Oftalmologia - Vol. 36: pp.103-110 Artigo Original Tatuagens Corneanas: Evolução da Técnica e Resultados Ana Filipa Duarte1, Ana Sofia Ferreira1, Ana Magriço2, Francisco Trincão2, Ana Amaro2, Francisco Loureiro3 ¹Interna do Internato Complementar ²Assistente Hospitalar ³Assistente Hospitalar Graduado Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central Director - J.Pita Negrão 53º Congresso Português de Oftalmologia, a 2 de Dezembro de 2010 Congresso da Sociedade Europeia de Oftalmologia e Academia Americana de Oftalmologia - SOE- AAO, a 4 de Junho de 2011 Os autores não apresentam qualquer interesse comercial no procedimento. RESUMO Objectivos: Avaliar a eficácia da tatuagem (queratopigmentação) na melhoria estética de opacidades corneanas em olhos cegos. Desenho do estudo: Estudo retrospectivo Participantes: 10 olhos de 10 doentes (7 do sexo masculino e 3 do sexo feminino) com leucomas da córnea esteticamente desfigurantes, em olhos cegos, submetidos a tatuagem corneana no período de 2004 a 2010 pelo mesmo cirurgião, no Centro Hospitalar de Lisboa Central. Métodos: Foram utilizadas 2 diferentes técnicas: micropunção estromal (4/10 doentes) e dupla bolsa lamelar (6/10). Os principais aspectos avaliados foram: técnica cirúrgica, complicações, necessidade de re-intervenção, resultado cosmético e satisfação do doente. Resultados: 6 dos 10 doentes apresentaram seguimento superior ou igual a 18 meses. As idades situaram-se entre 10-70 anos (média 44,8 anos). As principais complicações foram a dor e hiperemia pós-operatórias, mais significativas no método de micropunção superficial, bem como a perda gradual de pigmento, sendo que 5 destes casos necessitaram de re-intervenção. Objectivamente, o resultado foi bom na maioria dos casos, de forma mais evidente com a técnica de dupla bolsa lamelar, sendo que todos os intervencionados afirmaram estar satisfeitos (5/9, 4 micropunções, 1 dupla bolsa lamelar) ou muito satisfeitos (4/9, todos intervencionados por dupla bolsa lamelar). Todos os doentes repetiriam o procedimento. Conclusões: A tatuagem corneana é uma abordagem segura, e os avanços mais recentes da técnica tornam-na menos dolorosa, com resultados mais duradores e esteticamente mais apelativos. O grau de satisfação dos doentes deste estudo foi elevado, tendo a intervenção sido um aspecto importante na sua integração social e profissional. O método de impregnação de pigmento com dupla bolsa lamelar é o mais exigente do ponto de vista técnico mas também aquele que apresenta melhores resultados estéticos. Palavras-chave Tatuagem, leucoma, pigmento, micropunção, bolsa lamelar. Vol. 36 - Nº 2 - Abril-Junho 2012 | 103 Ana Filipa Duarte, Ana Sofia Ferreira, Ana Magriço, Francisco Trincão, Ana Amaro, Francisco Loureiro ABSTRAT Purpose: To evaluate the effectiveness of corneal tattooing in the aesthetic improvement of anterior surface opacities in blind eyes. Study design: Retrospective study Participants: 10 eyes from 10 patients (7 males and 3 females) with corneal opacities, in blind eyes, submitted to corneal tattooing between 2004 and 2010, by the same surgeon, in the Centro Hospitalar of Lisboa Central. Methods: Two different techniques had been used: superficial (4/10 ) and intrastromal (6/10). The aspects evaluated are the surgical technique, complications, need of reintervention, cosmetic result and patient satisfaction. Results: 6 of the 10 patients presented follow-up superior or equal to 18 months. The ages were between 10-70 years (average 44,8 years). The main postoperative complications are red eye, pain and gradual loss of pigment (more significant in the method of superficial micropunction), and 5 of those cases needed reintervention. In one of the cases it is not possible to evaluate the cosmetic result and degree of subjective satisfaction due to refusal to cooperate and in another, these aspects are questioned to one of the parents, due to the patient being underage. From the observer’s point of view the result is good in the majority of cases, especially in the technique, and all the patients are satisfied (5/9, 4 micropunctions, 1) or very satisfied (4/9). All patients would repeat the procedure. Conclusions: Corneal tattooing is a safe procedure, and the most recent improvements make it less painful, with good aesthetic results. The degree of satisfaction of patients in this study was high, having the intervention been important in their social and professional integration. The method of intrastromal pigment impregnation is the most demanding, surgically speaking, but also the one with better results. Key-words Tattooing, corneal opacity, pigment, micropunction. Introdução Existem múltiplas causas de opacidades corneanas com potencial tratamento cosmético, entre as quais traumatismos (perfuração de córnea, lesão química), patologia retiniana (descolamento de retina, retinopatia da prematuridade, retinopatia diabética), opacidades congénitas (glaucoma congénito, sifilis congénita, dermóide), glaucoma, queratites infecciosas (queratouveite, queratite herpética, sarampo). Num recente estudo de Ki Cheol Chang sobre a epidemiologia de tratamentos cosméticos para opacidades de córnea numa população coreana, as principais causas foram: traumatismo ocular (50,6%), patologia da retina (15,5%), sarampo (9,5%) e causas congénitas (5,5%).(1) As abordagens nestes tipos de opacidades podem ser divididas em funcionais (cujo objectivo é o de melhorar a acuidade visual, como o transplante de córnea) e cosméticas, 104 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia quando a melhoria funcional não é mais possível. No que respeita às últimas, que são o âmago deste estudo, é necessário ter em conta a existência ou não de atrofia do globo ocular. Desta forma, quando estamos perante uma amaurose irreversível com phtisis bulbi, as opções são a prótese de parede fina, evisceração ou enucleação. Nos casos de amaurose irreversível sem phtisis podemos utilizar a lente de contacto cosmética, a queratoplastia penetrante / DALK ou a tatuagem de íris e pupila. Fazendo uma retrospectiva histórica, a tatuagem de córnea é utilizada desde há 2000 anos(2), sendo que os primeiros registos atribuem-na a Galeno, um médico e filósofo do século II AC, e mais tarde a Aetius, no século V AC. O procedimento consistia então na cauterização da superfície da córnea com aplicação posterior de tinta, produzida à base de ferro ou casca de romã pulverizada misturada com sais de cobre.(3) Tatuagens Corneanas: Evolução da Técnica e Resultados Mais tarde, no século XIX, Louis Von Wecker, um cirurgião oculoplástico, introduz um novo método que veio a influenciar todos os subsequentes, através do uso de tinta da China e micropunções corneanas com uma agulha(4). A técnica tem evoluído ao longo da história, com melhoria dos resultados. Vários tipos de substâncias têm sido utilizadas para a obtenção de um tom o mais próximo possível do olho adelfo, desde tinta da China, tinta da India, pós metálicos, pós orgânicos, pigmento uveal animal, cloreto de ouro e platina. Recentemente Alio JL obteve bons resultados cosméticos e elevado grau de satisfação por parte dos doentes com o uso de novos pigmentos minerais, de cuja constituição fizeram parte alcool isopropil, água, glicerina, dióxido de titânio, oxido de ferro, entre outros.(5) No que respeita às indicações para este procedimento elas são limitadas, e na maioria dos casos o motivo é cosmético, em olhos sem potencial visual. Ocasionalmente pode ser utilizado para reduzir o glare causado por alterações da iris (albinismo, aniridia, coloboma, iridodiálise...). D. Hirsbein demonstrou recentemente o sucesso da intervenção em 3 doentes com defeitos sectoriais ou totais da íris, com remissão das queixas de fotofobia e diplopia, na ausência de efeitos adversos.(6) O objectivo deste estudo é o de avaliar a eficácia da tatuagem na melhoria estética de opacidades corneanas, em olhos sem potencial visual, tendo em conta a experiência no nosso serviço. Material e métodos Estudo retrospectivo de 10 olhos de 10 doentes (7 do sexo masculino e 3 do sexo feminino, com idades compreendidas entre 10 e 70 anos), com leucomas da córnea esteticamente desfigurantes, em olhos cegos, que foram submetidos a tatuagem corneana no período de 2004 a 2010. Os registos médicos, incluindo fotografias do segmento anterior, foram revistos e os doentes convocados para avaliação e realização de um inquérito relativo ao seu grau de satisfação. As intervenções foram realizadas pelo mesmo cirurgião, no Centro Hospitalar de Lisboa Central. Foram utilizadas tintas comercialmente disponíveis nomeadamente pigmento mineral de cores variadas e tinta da China, em unidoses, que foram conjugadas de forma variável com o objectivo de obter uma tonalidade o mais próxima possível do olho adelfo. Os doentes foram operados através de 2 diferentes técnicas para a impregnação de pigmento: micropunção estromal (4/10 doentes) e dupla bolsa lamelar (6/10), que passamos a descrever: Técnica cirúrgica 1 - Micropunção estromal e impregnação de pigmento O pigmento é aplicado sobre a superfície da córnea, sem remoção prévia do epitélio, com picotagem da superfície utilizando uma agulha de 30 G. O procedimento deve ser repetido até ser obtida uma quantidade apreciável de pigmento a nível estromal. São frequentemente necessárias várias sessões cirúrgicas até à obtenção de um bom resultado estético. 2 - Técnica da dupla bolsa lamelar (Figura 1, imagens 1-12) A técnica consiste na realização de 2 “bolsas” separadas, uma central, correspondente à área pupilar e uma periférica, mais profunda e correspondente à área iridiana, onde é instilado o pigmento. A cirurgia é iniciada utilizando um marcador pupilar, delineado com caneta dermográfica, para a marcação da área central (imagem 1). Posteriormente, através de uma faca de diamante, é realizada uma incisão com 150 μm de profundidade, às 12 horas, na área pupilar, e com 200 μm de profundidade às 9 e 3 horas da área periférica (imagem 2 e 3). Através de uma faca escleral é realizada a dissecção das lamelas estromais (imagens 4, 5 e 6). No final é introduzido o pigmento (pigmento mineral de cor variável) na periferia, através de seringa e cânula de segmento anterior (imagens 7 e 8), e as aberturas suturadas com monofilamento 10-0 para conter a tinta (imagem 9). Estes passos são repetidos na área central, utilizando Tinta da China (imagens 10, 11 e 12). Cuidados pós-cirúrgicos: Oclusão durante o primeiro dia após a cirurgia, antibiótico e corticoterapia tópicos durante 1 mês (4x dia) e analgesia PO (paracetamol 1000 mg SOS). Num dos casos (caso 9) foi colocada uma lente de contacto durante 1 semana após a intervenção, por desconforto. Parâmetros analisados: Tendo em conta o método cirúrgico, avaliaram-se a existência de complicações, necessidade de reintervenção, resultado estético e satisfação do doente. Os dois últimos parâmetros foram quantificados através de resposta a um inquérito de cinco perguntas, em regime presencial (Tabelas 1 e 2). Todos os casos foram avaliados e fotografados por um único observador, que classificou ele próprio o resultado estético do procedimento. Vol. 36 - Nº 2 - Abril-Junho 2012 | 105 Ana Filipa Duarte, Ana Sofia Ferreira, Ana Magriço, Francisco Trincão, Ana Amaro, Francisco Loureiro Fig. 1 | Técnica da dupla bolsa lamelar. Tabela 1 | AO DOENTE Questionário aos doentes. Satisfação com resultado estético 1 - não satisfeito 2 - satisfeito 3 - muito satisfeito Desconforto no período pós-operatório (dores, mal estar) 1 - acentuado 2 - moderado 3 - ligeiro 4 - s/ desconforto Período pós-operatorio condicionou a sua rotina diária 1 - muito 2 - ligeiramente 3 - não Interaçção social e profissional Repetiria o procedimento Caso 9 | Olho seco. 106 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia 1 - piorou 2 - igual 3 - melhorou S - sim N - não Tatuagens Corneanas: Evolução da Técnica e Resultados Tabela 2 | Questionário ao observador. AO OBSERVADOR 1 - mau resultado, mt desigual ao olho contralateral 2 - razoável em aspecto e semelhança ao olho cl 3 - bom resultado no que respeita ao aspecto e semelhança ao olho adelfo 4 - muito bom resultado no que respeita ao aspecto e semelhança ao olho adelfo Resultados Foram incluídos apenas olhos amauróticos com opacidades corneanas prévias e submetidos a queratopigmentação. Todos os doentes encontravam-se motivados para a melhoria estética da sua superfície ocular sem recorrer a métodos mais invasivos ou lente de contacto. Na maioria das tatuagens foi utilizado pigmento de cor castanha (8/10), combinado, de forma variável e se Tabela 3 | necessário, com tinta da China, para obtenção de uma tonalidade mais escura. No que respeita à etiologia, a maioria das opacidades resultaram de traumatismos oculares (5/10), seguindo-se os leucomas congénitos (2/10) e descolamentos de retina (2/10), estando um caso associado a glaucoma neovascular. Nenhum dos olhos havia sido previamente submetido a qualquer tipo de tratamento cosmético (Tabela 3) O intervalo desde a cirurgia foi variável (de 2 a 78 meses), sendo que nos primeiros 6 doentes decorreram já mais de 30 meses desde a intervenção. No que respeita aos 4 primeiros casos, correspondentes ao método de micropunção, 2/4 (50%) apresentaram queixas álgicas intensas no pós-operatório imediato, bem como necessidade de reintervenção por perda gradual de pigmento (3/4; 75%). O caso 1 foi um caso particular, com 5 reintervenções, representativo de um elevado grau de exigência por parte do doente. Foi o mesmo caso que recusou colaborar na realização deste estudo. Observando os resultados da avaliação subjectiva (Tabela 4) inferimos que foram razoáveis em todos os aspectos inquiridos, e todos os doentes Resultados respeitantes à etiologia da opacidade, técnica utilizada, complicações e número de reintervenções nos diferentes casos. Caso Idade Cor Follow-up (meses) Etiologia Técnica Complicações Reint. 1 32 Verde 75 escleromalacea + leucoma congénitos micropunção Dor pós-operatória; perda gradual de pigmento 5 2 47 Castanho 78 traumática micropunção Perda gradual de pigmento 1 3 10 Castanho 74 traumática micropunção Perda gradual de pigmento 1 4 19 Castanho 65 microftalmia micropunção Dor pós-op. 0 5 37 Castanho 29 traumática Dupla bolsa lamelar Perda gradual de pigmento 1 6 49 Castanho 31 traumática Dupla bolsa lamelar Perda gradual de pigmento 1 7 70 Verde 4 glaucoma neovascular Dupla bolsa lamelar - 0 8 48 Castanho 3 traumática Dupla bolsa lamelar - 0 9 56 Castanho 2 descolamento de retina Dupla bolsa lamelar Dor pós-op. 0 10 57 Castanho 2 descolamento de retina Dupla bolsa lamelar Dificuldade cirurgica por hipotonia 0 Vol. 36 - Nº 2 - Abril-Junho 2012 | 107 Ana Filipa Duarte, Ana Sofia Ferreira, Ana Magriço, Francisco Trincão, Ana Amaro, Francisco Loureiro Tabela 4 | Resultados do questionário realizado ao doente. Caso Satisfação Desconforto pos-op Condicionamento diário Interaçção social e profissional Repetiria 1 - - - - - 2 2 2 2 3 sim 3 2 3 3 2 sim 4 2 3 2 1 sim 5 2 2 2 3 sim 6 3 4 3 3 sim 7 3 4 3 3 sim 8 2 3 3 3 sim 9 3 3 2 3 sim 10 3 3 3 3 sim consideraram-se satisfeitos. De salientar que no caso 3 estes aspectos foram questionados a um dos progenitores, por se tratar de um doente menor. Já nos casos de dupla bolsa lamelar os resultados foram mais satisfatórios: 2/6 consideraram-se satisfeitos e 4/6 muito satisfeitos, com grau mínimo de complicações, bem como menor necessidade de reintervenção (2/6). Todos os doentes (9/9) repetiriam o procedimento. Finalmente, no que respeita à avaliação realizada pelo observador (gráfico 1) todos os doentes submetidos a técnica de micropunção (3/3) apresentaram resultados razoáveis, no que respeita ao aspecto e semelhança ao olho adelfo, sendo com a mais recente técnica de DBL o mesmo resultado foi obtido num dos doentes (1/6), 3 apresentaram um bom resultado (3/6, 50%) e 2 um resultado considerado muito bom (2/6). Caso 3 | Imagens pós-operatório. Caso 7 | Imagens pré e pós-operatório. Discussão e conclusões Gráf. 1 | Resultado do questionário realizado ao observador. 108 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Indivíduos com opacidades corneanas podem sentir-se condicionados do ponto de vista social e profissional. Mesmo Tatuagens Corneanas: Evolução da Técnica e Resultados não existindo qualquer possibilidade de melhoria funcional, existe sempre algo que podemos fazer no intuito de melhorar a auto-estima de quem procura auxílio. Dos doentes incluídos neste estudo nenhum havia realizado qualquer tratamento estético prévio nem estava motivado para outras abordagens, inclusivé o uso de lentes de contacto coloridas. Esta é sempre uma alternativa a propor perante estes casos. De facto, a tecnologia de lentes de contacto tem sofrido avanços significativos e, tendo a vantagem de ser uma alternativa reversível, pode ser uma boa opção em doentes com córneas estruturalmente muito alteradas (muito finas, com edema, conjuntivalização pronunciada). Será importante, contudo, enfantizar que esta não é uma alternativa perfeita, sendo que a tatuagem apresenta outras vantagens: o risco de infecção está limitado ao período pós-operatório imediato, não existe necessidade de cuidados de manutenção, entre outras. Vemos aliás, e tendo em conta o questionário realizado, que de uma forma geral os doentes ficaram satisfeitos ou muito satisfeitos com o resultado, e todos eles repeti-lo-iam. Algumas das desvantagens da tatuagem corneana residem na dificuldade cirúrgica, com risco não desprezível de perfuração e a necessidade de uma curva de aprendizagem longa, aspecto mais significativo com a técnica de dupla bolsa lamelar. Também a possibilidade de perda gradual de pigmento é um aspecto a ressalvar, sobretudo com a micropunção corneana, podendo existir necessidade de reintervenção. No método de bolsa intraestromal podemos minorar este aspecto suturando as incisões por onde é efectuada a impregnação. O período pós-operatório pode ser doloroso, embora seja geralmente um quadro transitório, com remissão em 7-10 dias. Se necessário pode ser preconizada a aplicação de oxibuprocaína (Anestocil©) em SOS. Finalmente, é um procedimento com indicações precisas, e mesmo as características do leucoma são um aspecto importante a ter em mente. Transcrevendo J.N.Roy “all leucomas do not equally respond to intervention, which must be done only on those which present old, solid and flat corneal cicatrices.”(4) No que respeita aos diferentes métodos, obtivemos melhores resultados em todos os parâmetros analisados com a técnica de dupla bolsa lamelar. A técnica tradicional, através de micropunção estromal demonstra alguma eficácia, já demonstrada no universo de artigos publicados sobre o tema.(2,7-9) Contudo, apresenta o inconveniente de perda mais acentuada de pigmento no período pós-operatório, como já foi referido, acompanhada por maior desconforto e possibilidade de erosões epiteliais recorrentes. A técnica de dupla bolsa lamelar, para além de manter a integridade da superfície corneana também possibilita uma maior estabilidade do pigmento e resultados mais duradouros. No que respeita aos pigmentos utilizados, é ainda um tema pouco debatido e que merece uma maior investigação, nomeadamente quanto à toxicidade dos mesmos para a superfície ocular. Walter Sekundo demonstrou, por microscopia óptica e electrónica e análise histológica, que os queratócitos retêm as partículas de pigmento não metálico nas suas membranas celulares durante longos períodos ( até 60 anos),(10) sendo este grupo de pigmentos (ex: pigmento acrílico e tinta da China, utilizados neste serviço) os que apresentam menor toxicidade e maior tempo durabilidade. Não nos parece, e dada a variabilidade das queixas álgicas e hiperémia pós-operatórias, que estas sejam atribuíveis a uma eventual reacção ao pigmento, mas, voltamos a enfatizar, é um tema ainda pouco estudado. Existem várias limitações neste estudo retrospectivo que devem ser referidas. Por um lado o baixo número de doentes: sendo uma cirurgia pouco habitual e com indicações precisas torna-se difícil obter uma elevada casuística, além de que é ainda um procedimento muitas vezes colocado em segundo plano, por não acarretar melhorias funcionais para o doente. No que respeita ao resultado final, verificamos que os casos de micropunção são aqueles que apresentam um maior intervalo de tempo desde a intervenção (entre 65 e 75 meses), pelo que para comparar efectivamente a perda de pigmento entre os 2 métodos seria necessário um follow-up equivalente. Será importante manter o seguimento destes doentes, de forma a determinar a persistência efectiva do pigmento após períodos mais prolongados. Concluindo, a tatuagem corneana é uma abordagem segura, e os avanços mais recentes da técnica tornam-na menos dolorosa, com resultados mais duradores e esteticamente mais apelativos. O grau de satisfação dos doentes deste estudo foi elevado tendo a intervenção sido um aspecto importante na sua integração social e profissional. O método de impregnação de pigmento com dupla bolsa lamelar é o mais exigente do ponto de vista técnico mas também o que apresenta melhores resultados estéticos. Bibliografia 1. Ki Cheol Chang et al. The Epidemiology of Cosmetic Treatments for Corneal Opacities in a Korean Population. Korean J Ophthalmol 2010; 24(3): 148-154 2. Pitz, S. et al. Corneal tattooing: an alternative treatment for disfiguring corneal scars. Br J Ophthalmol 2002; 86:397-399 3. Ziegler, S. Lewis. Multicolor Tattooing of the Cornea. Trans Am Ophthalmol Soc 1922; 20: 71–87 Vol. 36 - Nº 2 - Abril-Junho 2012 | 109 Ana Filipa Duarte, Ana Sofia Ferreira, Ana Magriço, Francisco Trincão, Ana Amaro, Francisco Loureiro 4. Roy, J.N. Tattooing of the Cornea. The Canadian Medical Association Journal 1938; 436-438 5. Alio JL et al. 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