PORTUGUÊS - 3o ANO MÓDULO 41 A CONSTRUÇÃO DO TEXTO LITERÁRIO EM SEUS GÊNEROS Como pode cair no enem (ENEM) A diva Vamos ao teatro, Maria José? Quem me dera, desmanchei em rosca quinze kilos de farinha, tou podre. Outro dia a gente vamos. Falou meio triste, culpada, e um pouco alegre por recusar com orgulho. TEATRO! Disse no espelho. TEATRO! Mais alto, desgrenhada. TEATRO! E os cacos voaram sem nenhum aplauso. Perfeita. (PRADO, A. Oráculos de maio. São Paulo: Siciliano, 1999.) Os diferentes gêneros textuais desempenham funções sociais diversas, reconhecidas pelo leitor com base em suas características específicas, bem como na situação comunicativa em que ele é produzido. Assim, o texto A diva: a) narra um fato real vivido por Maria José. b) surpreende o leitor pelo seu efeito poético. c) relata uma experiência teatral profissional. d) descreve uma ação típica de uma mulher sonhadora. e) defende um ponto de vista relativo ao exercício teatral. Fixação Eu desconfiava: todas as histórias em quadrinhos são iguais. Todos os filmes norte-americanos são iguais. Todos os países são iguais. Todos os Best-sellers são iguais. Todos os campeonatos nacionais internacionais são iguais. Todos os partidos políticos são iguais. Todas as mulheres que andam na moda são iguais. Todas as experiências de sexo são iguais. Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais e todos, todos os poemas em versos livres são enfadonhamente iguais. Todas as guerras do mundo são iguais. Todos os amores, iguais, iguais, iguais. Iguais todos os rompimentos. A morte é igualíssima. Todas as criações da natureza são iguais. Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais. Contudo, o homem não é igual a outro homem, bicho ou coisa. Não é igual a nada. Todo ser humano é um estranho impar (ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova reunião: 19 livros de poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985) Glossário: 1) Best-sellers: livros mais vendidos 2) gazéis, virelais, sextinas, rondós: tipos de poema 1) (UERJ) O poema de Carlos Drummond de Andrade se caracteriza por uma repetição considerada estilística, porque é claramente feita para produzir um sentido. Pode-se dizer que a repetição da expressão “são iguais” é empregada para reforçar o sentido de: a) afirmação da igualdade no mundo de hoje; b) subversão da igualdade pelo raciocínio lógico; c) valorização da igualdade das experiências vividas; d) constatação da igualdade entre fenômenos diversos. Fixação 2) (UERJ) Todo ser humano é um estranho ímpar. (v. 26) No contexto, a associação dos adjetivos “estranho” e “ímpar” sugere que cada ser humano não se conhece completamente. Isto acontece porque cada indivíduo pode ser caracterizado como: a) solitário; c) intolerante; b) singular; d) indiferente. o o o o Fixação F 3) (ENEM) Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d’água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas. Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade. Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! Minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico. T (BRAGA, Rubem. Ai de ti, Copacabana. 20.ed.) O poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu assim sobre a obra de Rubem Braga: O que ele nos conta é o seu dia, o seu expediente de homem, apanhado no essencial, narrativa direta e econômica. (...) É o poeta do real, do palpável, que se vai diluindo em cisma. Dá o sentimento da realidade e o remédio para ela. Em seu texto, Rubem Braga afirma que “este é o luxo do grande artista, atingir o máximo4 de matizes com o mínimo de elementos”. Afirmação semelhante pode ser encontrada no texto de Carlos Drummond de Andrade, quando, ao analisar a obra de Braga, diz que ela é: a a) uma narrativa direta e econômica. d) seu expediente de homem. b b) real, palpável. e) seu remédio. c c) sentimento de realidade. d Fixação Texto para as questões 4 e 5. Por não estarem distraídos Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos. (LISPECTOR, Clarice. Para não esquecer. São Paulo: Siciliano, 1992.) 4) (UERJ) O texto de Clarice Lispector aborda, genericamente, o insucesso de relações amorosas. Esse enfoque genérico está confirmado pelo uso da seguinte estratégia de construção textual: a) inadequação de tempo e de espaço na narrativa. b) incoerência do discurso e da enunciação em 3a pessoa. c) indiferença do autor e do enunciador aos fatos narrados. o d) indeterminação dos nomes e de características dos personagens. Fixação 5) (UERJ) O título do texto – Por não estarem distraídos – refere-se à causa do distanciamento dos amantes ao longo da relação estabelecida entre eles. A expressão “não estarem distraídos” apresenta o sentido de: a) falta de dedicação. b) excesso de cobrança. c) necessidade de confiança. d) ausência de comprometimento. F T Fixação Texto para as questões 6 a 9. Mysterium Eu vi ainda debaixo do sol que a corrida não é para os mais ligeiros, nem a batalha para os mais fortes, nem o pão para os mais sábios, nem as riquezas para os mais inteligentes, mas tudo depende do tempo e do acaso. (Eclesiastes) Ao tempo e ao acaso eu acrescento o grão de imprevisto. E o grão da loucura, a razoável loucura que é infinita na nossa finitude. Vejo minha vida e obra seguindo assim por trilhos paralelos e tão próximos, trilhos que podem se juntar (ou não) lá adiante mas tudo sem explicação, não tem explicação. Os leitores pedem explicações, são curiosos e fazem perguntas. Respondo. Mas se me estendo nas respostas, acabo por pular de um trilho para outro e começo a misturar a realidade com o imaginário, faço ficção em cima de ficção, ah! Tanta vontade (disfarçada) de seduzir o leitor, esse leitor que gosta do devaneio. Do sonho. Queria estimular sua fantasia mas agora ele está pedindo lucidez, quer a luz da razão. Não gosto de teorizar porque na teoria acabo por me embrulhar feito um caramelo em papel transparente, me dê um tempo! Eu peço. Quero ficar fria, espera. Espera que estou me aventurando na busca das descobertas, “Devagar já é pressa!”, disse Guimarães Rosa. Preciso agora atravessar o cipoal dos detalhes e são tantos! E tamanha a minha perplexidade diante do processo criador, Deus! Os indevassáveis signos e símbolos. Ainda assim, avanço em meio da névoa, quero ser clara em meio desse claro que de repente ficou escuro, estou perdida? Mais perguntas, como nasce um conto? E um romance? Recorro a uma certa aula distante (Antonio Candido) onde aprendi que num texto literário há sempre três elementos: a ideia, o enredo e a personagem. A personagem, que pode ser aparente ou inaparente, não importa. Que pode ser única ou se repetir, tive uma personagem que recorreu à máscara para não ser descoberta, quis voltar num outro texto e usou disfarce, assim como faz qualquer ser humano para mudar de identidade. Na tentativa de reter o questionador, acabo por inventar uma figuração na qual a ideia é representada por uma aranha. A teia dessa aranha seria o enredo. A trama. E a personagem, o inseto que chega naquele voo livre e acaba por cair na teia da qual não consegue fugir, enleado pelos fios grudentos. Então desce (ou sobe) a aranha e nhac! Prende e suga o inseto até abandoná-lo vazio. Oco. O questionador acha a imagem meio dramática mas divertida, consegui fazê-lo sorrir? Acho que sim. Contudo, há aquele leitor desconfiado, que não se deixou seduzir porque quer ver as personagens em plena liberdade e nessa representação elas estão como que sujeitas a uma destinação. A uma condenação. E cita Jean-Paul Sartre que pregava a liberdade também para as personagens, ah! Odiosa essa fatalidade dos seres humanos (inventados ou não) caminhando para o bem e para o mal. Sem mistura. Começo a me sentir prisioneira dos próprios fios que fui inventar, melhor voltar às divagações iniciais onde vejo (como eu mesma) o meu próximo também embrulhado. Ou embuçado? Desembrulhando esse próximo, também vou me revelando e na revelação, me deslumbro para me obumbrar novamente nesta viragem-voragem do ofício. (TELLES, Lygia Fagundes. Durante aquele estranho chá: perdidos e achados. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.) 6) (UERJ) O título do texto de Lygia Fagundes Telles relaciona-se com o processo de construção da narrativa literária. Nesse sentido, a alternativa que melhor justifica o título Mysterium é: a) surpresa da narradora diante do ato de criação. b) exploração de ideias contrárias ao longo da narração. c) combinação do texto ficcional com referências bíblicas. d) predominância de elementos da ficção sobre os da realidade. Fixação F 7) (UERJ) Todo texto pressupõe relações com outros textos, por isso nele estão presentes8 várias vozes, que podem ser reconhecidas com maior ou menor facilidade. A isso chamamoss intertextualidade. Um exemplo de intertextualidade cujo sentido está corretamente definido verifica-se em: a a) mas tudo depende do tempo e do acaso. (epígrafe – Eclesiastes) – afirmar a existência deb um momento certo para escrever. c b) “Devagar já é pressa!”, disse Guimarães Rosa.– revelar o sentido da obra ao leitor poucod a pouco. c) Recorro a uma certa aula distante (Antonio Candido)– esclarecer o modo de construção do texto literário. d) E cita Jean-Paul Sartre que pregava a liberdade também para as personagens. – criticar o poder das personagens no processo de criação literária. Fixação 8) (UERJ) As figuras de linguagem são recursos que afastam as construções linguísticas de seu valor literal, com o objetivo de tornar essas construções mais expressivas. O emprego de uma figura de linguagem e sua correta nomeação estão presentes em: a) E o grão da loucura, a razoável loucura que é infinita na nossa finitude. – alusão. b) Ainda assim, avanço em meio da névoa, – metáfora. c) quero ser clara em meio desse claro que de repente ficou escuro,– ironia. d) O questionador acha a imagem meio dramática mas divertida, – metonímia. Fixação 9) (UERJ) (...)tive uma personagem que recorreu à máscara para não ser descoberta, quis voltar num outro texto e usou disfarce, assim como faz qualquer ser humano para mudar de identidade. Esse fragmento revela um ponto de vista da autora acerca da autonomia das personagens de suas obras. A passagem do texto que não confirma esse ponto de vista é: a) e começo a misturar a realidade com o imaginário, faço ficção em cima de ficção, b) E tamanha a minha perplexidade diante do processo criador, Deus! Os indevassáveis signos e símbolos. c) A personagem, que pode ser aparente ou inaparente, não importa. Que pode ser única ou se repetir, d) nessa representação elas estão como que sujeitas a uma destinação. A uma condenação. F Fixação Minha casta Dulcineia Estou numa esquina de Copacabana, são duas horas da madrugada. Espero uma condução que me leve para casa. À porta de um dancing, homens conversam, mulheres entram e saem, o porteiro espia sonolento. Outras se esgueiram pela calçada, fazendo a chamada vida fácil. De súbito, a paisagem se perturba. Corre um frêmito no ar, há pânico no rosto das mulheres que fogem. Que aconteceu? De um momento para outro, não se vê mais uma saia pelas ruas – e mesmo os homens se recolhem discretamente à sombra dos edifícios. - Que aconteceu? Pergunto a alguém que passa apressado. É a radiopatrulha: Vejo o carro negro subir da esquina como um Deus blindado e vir rodando devagar, enquanto os olhos terríveis da polícia espreitam aqui e ali. Não se sabe como, sua aparição foi antecipada de um aviso que veio rolando pelas ruas, trazido talvez pelo vento, espalhando o medo e possibilitando a fuga. Eis, porém, que surgem na esquina duas mulheres, desavisadas e tranquilas. Uma delas é mulata e alta, outra é baixa e tão preta, que só o vestido se destaca dentro da noite – ambas pobres e feias. Veem o inimigo, perdem a cabeça e saem em disparada, cada uma para o seu lado. O carro da polícia acelera, ao encalço da mulata: em dois minutos ela é alcançada. A outra, trêmula de medo, se encolhe ao meu lado como um animal, tentando ocultar-se. O carro faz a volta e vem se aproximando. - Pelo amor de Deus, moço, diga que está comigo. Já não há tempo de fugir. A pretinha me olha assus- tada, pedindo licença para tomar-me o braço, e assim protegida, enfrenta o olhar dos policiais. Tomado de surpresa, fico imóvel, e somos como um feliz, ainda que insólito, casal de namorados. Compenetro-me, forças secretas dentro de mim endireitam-me o corpo para enfrentar a situação. Ouço a voz de Quixote sussurrar-me que, agora, ou vou preso com ela, ou ninguém vai. Na verdade, neste instante de heroísmo, unido a um ser humano pelo braço, sinto-me capaz de enfrentar até o Juízo Final, quanto mais a Delegacia de Costumes. Passado o perigo, a preta retira humildemente o braço do meu, faz um trejeito, agradecendo, e desaparece na escuridão. Eu é que agradeço, minha senhora – é o que pensa aqui o fidalgo. Tomo alegremente meu lotação e vou para casa com alma leve, pensando na existência daquelas pequenas coisas, como diria o poeta, pelas quais os homens morrem. (SABINO, Fernando, In Quadrante I) 10) Considerando os elementos que estruturam a narrativa de ficção, marque a opção incorreta na análise do texto de Fernando Sabino: a) os verbos no presente dão atualidade e vivacidade aos acontecimentos narrados. Tem-se a impressão de que tudo acontece diante do leitor no momento da narração; b) convivendo com as personagens, o leitor se torna mais suscetível às surpresas ou impactos preparados habilmente pelo narrador na sucessão de ações; c) o tempo trabalhado no texto é imaterial, psicológico; d) o foco narrativo em primeira pessoa aproxima o leitor das personagens, envolvendo-o sentimentalmente no drama; e) o fato que desencadeia o conflito na narrativa é representado, metaforicamente, como um “Deus blindado.” Proposto P Ausência Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces. Porque nada te poderei dar, senão a mágoa de me veres eternamente exausto. No entanto, a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida. E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz. Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado. Q u e r o q u e s u r j a s e m m i m c o m o a f é n o s desesperados Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada. Que ficou em minha carne como uma nódoa do passado. Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face. Te u s d e d o s e n l a ç a r ã o o u t r o s d e d o s e t u desabrocharás para a madrugada. Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite. Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa. Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço. E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. Eu f icarei só c omo os veleir os nos por tos silenciosos Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas. Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada. T ( (Vinícius de Moraes) 1) A que gênero literário pertence o texto acima? Justifique a sua resposta. 2 Proposto Textos para as questões 2 a 4. (UERJ) Olhava eu o meu avô como se fosse ele o engenho. A grandeza da terra era a sua grandeza. Fixara-se em mim a certeza de que o mundo inteiro estava ali dentro. Não podia haver nada que não fosse do meu avô. Lá, ia o gado para o pastoreador, e era dele; lá, saíam os carros de boi a gemer pela estrada ao peso das sacas de lã ou dos sacos de açúcar, e tudo era dele; lá, estavam as negras da cozinha, os moleques da estrebaria, os trabalhadores do cito, e tudo era dele. O sol nascia, as águas do céu se derramavam na terra, o rio corria, e tudo era dele. Sim, tudo era do meu avô, o velho Bubu, de corpo alto, de barbas, de olhos miúdos, de cacete na mão. O seu grito estrondava até os confins, os cabras do eito lhe tiravam o chapéu, o Dr. José Maria mandava buscar lenha para a sua cozinha no Corredor, e a água boa e doce nas suas vertentes. Tudo era do meu avô Bubu, o “Velho” da boca dos trabalhadores, o Cazuza da velha Janoca, o papai da Tia Maria, o meu pai de Tia Iaiá. A minha impressão firme era de que nada havia além dos limites do Corredor. Chegavam de longe portadores de outros engenhos. Ouvia apitar o trem na linha de ferro. Apesar de tudo, só havia de concreto mesmo, o Engenho Corredor. (...) (REGO, J. L. Meus verdes anos. In: Ficção completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar. 1976) A bem dizer, sou Ponciano de Azeredo Furtado, coronel de patente, do que tenho honra e faço alarde. Herdei do meu avô Simeão terras de muitas medidas, gado do mais gordo, pasto do mais fino. Leio no corrente da vista e até uns latins arranhei em tempos verdes da infância, com uns padres-mestres a dez tostões por mês. Digo, modéstia de lado, que já discuti e joguei no assoalho do Foro, mais de um doutor formado. Mas disso não faço glória, pois sou sujeito lavado de vaidade, mimoso no trato, de palavra educada. Já morreu o antigamente em que Ponciano mandava saber nos ermos se havia um caso de lobisomem a sanar ou pronta justiça a ministrar. Só de uma regalia não abri mão nesses anos todos de pasto e vento: a de falar alto, sem freio nos dentes, sem medir consideração, seja em compartimento do governo, seja em sala de desembargador. Trato as partes no macio, em jeito de moça. Se não recebo cortesia de igual porte, abro o peito: – Seu filho da égua, que pensa que é? Nos currais do Sobradinho, no debaixo do capotão de meu avô, passei os anos de pequenice, que pai e mãe perdi no gosto do primeiro leite. Como fosse dado a fazer garatujações e desabusado de boca, lá num inverno dos antigos, Simeão coçou a cabeça e estipulou que o neto devia ser doutor de lei: – Esse menino tem todo o sintoma do povo da política. É invencioneiro e linguarudo. (...) 2) Identifique o foco narrativo nos textos. (CARVALHO, J. C. O coronel e o lobisomem. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978.) Proposto 3) Estabeleça uma comparação entre os textos quanto ao tratamento dado ao tema. Proposto 4) Transcreva a passagem do texto em que o personagem narrador informa que ficou órfão. Proposto Texto para as questões 5 a 6. Três meninos e duas meninas, Sendo uma inda de colo. A cozinheira preta, a copeira mulata, o papagaio, o gato, o cachorro, as galinhas gordas no palmo de horta e a mulher que trata de tudo. A espreguiçadeira, a cama, a gangorra, o cigarro, o trabalho, a reza, a goiabada na sobremesa de domingo, o palito dos dentes contentes, o gramofone rouco toda a noite e a mulher que trata de tudo O agiota, o leiteiro, o turco, o médico uma vez por mês o bilhete todas as semanas branco! Mas a esperança sempre verde. A mulher que trata de tudo e a felicidade Família (Carlos Drummond de Andrade) 5) Em relação à estrutura do texto, assinale o que for incorreto: a) A referência à mulher é acompanhada de uma oração adjetiva, equivalendo a um adjetivo que qualifica a mulher de forma especial; b) O tempo presente e o espaço urbano nos permitem identificar, no texto, elementos da linguagem literária e da atitude subjetiva na apreensão do objeto poético; c) O texto é uma longa enumeração de seres e objetos da infância do eu lírico, os quais vão passando como flashes na sua lembrança; d) A predominância de frases nominais cria uma cena sem ação, imobilizada como uma fotografia; e) Em “palito nos dentes contentes”, há uma imagem com eco que surpreende pela personificação. Proposto 6) Analise as afirmativas abaixo sobre o texto Família e assinale a opção adequada: I) Embora pertença ao gênero lírico, é possível identificar nele traços do gênero narrativo; II) O texto pode ser considerado literário porque a mulher surge como heroína da história; III) A linguagem do texto é predominantemente denotativa e metafórica; IV) No texto, predomina a função emotiva, embora seja possível reconhecer nele a função referencial. Está(ão) correta(s): a) apenas a afirmativa I; b) apenas as afirmativas II e III; c) apenas a afirmativa II; d) apenas as afirmativas II, III, IV; e) todas estão corretas. Proposto Texto para as questões 7 e 8. (...) Não resguardei os apontamentos obtidos em largos dias e meses de observação: num momento de aperto fui obrigado a atirá-los na água. Certamente me irão fazer falta, mas terá sido uma perda irreparável? Quase me inclino a supor que foi bom privar-me desse material. Se ele existisse, ver-me-ia propenso a consultá-lo a cada instante, mortificar-me-ia por dizer com rigor a hora exata de uma partida, quantas demoradas tristezas se aqueciam ao sol pálido, em manhã de bruma, a cor das folhas que tombavam das árvores, num pátio branco, a forma dos montes verdes, tintos de luz, frases autênticas, gestos, gritos, gemidos. Mas que significa isso? Essas coisas verdadeiras, podem não ser verossímeis. E se esmorecerem, deixá-las no esquecimento: valiam pouco, pelo menos imagino que valiam pouco. Outras, porém, conservaram--se, cresceram, associaram-se, e é inevitável mencioná--las. Afirmarei que sejam absolutamente exatas? Leviandade. (...) Nesta reconstituição de fatos velhos, neste esmiuçamento, exponho o que notei, o que julgo ter notado. Outros devem possuir lembranças diversas. Não as contesto, mas espero que não recusem as minhas: conjugam-se, completam-se e me dão hoje impressão de realidade. (...) (RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. Rio. São Paulo: Record. 1984) 7) (UERJ) O fragmento transcrito expressa uma reflexão do autor-narrador quanto à escrita de seu livro contando a experiência que viveu como preso político durante o Estado Novo. No que diz respeito às relações entre escrita literária e realidade é possível depreender, da leitura do texto, a seguinte característica da literatura: a) revela ao leitor vivências humanas, concretas e reais; b) representa uma conscientização do artista sobre a realidade; c) dispensa elementos da realidade social exterior à arte literária; d) constitui uma interpretação de dados da realidade conhecida. Proposto 8) (UERJ) A relação entre autor e narrador pode assumir feições diversas na literatura. Podese dizer que tal relação tem papel fundamental na caracterização de textos que, a exemplo do livro de Graciliano Ramos, constituem uma autobiografia — gênero literário definido como relato da vida de um indivíduo feito por ele mesmo. A partir dessa definição, é possível afirmar que o caráter autobiográfico de uma obra é reconhecido pelo leitor em virtude de: a) conteúdo verídico das experiências pessoais e coletivas relatadas; b) identidade de nome entre autor, narrador e personagem principal; c) possibilidade de comprovação histórica de contextos e fatos narrados; d) notoriedade do autor e de sua história junto ao público e à sociedade. Proposto Gênero dramático é aquele em que o artista usa como intermediária entre si e o público a representação. A palavra vem do grego drao (fazer) e quer dizer ação. A peça teatral é, pois, uma composição literária destinada à apresentação por atores em um palco, atuando e dialogando entre si. O texto dramático é complementado pela atuação dos atores no espetáculo teatral e possui uma estrutura específica, caracterizada: 1) pela presença de personagens que devem estar ligados com lógica uns aos outros e à ação; 2) pela ação dramática (trama, enredo), que é o conjunto de atos dramáticos, maneiras de ser e de agir das personagens encadeadas à unidade do efeito e segundo uma ordem composta de exposição, conflito, complicação, clímax e desfecho; 3) pela situação ou ambiente, que é o conjunto de circunstâncias físicas, sociais, espirituais em que se situa a ação; 4) pelo tema, ou seja, a ideia que o autor (dramaturgo) deseja expor, ou sua interpretação real por meio da representação. (COUTINHO, A. Notas de teoria literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973 [adaptado].) 9) Considerando o texto e analisando os elementos que constituem um espetáculo teatral, conclui-se que: a) a criação do espetáculo teatral apresenta-se como um fenômeno de ordem individual, pois não é possível sua concepção de forma coletiva. b) o cenário onde se desenrola a ação cênica é concebido e construído pelo cenógrafo de modo autônomo e independente do tema da peça e do trabalho interpretativo dos atores. c) o texto cênico pode originar-se dos mais variados gêneros textuais, como contos, lendas, romances, poesias, crônicas, notícias, imagens e fragmentos textuais, entre outros. d) o corpo do ator na cena tem pouca importância na comunicação teatral, visto que o mais importante é a expressão verbal, base da comunicação cênica em toda a trajetória do teatro até os dias atuais. e) a iluminação e o som de um espetáculo cênico independem do processo de produção/ recepção do espetáculo teatral, já que se trata de linguagens artísticas diferentes, agregadas posteriormente à cena teatral.