A OBRA DE JÚLIO VERNE: SUAS POSSIBILIDADES DE USO EM AULAS DE
FÍSICA E A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS PELOS ALUNOS
JÚLIO CÉSAR DAVID FERREIRA (UNESP - CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE MESTRADO EM EDUCAÇÃO), PAULO CÉSAR DE ALMEIDA RABONI (UNESP).
Resumo
Este trabalho é resultado de uma pesquisa do Programa de Iniciação Científica
financiada pela FAPESP em 2007. Buscamos uma aproximação entre dois campos
do conhecimento que envolvem múltiplas formas de linguagem: a literatura de
ficção científica e a física. Partimos do pressuposto de que todo professor é
professor de leitura e, como decorrência, todas as formas de leitura se relacionam e
criam entre si pontos de apoio para a construção de sentidos. Assim, buscamos na
obra de Julio Verne, elementos de aproximação com conteúdos de Física do ensino
médio. Partindo de um levantamento inicial dos materiais disponíveis aos alunos
através das bibliotecas escolares, selecionamos títulos da obra de Júlio Verne para
uma análise posterior. Nos livros “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias”, “Vinte Mil
Léguas Submarinas”, “Viagem ao Centro da Terra”, tomando Bakhtin como
referencial de análise, encontramos em Júlio Verne o que denominamos uma
“didática das ciências”. As situações criadas por Verne envolvem conhecimentos
científicos consolidados que ele procura ensinar ao leitor, explicando com grande
detalhamento e estabelecendo relações entre os elementos presentes em cada
episódio. Encontramos também a proximidade entre as situações descritas pelo
autor e os enunciados de fenômenos físicos típicos de livros didáticos do ensino
médio, com algumas diferenças: a assepsia que os livros didáticos fazem,
simplificando o texto para “facilitar” a aprendizagem, retira do texto elementos
essenciais para sua compreensão; a ausência de um enredo e dos demais
elementos para a constituição do tema, restringindo as possibilidades de
compreensão pelos alunos. Essas e outras diferenças, marcadas por elementos
comuns, tornam promissora a aproximação entre a leitura de ficção e o ensino de
física, com o objetivo mais amplo de formar o leitor, papel central da escola.
Palavras-chave:
Julio Verne, Conceitos de Física, Contrução de sentidos.
1. Introdução
A Física está em constante evolução, proporcionando mudanças significativas no
que diz respeito aos hábitos e estilo de vida das pessoas. Entre as demais ciências
exatas, ocupa um lugar de destaque, tanto no tocante aos avanços tecnológicos,
como para o aprimoramento do conhecimento científico responsáveis por esses
avanços. Assumimos aqui a necessidade da compreensão da ciência sem a qual o
grau de alienação das pessoas tende a crescer, rodeados que estamos pelos
produtos da ciência. Trata-se de uma pesquisa de mestrado, em desenvolvimento,
aprofundando a temática de um trabalho de iniciação científica realizado em 2007,
sob
o
mesmo
título,
financiado
pela
FAPESP.
Por outro lado, podemos questionar a qualidade da leitura que a grande maioria
da população é capaz de fazer. As próprias avaliações oficiais revelam o quanto nos
falta para atingir níveis mínimos de compreensão e produção de textos. Apesar
disso, quantitativamente muitos dados têm mostrado que o Brasil é um país de
leitores
(COLE
1999).
A leitura ocorre em qualquer espaço, se considerarmos como texto os mais
diversos modos de comunicação. No entanto, a escola reúne características que, a
nosso ver, merecem destaque, pela forma sistemática como a leitura ocorre
paralelamente ou concomitantemente ao desenvolvimento de conceitos pelas
disciplinas.
O conhecimento científico é especializado, rompe com o conhecimento cotidiano
na sua constituição. No caso da física, esse conhecimento é produzido em
linguagem formal, com signos abstratos e a linguagem matemática. Como aponta
Manoel Robilotta (1997), o conhecimento físico é altamente estruturado, e a
apropriação do mesmo pelos estudantes depende da (re)construção de conceitos
que se entrelaçam, formando uma rede complexa que se lança na compreensão de
uma
importante
dimensão
da
realidade.
Tendo como objetos de estudo a leitura de divulgação científica e o ensino de
ciências, neste trabalho busca-se uma compreensão sobre o uso da obra literária de
Júlio Verne como fonte de material pedagógico alternativo direcionado ao ensino de
Física. A aguçada visão científica deste extraordinário autor somada à sua grande
habilidade de contextualização é uma combinação que nos chamou a atenção.
1.1.
O
Ensino
de
Física
segundo
pesquisas
O ensino de Física, atualmente se dá de forma preocupante: descontextualizado,
simplista, representando pouco ou nenhum sentido aos alunos. Os professores têm
desenvolvido aulas baseando-se em livros didáticos, isoladamente, sem referências
ao cotidiano de seus alunos, à atualidade, sem os enredar às diversas
manifestações
da
Física
no
mundo
que
nos
cerca.
Para Menezes (2005), é lamentável a maneira que a Física, ciência tão rica, é
tratada nas salas de aula, não sendo devidamente explorada, tendo sua magnitude
reduzida a uma dúzia de equações. O autor aponta para a necessidade de uma
Física
de
corpo
inteiro,
e
viva.
São exibidos aos alunos exercícios e expressões que dificultam o
estabelecimento de relações com coisas do dia a dia e entre os próprios conceitos
(falta de estrutura, definições e fórmulas isoladas). Nos livros ainda há um pouco
de elementos que poderiam dar sentido ao objeto estudado, mas a prática de sala
de aula se resume ao domínio algébrico das expressões, retirando dos enunciados
os valores numéricos e aplicando-os nas fórmulas, deixando o conceito desprovido
de sentido. Isso se agrava pela formação precária de professores e a carência de
licenciados
em
Física
atuando
na
área:
Apenas em Língua Portuguesa, Biologia e Educação Física há mais de 50% dos
docentes em atuação que têm licenciatura na disciplina ministrada. A situação mais
preocupante é na disciplina de Física, em que esse percentual fica apenas em 9%!
(Brasil,
2007,
p.16)
Muitos autores têm proposto novas formas de abordagem do conhecimento físico
em sala de aula no ensino médio, tentando tornar esse conhecimento mais
acessível à maioria dos alunos. Em especial, destacamos a proposta de João
Zanetic, fundamentada na busca de outras linguagens para dar sentido à Física na
escola
e
também
fora
dela.
1.2.
Júlio
Verne
Júlio Verne, escritor francês (1828 – 1905), nascido na cidade de Nantes, foi um
grande divulgador da Ciência, assim como o responsável por previsões
progressistas.
Verne escreveu cerca de 80 livros e montou 15 peças de teatro, sozinho ou com
colaboradores. Sua imaginação prodigiosa e suas fascinantes histórias
conquistaram um público cativo que, ávido por aventuras e descobertas científicas,
viram
na
obra
de
Verne
uma
fonte
inesgotável
de
fruição.
Júlio Verne construiu sua literatura produzindo inúmeros efeitos, alguns diretos,
outros concernentes ao imaginário. Simone Vierne (1994) denomina tais efeitos
como "efeito Júlio Verne", mostrando que os recursos literários utilizados na
"inclusão, nítida e confessa, da ciência no discurso literário", atribuem novos
significados sociais à ciência e à própria literatura. (VIERNE, 1994, p.91, apud
NETO,
2004).
Sua obra conquistou, e ainda conquista uma legião de leitores, fato que não se
encerra apenas na leitura, participando da constituição de uma concepção de
mundo que, em alguns casos, se torna um marco em suas vidas.
As obras de Verne falam da humanidade e seu futuro com grande esperança,
concebendo vários avanços no mundo tecnológico que estava prestes a começar no
final
do
século
XIX.
2.
Problema
da
Pesquisa
Muitos dados têm mostrado que o Brasil é um país de leitores (COLE 1999),
porém, quando se releva a qualidade dessa leitura, nota-se que o brasileiro lê mal.
Os resultados de avaliações oficiais como as do Saeb e Enem, por exemplo,
apontam um problema pelo qual o país passa: a grande maioria, não só dos
estudantes, como da população em geral, não atinge níveis mínimos de
interpretação
e
produção
textual.
(INEP,
2007)
No ensino de Física, o problema da leitura se torna ainda mais grave, uma vez
que a compreensão de enunciados depende de mais de uma linguagem (inclui a
matemática), de modo que a grande maioria dos alunos encontra muita dificuldade
na interpretação de enunciados e leis, restringindo-se quase sempre à aplicação de
equações
sobre
as
quais
pouco
sabem
falar.
A Física envolve vários tipos de leitura. Porém, a predominância nos livros
didáticos mais utilizados pelos professores é de textos curtos, enxutos, com pouca
ou nenhuma referência a elementos próximos ao aluno, livros que melhor se
adaptam ao padrão de aula. A falta de contextualização dificulta a motivação e seu
entendimento
efetivo.
Assim, buscamos uma aproximação entre dois gêneros de discurso: o científico
(Física) e a ficção. Em concordância com João Zanetic (2006), acreditamos que tais
leituras se complementam, como verificaremos na obra de Júlio Verne.
O problema da pesquisa está na aparente contradição entre a construção de
sentidos pelos alunos a partir de textos de diferentes gêneros, que fazem referência
aos
mesmos
objetos,
vistos
sob
diferentes
perspectivas.
3.
Objetivos
O trabalho aqui proposto centra suas atenções na influência e incentivo que a
leitura, mais especificamente a da obra de Júlio Verne, e o aprendizado da física
podem
exercer,
mutuamente.
Buscaremos na leitura de textos de Verne, elementos que contextualizem os
conceitos de física, analisando o gênero do discurso utilizado e buscando evidenciar
a relação positiva que a Ciência e a Literatura podem estabelecer.
Não nos resta dúvida de que temos como princípio a formação do leitor,
entendendo-o de maneira mais ampla e tomando, em sintonia com Almeida (2004),
essa
formação
como
objetivo
primordial
da
escola.
A leitura é uma prática importantíssima no processo de formação do aluno e
deve ser incentivada. O trabalho busca evidenciar na obra de Júlio Verne,
fundamentando-se nas idéias de autores como Gaston Bachelard e João Zanetic,
entre outros, elementos que mostrem a importância de conceitos contextualizados
e que possibilitem formas alternativas de se compreender a Física.
Para João Zanetic (2006), neste ponto, cabem perfeitamente as três teses
desenvolvidas por Ezequiel Theodoro da Silva, ao tratar do tema ciência, leitura e
escola:
1ª tese: todo professor, independente da disciplina que ensina, é professor de
leitura;
2ª tese: a imaginação criadora e a fantasia não são exclusivamente das aulas de
literatura;
3ª tese: as seqüências integradas de textos e os desafios cognitivos são prérequisitos
básicos
à
formação
do
leitor.
(SILVA,
1998,
p.123/127)
Muitos autores, em especial Júlio Verne, tratam de maneira magistral a Ciência e
suas implicações. Neste trabalho, buscaremos analisar a representatividade de
Verne na divulgação da Ciência, mais especificamente da Física, inserida na
Literatura, na tentativa de evidenciar, compreender e proporcionar um
conhecimento que, somado ao dos livros didáticos, seja mais efetivo.
4.
Procedimentos
Metodológicos
Desenvolvimento
Através de uma rápida consulta às bibliotecas de algumas escolas de Presidente
Prudente, foi possível encontrar alguns exemplares dos livros: Vinte Mil Léguas
Submarinas; A Volta Ao Mundo Em Oitenta Dias; A Ilha Misteriosa e Viagem ao
Centro da Terra. Com tais informações foi possível escolher os livros a serem
analisados,
tendo
como
prioridade,
os
de
mais
fácil
acesso.
A seguir será apresentada, em tópicos distintos, a análise de Vinte Mil Léguas
Submarinas; A Volta Ao Mundo Em Oitenta Dias e Viagem ao Centro da Terra.
4.1.
Análise
de
Vinte
Mil
Léguas
Submarinas
O primeiro livro lido foi Vinte Mil Léguas Submarinas. Foi alcançado um resultado
muito satisfatório, onde nos foi possível angariar uma infinidade de recortes do
texto, diálogos, fragmentos, enfim, uma gama de conceitos de várias áreas da
Ciência.
Utilizando como referencial elementos da teoria de Bakhtin (1997), foi possível
estabelecer relações díspares entre o discurso utilizado por Júlio Verne e a Física
juntamente com a Literatura. Pode-se dizer que Verne utiliza em tal narrativa, uma
linguagem bilateral, onde o discurso científico se entrelaça com o literário.
Em várias passagens do livro, notam-se expressões de caráter fantasioso,
situações de aventura em ambientes peculiares, entretanto, reforçados pela
linguagem
científica,
pelos
signos
numéricos.
Segue
um
exemplo:
[...] Pois bem! Suponhamos a arma dez vezes maior e o animal dez vezes mais
possante. Lancemo-lo com a velocidade de vinte milhas por hora. Multipliquemos a
massa pela velocidade, e teremos choque capaz de produzir a catástrofe referida.
(VERNE,
1972,
p.
19).
Em tais trechos, podemos notar uma inserção de conceitos físicos em situações
altamente contextualizadas, permitindo a constituição de um tema, onde é
possibilitada ao leitor, uma construção de sentidos, indispensável para um
entendimento
efetivo
do
objeto
de
estudo.
Sobre
o
tema
de
um
enunciado,
nos
diz
Bakhtin:
“[...] o tema da enunciação é determinado não só pelas formas lingüísticas que
entram na composição (as palavras, as formas morfológicas ou sintáticas, os sons,
as entonações), mas igualmente pelos elementos não verbais da situação. Se
perdermos de vista os elementos da situação, estaremos tão pouco aptos a
compreender a enunciação como se perdêssemos suas palavras mais importantes.
O tema da enunciação é concreto, tão concreto como o instante histórico ao qual
ela pertence. Somente a enunciação tomada em toda a sua amplitude concreta,
como fenômeno histórico, possui um tema. Isto é o que se entende por tema da
enunciação.”
(Bakhtin,
1995,
p.128-129).
A rigor, não temos um tema constituído quando nos atemos exclusivamente ao
texto, pois estão ausentes os elementos materiais da situação concreta. Porém,
nenhum texto se explica por si só. Ele faz referência a esses elementos externos, e
no caso por nós analisado, muitos desses elementos fazem parte da vida dos
estudantes,
permitindo-lhes
assim
a
reconstrução
do
tema.
O discurso científico surge como um elemento reforçador do discurso da ficção,
das situações enunciadas na aventura e vice-versa. Júlio Verne, no tocante à
estética de seu discurso, preza por valores numéricos, signos matemáticos e físicos,
fazendo com que o caráter fantasioso da sua narrativa ganhe vida, aproximando-o
da realidade científica, muitas vezes colocando em cheque os limites que separam a
ciência
da
ficção
científica.
Alguns fragmentos de Vinte Mil Léguas Submarinas apresentam conceitos de
outras áreas do conhecimento científico, como a Geografia, Geologia, Biologia
Marinha, enfim, pode-se dizer que no livro, Júlio Verne abrange em sua narrativa,
muitas
perspectivas
e
manifestações
científicas.
Em concordância com Bakhtin (1997), o sentido estabelecido em um discurso,
ou seja, a significação que um texto pode ter para o leitor é um parâmetro tão
indispensável quanto o espaço e o tempo no qual um evento possa ocorrer. Um
discurso, para que tenha uma fundamentação, tanto estética como lingüística, para
ser levado do autor ao leitor necessita estar apoiado nos três parâmetros: espaço;
tempo
e
sentido.
A narrativa de Júlio Verne possibilita ao leitor, o uso de sua imaginação, onde o
mesmo possa construir um sentido sobre o que lê, entretanto, sem perder o
embasamento
científico
envolvido.
4.2.
Análise
de
A
Volta
ao
Mundo
em
Oitenta
Dias
Outro livro analisado, bastante interessante é A Volta ao Mundo em Oitenta Dias,
no qual Verne conta a história de Phileas Fogg, um gentleman na cidade de Londres
no ano de 1872, freqüentador do Reform Club e que certa vez em uma acalorada
discussão, fez uma aposta com seus companheiros de que conseguiria executar a
volta
ao
mundo
em
80
dias.
Durante todo o livro, é possível notar um enaltecimento dos meios de transporte
do século XIX, podendo ser comparados aos meios atuais (conhecimento científico,
tecnologia
envolvida,
impactos
sócio-econômicos,
etc.).
O final da jornada traz um acontecimento (talvez o ápice da história), onde Fogg
e Passepartout terminam a volta ao mundo e ficam frustrados por não terem
conseguido a executar no prazo de oitenta dias. Eles acreditavam estar atrasados
em um dia, porém Passepartout descobre que estão dentro do prazo. O trecho a
seguir
explica
o
motivo
do
erro
na
contagem:
[...]
Eis
a
razão
deste
erro.
Bem
simples.
Phileas Fogg tinha, “sem dúvida” ganho um dia sobre seu itinerário — e isto
unicamente porque tinha feito a volta ao mundo indo para leste, e teria, pelo
contrário, perdido este dia indo em sentido inverso, ou seja para oeste.
Com efeito, andando para o leste, Phileas Fogg ia à frente do sol, e, por
conseguinte os dias diminuíam para ele tantas vezes quatro minutos quanto os
graus que percorria naquela direção. Ora, temos trezentos e sessenta graus na
circunferência terrestre, e estes trezentos e sessenta graus, multiplicados por
quatro minutos, dão precisamente vinte e quatro horas — isto é, o dia
inconscientemente ganho. Em outros termos, enquanto Phileas Fogg, andando para
leste, viu o sol passar oitenta vezes pelo meridiano, seus colegas que tinham ficado
em Londres só o viram passar setenta e nove vezes. Eis porque, naquele dia, que
era sábado e não domingo, como supunha Mr. Fogg, eles o esperaram no salão do
Reform
Club.
E é o que o famoso relógio de Passepartout — que tinha sempre conservado a
hora de Londres — teria constatado se, ao mesmo tempo em que os minutos e as
horas,
tivesse
marcado
os
dias!
(VERNE,
2000,
p.
127).
A explicação é simplesmente brilhante, apresenta o movimento de rotação da
Terra
e
sua
influência
no
fuso-horário
de
cada
país.
As possibilidades de utilização de A Volta ao Mundo em Oitenta Dias são
enormes, levando em consideração que se trata de uma jornada ao redor do
mundo, diversas culturas podem ser apresentadas e exploradas. Atividades
interdisciplinares, por exemplo, garantem um aproveitamento bastante amplo do
livro.
4.3.
Análise
de
Viagem
ao
Centro
da
Terra
O terceiro livro analisado foi Viagem ao Centro da Terra, publicado no Brasil em
1964. Existem outras versões mais recentes e enxutas, além de versões
cinematográficas, entretanto foi escolhida a respectiva edição com a finalidade de
se obter uma análise mais completa, tendo em vista que as adaptações e resumos
podem nos privar de elementos relevantes da obra, sob a ótica que nossa
abordagem
requer.
Júlio Verne, assim como nos demais livros, nos leva a um mundo de fantasia em
Viagem ao Centro da Terra, onde narra a aventura dos personagens Áxel e seu tio,
o Sr. Lidenbrock, ao núcleo do globo terrestre, fato que por si próprio já nos remete
a um devaneio sem igual, uma vez, que o homem nunca atingiu tal façanha,
barrado pelas leis da Física (Calor, Pressão atmosférica, etc.). Na ficção de Verne
não existe este limite, uma vez que o autor se aproveita de sua incrível imaginação
para moldar uma situação propícia para a aventura, com manuscritos e mapas
misteriosos, entrelaçando mitologia com história e ciência, em sua literatura.
Os exóticos ambientes onde as aventuras se desenrolam, característica
marcante nos livros de Júlio Verne, também estão presentes em Viagem ao Centro
da
Terra.
[...] A dezenove de junho, percorremos terreno de lava durante dois quilômetros
daquele tipo de solo que os islandeses chamam de braun. A lava, enrugada à
superfície, tomava a forma de caranguejos, ora alongados, ora enrolados sobre si
mesmos. Imensa corrente de matéria em fusão descia das montanhas vizinhas:
vulcões atualmente extintos, cujos fragmentos, porém, atestavam a violência
passada. Alguns vapores de fontes quentes, no entanto, espalhavam-se aqui e ali.
(VERNE,
1964,
p.
88).
Neste trecho, os personagens estão passando por um terreno, chamado pelo
personagem Áxel, de braun, com atividade vulcânica, descrevendo uma experiência
nova, porém de risco para os aventureiros. A erupção de vulcões, lavas, basalto e a
emissão de gases à atmosfera podem ser o ponto de partida para algumas
questões de ordem física e ambiental (efeito estufa, teorias para o aquecimento
global,
etc.).
Podemos concluir que, para uma leitura efetiva dos livros de Júlio Verne, é
necessário um entendimento de conceitos físicos. Tal leitura não pode se dar
isoladamente, pois o autor busca nos argumentos da ciência, uma poderosa forma
de fortalecer suas narrativas, fundamentando-as e contextualizando-as.
5.
Resultados
As análises que foram feitas dos textos selecionados de Júlio Verne mostram o
grande potencial que sua obra possui enquanto elemento contextualizador de
situações de conhecimento físico, similares às apresentadas nos exercícios
escolares, mas enriquecidas pela aventura, pelo enredo, pela descrição minuciosa
dos
vários
elementos.
Sentimos algumas limitações em relação aos poucos exemplares de Júlio Verne
disponíveis no acervo das bibliotecas, inviabilizando uma maior circulação de livros
para
os
discentes.
Ao pesquisar os livros de Júlio Verne, notamos o que seria uma Didática das
Ciências presente na obra do autor, uma intencionalidade de se ensinar conceitos
científicos, ora evidentes, ora atrelados ao devaneio, que a nosso ver, está em
sintonia com o “efeito Júlio Verne” mencionado por Vierne (1994). Existem muitas
particularidades em seus textos, algumas diretamente ligadas à intenção de
ensinar, entretanto, todas essas características apontam para novas possibilidades
de sua utilização, não somente em aulas de Física, como para a divulgação de
culturas diversas, além de ótimos livros do autor, que constrói sua literatura,
socializando-a, assim como a ciência, que ganha novos significados sociais.
Não sabemos o quanto este trabalho pode trazer contribuições para o ensino de
Física, mas o seu início nos revelou muito promissor. No momento nossas atenções
estão focadas em obter a maior gama de recortes da obra de Júlio Verne, que
representem possibilidades de aplicação por parte dos professores de Física, assim
como
a
construção
de
sentidos
pelos
alunos.
6.
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