Acta Otorrinolaringol. Gallega 2015;8(1): 107-113 Edita: Sociedad Gallega de Acta Otorrinolaringológica Gallega Otorrinolaringología. Artículo original ISSN: 2340-3438 Exostoses do canal auditivo externo: avaliaçâo e tratamento. External auditory exostoses: evaluation and treatment Periocidad: continuada. Sara Sena Esteves, Mariline Santos, Ana Pereira da Silva , José Abrunhosa, Cecília Almeida e Sousa. Serviço de Otorrinolaringologia, Web: www: sgorl.org/revista Centro Hospitalar do Porto. Recibido: 6/10/2015 Aceptado: 7/11/2015 Resumen Correo electrónico: Introdução: As exostoses do canal auditivo externo (CAE) são [email protected] hiperplasias ósseas localizadas mais frequentes em praticantes de desportos aquáticos. Embora maioritariamente assintomáticas, nos casos obliterativos podem surgir otites recorrentes, surdez de condução e plenitude aural, entre outras queixas. Material e Métodos: Foi realizado um estudo retrospectivo de 37 doentes (49 ouvidos) submetidos a canalplastia com exérese de exostoses, no Centro Hospitalar do Porto, entre Janeiro de 2010 e Dezembro de 2014. Resultados: Os motivos mais frequentes de recorrência à consulta externa de otorrinolaringologia foram noção de hipoacusia (53.1%), sensação de plenitude aural (49%) e otite externa (38.8%). Nos doentes submetidos a cirurgia, 40.5% eram praticantes de desportos aquáticos. São apresentadas as abordagens cirúrgicas, as variações audiométricas, as complicações cirúrgicas e se estiveram associados outros procedimentos cirúrgicos. Conclusões: As exostoses do CAE são geralmente assintomáticas, sendo a cirurgia reservada para casos sintomáticos que não cedem ao tratamento Correspondencia: Sara Sena Esteves Centro Hospitalar do Porto, Portugal E-mail: [email protected] 107 Acta Otorrinolaringol. Gallega 2015;8(1): 107-113 conservador. No nosso Centro Hospitalar, a canal stenosis and resistant to medical treatment are abordagem retro-auricular foi a primeira opção e candidates for surgical removal of the exostoses. In esteve associada a bons resultados, não se tendo our institution, the postauricular approach was used verificado nenhuma complicação major. in almost all cases and was associated with good Palabras clave: exostoses; canal auditivo externo; results and no major complication. Keywords: exostoses; external auditory canal; can- canalplastia. alplasty. Abstract Introduction: External auditory exostoses (EAE) Introducción are bone hyperplasia outgrowths of the external As exostoses do canal auditivo externo (CAE) são auditory canal (EAC) that primarly occur in peo- hiperplasias ple who practice cold water sports. Although most histologicamente caracterizadas por osso lamelar de cases does not produce symptoms, in obliterative base ampla, mais frequentes em praticantes de cases may arise recurrent ear infections, plugged desportos aquáticos como nadadores, surfistas ou sensation and conductive deafness, among other mergulhadores1. A incidência de exostoses nos complaints. surfistas varia entre 70 e 80% e o seu tamanho varia Material and Methods: Thirty-seven patients (49 ears) underwent canalplastia for EAE in our institution between January 2010 and December 2014. ósseas benignas localizadas, com a duração da exposição à água fria2. Assim, o crescimento ósseo representa uma resposta rudimentar de forma a proteger o ouvido médio contra a imersão em água fria. Results: The most frequent complaints on presenAs exostoses são geralmente bilaterais e tation were hearing loss (53.1%), plugged sensamúltiplas, ocorrendo em grupos de 3. Estas diferem tion (49%) and recurrent otitis externa (38.8%). In dos osteomas, sendo estes tipicamente unilaterais, patients undergoing surgery, 40.5% were practiúnicos, pediculados e com origem típica na parede tioners of water sports. We present the surgical lateral do CAE3. approach, audiometric variations, surgical compliA maioria das exostoses são diagnosticadas cations and other surgical procedures associated. acidentalmente, numa avaliação de rotina, sendo Conclusions: Exostoses of the EAC are usually asymptomatic and only patients with most severe geralmente assintomáticas. No entanto, nos casos em que causam uma estenose do CAE maior que 108 Acta Otorrinolaringol. Gallega 2015;8(1): 107-113 80% podem surgir queixas como otites externas Trinta e sete doentes foram submetidos a recorrentes, surdez de condução, acufeno e canalplastia com exérese de exostoses, sendo que plenitude aural, entre outras4. doze doentes foram submetidos a cirurgia bilateral, Na maioria dos casos, uma vez que o doente está assintomático, não há necessidade de tratamento. No entanto, deve ser recomendado o levando a um total de quarenta e nove ouvidos operados neste período de tempo. Nenhum doente foi submetido a duas cirurgias no mesmo ouvido. uso de tampões nos CAE aquando da realização de desportos aquáticos. Foram analisados a idade, sexo, queixas presentes à apresentação, prática de desportos O tratamento médico, com medidas de aquáticos e intervenção cirúrgica otológica prévia. limpeza e higiene meticulosa do canal auditivo Foram ainda avaliados a gravidade da exostose, o externo e antibioterapia e/ou corticoterapia tópica, tipo de abordagem cirúrgica realizada, as variações habitualmente também resolve a acumulação de audiométricas e as complicações cirúrgicas. cerúmen e as otites externas. Assim, o tratamento cirúrgico, com o objectivo de remover as exostoses e alargar o CAE Resultados é reservado para casos refractários ao tratamento Da amostra de 37 doentes submetidos a cirurgia, médico, otites externas recorrentes ou persistentes, 91,9% eram do sexo masculino e 8,1% do sexo obstrução causando feminino. A idade média no momento da cirurgia hipoacusia e casos em que está impedida a foi de 46,3 anos. Cerca de 40,5% dos doentes eram visualização o ouvido médio. praticantes de desportos aquáticos, destacando-se o recorrente por cerúmen surf, o body-board, o mergulho e a pesca. Os motivos mais frequentes de recorrência à consulta externa de otorrinolaringologia (ORL) Material y Métodos Foi realizado um estudo retrospectivo de todos os foram noção de hipoacusia (53.1%), sensação de doentes submetidos a canalplastia com exérese de plenitude aural (49%) e otites externas recorrentes exostoses do canal auditivo externo entre Janeiro (38.8%), como se verifica na tabela abaixo de 2010 e Dezembro de 2014 no Centro Hospitalar apresentada do Porto. Os doentes com osteomas do CAE foram apresentava antecedentes de cirurgia otológica excluídos. prévia, na primeira consulta de ORL. 109 (Tabela 1). Nenhum doente Acta Otorrinolaringol. Gallega 2015;8(1): 107-113 Queixa N (% doentes) Hipoacusia 26 (53,1%) Plenitude aural 24 (49,0%) Otite externa recorrente / Otorreia recorrente 19 (38,8%) Otalgia 7 (14,3%) Acufeno 6 (12,2%) Tabela 1: Queixas à apresentação em consulta de ORL. Doze doentes foram submetidos a cirurgia Todos os doentes propostos para contralateral, com um período médio de 19 meses canalplastia com exérese de exostoses realizaram entre as duas cirurgias, tendo-se iniciado pelo audiometria tonal e vocal, incluindo os limiares ouvido que tinha exostoses mais obliterativas. auditivos aéreos e ósseos e timpanograma, de As estenoses do CAE foram caracterizadas forma a avaliar a evolução pós-operatória ( tempo de acordo com um grau de severidade da médio entre os 2 exames foi de 8 meses). A obstrução, através de otoscopia microscópica, variação nos limiares auditivos aéreos e no gap conforme a escala utilizada em vários estudos aéreo-ósseo foi significativa a um nível de prévios, de forma a diminuir a variabilidade inter- confiança de 95% (Tabela 3). Verificaram-se 3 observador. Verificou-se que a maioria dos casos de agravamento do limiar auditivo ósseo doentes apresentava uma obstrução grau 3 após a cirurgia (perda máx 7dB; perda mín 5dB; (Tabela 2). média 5,67 dB). Relativamente à cirurgia, 51% das cirurgias Percentagem de obstrução 0% < 33% 33-66% > 66% N (% de ouvidos) 0 (0) 1 (2,0) 3 (6,1) 45 (91,8) foram efectuadas no OD e 49% no ouvido Escala de gravidade esquerdo . A abordagem retroauricular foi a Normal, 0 escolhida em todos os casos, seguindo-se de Mínima, 1 incisões Moderada, 2 Severa, 3 no canal auditivo externo com descolamento da pele no sentido da membrana timpânica. Na maioria dos casos foi abordada Tabela 2: Escala de severidade das exostoses. inicialmente a exostose posterior, sempre com o cuidado de não aprofundar demasiado, evitando 110 Acta Otorrinolaringol. Gallega 2015;8(1): 107-113 Média PTA aéreo 21,02 17,24 Média variação (PréPós) - 3,78 PTA ósseo 15,71 15,51 - 0,20 5,10 1,73 - 3,37 GAP aéreo-ósseo Média Tabela 3 : Estudo audiométr ico pr é e pós-operatrório. PTA = pure-tone average lesar o nervo facial. Seguiu-se a abordagem da de osso exposto ou tecido de granulação no CAE exostose anterior, evitando lesar a articulação superior a 12 semanas. A complicação pós- temporo-mandibular. operatória mais frequente foi a cicatrização A exérese das exostoses recorreu ao uso de broca em 79,6% e escopro em prolongada (Tabela 4). 75,5% casos, sempre com o cuidado de não lesar a Em relação à presença de cirurgia membrana timpânica ou a cadeia ossicular. Após simultânea, foram realizadas 6 timpanoplastias total remoção das exostoses, procedeu-se ao em underlay com o uso fáscia temporal, no reposicionamento da pele do CAE, não tendo sido mesmo utilizado enxerto de pele em nenhum caso. apresentavam perfuração prévia à cirurgia ou por tempo cirúrgico, seja porque Foram ainda quantificadas as potenciais perfuração iatrogénica. Não se verificou outro complicações da cirurgia de exérese de exostoses tipo de cirurgia no mesmo tempo, nomeadamente incluindo paralisia facial, perfuração da membrana estapedotomias ou mastoidectomias. timpânica, estenose do canal auditivo externo, Não houve nenhum caso de recorrência de exposição da articulação temporo-mandibular e exostoses, até à data presente. atraso na cicatrização, caracterizada como presença Complicações pós-operatórias Cicatrização Prolongada Perfuração da membrana timpânica Estenose Canal Exposição Articulação Temporo-mandibular Paralisia facial N (% de ouvidos) 3 (6,1) 1 (2,0) 1 (2,0) 0 (0) 0 (0) Tabela 4 : Complicações pós-operatórias. 111 Acta Otorrinolaringol. Gallega 2015;8(1): 107-113 Discusión permite uma visualização completa do canal As exostoses do canal auditivo externo são auditivo externo, dirige o olhar do cirurgião geralmente encontradas de forma acidental num anteriormente, local que requer a maior remoção exame físico ORL, sendo raramente a causa de óssea e está associada a menor número de ida à consulta. No entanto, quando sintomáticas, complicações o doente refere hipoacusia, plenitude aural e externo pode ser prevenida ao lesar minimamente otites externas recorrentes, podendo interferir a pele do CAE. Por sua vez, o atraso na muito com qualidade de vida do doente5. A cicatrização pode melhorar evitando a entrada de nossa amostra é representada essencialmente por água no CAE no pós-operatório. A complicação homens na meia idade, sendo que 40,5% intra-operatória mais frequente na nossa amostra praticam desportos aquáticos. foi a perfuração da membrana timpânica, o que No Centro Hospitalar do Porto, a levou a 6 8,9 . A estenose do canal auditivo timpanoplastias no mesmo tempo canalplastia com exérese de exostoses é proposta cirúrgico, apenas se tendo identificado uma no pós a -operatório. Na literatura, esta complicação ronda doentes sintomáticos, refractários ao tratamento médico, maioritariamente por otites os 0-30%10. externas recorrentes, de acordo com a literatura O uso de broca para remoção das exostoses 6 internacional . Considera-se que numa estenose acarreta riscos auditivos, especialmente num menor ouvido normal11. Na nossa amostra houve um que 80%, a cirurgia deve ser desaconselhada7. Na nossa amostra, 91,8% das agravamento exostoses eram grau 3. doentes. Este estudo também mostrou auditivo neurossensorial em 3 uma Há relatos na literatura de recorrência das prevalência idêntica de exostoses nos ouvidos exostoses de 25% aos 10 anos, associados a uma direito e esquerdo, não se tendo verificado uma idade mais avançada do doente12. O uso de maior gravidade das exostoses num ouvido face tampões auriculares pode reduzir a incidência da ao outro, na população submetida a cirurgia, ao recorrência. Na nossa amostra não se verificou contrário de alguns estudos publicados. Isto pode nenhum caso de recorrência, mas o tempo de dever-se à maioria pertencerem a um grau 3, seguimento é muito reduzido. logo, uma fase avançada da doença. A abordagem cirúrgica retroauricular foi a escolhida em todos os casos uma vez que 112 Acta Otorrinolaringol. Gallega 2015;8(1): 107-113 5- Mariezkurrena A, Vea Orte JC et al. Surgical Conclusiones As exostoses do CAE são geralmente Treatment of Exostosis in the External Auditory Ca- assintomáticas, sendo a cirurgia reservada para nal. Clinical Research. 2006. casos sintomáticos que não cedem ao tratamento 6- Sanna M, Russo A, Khrais T, et al. Canalplasty for conservador. Apesar da abordagem endaural ser severe external auditory meatus exostoses. J Laryngol uma opção, no nosso Centro Hospitalar, a Otol. 2004;118:607-11. 7- Whitaker SR, Cordier A, Kosjakov S, Charbon- abordagem retro-auricular, associada ao uso de broca e escopro, em muitos dos neau R. Treatment of external auditory canal exosto- casos ses. Laryngoscope. 1998;108:195-9. simultaneamente, esteve associada a bons 8- Sheehy JL. Diffuse exostoses and osteomata of the resultados, não se tendo verificado nenhuma external auditory canal: a report of 100 operations. complicação major. Otolaryngol Head Neck Surg. 1982;90:337-42. 9- House JW, Wilkinson EP. External auditory exostoses: evaluation and treatment. Otolaryngolog Head Declaración de conflicto de intereses: Neck Surg. 2008;138(5):672-78. Os autores declaram que não existe conflito de 10- Fisher EW, MC Manus TC. Surgery for external interesses. auditory canal exostoses and osteomata. J Laryngol Otol.1994;108:106-10. 11- Perkins R, Roberson JB. Canalplasty for exosto- Bibliografía ses of the external auditory canal and miscellaneous 1- Harrison DF. Exostosis of the external auditory me- auditory canal problems. In: Brackmann DE, Shelton atus. J Laryngol Otol. 1951;65:704-14. C, Arriaga M, eds. Otologic sugery. 2nd ed. Philadel- 2- Kroon DF, Lawson ML, Derkay CS, et al. Sufer´s phia: WB Saunders Co; 2007.pp.25-34. ear:external auditory exostoses are more prevalent in 12– Timonef I, Notkina N, Smith IM. Exostoses of cold water surfers. Otolaryngolog Head Neck Surg. the external auditory canal: a long-term follow-up 2002;126:499-504. study of surgical treatment. Clin Otolaryngol Allied 3- Schuknecht HF. Exostoses of the external auditory Sci. 2004;29: 588-94 canal. Pathology of the Ear. Philadelphia: Lea & Febiger; 1993. pp. 398-9. 4- Hurst W, Bailey M, Hurst B. Prevalence of external auditory canal exostoses in Australian surfboard riders. J Layngol Otol. 2004;118:348-51. 113