da história do Brasil, ela não terá vergonha de sua cor e de suas características. A LDB contribui para colocar em pauta de discussões questões relativas à diversidade cultural e a pluralidade étnica. Pautados na legislação o RCNEI, que embora não sejam normativos, adentram no cotidiano das escolas com esse caráter e é assumido como instrumento legal por gestores e professores. Não se esquecendo da lei 10.639/03, que altera a LDB para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade a temática história e cultura afro-brasileira. Com o intuito de viabilizar a implementação da lei, são elaboradas as diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnicas raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Além de políticas públicas, faz-se necessário também um amplo movimento tendo como horizonte à revisão dos currículos e materiais pedagógicos em todos os níveis de ensino, incluindo nas discussões toda a comunidade escolar. O corpo docente precisa entender a necessidade de ser re-contada a história de África e do negro na colonização do Brasil. Pois o preconceito racial e a discriminação têm se proliferado nas escolas, através do funcionamento do ritual pedagógico e através das práticas pedagógicas excludentes e homogêneas, através de currículos que não contam a real história de luta dos negros na sociedade brasileira. Sem dúvidas, nos tempos atuais, a mídia e a tecnologia são capazes de provocar comportamentos, influenciar atitudes, criar ideologias das formas mais 53 diversificadas. Como principal espaço de construção simbólica, a mídia chega a ter sua relevância social, que afeta diferentes segmentos sociais como o negro, através da veiculação de imagens estereotipadas, folclorizados, deturpados em seus conteúdos, ou de sua invisibilização. A discriminação racial continua como tema tabu, sob o disfarce da suposta democracia racial. Com algumas exceções, o racismo e suas mazelas não frequentam as pautas diárias. A mídia nos faz valorizar os bens matérias, valorizar modelos, padrões magros ou musculosos, cabelos lisos e claros. A aceleração tecnológica fomenta a pressa e a ansiedade por experiências e sensações. Ao mesmo tempo em que a mídia e a rede de computadores são fontes indispensáveis de acesso ao conhecimento, democratização da informação é também campo para manifestações de posicionamento racista e discriminatório, contra os negros, indígenas, fazendo aumentar na sociedade o que a legislação penosamente tenta erradicar. Ao analisarmos as entrevistas e as observações realizadas nas escolas, acerca de como docentes lidam com conceitos discriminatórios, é possível afirmar que tais políticas ainda são institucionalmente incipientes e não têm provocado inserções significativas no ambiente escolar. 54 7. REFERÊNCIAS 7.1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à Metodologia do Trabalho Científico. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 1999. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009: Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC/CNE, 1999. ______. Constituição (1988). 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LODY, Raul Giovannida Motta. Cabelos de axé: Identidade e Resistência. Rio de Janeiro: Ed. Senac Nacional, 2004. NASCIMENTO, Eliza Larkin. O Sortilégio Da Cor: Identidade, Raça e Gênero no Brasil. São Paulo: Summus, 2003. RIBEIRO, Álvaro Sebastião Teixeira et al. História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Escola. Brasília: Via Brasília, 2008. ROCHA, Rutch. O Amigo do Rei. Salamandra. s.ed., 2009. SANTOS, ANTONIO RAIMUNDO, Metodologia Científica a Construção do Conhecimento. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999 55 SCARPA, Regina. ERA ASSIM, AGORA NÃO. UMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES LEIGOS s.I. s.ed. LTDA, 1998 SILVA, Ana Célia da. Desconstruindo a Discriminação do Negro no Livro Didático. Salvador. EDUFBA, 2001. ______. A DESCONSTRUÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO NO LIVRO DIDÁDICO. In. MUNANGA, Kabengele. SUPERANDO O RACISMO NA ESCOLA. Ed. 2. Brasília.LTDA, 2008 VIGOTSKY, Lev Semenovich - FONTES, Martins 1896-1934. A Formação Social da Mente: o Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores. Ed.6. São Paulo. LTDA, 1998 7.2 WEBGRAFIA EDUCAÇÃO Infantil e Práticas promotoras de Igualdade Racial. São Paulo. 2012. Disponível em: <http://www.ceert.org.br/publicacoes2.php?id=85> Acessado em: 13 out. FELIPE, Delton Aparecido. O Negro no Pensamento Educacional Brasileiro Durante o Período de 1889 a 1930. [s.d]. Disponível em: < http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada7/_GT2%20PDF/ O%20NEGRO%20NO%20PENSAMENTO%20EDUCACIONAL%20BRASILEIRO%2 0DURANTE%20O%20PER%CDODO%20DE.pdf> Acesso em: 02 junho 2013. GOMES, Nilma Lino. Educação, relações étnico-raciais e a Lei 10.639/03. 2011. Disponível em: <http://www.geledes.org.br/> Acesso em: 23 maio 2013. GONÇALVES, Luciane Ribeiro Dias. EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS: O DESAFIO DA FORMAÇÃO DOCENTE. [s.d]. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT21-2372--Int.pdf> Acesso em: 16 abril 2013. IBGE; MEC. 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Os profissionais de sua equipe conhecem: 2- As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil? 3- As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicas raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana? 4- Há uma socialização, uma reunião interativa sobre o tema relações étnicas raciais com a equipe de profissionais, famílias e comunidade, para obter caminhos de transformação de uma prática que discrimina? Se a resposta for sim, como se da essa reunião? 5- Qual o envolvimento das famílias, da comunidade na construção do projeto político pedagógico? 6- Como a escola trabalha a representação étnica raciais nas imagens de crianças, famílias etc., nos murais da escola? 7- Você já presenciou algum professor com práticas discriminatórias racial com seu aluno? Quais intervenções foram feitas neste incidente discriminatório? 59 Para os professores 1- As questões da diversidade racial são tratadas na unidade educativa? Se a resposta for sim, o espaço físico, materiais disponíveis para as crianças, a utilização do tempo e as atividades desenvolvidas incluem a temática racial? Especifique. 2- De qual forma as famílias são incluídas nos projetos didáticos desenvolvidos com as crianças? 3- Museus físicos ou virtuais, espaços culturais, bibliotecas, escolas de samba, grupos de dança, capoeira, podem ser contatados para enriquecer o dia a dia das instituições educativas. O que existe em sua cidade de recursos que podem contribuir com o tema? 4- A instituição tem parceria com algum desses grupos? 5- Quais imagens predominam na decoração do espaço físico da escola, na sala de aula, nas paredes, murais, capas de livros e caixas, pastas, toalhas e cortinas da sua instituição? 6- Os materiais e sua disposição explicitam uma concepção de Educação Infantil centrada na criança, em seu bem-estar, autonomia e criatividade? Eles valorizam a diversidade racial? 7- Você já vivenciou ou presenciou alguma prática de discriminação racial entre alunos? Houve alguma intervenção? Se a resposta for sim, como se deu tal intervenção? 60