P&D em Engenharia de Produção, Itajubá, v. 9, n. 2, p. 108-120, 2011 Gestão do conhecimento operário: análise em linhas de produtos automotivos Worker knowledge management: a study at a automotive assyline Henrique José Mendonça1 Jorge Muniz Jr.1 Maurício César Delamaro1 Edgard dias Batista Jr.1 RESUMO: O objetivo do presente artigo é analisar a gestão do conhecimento operário numa fábrica de autopeças do setor automotivo de forma integrada com a organização do trabalho e da produção. Por meio de entrevistas com funcionários identificaram-se fatores que favorecem a criação e compartilhamento do conhecimento no ambiente operário. Estes fatores foram comprados com fatores apresentados em estudo anterior (MUNIZ Jr., 2007). Posteriormente, com a aplicação de questionário fechado avaliou-se a importância destes fatores pela ótica de 54 operários. Concluiu-se, de forma consistente, que os principais fatores para a criação de um ambiente propício ao compartilhamento do conhecimento são: bom entendimento dos objetivos da gerência e dos operários, clareza na definição dos papéis e responsabilidades dos atores envolvidos nas atividades produtivas, boa comunicação entre os envolvidos na produção, oportunidade de realização de treinamentos e aprimoramentos profissionais, existência de incentivos financeiros. Palavras-chave: Gestão do Conhecimento; Organização da Produção; Organização do Trabalho; Operário. ABSTRACT: This paper aims to examine the workers knowledge management in an auto parts plant. The knowledge management is integrated with the organization of work and production. Using interviews with staff the study identified factors that promote the creation and sharing of worker knowledge. These factors were compared with others shown in previous studies (MUNIZ Jr., 2007). Later, with the application questionnaire the importance of these factors were assess from the 54 workers perspective. It was, consistently, that the main factors for creating an sharing environment of knowledge are: good understanding of the objectives of management and workers, clear definition of roles and responsibilities of actors involved in productive activities, good communication between those involved in production, opportunities for their professional training and improvements, financial incentives. Keywords: Knowledge Management; Production Organization; Work Organization; Worker. 1. INTRODUÇÃO As práticas de Manufatura Enxuta e Grupos semi-autônomos vêem valorizado o ambiente operário. Buscase criar, discutir e adotar formas gerenciais para disponibilizar a informação e ajudar os trabalhadores a pensarem juntos, a compartilharem o conhecimento e possibilite a implantação de inovações incrementais. Gestão do Conhecimento (GC) tem atraído a atenção de diversas áreas envolvidas com Gestão de Produção, evidenciando sua multidisciplinaridade e complexidade. Entre outros, a GC contribui para fomentar inovação e melhoria contínua na organização. Segundo Paula et al. (2007), a GC faz com que as atividades de uma organização sejam transformadas em novos conhecimentos e em soluções inovadoras. A GC, portanto, pode contribuir no desempenho das organizações, ao focar na aprendizagem e compartilhamento do conhecimento. 1 Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Guaratinguetá – Brasil [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected] Gestão do conhecimento operário: análise em linhas de produtos automotivos 109 Este trabalho tem como objetivo analisar a gestão do conhecimento operário numa linha de produção de autopeças. Para tanto, buscam-se os seguintes objetivos específicos: • Identificar fatores de Organização Conhecimento, Produção e Trabalho que favorecem a criação de um contexto favorável para a criação e compartilhamento de conhecimentos no ambiente operário; • Comparar os fatores de Organização, Conhecimento, Produção e Trabalho com os obtidos em estudos anteriores; • Avaliar os fatores identificados pela perspectiva dos operários. O estudo realizado é delimitado à linha de montagem de uma fábrica de produtos hidráulicos automotivos e utiliza o Modelo de Gestão da Produção baseado no Conhecimento (MUNIZ Jr., 2007) que considera de forma integrada o trinômio: • Gestão do Conhecimento é “a atuação sistematizada, formal e deliberada no sentido de capturar, preservar, compartilhar e (re) utilizar os conhecimentos tácitos e explícitos criados e empregados pelas pessoas durante as tarefas de rotina e de melhoria dos processos produtivos, de modo a gerar resultados mensuráveis para a organização e para as pessoas” (MUNIZ Jr.; TRZESNIAK; BATISTA Jr., 2009). • Organização do Trabalho (OT) aborda as questões referentes às pessoas; • Organização da Produção (OP) aborda os recursos físicos utilizados no processo produtivo. Ao identificar, avaliar e analisar fatores que influenciam o compartilhamento do conhecimento operário, o presente trabalho contribui para discussões da um contexto favorável a este compartilhamento e aspectos que afetam o conhecimento tácito. Este último é uma oportunidade de pesquisa indicada por Erden, von Krogh e Nonaka (2008). Este artigo é composto por seis seções. A Seção 2 aborda a Fundamentação Teórica e os conceitos de Organização do Trabalho, Organização da Produção e Gestão do Conhecimento. A Seção 3 apresenta o Modelo de Gestão da Produção baseado no Conhecimento. A Seção 4 descreve o método de pesquisa empregado e a classificação do método. A Seção 5 discute os resultados encontrados por meio da análise das entrevistas e dos questionários. A Seção 6 apresenta as considerações finais. 2. ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO, DO TRABALHO E DO CONHECIMENTO Historicamente, os modelos de Gestão de Produção podem ser analisados por meio de duas perspectivas: técnica e humana. A Organização da Produção, entendida como os processos relacionados às atividades de gerar bens ou serviços, que se preocupa com a perspectiva técnica (dimensão Produção); e a Organização do Trabalho, que se preocupa com a perspectiva humana (dimensão Trabalho). Essencialmente, as dimensões Produção e Trabalho capturam a estrutura explícita e o comportamento do sistema de gestão da produção. Este sistema tem uma estrutura tácita que é progressivamente convertido em explícita, conforme ela é melhor compreendida. O conhecimento tácito, pela sua importância, deve ser formalmente incluído em modelos de sistema de gestão da produção, especialmente, para modelos que envolvam as relações do “chão de fábrica”. Von Krogh, Ichijo e Nonaka (2000) defendem que somente o conhecimento explícito possa ser gerenciado, capturado e mantido atualizado. Estes mesmos autores indicam que melhores resultados possam ser obtidos com a existência de um contexto favorável, estimulado por ações que são focados em compartilhamento de conhecimento tácito, aprendizado de novos conhecimentos e integração das pessoas. Este contexto favorável é chamado de Ba (VON KROGH; ICHIJO e NONAKA, 2000). Quando as organizações formalizam e tornam explicita tais ações, a criação do Ba é potencializada. A atenção aos aspectos tácitos do conhecimento exige a adição de uma terceira dimensão que deve também ser tratada de forma integrada às tradicionais dimensões de produção e trabalho: a dimensão Conhecimento (Figura 1). 110 Mendonça et al. P&D em Engenharia de Produção, Itajubá, v. 9, n. 2, p. 108-120, 2011 Figura 1 – Dimensões da promoção do Ba Fonte: Muniz Jr. (2007) Segundo Dazzi e Angeloni (2004), a GC tem se destacado nas organizações como forma de questionar o modelo tradicional vigente, o qual não vem atendendo com a devida eficiência a preocupação com as pessoas. Atualmente, a Gestão do Conhecimento (GC) ganha importância ao contribuir para a vantagem competitiva sustentável. Hanashiro e Cleto (2007) apontam que mesmo antes dos temas “organização que aprende (learning organization)”, das “competências essenciais”, dos “sistemas especialistas” e do foco na estratégia ocuparem a agenda gerencial, já valorizava-se a experiência e o conhecimento de funcionários. Segundo Paula et al. (2007), a gestão do conhecimento faz com que as atividades de uma organização sejam transformadas em novos conhecimentos e em soluções inovadoras. A gestão do conhecimento, portanto, pode ser vista como um novo modelo de gerenciamento das organizações, focado na geração de conhecimento e na aprendizagem. 3. MODELO DE GESTÃO DA PRODUÇÃO BASEADO NO CONHECIMENTO O Modelo Conceitual de Gestão da Produção baseado no Conhecimento (MGP-C) integra conceitos de Gestão do Conhecimento, Organização da Produção e Organização do Trabalho, e tem foco no ambiente operário. Desse modo, o MGP-C considera a dimensão Conhecimento às duas dimensões tradicionais de organização: Produção e Trabalho (Figura 2). Sua utilização contribui para a promoção de um contexto favorável que possibilita a obtenção de resultados satisfatórios tanto para a empresa como para as pessoas que nela trabalham (MUNIZ Jr., 2007). O Modelo é constituído por fatores relacionados às dimensões de Produção, Trabalho e Conhecimento, denominados “fatores alavancadores”, cujo uso potencializa e “alavanca” a criação de condições favoráveis, de forma integrada, para que sejam promovidas ações para melhores resultados, tanto para a organização, como para as pessoas que nela trabalham. Na Figura 2, a estrela que envolve a Organização da Produção e a Organização do Trabalho representa a existência de um conjunto de fatores definidos e regulados para a condução da Gestão da Produção que contribuem para a criação do contexto favorável (Ba). A “otimização conjunta” dos fatores deve buscar a consecução de um objetivo final que, no caso das organizações industriais, é a obtenção de resultados. Esta proposição é essencial para que a abordagem sóciotécnica do modelo não seja considerada uma simples forma de experimentação social, mas uma forma de buscar, em última análise, o desenvolvimento de organizações mais eficazes. A linha tracejada representa a permeabilidade do ambiente operário às variáveis externas, tais como: queda nas vendas, orientações estratégicas, implementação de inovações tecnológicas nos processos produtivos, entre outras. Gestão do conhecimento operário: análise em linhas de produtos automotivos 111 Figura 2: Modelo de Gestão da Produção baseado no Conhecimento e Fatores Fonte: Muniz Jr. (2007) A estrela envolvendo a Organização da Produção e do Trabalho representa um conjunto definido, controlado e integrado de fatores para orientar o gestor de produção a criar o Ba. Como nos modelos sociotécnicos e tailoristas, a linha pontilhada que representa a permeabilidade do ambiente produtivo aos fatores externos (mercado, tecnologias, estratégias). O MGP-C é um modelo conceitual de gestão da produção e a sua concepção inicial contemplou o ambiente operário da indústria automotiva, colocou o operador de produção em destaque e indicou a possibilidade de fomentar na gerência uma reflexão sobre: a importância da gestão do conhecimento operário, as formas de compartilhamento do conhecimento local, a mobilização dos ativistas do conhecimento e a criação de um contexto favorável para a produção e às pessoas do ambiente operário da indústria automotiva. Nonaka (1994) propõe um processo de conversão para o conhecimento tácito e o explícito, que se promove a geração de novos conhecimentos. O conhecimento tácito é aquele altamente pessoal, ainda não articulado objetivamente para ser compartilhado com outros. O conhecimento explícito é expresso em palavras e dados, os quais podem ser compartilhados formal e sistematicamente entre as pessoas. Neste processo, baseado em contatos interpessoais e sociais, são gerados quatro padrões básicos de conversão do conhecimento, denominados processo SECI: Socialização (troca de experiências entre as pessoas), Externalização (registro e disponibilização formal do conhecimento para as demais pessoas), Combinação (junção de conteúdos explicitamente disponíveis que geram novos conhecimentos) e Internalização (aquisição do conhecimento por meios já formalizados e registrados). Estas interações contínuas e dinâmicas entre os modos de conversão do conhecimento resultam em níveis crescentes de conhecimento, formando a denominada Espiral do Conhecimento, representada na Figura 3. Os P-fatores são ferramentas usadas para promover o aproveitamento do conhecimento e envolvimento do operário, pelas contribuições oferecidas por elas para o controle e a melhoria das atividades diárias dos operadores de produção: Métodos de Solução de Problemas (GARVIN, 1993 e KOLB, 1994); Instrução de Trabalho (BARTEZZAGHI, 1999; OHNO, 1997); 5S (OHNO, 1997); Poka Yoke (OHNO, 1997) e Troca Rápida (SHINGO, 1996). A utilização dos fatores alavancadores da Organização da Produção, contribuem para o aprendizado dos operadores, por meio de uma condução sistêmica, na busca de melhorias para o ambiente produtivo. Na seleção desses fatores foram consideradas, tanto a Produção Enxuta, como a Produção em Massa. 112 Mendonça et al. P&D em Engenharia de Produção, Itajubá, v. 9, n. 2, p. 108-120, 2011 Figura 3 - Processo SECI de conversão do Conhecimento Fonte: Muniz Jr. (2007) adaptada de Nonaka (1994) Os fatores alavancadores da dimensão Trabalho foram selecionados por promoverem a integração das pessoas no ambiente operário e na organização, criando condição favorável e formal para o envolvimento das pessoas e a utilização de seus conhecimentos para a obtenção de resultados. Analisando-se duas formas de trabalho em grupo, modelo semi-autônomo e modelo enriquecido, selecionaram-se seis fatores alavancadores da Organização do Trabalho: Objetivos (SMITH, 2001), Estrutura e Comunicação (WORLEY e DOOLEN, 2006), Treinamento (NONAKA, 1994; DARRAH, 1995), Incentivo e Característica Pessoal (SMITH, 2001). A estrutura consiste na organização formal das pessoas, dos recursos materiais e do tempo necessários às atividades do grupo de trabalho, para a realização de melhorias. Compreende a especificação dos papéis e das responsabilidades atribuídas às pessoas inseridas no grupo, ou seja, seus membros, seu coordenador (líder) e sua supervisão direta, e, também, a especificação da disponibilidade de recursos materiais (e.g. equipamentos, máquinas e dispositivos) e de tempo, que pode ser usado, parcialmente, para que os membros do grupo se reúnam para, por exemplo, resolver problemas e discutir objetivos. A disponibilidade de parcelas de tempo exige uma reflexão sobre o cálculo do tempo padrão, muito usado no planejamento das horas necessárias para a produção. A organização formal de pessoas, recursos materiais e tempo estimulam a iniciativa e a autonomia aos membros do grupo, para buscarem apoio e se reunirem para criar, compartilhar, usar e avaliar novas sugestões para a melhoria de suas atividades e a obtenção de resultados. 4. MÉTODO DE PESQUISA Nesta seção apresentam-se a classificação do método, as etapas seguidas, as características da fábrica e o perfil dos entrevistados. A pesquisa foi realizada entre 2007-2009. Quanto aos fins, a pesquisa é Exploratória-Descritiva, pois relaciona e analisa os conceitos de diversos pesquisadores com fatos, ou fenômenos, provenientes de levantamentos e observações sistemáticas. Exploratória, no sentido de abordar um assunto emergente (Gestão do Conhecimento no ambiente operário) e, Descritiva, por definir a natureza e apresentar as características de um fenômeno em um grupo específico (SELLTIZ, 1987). Como meios a pesquisa apresenta características qualitativas com relação ao tratamento e análise dos dados, uma vez que se trata de um estudo limitado ao universo de uma organização e pela forma de análise dos dados de Organização do Trabalho obtidos por survey. A pesquisa qualitativa buscou analisar a relevância e a semelhança dos fatores entre as duas fábricas do grupo, ou seja, entre a fábrica pesquisada no estudo atual e a fábrica referência pesquisada por Muniz Jr. Gestão do conhecimento operário: análise em linhas de produtos automotivos 113 (2007). Para tanto foram feitas três entrevistas com funcionários da fábrica de diferentes funções relacionadas com uma dada linha de produção: operador, supervisor da produção e funcionária do RH. Essas entrevistas foram orientadas pelo questionário aberto (Apêndice A). A pesquisa qualitativa foi realizada numa linha de produção de uma fábrica pertencente a uma multinacional americana que produz diversos produtos automotivos. Tanto a fábrica pesquisada como a utilizada como referência na etapa qualitativa contam com aproximadamente 200 funcionários cada. O tratamento das respostas dos entrevistados ao questionário aberto empregou Análise de Conteúdo, definida por Bardin (2008) como o conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção e recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. A tabulação dos resultados das entrevistas foi baseada no significado e nas explicações que os entrevistados atribuem à Organização da Produção e do Trabalho e Gestão do conhecimento, e a sua afinidade com os fatores alavancadores utilizados no Modelo de Gestão da Produção, como exemplificado no Quadro 1. Quadro 1: Exemplo Ilustrativo da Análise de Conteúdo Fábrica Função Conjunto Resposta 1 Clima de trabalho é excelente 2 .... 3 .... 4 .... SPr ... .... RH ... .... F1 F2 ... Fn Op A Fonte: os autores A etapa quantitativa da pesquisa foi baseada num questionário com questões fechadas (assertivas), utilizando-se a escala Likert, com variação de quatro pontos: “discordo totalmente”, “discordo parcialmente”, “concordo parcialmente” e “concordo totalmente” apresentado por Muniz Jr. et al. (2010) em estudo em fábrica de produtos eletrônicos. A Figura 4 mostra as etapas da pesquisa. 5. ANÁLISE DOS RESULTADOS Nesta seção são analisados os resultados obtidos no questionário aberto utilizado para analisar a presença dos fatores e sua relação com o estudo anterior e a avaliação gerada pelo questionário fechado. 5.1. Análise dos resultados do questionário aberto O Quadro 2 apresenta as siglas dos fatores alavancadores que foram utilizadas nas análises. Salienta-se que, diante das perguntas elaboradas no questionário aberto, os resultados não permitem um diagnóstico completo, mas sim um levantamento do que os entrevistados consideram importante para o trabalho e para a produção. A Figura 5 apresenta o resultado de ambas as fábricas: estudo atual e referência. Nota-se um perfil semelhante entre ambas, mantendo a maior incidência para os fatores de Organização do Trabalho. Podese ainda chamar atenção para a incidência dos fatores de Gestão do Conhecimento nos resultados de ambas. Esta semelhança se manteve quando analisados separadamente os dados por função. 114 Mendonça et al. P&D em Engenharia de Produção, Itajubá, v. 9, n. 2, p. 108-120, 2011 Figura 4: Roteiro do trabalho realizado Fonte: os autores Quadro 2: Legenda utilizada para aos Fatores Alavancadores Gestão do Conhecimento (GC) Organização da Produção (OP) Organização do Trabalho (OT) Fator Sigla Fator Sigla Fator Sigla Socialização SOC Método de Solução de Problemas (MSP) MSP Objetivo OBJ Externalização EXT Instrução de Trabalho IT Estrutura EST Internalização INT 5S 5S Comunicação COM Combinação COMB Poka Yoke POK Treinamento TREI Troca Rápida TR Incentivo INC Característica Pessoal CP Fonte: os autores Identifica-se nas respostas a presença de fatores relativos a Gestão do conhecimento: Socialização, Externalização, Internalização e Combinação. Nas respostas que apresentam a interseção entre Externalização e Comunicação, é mencionada a troca de conhecimentos e a utilização de novas idéias dadas pelos operadores em atividades como por exemplo a elaboração do trabalho padrão e o programa da empresa que visa a resolução de problemas encontrados na fábrica e a busca de melhorias por meio de grupos de trabalho formados com caráter voluntário. Nas respostas que apresentam cruzamento entre Socialização e Treinamento foi citado o treinamento fornecido durante a integração de um novo funcinário, assim como a troca de conhecimento nas tarefas do dia a dia. Gestão do conhecimento operário: análise em linhas de produtos automotivos 115 Figura 5: comparativo dos fatores entre as fábricas Com relação ao relacionamento entre Internalização e Treinamento foram mencionados os registros realizados e o treinamento teórico apostilado, assim como a integração de novos trabalhadores. A associação entre Internalização e a Instrução de Trabalho evidencia a oportunidade do uso da Instrução de Trabalho para difundir o conhecimento. Por exemplo, um operador, ao preparar uma instrução de trabalho com sua própria linguagem, pode contribuir durante o processo de conversão dos conhecimentos tácitos para explícitos, aumentando a eficiência e a eficácia do treinamento de outros operadores (MUNIZ Jr., 2007). O cruzamento entre Socialização e Característica Pessoal diz respeito à disposição dos operadores a transmitirem o conhecimento que possuem, assim como o interesse em aprender dos mesmos. As análises realizadas com os entrevistados da fábrica pesquisada se mostraram coerentes com os resultados de outra fábrica do grupo que foi pesquisada em estudo de Muniz Jr. (2007). Dessa forma, pode-se considerar que os fatores levantados se mantiveram, ou seja, nenhum fator foi acrescentado ou retirado. 5.2. Análise dos resultados do questionário fechado O perfil dos 54 respondentes foi classificado por idade, formação, tempo de fábrica, função exercida na produção, semelhança, individualidade e rodízio no exercício da função. Seguem alguns dados identificados: • 56% têm idade até 30 anos; • 54% possuem o ensino médio completo, 19% possuem ensino superior incompleto e o restante possui ensino fundamental completo; • 56% têm até quatro anos de casa e os 46% não excedem dezesseis anos. Em relação à função exercida na linha de montagem, os respondentes foram classificados em três categorias, os Operários Técnicos (9%) que trabalham com manutenção ou atividade especializada, os Operários Semi-Qualificados (13%) que trabalham como encarregados ou atividades de apoio e os de Operários de Baixa Qualificação (78%) que trabalham diretamente nas linhas de produção; A Tabela 1 aborda a semelhança de função, ou seja, quantos colaboradores desempenham a mesma função ou função semelhante; e, a Individualidade da função, ou seja, o grau de envolvimento com demais colaboradores no exercício da função. 116 Mendonça et al. P&D em Engenharia de Produção, Itajubá, v. 9, n. 2, p. 108-120, 2011 Tabela 1 - Porcentagem dos respondentes quanto à Semelhança e Individualidade de Função Semelhança de Função Respondentes (%) É realizada também por muitos outros colegas 37% É realizada também por poucos colegas da fábrica 54% É realizada somente por mim 9% Individualidade da Função Totalmente sozinho 28% Sozinho, com algumas tarefas em grupo 39% Em grupo, com algumas tarefas sozinho 17% Totalmente em grupo 17% Fonte: pesquisa de campo Nota-se que a maioria dos respondentes desempenha funções diferentes (54%) e na maioria das atividades ocorre com algum tipo de interação com os demais colegas de trabalho (73%). Na Tabela 2 são apresentadas as assertivas fornecidas aos 54 entrevistados e a consolidação das respostas. Nota-se que as respostas com maiores índices de concordância estão relacionadas a: Objetivos, em especial os de origem externa, como aqueles que vem da gerência; Estrutura, ou seja, os papéis e responsabilidades tanto dos operadores como de seus superiores; Comunicação, que diz respeito à troca de idéias e conhecimentos e Incentivo, remuneração e reconhecimento. A assertiva com maior índice de concordância operária (92,3%) está relacionada com o conhecimento das metas a serem atingidas, incentivando-os a sugerirem novas idéias de melhorias. O segundo maior índice de concordância (91,6%) diz respeito à assertiva de autonomia que os operários possuem em seu trabalho. Na fábrica em questão, foi observado que, apesar do ambiente estimular sugestões por parte dos funcionários, não lhes é dada muita autonomia em suas tarefas e assim, eles devem ater-se à instrução que lhes foi dada, o que contribuiu para uma menor geração de novas idéias. A resposta com o terceiro maior índice de concordância (90,4%) ressalta o valor que os treinamentos possuem dentro da fábrica e como isso estimula a criação de um ambiente propício a discussão dos problemas encontrados no dia a dia, levando a obtenção de novas soluções. As respostas com os maiores índices de discordância estão relacionadas a discussão de melhorias quando fora do ambiente de trabalho (54,9%); troca de experiências no tempo livre (46,3%) e a sugestão de melhorias a partir de um maior conhecimento dos resultados e produtos do trabalho (39,2%). Pode-se perceber que embora os dois primeiros fatores estejam ligados à Comunicação, mais especificamente referem-se a uma indisposição por parte dos trabalhadores de discutir assuntos relacionados ao serviço fora de seu horário de trabalho, enquanto que o terceiro fator está mais relacionado aos objetivos. 6. CONCLUSÕES As entrevistas permitiram identificar fatores de Organização Conhecimento, Produção e Trabalho que favorecem a criação de um contexto favorável para a criação e compartilhamento de conhecimentos no ambiente operário, e estes fatores foram iguais aos levantados em trabalho anterior em outra fábrica do grupo (seção 5.1). A análise de conteúdo das respostas mostra que os conceitos de GC permeiam as respostas dos entrevistados, que os fatores contemplados no Modelo de Gestão da Produção baseada no conhecimento (MGP-C) são considerados importantes pelos entrevistados e que existe uma similaridade no perfil das respostas referentes à GC, OT e OP, nos casos estudados, independentemente da fábrica e da função do entrevistado. Por meio das respostas ao questionário fechado (seção 5.2) evidenciou-se que os operários entrevistados consideram os fatores identificados importantes para o compartilhamento do conhecimento. Gestão do conhecimento operário: análise em linhas de produtos automotivos 117 Tabela 2 - Avaliação dos fatores de Organização do Trabalho Assertiva DT DP CP CT Através dos treinamentos que são oferecidos pela fábrica, eu sempre aprendo coisas novas com meus colegas de trabalho. 25,93% 12,96% 25,93% 35,19% Quando eu sei a responsabilidade dos chefes de departamentos, tenho mais facilidade para apresentar sugestões. Quando tenho oportunidade de conversar com pessoas de outras áreas da fábrica, aprendo coisas novas sobre o trabalho. Quando recebo incentivos em dinheiro, eu me sinto estimulado a aprender e a ensinar aos meus colegas o que sei. Nos treinamentos oferecidos pela fábrica, eu também contribuo com coisas novas para meus colegas usarem no trabalho. 7,41% 9,26% 35,19% 48,15% 5,56% 9,26% 55,56% 29,63% 9,26% 7,41% 35,19% 48,15% 7,41% 12,96% 59,26% 20,37% Quando os incentivos são para o grupo, criamos um clima de cooperação e de troca de experiências que é muito produtivo. 5,56% 9,26% 40,74% 44,44% Quando conheço as metas que devo atingir, tenho mais vontade de apresentar sugestões para melhorar o trabalho. 0,00% 7,69% 36,54% 55,77% Se houvesse mais tempo livre no meu trabalho, poderia procurar meus colegas para trocar experiências. Quando há mais reuniões para tratar de assuntos do trabalho, sinto que meus colegas e eu aprendemos mais. 25,93% 20,37% 33,33% 20,37% 16,67% 16,67% 40,74% 25,93% Durante os cursos de treinamento, acabo conhecendo pessoas que podem ajudar a resolver problemas de trabalho. Quando estou empenhado em conseguir algum prêmio, eu me sinto estimulado a aprender e a ensinar aos meus colegas o que sei. 11,32% 11,32% 32,08% 45,28% 7,41% 16,67% 31,48% 44,44% O reconhecimento de meus colegas quando eu proponho melhorias me incentiva a contribuir mais. Quando sou procurado por um colega para tirar dúvidas sinto que nós dois aprendemos. 7,41% 11,11% 48,15% 33,33% 15,38% 7,69% 50,00% 26,92% Quando todos estão envolvidos na busca de um objetivo comum, tenho mais vontade de contribuir com minhas idéias. O reconhecimento do meu chefe quando eu proponho melhorias me incentiva a contribuir mais. Quando meu chefe me diz como está o meu desempenho, me sinto estimulado a aprender e ensinar coisas do meu trabalho. 1,85% 9,26% 35,19% 53,70% 20,37% 12,96% 38,89% 27,78% 1,85% 11,11% 48,15% 38,89% 11,11% 9,26% 29,63% 50,00% 3,85% 5,77% 53,85% 36,54% Quando as metas são conhecidas, tenho mais vontade de contribuir com sugestões. 3,85% 5,77% 50,00% 40,38% Quando eu participo da definição das metas, contribuo mais com minhas idéias. 13,46% 13,46% 48,08% 25,00% Quando eu sei o que cada um faz e as suas responsabilidades na produção, tenho mais facilidade em trocar experiências de trabalho com meus colegas. 15,69% 13,73% 39,22% 31,37% Se tivesse mais autonomia, eu contribuiria mais com minhas idéias. 2,08% 6,25% 45,83% 45,83% Quando me encontro com meus colegas de trabalho em ocasiões fora do trabalho, como no almoço ou café, percebo que acabamos discutindo melhorias no trabalho. Quando conheço os resultados e produtos do meu trabalho, sou estimulado a apresentar sugestões de melhoria. Durante os cursos que a fábrica oferece, eu troco idéias sobre o trabalho com os meus colegas. 35,29% 19,61% 37,25% 7,84% 21,57% 17,65% 41,18% 19,61% 1,92% 9,62% 44,23% 44,23% Se eu e meus colegas fizéssemos rodízio de funções, sinto que aprenderíamos mais uns com os outros. Durante os cursos de treinamento, aproveito para discutir problemas de trabalho com os colegas. Legenda: DT – Discordo totalmente; DP- Discordo parcialmente; CP - Concordo parcialmente e CT – Concordo Totalmente Estas considerações permitem afirmar que os objetivos foram alcançados. Em um ambiente que valoriza o conhecimento do trabalhador do chão de fábrica há um contexto favorável ao fomento de inovações incrementais e maior motivação, com isso melhores resultados são obtidos tanto para a organização, quanto para as pessoas que nela trabalham. Ademais, um sistema de gestão que integra as idéias de GC aos conceitos administrativos tradicionais amplia o campo de visão do gestor sobre 118 Mendonça et al. P&D em Engenharia de Produção, Itajubá, v. 9, n. 2, p. 108-120, 2011 a realidade na qual ele atua, o que contribui para análise desta realidade e, conseqüentemente, para o processo de tomada de decisão. Como sugestão para trabalhos futuros, pode-se citar a realização de uma análise semelhante em uma linha de produção de uma indústria de um segmento diferente do automotivo. Isso contribuiria para reforçar os conceitos apresentados nesta pesquisa e ampliar os conhecimentos na área. REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Portugal, Lisboa: Edições 70, 5ª. ed., 2008. BARTEZZAGHI, E. The evolution of production models: is a new paradigm emerging? International Journal of Operations & Production Management, v. 19, n. 2, p. 229-250, 1999. DARRAH, C. N. Workplace training, workplace learning: a case study. Human Organization, v. 54, n. 1, p. 31-41, 1995. DAZZI. M. C.; ANGELONI, M. T. Compreendendo o Significado de Gestão do Conhecimento e a Importância da Comunicação em seu Compartilhamento: um estudo de caso. In: XXVIII ENANPAD, 2004, Curitiba: Anais..., 2004. ERDEN, Z.; von KROGH, G.; NONAKA, I. The quality of group tacit knowledge. Journal of Strategic Information Systems, v. 17, n. 1, p. 4-18, 2008. GARVIN, D. A. Building a Learning Organization. Harvard Business Review, v. 71, n. 4, p. 78-90, july-aug. 1993. HANASHIRO A.; CLETO M. G. Proposta de uma metodologia para gestão do conhecimento no chão de fábrica: um estudo de caso de kaizen na indústria automotiva. In: XXVII ENEGEP, 2007, Anais, Foz do Iguaçu: Anais…, 2007. KING, W. R.; CHUNG, T. R.; HANEY, W. H. Knowledge Management and Organizational Learning. International Journal of Management Science, v. 36 n. 2, p. 167-172, 2008. KOLB, D. A. Experiential Learning: Experience as the Source of Learning and Development. Prentice Hall, New Jersey, 1984. MUNIZ Jr., J.; GUEDES, S. A.; CASSIMIRO, W. T., BARREIRA NETO, A. Gestão do Conhecimento e Organização do Trabalho: Survey numa empresa eletrônica. Revista Gestão Industrial, v. 6, n.1, 2010a. MUNIZ Jr., J. Modelo conceitual de Gestão de Produção baseado na Gestão do Conhecimento: um estudo no ambiente operário da indústria automotiva. Tese (Doutorado em Engenharia Mecânica, linha de Gestão e Otimização) – Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, 2007. MUNIZ Jr., J., NAKANO, D. Gestão do Conhecimento em Sistemas Produtivos, in: OLIVEIRA, V. F.; CAVENAGUI, V.; MÁSCULO, F. S. (org): Tópicos Emergentes e Desafios Metodológicos em Engenharia de Produção: Casos, Experiências e Proposições. v II Rio de Janeiro/RJ: Associação Nacional de Engenharia de Produção, 2009. MUNIZ Jr., J., TRZESNIAK, P.; BATISTA Jr., E. D. Um enunciado definitivo para o conceito de gestão do conhecimento: necessidade para o avanço da ciência e para a aplicação eficaz, in: OLIVEIRA, V. F.; CAVENAGUI, V.; MÁSCULO, F. S. (org): Tópicos Emergentes e Desafios Metodológicos em Engenharia de Produção: Casos, Experiências e Proposições. v II Rio de Janeiro/RJ: Associação Nacional de Engenharia de Produção, 2009. NONAKA, I. A Dynamic Theory of Organizational Knowledge Creation. Organization Science, v. 5 n. 1, p. 14-37, 1994. OHNO, T. Sistema Toyota de Produção: além da produção em larga escala. Porto alegre: Bookman Companhia, 1997. PAULA, A.; SILVA, D. Q.; CASTENEHIRA, N. P.; SELEME, R. Gestão do conhecimento organizacional: aplicação e desenvolvimento de modelo interativo para educação a distância. In: XXVII ENEGEP, 2007, Anais, Foz do Iguaçu: Anais…, 2007. Disponível em: http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2007_TR640474_9534.pdf. Acesso em 10/01/2010. Gestão do conhecimento operário: análise em linhas de produtos automotivos 119 SELLTIZ, C. Métodos de pesquisa nas relações sociais. São Paulo: EPU, 1987. SHINGO, S. Sistema Toyota de Produção: do ponto de vista da Engenharia de Produção. Porto Alegre: Bookman Companhia, 1996. SMITH, E. A. The role of tacit and explicit knowledge in the workplace. Journal of Knowledge Management, v. 5, n. 4, p. 311-321, 2001. von KROGH, G., ICHIJO, K.; NONAKA, I. Enabling Knowledge Creation: how to unlock the mystery of tacit knowledge and release the power of innovation. Oxford University Press, NY, 2000. WORLEY, J. M.; DOOLEN, T. L. The role of communication and management support in a Lean Manufacturing implementation. Management Decision, v. 44, n. 2, p. 228-245, 2006. 120 Mendonça et al. P&D em Engenharia de Produção, Itajubá, v. 9, n. 2, p. 108-120, 2011 APÊNDICE A - Questões Abertas da Pesquisa de Campo (parte qualitativa) FATOR QUESTÃO Quais fatores são considerados importantes para o trabalho dos operadores no chão de fábrica? OT O que ajuda a amadurecer, criar sinergia e pró-atividade no grupo dos operadores no chão de fábrica? Quais fatores são considerados importantes no processo produtivo? OP Quais fatores são considerados importantes na melhoria do processo produtivo na sua organização? Quais fatores contribuem na integração entre operadores e o processo produtivo? Como operacionalizar tais fatores? OT e OP O que motiva os operadores a se envolver na melhoria contínua da produção? Que habilidades e conhecimentos são importantes para envolvimento e contribuição dos operadores na produção? Quais práticas promovem a integração entre operadores e a produção? Que dificuldades existem para integração entre operadores e produção? GESTÃO DO CONHECIMENTO (GC) Sua organização é beneficiada com aplicação de conhecimento dos operadores? Como? Dá resultados? Na sua opinião, o conhecimento dos operadores do chão de fábrica é importante? Por que o conhecimento operário é importante para a produção? Como os operadores geram novos conhecimentos na produção? Como os operadores aprendem novos conhecimentos? Como os operadores são treinados? Como os operadores ensinam suas habilidades uns para os outros? (Socialização) Como o conhecimento prático dos operadores é captado formalmente e registrado? (Externalização) Como é promovido o aprendizado do conhecimento registrado? (Internalização) Considere que os conhecimentos foram registrados. Por exemplo, instrução de trabalho. Existe algum exemplo que 2 ou mais desses conhecimentos foram combinados? (Combinação) Legenda: OT – Organização do Trabalho e OP – Organização da Produção