Financiamento da Educação no Brasil: Fontes alternativas. CONAE 2014 21 de novembro de 2014 Gil Vicente Reis de Figueiredo 1 FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL I – Quais são os recursos necessários para que se alcance no Brasil uma educação pública, universal e de qualidade em todos os níveis de ensino? Como é possível calcular o percentual do PIB requerido? 1) QUALIDADE DO ENSINO Avalia-se, por nível de ensino, o Custo Aluno Qualidade Inicial, CAQi, por aluno/ano, calculado em termos do PIB per capita. É o mínimo para que se possa ofertar uma educação de qualidade, considerados todos os insumos que as escolas precisam ter. Esses valores têm sido trabalhados pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Avalia-se, por nível de ensino, o Custo Aluno Qualidade, CAQ, por aluno/ano, que é aquele que corresponderia a um percentual do PIB per capita análogo ao aplicado, em correspondentes níveis de ensino, nos países da OCDE. Esse valor deve ser compatível com a valorização do trabalho docente, elevando-se o piso nacional e a equiparando-se seus vencimentos aos de profissionais de qualificação similar. Gil Vicente Reis de Figueiredo 2 Chega-se aos seguintes valores, medidos em percentuais do PIB per capita, que reflete a riqueza disponível no país. (esses percentuais resultam de metodologia desenvolvida pelo PROIFES, que resulta em valores próximos aos utilizados pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação ou pelo Fineduca – conforme apresentados pelo professor José Marcelino Rezende Pinto, da USP, em seu estudo Quanto custa financiar um PNE ‘para valer’) Creche Ensino Pré-escola Fundamental Ensino Médio Educação de Ensino Jovens e Alfabetização Profissional Adultos CAQi 30% 20% 20% 20% 31% (30%) (15%) (20%) (20%) (23%) CAQ 40% 25% 25% 28% 34% (40%) (20%) (23%) (28%) (28%) 10% 13% Ensino Superior 50% 97% (40%) (90%) 63% 85% (46%) (80%) Vale lembrar que os valores praticados hoje (últimos dados – 2012) são na faixa dos 15% a 20% (creche ao ensino médio), e da ordem de 95% no ensino superior; em alfabetização, o valor é pouco superior a 1% e para o EJA, 11%. Gil Vicente Reis de Figueiredo 3 2) METAS Leva-se em conta as metas defendidas para os próximos 10 anos, por nível de ensino, que são consenso entre as entidades que apoiam o ensino público, gratuito, de qualidade e para todos. As metas, consagradas nos debates do PNE 2014, são: • Creche. Garantia pública de atender, em 10a, 50% da população de 0-3a.[2002:8%;2012:23%] • Pré-Escola. Garantia pública de atender, em 5a, 100% da população de 4–5a. [73%;78%] • Ensino Fundamental. Garantia pública de atender, em 10a, 100% da população de 6-14a, reduzindo a 5% os alunos com mais de 14a. [95%; 97% / + de 14ª, 25%; 10%] • Ensino Médio. Garantia pública de atender, em 5a, 100% da população de 15-17a, reduzindo a 15% os alunos com mais de 17a. [40%; 60% / mais de 14ª, 45%; 20%] • Educação Especial. Garantia publica de atender, em 10a, 100% da população de 4-17a com deficiência, transtornos de desenvolvimento e superdotação: 2,2 milhões. [0,3; 0,8] • Ensino Básico. Garantia de que, em 10a, 50% das escolas públicas ofertem ‘tempo integral’. Gil Vicente Reis de Figueiredo 4 • Educação de Jovens e Adultos, Alfabetização. Garantia pública de atender, no período de 10a, 14 milhões de pessoas. [1,5; 1,5] • Educação de Jovens e Adultos, Ensino Fundamental e Médio: Garantia pública de atender, em 10a, 13 milhões de pessoas, com 25% das matrículas oferecidas de forma integrada à educação profissional. [3,5; 3,8] • Ensino Profissional. Triplicar as matrículas no ensino profissional técnico de nível médio (1 para 3 milhões); pelo menos 50% das novas matrículas devem ser na rede pública. [0,6; 1,0] • Educação Superior. Elevar em 10a a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50%, sendo 40% das novas matrículas públicas [meta:3,8 dos 24 milhões de jovens na faixa 18-24a; as matrículas privadas iriam de 5 p/8 milhões no período].[1,1; 2,0] Alcançar 60 mil mestrandos e 25 mil doutorandos p/ano e formar 50% dos docentes da rede básica em pós-graduação. 3) EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA, POR FAIXA ETÁRIA, NA PRÓXIMA DÉCADA: QUANTIFICAÇÃO DAS METAS, ANO A ANO, EM TERMOS DE PERCENTUAIS DO PIB. Considera-se as projeções feitas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para a população brasileira, ano a ano, por faixa etária (creche, até 3a; préescola, 4-5a, e assim por diante), transformando a seguir cada uma das metas, também ano a ano, em número de crianças e de jovens a serem atendidos. Gil Vicente Reis de Figueiredo 5 Observe-se que, como % do PIB, os investimentos necessários em educação no Brasil tenderão a declinar em décadas futuras – assim como em países cuja população mais jovem diminua proporcionalmente nesse período. Ex.: crianças de até 3 anos eram mais de 7% da população em 2002 (14 milhões) e em 2050 serão menos de 3,5% (7 milhões). Veja abaixo a evolução prevista para as várias faixas etárias. Pop. 0 - 3 a Pop. 7 - 14 a Pop. 18 - 24 a Pop. 4 - 6 a Pop. 15 - 17 a 30 25 20 15 10 5 Gil Vicente Reis de Figueiredo 2.050 2.046 2.042 2.038 2.034 2.030 2.026 2.022 2.018 2.014 2.010 2.006 2.002 0 6 A partir do exposto, é possível calcular, ano a ano, o percentual do PIB a ser investido em cada nível de ensino, de forma a atingir, com qualidade, as metas previstas. Estendeu-se a proposta até 2050, com as seguintes metas adicionais: atingir, nesse ano, 50% de matrículas públicas (em relação aos jovens na faixa etária 18-24a) no ensino superior; atender a 100% da demanda por creches (0-3a) em 20 anos. Investimento em Educação (% do PIB) 10% 9% 8% 7% 6% 5% 4% Gil Vicente Reis de Figueiredo 2050 2047 2044 2041 2038 2035 2032 2029 2026 2023 2020 2017 2014 2011 2008 2005 2002 3% 7 Os recursos que precisam ser investidos em escolas públicas pelo conjunto das várias esferas de governo, por nível de ensino, são: Investimento Direto Estatal em educação (em escolas públicas): 2014-2023. Ano 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 Ed.Inf. 0-3a Ed.Inf. Ens.Fund. Ens.Méd. Ed.Jov.e Errad. 4-5a 6-14ª 15-17a Adultos Analf. Ens. Prof. Ensino Sup. Total geral 0,3% 0,4% 2,6% 0,8% 0,7% 0,1% 0,1% 1,0% 6,0% 0,3% 0,4% 2,7% 0,9% 0,4% 0,4% 2,7% 1,0% 0,4% 0,4% 2,7% 1,1% 0,5% 0,4% 2,7% 1,2% 0,5% 0,4% 2,7% 1,3% 0,6% 0,4% 2,8% 1,3% 0,6% 0,4% 2,8% 1,3% 0,7% 0,5% 2,8% 1,3% 0,8% 0,1% 0,1% 1,1% 6,4% 1,0% 0,1% 0,1% 1,1% 6,8% 1,2% 0,1% 0,1% 1,2% 7,2% 1,3% 0,1% 0,1% 1,3% 7,6% 1,5% 0,1% 0,2% 1,3% 8,0% 1,6% 0,1% 0,2% 1,4% 8,4% 1,8% 0,1% 0,2% 1,5% 8,7% 2,0% 0,1% 0,2% 1,5% 9,1% 2023 0,8% 0,5% 2,8% 1,3% 2,1% 0,1% 0,3% 1,6% 9,5% Gil Vicente Reis de Figueiredo 8 1. Nas projeções feitas supusemos que as metas propostas no ensino infantil, educação básica e educação de jovens e adultos serão garantidas pelo setor público, considerando-se que as matrículas atualmente oferecidas pelo setor privado serão mantidas constantes. Esta questão está aberto no PNE aprovado. Em relação ao ensino profissional técnico de nível médio e à educação superior, a referência é a oferta de 50% e 40% das novas vagas, respectivamente, pelo setor público. 2. O adicional necessário para o ensino básico e infantil, em 10 anos, de acordo com esta avaliação, é da ordem de 1,8% do PIB, dos quais cerca de 1,3% do PIB iriam para a melhoria dos salários dos docentes dessas redes. 3. Esse montante adicional de recursos propiciaria aos cerca de 2,3 milhões de docentes em exercício em 2023 (ensino infantil, fundamental e médio) uma recomposição salarial que equipararia seus vencimentos aos de profissionais de qualificação semelhante. Isso significaria alcançar um piso nacional 70,6% superior ao de hoje, em termos reais, o que corresponde a uma elevação real de 5,5% ao ano. 4 Os salários médios da redes estaduais e municipais seriam, assim, elevados em 50% e 84%, respectivamente, superando a defasagem hoje existente em relação aos profissionais de qualificação similar (Nota Técnica 141/DIEESE, de out 14, equiparando-os aos da OCDE (PIB per capita). Gil Vicente Reis de Figueiredo 9 II – Financiamento: de onde virão os recursos? 1) PETRÓLEO: FUNDO SOCIAL, ROYALTIES E PARTICIPAÇÔES A Lei nº 12.858 (09set13), definiu que 50% do principal do Fundo Social e de 75% dos Royalties e Participações Especiais da União irão para a educação. O Consultor Legislativo da Câmara Federal, Paulo César Lima, em exposição ao Congresso Nacional (12nov13), apresentou a estimativa abaixo, que indica, em 2023, a destinação de 0,8% do PIB/ano à educação. Mecanismos indutores para que Estados e Municípios destinem seus recursos à educação. Gil Vicente Reis de Figueiredo 10 2) AMPLIAR AS VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS Os debates realizados nas Conferências Municipais e Estaduais, precedendo a CONAE 2014, apontaram para as seguintes propostas: • Ampliar de 18% para 25% a vinculação mínima de recursos da União a serem destinados à educação. Adicional (2,13%-1,52%): 0,60% do PIB/ano, a partir da implantação. • Ampliar de 25% para 30% no caso dos Estados, DF e Municípios. O adicional, nesse caso, seria de (3,28%-2,73%): 0,55% do PIB/ano, a partir da implantação. Política de Estado – não de Governo (Ministro Paim afirmou na abertura da CONAE que o % repassado à educação pela União em 2013 foi 23%) 3) ELEVAR OS ROYALTIES SOBRE A EXPLORAÇÃO MINERAL No Brasil, os royalties sobre a exploração das riquezas minerais são muito baixos: ferro, 2%; alumínio, 3%; manganês, 3%; ouro, 1%; pedras preciosas, 0,2%. Comparação: Canadá, 3% a 9%; EUA, 5% a 12,5%; e Austrália, 30% sobre a produção bruta minério de ferro. • A proposta é conseguir, nos debates sobre o novo marco regulatório, aumentar a Contribuição Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), de forma a elevar a arrecadação dos atuais R$ 2,2 bilhões/ano para R$ 13 bilhões/ano, que, destinados à educação, proveriam 0,3% do PIB / ano. Gil Vicente Reis de Figueiredo 11 4) RETOMAR A CONTRIBUIÇÃO S/MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA No Brasil, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), com alíquota de 0,38%, foi extinta em 2007, quando rendeu R$36,5 bilhões, ou 1,4% do PIB daquele ano. Para que tenha uma ideia da grandeza dos fluxos financeiros no País, basta dizer que, em 2012, girou pela Bovespa (principal Bolsa de Valores nacional) um volume de R$1,73 trilhões, ou seja, 40% do PIB. • A proposta é lutar pela retomada de contribuição correspondente a um percentual progressivo sobre os recursos movimentados, aliás muitas vezes em caráter especulativo, transferindo-os às áreas sociais. Adicional: 1,4% do PIB / ano, (parte dos quais poderia ser destinada à educação). 5) REGULAMENTAR O IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS A CF (Art.153, inc.VII) autoriza o Governo a cobrar um imposto sobre grandes fortunas e prevê que lei complementar discipline a matéria. Houve iniciativas nesse sentido no Congresso Nacional, mas a regulamentação não prosperou. Uma delas, o Projeto de Lei Complementar 48/2011, se aprovada, renderia R$13 bilhões. Adicional: 0,3% do PIB / ano. Registre-se que 70% desses recursos viriam de fortunas superiores a R$ 116 milhões – no Brasil 901 pessoas (2012), com riqueza média de R$620 milhões cada uma, detêm o equivalente 13%do PIB. Gil Vicente Reis de Figueiredo 12 6) REFORMA TRIBUTÁRIA Perfil da carga tributária – comparativo: (Folha de SP, 02/jun/13) Imposto sobre a renda Imposto sobre a propriedade Imposto sobre o consumo Contribuições sociais Outros Total: Brasil Argentina 21% 16% 6% 9% 44% 52% 26% 21% 3% 2% EUA 44% 12% 18% 23% 3% Canadá 47% 11% 24% 16% 2% 100% 100% 100% 100% Brasil Canadá 50% 40% e Argentina cobram mais do 30% em relação a EUA e Canadá, e menos metade do imposto sobre EUA 60% Os dados mostram que Brasil dobro do imposto sobre o consumo, Argentina 20% 10% 0% Canadá EUA Argentina Brasil a propriedade e a renda. Conclusão: os itens 1) a 5) dariam cerca de 4% do PIB / ano adicionais. Uma reforma tributária justa poderia gerar 1% do PIB / ano, alcançando assim os recursos que a educação (4%) e a saúde (1%) necessitam. Gil Vicente Reis de Figueiredo 13 III – Distribuir os recursos é fundamental para reduzir as imensas desigualdades existentes. A redistribuição dos recursos é essencial para diminuir as imensas desigualdades existentes: regionais, cidade/campo, étnicas e por renda. Brasil: Taxa de freqüência à Creche ou à Pré-escola – 2006 Grupos de idade: 0 – 3 anos 4 – 5 anos 6 anos 15,5 67,6 91,1 Brasil 8,0 54,6 82,7 14,1 Norte 13,3 73,8 92,5 Regiões 11,7Nordeste 19,2 73,5 93,8 13,4Sudeste Sul 18,3 53,7 87,8 Centro-Oeste 11,5 54,7 89,2 9,7 58,0 85,9 Renda 20% + pobres 20% + ricos 29,6 87,2 98,1 Brasil: Taxa de freqüência à Creche ou à Pré-escola – 2006 Grupos de idade: 0 – 3 anos 4 – 5 anos 6 anos Brasil 15,5 67,6 91,1 14,1Homens 16,1 67,1 90,8 Sexo 11,7Mulheres 14,8 68,1 91,5 13,4 Branca 17,1 70,2 92,7 Cor Preta/Parda 13,8 65,4 89,8 Outras 14,3 61,0 83,6 Urbano 17,6 72,0 92,8 Domicílio Rural 6,6 50,0 84,5 Gil Vicente Reis de Figueiredo 14 A proposta de redistribuição dos recursos adicionais a serem destinados à educação é a seguinte: • A elevação das vinculações constitucionais da União à educação renderia um adicional de 0,6% do PIB / ano, passando os recursos correspondentes dos atuais 1,6% do PIB / ano para 2,2% do PIB / ano. Esses recursos poderiam ser destinados à educação superior, que demandará, em 2023, 1,6% do PIB / ano, bem como a outros programas (como a erradicação do analfabetismo). • Os demais recursos adicionais (da ordem de 3,4% do PIB / ano) iriam para os demais níveis e modalidades de ensino, de acordo com a complementação orçamentária necessária a atingir o CAQi e, posteriormente, o CAQ, nos estados e municípios em que a arrecadação para isso não for suficiente. É importante também o estabelecimento de políticas indutivas que incentivem, em estados e municípios, a destinação de verbas provenientes de royalties à educação. Por último, os fatores de ponderação do FUNDEB teriam que se adequar às projeções de CAQ que as entidades da educação defendem, já que, hoje, não refletem os valores relativos compatíveis com os cálculos feitos, embora essa mudança tenha sido aprovada pelo Conselho Nacional de Educação – mas não sancionada pelo MEC. Gil Vicente Reis de Figueiredo 15 IV – Acompanhamento do cumprimento das metas. Só o acompanhamento do cumprimento das metas – para além da aprovação de um Plano Nacional de Educação – garantirá a pressão social e a correlação de forças necessários para que se alcance, no Brasil, uma educação pública gratuita, de qualidade para todos. Para isso, é indispensável: Exigir a destinação dos necessários recursos; Acompanhar a sua efetiva distribuição; e Fiscalizar a sua utilização para os fins previstos. Para isso é necessário que a sociedade civil esteja atenta e permanentemente organizada e atuante. : O Fórum Nacional de Educação e, a nível local, os Fóruns Estaduais e Municipais de Educação devem se constituir, nesse sentido, em importantes instâncias de ação. Gil Vicente Reis de Figueiredo 16 V - Conclusões: Para que se alcance uma educação pública, gratuita, universal e de qualidade, com valorização dos trabalhadores em educação, é alcançar, em 10 anos, um investimento direto de cerca de 10% do PIB. Essa é uma proposta viável, desde que haja vontade política, mas para isso será necessário enfrentar interesses de poderosos setores dominantes. Isso só será possível mediante a ação permanente da sociedade civil organizada, exigindo a destinação desses recursos e acompanhando sua distribuição. Esse luta é um compromisso maior do PROIFES. Nós, professores do ensino superior, sabemos que um Brasil desenvolvido, econômica e socialmente, só é possível nos marcos de uma sociedade mais justa e igualitária. Gil Vicente Reis de Figueiredo 17