ACTA FARMACÊUTICA PORTUGUESA CIÊNCIA FARMACÊUTICA Secção Regional do Porto EDITORIAL PROCEDIMENTOS OPERATIVOS NORMALIZADOS PARA PESQUISA DE INFORMAÇÃO CLÍNICA SOBRE REAÇÕES ADVERSAS NO CONTEXTO DA INFEÇÃO VIH/SIDA NECESSIDADES REAIS DE IMPLEMENTAÇÃO DE NOVOS SERVIÇOES FARMACÊUTICOS CENTRADOS NO DOENTE TIPOS DE SERVIÇOS FARMACÊUTICOS CLÍNICOS: O QUE DIZEM AS REVISÕES SISTEMÁTICAS? EFEITO DA ADESÃO À TERAPÊUTICA NO ESTADO DA SAÚDE DO IDOSO SERVIÇOS FARMACÊUTICOS EM DOENTES COM INSUFICIÊNCIA RENAL CRÓNICA CUIDADOS FARMACÊUTICOS, UMA EXPERIÊNCIA, UMA OPINIÃO DOENÇAS RARAS E MEDICAMENTOS ÓRFÃOS Procedimentos Operativos Normalizados para pesquisa de informação clínica sobre reações adversas no contexto da infeção VIH/SIDA 1 ACTA FARMACÊUTICA PORTUGUESA Vol 1 N.º 2 Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 2 Procedimentos Operativos Normalizados para pesquisa de informação clínica sobre reações adversas no contexto da infeção VIH/SIDA ACTA FARMACÊUTICA PORTUGUESA Vol 1 N.º 2 www.ofporto.org Conselho Editorial Director Agostinho Franklim Marques Editores Associados João Paulo Sena Carneiro José Luís Martins Pedro Barata Coelho Susana Fraga Secretariado Maria Luís Santos Mariana Alves Conselho Científico Bruno Miguel Sepodes Delfim Fernando Santos Félix Dias Carvalho Fernando Fernandez-Llimós Fernando Ramos Franklim Marques Fátima Cerqueira Helder Mota-Filipe Isabel Vitória Figueiredo João Carlos Sousa Maria Margarida Caramona Natércia Aurora Teixeira Pedro Barata Coelho Rita Oliveira Rui Manuel Pinto A Acta Farmacêutica Portuguesa é uma revista de carácter científico que funciona na modalidade de revisão prévia dos textos submetidos ao corpo editorial constituído por peritos em anonimato mútuo (peer review). É essencialmente dirigida a Farmacêuticos e todos os que se interessam pelas Ciências Farmacêuticas. A Acta Farmacêutica Portuguesa abarca um vasto leque de questões relacionadas com as Ciências Farmacêuticas, publicando artigos de diferentes tipos: artigos de revisão, artigos originais, artigos sobre avanços nas Ciências Farmacêuticas, editoriais e opiniões. Periodicamente a Acta Farmacêutica Portuguesa publica números especiais dedicados a uma área em específico das Ciências Farmacêuticas. Procedimentos Operativos Normalizados para pesquisa de informação clínica sobre reações adversas no contexto da infeção VIH/SIDA 3 Editorial Franklim Marques Director Mais uma vez nos encontramos neste espaço, num contínuo de entusiasmo e de ânimo pela saída de mais um número da Acta Farmacêutica Portuguesa, o N.º 2 do Volume 1. Totalmente dedicada aos Cuidados Farmacêuticos, este número pretende cumprir os objetivos iniciais de criação de uma revista de índole científica focalizada em duas vertentes essenciais: Ciência Farmacêutica e Cuidados Farmacêuticos. Os Cuidados Farmacêuticos constituem para o farmacêutico a evolução natural e a essência do seu exercício profissional centralizado no doente, onde a responsabilização pelo mesmo durante o decurso do processo farmacoterapêutico, em ambiente de multidisciplinaridade e complementaridade de funções com outros profissionais de saúde, adquire foros de objetivas boas práticas em Saúde. A evolução de conhecimentos e dos saberes científicos e técnico-científicos constituem as raízes que suportam este propósito, e que balizam o caminho a prosseguir visando alcançar a excelência profissional. A Secção Regional do Porto da Ordem dos Farmacêuticos reitera e assume como seu objeto primeiro, o inalienável propósito de uma atividade profissional de reconhecida competência, capaz de intervir e atuar como uma mais-valia referencial em Saúde. E é com satisfação que vemos que outros compartilham as nossas ideias, que acreditam na importância de uma forte implementação dos Cuidados Farmacêuticos na melhoria dos cuidados de saúde e vêm a colaboração nesta revista como um meio de divulgação das bases e dos conhecimentos científicos e baseados na evidência que norteiam a sua actividade. As ideias iniciais que deram corpo a este projecto continuam bem sustentadas. O Conselho Editorial desta Revista a partir deste número fica mais rico e mais capaz de enfrentar os reptos a que se propõe ao passar a contar com novos membros no seu Conselho Científico. O saber e a competência profissional na área de actuação de cada um destes novos membros são por demais reconhecidos para validar este projecto. É ainda com entusiasmo que continuamos a encontrar autores de confirmados méritos pessoais nesta área do desempenho e do saber profissional, que connosco participam nesta viagem aos cuidados farmacêuticos. A Equipa Editorial continua a contar com a participação de todos num caminho que é de todos e para todos. Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 4 Procedimentos Operativos Normalizados para pesquisa de informação clínica sobre reações adversas no contexto da infeção VIH/SIDA Procedimentos Operativos Normalizados para pesquisa de informação clínica sobre reações adversas no contexto da infeção VIH/SIDA 5 Procedimentos Operativos Normalizados para pesquisa de informação clínica sobre reações adversas no contexto da infeção VIH/SIDA Abrantes C., MSc, PhD student, PharmD (1,2); Rama A. C., PhD, PharmD(1,2,3); Caramona M. M., PhD, PharmD(1,2); Meliço-Silvestre A., PhD, M.D.(6); Fernández-Llimós F., PhD, PharmD, MBA(4,5); Figueiredo I. V., PhD, PharmD(1,2) (1) Grupo de Farmacologia e Cuidados Farmacêuticos, Faculdade de Farmácia, Universidade de Coimbra, Pólo das Ciências da Saúde, Azinhaga de Santa Comba, 3000-548 Coimbra, Portugal. (2) Centro de Estudos Farmacêuticos (CEF), Faculdade de Farmácia, Universidade de Coimbra, Portugal. (3) Serviços Farmacêuticos, Hospitais da Universidade de Coimbra, E.P.E., Praceta Prof. Mota Pinto, 3000-075 Coimbra, Portugal. (4) Departamento de Sócio-Farmácia, Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa, Av. Prof. Gama Pinto, 1649-003 Lisboa, Portugal. (5) Research Institute for Medicines and Pharmaceutical Sciences (iMed.UL), Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa, Portugal. (6) Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra, Pólo das Ciências da Saúde, Azinhaga de Santa Comba, 3000-548 Coimbra, Portugal. Resumo A informação relativa aos resultados negativos da terapêutica anti retrovírica assume particular importância como condicionante não só da adesão à terapêutica como das opções terapêuticas. A aplicação prática da Medicina Baseada na Evidência à pesquisa da informação compreende a formulação de uma questão focalizada para obtenção da melhor evidência, avaliada com o recurso às ferramentas estatísticas sensibilidade e especificidade. Com o presente trabalho, pretendeu-se otimizar uma metodologia de pesquisa de informação sobre reações adversas da terapêutica anti retrovírica, na MEDLINE, procedendo à sua identificação na literatura disponível e à construção de equações de pesquisa num nível crescente de complexidade, com base numa estratégia de pesquisa genérica desenvolvida para a busca de informação sobre iatrogenia medicamentosa, para posterior comparação dos valores de sensibilidade e especificidade calculados. Os resultados obtidos identificam as reações adversas características dos fármacos anti retrovíricos, encontrando-se essa informação, fundamentalmente, em casos clínicos descritos na literatura. A originalidade do trabalho comprova e realça a necessidade de uma maior disponibilidade de informação para uma avaliação mais criteriosa da sua qualidade. Palavras-chave: Vírus de Imunodeficiência Humana (VIH); Síndroma de Imunodeficiência Adquirida (SIDA); Terapêutica anti retrovírica de alta eficácia; Reações Adversas; Medicina Baseada na Evidência. Abstract Information related to adverse effects of antiretroviral therapy can determine non-compliance and future therapeutic options. Evidence based practice includes a focalized clinical question to obtain the better information assessed by the parameters sensitivity and specificity. The main purpose of the work is the optimization of a systematic methodology of research clinical information about adverse effects of antiretroviral therapy, in MEDLINE database, with their identification in the literature and the construction of different search strategies to subsequent comparison of sensitivity and specificity values. A generic search strategy developed to find information related to drug iatrogenicity was considered as a reference to the development of search studied strategies. Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 6 Procedimentos Operativos Normalizados para pesquisa de informação clínica sobre reações adversas no contexto da infeção VIH/SIDA The results show the known adverse effects of antiretroviral agents that are mainly found in case reports. As the first work that approaches two different concepts simultaneously, adverse effects of antiretroviral therapy and evidence based medicine approach to search literature, it shows and reinforces the real need for more available information to a better assessment of its quality. Keywords: Human Immunodeficiency Virus (HIV); Acquired Immunodeficiency Syndrome (AIDS); Highly active antiretroviral therapy (HAART); Adverse Effects; Evidence Based Medicine. Introdução Desde a identificação do Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), agente causador de uma pandemia tornada crónica, muitas foram as estratégias desenvolvidas em prol da diminuição da morbilidade e mortalidade inerentes a esta doença ainda estigmatizante.1,2,3 O acompanhamento clínico, laboratorial e multidisciplinar na prevenção, diagnóstico e tratamento conferido e o acesso à terapêutica anti retrovírica contribuem decisivamente para o aumento da sobrevida dos doentes e redução da incidência de infeções oportunistas evidenciados nas tendências dos últimos números divulgados a nível mundial.4,5,6 A combinação de fármacos – terapêutica anti retrovírica de alta eficácia - com ação diferenciada na redução da replicação vírica, no aumento dos linfócitos T CD4+ e restabelecimento das defesas do hospedeiro, vem alterar drasticamente o curso natural da infeção com significativa melhoria da qualidade de vida dos doentes infectados.7,8 Apesar da eficácia demonstrada no controlo da infeção, o aparecimento de reações adversas decorrentes condicionam a adesão à terapêutica, o desenvolvimento de resistências e a perda de futuras opções de tratamento.1,8-10 A intervenção do farmacêutico na prevenção, identificação e gestão das reações adversas assume um papel preponderante na melhoria da adesão à terapêutica e dos resultados clínicos obtidos que se refletem numa melhor relação custo-efectividade.9 Alterações do peso com redistribuição da gor- dura corporal – lipodistrofia, disfunção associada ao aparecimento de hiperlipidémias, resistência à insulina, Diabetes Mellitus, síndrome metabólica, reações de hipersensibilidade, alterações cutâneas como a síndrome de Stevens-Johnson e necrose epidérmica tóxica, hepatotoxicidade como acidose láctica, esteatose hepática, nefrotoxicidade como litíase e insuficiência renal, pancreatite, alterações da densidade óssea, alterações hematológicas e manifestações psiquiátricas são exemplos de reações adversas frequentes, testemunhadas pelos doentes, que se agravam na presença de uma predisposição genética do indivíduo, de outras comorbilidades e de medicações concomitantes, possíveis indutoras de interações e toxicidades adicionais.7,9,11-13 A escassez de bibliografia publicada na área da iatrogenia medicamentosa e a necessidade de aquisição de competências nos campos da tecnologia e do conhecimento impulsionam a aplicação do conceito de Medicina Baseada na Evidência, definido como “o uso consciente, explícito e criterioso da evidência científica atualizada na tomada de decisões clínicas referentes ao doente individual”.14 Assim, na procura rápida de informação bibliográfica válida, as necessidades de informação subjacentes são convertidas na formulação de uma questão devidamente focada no problema em causa. A questão permite a construção de uma equação que será utilizada na pesquisa em fontes de informação devidamente credíveis e consideradas as mais adequadas para a obtenção da informação desejada. A avaliação da evidência disponível é a etapa seguinte na qual as características qualidade, relevância e Procedimentos Operativos Normalizados para pesquisa de informação clínica sobre reações adversas no contexto da infeção VIH/SIDA aplicabilidade têm de ser consideradas, recorrendose, para o efeito, por exemplo, a certas ferramentas como a sensibilidade e a especificidade. A sensibilidade traduz os resultados verdadeiros positivos, deteta toda a informação desejada, enquanto a especificidade traduz os resultados verdadeiros negativos, elimina a informação não desejada. Os resultados obtidos são aplicados naquele doente particular, tendo em conta as suas características e valores, contribuindo, assim, para uma melhoria da qualidade do serviço prestado.10 O trabalho desenvolvido teve como objetivo a otimização de uma metodologia sistematizada de pesquisa de Informação Clínica, na base de dados MEDLINE, relativa aos resultados clínicos negativos da terapêutica anti retrovírica, no âmbito da Medicina Baseada na Evidência. Para tal, foi dividido em duas partes em que, na primeira parte, se pretendeu identificar os resultados clínicos negativos da terapêutica anti retrovírica descritos na literatura e, na segunda parte, se procedeu à otimização da metodologia de pesquisa bibliográfica na MEDLINE, com a construção de diferentes equações de pesquisa, baseada numa estratégia de pesquisa genérica relativa à busca de informação sobre iatrogenia medicamentosa, e apreciação com base na relação entre os valores de sensibilidade e especificidade calculados para cada uma das equações de pesquisa criadas. Metodologia Na primeira parte do trabalho, foi efetuada uma pesquisa inicial com as palavras-chave “AIDS”, “adverse effects” e “case reports” combinadas com o operador booleano AND, em cinco bases de dados eletrónicas da área da saúde passíveis de fornecerem a informação pretendida: DIRLINE, Family Physicians Inquiries Network, Parkhurst Exchange, TRIP Database Plus, MEDLINE através do operador PubMed. Reportando-se exclusivamente à MEDLINE, procedeu-se a uma nova pesquisa bibliográfica com a construção de equações de pesquisa baseada numa 7 estratégia de pesquisa genérica desenvolvida na MEDLINE para a busca de informação relativa a iatrogenia medicamentosa.15 Esta estratégia de pesquisa reúne, com a ajuda dos operadores booleanos, termos ou expressões relativos ao fármaco, à situação clínica e tipo de estudo, recorrendo, para o efeito a um vocabulário especial disponibilizado pela MEDLINE, constituído pelas palavras-chave atribuídas a cada artigo aquando da sua indexação – Medical Subject Headings (MeSH), a qualificadores, termos ou expressões mais específicos na identificação dos artigos relacionados com a situação clínica e farmacológica – os subheadings, e a filtros metodológicos relativos ao tipo de estudo, disponíveis em MeSH e na PubMed (Figura 1). Desse modo, procedeu-se à seleção e combinação, com recurso aos operadores booleanos AND e OR, dos termos e/ou expressões relativos às três principais classes farmacológicas dos fármacos anti retrovíricos comercializados – inibidores da protease, inibidores da transcriptase reversa e inibidores da entrada, concretamente, inibidores da fusão; subheadings relativos a reações adversas - “adverse effects”, “toxicity”, “poisoning”, “contraindications”; filtros metodológicos relativos ao tipo de estudo, estudo de casos clínicos - “case reports”, “case-control studies”, “cohort studies”, limitandose a pesquisa à área da infeção VIH / SIDA, funcionalidade permitida pela base de dados. Com os dados obtidos foram identificadas as reações adversas mais frequentemente descritas na literatura. Na segunda parte do trabalho, com base na estratégia de pesquisa genérica, foram construídas novas equações de pesquisa em três fases escalonadas num nível crescente de complexidade, para posterior comparação dos resultados. Na primeira fase, foram construídas equações de pesquisa globais nas quais se combinaram expressões relativas às três classes farmacológicas, disponíveis em MeSH, em separado e em conjunto, com os subheadings relativos a reações adversas utilizados anteriormente. Considerando apenas Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 8 Procedimentos Operativos Normalizados para pesquisa de informação clínica sobre reações adversas no contexto da infeção VIH/SIDA Várias abordagens devem ser utilizadas para localizar informação em situações de iatrogenia medicamentosa Exemplo: Utilizar o MeSH, subheadings e limites quando disponível Várias abordagens devem ser utilizadas para localizar informação em situações de iatrogenia medicamentosa Exemplo: Utilizar o MeSH, subheadings e limites quando disponível Relativos ao fármaco Em [Subheading]… Adverse effects – AE Toxicity – TO Poisoning – PO Contraindications – CT AND “Fármaco” [MeSH] … Ligados com OR Relativos à situação Em [Subheading]… Em [MeSH]… AND Abnormalities – AB Chemically induced – CI Epidemiology – EP Etiology – ET Mortality – MO Drug effects – DE Risk “Sinal ou sintoma ou órgão / sistema” [MeSH] … Ligados com OR Relativos ao tipo de estudo – Filtro qualitativo estudo de casos Em [MeSH]… … Ligados com AND Case control studies Cohort studies Em [Publication type]… Case reports … Ligados com OR Relativos ao tipo de estudo – Filtro qualitativo revisões sistemáticas Em [MeSH]… Review literature Em [Publication type]… Review Meta-analysis Em [Subject type]… Systematic … Ligados com OR Relativos ao tipo de estudo – Filtro qualitativo ensaios clínicos Em [MeSH]… Random allocation Product Surveillance, Postmarketing Clinical trials Em [Publication type]… Randomized controlled trial … Ligados com OR 21 Figura 1 – Estratégia de pesquisa genérica desenvolvida na MEDLINE para a busca de informação relativa a iatrogenia medicamentosa Procedimentos Operativos Normalizados para pesquisa de informação clínica sobre reações adversas no contexto da infeção VIH/SIDA os artigos obtidos com indexação na base de dados até Dezembro de 2007, recorreu-se ao programa informático Endnote para onde foram importados e organizados em libraries com exclusão dos duplicados. Mediante a análise do título e resumo / abstract de cada artigo, estes foram divididos em dois grupos – o grupo de artigos diretamente relacionados com reações adversas, também designado de grupo GOLD STANDARD, e o grupo de artigos não diretamente relacionados com reações adversas. Para cada equação de pesquisa, foram calculados os valores percentuais de sensibilidade e especificidade. A sensibilidade traduz a percentagem de artigos obtidos na estratégia de pesquisa que coincidem com os artigos pertencentes ao grupo GOLD STANDARD, e a especificidade traduz a percentagem de artigos não pertencentes ao grupo GOLD STANDARD nem obtidos na estratégia de pesquisa (Tabela 1). Ainda e apenas na primeira fase, foram recolhidas as palavras-chave indexadas em MeSH relativas à situação clínica, mais frequentemente referenciadas no grupo GOLD STANDARD de cada equação de pesquisa, sendo estes dados exportados para o programa Microsoft Excel. Na segunda fase, foi adicionada às equações de pesquisa anteriores uma nova parcela, o filtro qualitativo metodológico relativo ao tipo de estudo – estudo de casos (“case reports”, “case control studies”, “cohort studies”), revisões sistemáticas 9 (“systematic”, “review”, “review literature”, “metaanalysis”), ensaios clínicos aleatorizados (“clinical trials”; “random allocation”; “product surveillance, postmarketing”; “randomized controlled trial”), repetindo-se os restantes passos descritos. Na terceira fase, foram construídas novas equações de pesquisa às quais se adicionaram a parcela relativa às palavras-chave relativas à situação clínica indexadas em MeSH recolhidas na primeira fase, e novos subheadings relativos à situação clínica, também disponíveis em MeSH – “chemically induced”, “abnormalities”, “drug effects”, repetindo-se os passos descritos. A Figura 2 simplifica a descrição do método efectuado. Resultados Na primeira parte do trabalho, a pesquisa inicial efetuada apenas surtiu resultados na base de dados MEDLINE, através do operador PubMed. Com as equações de pesquisa construídas com base na estratégia de pesquisa genérica, obtiveramse 547 artigos dos quais somente 170 artigos se encontravam disponíveis em texto integral. Analisando o seu conteúdo, foram identificadas as reações adversas mais frequentemente descritas, como mostra a Tabela 2. Tabela 1. Cálculo percentual da sensibilidade e especificidade. “Gold standard” SIM NÃO Resultados da estratégia SIM a b de pesquisa NÃO c d Sensibilidade = a / (a+c) Especificidade = d / (b+d) a = artigos obtidos na estratégia de pesquisa coincidentes com o grupo “gold standard” b = artigos obtidos na estratégia de pesquisa não coincidentes com o grupo “gold standard” c = artigos pertencentes ao grupo “gold standard” não obtidos na estratégia de pesquisa d = artigos não pertencentes ao grupo “gold standard” e não obtidos na estratégia de pesquisa a+b = número de artigos obtidos para cada estratégia de pesquisa a+c = número de artigos que se incluem no grupo “gold standard” Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Procedimentos Operativos Normalizados para pesquisa de informação clínica sobre reações adversas no contexto da infeção VIH/SIDA 3ª 2ª F F 1ª S E “Protease inhibitors” “Reverse transcriptase inhibitors” “Fusion inhibitors” F AND A A S E A Classe farmacológica S E Subheadings relativos a “reações adversas” “Adverse effects” “Toxicity” “Poisoning” “Contraindications” Ligados por OR AND Filtro metodológico relativo ao tipo de estudo Estudo de casos Revisões sistemáticas “Case reports” “Case-control studies” “Cohort studies” “Review literature” “Review” “Meta-analysis” “Systematic” Ligados por OR Ligados por OR Ensaios clínicos aleatorizados “Clinical trial” “Random allocation” “Product surveillance, postmarketing” Ligadoscontrolled por OR trial” “Randomized AND Palavras-chave relativas à situação clínica indexadas em MeSH (ligadas por OR) AND Subheadings relativos à situação clínica “Abnormalities” “Chemically induced” “Drug effects” Ligados por OR Figura 2 – Construção das equações de pesquisa em três fases de complexidade crescente com Construção das equações de pesquisa Figura II.base numa estratégia de pesquisa genérica.em três fases de complexidade crescente com base numa estratégia de pesquisa genérica. Na segunda parte do trabalho, a otimização da metodologia de pesquisa avaliada com base na relação entre os valores de sensibilidade e especificidade decorreu em três fases, para comparação dos resultados, considerando-se, para o efeito, os artigos indexados na base de dados até Dezembro de 2007. Na primeira fase, com as equações de pesqui- sa construídas foram obtidos 3252 artigos, dos quais 1543 são artigos diretamente relacionados com reações adversas e 1709 artigos não diretamente relacionados com reações adversas. Na segunda fase, com a inclusão do filtro metodológico relativo ao tipo de estudo, obtiveram-se os seguintes resultados, tendo em conta a classe 22 Procedimentos Operativos Normalizados para pesquisa de informação clínica sobre reações adversas no contexto da infeção VIH/SIDA farmacológica: com as equações de pesquisa que incluem inibidores da protease foram obtidos 945 artigos, dos quais 534 são artigos diretamente relacionados com reações adversas e 411 artigos não diretamente relacionados com reações adversas; com as equações de pesquisa que incluem inibidores da transcriptase reversa foram obtidos 938 artigos, dos quais 475 são artigos diretamente relacionados com reações adversas e 463 artigos não diretamente relacionados com reações adversas; com as equações de pesquisa que incluem inibidores da fusão foram obtidos 53 artigos, dos quais 13 são artigos diretamente relacionados com reações adversas e 40 artigos não diretamente relacionados com reações adversas. ��� Na terceira fase, com a adição das palavraschave e novos subheadings relativos à situação clínica, obtiveram-se os seguintes resultados, tendo em conta a classe farmacológica: com as equações de pesquisa que incluem inibidores da protease foram obtidos 408 artigos, dos quais 353 são artigos diretamente relacionados com reações adversas e 55 artigos não diretamente relacionados com reações adversas; com as equações de pesquisa que incluem inibidores da transcriptase reversa foram obtidos 375 artigos, dos quais 287 são artigos diretamente relacionados com reações adversas e 88 artigos não diretamente relacionados com reações adversas; com as equações de pesquisa que incluem inibidores da fusão foi obtido um único artigo. Tabela 2 – Reacções adversas relativas à terapêutica anti retrovírica mais frequentemente descritas na MEDLIN/PubMed Efeitos adversos Grupo farmacológico INIBIDORES ENTRADA (INIBIDORES FUSÃO) Informações a salientar Reações de hipersensibilidade cutâneas Hepatotoxicidade INIBIDORES TRANSCRIPTASE REVERSA ANÁLOGOS DE NUCLEÓSIDOS INIBIDORES TRANSCRIPTASE REVERSA NÃO ANÁLOGOS DE NUCLEÓSIDOS INIBIDORES TRANSCRIPTASE REVERSA ANÁLOGOS DE NUCLEÓTIDOS INIBIDORES PROTEASE Sintomas maníacos Reações de hipersensibilidade Hiperlactatémia / acidose láctica Miopatia Lipodistrofia Ototoxicidade Mielotoxicidade Lipodistrofia Ginecomastia Sintomas maníacos Complicações hematopoiéticas Hiperlactatémia Reações cutâneas (rash, DRESS, síndroma Stevens-Johnson) Nefrotoxicidade Osteomalácia Acidose láctica Patologias reumatológicas Hiperpigmentação do cabelo, unhas e pele e outras reações cutâneas Hiperlipidémia Lipodistrofia Hipertensão e outras alterações cardíacas Atrofia renal, nefropatia tubulointersticial, urolitíase Diabetes Mellitus Alterações hematológicas Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Procedimentos Operativos Normalizados para pesquisa de informação clínica sobre reações adversas no contexto da infeção VIH/SIDA Tabela 3 – Valores percentuais de sensibilidade e especificidade obtidos com as diferentes equações de pesquisa para as classes farmacológicas 1ª Fase 2ª Fase Casos Revisões Ens. Sit. + Clínicos Casos Inibidores S = 60,3 S = 73,6 S = 21,5 S = 4,9 S = 70,0 da protease E = 46,1 E = 55,0 E = 69,8 E = 75,2 E = 45,4 Inibidores da transcriptase S = 38,2 S = 67,4 S = 25,3 S = 7,4 S = 61,0 reversa E = 57,6 E = 54,9 E = 67,2 E = 78,0 E = 35,2 Inibidores da fusão S = 1,4 E = 96,3 S = 77,0 E = 82,5 S = 15,4 E = 45,0 S = 7,7 E = 72,5 3ª Fase Sit. + Sit. + Revisões Ens. Clínicos S = 24,4 E = 71,0 S = 5,7 E = 83,6 S = 30,3 E = 75,0 S = 8,7 E = 89,9 Valores não calculados devido a um único artigo obtido S = sensibilidade (em percentagem) E = especificidade (em percentagem) Casos, Revisões, Ens. Clínicos = filtro qualitativo correspondente aos três tipos de estudo (estudo de casos, revisões sistemáticas, ensaios clínicos aleatorizados) Sit. = palavras-chave mais frequentes relativas à situação clínica, indexadas em MeSH Os valores percentuais de sensibilidade e especificidade calculados para cada uma das equações de pesquisa encontram-se sintetizados na Tabela 3. O valor máximo de sensibilidade obtido foi de 77,0% e o valor máximo de especificidade obtido foi de 96,3%. O valor mínimo de sensibilidade obtido foi de 1,4% e o valor mínimo de especificidade obtido foi de 35,2%. Discussão dos resultados A necessidade de inclusão de informação clínica relativa a reações adversas na literatura científica serviu de mote para o desenvolvimento do trabalho, salientando-se o papel do doente na deteção e comunicação imediata à equipa de profissionais de saúde que procedem à sua confirmação.16,17,18 Para tal, o seguimento das diretrizes para publicação de relatos de casos clínicos facilita na orientação da recolha dos dados considerados essenciais, desejáveis e relevantes para o doente, para o(s) fármaco(s) e para o(s) efeito(s) adverso(s).19 Na primeira parte do trabalho, as reações adversas identificadas correspondem às reações adversas características dos fármacos anti retrovíricos. Contudo, a amostra de artigos obtidos é pouco significativa, acentuando-se com a dificuldade no acesso ao seu texto integral e a restrição da pesquisa à MEDLINE / PubMed pela sua gratuitidade. Por outro lado, atendendo à insuficiente clarificação da classificação ATC em relação aos fármacos inibidores da entrada pela sua recente descoberta, apenas foi encontrada a informação pretendida para os fármacos inibidores da fusão. Na segunda parte do trabalho, seguindo a estratégia para a pesquisa de resultados clínicos negativos desenvolvida por Loke e colaboradores20 e o método aplicado por Rama15 na área da Teratologia, construíram-se diferentes equações de pesquisa em três fases de complexidade crescente com a inclusão e combinação sucessiva de termos e/ou expressões relativas à classe farmacológica, tipo de estudo e situação clínica com vista à obtenção de valores de sensibilidade e especificidade que evidenciem a otimização da metodologia empregue. A pesquisa efetuada, restrita à MEDLINE / PubMed, originou um grande número de artigos, diminuindo à medida que aumenta a complexidade das equações construídas. Os artigos considerados são os publicados até Dezembro de 2007, visto as pu- Procedimentos Operativos Normalizados para pesquisa de informação clínica sobre reações adversas no contexto da infeção VIH/SIDA blicações datadas de 2008 poderem ainda não estar indexadas na MEDLINE. O número de artigos relativos às reações adversas associadas aos fármacos inibidores da fusão é muito mais reduzido comparativamente ao número de artigos relativos às reações adversas associadas aos fármacos inibidores da protease e aos fármacos inibidores da transcriptase reversa, podendo atribuir-se esse facto ao seu aparecimento mais recente no mercado e à ausência de resultados relativos aos novos fármacos inibidores da entrada. Em relação aos inibidores da transcriptase reversa, a sua diferenciação em análogos dos nucleósidos, análogos dos nucleótidos e não análogos dos nucleósidos não foi tida em conta. Aquando da divisão dos artigos em dois grupos metodologicamente distintos para o posterior cálculo dos valores de sensibilidade e especificidade, com exceção da primeira fase, o número de artigos diretamente relacionados com reações adversas excedeu o número de artigos não diretamente relacionados com reações adversas. O procedimento efetuado pode ter originado uma omissão inadvertida de artigos importantes por subjetividade e escolha incorreta de subheadings. Os valores máximos de sensibilidade e de especificidade foram obtidos com equações de pesquisa que incluem a classe farmacológica inibidores da fusão, variando em maior proporção a sensibilidade comparativamente à especificidade. Os valores de sensibilidade são mais elevados nas equações que incluem o tipo de estudo estudo de casos. Os valores de especificidade, na generalidade, aumentam de fase para fase com exceção das equações que incluem inibidores da fusão. Regista-se uma variação crescente dos valores de especificidade nas equações que incluem o tipo de estudo na ordem: estudo de casos, revisões sistemáticas, ensaios clínicos aleatorizados. Dada a originalidade do trabalho desenvolvido, não foi encontrada literatura que aborde, simultaneamente, o mesmo objeto de estudo e a mesma metodologia de pesquisa para comparação e discussão mais detalhada dos resultados. ��� O recurso à metodologia utilizada foi visível nalguns estudos nos quais se destaca a criação do grupo GOLD STANDARD e a obtenção de melhores resultados no que diz respeito à sensibilidade e especificidade. De qualquer modo, foram observadas múltiplas diferenças: o objeto de estudo era distinto, as equações de pesquisa construídas incluíam outros termos MeSH, outros termos e/ou expressões recolhidos no título e resumo dos artigos, outros termos relativos ao tipo de estudo e o emprego de outros subheadings; o número de artigos analisados é muito reduzido; as bases de dados bibliográficas utilizadas são diferentes e não tão vastas como a MEDLINE, ou quando se recorre a esta, o operador em causa não é a PubMed; a validação da metodologia era diferente com recurso a outros parâmetros.10 Conclusões O objeto de estudo utilizado, o número de artigos trabalhados, a metodologia aplicada e apreciação subjacente com o recurso ao cálculo percentual de sensibilidade e especificidade, marcos da originalidade do trabalho desenvolvido, permitem afirmar que a informação relativa a resultados clínicos negativos da terapêutica anti retrovírica se encontra, fundamentalmente, em casos clínicos na literatura, salientando a importância do filtro metodológico relativo ao tipo de estudo. O contacto direto com os doentes infetados ou a consulta dos seus processos clínicos para análise das reações adversas relatadas ou o contacto com os respetivos profissionais de saúde para obtenção de sugestões de termos ou expressões empregues na sua prática diária, a utilizar futuramente na construção de equações de pesquisa mais sofisticadas, constituem possíveis passos a seguir com vista à melhoria dos resultados obtidos. Por outro lado, comprova-se e reforça-se a necessidade de uma melhor gestão do risco dos resultados clínicos negativos da terapêutica com maior disponibilidade de informação para uma avaliação mais criteriosa da sua qualidade em termos de fiabiActa Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Procedimentos Operativos Normalizados para pesquisa de informação clínica sobre reações adversas no contexto da infeção VIH/SIDA lidade, clareza, objetividade, validade e aplicabilidade; daí a mais-valia da aquisição de conhecimentos por parte do farmacêutico e outros profissionais de saúde na busca da evidência atualizada em fontes de informação credíveis para a satisfação rápida e simplificada das necessidades permanentes dos utentes. Referências Bibliográficas 1. Moreno S, Aldeguer JL, Arribas JR, Domingo P, et al. ������������������������������������������� The future of antiretroviral therapy: challenges and needs. J Antimicrob Chemother. 2010;65:827-35. 2. Chao SH. 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(3) Departamento de Sócio-Farmácia, Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa, Av. Prof. Gama Pinto, 1649-003 Lisboa, Portugal. (4) Research Institute for Medicines and Pharmaceutical Sciences (iMed.UL), Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa, Portugal. (1) Resumo Novos fármacos mais potentes e complexos, menor disponibilidade de médicos e menor acessibilidade ao serviço de saúde, morbilidade e mortalidade relacionadas com medicamentos sempre a aumentar e custos significativos relacionados com o uso incorrecto dos medicamentos justificam plenamente um profissional focado apenas na gestão de toda a medicação do doente. O medicamento é um bem precioso, mas os doentes necessitam de aprender a utilizá-lo. Porventura será essa uma das mais-valias que o farmacêutico, enquanto especialista do medicamento, poderá aportar actualmente ao sistema de saúde: a promoção do uso racional do medicamento, tal como inscrito na legislação em vigor. Uma correcta utilização do medicamento diminuirá significativamente os resultados negativos da farmacoterapia, que se podem manifestar quer como problema de saúde não tratado quer como inefectividade ou insegurança. Os cuidados farmacêuticos correspondem a uma filosofia de actuação assistencial centrada no doente em que o farmacêutico, integrado na equipa de saúde, assume as suas responsabilidades perante a medicação. Concretiza-se em serviços farmacêuticos que, numa atitude preventiva, identificam e actuam sobre factores de risco existentes durante o processo de uso dos medicamentos – dispensa farmacêutica, indicadores de morbilidade prevenível, revisão da medicação – e em serviços que, numa atitude reactiva, identificam resultados negativos e actuam sobre as suas causas – acompanhamento farmacoterapêutico, gestão da doença. O farmacêutico clínico terá de desenvolver novas competências: comunicação, busca de informação, sentido crítico, comportamento ético, trabalho em equipa, liderança. E terá, mais do que nunca, de ser tecnicamente competente: sólida formação em biologia celular, bioquímica, anatomofisiologia, fisiopatologia, farmacologia e farmacoterapia. Terá ainda de aprender a sistematizar e a registar a sua actuação consoante o tipo de serviço prestado. A principal barreira a vencer será a da sua própria mentalidade. Estes não serão apenas novos caminhos de realização profissional: serão respostas concretas a situações reais dos doentes, que desta forma serão melhor cuidados. Palavras Chave: cuidados farmacêuticos; serviços farmacêuticos; farmacoterapia; resultados clínicos negativos; doente. Abstract While new more potent and complex pharmaceutical agents are becoming available, increasing demands on doctors and the health care system, the increase of drug related morbidity and mortality Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Necessidades reais de implementação de novos serviços farmacêuticos centrados no doente throughout the world and rising costs related with the incorrect use of medicines make it clear that the identification of a practitioner who is available to focus on the management of all of a patient’s medicines would be an important asset to the future of human health. Medicines are precious, but patients need to learn how to use them. It is possible that this will be one of the advantages that the pharmacist, as a medicine specialist, will bring to the health system, i.e. the promotion of the rational use of medicines as laid down in legislation. The correct use of medicines will significantly decrease the negative outcomes of pharmacotherapy, namely untreated health problems, ineffective treatment and unsafe treatment. Pharmaceutical care is a patient-centered philosophy of assistential practice in which the pharmacist, as a health care team member, has responsibilities in patient medication. There are pharmaceutical services that monitor the process of the use of medicines from a preventive standpoint, identifying risk factors and acting within their constraints – dispensing, preventable morbidity indicators, medication review – and there are pharmaceutical services that monitor the outcomes from a reactive standpoint, identifying negative clinical outcomes and acting on their causes – pharmacotherapy follow-up, disease management. The clinical pharmacist will have to develop new competencies in communication, information retrieval, critical analysis, ethical behavior, teamwork and leadership. And, more than ever, the clinical pharmacist will have to be technically competent, which requires solid training in cellular biology, biochemistry, anatomophysiology, physiopathology, pharmacology and pharmacotherapy. The assistential pharmacist will have to learn to systematize and to register its action in each type of service carried out. The main barrier that he will have to overcome will be his own mind. This will not only provide new ways of boosting the professional satisfaction of the clinical pharmacist but will also provide concrete answers to the real situations of patients, who will ultimately receive better care. Key words: pharmaceutical care; pharmaceutical services; pharmacotherapy; negative clinical outcomes; patient. A sociedade atual do conhecimento e da tecnologia necessita urgentemente de voltar a sentir a essência do humano. O nosso mundo precisa de ser cuidado. A arte de saber cuidar é uma questão de atitude, mais do que um conjunto de actos que se sobrepõem. Quem cuida ocupa-se, preocupa-se, responsabiliza-se e envolve-se com o outro. Em tempos mais antigos, o farmacêutico era o boticário que, no seu cantinho, manipulava e dispensava os remédios que o médico utilizava para lidar com a doença. Com a industrialização, a farmácia transformou-se numa actividade quase exclusivamente comercial, uma vez que os medicamentos passaram a ser produzidos em fábrica e o espaço da farmácia ficou a servir apenas para a sua venda. Hoje, perante as profundas alterações políticas, económicas e sociais a que assiste, o farmacêutico pro- cura novos caminhos de realização. O profissional especialista do medicamento parte exactamente dessa realidade para encontrar o seu lugar natural na equipa de profissionais de saúde que têm a sua razão de ser no doente. Haverá espaço, na sociedade em que vivemos, para este farmacêutico que quer exercer, na especificidade da sua formação, a arte de cuidar da pessoa doente? É o que vamos procurar responder ao longo desta reflexão. 1.Identificação das necessidades de saúde da população Os avanços da ciência e da tecnologia nas últimas décadas têm sido relevantes, tendo dado origem a uma Nova Medicina.1 Fármacos cada vez mais Necessidades reais de implementação de novos serviços farmacêuticos centrados no doente potentes e complexos, novas técnicas de diagnóstico e terapêutica, os avanços da imagiologia, a nanomedicina, a medicina molecular e a genómica, tudo tem contribuído para este admirável mundo novo que permitiu, nas sociedades ocidentais, no último meio século, um aumento da esperança média de vida notável, tanto em termos quantitativos como qualitativos. Neste novo paradigma da medicina, o medicamento continua a ocupar o lugar primordial. Ainda não fez um século a descoberta da insulina (1936), da penicilina (1941) ou da vacina contra a poliomielite (1955), mas hoje não conseguiríamos viver num mundo sem estes “aliados”. Seja para curar, controlar ou prevenir a doença, o medicamento aparece como um companheiro de jornada que se torna imprescindível a uma vida longa e com qualidade. Curiosamente, não basta tomar um medicamento para que surja a saúde no seu sentido mais amplo, tal como a definiu a Organização Mundial de Saúde: “Saúde é um estado de completo bemestar físico, mental e social e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”.2 É preciso que, desse medicamento, o doente consiga retirar o máximo benefício sem qualquer prejuízo. E isso nem sempre acontece. Porque são múltiplas as variáveis em causa, desde a não correcta utilização do medicamento até à complexa realidade da politerapia e, consequentemente, à possibilidade de ocorrerem interacções medicamentosas com relevância clínica. É um facto que o consumo de medicamentos corresponde, atualmente, a uma fração importante do orçamento da saúde (a percentagem da despesa em medicamentos na despesa global em saúde foi de 18,5% em 2009).3 Porventura, é também o alvo mais fácil de atingir com as políticas de austeridade inevitáveis nestes tempos de profunda crise económica que atravessamos. Mas não basta reduzir o preço dos medicamentos. É fundamental que isso seja acompanhado de benefícios reais para a saúde das populações. E só usando bem os medicamentos é que as pessoas podem ficar tratadas, com as suas doenças clinicamente controladas, e só assim ��� se consegue efetivamente reduzir as despesas em saúde. Analisemos o que se passa em Portugal no que respeita a doenças tão comuns como a hipertensão, a diabetes ou as doenças respiratórias: - Num estudo realizado em 2003, Espiga de Macedo revela que 42,1% da população portuguesa entre os 18 e os 90 anos é hipertensa, mas 53,9% desses indivíduos desconhecem a sua doença. Dentro dos hipertensos diagnosticados, apenas 39,0% usam regularmente medicação anti-hipertensora e, destes, apenas 28,9% têm a pressão arterial controlada. No total dos hipertensos diagnosticados, apenas 11,2% estão controlados.4 - O relatório do Observatório Nacional da Diabetes relativo a 2010 revela que a prevalência da diabetes entre os 19 e os 79 anos de idade atinge os 12,4%, mas 44% desses diabéticos desconhece a sua doença (só 56% estão diagnosticados). O mesmo relatório revela ainda que a importância da diabetes nas causas de morte aumentou ligeiramente durante os últimos quatro anos, verificando-se que os óbitos por esta doença aumentaram 1,5% na última década. Paralelamente, o consumo de medicamentos para a diabetes cresceu cerca de 78% entre 2000 e 2009, devido não só ao aumento da prevalência da doença como também ao aumento do número e da proporção de pessoas tratadas, bem como das dosagens médias utilizadas nos tratamentos.5 – O relatório do Observatório Nacional das Doenças Respiratórias com os dados de 2010 revela uma tendência clara para o aumento da prevalência destas doenças, ao contrário do que acontece com outras patologias, nomeadamente as cardiovasculares. As doenças respiratórias continuam a ser uma das principais causas de morbilidade e mortalidade em Portugal. As doenças respiratórias crónicas atingem 40% da população portuguesa: asma 10%, rinite 25% e doença pulmonar obstrutiva crónica 14,2% das pessoas com mais de 40 anos.6 Estes dados revelam duas realidades preocupantes: por um lado, o desconhecimento de muitos indivíduos em relação à sua doença, o que implica que não estejam a ser devidamente tratados; por Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Necessidades reais de implementação de novos serviços farmacêuticos centrados no doente outro lado, um número, por vezes significativo, de pessoas sujeitas a terapêutica que não têm a doença controlada nem aparentam o tal bem-estar físico, mental e social que define saúde no seu sentido mais lato. Acresce a tudo isto a problemática da iatrogenia medicamentosa, que ganha tanto mais relevo quanto mais envelhecida é a população, maior a polimedicação e mais abundante a utilização de fármacos novos e mais potentes. A notificação de reacções adversas graves tem vindo a aumentar exponencialmente na última década, levando à retirada do mercado de diversos medicamentos e colocando muitos outros sob uma vigilância mais apertada.7 Mas voltemos ao tema do medicamento e da sua utilização por parte das populações. Entre 2004 e 2009 o consumo de medicamentos per capita no mercado total português aumentou 9,2%.3 É um facto que a acessibilidade ao medicamento tem-se tornado cada vez mais universal. Por que razão, então, é que os doentes que têm acesso aos medicamentos nem sempre vêem os seus problemas de saúde resolvidos? O medicamento é um bem precioso, mas os doentes necessitam de aprender a utilizá-lo. Porventura será essa uma das mais-valias que o farmacêutico, enquanto especialista do medicamento, poderá aportar atualmente ao sistema de saúde: a promoção do uso racional do medicamento.8 O medicamento correctamente utilizado permitirá que se atinjam os objectivos terapêuticos, sejam eles a cura da doença, a eliminação ou redução dos sintomas a ela associados, o retardar da progressão ou a prevenção da mesma. Uma boa utilização do medicamento diminuirá significativamente os resultados negativos da farmacoterapia, que se manifestam por alterações para pior no estado de saúde do doente. Estes resultados clínicos negativos podem ser consequência dos medicamentos tomados ou da falta deles (problema de saúde não tratado), que se revelam pelo não alcançar dos objetivos terapêuticos – inefetividade por tratamento ou dosagem insuficientes, interacções medicamentosas, desenvolvimento de tolerância, não adesão à terapêutica, resistência ao tratamento, falhas técnico-científicas, falta de acompanhamento do doente – e/ou no aparecimento ou agravamento de efeitos não desejados – insegurança. Atualmente, o doente necessita de um profissional de saúde empenhado em detectar, resolver e prevenir problemas relacionados com os medicamentos, ajudando-o a evitar todas as situações que, durante o processo de uso dos medicamentos, podem causar o aparecimento de resultados negativos. As populações modernas necessitam de equipas de saúde que envolvam profissionais empenhados num trabalho conjunto com os doentes no estabelecimento de um plano de cuidados. E os cuidados farmacêuticos surgem naturalmente, não apenas como uma resposta às necessidades profissionais dos farmacêuticos, mas principalmente como resposta a uma necessidade social objectiva: os doentes têm resultados clínicos negativos da farmacoterapia e os farmacêuticos devem procurar resolvê-los. 2.Serviços farmacêuticos centrados no doente como resposta às necessidades de saúde da população Novos fármacos, cada vez mais potentes e complexos, menor disponibilidade de médicos e acessibilidade ao serviço de saúde, morbilidade e mortalidade relacionadas com medicamentos sempre a aumentar em todo o mundo e custos significativos relacionados com o uso incorrecto dos medicamentos justificam plenamente um profissional focado apenas na gestão de toda a medicação do doente.9 Os cuidados farmacêuticos correspondem a uma filosofia de actuação assistencial centrada no doente em que o farmacêutico, integrado na equipa de saúde, assume as suas responsabilidades perante a medicação, assegurando que cada doente recebe a terapêutica farmacológica conveniente, apropriada, efectiva e segura de que necessita para tratar, controlar ou prevenir a sua doença.10 Os profissionais que os realizam devem seguir uma metodologia sistematizada e abrangente do doente, do problema Necessidades reais de implementação de novos serviços farmacêuticos centrados no doente de saúde que ele apresenta e da terapêutica que faz, metodologia essa que depois varia consoante o tipo de serviço prestado. Partindo da definição mais frequente para cuidados de saúde – prevenção, tratamento e gestão da doença, assim como preservação do bem-estar físico e mental do doente, através de serviços que lhe são prestados pelos profissionais de saúde – os cuidados farmacêuticos podem simplesmente definir-se como sendo a prevenção, o tratamento e a gestão da doença, assim como a preservação do bem-estar físico e mental do doente, através de serviços que lhe são prestados pelos farmacêuticos. Passando da filosofia à prática, identifiquemos e caracterizemos sucintamente tais serviços. Note-se que alguns são serviços que não têm necessariamente de envolver cedência de medicamentos, pelo que podem ser realizados fora da estrutura física de uma farmácia. Uma possível classificação dos serviços farmacêuticos assistenciais baseia-se no facto de se dirigirem à população em geral ou ao doente em particular. No primeiro grupo, inserido no âmbito da saúde pública, incluem-se serviços de educação/promoção da saúde e de informação/aconselhamento sobre medicamentos; no segundo grupo, centrado no doente individual, e com o objectivo último de otimização da terapêutica, inserem-se serviços variados que incluem serviços básicos como a informação sobre medicamentos, o aconselhamento farmacêutico, a educação para a saúde, a promoção da adesão à terapêutica, a farmacovigilância, a elaboração de medicamentos magistrais, a dispensa farmacêutica e a indicação farmacêutica, e serviços diferenciados como a revisão da medicação, a gestão da doença e o acompanhamento farmacoterapêutico.11 No entanto, uma outra forma, a nosso ver mais útil, de classificar os serviços farmacêuticos clínicos divide-os em serviços que monitorizam o processo de uso do medicamento e serviços que monitorizam os resultados.12 Os primeiros assumem uma atitude preventiva, identificando e actuando sobre factores de risco existentes durante o processo de uso dos medicamentos. Neste grupo salientam-se: ��� a dispensa farmacêutica,13 que é o garante de que o doente vai fazer uso apropriado do medicamento; os indicadores de morbilidade prevenível,14 que incluem situações clínicas ou medicamentos que só por si alertam para eventuais resultados negativos para o doente; e a revisão da medicação,15,16 que consiste na procura sistemática do uso racional dos medicamentos diante do perfil farmacoterapêutico do doente, identificando sistematicamente factores de risco de resultados clínicos negativos. O segundo grupo de serviços assume uma atitude reactiva, identificando resultados clínicos negativos e actuando sobre as suas causas. Neste grupo, que monitoriza os resultados, incluem-se: o acompanhamento farmacoterapêutico,17,18 que procura identificar, mediante a avaliação de um perfil farmacoterapêutico completo, resultados clínicos negativos da farmacoterapia, procurando resolvê-los mediante intervenções sucessivas, que poderá ser eliminando a causa ou não; e a gestão da doença,19 que é um serviço semelhante ao do acompanhamento farmacoterapêutico mas que se foca apenas na gestão da doença crónica do indivíduo (asma, diabetes, hipertensão, entre outras). É legítimo, neste momento, colocar a questão: serão estes serviços capazes de efectivamente dar resposta às necessidades de saúde da população? Uma revisão sistemática e meta-análises que avaliam os efeitos dos cuidados farmacêuticos directos ao doente revelaram efeitos favoráveis quer nos resultados da farmacoterapia – melhoria dos parâmetros físicos, hemodinâmicos e laboratoriais; uso apropriado da medicação; controlo de doenças crónicas; diminuição do recurso à urgência e duração de internamentos hospitalares; redução da mortalidade – quer nos resultados de segurança – diminuição de eventos e de reacções adversas bem como de erros de medicação – e ainda nos resultados humanísticos – promoção da adesão à terapêutica, satisfação do doente, esclarecimento quanto à sua doença e medicação – suportando indubitavelmente a incorporação dos farmacêuticos nas equipas de saúde que se encontram ao serviço da população.20 Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Necessidades reais de implementação de novos serviços farmacêuticos centrados no doente 3.Competências e formação necessárias ao farmacêutico para desenvolver esses serviços Está consagrado na lei portuguesa, através do Decreto-Lei n.º 288/2001 de 10 de Novembro,21 que o exercício da actividade farmacêutica tem como objectivo essencial a pessoa do doente (Artigo 72.º) e, por conseguinte, a primeira e principal responsabilidade do farmacêutico é para com a saúde e o bem-estar do doente e do cidadão em geral (Artigos 81.º e 107.º). O Artigo 77.º apresenta, por sua vez, as actividades consideradas como parte integrante do acto farmacêutico, donde realçamos aquelas mais centradas no doente, como sejam: a interpretação e avaliação das prescrições médicas (alínea g), a informação e consulta sobre medicamentos de uso humano e veterinário e sobre dispositivos médicos, sujeitos e não sujeitos a prescrição médica, junto de profissionais de saúde e de doentes, de modo a promover a sua correcta utilização (alínea h) e o acompanhamento, vigilância e controlo da distribuição, dispensa e utilização de medicamentos (alínea i). Segundo o Artigo 87.º, o farmacêutico deve: colaborar com todos os profissionais de saúde, promovendo junto deles e do doente a utilização segura, eficaz e racional dos medicamentos; assegurar-se que, na dispensa do medicamento, o doente recebe informação correcta sobre a sua utilização; dispensar ao doente o medicamento em cumprimento da prescrição médica ou exercer a escolha que os seus conhecimentos permitem e que melhor satisfaça as relações benefício/risco e benefício/custo. Em Espanha, a lei vai um pouco mais longe e já inclui a filosofia dos cuidados farmacêuticos. De facto, a nova lei do medicamento, também datada de 2006,22 refere que “Nas farmácias de oficina, os farmacêuticos, como responsáveis pela dispensa de medicamentos aos cidadãos, zelarão pelo cumprimento das pautas estabelecidas pelo médico responsável do doente na prescrição, e cooperarão com ele no acompanhamento do tratamento através dos procedimentos de cuidados farmacêuticos, contribuindo para assegurar a sua eficácia e segurança”. Independentemente de já estar consagrada na lei ou não, a questão da prestação de serviços farmacoterapêuticos centrados no doente, dentro de uma filosofia de cuidados farmacêuticos, é emergente nos nossos dias e exige novas competências ao farmacêutico que se assume como clínico. Neste novo paradigma de actuação do farmacêutico, já não basta conhecer o medicamento desde a sua concepção até à dispensa na farmácia. Agora, o farmacêutico coloca-se numa atitude de serviço ao doente com o objectivo de melhorar os seus resultados clínicos, económicos e humanísticos através da utilização de medicamentos. Agora, o farmacêutico é chamado a assumir a responsabilidade do uso apropriado da medicação por parte do doente. E para isso, para além de ter de identificar as necessidades farmacoterapêuticas do doente, o farmacêutico tem de tomar decisões, e essas baseiam-se tanto em dados objectivos (relacionados com os problemas de saúde e com os medicamentos) como em dados subjectivos (relacionados com a experiência do profissional e com a experiência do doente). Na formação deste novo farmacêutico há que introduzir disciplinas relacionadas com a prática assistencial, capazes de levar este profissional ao desenvolvimento de novas competências como as da busca de informação, do sentido crítico, do comportamento ético, do trabalho em equipa e da liderança. O novo farmacêutico também deverá saber comunicar quer com o doente, com o qual deverá conseguir estabelecer uma forte relação de cumplicidade, quer com os outros profissionais de saúde, nomeadamente com o médico prescritor.10 Mas para exercer com dignidade serviços de cuidados directos aos doentes, o farmacêutico terá de ser tecnicamente competente. Precisará de sólidos conhecimentos de biologia celular, bioquímica, anatomofisiologia, fisiopatologia, farmacologia e farmacoterapia, entre outros. E terá de aprender a sistematizar e a registar a sua actuação consoante o tipo de serviço prestado. Só assim, enquanto membro da equipa de saúde, o farmacêutico poderá trazer benefícios relacionados com a segurança, efetividade e otimização da terapêutica.20 Necessidades reais de implementação de novos serviços farmacêuticos centrados no doente O farmacêutico deverá promover-se a si mesmo como um profissional de saúde moderno, capaz de implementar novos serviços centrados no doente.23 Ainda que silenciosamente, sabe que é respeitado pelos médicos, que reconhecem as suas competências na validação da prescrição, na educação do doente, na indicação farmacêutica, na sugestão de alternativas terapêuticas ao médico prescritor, na monitorização farmacoterapêutica do doente, na revisão da medicação.10 É também procurado pelos doentes, uma vez que é o último profissional com quem contactam antes de se encontrarem a sós com o medicamento. A principal barreira que o farmacêutico terá de vencer será a da sua própria mentalidade: o novo farmacêutico não poderá continuar a sentir-se apenas o técnico superior do medicamento, mas deverá assumir-se como o profissional de saúde capaz de cuidar do doente através da gestão da sua medicação.10 3 . Conclusão A avaliação da farmacoterapia tem como finalidade permitir que os medicamentos que um dado doente toma atinjam os objectivos terapêuticos previamente definidos (efectividade) sem agravarem ou gerarem novos problemas de saúde (segurança). O farmacêutico do século XXI sabe que pode ter um valor acrescentado nos cuidados de saúde de um doente através da prestação de novos serviços farmacêuticos. Documentando as suas intervenções, conseguindo extrapolar resultados, avaliando custos e resultados nos doentes, o farmacêutico clínico conseguirá provar a eficácia dos cuidados farmacêuticos e justificar plenamente a necessidade de novos serviços farmacoterapêuticos centrados no doente. Isso levará ao seu reconhecimento enquanto membro da equipa de saúde e, oportunamente, ao seu reconhecimento profissional e económico por parte das autoridades regulamentares da saúde. Estes não serão apenas novos caminhos de realização profissional. Serão respostas concretas a situações reais dos doentes, que desta forma serão melhor cuidados. ��� Referências Bibliográficas 1. Lobo Antunes J. A Nova Medicina. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos; Janeiro 2012. 2. Organização Mundial de Saúde (OMS). Constituição da OMS. Nova Iorque: OMS; Julho 1946. 3. Alto Comissariado da Saúde e Ministério da Saúde. Evolução dos indicadores do PNS 20042010. Lisboa: Alto Comissariado da Saúde e Ministério da Saúde; Dezembro 2010. 4. Espiga de Macedo M, Lima MJ, Oliveira Silva A, Alcântara P, Ramalhinho V, Carmona J. Prevalência, Conhecimento, Tratamento e Controlo da Hipertensão em Portugal. Estudo PAP [2]. Rev Port Cardiol 2007; 26(1): 21-39. 5. 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Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, Portugal. (1) Resumo Muito vem sendo publicado nos últimos anos em termos de desenhos de novos serviços farmacêuticos clínicos. Predomina hoje incerteza sobre que serviços farmacêuticos apresentam melhores resultados ou são promissores em termos de implementação e adoção pelos profissionais. Além disso, a diversidade de denominações dificulta a padronização de práticas entre farmacêuticos e organizações. O objetivo deste trabalho foi descrever os serviços farmacêuticos clínicos avaliados em revisões sistemáticas publicadas e identificar de forma qualitativa os seus componentes principais. Foi realizada uma busca sistemática de revisões sistemáticas, seguindo as recomendações da colaboração Cochrane, na base de dados Medline via Pubmed no período compreendido entre 2000 e 2010. Foram encontrados 343 artigos potencialmente relevantes, dos quais 49 foram incluídos após o processo de seleção. Foram identificadas oito categorias de serviços clínicos, agrupadas segundo o seu objetivo principal: aconselhamento do doente, controlo de fatores de risco, adesão ao tratamento, revisão da farmacoterapia, acompanhamento farmacoterapêutico, elaboração ou aprimoramento da história farmacoterapêutica, informações ao médico e equipa de saúde e prescrição de novos tratamentos. De um modo geral, estes serviços têm como foco a melhoria da qualidade do uso dos medicamentos e dos resultados terapêuticos sob o ponto de vista clínico, humanístico e económico. Palavras-Chave: farmacêutico, serviços farmacêuticos clínicos, cuidados farmacêuticos, revisão sistemática. Abstract In the last years, much has been published on the development of new clinical pharmacist services. However, uncertainty persists as to which services show better results or can be successfully implemented by pharmacists. Furthermore, the diversity of designations available hinders practice standardization among practitioners and professional organizations. The aim of this study was to describe clinical pharmacist services assessed by systematic reviews and to qualitatively identify the main categories of the pharmacist intervention. We searched Medline for systematic reviews compiling evidence of the impact of clinical services on patient health outcomes published between 2000 and 2010, following the recommendations of the Cochrane collaboration. The search returned a total of 343 potentially relevant citations, of which 49 studies were included after the selection process. We identified eight categories of clinical services, which were grouped according to their main goals: patient counselling, risk factors prevention and control, adActa Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Tipos de Serviços Farmacêuticos Clínicos: O que dizem as Revisões Sistemáticas? herence/compliance, medication review, pharmacotherapy follow-up, medication reconciliation, information to physicians or the health care team and prescription of new treatments. In general, all services focus on the improvement of the process of use of medicines as well as clinical, humanistic and economic outcomes. Keywords: pharmacist, clinical pharmacist services, pharmaceutical care, systematic review. Introdução Os serviços farmacêuticos clínicos, também chamados de serviços cognitivos, são definidos por Roberts et al.(1) como “serviços oferecidos pelos farmacêuticos nos quais utilizam seu conhecimento e perícia a fim de melhorar a farmacoterapia e a gestão da patologia, mediante a interação com o doente ou com outro profissional da saúde, quando necessário”. Outra definição é dada por Gastelurrutia et al.(2), afirmando que os serviços cognitivos do farmacêutico “são serviços orientados para o doente e realizados por farmacêuticos que, exigindo conhecimentos específicos, têm por objetivo melhorar o processo de uso dos medicamentos e/ou os resultados da farmacoterapia”. Num contexto histórico, a prática farmacêutica vem ampliando a sua atividade para além da distribuição dos medicamentos industrializados há mais de quatro décadas. Com o surgimento da evidência dos potenciais efeitos adversos dos medicamentos e os riscos associados à sua utilização, no final dos anos sessenta, surge nos hospitais um movimento chamado Farmácia Clínica. Só no fim da década de oitenta, este movimento se traduz numa prática baseada no relacionamento farmacêutico-doente, culminando com o surgimento do conceito de cuidados farmacêuticos ou atenção farmacêutica.(3) Em todo mundo, procura-se atualmente incorporar de forma organizada e sistemática esses serviços aos sistemas de saúde dos países. São vários os documentos publicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e Federação Internacional Farmacêutica (FIP) tratando do papel do farmacêutico na atenção à saúde e das boas práticas de farmácia.(4–6) Entende-se que o modelo teórico, a organização e a prestação de serviços farmacêuticos podem variar dependendo de cada país ou região, dos sistemas de saúde locais, da formação clínica do farmacêutico e da regulamentação do exercício profissional.(7) Por outro lado, num contexto globalizado, faz parte do avanço das práticas de saúde a troca de experiências e métodos de organização entre os países, com vista à implantação de modelos comuns bem sucedidos. Muito vem sendo publicado nos últimos anos em termos de desenhos de novos serviços farmacêuticos clínicos. Além do papel tradicional do farmacêutico na dispensa e aconselhamento dos doentes na farmácia comunitária, e das atividades ligadas à farmácia clínica hospitalar, o desenvolvimento do pharmaceutical care trouxe o serviço que ficou conhecido em alguns países, entre eles Brasil e Portugal, como acompanhamento farmacoterapêutico.(8,9) Surgiram também novos modelos de manejo de transtornos menores pelo farmacêutico comunitário(10) e cresceu a discussão em torno da autonomia do farmacêutico enquanto prescritor suplementar ou independente.(11) Mais recentemente, vem ganhando força a discussão sobre os serviços de revisão da farmacoterapia e reconciliação terapêutica.(12) Uma revisão recente apresenta, ainda, um panorama bastante amplo destes serviços, com uma lista de dez grandes grupos organizados em ordem de complexidade: 1) informação sobre medicamentos, 2) cumprimento, adesão terapêutica e concordância, 3) rastreio de doenças, 4) prevenção de doenças, 5) intervenções clínicas ou identificação e resolução de problemas relacionados com medicamentos, 6) revisão da utilização de medicamentos, 7) gestão da farmacoterapia, 8) gestão da patologia Tipos de Serviços Farmacêuticos Clínicos: O que dizem as Revisões Sistemáticas? para doenças crónicas, 9) participação em decisões terapêuticas juntamente com o médico e 10) prescrição.(13) Neste cenário diversificado, cresce a incerteza sobre que serviços farmacêuticos apresentam melhores resultados ou são promissores em termos de implementação e adoção pelos profissionais. Também aumenta a confusão conceptual em termos do que venha a ser a própria atenção ou os cuidados farmacêuticos. Tendo em conta o conceito de saúde baseado em evidência na adoção de novas práticas, é desejável conhecer que serviços clínicos vêm sendo avaliados por meio de ensaios clínicos aleatorizados e o que mostram as revisões sistemáticas em termos de quais são estes serviços. O objetivo do presente trabalho é realizar uma revisão das revisões sistemáticas publicadas na última década, a fim de descrever os serviços farmacêuticos clínicos avaliados e identificar de forma qualitativa os seus componentes principais. Métodos Foi realizada uma busca sistemática de Revisões Sistemáticas (RS) já publicadas (Overview), seguindo as recomendações da colaboração Cochrane. (14) A pesquisa foi realizada no Pubmed no período compreendido entre 2000 e 2010 (11 anos) utilizando a estratégia de busca descrita no Quadro 1. Após a busca, dois revisores independentes conduziram a primeira fase de seleção dos estudos ��� por meio da leitura dos títulos e resumos (triagem). Os artigos considerados potencialmente relevantes foram obtidos e lidos na íntegra (também por dois revisores independentes), atentando aos critérios de inclusão e exclusão. Estudos considerados elegíveis foram no final incluídos. Foram incluídos estudos descritos como sendo RS (ou por termos semelhantes), publicados entre 2000 e 2010, que avaliassem o impacto da realização de serviços farmacêuticos clínicos (em relação a um grupo controle) sobre indicadores da qualidade do processo de uso de medicamentos ou resultados (outcomes) clínicos, humanísticos ou económicos. Foram consideradas RS enfocando qualquer local de prática, incluindo farmácia comunitária, ambulatório hospitalar, clínicas privadas, hospital, cuidados primários e lar de longa permanência. Não foram feitas limitações em relação ao grupo de doentes, patologias ou RS que incluíssem estudos sobre intervenções de outros profissionais ou equipa multidisciplinar, contanto que incluíssem também estudos de intervenção farmacêutica passíveis de identificação. Para ser incluída, porém, a RS deveria atender satisfatoriamente a um mínimo de três (itens 4, 7 e 9) dos critérios da Checklist PRISMA: a) descrever claramente a questão clínica a ser respondida pela RS, incluindo participantes, intervenções, comparadores, desfechos e desenho de estudos (modelo PICOS), b) descrever todas as fontes de dados consultadas e o período de tempo considerado, c) descrever detalhadamente o processo de seleção dos Quadro 1 – Estratégia de busca no Pubmed systematic review*[tiab] OR meta-analysis[pt] OR meta-analysis[tiab] OR systematic literature review[tiab] OR “Cochrane Database Syst Rev”[Journal] OR (search*[tiab] AND (medline or embase OR peer-review* OR literature OR “evidence-based” OR pubmed OR IPA or “international pharmaceutical abstracts”)) NOT (letter[pt] OR newspaper article[pt] OR comment[pt]) AND hasabstract AND (Pharmacist*[tiab] OR Pharmacists[MH]) Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Tipos de Serviços Farmacêuticos Clínicos: O que dizem as Revisões Sistemáticas? estudos (quantos incluídos e excluídos em cada eta- 343 artigos potencialmente relevantes indexados pa). no Pubmed. Destes, 228 artigos foram excluídos na (15) Os critérios de exclusão de artigos foram: 1) RS etapa de triagem. Foram obtidos e lidos na íntegra em que a intervenção em saúde sob análise consis- 115 artigos, dos quais 2 foram excluídos pelo idioma tiu apenas na participação do farmacêutico na equi- (dinamarquês e japonês), 1 porque foi publicado pa de saúde (farmacêutico como membro da equi- em 2011 (apesar de indexado ao Pubmed em 2010), pa multidisciplinar), sem uma definição clara de que 7 por possuírem versões mais atualizadas, 26 por ações clínicas o farmacêutico desenvolve, isto é, que não atenderem aos critérios PRISMA considerados, processo de trabalho este executa no cuidado do 16 por se tratarem de revisões não sistemáticas e 17 doente, 2) artigos que realizam RS de diretrizes, ou- por não incluírem ensaios clínicos aleatorizados ou tras overviews de revisões sistemáticas já publicadas, estudos de intervenção farmacêutica nos seus resul- revisões bibliográficas não sistemáticas, opiniões de tados. No final, 46 RS foram consideradas elegíveis. especialistas e revisões temáticas não sistemáticas, Três RS foram adicionadas manualmente por se tra- 3) RS cujo único objetivo é descrever, de forma ba- tarem de versões mais atualizadas de RS encontradas seada em evidência, recomendações clínicas ou far- na busca, totalizado 49 RS incluídas neste trabalho. macológicas voltadas exclusivamente ao manejo de Com exceção de 2002, foram encontradas RS uma determinada doença ou tratamento, 4) RS que para todos os anos da busca. O número de RS pu- analisem atividades não clínicas, como manipulação blicadas cresce anualmente e só no último triénio de medicamentos, armazenamento, administração (2008-2010) foram publicadas 28 revisões (57% das de medicamentos (incluindo vacinas), atividades RS incluídas). As revisões sistemáticas encontradas ligadas à cadeia logística de medicamentos, entre incluem um universo de 270 artigos que reportam outras e 5) RS que não incluem ensaios clínicos ale- ensaios clínicos aleatorizados publicados entre 1973 atorizados nos seus resultados ou nas quais não foi e 2009. possível identificar todos os ensaios clínicos de in- As RS publicadas tratam de uma ampla gama tervenções farmacêuticas incluídos. No caso de ha- de serviços clínicos, locais de prática, condições de ver duplicação de publicação ou RS desatualizadas, saúde e grupos de doentes. Algumas revisões deli- foram incluídas apenas as RS publicadas mais recen- mitam um conjunto específico de doentes ou do- temente. Foram incluídas RS publicadas apenas em enças, enquanto outras consideram vários serviços inglês, português ou espanhol. farmacêuticos de forma indiferenciada. As principais Em cada revisão sistemática incluída, foram questões de investigação abordadas pelas RS foram: identificados os artigos contendo ensaios clínicos qualidade dos cuidados ambulatoriais e comunitá- aleatorizados que avaliaram intervenções farma- rios; cuidados primários a idosos, diabetes mellitus cêuticas, de modo a garantir que cada revisão sis- ou hipertensão arterial; tabagismo; saúde mental e temática contivesse pelo menos um ensaio clínico doentes psiquiátricos; polifarmácia e qualidade da de intervenção farmacêutica. A descrição sobre os prescrição medicamentosa em idosos; uso de me- serviços farmacêuticos clínicos foi extraída de cada dicamentos em crianças; adesão ao tratamento em revisão sistemática. idosos e utilizadores crónicos de medicamentos; doentes hospitalizados ou residentes em lares de Resultados longa permanência; internamentos e eventos adversos atribuíveis ao uso de medicamentos; HIV/SIDA; O processo de seleção dos estudos encontra- tratamento com antibióticos; insuficiência cardíaca; se representado na Figura 1. Foram encontrados dislipidemias; transferência de doentes entre níveis Tipos de Serviços Farmacêuticos Clínicos: O que dizem as Revisões Sistemáticas? ��� Registos obtidos na busca por revisões sistemáticas no Pubmed (n = 343) Registos excluídos ( = 228) Artigos na íntegra avaliados para elegibilidade (n= 115) Artigos na íntegra excluídos, com razões (n = 69) Idioma (n=2) Critérios PRISMA (n=26) RS desatualizadas (n=7) Revisão não sistemática (n=16) RS que não incluem ECR ou farmacêuticos (n=17) RS publicada em 2011 (n=1) Artigos incluídos (n = 46) Estudos incluídos manualmente (n=3) Revisões sistemáticas incluídas ( = 49) Figura 1 – Processo de selecção dos estudos assistenciais e continuidade do cuidado; terapia anticoagulante; transplantes de órgãos e satisfação do doente com serviços farmacêuticos. A tabela 1 apresenta os serviços farmacêuticos clínicos reportados pelos autores das RS incluídas. Analisando estes relatos, foi possível identificar serviços clínicos agrupáveis nas seguintes categorias: 1. Serviços focados no aconselhamento ao doente sobre os medicamentos, doenças e medidas não farmacológicas, juntamente ou não com a entrega de medicamentos, com objetivo de promover o uso correto de medicamentos e práticas de autocuidado. Pode utilizar materiais de apoio educativo impressos ou multimédia. 2. Serviços que se organizam como programas estruturados de deteção, prevenção ou controlo de fatores de risco específicos (p.ex. tabagismo, point-of-care tests), cujas intervenções são centradas geralmente em técnicas comportamentais e educação individual ou em grupo. 3. Serviços focados especialmente na adesão do doente ao tratamento, utilizando técnicas diversas, como educação e aconselhamento, dispositivos e recursos facilitadores, por meio de consultas domiciliárias, na farmácia comunitária ou remotas (telefone, web, email). 4. Serviços focados na revisão dos medicamentos e ajustes na farmacoterapia de um doente, podendo haver ou não contato direto com o doente. O objetivo é identificar e corrigir falhas na utilização pelo doente, questões relativas à seleção inapropriada de medicamentos e regime terapêutico, custos do tratamento ou efeitos sentidos pelo doente. O farmacêutico geralmente faz reActa Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Tipos de Serviços Farmacêuticos Clínicos: O que dizem as Revisões Sistemáticas? comendações ao doente ou ao médico e Discussão pode possuir maior ou menor autonomia para realizar modificações no tratamento. O volume de evidência sobre os efeitos de 5. Serviços focados no acompanhamento da serviços farmacêuticos clínicos sobre desfechos di- farmacoterapia e evolução do doente, com versos cresceu muito na última década. Foram pu- foco nos resultados em saúde (outcomes) blicados centenas de ensaios clínicos, abrangendo obtidos e no cuidado contínuo da condi- diversas condições de saúde, grupos de doentes e ção de saúde, utilizando diversas formas locais de prática. Ainda que o foco deste trabalho de contacto com o doente e com o médi- tenha sido a descrição dos serviços e não os resul- co (consulta presencial, telefone, fax, web, tados reportados pelas RS, observou-se que dife- email), tempo de seguimento ou número rentes desenhos de serviços clínicos mostram re- de consultas. sultados positivos sobre vários desfechos de saúde 6. Serviços focados na elaboração ou aprimo- e indicadores de qualidade do processo de uso de ramento de uma história farmacoterapêuti- medicamentos. Alguns desses resultados foram ob- ca completa e confiável e na reconciliação servados em meta-análises, que são o mais alto nível terapêutica, em momentos como a admis- de evidência científica que pode suportar a adoção são hospitalar, na transferência entre servi- de uma intervenção em saúde. ços e na alta hospitalar, com fornecimento Gerar uma lista definitiva de serviços clínicos de informações ao médico e ao doente, de a partir da evidência disponível não constitui tarefa forma normalmente escrita, com o objetivo simples, pois, ainda que muitos serviços sejam se- principal de corrigir discrepâncias na medi- melhantes ou agrupáveis, características próprias cação. nos seus desenhos fazem com que alguns deles se- 7. Serviços focados no fornecimento pelo jam únicos e personalizados para determinadas po- farmacêutico de informações ao médico e pulações ou locais de prática. Além disso, a qualida- equipa de saúde, sem haver necessariamen- de da descrição dos serviços farmacêuticos clínicos te cuidado direto do doente. Inclui discus- nas RS foi bastante heterogénea. Alguns trabalhos sões multidisciplinares de caso, rondas hos- relatam em detalhe as intervenções encontradas pitalares, desenvolvimento de protocolos nos ensaios clínicos e fornecem tabelas descritivas clínicos, formulários terapêuticos e estabe- completas dos estudos incluídos. Outros agrupam lecimento de relações mais próximas com a as intervenções em categorias ou relatam-nas de for- equipa. Inclui serviços de visitas ao médico, ma geral e menos abrangente. Como já constatado a fim de fornecer informações científicas e por outros autores, a descrição clara da intervenção promover boas práticas de prescrição, nor- farmacêutica realizada constitui um dos principais malmente para condições clínicas ou medi- fatores limitantes da qualidade dos estudos clínicos camentos específicos. ligados aos cuidados farmacêuticos.(7,16,17) 8. Serviços em que o farmacêutico possui au- Apesar dessas limitações, foi possível identificar tonomia para prescrever ou iniciar um trata- categorias de serviços farmacêuticos que se centram mento farmacológico, segundo protocolos no doente, na equipa de saúde ou em ambos, e têm definidos, convénios colaborativos entre como foco a melhoria do processo de uso dos me- centros de saúde ou, ainda, com medica- dicamentos e dos resultados terapêuticos do ponto mentos isentos de prescrição médica volta- de vista clínico, humanístico e económico. Estas ca- dos ao cuidado de transtornos menores. tegorias não podem ser consideradas excludentes, Tipos de Serviços Farmacêuticos Clínicos: O que dizem as Revisões Sistemáticas? ��� pois na concepção de um serviço clínico, por exem- quanto tempo, e 13) se outras ações, como rastreio plo numa farmácia comunitária ou ambulatório de doenças, elaboração de protocolos ou formulá- hospitalar, é possível interpolar mais de uma cate- rios terapêuticos e visitas educacionais a profissio- goria. nais médicos, são realizadas. Por este motivo, além de classificar o serviço Por fim, o desenvolvimento de novas aborda- clínico como pertencente a um ou outro grupo, pa- gens e desenhos em termos de serviços farmacêu- rece ser também adequado identificar aquelas ativi- ticos faz parte da evolução da prática farmacêutica dades que formam o desenho do serviço farmacêu- clínica. A adoção destes deve ser seguida, preferen- tico clínico e que podem ter influência direta sobre cialmente, de evidências sólidas que sustentem o o seu sucesso. Estas “variáveis” que caracterizam o seu impacto sobre a saúde dos doentes. Ainda que serviço clínico farmacêutico dizem respeito a: 1) for- geralmente novos serviços representem um avanço, ma como o farmacêutico interage com o doente, se os serviços clínicos tradicionais e com boa evidência há contato direto (face-to-face) ou por meios remo- de resultados não devem ser abandonados até que tos, 2) em que momento o serviço é fornecido ao estejam definitivamente superados. Novos serviços, doente (internamento, alta, dispensa, etc.), 3) onde por outro lado, devem demonstrar benefícios antes o serviço é fornecido (farmácia, domicílio, etc.) 4) de serem amplamente adotados pela profissão far- que população específica forma o público-alvo, 5) macêutica. de que informações clínicas dispõe o farmacêutico e quais são as fontes utilizadas para obter essas Referências informações, 6) o que avalia o farmacêutico, que pode incluir aspetos restritos do processo de uso 1. Roberts AS, Hopp T, Sørensen EW, Benrimoj dos medicamentos (prescrição, doses, erros, adesão SI, Chen TF, Herborg H, et al. Understanding ao tratamento, interações medicamentosas, etc.), practice change in community pharmacy: a qua- questões legais e administrativas do tratamento, os litative research instrument based on organisa- resultados terapêuticos obtidos, qualidade de vida, tional theory. Pharmacy world & science. 2003 satisfação com serviços e, ainda, questões económi- Oct;25(5):227–34. cas (principalmente custos) relativas ao tratamento, 2. Gastelurrutia MA, Fernández-Llimós F, García 7) como o farmacêutico realiza a sua avaliação, se Delgado P, Gastelurrutia P, Faus MJ, Benrimoj SI. utilizando critérios explícitos (p.ex. critérios de Be- Barriers and facilitators to the dissemination and ers, indicadores de morbi-mortalidade relacionada implementation of cognitive services in Spanish com medicamentos) ou critérios implícitos, depen- community pharmacies. Seguimiento Farmaco- dentes de seu juízo clínico e interpretação da evi- terapeutico. 2005;3(2):65–77. dência, 8) qual o grau de autonomia que o farma- 3. Hepler CD. Clinical pharmacy, pharmaceutical cêutico dispõe para solicitação de exames, exame care, and the quality of drug therapy. 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Médicos recebem sugestões do farmacêutico (serviço de monitoramento farmacocinético ou diretrizes de prescrição) Renders (20) 2001 Diabetes mellitus 1. Modelo de atenção farmacêutica no qual o farmacêutico sozinho cuida de todos os aspectos em cuidados primários da gestão do diabetes Blenkinsopp (21) 2003 Tabagismo 1. Programa estruturado de cessação tabágica, panfletos de informação, seguimento semanal pelas primeiras 4 semanas e mensalmente após isso, conforme necessário 2. Orientação para cessação tabágica baseada nos estágios de mudança do doente . Finley (22) 2003 Saúde Mental 1. Farmacêuticos clínicos provendo uma combinação de monitoramento plasmático (avaliação basal e seguimento do tratamento), recomendações ao tratamento e educação do doente 2. Gestão da farmacoterapia com autoridade para prescrição de medicamentos sob protocolo (ambulatório e hospital) Rollason (23) 2003 Polifarmácia em Idosos 1. Farmacêuticos fazendo recomendações aos médicos e doente 2. Para prescrições de repetição, farmacêutico realiza entrevistas com o doente e discute o caso com o médico se alguma mudança significativa na medicação for necessária Costello (24) 2004 Crianças 1. Revisão dos medicamentos: Alcançar acordo com o doente sobre o tratamento, otimizando o impacto dos medicamentos, minimizando problemas relacionados com medicamentos e reduzindo desperdício. 2. Educação sobre medicamentos OTC na farmácia comunitária Hanlon (25) 2004 Idosos na comunidade 1. Provisão de informação sobre os medicamentos personalizadas, “limpeza” do armário casei- ro de medicamentos, encorajamento de boas práticas de uso dos medicamentos e comuni- cação com profissionais da saúde. Em pelo menos duas visitas domiciliares em 6-11 meses e seguimento por telefone conforme necessário 2. Visitas domiciliares nas quais é feito aconselhamento ao doente, um plano de cuidado é for- mulado, é feita Revisão dos medicamentos e problemas são apresentados ao médico em um formulário padronizado 3. Visitas domiciliares nas quais aconselhamento intensivo e dispositivos para adesão são fornecidos 4. Consulta antes da alta hospitalar e a cada duas semanas nas primeiras duas semanas. Médico contatado sobre problemas 5. Revisão do regime terapêutico e recomendações por escrito encaminhadas ao médico. Doente aconselhado a cada consulta ambulatorial 6. Revisão do regime terapêutico, recomendações ao médico e discussões com o doente sobre suas preocupações relativas à adesão na semana 2, 12 e 24 após alta hospitalar. Ano Tema da revisão Principais serviços farmacêuticos clínicos descritos na revisão Desplenter (30) 2006 Doentes psiquiátricos 1. Material educativo impresso (panfletos) somados a aconselhamento no momento da dispensa a doentes ambulatórios. Kaboli (31) 2006 Doentes hospitalizados 1. Farmacêuticos participam de ronda em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) 2. Intervenções do farmacêutico clínico envolvendo reconciliação da medicação, plano farmacoterapêutico e aconselhamento na alta 3. Interação regular com médicos, doentes e enfermeiras (nas rondas), em comparação ao papel tradicional centrado no monitoramento plasmático apenas Fahey (28) 2005 Hipertensão em cuidados 1. Cuidado centrado no farmacêutico. Não descreve as intervenções em detalhes. primários Van Wijk (29) 2005 Adesão ao tratamento 1. Monitoramento educativo. Farmacêutico incorporou questões escritas ao doente durante em usuário contínuos de med. o aconselhamento 2. Dados objetivos e subjetivos relacionados ao diabetes reunidos a cada dispensa, revisão mensal das fichas, recomendações aos doentes e médicos 3. Visitas mensais por 3 meses, então a cada 4 meses, nas quais se realiza determinação do colesterol e aconselhamento. 4. Aconselhamento e monitoramento mensal por 6-12 meses, incluindo recompensas ao doente por boa adesão 5. Visitas mensais por 3 meses, com avaliação da PA e FC, aconselhamento sobre mudanças de 4 estilo de vida e medicamentos. 6. Aconselhamento no início do tratamento. Sinclair (26) 2004 Tabagismo 1. Programa de suporte na farmácia comunitária e manutenção de registros. Envolveu o treinamento dos farmacêuticos no modelo de estágios da mudança. Bell (27) 2005 Saúde Mental 1. Sessões de aconselhamento a doentes iniciando terapia com antidepressivos não-tricíclicos (doentes participam em 3 sessões, de 10-20 minutos cada e recebem um vídeo que enfatiza a importância da adesão ao tratamento). O aconselhamento é focado no uso apropriado dos medicamentos. 2. Em centros médicos, educação do doente e monitoramento do tratamento inclui recolha da história de medicação pelo farmacêutico, provisão de informação sobre antidepressivos prescritos e consultas de seguimento por telefone e pessoalmente). 3. Na comunidade, casos de doentes foram geridos pelo farmacêutico. Como parte do serviço, é permitido ao farmacêutico ajuste da posologia, iniciar e suspender medicamentos, sob supervisão. 4. Aconselhamento sobre medicamentos no momento da alta hospitalar, após internamento por recaída da esquizofrenia 5. Geração de um plano de cuidado em conjunto com o doente psiquiátrico no momento da alta hospitalar 6. Em domicílio e residências de idosos, serviços de Revisão dos medicamentos incluem levantamento abrangente da história farmacoterapêutica, entrevistas na casa do doente, revisão do tratamento e educação do doente 7. Farmacêuticos comunitários que visitam médicos clínicos gerais para dialogar sobre a prescrição de medicamentos antidepressivos (reuniões farmacoterapêuticas focadas em otimizar a prescrição). Primeiro autor Tipos de Serviços Farmacêuticos Clínicos: O que dizem as Revisões Sistemáticas? ��� Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Tipos de Serviços Farmacêuticos Clínicos: O que dizem as Revisões Sistemáticas? Primeiro autor Ano Tema da revisão Principais serviços farmacêuticos clínicos descritos na revisão 4. Revisão dos medicamentos e reconciliação na internamento ou alta hospitalar – história farmacterapêutica obtida pelo farmacêutico 5. Aconselhamento na alta 6. Revisão do processo médico pelo farmacêutico, consulta com médicos, provisão de aconselhamento na alta, e 4 chamadas telefônicas de seguimento depois da alta 7. Serviços de anticoagulação a doentes internados, provendo consultas diárias e seguimento a doentes iniciando varfarina, avaliação de resultados laboratoriais, manejo da dose de varfarina e interações medicamentosas 8. Monitoramento plasmático de aminoglicosídeos, vancomicina, anticonvulsivantes e teofilina; avaliando efeitos tóxicos, terapêuticos, consumo de recursos e concentração plasmática apropriada. Adesão ao tratamento anti-hipertensivo 1. Aconselhamento sobre adesão ao tratamento somada ao Monitoramento Domiciliar da Pressão Arterial (MRPA) Lindenmeyer (32) 2006 Diabetes mellitus tipo 2 1. Adição de sistemas de monitoramento eletrônico aos frascos de comprimidos do doente e transferência de dados aos farmacêuticos. Farmacêuticos fazem recomendações ao doente com base nestes dados antes de efetuar mudanças na medicação. Ogedegbe (33) 2006 Royal (34) 2006 Internações e eventos adversos 1. Revisão dos medicamentos. Alcançar acordo com o doente sobre o tratamento, otimizando o impacto dos medicamentos, minimizando problemas relacionados com medicamentos e reduzindo desperdício. 1. Monitoramento do tratamento e educação do doente 2. Gestão da farmacoterapia mais educação do doente 3. Mudanças em medicamentos prescritos, ajuste de doses, aconselhamento sobre medicamentos 4. Monitoramento e ajustes na medicação mais educação do doente Rueda (35) 2006 HIV/AIDS 1. Aconselhamento ao doente na ocasião da primeira dispensa somado a suporte telefônico e visitas mensais do doente ao ambulatório 2. Educação do doente sobre adesão e monitoramento do progresso do doente, incluindo recursos visuais de ajuda e dispositivos de alarme (lembretes), entregues por farmacêuticos em consultas na clínica mais contatos telefônicos periódicos por até 12 semanas. Machado #1 (36) 2007 Hipertensão Machado #2 (37) 2007 Diabetes Mellitus 1. Gestão da farmacoterapia, educação em diabetes, mudanças na terapêutica 2. Educação e aconselhamento 3. Educação em diabetes, aconselhamento sobre medicamentos, orientações sobre dieta e exercícios 4. Ajuste de doses, recomendações nutricionais, mudanças de estilo de vida, encaminhamento ao médico 5. Comunicação do farmacêutico com o médico e médico, encontros presenciais ou por telefone 6. Educação em diabetes, algoritmos para manejo da glicemia 7. Aconselhamento em grupo, livreto sobre diabetes, organizadores especiais para medicamentos 8. Recomendações terapêuticas, documentação, educação e monitoramento, estratégias para adesão ao tratamento. Ano Tema da revisão Principais serviços farmacêuticos clínicos descritos na revisão Tonna (44) 2008 Antibióticos 1. Uma equipe multidisciplinar para antimicrobianos realizou revisão prospectiva de todos os processos médicos usando uma abordagem sistemática no início do tratamento (baseline), em dias alternados e até 3 dias após o fim do tratamento antibiótico. A escolha do antibiótico foi avaliada e foram feitas recomendações no processo para os casos necessários 2. O tratamento antibiótico do doente foi avaliado. O prescritor recebeu recomendações da equipe, por meio de registro feito no processo, telefone ou fax, conforme urgência. Williams (45) 2008 Adesão terapêutica 1. Abordagens educacionais e comportamentais a fim de melhorar a adesão ao tratamento. Farmacêuticos em polimedicados avaliam a presença de problemas com os medicamentos e provem educação, calendários de medicamentos (medication reminder charts) e simplificam o regime terapêutico 2. Farmacêuticos telefonam para avaliar a adesão ao tratamento e ações de autocuidado, para em seguida fazerem orientação ou encaminhamentos, conforme necessidade 3. Aconselhamento ao doente, preparo da medicação e plano de alta hospitalar são providos. 4. É fornecido uma combinação de educação sobre os medicamentos, lembretes para tomar os medicamentos e preparo e suporte aos doentes para tomada dos medicamentos 5. Educação, fracionamento personalizado dos medicamentos e seguimento pelo farmacêutico Wubben (46) 2008 Diabetes Mellitus 1. Doentes visitam os farmacêuticos, cujo papel foi expandido para além da dispensa, ao cuidado de doentes com diabetes. Isto inclui desde a avaliação apenas da farmacoterapia, educação do doente sobre estilo de vida e autocuidado, até gestão de caso. Adesão terapêutica em Idosos 1. Educação e aconselhamento do doente 2008 Schlenk (43) 1. Gestão dos medicamentos, educação do doente 2. Gestão dos medicamentos, educação do doente e seguimento Machado #3 (42) 2008 Dislipidemia Koshman (41) 2008 Insuficiência Cardíaca 1. Educação sobre ICC e seus medicamentos, incluindo auto-monitoramento, gestão dos medicamentos e facilitadores da adesão terapêutica. Holland (40) 2008 Internações e mortes 1. Aconselhamento sobre medicamentos, orientação sobre adesão, avaliação do acesso a medicamentos em Idosos e eventos adversos, com foco na otimização da terapia. Contato com o médico considerado mais próximo pessoalmente ou por telefone. Visitas de revisão com o doente em 2, 3 ou mais ocasiões (normalmente em pessoa, mas às vezes por meio de telefonemas regulares) George (39) 2008 Idosos Polimedicados 1. Educação do doente em combinação com estratégias comportamentais e/ou focadas no provedor (Revisão dos medicamentos) von Gunten (38) 2007 Antibióticos 1. Recomendações personalizadas ao doente, definidas como intervenções referentes ao tratamento específico do doente e informação focada em medicamentos ou doenças específicas 2. Implementação de políticas farmacêuticas, as quais podem ser gerais ou voltadas a medicamentos ou condições específicas. Estas políticas podem incluir limitação de acesso a determinados medicamentos, pedidos de interrupção de medicamentos, intercambialidade terapêutica e diretrizes contendo recomendações (com ou sem interação com o médico) 3. Educação de profissionais da saúde (médicos, enfermeiras, farmacêuticos) e doentes por meio de newsletters, recomendações específicas, reuniões presenciais ou visitas acadêmicas. 4. Monitorização plasmática de fármacos, com foco nas recomendações sobre dose. Primeiro autor Tipos de Serviços Farmacêuticos Clínicos: O que dizem as Revisões Sistemáticas? ��� Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Tipos de Serviços Farmacêuticos Clínicos: O que dizem as Revisões Sistemáticas? Primeiro autor Ano Tema da revisão Principais serviços farmacêuticos clínicos descritos na revisão Wubben (46) 2008 Diabetes Mellitus 2. Revisão do histórico de glicemias capilares pelo farmacêutico 3. Farmacêuticos que poderiam tomar decisões sobre o manejo da farmacoterapia usando um acordo de prática colaborativa, sob a supervisão de médicos 4. Farmacêuticos não poderiam prescrever e deveriam prover informes escritos ou discutir diretamente suas recomendações com o médico de cuidados primários responsável pelo doente. Intervenções incluem normalmente em visitas individuais, visitas adicionais em grupo e contatos telefônicos. Haynes (47) 2008 Adesão terapêutica 1. Doentes recebem embalagens ou blisters com doses diárias fracionadas claramente marcadas. São aconselhados por um farmacêutico (incluindo revisão detalhada sobre efeitos adversos) e também recebe um telefonema de acompanhamento após dois ou três dias de tratamento 2. Aconselhamento de um farmacêutico hospitalar e telefonema de seguimento após três dias de tratamento 3. Chamada telefônica por um farmacêutico a fim de melhorar a adesão ao tratamento antibiótico para doente que estavam iniciando tratamento 4. Programa de cuidado farmacêutico que incluía acesso do farmacêutico ao histórico de Pico de Fluxo Expiratório (PFE), visitas ao pronto atendimento hospitalar, hospitalizações e adesão aos medicamentos, treinamento, material educacionais personalizados ao doente e recursos facilitadores de implementação do programa 5. Doentes recebem educação individualizada sobre seus medicamentos, estes são dispensados em embalagens especiais a fim de facilitar a adesão e é realizada uma consulta a cada dois meses com um farmacêutico clínico 6. Farmacêutico desenvolve um plano de cuidado do diabetes junto com o doente. Este foi comunicado ao seu médico por meio de processo eletrônico. Problemas com os medicamentos requerendo intervenções foram identificados como parte do plano. O farmacêutico mantém contato regular com o doente pessoalmente ou por telefone. 7. Farmacêuticos educam os doentes sobre as metas terapêuticas dos hipolipemiantes, a importância do estilo de vida e da adesão ao tratamento. O farmacêutico avalia existência de problemas relacionados com os medicamentos, faz determinações de colesterol (point-of-care testing) mensais na casa do doente 8. Farmacêuticos contatam o doente por 3 vezes em um período de três meses e doentes são seguidos por seis meses. Algumas metas desta intervenção eram avaliar o conhecimento do doente sobre antidepressivos, equacionar preocupações e metas do tratamento, acompanhar a adesão ao tratamento e ajudar no melhor uso dos antidepressivos. 9. Doentes com mais de 75 anos e usuários de 4 ou mais medicamentos receberam visita domiciliar de um farmacêutico entre 7 e 14 dias após alta hospitalar. O farmacêutico avaliou a compreensão e adesão do doente aos medicamentos e fez intervenções quando apropriado. Banning (48) 2009 Adesão terapêutica em Idosos 1. Uso de ferramentas adaptadas de educação e o reconhecimento de discrepâncias da medicação. 2. Serviço de aconselhamento por telefone 3. Programa educacional 4. Programa de consulta com o farmacêutico na alta hospitalar (construção de plano) e visita de acompanhamento 5. Educação do doente, mais embalagem personalizada com os medicamentos (contendo rotulagem especial) e monitoramento do tratamento 6. Provisão de cuidado colaborativo do farmacêutico com a equipe de saúde Ano Tema da revisão Principais serviços farmacêuticos clínicos descritos na revisão Kaur (52) 2009 Prescrição inapropriada 1. Revisão dos medicamentos e recomendações escritas ao médico em idosos 2. Sumário de transferência para manejo da farmacoterapia e Revisão dos medicamentos por farmacêuticos comunitários, seguida de reunião de caso 3. Revisão dos medicamentos na alta hospitalar e em intervalos periódicos por 3 meses após alta Ellitt (51) 2009 Continuidade do cuidado 1. Cinco categorias principais de serviços farmacêuticos clínicos: a) Educação e aconselhamento, entre níveis assistenciais incluindo educação do doente e aconselhamento a profissionais, b) Revisão e manejo da farmacoterapia, c) Avaliação da adesão ao tratamento, com utilização de recursos como embalagens especiais de medicamentos e porta comprimidos, d) Novas tecnologias, como sistema eletrônico de dispensa e e) transferência de informação, tal como forma de comunicação entre profissionais e doente. Bayoumi (49) 2009 Discrepâncias 1. Revisão dos medicamentos na internamento hospitalar e criação de um perfil farmacoterapêutico. dos medicamentos Contato diário com o doente a fim de revisar mudanças na medicação, preparo de uma carta de alta entre níveis assistenciais (contendo plano farmacoterapêutico) enviada por fax ao médico de família e farmácia comunitária, aconselhamento de alta, preparo de uma lista de medicamentos para o doente e provisão de acesso do doente a um helpline telefônico sobre medicamentos. Carter (50) 2009 Hipertensão 1. O farmacêutico revisa o processo do doente em um centro de saúde urbano, faz avaliação pessoalmente para avaliação do controle da PA, efeitos adversos e adesão terapêutica e recomenda modificações a dois médicos que atuam no centro 2. Avaliar o doente para as razões do mau controle da PA, efeitos adversos ou baixa adesão. Aconselha o doente sobre os propósitos da medicação, instruções especiais, interações medicamentosas, efeitos colaterais e adesão aos medicamentos. Telefona ou envia fax ao médico com recomendações de mudanças na medicação a fim de melhorar o controle da PA 3. Mede a PA, aconselha sobre mudanças no estilo de vida, faz recomendações ao médico por carta ou telefone 4. Doentes recebem um monitor domiciliar da PA e instruções sobre seu uso. Farmacêuticos telefonam aos doentes mensalmente e fazem recomendações ao médico caso a PA não esteja controlada. 5. Farmacêuticos determinam a medicação mais apropriada para controle da PA, tenta reduzir custos, solicita exames laboratoriais, aconselha sobre tratamento não farmacológico e medicamentos da PA. 6. Farmacêutico modifica medicações e dosagens seguindo diretrizes do JNC-VI, avaliando adesão ao tratamento e aconselha sobre efeitos adversos e mudanças de estilo de vida. 7. Farmacêuticos medem a PA, avaliam o tratamento, adesão, efeitos adversos e estilo de vida. Utilizam um protocolo para ajustar a medicação, mas telefonam ao médico antes de qualquer mudança e estes tomam a decisão final. 8. Doentes foram ensinados a medir a PA em casa e intervenções foram realizadas via Web e email. O primeiro contato é via telefone a fim de obter a história farmacoterapêutica e revisar alergias, intolerâncias e fatores de risco CV. O farmacêutico fornece um plano de ação que inclui mudanças no estilo de vida e recomendações de mudanças nos medicamentos baseadas em protocolo e um plano de acompanhamento. Subseqüente acompanhamento ocorre a cada 2 semanas pela Web até o controle da PA ser obtido. Primeiro autor Tipos de Serviços Farmacêuticos Clínicos: O que dizem as Revisões Sistemáticas? ��� Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Tipos de Serviços Farmacêuticos Clínicos: O que dizem as Revisões Sistemáticas? Primeiro autor Ano Tema da revisão Principais serviços farmacêuticos clínicos descritos na revisão Naik (53) 2009 Satisfação do doente 1. Farmácia comunitária: aconselhamento e educação sobre doenças, medicamentos, dispositivos e com serviços farmacêuticos autocuidado; 2. Avaliação do tratamento, adesão, estilo de vida e questões de suporte social. Verrue (54) 2009 Uso de medicamentos 1. Revisão dos medicamentos, com recomendações e acompanhamento em lares para idosos 2. Programa de farmácia clínica (estabelecer relações profissionais, educação de enfermagem orientada a problemas e revisões da medicação) 3. Duas reuniões de discussão de caso envolvendo uma equipe multidisciplinar 4. Farmacêuticos como coordenadores de transferência entre hospital e cuidados primários (sumários de transferência, Revisão dos medicamentos e discussão de casos) 5. Revisão clínica da medicação e consulta com doente e cuidadores Chisholm-Burns 2010 Farmacêutico no cuidado 1. Os serviços clínicos mais freqüentes foram aqueles em que o farmacêutico tinha um papel chave (55) o doente como membro em realizar ou recomendar ajustes na farmacoterapia do doente, como: educação sobre os da equipe medicamentos, educação sobre a doença, intervenções sobre a adesão ao tratamento, revisões da utilização de medicamentos (prospectivas ou retrospectivas) e gestão de doenças crônicas. Cutrona (56) 2010 Adesão ao tratamento 1. Contato telefônico semanal por 12 semanas a doentes recebendo lovastatina e colestipol cardiovascular 2. Monitoramento residencial da PA, diário de PA e doses perdidas, farmacêutico avalia resultados da PA por telefone mensalmente 3. Farmacêutico coleta história de medicação, avalia conhecimentos e faz educação verbal e escrita 4. Cuidado na farmácia: educação, embalagens com doses fracionadas, encontros com farmacêutico clínico 5. Farmacêutico comunitário: entrevista estruturada usando registros computadorizados, discussão sobre a medicação e adesão ao tratamento. Gallagher (57) 2010 Hipertensão 1. Um estudo envolvendo diabéticos foi incluído: Educação do doente e médico pelo farmacêutico. na insuficiência renal crônica Educação foi provida sobre diabetes, medicamentos, dieta, exercício, monitoramento da glicemia e auto-ajuste do tratamento hipoglicemiante. Transição 1. Revisão dos medicamentos baseada em evidências feito pelo farmacêutico, seguido de discussão entre lares e hospital de casos entre profissionais da saúde para discutir a medicação Glynn #1 (58) 2010 Hipertensão 1. Farmacêuticos interagem com médicos e doentes de acordo com check-lists pré estabelecidos nos cuidados primários 2. Farmacêuticos interagem com médicos e doentes de acordo com check-lists pré estabelecidos 3. Farmacêutico clínico: manejo de doença crônica em doentes ambulatoriais 4. Farmacêuticos realiza atendimento mensal do doente: educação, aconselhamento verbal e escrito sobre mudanças na medicação Glynn #2 (59) 2010 Hipertensão 1. Farmacêuticos interagem com médicos e doentes de acordo com check-lists pré estabelecidos nos cuidados primários 2. Farmacêutico clínico: manejo de doença crônica em doentes ambulatórios 3. Farmacêuticos realiza atendimento mensal do doente: educação, aconselhamento verbal e escrito sobre mudanças na medicação LaMantia (60) 2010 Ano Tema da revisão Um farmacêutico coordenador da transição do doente do hospital para o lar pela primeira vez: gestão da farmacoterapia e resultados terapêuticos com base em evidências Um farmacêutico conduz revisões dos medicamentos nos doentes residentes Programa de farmácia clínica envolvendo desenvolvimento de relações profissionais, educação de enfermagem sobre questões envolvendo medicamentos e revisões individualizadas dos medicamentos Farmacêutico clínico prescrevendo e monitorizando sob a supervisão de um médico de família Principais serviços farmacêuticos clínicos descritos na revisão Nkansah (62) 2010 Qualidade da prescrição 1. Asma: farmacêuticos revisam técnica de inalação, fornecem educação personalizada sobre asma e acompanham os doentes por meio de telefonemas semanais 3. Hipercolesterolemia: farmacêuticos orientam e interagem com doentes e médicos sobre o melhor curso da farmacoterapia 3. Doentes em medicação contínua: farmacêuticos dispensam prescrições de repetição seguindo um protocolo a fim de verificar se os itens foram necessários ou se os doentes estavam vivenciando efeitos adversos ou interações medicamentosas 4. Hipertensão não-controlada: farmacêuticos avaliam a PA do doente, regime terapêutico, adesão ao tratamento, efeitos adversos e hábitos de vida e fornece educação personalizada ao doente durante visitas inicial e de acompanhamento 5. Depressão: farmacêuticos treinam doentes e fornecem um vídeo ou farmacêuticos colaborando com médicos de cuidados primários a fim de fornecer educação ao doente, ajustes no tratamento, monitoramento da adesão, reações adversas e prevenção de recaídas 6. Diabetes: Farmacêuticos avaliam regime terapêutico e parâmetros clínicos do doente, desenvolve um plano terapêutico, provê educação relativa a dieta, exercícios, adesão e monitoramento da glicemia e acompanha a evolução clínica do doente de acordo com o plano 7. Modelo “Kaiser Permanente” que foca em uma consulta mais abrangente do doentes e outros elementos do pharmaceutical care em doentes de alto risco selecionados. 8. Para profissionais da saúde: farmacêutico realiza visitas ao médico enfocando informação e educação sobre diretrizes específicas, como: a) terapia antiagregante com aspirina, b) uso de IECA em ICC, c) uso de AINES para dor na osteoartrite, d) escolha de antidepressivos na depressão 9. Doentes acima dos 70 anos: aconselhamento verbal sobre o uso correto dos medicamentos + calendário de medicação e panfletos de informação. Duração da intervenção: 3 visitas domiciliares em um período de 6-12 semanas. 10. Doentes com prescrição de antibióticos: farmacêutico fornece detalhamento acadêmico, que consiste em visitas pessoais e resumos de artigos científicos aos médicos sobre boas práticas de uso de antibióticos 11. Doentes hipertensos e diabéticos: gestão da farmacoterapia pelo farmacêutico (médicos não envolvidos) 12. Doentes com diabetes afro-americanos que vivem na cidade: farmacêuticos fornecem educação sobre diabetes, aconselhamento sobre medicamentos, instruções sobre controle da dieta, exercícios físicos e monitoramento da glicemia, avaliação e auto-ajustes da farmacoterapia. 13. Doentes com alta hospitalar: farmacêutico conduz visitas domiciliares a fim de avaliar INR e educar doentes com relação ao tratamento anticoagulante usando materiais educativos impressos. Farmacêutico informa médicos com relação aos resultados de INR, recomenda ajustes de dose e implementa mudanças no tratamento Marcum (61) 2010 Qualidade da prescrição 1. em lares de longa permanência 2. 3. 4. Primeiro autor Tipos de Serviços Farmacêuticos Clínicos: O que dizem as Revisões Sistemáticas? ��� Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Tipos de Serviços Farmacêuticos Clínicos: O que dizem as Revisões Sistemáticas? Primeiro autor Ano Tema da revisão Principais serviços farmacêuticos clínicos descritos na revisão Nkansah (62) 2010 Qualidade da prescrição 13. Doentes em alto risco para eventos adversos a medicamentos: farmacêuticos conduzem uma única consulta de farmacoterapia com o doente, encontra o médico a fim de discutir achados, conduz sessões educacionais com o doente 14. Doentes com alto risco para problemas relacionados com medicamentos: farmacêuticos revisam processo médico, realizam avaliação física e de exames laboratoriais a fim de avaliar se a farmacoterapia é apropriada, modifica o tratamento se necessário, educa o doente e realiza encaminhamentos a outros profissionais da saúde. Robertson (63) 2010 Qualidade da prescrição 1. Sistemas computadorizados de suporte à decisão, com alvo em farmacêuticos que atuam no ambulatório ou hospital. Os estudos focam guidelines e recomendações sobre o tratamento e segurança dos medicamentos (interações críticas, medicamentos na gravidez e idosos, monitoramento do tratamento e ajustes de dose). Saokaew (64) 2010 Terapia anticoagulante 1. As três atividades mais comuns são: a) ajustes na dose de varfarina, b) revisão de interações medicamentosas e c) fornecer educação ao doente e profissionais da saúde. Stemer (65) 2010 Transplante de órgãos 1. Intervenções agrupadas nas seguintes categorias: a) serviços clínicos gerais de farmácia, b) serviços clínicos gerais de farmácia com foco no monitorização plasmática de fármacos, c) serviços de farmácia clínica focados em questões de adesão terapêutica e d) serviços de farmácia clínica focados na educação do doente. Babinec (66) 2010 Diabetes, com foco 1. Educação do doente, aconselhamento, orientação. Em 15 de 16 estudos, as interações na qualidade da comunicação do farmacêutico com os doentes foram presenciais ou por telefone. Nos demais estudos, farmac-doente farmacêuticos foram facilitadores em sessões de grupo. Em 7 estudos, farmacêuticos primeiro conversaram com doentes pessoalmente, depois realizaram acompanhamento via telefone. Legenda: AINES, anti-inflamatórios não-esteróides; CV, cardiovascular; FC, frequência cardíaca; ICC, insuficiência cardíaca congestiva; IECA, inibidores da enzima conversora de angiotensina; INR, razão normalizada internacional; OTC, over the counter; PA, pressão arterial Efeito da adesão à terapêutica no estado de saúde do idoso ��� Efeito da adesão à terapêutica no estado de saúde do idoso Mosca C., MSc, PhD student, PharmD (1,2,3); Castel-Branco M. M., PhD, PharmD (2,3) Caramona M. M., PhD, PharmD (2,3); Figueiredo I. V., PhD, PharmD (2,3) Farmácia Central do Sabugal, Portugal. Grupo de Farmacologia e Cuidados Farmacêuticos, Faculdade de Farmácia, Universidade de Coimbra, Pólo das Ciências da Saúde, Azinhaga de Santa Comba, 3000-548 Coimbra, Portugal. (3) Centro de Estudos Farmacêuticos (CEF), Faculdade de Farmácia, Universidade de Coimbra, Portugal. (1) (2) Resumo A prevalência de doenças crónicas aumenta com o envelhecimento, e o constante crescimento do contingente populacional faz da adesão à terapêutica um grande desafio. Uma solução para o problema da não adesão à terapêutica prescrita pelo médico na população é a implementação, na farmácia comunitária, de ações de intervenção e acompanhamento farmacêutico. Foram avaliados 54 idosos medicados com pelo menos 3 medicamentos e que viviam de uma forma autónoma. A adesão à prescrição médica foi observada pelo acompanhamento dos doentes, contagem de medicamentos não administrados e evolução dos resultados do perfil lipídico, glicemia, pressão arterial e risco cardiovascular, no início e fim do estudo. O objetivo deste estudo foi na sua generalidade alcançado, uma vez que a intervenção farmacêutica contribuiu para a adesão à terapêutica, reduzindo deste modo o impacto de fatores de risco associados às doenças cardiovasculares, promovendo a qualidade de vida dos idosos. Palavras Chave: Adesão à terapêutica; Idoso; Intervenção farmacêutica. Abstract The prevalence of chronic diseases increases with age, and the constant growth of the overall population makes adherence to therapy a major challenge. A solution to the problem of non-adherence to therapy prescribed by the physician population is the implementation, in community pharmacy, of stock monitoring and pharmacist intervention. We evaluated 54 elderly patients treated with at least 3 drugs with an autonomous life. Adherence to drugs prescription was observed by monitoring the patients, counting of medications not administered and historical progress of the lipid profile, blood glucose, blood pressure and cardiovascular risk in the beginning and end of the study. The purpose of this study was achieved in general, since the pharmaceutical intervention contributed to the adherence to therapy, thereby reducing the impact of risk factors associated with cardiovascular disease, and contribute to the promotion of quality of life for the elderly patients. Keywords: Adherence to therapy, Elderly, Pharmaceutical intervention. Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Efeito da adesão à terapêutica no estado de saúde do idoso 1. Introdução O envelhecimento da população é um tema que começou a ser abordado no séc. XX e que rapidamente adquiriu extrema relevância em todos os países desenvolvidos. Uma revolução demográfica ocorreu com o aumento do número e da proporção de pessoas idosas em relação aos outros grupos etários, prevendo-se que em 2025 haja, no mundo, 1,2 biliões de pessoas com mais de 60 anos. A conjugação de baixos níveis de fecundidade durante um período alargado e o aumento da esperança de vida, particularmente nas idades mais elevadas, contribuíram de modo contínuo para este aumento da população idosa,1 provocando um estreitamento da base da pirâmide populacional e o alargamento do seu pico.2 Em Portugal, de 1960 a 2001 o fenómeno do envelhecimento demográfico traduziu-se por um decréscimo de cerca de 36% na população jovem e um incremento de 140% na população idosa (65 ou mais anos), que constituiu, em 2001, em Portugal, 16,4% da população geral, sendo a maioria mulheres.3 Em 2004, a tendência de envelhecimento continuou a subir, sendo o índice de envelhecimento de 108,7. Hoje estima-se que 17% da população portuguesa tenha mais de 65 anos, prevendo-se que, em 2025, atinja 32% e a relação entre a população idosa e a população jovem (0-14 anos) atinja 243,0. Entre a população idosa, a mais idosa – com mais de 80 anos – tem aumentado significativamente, tendo quadruplicado de 1960 a 2004. Em 2025 prevê-se que 10,2% da população portuguesa tenha mais de 80 anos.2 Em Portugal a esperança de vida é de 75 anos para os homens e de 81 anos para as mulheres, situando-o na média europeia.2 Associado ao aumento do número de pessoas idosas, o consumo de medicamentos por esta população também aumentou, principalmente pela elevada prevalência de doenças crónico-degenerativas associadas ao envelhecimento. As doenças não infeciosas ou crónico-degenerativas são dependentes, em parte, das inevitáveis alterações do processo de envelhecimento, mas sobretudo dos estilos de vida adotados por cada indivíduo. Estas patologias constituem, na pessoa idosa, as principais causas de morbi-mortalidade.4 O idoso apresenta, com frequência, múltiplas co-morbilidades associadas a alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas, tais como redução da massa muscular e da água corporal, alterações no metabolismo hepático, dos mecanismos homeostáticos, bem como da capacidade de filtração e de excreção renal, implicando um défice na metabolização e excreção, uma acumulação de substâncias tóxicas, um aumento da ocorrência de interações medicamentosas e de reações adversas e, consequentemente, o abandono do tratamento.5,6 A frequência do uso de medicamentos nesta faixa etária é elevada, com valores entre 60% a 90%, dos quais 1/3 utiliza cinco ou mais medicamentos em simultâneo.7 A complexidade dos esquemas terapêuticos, as alterações neurosensoriais (deficit visual e hipoacúsia) e o declínio cognitivo tornam ainda mais complexos e difíceis a adesão e o uso apropriado dos medicamentos nesta população.7,8 Contudo, não são apenas estes os fatores que provocam a não-adesão ao tratamento prescrito pelo médico. Um número considerável de estudos tem avaliado a relação entre o comportamento da adesão e variáveis pessoais, sociais e situacionais. Têm sido propostas diversas abordagens para explicar os comportamentos de adesão à terapêutica prescrita, como fatores externos (ex. acesso aos medicamentos, características da doença e do regime terapêutico, efeitos secundários da medicação), internos (ex. dados sócio-demográficos, fatores psicológicos) e fatores relacionais (ex. apoio social, relação profissional de saúde-doente).9,10-12 Em países desenvolvidos, as pessoas com idade superior a sessenta anos consomem aproximadamente 50% dos fármacos prescritos e são responsáveis por 60% dos custos com medicamentos, ainda que representem uma determinada percentagem da população (cada vez maior) nesses países.9 A questão da adesão à terapêutica é particularmente pertinente quando se trata de um idoso, uma vez que é grande a repercussão da não-adesão neste grupo etário, tanto no controlo de sintomas como na ma- Efeito da adesão à terapêutica no estado de saúde do idoso nutenção da capacidade funcional, tendo implicações importantes na qualidade de vida.13 Segundo Gallagher, Viscoli e Horwitz, o idoso tem frequentemente um mau índice de adesão ao não seguir corretamente as medidas terapêuticas que lhe são propostas, pelo que a adesão constitui provavelmente a maior causa de insucesso das terapêuticas, e este facto expõe o idoso a um maior risco de hospitalizações e morbilidade.14 2. Objetivos É objetivo principal deste estudo a avaliação do impacto da intervenção farmacêutica na adesão à terapêutica em doentes idosos. Com os resultados obtidos pretende-se: determinar a taxa de adesão à terapêutica dos doentes idosos; determinar a frequência do uso de estratégias de memória por doentes idosos com e sem adesão à terapêutica; verificar se a intervenção farmacêutica contribui para a adesão auto-relatada por doentes idosos à terapêutica prescrita e verificar se a intervenção farmacêutica contribui para melhorar o perfil lipídico, o perfil glicémico, os níveis de pressão arterial e o risco cardiovascular global dos doentes idosos do estudo. 3. Material e Métodos 3.1 População e amostra Estudo longitudinal prospetivo com um grupo de intervenção e um grupo controlo. 54 doentes foram aleatoriamente recrutados, no ato de dispensa, da população de utentes que frequenta habitualmente a Farmácia Central do Sabugal em função dos critérios de inclusão definidos para o estudo. Todos aceitaram participar voluntariamente assinando a declaração de consentimento informado. Dos 54 doentes recrutados, 10 fizeram questão, por várias razões (ex. indisponibilidade para receber o farmacêutico semanalmente, os horários da visita, o facto de referirem que não necessitavam de ninguém porque ainda não precisavam de ajuda), de integrarem ��� o grupo sem preparação da terapêutica (grupo controlo), integrando os restantes o grupo com preparação da terapêutica (grupo de intervenção). 3.1.1 Critérios de seleção Foram definidos como critérios de inclusão no estudo: doente idoso; medicado com pelo menos 3 medicamentos; determinação mensal dos parâmetros colesterol total, LDL-c, HDL-c, triglicerídeos, glicose, pressão arterial e risco cardiovascular; doente autónomo. Para inclusão no grupo de intervenção foi também critério a aceitação da preparação semanal da terapêutica e respetivo acompanhamento/ orientação. 3.2 Variáveis do estudo Todos os doentes do estudo foram estudados no que se refere às variáveis sócio-demográficas, à independência para atividades da vida diária, ao comportamento alimentar e hábitos de vida, ao perfil farmacoterapêutico, ao parâmetro fisiológico da pressão arterial sistólica e diastólica, aos parâmetros bioquímicos colesterol total, LDL-c, HDL-c, triglicerídeos e glicose, ao risco cardiovascular e ao uso de estratégias de memória e adesão à terapêutica. As determinações bioquímicas foram efetuadas com o equipamento Cardiocheck e Breeze 2 cujas tiras utilizadas foram validadas com as respetivas soluções padrão e cujos resultados foram corroborados com as determinações dos parâmetros utilizando a mesma amostra num Laboratório de Análises Clínicas certificado segundo a norma NP EN ISO 9001:2008 e em conformidade com as Boas Práticas Laboratoriais. Foram considerados os valores de colesterol total, LDL-c, HDL-c e triglicerídeos de acordo com no Third Report of The National Cholesterol Educations Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (2002)15 e os valores de glicemia de acordo com Report of the Expert Committee on the Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus, 2011 e segundo a Norma da Direcção Geral da Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Efeito da adesão à terapêutica no estado de saúde do idoso Saúde - Diagnóstico e Classificação da Diabetes Mellitus 2011.16,17 A pressão arterial foi determinada com um esfigmomanómetro calibrado por uma entidade acreditada e foram calculadas as médias de duas medições efetuadas com 5 minutos de intervalo, no braço direito, com o doente sentado. Foram considerados os valores da pressão arterial sistólica e diastólica de acordo com o Seventh Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure 2003.18 Na determinação do risco global cardiovascular foi utilizada a tabela derivada do projeto SCORE desenvolvida por um conjunto de Sociedades Científicas congéneres Europeias19,20 e cuja versão eletrónica se encontra disponível em www.escardio.org/ knowledge/decision_tools. 3.3 Procedimentos A avaliação dos doentes foi feita em quatro etapas, com um mês de intervalo, através de entrevistas individuais e estruturadas pela determinação dos parâmetros fisiológicos e bioquímicos. A intervenção farmacêutica, no grupo onde se verificou a preparação da terapêutica, incluiu também o aconselhamento individual para os medicamentos, a preparação semanal da medicação com a utilização de um “blister pack” (Figura 1) e, quando aplicável, a entrega de folhetos informativos (ex. colesterol, diabetes, hipertensão). Figura 1 “Blister Pack” Na primeira etapa, os doentes foram convidados individualmente a participarem no estudo e, após a leitura da declaração de consentimento informado, os inquéritos foram realizados sequencialmente: “Ficha de Identificação, Dados Socioeconómicos e Familiares”, “Perfil do Idoso, Comportamento Alimentar e Hábitos de Vida”, “Perfil Farmacoterapêutico”, “Avaliação para Autonomia de Atividades Diárias”, “Auto-relato da Adesão (Morisky)”, “Questionário de Memória Prospetiva para a Toma de Medicamentos”, “Protocolo de Acompanhamento Farmacêutico”, “Tabela de Medicamentos e Orientações Gerais”. Os vários parâmetros fisiológicos e bioquímicos foram determinados nos dois grupos de doentes. No grupo de intervenção os medicamentos foram distribuídos por 4 “blisters pack” (1/mês) com a descrição dos medicamentos, posologia e respetivas orientações. Na segunda, terceira e quarta etapas, no grupo controlo apenas foram determinados os parâmetros fisiológicos e bioquímicos. No grupo de intervenção foram verificados os 4 “blisters pack” e identificada a eventual medicação não tomada (nos alvéolos que se encontram tapados no verso). Seguidamente, após conferência de possíveis alterações no perfil farmacoterapêutico durante esse período de tempo, foi preparada a medicação para 1 mês, com as eventuais alterações dos medicamentos e/ou posologias. Foram ainda determinados os parâmetros fisiológicos e bioquímicos, divulgadas as orientações individuais e entregues folhetos informativos nos casos em que se obtiveram resultados elevados dos parâmetros determinados. Esta intervenção foi planeada previamente através da análise dos dados obtidos nos questionários na primeira etapa. Foram avaliados aspetos como: comportamento alimentar, patologias envolvidas, aspetos cognitivos, dificuldades visual e auditiva, dependências para as atividades da vida diária, posologia dos medicamentos, horários de administração, intervalos entre doses, interações medicamentosas, automedicação e resultados do perfil lipídico, glicémico e pressão arterial, entre outros. A partir destas análises compilaram-se os Efeito da adesão à terapêutica no estado de saúde do idoso dados para suportarem as orientações a serem divulgadas na visita. Na quarta etapa foram também efetuados novamente os questionários de memória prospetiva para uso de medicamentos que permitem identificar o tipo e natureza das estratégias utilizadas pelos idosos para a toma dos medicamentos (tipo – Retrospetivo (R) e Prospetivo (P); natureza – Interna (I) e Externa (E)) e a escala de auto-relato da adesão de Morisky, que traduz a atuação do doente desde a primeira etapa. 3.4 Análise estatística Na análise descritiva da amostra analisada foram aplicadas estatísticas de sumário apropriadas. As varáveis categóricas foram descritas através de frequências absolutas (n) e relativas (%). As variáveis contínuas foram descritas utilizando a média e o desvio padrão ou a mediana, percentil 25 e percentil 75 e amplitude inter quartil (AIQ), consoante a distribuição destas fosse simétrica ou assimétrica, respetivamente. Foi usado o teste de independência do Quiquadrado para analisar a associação entre variáveis categóricas. Quando a frequência esperada de alguma célula da tabela de contingência relativa à análise de associação de duas categóricas foi inferior a 5, utilizou-se o teste exato de Fisher ou o teste exato do Qui-quadrado. O teste de Mann-Whitney ou o teste de Kruskal-Wallis foi utilizado para testar hipóteses relativas a variáveis contínuas, com distribuição assimétrica, quando se comparam dois ou mais de dois grupos, respetivamente. Foram utilizados o teste de McNemar e o teste McNemar-Bowker de modo a comparar entre dois momentos de avaliação nos mesmos indivíduos evolução de variáveis categóricas com duas ou mais categorias, respetivamente. Foi usado o teste de Wilcoxon para comparar evolução de variáveis contínuas em dois momentos de avaliação. Para avaliar os valores de glicose, colesterol total, LDL-c, HDL-c, triglicerídeos, pressão arterial sistólica e diastólica e risco cardiovascular entre os dois ��� grupos do estudo foram aplicados modelos multivariados de equações de estimação generalizados (GEE), com a identidade como função de ligação. Foi utilizado um nível de significância de 0,05 para todos os testes de hipótese. A análise foi efetuada utilizando o programa de análise estatística SPSS® v.18.0 (Statistical Package for Social Sciences). 4. Resultados e discussão A amostra selecionada compreendeu 54 doentes idosos da Farmácia Central do Sabugal (Portugal). 18% (n=10) constituíram o grupo controlo e 82% (n= 44) o grupo de intervenção, com a preparação semanal da medicação e aconselhamento com distribuição, se necessária, de folhetos informativos. Os participantes do estudo apresentaram uma idade compreendida entre os 65 e os 90 anos, mediana de idades de 72 anos e a AIQ 68 – 78 anos. 67% (n=36) foram do sexo feminino e 33% (n=18) do sexo masculino. A elevada idade que alguns doentes apresentaram e a prevalência do sexo feminino refletem a sociedade real, em certo modo consequência da terapia atual e dos cuidados de saúde que permitem uma sobrevida prolongada. No conjunto total da amostra, 63% (n=34) dos idosos afirmaram residir com o marido/esposa, 31% (n=17) disseram viver sozinhos e 6% (n=3) revelaram residir com familiares. Relativamente à escolaridade, 74% (n=40) disseram possuir apenas o 1º Ciclo e 11% (n=6) revelaram não saber ler nem escrever. Quanto ao poder económico, 4% (n=2) dos doentes referiram que a reforma que recebem não é suficiente para poderem adquirir todos os medicamentos prescritos pelo médico. A caracterização da amostra a nível clínico permitiu verificar que 52% (n=28) dos doentes apresentavam dislipidemia, 74% (n=40) eram hipertensos, 24% (n=13) eram diabéticos e 65% (n=35) possuíam outras patologias (alguns idosos referiram mais do que uma destas patologias). A acuidade visual dos doentes do estudo apresentou resultados menos favoráveis do que a acuidade auditiva (72% Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Efeito da adesão à terapêutica no estado de saúde do idoso (n=39) dos doentes referiram ter acuidade visual má). Estes resultados estão de acordo com o esperado: nesta faixa etária, as doenças crónicas são muito comuns e, entre elas, destacam-se a hipertensão, a diabetes e a dislipidemia, conhecidas como fatores agravantes do risco cardiovascular e causa de elevada morbi-mortalidade a nível mundial. A maioria dos participantes do estudo revelou manter o controlo de fatores de risco associados a estas patologias: 94% (n=51) dos idosos afirmaram não fumar, 53% (n=28) indicaram a prática de atividade física (sendo a caminhada a prática mais utilizada, com uma frequência de 82% (n=23)) e, relativamente a questões alimentares, 87% (n=47) dos idosos entrevistados referiram fazer 3-4 refeições diárias, mencionando todos que se alimentavam em horários regulares, 54% (n=29) referiram que a comida era confecionada e consumida sem sal/ quase sem sal e 72% (n=39) não disseram não ingerir bebidas alcoólicas. Ainda que não tenha sido avaliado o grau de obesidade – peso, IMC e perímetro abdominal – os idosos foram também questionados sobre o consumo de alimentos gordurosos (fritos e gorduras) e 94% (n=51) referiram não ter esse hábito alimentar. Porém sabese que, em relação a esta última situação, muitos deles podem ter subestimado a situação real, uma vez que a alimentação nesta região é rica em alimentos gordurosos (enchidos, queijo amanteigado, bucho, entremeada…) e, inconscientemente, ter sido considerada uma alimentação “saudável/normal”. Relativamente ao controlo da pressão arterial, verificou-se que 52% (n=29) dos participantes procedia periodicamente à sua medição, possivelmente pela existência do acompanhamento médico referido pelos doentes do estudo (91% (n=49)); contudo, existe uma diferença estatisticamente significativa entre a atuação do grupo de intervenção e a do grupo controlo, verificando-se que, neste último, todos os idosos mediam periodicamente a pressão arterial, 60% dos quais mensalmente. Estes dados representam ações de auto-monitorização por parte dos doentes, e que poderão ser interpretadas como parte integrante da “capacidade” mencionada por alguns idosos de “gerirem a própria saúde” quando recusaram a intervenção do farmacêutico na preparação da sua medicação e se auto-inseriram no grupo controlo. No que se refere ao número de consultas médicas, 58% (n=32) dos idosos manifestaram que iam 3 a 4 vezes por ano ao médico e 19% (n=10) que iam 5 ou mais vezes por ano. 91% (n=49) dos doentes acreditavam na necessidade de acompanhamento médico e 98% (n=53) acreditavam no benefício da terapêutica. Na avaliação para a autonomia de atividades diárias foram identificados dois idosos, no grupo de intervenção, que relataram algum grau de dependência nas atividades diárias, a qual se traduzia na necessidade de ajuda para se vestirem, auxílio no banho e apoio para se deitarem e/ou levantarem. Das patologias mais referidas pelos participantes do estudo, 89% (n= 48) encontravam-se incluídas no grupo das doenças cardiovasculares – hipertensão arterial, dislipidemias, risco cardiovascular, acidente vascular cerebral, entre outros – e 39% (n=21) nas doenças endócrinas – diabetes, hiperplasia da próstata, osteoporose, problemas na tiroide, sendo a diabetes a mais prevalente. Contudo, vários doentes mencionaram mais do que uma patologia. Dos 44 idosos que integraram o grupo de intervenção, 91% (n=40) referiram doenças cardiovasculares e, no grupo controlo, 80% (n=8) indicaram patologias do mesmo grupo; relativamente às doenças endócrinas, dos 21 idosos que o referiram, 36% (n=16) encontravam-se incluídos no grupo de intervenção e 50% (n=5) no grupo controlo. Pela análise dos dados observa-se que a diferença do número de problemas de saúde verificada nos grupos de intervenção e controlo não tem significado estatístico para nenhuma das patologias referidas. O número médio de medicamentos consumidos pelos idosos foi de 7,5±4,5 medicamentos. 52% (n=28) dos participantes no estudo disseram tomar um número total de medicamentos igual ou inferior a quatro. De acordo com vários estudos,7 a média do número de medicamentos utilizados pela população idosa refere-se a cinco ou mais medicamen- Efeito da adesão à terapêutica no estado de saúde do idoso tos em simultâneo. Dos 274 medicamentos consumidos no grupo de intervenção, 22% (n=61) eram antihipertensores, 12% (n=33) antidislipidémicos, 8% (n= 23) antidiabéticos e 6% (n=17) antitrombóticos. Além destes, verificou-se que 51% (n=140) dos medicamentos consumidos pertenciam a outros grupos terapêuticos. Estes resultados reforçam a importância que os fatores de risco das doenças cardiovasculares ocupam no ranking das patologias mais frequentes, responsáveis por elevadas taxas de mortalidade e morbilidade a nível mundial.21 Não foram avaliadas as possíveis interações entre os medicamentos, assim como não foram monitorizadas as manifestações decorrentes de reações adversas, uma vez que o objetivo do estudo se prendeu exclusivamente com a avaliação do impacto da intervenção farmacêutica na adesão à terapêutica prescrita pelo médico. Tendo em conta a diversidade e a complexidade dos comportamentos não se torna fácil determinar, de forma precisa, o nível de não adesão aos tratamentos, na medida em que este depende do tipo de doença, do regime terapêutico e da metodologia utilizada para avaliar esta mesma adesão aos tratamentos. Segundo Eraker,22 a maior das estimativas de não adesão situa-se num nível de 92% para os tratamentos de curta duração e em média de 50% nas doenças crónicas; Barat, Andreasen e Damsgaard23 situam as suas estimativas de não adesão aos tratamentos entre 20% a 70%; Balkrishnan,24 por sua vez, considera que a adesão aos tratamentos de longa duração (que é onde o problema mais se faz sentir) se situa, a maior parte das vezes, abaixo dos 50%, afirmando que, em doentes idosos, 26 – 59% não aderem convenientemente aos tratamentos. Como sugere Leventhal e Cameron,25 a grande amplitude das estimativas de adesão através das diferentes doenças e tratamentos, e até dentro do mesmo regime terapêutico, significa que este é um problema multi-factorial extremamente complexo. Apesar de todas as dificuldades, têm sido utilizados alguns métodos para aceder ao nível de adesão aos tratamentos que podem ser divididos, segundo autores como Osterberg e Blaschke10 e Leite e Vascon- ��� cellos,26 em métodos diretos – de que são exemplo os marcadores bioquímicos – e em métodos indiretos – em que se insere o “self-report” (auto-relato), as entrevistas e os resultados terapêuticos, mas também medidas comportamentais, como a contagem de medicamentos ou os relativamente recentes monitores computadorizados de adesão. No entanto, todos estes métodos apresentam problemas, não havendo consenso sobre qual o método mais fiável de deteção da adesão. Por exemplo, segundo Leite e Vasconcellos26, os métodos diretos, porque detetam o medicamento nos fluidos biológicos do doente, apresentariam em geral maior sensibilidade e especificidade; contudo, Morisky, Green, e Levine27 argumentam que usar marcadores bioquímicos é pouco prático na maioria dos contextos clínicos e não está disponível para grande parte dos medicamentos; além disso, a interpretação destes marcadores, enquanto medidas de adesão, é complexa devido às diferenças individuais de reação aos fármacos.22 Por seu lado, à partida, os métodos indiretos como o “self-report” e a entrevista parecem ser pouco fiáveis – talvez não por acaso já Hipócrates, como refere Leite e Vasconcellos,26 considerava que os doentes mentem frequentemente quando lhes é perguntado se tomaram os medicamentos. De facto, o desejo de agradar ou de evitar a desaprovação leva a que os doentes enviesem frequentemente as suas respostas para se mostrarem a eles próprios e sobretudo aos outros como doentes com uma maior adesão do que realmente acontece. Alguns doentes ainda, na verdade, nem se percebem a eles próprios como pertencentes ao grupo de não adesão pelo que seria inútil perguntar-lhes se tomaram corretamente o medicamento ou fizeram determinada dieta. Assim, no entender de alguns autores, o resultado clínico pode ser usado como medida de adesão quando, a um dado tratamento, está associado um resultado clínico de sucesso preciso (e.g. nível de glicose ou a pressão arterial). Porém, também referem que aqui pode facilmente ocorrer o chamado “efeito da escova de dentes”, em que o doente adere ao tratamento apenas durante o estudo. Dentro dos métodos indiretos e comportamentais a contagem de medicaActa Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Efeito da adesão à terapêutica no estado de saúde do idoso mentos, tem, ainda assim, merecido a preferência de muitos investigadores.14,26,28 Em Portugal, Ramalhinho29 utilizou também esta metodologia para aceder ao nível de adesão à terapêutica anti-hipertensora, mas esta metodologia também oferece dificuldades e os resultados podem ser enviesados. Como refere Ramalhinho, se o doente se apercebe, ou é avisado que está a ser controlado com o objetivo de medir a sua adesão aos tratamentos, pode tomar os medicamentos com maior assiduidade do que tomaria normalmente, ou até mesmo deitá-los fora, de modo a procurar agradar ao farmacêutico. Por outro lado, o método da contagem dos medicamentos é moroso, pois obriga a visitas a casa do doente no pressuposto que o doente guarde na mesma todos os medicamentos que está a tomar. Com a finalidade de contornar algumas destas dificuldades e, sobretudo, com o objetivo de criar um método que, oferecendo boas qualidades psicométricas, permitisse ao mesmo tempo uma aplicação extensiva, regular, e que se adaptasse facilmente a qualquer contexto clínico, Morisky e seus colaboradores27 desenvolveram uma medida de quatro itens para avaliar a adesão aos tratamentos, a cujos itens os inquiridos devem responder de forma dicotómica (“sim/não”). Segundo os autores, a originalidade desta escala relativamente a outras formas de “self-report” reside, fundamentalmente, na construção das questões pela negativa, em que a resposta “não” significa adesão. Este facto permite, segundo os mesmos autores, evitar os enviesamentos de alguma propensão para a aquiescência e, desta forma, fugir pelo menos a parte dos inconvenientes acima referidos quando se pergunta aos doentes se tomaram os medicamentos. No entanto, o facto da resposta aos itens da medida de adesão ser na forma dicotómica torna esta escala pouco sensível para captar as diversas situações em termos de comportamentos de adesão. Apesar de não existir um “gold standard” de acesso à adesão e de as medidas de “self-report” sofrerem de algumas incontestáveis limitações acima discutidas, compartilhamos o entendimento de Chesney e seus colaboradores30 que consideram, referindo-se especificamente às medidas desenvolvidas por Morisky e seus colegas, que as medidas de “self-report” mostram ter uma validade concorrente e expectante satisfatória quando utilizadas em estudos devidamente controlados. Como método de medição da adesão foi, assim, selecionado o método indireto, uma vez que o método direto implicaria a utilização de medições dispendiosas e a observação direta da terapêutica o que, no contexto deste estudo, seria impraticável. Neste método, proposto por Morisky, o cumprimento da terapia prescrita é avaliado de acordo com quatro perguntas, elaboradas de tal forma que minimizam o viés das respostas predominantemente positivas.27 Ao mesmo tempo, procurou fazer-se uma avaliação complementar desta escala, tomando como critério a contagem de medicamentos: a não adesão foi também avaliada, no grupo de intervenção, pelo número de medicamentos que o idoso não tomava e que ficavam no “blister pack”. O problema da adesão aos tratamentos não ocorre só relativamente à toma dos medicamentos prescritos pelo médico; coloca-se também noutros momentos mais a montante do processo terapêutico (falta às consultas, não aquisição de todos os medicamentos prescritos etc.), e noutros tipos de tratamentos, que não os medicamentosos, de mais difícil medição por métodos comportamentais ou outros. Neste sentido, o magno beneficio de possuir um instrumento de “self-report” validado consiste na sua grande flexibilidade e adaptabilidade a grande parte dos contextos clínicos e terapêuticos. No início do estudo a taxa de adesão dos idosos foi de 70% (n=38), verificando-se o mesmo valor quer no grupo de intervenção quer no grupo controlo; no segundo momento de recolha de dados, a taxa de adesão foi de 89% (n=48), sendo a diferença foi estatisticamente significativa (p=0,002). Estes resultados revelam que o acompanhamento farmacêutico contribuiu para uma melhoria no cumprimento da terapia prescrita pelo médico no grupo de intervenção, quer ao nível da preparação da medicação quer por influência da persistência do aconselhamento e acompanhamento. Note-se que, dentro da lógica da medida de adesão com resposta numa escala dicotómica, o doente só é classificado como “com adesão” ou como “com não adesão” se acumular respostas com o mesmo sentido. A questão é que, na verdade, um Efeito da adesão à terapêutica no estado de saúde do idoso doente pode não ter adesão por uma única razão, por exemplo, porque entende que tomando sempre apenas 50% da prescrição é suficiente para obter os resultados clínicos desejados. Ora, a medida de adesão com resposta na forma de escala dicotómica não permite detetar situações desta natureza. Assim, no geral, os resultados do presente estudo proporcionam alguma confiança quanto à consistência interna e quanto à validade concorrente da medida de adesão aos tratamentos dos itens com resposta na forma de escala de Morisky que adotámos mas, não obstante, pensamos que é necessário continuar o trabalho de testar e validar este importante instrumento psicométrico relativamente a outros critérios, ou outros contextos clínicos, de forma a tentar encontrar, como referem Leite e Vasconcellos,26 um “gold standard” para medir a adesão à terapêutica. Neste estudo foram referidos pelos participantes vários fatores que interferiram com a adesão à terapêutica – (1) - rendimentos que não permitem a aquisição da totalidade da prescrição (2 idosos); (2) o esquecimento da toma da medicação (motivo único mencionado por 8 idosos, dos quais 6 integravam o grupo de intervenção); (3) - a paragem da toma da medicação quando se sentem melhor (motivo único para 3 idosos); (4) - paragem da medicação quando se sentem melhor e/ou efeitos secundários (n=5). Existiram igualmente duas situações que poderão ter influenciado a não adesão à terapêutica: 13% dos participantes mencionou uma acuidade auditiva má e 72% uma acuidade visual má. Os múltiplos tratamentos requeridos para tratar as patologias que comummente surgem durante o envelhecimento implicam, de uma maneira geral, prescrições complexas e difíceis de seguir. Esta questão pode ainda ser agravada pelo frequente declínio cognitivo observado nesse período, sendo o esquecimento uma das causas que torna os idosos fortes candidatos a não aderir à prescrição médica. Vários estudos têm demonstrado que a utilização de estratégias de memória prospetiva por idosos pode contribuir para uma maior adesão à terapêutica, minimizando ou compensando as dificuldades mnemónicas observadas em idosos, como as enfrentadas para seguir o regime terapêutico, auxiliando-os na preservação da sua autonomia e promoção da ��� sua qualidade de vida. As questões relativas ao ato de recordar são usualmente divididas em dois tipos de memória: a retrospetiva (R) – quando alguém relembra informações aprendidas no passado – e a prospetiva (P) – quando alguém relembra a execução de uma ação que será desenvolvida no futuro. A memória prospetiva envolve a recuperação de uma intenção de ação que está armazenada na memória de longo prazo, requerendo um relembrar retrospetivo: por exemplo, o seguimento do regime terapêutico prescrito. Relembrar o contexto da informação e o seu detalhe refere-se ao componente retrospetivo, enquanto recordar de fazer a ação orientada no tempo exato refere-se à memória prospetiva. As estratégias de memória podem também ser classificadas, segundo o mecanismo pelo qual a informação é manipulada, em internas (I) ou externas (E), As primeiras envolvem atividades mentais, tais como codificação mnemónica e estratégias de recuperação de memória, e as segundas contemplam as manipulações externas do ambiente, sendo estas as mais utilizadas pelos idosos para tarefas de memória prospetiva. Especificamente, no caso do uso de medicamentos, ao associar os horários de administração dos medicamentos com atividades rotineiras, os doentes estão a utilizar uma estratégia de memória interna, enquanto que, ao fazerem anotações e deixarem bilhetes em locais visíveis para se lembrarem de tomar os seus medicamentos, estão a empregar uma estratégia externa. Independentemente da natureza interna ou externa da estratégia a ser escolhida, quando as pessoas procuram estas ferramentas por si próprias mostram-se mais motivadas para o uso das mesmas, tornando-se mais convictas da sua efetividade. Com o intuito de verificar se os participantes do estudo usaram algum tipo de estratégias de memória (tipo e natureza) para a toma dos medicamentos foi realizado o inquérito nos dois grupos dos idosos no início e no fim do estudo, tendo sido também verificada e analisada a influência do número total de medicamentos na utilização das referidas estratégias. No 1º momento de avaliação foram verificadas respostas a 4 questões (3-IR e 1-IP) com diferenças estatisticamente significativas nos 2 grupos do estudo – o grupo controlo foi mais utilizador das Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Efeito da adesão à terapêutica no estado de saúde do idoso estratégias referidas nas 4 questões do que o grupo de intervenção. Estes resultados vão de encontro ao facto do grupo mais utilizador das estratégias de memória incluir os idosos que não aceitaram a preparação da medicação, depreendendo terem adotado uma metodologia auto-suficiente de atuação para a toma dos medicamentos que levou a rejeitarem “ajuda externa” nesse sentido. Muitos idosos, pela dificuldade em aceitar as limitações inerentes ao processo de envelhecimento, como a diminuição da capacidade cognitiva, podem manter o uso de estratégias internas, ao invés de empregarem estratégias externas que possam ser mais efetivas para recordarem posteriormente, como, por exemplo, quando rejeitam o auxílio de outros para lhes lembrar de administrar os seus medicamentos. No presente estudo isto ficou evidenciado quando, por exemplo, ao responderem a determinadas questões do questionário, os idosos diziam: “não preciso que me ajudem, eu mesmo faço”. No entanto, contradiziam-se quando confirmavam que às vezes não lembravam do uso de algum medicamento. Pela análise de todos os resultados das estratégias de memória (ER, IR, EP e IP) no 1º e 2º momentos de avaliação verificouse que não houve diferenças (n=54), o que leva a concluir que os idosos tendem, de uma maneira geral, a usar estratégias de memória como um mecanismo compensatório para o esquecimento dos medicamentos a serem administrados. Relativamente ao tipo de instruções para o uso de medicamentos, a maioria dos participantes referiu, nos dois momentos de avaliação, que se lembrava mais facilmente se for referido que a toma dos medicamentos deva ser realizada no período das refeições. Independentemente do número total de medicamentos que os participantes tomam, a maior percentagem de idosos adota estratégias de tipo e natureza ER. Para verificar se o número total de medicamentos de cada idoso influencia a adoção de estratégias de memória prospetiva para a toma dos medicamentos compararam-se o primeiro e o segundo momentos de avaliação e verificou-se que não ocorreram diferenças estatisticamente significativas, ou seja, o número de medicamentos não leva a que os idosos apliquem estratégias em número mais elevado. Comparando as estratégias de memória dos participantes para a toma de medicamentos, por tipo e natureza, com a Adesão e Não Adesão à terapêutica, no primeiro e no segundo momentos de avaliação, verifica-se que, no primeiro momento, a maioria dos indivíduos que não adere à terapêutica utiliza um número de estratégias mais elevado. Esta situação reflete a tentativa, por parte dos idosos, de minimizar a não adesão com a utilização de estratégias de memória para a toma de medicamentos. No segundo momento apenas os idosos que utilizavam estratégias ER apresentaram diferenças quando se comparam os grupos com e sem adesão (p=0,048). Fazendo uma análise global sobre a utilização de estratégias de memória para a toma de medicamentos, acreditamos ser imprescindível a realização de mais estudos com idosos nesta área. No entanto, entendemos que é necessário padronizar a deteção da adesão, pois existem inúmeros artigos com formas e dados completamente diferentes sem que se possam comparar os resultados obtidos. A identificação das variáveis que alteram a adesão permite criar metodologias para a otimizar, tanto através de estratégias de memória, como modificando comportamentos terapêuticos. Salienta-se o facto que, neste estudo, o levantamento das características relativas a variáveis sócio-demográficas, hábitos de vida, alimentação, autonomia para atividades da vida diária, bem como a utilização de estratégias de memória, serviu de base para a abordagem a ser feita no momento da intervenção farmacêutica. Estes dados contribuíram não apenas para auxiliar na seleção de uma linguagem acessível e indicar as informações a serem fornecidas, como também para motivar os idosos em comportamentos de adesão à terapêutica prescrita. É importante educar o idoso, mostrando a necessidade de um comportamento correto em relação à medicação. Todavia, os idosos inquiridos não foram avaliados quanto à sua capacidade de aprendizagem, atenção e memória, que podem ter influenciado a sua recordação posterior acerca das orientações fornecidas por meio da intervenção farmacêutica e, consequentemente, interferido nos re- ��� Efeito da adesão à terapêutica no estado de saúde do idoso sultados obtidos entre os grupos do estudo. O resultado clínico pode ser usado como medida de adesão quando, a um dado tratamento, está associado um resultado clínico de sucesso preciso (ex. glicemia ou pressão arterial), apesar de poder facilmente ocorrer o chamado “efeito da escova de dentes”, ou seja, o doente evidencia adesão ao tratamento apenas durante o estudo. Mesmo assim, e correndo esse risco, foi realizado um estudo comparativo da distribuição dos valores dos vários parâmetros bioquímicos e físicos antes, durante e no fim do estudo. Esta metodologia permitiu não apenas averiguar se as orientações fornecidas ao grupo de intervenção promovem a adesão, como também, observar a evolução do perfil de diversos parâmetros. A evolução dos valores do perfil lipídico, glicemia, pressão arterial e risco cardiovascular global foram analisadas em cada grupo no decurso do estudo, com uma periodicidade mensal. Em todos os participantes (n=54) e em todas as determinações foi calculada a diferença entre os dois momentos de avaliação (inicial e final) (Tabela 1). Para identificar em que grupo do estudo se localizavam as diferenças verificadas nos vários parâmetros foi efetuada a distribuição dos resultados dos parâmetros, no momento inicial e final de avaliação, nos participantes do grupo de intervenção (n=44) e nos participantes do grupo controlo (n=10) (Tabela 2 e 3). Os resultados revelam que os valores dos parâmetros determinados nos idosos são similares nos dois grupos no início da intervenção. Como a utilização da terapêutica é, na maioria dos casos prolongada, foi avaliada a influência do tempo na evolução dos valores do perfil lipídico, glicemia, pressão arterial e risco cardiovascular global em cada grupo no decurso do estudo, com uma periodicidade mensal. Para o aumento de uma unidade de tempo (em meses), relativamente ao Tabela 1 – Distribuição dos resultados dos parâmetros nos momentos inicial e final de avaliação e a diferença entre os dois momentos de avaliação no total dos participantes do estudo (n=54). Momento inicial de avaliação (MI) Mdn P25 P75 Momento final de avaliação Diferença entre os dois momentos (MF) de avaliação (MF-MI) P75 p# Parâmetro COL T 181 144 195 170 148 190 0,00 -10,00 5,00 GLIC 118 98 148 109 97 123 -8,00 -27,00 3,00 HDL-c 52 42 59 55 45 60 1,00 -1,00 6,00 LDL-c 76 63 109 79 62 104 0,50 -5,00 5,00 PAD 79 70 87 73 70 79 -3,50 -10,00 3,00 PAS 142 132 155 137 128 143 -7,00 -12,00 1,00 RCV 4 2 6 3 2 4 0,00 -1,00 0,00 TG 151 110 202 150 113 182 -2,00 -18,00 5,00 Mdn P25 P75 Mdn P25 0,414 0,003 0,040 0,981 0,020 <0,001 <0,001 0,077 Mdn-mediana; P-Percentil; #-Teste de Wilcoxon. Tabela 2 – Distribuição dos resultados dos parâmetros nos momentos inicial e final de avaliação nos participantes do estudo do grupo de intervenção (n=44). Momento inicial de avaliação (MI) Mdn P25 P75 Momento final de avaliação Diferença entre os dois momentos (MF) de avaliação (MF-MI) Mdn P25 P75 Mdn P25 P75 p# Parâmetro COL T 182 142 198 172 150 190 -1,50 -10,00 3,50 GLIC 120 98 147 107 96 121 -11,00 -29,00 2,00 HDL-c 51 42 58 54 45 60 1,50 -1,00 6,00 LDL-c 79 64 113 80 66 107 1,50 -6,00 5,00 PAD 78 70 87 72 70 79 -4,00 -10,00 2,50 PAS 142 130 155 137 127 143 -7,00 -13,00 3,00 RCV 4 2 8 3 2 4 0,00 -1,00 0,00 TG 154 115 207 150 117 183 -2,50 -30,50 6,00 0,134 <0,001 0,018 0,933 0,012 <0,001 0,001 0,060 Mdn-mediana; P-Percentil; #-Teste de Wilcoxon. Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Efeito da adesão à terapêutica no estado de saúde do idoso Tabela 3 – Distribuição dos resultados dos parâmetros no momento inicial e final de avaliação nos participantes do estudo a quem não foi preparada a medicação (n=10). Momento inicial de avaliação (MI) Mdn P25 Momento final de avaliação Diferença entre os dois momentos (MF) de avaliação (MF-MI) P75 Mdn P25 P75 Mdn P25 P75 Parâmetro COLT 156 146 188 157 140 193 4,00 1,00 14,00 GLIC 111 97 148 131 100 168 2,00 -18,00 27,00 HDL-c 57 47 67 55 45 65 -0,50 -2,00 1,00 LDL-c 66 59 81 71 57 89 0,00 -1,00 4,00 PAD 79 72 92 77 72 80 -1,50 -7,00 11,00 PAS 152 134 164 135 130 156 -7,00 -12,00 -2,00 RCV 4 2 5 3 2 4 0,00 -1,00 0,00 TG 145 86 188 144 90 182 -1,00 -4,00 4,00 p# 0,241 0,514 0,623 0,933 0,859 0,028 0,063 0,919 Mdn-mediana; P-Percentil; #-Teste de Wilcoxon. grupo de intervenção, pelo facto do individuo ter Ainda que os conteúdos educacionais mencio- sido acompanhado na preparação da medicação, nados em diversos estudos apresentem diferenças quando comparado com os indivíduos sem entre os tópicos abordados, é importante salientar acompanhamento da terapêutica, o efeito foi que foram todos unânimes em detalhar com o idoso estatisticamente significativo para a glicémia, PAD, a terapia farmacológica a ser seguida, à semelhança PAS e RCV (Tabelas 4, 5, 6 e 7). Nesta análise, embora do que foi utilizado no presente trabalho. Assim, ao os resultados não tenham evidenciado diferenças considerar-se os dados obtidos neste estudo e o ins- estatisticamente significativas, poderemos referir, trumento elaborado para a condução da interven- de acordo com indicações no ATP III, que se ção farmacêutica, este último parece ter sido eficaz aumentássemos o período de estudo poderíamos na promoção da adesão à terapêutica. 15 obter resultados diferentes uma vez que o As publicações analisadas dão um enorme ên- estudo apenas decorreu em 4 meses e, para estes fase à repercussão relacionada à não adesão à tera- parâmetros ,o fator tempo é fundamental para se pêutica no idoso, tanto no controlo dos sintomas, obterem alterações significativas. Acrescenta-se que quanto na manutenção da sua capacidade funcional a redução destes parâmetros não depende apenas e qualidade de vida. Neste sentido, e considerando do uso correto do medicamento mas, também, de os múltiplos fatores associados à adesão medica- outros fatores que possam estar envolvidos, tais mentosa nos idosos, devem ser analisadas muitas como dieta, prática de exercício físico, tabagismo, variáveis para um completo entendimento acerca etilismo, os quais foram questionados apenas na dos aspetos que motivam os idosos para o segui- primeira etapa da recolha de dados deste estudo. mento da terapia prescrita. Deste modo, não foi possível verificar se houve Deste modo, salientamos que variáveis não mudanças nos comportamentos dos idosos, o avaliadas neste estudo podem ter interferido nos que caracteriza uma limitação deste estudo. Outra resultados alcançados, tais como ansiedade, capaci- eventual explicação é o facto de termos partido dade memorização e de aprendizagem e patologias de valores dos parâmetros muito semelhantes e a associadas, entre outras. Entretanto, os dados des- respetiva evolução ter decorrido de modo similar, o critivos obtidos podem contribuir para a elaboração que contribuiu para que não se tivessem verificado, de estudos futuros, que possam, por exemplo, ser- no fim do estudo, diferenças estatisticamente vir de base à compreensão dos fatores preditivos da significativas. adesão à terapêutica em idosos. Efeito da adesão à terapêutica no estado de saúde do idoso ��� Tabela 4 – Modelo GEE para a Glicose B IC 95% Preparação da medicação (PM) Não (1) - - Sim (0) -13,360 -50,451; 23,731 Tempo (em meses) 1,860 -2,797; 6,517 Interação Não PM * Tempo - - Sim PM * Tempo -7,103 -12,298; -1,908 Constante 142,810 107,423; 178,197 p 0,480 0,434 0,007 <0,001 IC- Intervalo de confiança; Variável dependente: Glicose; Variáveis independentes: tempo e grupo de preparação terapêutica com interações Tabela 5 – Modelo GEE para a PAD B IC 95% Preparação da medicação (PM) Não (1) - - Sim (0) 0,328 -5,858; 6,515 Tempo (em meses) -1,054 -1,940; -0,167 77,281 71,297; 83,264 Constante p 0,917 0,020 <0,001 IC- Intervalo de confiança; Variável dependente: PAD; Variáveis independentes: tempo e grupo de preparação terapêutica sem interações. Tabela 6 – Modelo GEE para a PAS B IC 95% Preparação da medicação (PM) Não (1) Sim (0) -5,004 -18,470; 8,462 Tempo (em meses) -2,620 -3,720; -1,520 145,305 131,959; 158,651 Constante p 0,466 <0,001 <0,001 IC- Intervalo de confiança; Variável dependente: PAS; Variáveis independentes: tempo e grupo de preparação terapêutica sem interações. Tabela 7 – Modelo GEE para a RCV B IC 95% Preparação da medicação (PM) Não (1) - - Sim (0) 0,348 -1,028; 1,724 Tempo (em meses) -0,256 -0,396; -0,115 4,009 2,841; 5,176 Constante p 0,620 <0,001 <0,001 IC- Intervalo de confiança; Variável dependente: RCV; Variáveis independentes: tempo e grupo de preparação terapêutica sem interações. A intervenção farmacêutica faz parte de um processo educacional para a utilização dos medicamentos e, sendo assim, não se estabelece num ato isolado dos demais profissionais da saúde. Em geriatria, a assistência ao idoso deve ter uma dimensão multidisciplinar, com a participação de todos os profissionais envolvidos na promoção da qualidade de vida dos idosos. Apesar das limitações encontradas na relização deste trabalho, julgamos poder concluir que o objetivo deste estudo foi na sua generalidade alcançado, uma vez que a intervenção farmacêutica contribuiu para a adesão à terapêutica, reduzindo deste modo o impacto de fatores de risco associados às doenças cardiovasculares, contribuindo também para a promoção da qualidade de vida dos idosos. Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Efeito da adesão à terapêutica no estado de saúde do idoso 5.Conclusão Os resultados obtidos permitem, em síntese, chegar às seguintes respostas relativamente às questões colocadas no início deste trabalho: as taxas de adesão à prescrição médica no primeiro e no segundo momento de recolha de dados foram de 70% (n=38) e de 89% (n=48), respetivamente, o que traduz um amento da adesão à terapêutica; os indivíduos que não aderiram à terapêutica apresentaram um número de estratégias de memória (ER) mais elevado; a intervenção farmacêutica contribuiu para promover nos idosos participantes no estudo a adesão à terapêutica prescrita com diferenças estatisticamente significativas para as determinações de glicemia, HDL-c, PAD, PAS e RCV. 6. Referências Bibliográficas 1. World Health Organization. Active ageing: a policy Framework. Geneva. 2002; [ Acedido a 08 de Fevereiro de 2011]. 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Lista de Abreviaturas ADA “American Diabetes Association” AVC Acidente Vascular Cerebral COL T Colesterol Total DM Diabetes Mellitus GEE Equações de Estimação Generalizados GLI Glicose HDL-c Colesterol HDL HTA Hipertensão Arterial IC Intervalo de Confiança IMC Indíce de Massa Corporal LDL-c Colestrol LDL mg/dl Miligramas por decilitro mmHg Milímetros de mercúrio NCEP ATP III OMS PA PAD PAS RCV SNC SPSS TG WHO “National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III Guidelines” Organização Mundial de Saúde Pressão Arterial Pressão Arterial Diastólica Pressão Arterial Sistólica Risco Cardiovascular Sistema Nervoso Central “Statistical Package for Social Sciences” Triglicerídeos “World Health Organization” Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Efeito da adesão à terapêutica no estado de saúde do idoso Procedimentos Operativos Normalizados para pesquisa de informação clínica sobre reações adversas no contexto da infeção VIH/SIDA ��� Serviços Farmacêuticos em Doentes com Insuficiência Renal Crónica Salgado T.M.1, Moles, R.2, Benrimoj, S. I.3, Fernandez-Llimos, F.4* Research Institute for Medicines and Pharmaceutical Sciences (iMed.UL), Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa, Portugal Faculty of Pharmacy, University of Sydney, Sydney, Australia (3) Graduate School of Health, University of Technology Sydney, Sydney, Australia (4) Departamento de Sócio-Farmácia, Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa, Portugal * [email protected] (1) (2) Resumo O papel dos farmacêuticos na assistência a doentes com insuficiência renal crónica tem sido documentado na literatura internacional e este estudo teve como objetivo compilar os serviços farmacêuticos prestados para que possam vir a ser considerados para eventual adaptação à realidade Portuguesa. Conduziu-se uma busca nas fontes secundárias Medline, International Pharmaceutical Abstracts, Pharmacy Abstracts e The Cochrane Library para recolher estudos descrevendo intervenções farmacêuticas em doentes com insuficiência renal crónica. No final, e após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram incluídos e analisados 37 estudos (correspondendo a 38 artigos). As intervenções farmacêuticas reportadas nos estudos foram: revisão do perfil farmacoterapêutico para identificação de problemas relacionados com a medicação, ajuste e otimização da terapêutica, identificação e correção de discrepâncias nos processos clínicos, avaliação da adequação da terapêutica durante a admissão e alta hospitalares, monitorização de parâmetros laboratoriais, implementação de protocolos de atuação na anemia, hiperparatiroidismo secundário, e hiperlipidemia, educação dos doentes, promoção da adesão à terapêutica, participação nas visitas médicas e reuniões multidisciplinares, comunicação e interação com outros profissionais de saúde, e fornecimento de informação sobre a escolha de fármacos e regimes terapêuticos. Em conclusão, a análise da literatura internacional revelou uma multiplicidade de potenciais intervenções farmacêuticas em doentes com insuficiência renal crónica que evidenciam o potencial de atuação do farmacêutico no processo de uso de medicamentos destes doentes e na melhoria dos resultados clínicos. Palavras-Chave: Cuidados Farmacêuticos, Insuficiência Renal Crónica, Serviços Farmacêuticos, Revisão Sistemática. Abstract The role of pharmacists caring for patients with chronic kidney disease has been documented in the international literature. This study aims at compiling all pharmaceutical services provided to these patients in order to adapt them to the Portuguese reality. Medline, International Pharmaceutical Abstracts, Pharmacy Abstracts and The Cochrane Library were searched for studies describing pharmacist interventions in patients with chronic kidney disease. Ultimately, and after applying the inclusion and exclusion criteria, 37 studies (corresponding to 38 articles) were included and analysed. Pharmacist interventions reported were: performing medication reviews to identify drug-related problems, adjusting and optimising drug therapy, identifying and correcting drug Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Serviços Farmacêuticos em Doentes com Insuficiência Renal Crónica records discrepancies, evaluating admission and discharge medication appropriateness, performing laboratory monitoring of specific parameters, implementing anaemia-managing, phosphate-managing and lipid-managing protocols, performing patient education, improving compliance, participating in medical rounds and multidisciplinary patient care meetings, communicating and interacting with other health care professionals, and providing information about drug selection and therapeutic regimes. In conclusion, a multitude of potential pharmacist interventions in patients with chronic kidney disease was reported in the literature, where pharmacists played a key role in contributing to improve the process of use of medicines and clinical outcomes in these patients. Keywords: Chronic Kidney Disease, Pharmacy Services, Pharmacists, Systematic Review. 1. Introdução A insuficiência renal crónica é um problema de saúde pública de importância crescente. O diagnóstico precoce é crucial para atrasar a progressão da doença para um estadio de insuficiência renal crónica terminal, situação em que os doentes são obrigados a iniciar um tratamento substitutivo da função renal, seja através de técnicas dialíticas ou do transplante renal.(1) Em Portugal, dados da Sociedade Portuguesa de Nefrologia referentes ao ano de 2010 revelaram que entre 1997 e 2010 se verificou uma tendência crescente na prevalência pontual de doentes submetidos a diálise de 595 (em 1997) para 1014,14 (em 2010) por milhão de habitantes (pmh). A prevalência pontual registada para cada uma das opções de tratamento substitutivo da função renal, respetivamente hemodiálise, diálise peritoneal e transplante renal, foi de: 953,21 pmh, 60,91 pmh, e 561,77 pmh. No que se refere aos dados de incidência, 217,24 pmh novos doentes iniciaram hemodiálise, 17,10 pmh diálise peritoneal, e 1,59 pmh receberam um transplante renal em 2010. A causa mais comum de insuficiência renal crónica terminal dos doentes incidentes em hemodiálise (n=2271) foi em quase metade dos casos resultado de patologias de base como a diabetes (33,6%) e a hipertensão arterial (15,5%).(2) Os doentes com insuficiência renal crónica terminal em hemodiálise tomam uma média de 12 medicamentos e apresentam em média seis comorbilidades.(3, 4) Os doentes que receberam um transplante renal apresentam igualmente um perfil farmacoterapêutico complexo (5), e a adesão à terapêutica imunossupressora é essencial para evitar a rejeição do enxerto (6), bem como os custos de saúde inerentes à não-adesão.(7) Problemas com o processo de uso dos medicamentos em doentes que fazem hemodiálise são frequentemente reportados na literatura (8), e está descrita uma maior probabilidade de ocorrência de problemas relacionados com os medicamentos quanto maior o número de comorbilidades apresentadas pelo doente.(4) A fraca adesão ao regime terapêutico instituído constitui também um problema associado ao processo de uso dos medicamentos que nos doentes em hemodiálise pode atingir os 67%.(9) Os farmacêuticos nas últimas décadas têm vindo a ampliar o seu leque de competências para além da tradicional função de dispensa da medicação. (10) Vários são os estudos que descrevem efeitos positivos de serviços farmacêuticos em condições como: doença cardíaca (11), asma (12), hipertensão arterial (13), diabetes (14), hiperlipidemia (15), terapêutica anti-trombótica (16) ou terapêutica substitutiva de opióides.(17) Em Portugal, o papel dos farmacêuticos na assistência a doentes com insuficiência renal crónica é ainda limitado, não tendo sido encontradas publicações Portuguesas nesta área. Como tal, a análise da Serviços Farmacêuticos em Doentes com Insuficiência Renal Crónica literatura internacional reveste-se de elevada importância no conhecimento do tipo de intervenções farmacêuticas realizadas em doentes com insuficiência renal crónica e foi durante um processo de avaliação do impacto dessas intervenções (18) que se procedeu à compilação destes serviços. 2. Objetivo Este estudo teve como objetivo compilar os serviços farmacêuticos prestados a doentes com insuficiência renal crónica a nível internacional para que possam vir a ser considerados para eventual adaptação à realidade Portuguesa. 3. Material e Métodos 3.1 Amostra A metodologia utilizada neste estudo foi coincidente à anteriormente descrita aquando da avaliação do impacto das intervenções farmacêuticas em doentes com insuficiência renal crónica a nível internacional.(18) Assim, com o objetivo de compilar os serviços farmacêuticos prestados a estes doentes, conduziu-se uma pesquisa bibliográfica sem limites temporais em Março de 2010 nas seguintes fontes de informação secundárias e obedecendo à estratégia de busca abaixo indicada: • PubMed: (“pharmaceutical services”[mh] OR pharmacists[mh] OR pharmacies[mh]) AND (“renal insufficiency, chronic”[mh] OR “renal dialysis”[mh] OR “kidney transplantation”[mh]); • International Pharmaceutical Abstracts (Ovid): (“renal disease” OR “kidney disease” OR “dialysis” OR “renal transplant”) AND (pharmacist OR pharmacists); • Pharmacy Abstracts: (pharmacy OR pharmacist) AND (dialysis OR “kidney transplant”); • The Cochrane Library (CENTRAL): kidney AND pharmacist plus renal AND pharmacist. ��� Complementarmente, a bibliografia dos artigos recolhidos foi também analisada para incluir outros estudos não abrangidos pela estratégia de busca. Os títulos e resumos dos artigos obtidos a partir da pesquisa, e após eliminação de duplicados, foram analisados independentemente por dois autores (T.M.S e F.F.L.). Em seguida, os artigos selecionados com base nos títulos e resumos foram lidos na íntegra para inclusão no último passo de seleção de artigos. 3.1.1 Critérios de inclusão Para serem incluídos na revisão sistemática, os estudos teriam que descrever intervenções farmacêuticas em doentes com insuficiência renal crónica, reportando medidas de resultados em saúde ou indicadores de processo de uso de medicamentos analisados após a referida intervenção. 3.1.2 Critérios de exclusão Os critérios de exclusão que abaixo se apresentam foram sequencialmente aplicados aos estudos. Assim, foram excluídos: 1.Artigos redigidos em outras línguas que não o Espanhol, Francês, Inglês, Italiano, ou Português; 2.Artigos sem resumo; 3.Artigos sem referência a intervenções realizadas por farmacêuticos em doentes com insuficiência renal crónica; 4.Artigos sem uma secção de métodos definida, artigos de revisão ou estudos de caso. 3.2 Parâmetros a investigar Os dados recolhidos dos artigos incluídos na revisão sistemática foram: ano de publicação, país onde foi conduzido, desenho do estudo, duração, local, objetivo, dados demográficos dos participantes, tipo de intervenção farmacêutica realizada, e medidas de processo ou resultados obtidos. O paradigma SPO (Structure, Process, Outcome) foi utilizado para definir processo como Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Serviços Farmacêuticos em Doentes com Insuficiência Renal Crónica “o que na realidade se faz em dar e receber cuidados, incluindo as atividades do doente na procura de cuidados e sua realização, assim como as atividades do profissional na elaboração do diagnóstico e recomendação ou implementação do tratamento” (19), e resultado em saúde como “alterações no estado de saúde atribuíveis à prestação desse cuidado”.(20) Uma intervenção farmacêutica foi definida como qualquer ação com o objetivo de modificar o processo de uso de medicamentos, seja através das atividades do doente seja através das atividades do profissional de saúde. A qualidade dos estudos controlados incluídos na revisão sistemática foi determinada recorrendo a um instrumento desenvolvido por Downs and Black (21), que consiste em 27 itens agrupados em 5 subescalas, e em que o máximo de pontuação é 32. Os resultados são apresentados em frações, sendo que 1.00 é a máxima pontuação possível, e Pubmed (248 registos) IPA (114 registos) scores mais altos refletem melhor metodologia do estudo. Para efeitos de classificação foram utilizados os padrões definidos por Machado e colaboradores, em que estudos com scores abaixo de 0.5 são considerados ‘pobres’, entre 0.50 e 0.69 ‘aceitáveis’, entre 0.70 e 0.79 ‘bons’, e entre 0.80 e 1.00 ‘muito bons’.(14) 4. Resultados A pesquisa recuperou 363 artigos potencialmente relevantes nas diferentes fontes secundárias e após eliminação de duplicados (Figura 1). Em seguida, foram aplicados os critérios de exclusão, o que resultou na inclusão e análise de um total de 37 estudos, correspondentes a 38 artigos (4, 22-58), incluindo 4743 participantes à data de início do estudo. Pharmacy Abstracts (16 registos) Cochrane Library (17 registos) Bibliografia (2 registos) Critérios de Exclusão: TOTAL (após eliminação de duplicados) 363 registos 1. Língua (n = 10) 2. Artigos sem um resumo (n = 71) 3. Artigos sem referência a intervenções realizadas por farmacêuticos em doentes com IRC (n = 240) 4. Artigos sem uma secção de métodos definida, artigo de revisão ou estudos de caso (n = 4) Incluídos na revisão sistemática: 38 artigos correspondentes a 37 estudos diferentes Figura 1 – Figura ilustrativa da estratégia de busca e identificação de publicações para inclusão na revisão sistemática. Serviços Farmacêuticos em Doentes com Insuficiência Renal Crónica Características e qualidade dos estudos Dos 37 estudos incluídos, 24 foram conduzidos nos Estados Unidos, dois na Nova Zelândia e Índia, e um em cada um dos seguintes países: Canadá, China, Colômbia, França, Japão, Malásia, Espanha, Tailândia e Reino Unido. Todos os artigos se encontravam escritos na Língua Inglesa, excetuando dois escritos em Espanhol. Relativamente ao desenho dos estudos, tratavam-se na sua maioria de estudos não controlados (n=29), registando-se apenas oito estudos comparando resultados de um grupo controlo e de um grupo de intervenção (com um total de 744 participantes) dos quais: quatro eram aleatorizados, dois não-aleatorizados, um corte prospetivo e, por último, um cruzado aleatorizado. Os estudos foram conduzidos em ambiente hospitalar (n=20), ambulatório (n=11) e clínicas de transplante renal (n=6). O tempo de acompanhamento oscilou entre as 4 semanas e os 3 anos. A idade média dos participantes incluídos nos estudos variou entre os 31.4 e os 65.9 anos, contudo 11 dos 37 estudos incluídos não referiam a idade dos participantes.(23, 24, 26, 28, 30, 31, 33, 40, 41, 46, 51) O rácio entre os sexos masculino e feminino foi de 1:0.91. Dos dados disponíveis, e apesar de alguns estudos não referirem o número total de participantes (24, 28, 33), 2139 doentes estavam a ser tratados por hemodiálise, 86 por diálise peritoneal, 1294 eram doentes com insuficiência renal crónica ainda não sujeitos a tratamento dialítico, 431 haviam recebido um transplante de rim, 627 eram doentes com insuficiência renal admitidos a um serviço de cuidados críticos de um centro médico e 92 eram doentes internados num hospital. A avaliação individual da qualidade de cada um dos nove artigos descrevendo oito estudos controlados originou uma média de pontuação de 0.57 (SD=0.10), o que se considera uma qualidade ‘aceitável’.(14) Não foi encontrada qualquer relação entre o ano de publicação e a qualidade dos estudos incluídos (P=0.870). ��� A duração média dos estudos foi de 11.1 (SD=10.6) meses. As interações entre os farmacêuticos e os doentes duraram entre 15 minutos (57) a 1.8 horas (54), tendo variado a periodicidade de cada intervenção entre mensal (37, 38) ou uma vez a cada quatro meses.(42) Nos 38 artigos analisados, 21 (55.3%) reportaram medidas de processo e resultados, 13 (34.2%) reportaram apenas indicadores de processo e 4 (10.5%) apenas resultados em saúde. Em 21 (55.3%) artigos apresentaram-se resultados clínicos, em apenas 5 (13.2%) descreveram-se resultados humanísticos e em 12 (31.6%) artigos foram reportados resultados económicos. Intervenções Farmacêuticas A intervenção mais frequentemente referida foi a revisão do perfil farmacoterapêutico para identificação de problemas relacionados com a medicação.(4, 23, 25, 27, 29, 30, 35, 38, 39, 41, 43, 47, 54-56) No total, os farmacêuticos identificaram 2683 problemas relacionados com a medicação em 1209 doentes. Em vários desses estudos, o farmacêutico fez igualmente recomendações terapêuticas ao médico prescritor em consequência dos problemas encontrados.(23, 27, 29, 36, 38, 43, 51, 54) No total, foram efetuadas 1849 recomendações, atingindo uma percentagem de aceitação que variou entre os 41 e os 100%. A relevância clínica dessas recomendações foi avaliada pelos médicos como ‘significativa’ em 57.5-78.0% dos casos, ‘muito significativa’ em 4.921.8% dos casos e ‘insignificante’ em 0-16.3% dos casos. Outros estudos relataram a intervenção farmacêutica como forma de ajustar e otimizar a terapêutica (36, 38, 40, 44, 50, 53, 55, 56), bem como identificar e corrigir discrepâncias nos processos clínicos (reconciliação da terapêutica).(23, 27, 37, 39, 54, 58) Foi também atribuído ao farmacêutico o papel de avaliação da adequação da terapêutica durante a admissão e alta hospitalares (29) e a monitorização de parâmetros laboratoriais.(23, 33, 34, 36, 48, 50) A implementação de protocolos de atuação previamente acordados entre os membros da Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Serviços Farmacêuticos em Doentes com Insuficiência Renal Crónica equipa de saúde, e em que o farmacêutico possui autonomia para iniciar, substituir, ou suspender terapêutica no âmbito do protocolo, foi descrita em vários estudos com resultados clínicos positivos em várias instâncias em condições como anemia (33, 34, 40, 44, 46), hiperparatiroidismo secundário (28, 52), e hiperlipidemia (36). No que se refere a anemia, a implementação destes protocolos por farmacêuticos resultou numa descida, ainda que não estatisticamente significativa, do tempo requerido para que doentes que iniciaram a terapêutica com eritropoietina atingissem o valoralvo de hemoglobina.(46, 48) Verificou-se, sim, uma percentagem significativamente mais elevada de doentes que alcançaram os valores-alvo de hemoglobina e de saturação da transferrina num outro estudo (69.8 versus 43.9%, P=0.0001 e 64.8 versus 40.4%, P=0.043, respetivamente).(46) O número de doentes com hematócrito inferior a 31% diminuiu após um período de 4 anos de intervenção farmacêutica (14 versus 21%, P <0.002) (33) e outros estudos reportaram um aumento não significativo do hematócrito (34), saturação da transferrina (34, 44), hemoglobina e ferritina.(44) Relativamente à intervenção farmacêutica no hiperparatiroidismo secundário, um estudo revelou o decréscimo na percentagem global de doentes com hiperparatiroidismo secundário (31 versus 42%, P=0.052) e na percentagem de doentes com hiperparatiroidismo moderado a grave (7 versus 14%, P=0.042).(28) Um outro estudo mostrou uma redução estatisticamente significativa dos níveis séricos de fosfato [média (DP) 1.81 (0.54) versus. 2.07 (0.25) mmol/L, P=0.03] e a melhoria do produto cálcio-fósforo no grupo sujeito a intervenção farmacêutica.(52) A implementação de protocolos para o controlo da hiperlipidemia por farmacêuticos resultou, ao fim de 6 meses, numa melhoria estatisticamente significativa dos níveis séricos de colesterol total [média (DP) 151 (4) versus 170 (7) mg/dl, P=0.004] e de colesterol LDL [média (DP) 80 (3) versus 96 (5) mg/dl, P<0.001]. O número de doentes que atingiram o valor-alvo de colesterol LDL foi igualmente superior ao registado no início do estudo (88 versus 58%, P=0.015).(36) Um outro tipo de intervenção descrita consistiu na educação presencial dos doentes relativamente à patologia ou terapêutica instituída (22, 24, 36, 39, 45, 48-50, 54, 57) e promoção da adesão à terapêutica. (32, 35) Estudos mostraram um incremento do conhecimento de doentes que receberam formação por farmacêuticos (22, 45, 49), e um ensaio clínico controlado e aleatorizado mostrou que portadores de transplante renal, pertencentes ao grupo submetido a intervenção farmacêutica, apresentavam uma melhoria estatisticamente significativa da adesão à terapêutica e da duração da adesão 1 ano após o transplante. Verificou-se ainda uma maior percentagem de doentes que atingiram as concentrações-alvo de imunossupressores.(32) Por fim, houve ainda menção à participação dos farmacêuticos nas visitas médicas (24, 53), a comunicação e interação com outros profissionais de saúde (38) ou reuniões sobre os cuidados ao doente e fornecimento de informação sobre a escolha de fármacos e regimes terapêuticos.(24) 5. Discussão Dos artigos incluídos é de realçar que a sua maioria (quase 80%) descreve estudos não controlados, o que coloca alguns problemas a nível de validade das respetivas conclusões. A avaliação do efeito da intervenção do farmacêutico deve ser efetuada através de estudos aleatorizados e controlados, em que se descreva claramente o tipo de intervenção realizada, o local onde foi conduzido o estudo e as características dos participantes. (59) Muitas vezes, a questão que se coloca é se o efeito observado pode ser isolado e atribuído aos cuidados farmacêuticos prestados ou a um componente específico desses cuidados. Como tal, a descrição aprofundada da intervenção é crucial para assegurar a reprodutibilidade dos resultados. (60) Na maior parte dos estudos analisados nesta revisão, as intervenções farmacêuticas consistiam num conjunto de atividades desenvolvidas Serviços Farmacêuticos em Doentes com Insuficiência Renal Crónica pelo farmacêutico, e raramente se tratavam de intervenções perfeitamente definidas e detalhadamente descritas. A própria qualidade dos estudos foi em geral ‘aceitável’, pelo que se torna imperativo desenvolver, antes da condução de qualquer estudo, um protocolo de investigação robusto em que todos estes aspetos sejam tidos em conta. Além disso, é ainda importante realçar que vários estudos apenas apresentaram medidas de processo e não resultados em saúde.(4, 22, 25, 27, 29, 32, 37, 38, 41, 43, 49, 54, 58) A utilização de medidas de processo como um indicador “proxy” de possíveis resultados em saúde pode revestir-se de alguma incerteza, uma vez que ainda não foi demonstrada uma associação inequívoca entre um bom processo e um resultado em saúde positivo.(60) A colaboração entre as Faculdades de Farmácia e os farmacêuticos que trabalham diretamente ligados à clínica no desenvolvimento dos protocolos científicos, planeamento das intervenções e recolha de dados é de importância extrema para evitar que se perpetuem estudos de qualidade relativamente baixa e com resultados que não constituem um alto nível de evidência da qualidade da intervenção do farmacêutico. As medidas de processo mais frequentemente descritas nos estudos, e resultantes da revisão do perfil farmacoterapêutico elaborada pelo farmacêutico, foram os “problemas relacionados com os medicamentos”. Apesar de a sua definição ter sido alvo de um amplo debate e ainda não se ter encontrado uma definição consensual (61), os problemas relacionados com os medicamentos têm sido associados a um aumento do número de admissões hospitalares (62), do recurso a cuidados de saúde (63), e dos custos com a morbilidade e mortalidade relacionadas com os medicamentos.(64) Os cuidados farmacêuticos prestados a doentes em diálise podem constituir uma forma custo-efetiva de identificar, solucionar e evitar problemas relacionados com os medicamentos.(65) A implementação de protocolos de atuação por farmacêuticos mostrou benefícios a nível de controlo da anemia e da hiperfosfatemia. A correção ��� da anemia está associada à melhoria da qualidade de vida relacionada com a saúde em doentes submetidos e não submetidos a hemodiálise (66, 67), e provou-se que doentes com uma melhor qualidade de vida apresentam uma taxa de sobrevivência significativamente maior.(68) Além disso, a correção da anemia tem o potencial de melhorar outros resultados clínicos e económicos em doentes com insuficiência renal crónica (69), nomeadamente a hipertrofia ventricular esquerda (70), a taxa de progressão da doença (71) e a mortalidade.(72) No que se refere ao hiperparatiroidismo secundário, a atuação do farmacêutico contribuiu para a redução significativa do número de doentes com esta complicação (28), bem como a redução dos níveis séricos de fosfato e do produto cálcio-fósforo.(52) O controlo da fosfatemia em doentes com insuficiência renal crónica é fundamental uma vez que níveis elevados de fósforo no sangue contribuem para a calcificação das artérias e constituem um importante marcador de prognóstico de mortalidade em doentes submetidos a hemodiálise.(73) 6. Conclusão Em conclusão, a análise da literatura internacional revelou uma multiplicidade de potenciais intervenções farmacêuticas em doentes com insuficiência renal crónica. As intervenções descritas evidenciam o potencial de atuação do farmacêutico no processo de uso de medicamentos destes doentes, bem como o impacto da intervenção farmacêutica a nível de resultados clínicos de doentes com insuficiência renal crónica. Os serviços farmacêuticos aqui compilados podem vir a ser adaptados à realidade Portuguesa, contudo o seu impacto deve ser estudado para contribuir para a ampliação e aceitação de outros serviços farmacêuticos no futuro. Agradecimentos Expressamos o nosso sincero agradecimento pelo financiamento recebido da Fundação para a CiActa Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Serviços Farmacêuticos em Doentes com Insuficiência Renal Crónica ência e a Tecnologia, Ministério da Educação e Ciência (Bolsa de Doutoramento com a referência SFRH/ BD/43999/2008). Bibliografia 1. 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As estruturas edificadas, os anos de formação, o investimento em investigação deverão refletir-se em resultados práticos, na saúde dos doentes, sob pena de serem dispensáveis. Para tal, os planos de estudos universitários necessitam de uma séria actualização uma vez que as necessidades sociais do presente são também diferentes das que eram há alguns anos atrás. Nunca é demais referir, quando tratamos de Cuidados Farmacêuticos (CF), o estudo realizado no Hospital Universitário Virgen de las Nieves em Granada, Baena (Baena, 2003) durante o ano de 2000/2001, sobre a prevalência de Resultados Negativos associados à Medicação (RNM) na urgência deste Hospital. Foram entrevistados 2556 doentes. A prevalência de RNM foi de 33,17% (IC de 95%), dos quais 73,13% foram considerados evitáveis. O custo total dos RNM considerados evitáveis atendidos no mesmo hospital com referência ao ano de 2001 foi de quase 12 milhões de euros. Desconheço estudo paralelo em Portugal mas penso que poderemos, sem grande erro, inferir que os dados para o nosso país não serão muito diferentes. Estes RNMs podem ser evitados, acreditamos, em grande parte, através da acção do farmacêutico. Através de uma já longa experiência profissional como farmacêutica comunitária motivada e pró-activa no sentido de optimizar a intervenção farmacêutica, procurando acrescentar valor à saúde dos doentes, orientei vários farmacêuticos no sentido duma prática clínica e de uma prática de registo das suas intervenções. Com base nesses registos, foi possível comunicar resultados e casos clínicos que evidenciam a importância dessa mesma prática. Quando falamos em Cuidados Farmacêuticos, penso não errar ao afirmar que, em geral, pensamos em algo muito difícil de fazer. Pensamos em consultas, em programas complexos de CF, serviços muito diferenciados, que necessitam de muito investimento em formação e difíceis de implementar. Pode ser que assim pensemos e, desde logo, este pensamento constitui por si só, uma enorme barreira, talvez a maior barreira à implementação de CF. Outro obstáculo ao desenvolvimento dos CF que identifico, é a difícil situação económica que vivemos. Temos assistido a medidas adaptativas das farmácias pouco facilitadoras da melhoria dos CF prestados como por exemplo, a redução do número de farmacêuticos por farmácia. Em minha opinião, os cuidados farmacêuticos podem desenvolver-se através dum plano de acção faseado no tempo. Um cronograma de objetivos criado a nível da classe profissional, na Ordem dos Farmacêuticos, poderia constituir grande ajuda para uma implementação com expressão nacional. Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Cuidados farmacêuticos, uma experiência, uma opinião Pessoalmente vejo os cuidados farmacêuticos de forma muito abrangente e como tal, eles começam onde quer que esteja um doente, um medicamento e um farmacêutico. O Cuidado do Farmacêutico tem início, desde logo, pela informação que este pode prestar ao doente acerca do(s) medicamentos. A avaliação da informação necessária e eficaz a prestar a cada doente decorre duma entrevista clínica e deve ser executada por um farmacêutico. O sucesso da terapêutica depende, como sabemos, da vontade do doente em aderir ao plano terapêutico. Durante uma entrevista podem ser identificados Problemas Relacionados com Medicamentos (PRMs) e a necessidade de intervir, por exemplo, através do contacto com o prescritor no sentido de modificar alguma situação em presença. Do exposto depreenderão que, do meu ponto de vista, a dispensa de medicamentos deve ser, como inscrito no “Acto Farmacêutico”, da exclusiva competência e responsabilidade do farmacêutico. Considero que constitui a componente estrutural dos CF e o mais fácil de implementar, assim haja vontade. Entendo que os CF, tidos como serviços da exclusiva competência e responsabilidade do farmacêutico, podem ser dissociados do acto de venda do medicamento, valorizados de forma independente, e exercidos noutros locais como lares, centros de saúde, consultórios ou no domicílio do doente. Este poderá ser um caminho facilitador do seu desenvolvimento e oportunidade de empregabilidade, em especial para os farmacêuticos mais jovens. Identifico outras barreiras à implementação dos CF: Farmacêuticos não treinados receiam a mudança para o desconhecido. Doentes não reconhecem a necessidade porque não identificam benefícios, nem os experimentaram. Outros profissionais de saúde não identificam os benefícios da colaboração ou receiam partilha do seu espaço. Ensino universitário em geral pouco orientado para a prática clínica. Duma forma geral, a Instituição Farmácia tem revelado maior motivação para inovar introduzindo profissionais de outra áreas de consultoria na farmácia em detrimento do desenvolvimento dos serviços de consultoria prestados por farmacêuticos como o Seguimento Farmacoterapêutico. Não devemos temer o futuro e as mudanças quando estamos focados no objectivo certo: o interesse do doente, e melhoria da sua saúde Como dizia Albert Einstein: “O primeiro sinal de insanidade é fazer as coisas sempre da mesma maneira e esperar obter resultados diferentes” Não sou a primeira farmacêutica a apontar a necessidade de definirmos um plano de acção que conduza à implementação generalizada dos Cuidados Farmacêuticos e consequentemente, aos benefícios que os doentes e a Sociedade podem obter através da aplicação prática do saber especializado do farmacêutico na área do medicamento. Desejo que todos os farmacêuticos, académicos e profissionais, quer individualmente quer através das associações existentes, se reúnam em torno deste objectivo colectivo e saibam sublimar as suas pequenas divergências, em prol do desenvolvimento tão motivador da profissão farmacêutica no sentido dum exercício mais clínico. PRM – Problemas Relacionados com Medicamentos RNM – Resultados Negativos dos Medicamentos CF – Cuidados Farmacêuticos Bibliografia Baena MI Problemas relacionados con los medicamentos como causa de consulta en el servicio de urgencias del Hospital Universitario Virgen de las Nieves de Granada [PhD dissertation], University of Granada, 2003. Doenças Raras e Medicamentos Órfãos ��� Doenças Raras e Medicamentos Órfãos Bruno Sepodes1, Helder Mota-Filipe2 Pharmacology & Translational Research, Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (1) Presidente do Comité dos Medicamentos Órfãos, Agência Europeia do Medicamento (2) Presidente do Comité dos Medicamentos de Uso Humano, Agência Europeia do Medicamento “Todas as pessoas têm o direito de aceder à prevenção em matéria de saúde e de beneficiar de cuidados médicos, de acordo com as legislações e práticas nacionais. Na definição e execuçãode todas as políticas e ações da União, será assegurado um elevado nível de proteção da saúde humana.” Carta dos Direitos Fundamentais dos Cidadãos da EU, Secção 35, 2000/C 364/01 Nas últimas décadas, a medicina e a investigação terapêutica obtiveram progressos consideráveis que levaram à diminuição da mortalidade, ao aumento da esperança de vida e à erradicação de determinadas doenças. Para estes avanços contribuiu em muito o investimento na investigação e desenvolvimento de novos medicamentos, nomeadamente por parte da indústria farmacêutica. Para a indústria farmacêutica ter interesse num medicamento, este deve preencher três critérios fundamentais: a) deve ser possível produzir o medicamento numa forma farmacêutica; b) deve existir uma necessidade terapêutica e; c) deve ser economicamente viável a sua produção, ou seja dar lucro. No entanto, apesar dos avanços na Medicina, persistem algumas doenças para as quais não há terapêutica adequada e eficaz, nem capacidade de diagnóstico ou prevenção. Este cenário aplica-se quer a doenças prevalentes e bem conhecidas, quer a um conjunto de doenças que afectam apenas um número muito restrito de doentes, designadas como doenças raras. A consciência pública da existência das doenças raras tem vindo a aumentar desde o final do século XX. Das mais de 30000 doenças descritas na literatura, entre 5000 e 8000 são consideradas doenças raras. Não existe consenso a nível da comunidade médica mundial que permita ter uma única definição do que é uma doença rara. De facto, o termo “medicamentos órfãos” foi utilizado pela primeira vez em 1968 para descrever medicamentos potencialmente úteis, não disponíveis no mercado. A palavra “órfão” surgiu inicialmente na literatura médica no âmbito da administração em crianças de medicamentos para adultos. Com a promulgação do “Orphan Drug Act” em 1983, os EUA foram pioneiros no estabelecimento de políticas de apoio ao desenvolvimento de medicamentos órfãos. Em 1993 foi criado o “National Office for Rare Diseases” (NORD). O Orphan Drug Act define “doença rara” como qualquer doença que afecta menos de 200000 indivíduos nos EUA, o que significa, em termos de prevalência, um doente por cerca de 1500 pessoas. O Japão, que foi o 2º país do mundo a introduzir legislação sobre medicamentos órfãos em 1993, definiu que o número de doentes deve ser inferior a 50000, o que implica uma prevalência de 1/2500. Na Austrália, não mais do que 2000 pessoas devem sofrer de uma determinada condição para ser chamada “rara”, o que significa a précondição mais restrita de cerca de 1 em cada 9.100 Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Doenças Raras e Medicamentos Órfãos indivíduos. Por último, a União Europeia (UE) introduziu a legislação sobre medicamentos órfãos em Dezembro de 1999. Na UE “uma doença rara é uma condição que afecta não mais do que 5 em cada 10 mil indivíduos na Comunidade”. Assim, na UE, os medicamentos usados no tratamento da doenças raras - os medicamentos órfãos - destinam-se ao diagnóstico, prevenção ou tratamento de situações cronicamente debilitantes ou que coloquem a vida em risco e que não afectam mais do que cinco em 10 mil pessoas, ou são medicamentos que por razões económicas seria improvável o seu desenvolvimento sem a existência de incentivos. O termo “órfão” surgiu pela primeira vez na literatura médica nos anos 60 relacionado com o uso de medicamentos de adultos em crianças e lactentes. De facto, começou a questionar-se o uso em crianças de medicamentos que tinham sido estudados apenas em adultos. Na UE os medicamentos órfãos começaram a ser alvo de atenção particular e sistemática, a partir de 1995, com a criação da Agência Europeia do Medicamento (EMEA ou, mais recentemente, EMA) e com a criação de um novo procedimento de registo de medicamentos – o procedimento centralizado. Com a Resolução do Conselho de Ministros de 20 de Dezembro de 1995, a Comissão Europeia foi incumbida de investigar e propor uma política europeia sobre medicamentos órfãos. Na elaboração desta legislação as associações de doentes desempenharam um papel de extrema importância. O pressuposto, para a elaboração desta legislação, deveu-se ao facto de ser considerado inaceitável que um grupo de doentes fosse excluído do benefício associado à existência de um tratamento para sua doença, apenas por o seu número ser muito pequeno. Esta condição limitava, à partida, a possibilidade de investimentos pela indústria farmacêutica.. Procurou-se, assim, criar incentivos para a indústria farmacêutica poder realizar investigação e desenvolvimento de novas moléculas e comercializar novos medicamentos Depois do trabalho exaustivo realizado, a Comissão Europeia apresentou ao Parlamento Europeu, em Julho de 1998, uma proposta de Regulamento sobre medicamentos órfãos. No dia 15 de Dezembro de 1999 o Parlamento Europeu aceitou a proposta do Conselho de Ministros aprovando o Regulamento (CE) 141/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Dezembro de 1999 relativo aos medicamentos órfãos e publicado em 22 de Janeiro de 2000. Este Regulamento atribuiu novas responsabilidades à EMA e, entre outros aspectos, estabeleceu um novo comité cientifico para avaliação de pedidos de designação de um medicamento órfão, o Comité dos Medicamentos Órfãos (Committee for Orphan Medicinal Products - COMP). O Regulamento (CE) 141/2000 só entrou em vigor em 27 de Abril de 2000, depois da publicação do regulamento que permitia a sua implementação. De facto o Regulamento (CE) 847/2000 da Comissão de 27 de Abril de 2000 é que veio estabelecer as modalidades de aplicação dos critérios de designação dos medicamentos como medicamentos órfãos e definições dos conceitos de “medicamento similar” e de “superioridade clínica”, os quais eram necessários para que pudesse entrar em vigor a legislação publicada em Janeiro de 2000. Como se tratam de Regulamentos, a sua aplicação foi imediata em todos os estados membros, incluindo Portugal. O objectivo do quadro legislativo da UE para os medicamentos órfãos é, portanto, estimular a investigação e desenvolvimento de medicamentos para doenças raras, dando incentivos à indústria farmacêutica. Esta iniciativa pretende permitir aos doentes que sofrem de doenças raras, a mesma qualidade de tratamento e acessibilidade que os outros doentes. Os pedidos de designação de medicamentos órfãos são apresentados à EMA e avaliados pelo Comité dos Medicamentos Órfãos. De acordo com a legislação em vigor, o processo de comercialização de um medicamento órfão envolve: i) o pedido de designação de medicamento órfão e; ii) o pedido de autorização de introdução no mercado. Doenças Raras e Medicamentos Órfãos Um medicamento que receba autorização de designação de medicamento órfão é inscrito no Registo Comunitário de Medicamentos Órfãos. O requerente deve apresentar anualmente um relatório sobre o estado de desenvolvimento do medicamento que recebeu a designação de medicamento órfão. Após a autorização de denominação de medicamento conforme descrito no artigo 6º do Regulamento (CE) 141/2000, antes de apresentar um pedido de autorização de introdução no mercado, o promotor de um medicamento órfão pode solicitar o parecer da agência sobre a realização dos testes e ensaios necessários para comprovar a qualidade, segurança e eficácia de tal medicamento, em conformidade com a alínea j) do artigo 51º do Regulamento (CEE) 2309/93. Na elaboração do pedido de designação de um medicamento órfão tem de ser observado o cumprimento de alguns critérios de forma a beneficiar dos incentivos mencionados. Um medicamento deverá ser classificado, através de um procedimento de designação comunitário, referido no artigo 3º do Regulamento (CE) nº 141/2000, como medicamento órfão. Para o efeito, o promotor deverá comprovar que o medicamento: a) se destina ao diagnóstico, prevenção ou tratamento de uma patologia na Comunidade que ponha a vida em perigo ou seja cronicamente debilitante e que afecte até cinco pessoas em cada 10.000 no momento em que o pedido é apresentado, ou – se destina ao diagnóstico, prevenção ou tratamento de uma patologia na Comunidade que ponha a vida em perigo, seja gravemente debilitante ou seja grave e crónica, sendo pouco provável que, sem incentivos, a comercialização desse medicamento na Comunidade possa gerar receitas que justifiquem o investimento necessário; e b) não existe qualquer método satisfatório de diagnóstico, prevenção ou tratamento de tal patologia que tenha sido autorizado na Comunidade ou, caso exista, que o ��� medicamento em questão oferece benefício significativo àqueles que sofram dessa patologia. Faltava definir as disposições necessárias para a aplicação destes critérios, o que foi conseguido com a publicação do Regulamento da Comissão Europeia (CE) nº 847/2000. Este Regulamento definiu os critérios sobre: a) prevalência de uma condição na Comunidade; b) rendimento potencial do investimento; c) existência de outros métodos de diagnóstico, prevenção ou tratamento. Posteriormente foram publicados um Comunicado e duas Orientações conforme mencionado acima e que completaram a legislação publicada em 2000. Conforme descrito no artigo 5º do Regulamento (CE) 141/2000, esta autorização de designação é concedida antes de efetuar o pedido de autorização de introdução no mercado. Ou seja, para que um medicamento obtenha a designação de medicamento órfão, o promotor deve apresentar à Agência um pedido nesse sentido, em qualquer fase do desenvolvimento do medicamento, mas antes de requerer a autorização de introdução no mercado. No site da EMA existem normas de orientação pormenorizadas sobre pedidos e prazos de submissão, recomendações sobre o pedido e informação sobre o processo, bem como outras informações gerais. O responsável pela designação dum medicamento órfão pode solicitar que a Comunidade conceda a autorização de introdução no mercado (AIM) em conformidade com o disposto no Regulamento (CEE) 2309/93. Desde 2005, a avaliação de AIM de medicamentos órfãos faz-se exclusivamente pelo procedimento centralizado, beneficiando de reduções de taxas. Por este motivo, a Comunidade atribui anualmente à EMA uma contribuição especial, independente da prevista no artigo 57º do Regulamento (CEE) 2309/93. Esta contribuição deve ser utilizada pela agência apenas para compensar o não pagamento total ou parcial das taxas devidas ao abrigo das regras comunitárias aprovadas nos termos desse mesmo regulamento. Para a aplicação desta isenção Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Doenças Raras e Medicamentos Órfãos ou redução no pagamento de taxas as autorizações de introdução no mercado de medicamentos órfãos apenas devem abranger as indicações terapêuticas que observem os critérios estabelecidos no artigo 3º do Regulamento (CE) 141/2000, o que não prejudica a eventual apresentação de um pedido distinto de introdução no mercado relativo a indicações não abrangidas pelo Regulamento. Os incentivos ao desenvolvimento de medicamentos órfãos incluem a exclusividade de mercado e incentivos comunitários e nacionais. Estes incentivos têm como objectivo o apoio à investigação e desenvolvimento de medicamentos destinados ao diagnóstico, prevenção ou terapêutica de doenças raras, e os promotores de medicamentos órfãos podem usufruir plenamente de todos os privilégios concedidos pela UE e pelos estados-membros nesse âmbito. Está também prevista a obtenção de exclusividade, para a indicação terapêutica em causa, durante um período de dez anos. Entre os incentivos financeiros existentes encontram-se reduções de taxas a vários níveis: – 100% a nível de apoio protocolar e fases subsequentes; – 100% em inspeções de pré-autorização; – 50% em novas submissões para autorização de comercialização; – 50% em atividades pós-autorização, incluindo taxas anuais (apenas aplicáveis a pequenas e médias empresas) no primeiro ano após autorização de comercialização. Outro tipo de privilégios passa pelo aconselhamento científico gratuito por parte da EMA e pela possibilidade de acesso direto destes medicamentos ao procedimento centralizado. É ainda concedido o direito de participação em programas de desenvolvimento de medicamentos promovidos pela UE. Para os medicamentos órfãos, a regulamentação europeia prevê o alargamento de dez para doze anos do período de exclusividade de mercado se as exigências relativas à apresentação dos dados sobre o uso pediátrico forem integralmente cumpridas (Regulamento (CE) nº 1901/2006 do Parlamento Eu- ropeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2006 relativo a medicamentos para uso pediátrico, que altera o Regulamento (CE) nº 1768/92, a Directiva 2001/20/CE, a Directiva 2001/83/CE e o Regulamento (CE) nº 726/2). Depois de 10 anos em vigor, a legislação a Agência Europeia recebeu mais de 1000 pedidos de designação de medicamento órfão, os quais foram avaliados pelo COMP. Verificou-se que em finais de Abril de 2010: –724 medicamentos receberam a designação de medicamento órfão pela Comissão Europeia; – 62 medicamentos com a designação de medicamento órfão receberam a autorização de introdução no mercado. Beneficiando cerca de 2,6 milhões de doentes sofrendo de doenças raras, estes medicamentos abrangem uma grande variedade de doenças raras, incluindo doenças genéticas e formas raras de cancro, para as quais não existem tratamentos adequados. Um grande número destas doenças afectam crianças e recém-nascidos. Até agora as designações de medicamento órfão concedidas abrangem uma grande variedade de doenças para as quais ou não existem tratamentos disponíveis ou os tratamentos disponíveis são muito limitados, continuando a haver uma necessidade de melhoria das alternativas disponíveis. O maior grupo terapêutico de medicamentos órfãos que o COMP concedeu opinião positiva foi para tratamentos oncológicos, seguido para doenças metabólicas. Mais de metade dos medicamentos que receberam opinião positiva de designação de medicamentos órfãos são para situações que afectam as crianças, estando neste caso 8,4 % das situações que afectam apenas as crianças. A maioria das situações para as quais os medicamentos órfãos receberam opinião positiva afectam entre um e três casos por 10 mil pessoas na UE. O maior grupo de medicamentos órfãos que receberam autorização de introdução no mercado destinam-se a tratamentos oncológicos. Têm surgido várias iniciativas específicas para Doenças Raras e Medicamentos Órfãos a identificação e desenvolvimento de terapêuticas das doenças raras. São disso exemplos na União Europeia (UE) a “Rare Diseases Task Force” (www. rdtf.org) e nos EUA, o “US Office of Rare Diseases” (www.rarediseases.info.nih.gov). Na Europa, o empenho dos profissionais de saúde, dos doentes e da indústria, unidos em associações e plataformas dedicadas, culminou na adopção, em 1999, de um programa de ação comunitária para as doenças raras, no domínio da saúde pública. Neste contexto, surgiram, também, as políticas europeias de incentivos ao desenvolvimento dos medicamentos órfãos, com o estabelecimento dos critérios para esta designação e de um comité de avaliação, o Comité dos Medicamentos Órfãos (COMP), no seio da EMA. Seguiu-se, em 2004, a criação de um grupo de missão para as doenças raras “Rare Diseases Task Force” (RDTF) no seio da Direcção-Geral SANCO da Comissão Europeia (CE), com o objectivo de a aconselhar e assistir nas iniciativas de prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação nas doenças raras, e constituir um fórum de discussão e troca de experiências neste campo. Existem, atualmente, três grupos de trabalho na RDTF, dedicados aos seguintes temas em doenças raras: 1) centros de referência, testes genéticos e rastreio genético; 2)codificação, classificação e confidencialidade (irá colaborar com a OMS no ICD-10); 3) indicadores de saúde pública. O primeiro daqueles grupos de trabalho apresentou, em 2005, o seu relatório final relativo aos centros de referência na UE, cujas recomendações foram adoptadas em Portugal pelo Grupo de Trabalho sobre Doenças Raras na elaboração dos critérios a que devem obedecer, bem como das normas de candidatura de instituições de saúde, a Centro de Referência para Doenças Raras (Rede Nacional de Centros de Referência de Doenças Raras). Existem em Portugal grupos localizados principalmente em hospitais, universidades ou centros de investigação que desempenharam, nos últimos ��� anos, um papel preponderante no apoio diagnóstico e na investigação das doenças raras e que têm todas as condições para se estruturarem segundo os modelos europeus de Centros de Referência, para efeito da atribuição da designação de Centro de Referência para Doenças Raras. Para além disto, existe em Portugal um Plano Nacional de Saúde que prevê, nomeadamente, o Programa Nacional de Controlo das Hemoglobinopatias, iniciado em 1987 com coordenação do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge e o Programa Nacional de Diagnóstico Precoce (PNDP) relativo às doenças hereditárias do metabolismo e hipotiroidismo congénito, iniciado em 1979 pelo Instituto de Genética Médica Jacinto Magalhães. De referir ainda o facto da Comissão Europeia ter adoptado, em 11 de Novembro de 2008, uma Comunicação em que apresenta a estratégia para apoiar os estados membros da UE a cuidar dos 36 milhões de doentes com doenças raras. Neste documento salienta-se que a cooperação europeia pode ajudar a assegurar que os conhecimentos, embora escassos, possam ser partilhados e os recursos sejam combinados tão eficientemente quanto possível, para se abordar de modo eficaz e em toda a UE a problemática das doenças raras. Em conclusão, a Comissão Europeia tem tomado iniciativas específicas, como o programa de doenças raras, o regulamento relativo a medicamentos órfãos, e a atenção prestada a doenças raras por atividades de programas-quadro de investigação e desenvolvimento tecnológico. O balanço de uma década após a implementação da legislação sobre medicamentos órfãos na UE, deve ser considerado uma história de sucesso por aquilo que foi conseguido e pela colaboração entre os vários intervenientes. Começou como um processo simples que foi sendo melhorado e que permite hoje ter medicamentos órfãos com AIM assente em critérios de qualidade, eficácia e segurança, beneficiando 2,6 milhões de doentes sofrendo de doenças raras. Contudo, há ainda muito a melhorar no que concerne à acessibilidade a estes medicamentos. Devido às especificidades das doenças raras (número de doentes limiActa Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Doenças Raras e Medicamentos Órfãos tado e escassez de conhecimento e especialização relevantes), ainda não existe tratamento nem medicamentos com designação de órfão em desenvolvimento para muitas doenças raras. De facto apenas 10 a 20% das doenças raras tem tratamento e o que existe pode ainda ser melhorado. Mas sem dúvida que se espera para o futuro encontrar soluções criativas entre as partes envolvidas. Os desafios para o futuro prendem-se especialmente com o acesso aos medicamentos órfãos detentores de AIM, com a caracterização dos doentes com doenças raras e a colaboração e comunicação entre todos os intervenientes. Em Portugal, em 2010, foi iniciado um primeiro Estudo Observacional para a elaboração do registo de doentes com patologias raras em Portugal. O estudo observacional, prospectivo e longitudinal, tem como principal objectivo determinar a prevalência e incidência das doenças raras e as formas como estas doenças estão a ser identificadas, diagnosticadas e tratadas em Portugal. Estima-se que a recolha de dados seja efectuada num período de 4 anos, com seguimento semestral dos doentes, e atualização de dois em dois anos para monitorização da evolução da doença e suas consequências. Prevê-se que este esteja finalizado em 2014. Só assim será possível caracterizar o perfil de doentes em Portugal que sofrem de doenças raras. A abordagem seguida no desenvolvimento dos medicamentos órfãos para o tratamento de doenças raras e a experiência adquirida até agora, poderá ser o modelo a seguir no futuro para os cuidados médicos individualizados e personalizados para doentes com doenças comuns, bem como beneficiar o desenvolvimento de fármacos para estas situações mais comuns. Referências legislativas Regulamento Regulamento Regulamento Regulamento Regulamento Regulamento Regulamento (CE) 1768/92, de 18 de Junho (CE) 2309/93, de 22 de Julho (CE) 141/2000, de 22 de Janeiro (CE) (CE) (CE) (CE) 847/2000, de 27 de Abril 83/2001, de 6 de Novembro 847/2004, de 30 de Abril 1901/2006, de 12 de Dezembro Doenças Raras e Medicamentos Órfãos ��� APRESENTAÇÃO DE ARTIGOS À ACTA FARMACÊUTICA PORTUGUESA A Acta Farmacêutica Portuguesa, propriedade da Ordem dos Farmacêuticos, Secção Regional do Porto, aceita para publicação artigos originais de investigação, artigos de revisão ou outros que contribuam para o desenvolvimento dos conhecimentos científicos na área das Ciências Farmacêuticas e dos Cuidados Farmacêuticos. A Acta Farmacêutica Portuguesa publica artigos da iniciativa dos autores e/ou solicitados pelos editores. Os artigos podem ser originais e de revisão, em texto dactilografado a 2 espaços, e não devem ultrapassar as 10 000 palavras. Admitem-se ainda, entre quadros, figuras e fotografias, até 8 ilustrações. Todos os artigos são sujeitos a um processo de revisão por pares. Os artigos publicados, cujos conteúdos são da responsabilidade dos autores, ficarão propriedade da Acta Farmacêutica Portuguesa e não poderão ser reproduzidos, sem prévia autorização do seu Director, no seu todo ou em parte. Os artigos propostos não podem ter sido objecto de qualquer outro tipo de publicação, nem ter sido simultaneamente propostos para publicação noutras revistas ou jornais. Os artigos apresentados à Acta Farmacêutica Portuguesa deverão apresentar um título, um resumo em português e em inglês, seguido pela inclusão de, no máximo, 5 palavras-chave, a descrição dos Autores, um corpo de texto e referências bibliográficas, de acordo com o indicado nas normas internacionais (estilo Vancouver). As ilustrações, a existirem, devem ser incluídas no corpo do texto. Todos os artigos deverão ser redigidos em português, sendo contudo aceites textos em inglês. A Acta Farmacêutica Portuguesa subscreve os requisitos constantes das normas de Vancouver, cuja última revisão publicada se encontra no sítio Internet do International Committee of Medical Journal Editors (ICJME) (http://www.icmje.org). Os artigos devem ser dactilografados em qualquer processador de texto e gravados nos formatos Microsoft Word, RTF ou Open Office. As páginas devem ser numeradas. A primeira página deverá incluir apenas o título do artigo, o nome do autor ou autores (devem usar-se apenas dois ou três nomes por autor), o grau, título ou títulos profissionais e/ou académicos do autor ou autores, o serviço, departamento ou instituição onde trabalha(m); a segunda página deverá incluir apenas o endereço de correio electrónico e endereço postal do autor responsável pela correspondência com a revista acerca do manuscrito; a terceira página deverá incluir apenas o título do artigo e um resumo, em Português e em Inglês, que não deve ultrapassar as 300 palavras, e no máximo cinco palavras-chave; as páginas seguintes incluirão o texto do artigo, devendo cada uma das secções, em que este se subdivida, começar no início de uma página; a página a seguir ao texto do artigo deverá conter o capítulo de Referências Bibliográficas e os Agradecimentos, quando estes existam. As páginas seguintes deverão incluir as ilustrações. Estas devem ser enviadas cada uma em sua página com indicação do respectivo número (algarismo árabe ou numeração romana) e legenda. Gráficos, diagramas, gravuras e fotografias (figuras) deverão ser apresentados com qualidade que permita a sua reprodução directa. As figuras em formato digital devem ser enviadas como ficheiros separados, e não dentro do documento de texto. São aceites os formatos JPEG, TIF e EPS, preferencialmente com uma resolução de 300 pontos por polegada (dpi) ou superior. As Referências Bibliográficas devem ser marcadas no texto utilizando algarismos árabes, pela ordem de primeira citação e incluídas neste capítulo utilizando exactamente a mesma ordem de citação no texto. O numeral da referência deverá ser colocado após a pontuação (ponto, vírgula, etc.). Se após uma frase houver lugar à citação de mais do que uma referência estas deverão ser separadas por vírgulas, excepto se forem sequenciais, onde deverão ser separadas por hífen. O uso de abreviaturas e símbolos, bem como as unidades de medida, devem estar de acordo com as normas internacionalmente aceites. O uso de negrito está reservado apenas a títulos e o itálico apenas nas referências bibliográficas, palavras estrangeiras e nomes técnicos das classificações científicas. A indicação da casa decimal, quando necessário, deve fazer-se através de uma vírgula. As instruções aos autores e o espaço para submissão de artigos podem ser encontrados em: www.ofporto.org Acta Farmacêutica Portuguesa • Vol. I N.º 2 �������Doenças Raras e Medicamentos Órfãos Título Acta Farmacêutica Portuguesa Vol. I N.º 2 ISSN 2182-3340 Depósito Legal 335338/11 Execução Gráfica Minhografe – Artes Gráficas, Lda. Braga Tiragem 100 Exemplares Preço 10 Euros ACTA FARMACÊUTICA PORTUGUESA CIÊNCIA FARMACÊUTICA Secção Regional do Porto EDITORIAL PROCEDIMENTOS OPERATIVOS NORMALIZADOS PARA PESQUISA DE INFORMAÇÃO CLÍNICA SOBRE REAÇÕES ADVERSAS NO CONTEXTO DA INFEÇÃO VIH/SIDA NECESSIDADES REAIS DE IMPLEMENTAÇÃO DE NOVOS SERVIÇOES FARMACÊUTICOS CENTRADOS NO DOENTE TIPOS DE SERVIÇOS FARMACÊUTICOS CLÍNICOS: O QUE DIZEM AS REVISÕES SISTEMÁTICAS? EFEITO DA ADESÃO À TERAPÊUTICA NO ESTADO DA SAÚDE DO IDOSO SERVIÇOS FARMACÊUTICOS EM DOENTES COM INSUFICIÊNCIA RENAL CRÓNICA CUIDADOS FARMACÊUTICOS, UMA EXPERIÊNCIA, UMA OPINIÃO DOENÇAS RARAS E MEDICAMENTOS ÓRFÃOS