LUCIANE ALBUQUERQUE SÁ DE SOUZA
NA PONTA DA LINHA DAS AGÊNCIAS:
A ATIVIDADE E A SAÚDE DE
CAIXAS BANCÁRIOS
João Pessoa, 2007
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
NA PONTA DA LINHA DAS AGÊNCIAS: A ATIVIDADE E A
SAÚDE DE CAIXAS BANCÁRIOS
Dissertação
apresentada
por
Luciane
Albuquerque Sá de Souza ao Programa de
Pós-Graduação
Universidade
em Psicologia Social da
Federal
da
Paraíba,
como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre
orientado
em
Psicologia.
pela
Profa.
Este
Dra.
estudo
Mary
Rodrigues Neves.
João Pessoa, março de 2007
2
foi
Yale
S729n
Souza, Luciane Albuquerque Sá de.
Na ponta da linha das agências:
a atividade e a saúde de caixas
bancários / Luciane Albuquerque Sá
de Souza. - João Pessoa, 2007.
148 p.
Orientadora: Mary Yale Rodrigues
Neves.
Dissertação (mestrado – UFPB/CCHLA
1. Trabalho 2. Saúde mental –
bancários.
UFPB/BC
CDU 331 (043)
3
Trabalho
inserido
na
linha
de
pesquisa Trabalho e Subjetividade do
Programa
de
Pós-Graduação
Psicologia
Social
do
Centro
em
de
Ciências Humanas Letras e Artes da
Universidade Federal da Paraíba.
Para
o
desenvolvimento
das
atividades do Curso, a mestranda
contou com auxílio da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES), sob a forma
de bolsa de estudo.
4
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
A dissertação NA PONTA DA LINHA DAS AGÊNCIAS: A ATIVIDADE E A
SAÚDE DE CAIXAS BANCÁRIOS, elaborada por Luciane Albuquerque Sá de Souza,
foi aprovada em:
João Pessoa, 09 de março de 2007.
Pelos membros da banca examinadora:
Profa. Dra. Mary Yale Rodrigues Neves
_____________________________________
Prof. Dr. Anísio José da Silva Araújo
_____________________________________
Profa. Dra. Maria Christine Werba Saldanha
_____________________________________
5
Dedicatória
Essa
dissertação
especialmente
à
é
dedicada
minha
mãe,
Silvia Albuquerque de Sá, sem a
qual eu nada seria. Saudades
eternas!
6
Agradecimentos
A Deus, por me permitir seguir firme e confiante, em busca
desta realização pessoal e profissional.
Aos meus queridos pais, Abilio Sá e Silvia Sá (em memória),
pelo amor, apoio, conselhos e cuidados; por sempre
acreditarem e confiarem no meu potencial e, principalmente,
por me fazerem ser o que hoje sou.
Ao meu verdadeiro amor, minha adorada filha, Stephanie,
por sua paciência e tolerância e por todos os momentos que
precisei abdicar da sua companhia para dar conta desses
estudos.
Ao meu marido, Sergio, por todos os anos de nossa
convivência, pela ajuda nos momentos que precisei me
ausentar do lar para me dedicar aos estudos e ao trabalho e
pela filha linda e maravilhosa que temos.
Ao meu irmão, Eduardo, pelo carinho e por todas as vezes
que precisei de sua ajuda e apoio.
Aos meus tios, Marise e Walter, pelo carinho e presença nos
momentos cruciais da minha vida.
Ao meu amigo, Marcio Alexandre, por sua amizade sempre
constante (apesar da distância), pelo apoio, compreensão e
carinho nas horas tristes e felizes.
À Profa. Dra. Mary Yale Neves, que foi mais do que uma
orientadora, pois me acolheu como aprendiz, me instruiu
com brilhantismo e me aceitou como amiga.
7
Ao Prof. Dr. Anísio Araújo, por ser o leitor da dissertação e
por todas as dicas e conselhos dados, objetivando a melhoria
deste trabalho.
Às minhas queridas amigas, Ceres e Tânia, por estarem
presentes na minha vida nos momentos em que eu mais
precisei de conforto, carinho e amizade verdadeira.
Às minhas amigas Hilana e Liana, que sempre estiveram
próximas e disponíveis para me ouvir.
A todos os caixas bancários que, gentilmente, colaboraram
com esta investigação e aos gerentes gerais e de
relacionamento da Caixa Econômica Federal que consentiram
os nossos acessos às agências, promovendo o contato com os
seus funcionários.
Ao Prof. Dr. Milton Marques, por sua amizade e dedicação
em revisar cuidadosamente essa dissertação.
A todos os professores, funcionários e colegas de curso, que
durante os últimos dois anos participaram direta ou
indiretamente do meu processo de formação.
8
Resumo
O trabalho bancário tem sofrido diversas mudanças devido às transformações sociais,
econômicas, tecnológicas e de gestão que acometem o setor. Nessa perspectiva, a
relação trabalho e saúde mental de caixas bancários de agências da Caixa Econômica
Federal da cidade de João Pessoa, PB constitui-se em nosso objeto de investigação. No
que concerne ao referencial teórico recorremos à Ergonomia da Atividade (Guérin et
al., 2001) e à Psicodinâmica do Trabalho (Dejours, 2004) como as duas principais
abordagens que nos subsidiaram no processo de apreensão da dinâmica da atividade dos
caixas e suas regulações frente às variabilidades que se apresentam no referido contexto.
Enquanto dispositivos metodológicos utilizados, merecem destaque, a observação da
atividade e a entrevista semi-estruturada, objetivando dar conta da máxima descrição,
compreensão e explicação do objeto de estudo. Visitamos as dez agências do município,
e de um total de trinta e três caixas bancários, quatorze participaram voluntariamente,
sendo, dez homens e quatro mulheres. A técnica de interpretação dos dados pautou-se
na análise de conteúdo, mais especificamente na análise temática, com o objetivo de
apreender sentidos pertinentes ao objeto (Minayo, 2004; Laville & Dionne, 1999). A
partir dos materiais produzidos, identificamos que um dos principais motivos de
inserção profissional da maioria dos caixas foi a busca por um emprego estável. A
modalidade de formação profissional atual é a on-line, limitando-se à “falácia da
simples prescrição de normas”. Apesar de considerarem as condições de trabalho atuais
menos insatisfatórias que as de anos atrás, eles ainda se queixam de problemas relativos
à estrutura física, mobiliário inadequado, temperaturas extremas (frio ou calor), além do
tamanho das filas e do barulho provocado pelas pessoas no interior das agências. Em
relação à atividade, a maioria confessa que “transgride” ou “burla” certas prescrições.
Salientamos que, ao longo da jornada de trabalho, é o fechamento do caixa o fator que
mais gera preocupações nestes trabalhadores. A ansiedade pela hora de “bater o caixa”
provoca neles uma sensação de tristeza e medo. A nova medida organizacional
implantada e que tem gerado tensões é a mudança do cargo de caixa executivo e
flutuante para o de caixa PV (ponto de venda). Para os caixas, a pressão recente das
gerências para que atinjam individualmente determinadas metas crescentes de vendas de
produtos vem gerando incômodo. Termos como “frustração, tensão, depressão, raiva,
estresse”, foram bastante citados, e a maioria acredita que muitas das suas enfermidades
estão vinculadas à sua atividade laboral, a qual “suga” suas energias vitais, conduzindoos a um processo de “enlouquecimento” devido ao excesso de carga de trabalho. O
acúmulo de clientes nas filas exerce neles grande pressão, provocando um processo
defensivo caracterizado pela aceleração do ritmo de trabalho. Quanto à dinâmica do
reconhecimento, o julgamento mais importante para os caixas é o dos clientes, talvez
devido à especificidade desse tipo de atividade, situada no setor de serviços. Se por um
lado, o convívio com os clientes gera sofrimento diário para os caixas bancários, por
outro, é exatamente o que é considerado como a principal fonte de prazer e que dá
sentido ao trabalho realizado.
Palavras chaves: Trabalho, Saúde, Bancários.
9
ABSTRACT
The banking work has undergone diverse changes due to social, economic,
technological, and managent transformations which the sector is going through. With
this perspective, work and mental heath relation of the bank cashiers at Caixa
Economica Federal’s agencies in the city of João Pessoa, PB became our object of
inquiry. As far as the theorical referencial is concerned, we applied the Ergomics of
Activity (Guérin et at., 2001) and work Psychodynamic (Dejours, 2004) as the two main
approaches which will help us in the process of understanding the dynamic involved in
the bank cashiers and their regulations concerning the variabilities which appeared in
the context. As to the methodological devices utilized, the observation of the activity
and the semi-structuralized interview deserve being highlighted, in order to give the
maximum account of description, understanding and explanation of the object study.
We visited the ten agencies in the town and of the thirty-three bank cashiers, fourteen
participated voluntarily, ten of them being men and four being women. The data
interpretation technique was based on content analysis, specifically on thematic analysis
with the objective of learning more about the aspects of the case study (Minayo, 2004;
Laville & Dionne, 1999). From the materials produced, we observe that one of the
principal motives of professional insertion of the majority of the bank cashiers was the
search for a stable job. The modality of the current professional formation is that of online, thus being limited to “fallacy of simple instruction following”. Despite the fact that
the present working conditions was considered less unsatisfactory than that of the past
years, they still complain about problems related to physical structure, inadequate
furniture, extreme temperatures (cold or heat), no talking the size of the queue and the
noise node by the people inside the agency. In relation to the working activity itself,
majority of cashiers confessed that they violate or break certain instructions. We should
point out that all through the working hours; it is the “closing of the cash register” that
generates greater concern in these workers. Anxiety for time “to close the cash register
provokes in them a sensation of sadness and fear”. The newly implanted organizational
measures which, has been generating tensions is the change from the, post of executive
and floating cashier into PV cashier (Selling Point). To the cashiers, the recent pressures
by the managers, for them, to reach individually, determined increasing product selling
goals has been generating some inconveniences. Terms such as “frustration, tensions,
depressions, anger, stress”, were mentioned lots of time, and the majority of the
cashiers believe that many of their sickness are related to their laboral activity, which
we can say “drain” their vital energy, leading them to the process “insanity” due to
excessive work load. The accumulation of clients on the queues put a lot of pressure on
them, provoking a defensive process characterized by the acceleration of the working
rhythm. As for the effort acknowledgement, the most important judgment for the
cashiers is that of the clients, maybe this is due to the specificity of this kind of activity,
being situated in the service sector. If on one side, being with the clients is capable of
generating daily suffering for this bank cashiers, it is this fact that is exactly what is
being considered as their principal source of pleasure on the other hand; thereby giving
this bank cashiers a sense of doing a work well done.
KEY WORDS: Work, Health, Bank cashiers.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 13
CAPÍTULO I – OS APORTES TEÓRICOS ..................................................................................... 16
1. A CONCEPÇÃO DA SAÚDE ........................................................................................... 16
2. A ERGONOMIA DA ATIVIDADE ................................................................................. 22
2.1. TRABALHO PRESCRITO X TRABALHO REAL ................................................ 23
2.2. VARIABILIDADE E REGULAÇÕES ....................................................................
25
2.3. COLETIVOS DE TRABALHO ............................................................................... 26
2.4. CARGAS DE TRABALHO ..................................................................................... 30
3. A PSICODINÂMICA DO TRABALHO .......................................................................... 32
3.1. A NORMALIDADE E O SOFRIMENTO ............................................................... 35
3.2. AS ESTRATÉGIAS E OS COLETIVOS DE DEFESAS ........................................ 36
3.3. A INTELIGÊNCIA PRÁTICA ................................................................................ 40
3.4. A DINÂMICA DO RECONHECIMENTO ............................................................. 42
3.5. O PRAZER NO TRABALHO .................................................................................. 44
CAPÍTULO II – A REESTRUTURAÇÃO DO TRABALHO BANCÁRIO .................................. 47
1. A CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ...................................................................... 47
1.1. DA DÉCADA DE 60 AO FINAL DA DÉCADA DE 80: O INÍCIO DAS
MUDANÇAS ........................................................................................................... 48
1.1.1. A INFORMATIZAÇÃO .................................................................................. 49
1.1.2. A MUDANÇA DE STATUS DA PROFISSÃO ............................................... 51
1.2. O INÍCIO DA DÉCADA DE 90: A INTENSIFICAÇÃO TECNOLÓGICA........... 52
1.3. O PLANO REAL (1994) .......................................................................................... 54
1.4. O NOVO MILÊNIO ................................................................................................. 56
2. AS MUDANÇAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO .................................................. 58
2.1. A “DESHIERARQUIZAÇÃO” ................................................................................ 58
2.2. A INSERÇÃO FEMININA NO SETOR BANCÁRIO ............................................ 59
3. O TRABALHO DO CAIXA BANCÁRIO ....................................................................... 59
4. O BANCO ESTATAL PESQUISADO ............................................................................. 64
4.1. AS AGÊNCIAS DO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA .......................................... 66
CAPÍTULO III – A METODOLOGIA DA PESQUISA .................................................................. 67
1. A PESPECTIVA METODOLÓGICA ............................................................................. 67
2. OS PARTICIPANTES DA PESQUISA ........................................................................... 71
3. O TRABALHO DE CAMPO ............................................................................................ 73
3.1. A ENTREVISTA ...................................................................................................... 73
11
3.2. A OBSERVAÇÃO DA ATIVIDADE....................................................................... 76
4. A ANÁLISE DE CONTEÚDO .......................................................................................... 78
4.1. A ANÁLISE TEMÁTICA ........................................................................................ 79
5. AS DIFICULDADES E AS CONQUISTAS .................................................................... 80
CAPÍTULO IV – A ATIVIDADE E A SAÚDE DE CAIXAS BANCÁRIOS ................................. 83
1. O CAIXA BANCÁRIO: INSERÇÃO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL ................... 83
1.1. OS MOTIVOS DA INSERÇÃO .............................................................................. 83
1.2. A FORMAÇÃO PROFISSIONAL ........................................................................... 89
2. A ATIVIDADE DOS CAIXAS BANCÁRIOS ................................................................. 95
2.1. AS CONDIÇÕES E O AMBIENTE DE TRABALHO ........................................... 96
2.2. AS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E ORGANIZACIONAIS ............................ 99
2.3. A PRESCRIÇÃO E A REALIDADE DO TRABALHO ......................................... 103
2.3.1. O CAIXA BANCÁRIO NO CURSO DA AÇÃO .......................................... 106
2.3.2. A REGULAÇÃO DAS VARIABILIDADES E O USO DA
INTELIGÊNCIA PRÁTICA ........................................................................... 110
2.3.3. OS LAÇOS DE COOPERAÇÃO .................................................................... 112
3. A SAÚDE DOS CAIXAS BANCÁRIOS .......................................................................... 113
3.1. AS IMPLICAÇÕES NA SAÚDE ............................................................................. 115
3.2. O SOFRIMENTO PSÍQUICO .................................................................................. 121
3.3. AS DEFESAS ........................................................................................................... 129
3.4. O JULGAMENTO DO TRABALHO E
A DINÂMICA DO RECONHECIMENTO ............................................................. 136
3.5. A PRODUÇÃO DO SENTIDO DO TRABALHO E
AS VIVÊNCIAS DE PRAZER ............................................................................... 138
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 142
BIBLIOGRAFIA
............................................................................................................................... 146
ANEXOS
12
INTRODUÇÃO
Atualmente os bancos fazem parte da vida cotidiana das pessoas,
independentemente de idade, classe social, etnia ou sexo, sendo possível se afirmar que
a maioria da população de um país tem uma conta bancária. Como dizem Zamberlan e
Salerno (1987), isso explica as intensas e maciças campanhas mercadológicas realizadas
pelo setor, visando o crescimento e a expansão da rede de agências.
Os autores supracitados relatam que, ao longo dos anos, o mercado financeiro
impôs aos bancos um desenvolvimento voltado essencialmente à padronização de
rotinas e procedimentos, fato que acarretou um processo de seqüenciação das tarefas e
gerou um rígido controle administrativo, principalmente sobre os caixas bancários.
A padronização das atividades trouxe ao setor bancário a possibilidade da
implantação de sistemas automatizados (Zamberlan & Salerno, 1987), o que provocou
uma desestabilização do emprego e uma desvalorização desse segmento profissional,
expressando uma condição moderna do sofrimento decorrente do processo de trabalho
(Merlo & Barbarini, 2002). Esta compreensão é corroborada por Malaguti (1996, p. 57)
ao sinalizar que o advento da tecnologia instaurada no setor bancário promoveu, “não
apenas um clima de insatisfação, mas também um clima de enorme tensão frente à
instabilidade do emprego”1.
Especificamente em nossa pesquisa, objetivamos analisar a relação trabalho e
saúde mental dos caixas bancários de agências da Caixa Econômica Federal na cidade
de João Pessoa, PB. Como objetivos específicos, buscamos identificar e apreender as
1
É importante frisar que, de acordo com SEGNINI (1998), o sistema financeiro brasileiro já foi considerado um dos mais
informatizados do mundo e que, desde o início do processo de informatização procurou manter em seu quadro funcional
trabalhadores com alto nível de escolaridade, principalmente se comparado aos trabalhadores industriais.
13
estratégias de regulação da atividade de trabalho do caixa bancário, as vivências de
sofrimento psíquico/prazer relacionadas ao tipo de atividade executada e as estratégias
de defesa elaboradas por estes trabalhadores para enfrentar o sofrimento e/ou processos
de adoecimento.
Para a realização de tal estudo, recorremos inicialmente ao conceito de saúde
apresentado por Canguilhem (2001), cuja noção remete à capacidade que o indivíduo
tem de interagir com os eventos da vida e de enfrentar as infidelidades do meio, sendolhe possível, ao cair doente, se restabelecer. Segundo Dejours (1992), a saúde das
pessoas está ligada a elas próprias, pois é algo que pode ser conquistada e da qual
dependem, ou seja, cada indivíduo deve ser capaz de sofrer e reconhecer suas
dificuldades a fim de enfrentar as demandas que o meio lhe solicita.
Em seguida, inspiramo-nos na abordagem da Ergonomia da Atividade (Cru,
1988; Daniellou et al., 1989; Wisner, 1994; Guérin et al., 2001), caracterizada por ser a
análise da atividade em situações reais de trabalho, visando um conhecimento detalhado
desta e de como os trabalhadores dão conta das suas regulações frente às variabilidades
do meio. A fim de apreendermos como isso acontece, voltamos o nosso estudo
primordialmente às diferenças existentes entre o trabalho prescrito e o real, à noção de
coletivos de trabalho e ainda à conceituação de cargas de trabalho.
Por fim, procuramos identificar/apreender como os processos intersubjetivos
estão se desenvolvendo nos ambientes laborais e, para tal, recorremos às contribuições
da Psicodinâmica do Trabalho (Dejours, 2004), nos apropriando especificamente de
assuntos relativos ao sofrimento e às defesas, aos coletivos de trabalho, às noções de
inteligência prática e de dinâmica do reconhecimento, além da relação do sentido e do
prazer no trabalho com a atividade.
14
Do ponto de vista formal, este trabalho está dividido em quatro capítulos, sendo
o Capítulo I referente aos aportes teóricos que nortearam o nosso estudo: a Concepção
da Saúde, a Ergonomia da Atividade e a Psicodinâmica do Trabalho. O Capítulo II
contextualiza as transformações que vêm ocorrendo no trabalho bancário (desde o início
dos anos 60 até os dias atuais), em que verificamos a implicação da implementação e
desenvolvimento da informática e das mudanças organizacionais na subjetividade e na
saúde dos bancários. No Capítulo III, destacamos a metodologia da pesquisa,
recorrendo aos dispositivos utilizados, a observação sistemática da atividade (inspirada
na Análise Ergonômica do Trabalho) e as entrevistas semi-estruturadas. E, no Capítulo
IV, apresentamos os achados desta investigação, onde estão presentes: (a) uma análise
sobre a inserção e formação profissional dos participantes; (b) a relação deles com a
atividade no banco; e, por fim, a saúde dos caixas bancários das agências da Caixa
Econômica Federal do município de João Pessoa, PB.
15
CAPÍTULO I
OS APORTES TEÓRICOS
O objetivo deste capítulo é apresentar uma histórica busca teórica, no campo das
investigações sociais, especificamente em relação à análise do trabalho e suas
implicações na saúde dos trabalhadores e trabalhadoras. Para tanto, nos reportamos à
Ergonomia da Atividade e à Psicodinâmica do Trabalho.
1. A CONCEPÇÃO DE SAÚDE
Canguilhem inicia a construção de sua própria argumentação a respeito da
saúde, referindo-se a esta como sendo um fenômeno e uma questão filosófica (Caponi,
1997). Seus estudos preliminares sobre o normal e o patológico serviram de base para a
sua tese de doutorado, cujo maior argumento está na diferença qualitativa entre estes
dois fenômenos opostos, levando-o a concluir que nem toda doença implica numa
variação quantitativa da normalidade (Coelho & Almeida Filho, 1999). A partir de
então, Canguilhem passa a contrariar o pensamento dominante da época, o qual
afirmava que os fenômenos patológicos eram variações quantitativas de fenômenos
normais.
O que ele busca explicar é que o anormal não está constituído pela ausência de
normalidade, ou seja, que o patológico também pode ser considerado normal, já que a
experiência do ser vivo inclui a doença. Sendo assim, o patológico passa a ser
considerado como uma determinada forma de viver.
16
Apesar do mérito que o conceito de saúde elucidado pela OMS (Organização
Mundial de Saúde) tem – “a saúde é um completo estado de bem-estar físico, mental e
social e não uma mera ausência de doença ou enfermidade” –, ao retomá-lo,
Canguilhem critica-o e aponta um limite e uma superposição entre os conceitos de
saúde e normalidade (Caponi, 1997). A OMS, segundo a visão do autor, parece não
considerar que, o que se chama de bem-estar, está diretamente identificado com aquilo
que é valorizado e definido como sendo algo normal para uma determinada sociedade
em um certo momento histórico, passando a excluir todo o resto que é desvalorizado e
considerado como simples “anomalia” (id., ibid.).
No final dos anos 70, ao se basear na afirmativa de que todos são normais,
Canguilhem sugeriu uma proposição na qual todos são patológicos, introduzindo o
termo “normais patológicos”, através da constituição de uma concepção monista de
ausência de saúde. Sendo assim, o homem normal deve ser capaz de, ao adoecer, afastar
a doença. Em outras palavras, o autor apresenta a concepção de saúde como sendo
caracterizada pela capacidade dos humanos de tolerar as variações das normas.
Coelho e Almeida Filho (1999) retomam as idéias apresentadas por Canguilhem
na década de 90 acerca da saúde que, ao considerá-la a partir da perspectiva de que
existe uma relação entre o indivíduo e o meio, demarca uma oposição entre uma saúde
filosófica e uma saúde científica. Estes autores chamam a atenção para o fato de
Canguilhem procurar especificamente incorporar elementos da fisiologia do trabalho,
do ambiente do trabalho, das adaptações das máquinas ao homem e das relações
industriais para, a partir daí, fundamentar suas idéias a respeito das relações do homem
e do meio, assim como determinar o significado das normas humanas. Segundo
Canguilhem (2001), até então, ainda consideravam-se as idéias de Taylor, cujo
pensamento indicava que, em relação ao meio físico e também ao meio social, o
17
operário deve reagir sem iniciativa pessoal aos diversos fatores a ele impostos, como
por exemplo, estimulações diárias, movimentos mecânicos, ordens sociais, etc,
independentemente da qualidade, intensidade ou freqüência destes fatores.
Como a saúde é considerada uma resposta ativa do organismo na busca por um
ajuste, a compreensão vigente da relação do homem com o meio torna-se um contrasenso, tanto no aspecto psicológico quanto no aspecto biológico, pois ao sentir-se
ameaçado pelo meio, o homem tende a ter reações de defesa de ordem biológica e
social, podendo estas ser entendidas como reações de saúde.
Na visão de Canguilhem, a saúde implica tanto biologicamente quanto no
próprio modo de viver do ser humano, pois o seu caráter referencial age como uma
possibilidade de enfrentar situações novas, mantendo uma margem de tolerância de que
cada indivíduo possui para enfrentar as infidelidades do meio (Caponi, 1997). Para o
autor, o que o indivíduo mais teme ao cair enfermo é o fato de estar debilitado e exposto
às enfermidades futuras que podem diminuir a sua margem de segurança. Foi então que
a higiene passou a fazer parte do contexto da saúde, no formato de norma, a fim de
regularizar a vida das pessoas, já que a tradição higienista está centrada na determinação
social da enfermidade (id., ibid.). A saúde, então, torna-se um objeto de cálculo,
perdendo a sua dimensão de verdade particular e adquirindo uma nova significação,
desta vez empírica.
Coelho e Almeida Filho (1999) citam, porém, que, para Canguilhem, a saúde
filosófica, ou seja, a saúde de caráter individual, não pode ser medida através de
aparelhos, pois esta tem um estado livre e não pode ser contabilizável.
Os autores apresentam toda a preocupação que Canguilhem demonstra ao
estabelecer uma real distinção entre a normalidade e a saúde. Ao longo dos anos e
18
durante seus estudos, este teórico expôs suas quatro proposições sobre a teoria geral da
saúde:  a idéia de que a saúde é a capacidade normativa,  a concepção da
normalidade como uma norma de vida,  a consideração de que a normalidade é um
fenômeno relacional e  a proposta de absorção da saúde filosófica pela ciência.
Para Canguilhem, tanto a saúde quanto a doença são formas normais, implicando
numa certa norma de vida, sendo a primeira considerada uma norma de vida superior e
a segunda uma norma de vida inferior (Coelho & Almeida Filho, 1999). Segundo o
teórico, a saúde implica numa desobediência, ou seja, na capacidade que o ser humano
tem de poder adoecer e sair do estado patológico.
Sendo assim, esse autor nos traz contribuições significativas a partir do
momento em que torna clara a existência não apenas de uma normalidade, mas sim de
distintas normalidades, demonstrando então uma pluralidade de valores que podem ser
julgados em toda organização econômica.
Canguilhem demonstra que a saúde passa a perder uma perspectiva de simples
adaptação e obediência, expressando diferentes padrões através de transformações e da
não-obediência, portanto, diz-se que a saúde do indivíduo está relacionada com a forma
com a qual este interage com os eventos da vida.
Nesta direção, corroboram Coelho e Almeida Filho (1999, p.30), ao afirmarem
que “a saúde enquanto perfeita ausência de doença situa-se no campo da patologia”,
indicando que a promoção de saúde não implica numa ordenação de séries de ações de
forma a gerarem um bem-estar comum ou evitar riscos, mas sim o poder de dar
condições de escolha e criação aos indivíduos. Para Caponi (1997), é possível se referir
à saúde quando tivermos os meios para enfrentar nossas próprias dificuldades e nossos
19
compromissos, sendo a conquista e ampliação desses meios uma tarefa ao mesmo
tempo individual e coletiva.
A autora faz um paralelo entre Canguilhem e Dejours afirmando que ambos
parteam de uma mesma suposição a respeito da saúde quando afirmam que não é
possível substituir os atores da saúde por elementos exteriores. A saúde das pessoas é
um assunto ligado a elas próprias, visto que é algo que pode ser conquistado e do qual
dependem as pessoas (Dejours, 1992). Cada indivíduo é capaz de sofrer e reconhecer
suas dificuldades para enfrentar as demandas que o meio lhe solicita.
De acordo com Dejours (1986, p. 37), a saúde pode ser pensada como:
“a liberdade de dar ao corpo de comer quando tiver forme,
de fazê-lo dormir quando tiver sono, de dar-lhe açúcar
quando baixar a glicemia. Não é anormal estar cansado ou
com sono, não é anormal ter uma gripe... Pode ser normal
ter algumas enfermidades. O que não é normal é não poder
cuidar dessa enfermidade, não poder ir para a cama e
deixar-se levar pela enfermidade, não poder deixar que as
coisas sejam feitas por outros durante algum tempo, não
poder parar de trabalhar durante a gripe e depois poder
voltar”.
Ao pensar sobre a relação homem-tarefa, Dejours, Dessors e Desriaux (1993)
sinalizam para três aspectos relacionados ao trabalho:
•
O organismo do homem não deve ser considerado como um motor banal,
submetido a um só tipo de excitação. Esse trabalhador deve saber
gerenciar, ao mesmo tempo, excitações exteriores e interiores;
•
Ao chegar no ambiente de trabalho, o homem traz consigo uma história
pessoal, concretizada por suas aspirações, desejos, motivações e
20
necessidades psicológicas, que conferem a este sujeito características
únicas e pessoais;
•
Em função de sua história particular, o trabalhador dispõe de vias de
descargas preferenciais (distintas das de outro trabalhador), de modo a
participar na formação daquilo que se chama de estrutura da
personalidade.
Dejours (1992) ainda nos traz que o homem torna-se cada vez mais sensível às
cargas intelectuais e psicossensoriais do trabalho, que o fazem refletir e conduzem-no
ao início de um processo de preparação para futuras preocupações com a saúde mental.
Portanto, de acordo com Dejours e Abdoucheli (1990, p. 137), “o trabalho funciona
então como um mediador para a saúde”, favorecendo-a, quando esse for estruturador, ou
comprometendo-a, quando for patogênico.
A organização do trabalho, entendida por um lado como sendo a divisão das
tarefas e, por outro, como a divisão dos homens (isto é, os dispositivos de controle,
vigilância, hierarquia, comando, repartição das responsabilidades)2, é freqüentemente
interpretada como algo perigoso ao funcionamento psíquico. Porém, os estudos de
Dejours sobre a psicopatologia do trabalho apontam que, mesmo estando expostos a
perigos constantes, a grande maioria dos trabalhadores consegue evitar a loucura ou a
descompensação psiquiátrica, utilizando-se de artifícios de defesa contra a organização
do trabalho (Hirata, 1989).
Se, por um ponto de vista, a organização do trabalho pode favorecer algo
patogênico ao trabalhador, por outro ela deve servir como um estímulo para uma “fonte
de prazer e contribuir de maneira original para a luta pela conquista e pela defesa da
saúde”, mental ou corporal (Hirata, 1989, p.98).
2
Essa discussão será melhor apresentada no tópico acerca da Psicodinâmica do Trabalho.
21
Para Dejours et al. (1993) é impossível falar de trabalho, sem levar em
consideração a situação do não-trabalho (ou desemprego). Este fato tende a desencadear
um processo de adoecimento, contradizendo a idéia utópica de que a felicidade vem a
partir do momento em que não se tem coisa alguma para se fazer. Segundo os autores,
se um sujeito for encontrado numa situação de quase inatividade, pode ser considerado,
do ponto de vista psiquiátrico, uma pessoa doente.
A fim de avançarmos teoricamente na discussão acerca das relações trabalho e
saúde, recorremos à Ergonomia da Atividade, caracterizada como sendo a análise da
atividade em situações reais de trabalho, visando um conhecimento detalhado da
atividade dos trabalhadores e suas regulações frente às variabilidades, e à Psicodinâmica
do Trabalho, definida como a análise dos processos intersubjetivos desenvolvidos nos
locais de trabalho.
2. A ERGONOMIA DA ATIVIDADE
A Ergonomia foi difundida formalmente no período pós Segunda Guerra
Mundial como uma disciplina científica com orientação prática, cujo objetivo era o
funcionamento do homem em situações reais de trabalho. A Ergonomia da Atividade de
origem francesa foi apresentada à comunidade científica através do lançamento do livro
de A. Ombredane e J. M. Faverge intitulado A Análise do Trabalho, publicado no ano
de 1955, rompendo assim com o experimentalismo da Ergonomia de origem anglosaxônica (Athayde, 1996).
Encontramos o interesse da Ergonomia voltado à transformação de situações de
trabalho, sendo esta disciplina orientada por critérios de produção (eficiência produtiva
22
em quantidade e qualidade) e de melhoria das condições de trabalho, dedicando-se,
essencialmente, à busca pela adaptação deste às pessoas. No Brasil, o seu
desenvolvimento passou a tomar impulso a partir da década de 70 (Telles & Alvarez,
2004).
Segundo Daniellou (1986), a Ergonomia estuda a atividade de trabalho visando
contribuir para a concepção de meios de trabalho adaptados às características
fisiológicas e psicológicas do ser humano. Para Guérin, Laville, Daniellou, Duraffourg,
e Kerguelen (2001), o estudo ergonômico de uma situação de trabalho tem por
finalidade primeira a transformação do trabalho, buscando assim atender às demandas
de transformação positiva da realidade laboral (Vidal, 2002).
Esta vertente de disciplina que, desde a década de 60, tem como aportes teóricos
disciplinas cognitivas como a Psicologia e/ou a Antropologia, mesclando seus próprios
conceitos com os que são apresentados pela “representação mental”, “tratamento de
informações”, “tomada de decisões”, “controle e avaliação” e “processo de regulação”.
2.1. TRABALHO PRESCRITO X TRABALHO REAL
A Ergonomia, num determinado período da sua história, chama a atenção para
uma noção ainda mais ampla do trabalho, isto é, a idéia da distância (ou gap) encontrada
entre o trabalho prescrito e o trabalho real. No entanto, esta diferença é decorrente de
uma constante variabilidade, visto que a prescrição é sempre limitada e incompleta e
que o saber prático tem o objetivo de cobrir as lacunas do saber teórico, submetendo os
trabalhadores a passarem cotidianamente por um processo de reinvenção desses limites
(Guérin et al., 2001; Wisner, 1987; Daniellou, Laville, & Teiger, 1989).
23
Portanto, o trabalho prescrito, também chamado de tarefa, é a definição daquilo
que deve ser feito segundo as especificações dadas (oralmente ou por escrito); o
resultado antecipado, fixado dentro de condições determinadas para a realização do
objetivo proposto pela instituição, nas quais, utilizando-se dos meios disponíveis neste
ambiente o homem desenvolve uma certa atividade (Guérin et al., 2001).
Daniellou, Laville e Teiger (1989) afirmam que o trabalho prescrito é a maneira
segundo a qual o trabalho deve ser executado, ou seja, o modo como o trabalhador deve
utilizar os instrumentos dispostos pela organização.
Por sua vez, o trabalho real, também conhecido por atividade, é o modo como o
homem, numa determinada situação de trabalho, se relaciona com os objetivos
propostos, a organização do trabalho e os meios fornecidos para a realização do
trabalho. Em outras palavras, é o modo pelo qual ele desenvolve e realiza a tarefa
(trabalho prescrito), resultando numa “obra pessoal”, singular, contribuindo para a
construção da sua identidade. A atividade, portanto, é uma estratégia de adaptação à
situação real de trabalho, objeto da prescrição, ou seja, o que realmente é feito (Guérin
et al., 2001).
Brito e Athayde (2003) trazem de seus estudos uma nova conotação a este
respeito, remetendo-nos aos postulados da escola russa da Psicologia fundada por
Vygotski, a qual admite o homem como um ser pleno de possibilidades não realizadas.
Em outras palavras, para os autores, o trabalho real ou atividade envolve também aquilo
que não se faz, o que se busca fazer sem conseguir, o que pode ter sido feito, o que há
para se refazer e até o que se faz sem querer, ou seja, “o que se faz para não fazer o que
se está por fazer, pois muitas vezes fazer é, por outro lado, refazer ou desfazer” (p.66).
24
2.2. VARIABILIDADE E REGULAÇÕES
A Ergonomia constata que o trabalho humano, efetivamente realizado em
situações reais de trabalho, não corresponde jamais ao trabalho esperado, fixado por
determinações dadas pela organização do trabalho. Ao realizar um trabalho, a pessoa
está sujeita às variabilidades, quer sejam do sistema técnico e organizacional (panes,
disfuncionamentos, dificuldades de previsão), sua própria variabilidade e a dos outros
(fadiga, ritmicidade circadiana, efeitos da idade, experiência, gênero), e do(s)
coletivo(s) de trabalho pertinente(s) (Telles & Alvarez, 2004).
Entende-se que, tudo o que é constante é a permanente variabilidade, ou seja, as
condições de produção nunca são perfeitamente estáveis. É preciso conhecer as
variabilidades a fim de tentar prevê-las e considerar a possibilidade de que novas
venham a existir.
Nessa perspectiva, Guérin et al. (2001) apresentam a definição de atividade de
trabalho como sendo o elemento central, organizador e estruturante dos componentes de
uma dada situação de trabalho. Ela é uma resposta às exigências determinadas
externamente ao trabalhador e que simultaneamente está susceptível de transformar.
Sendo assim, a atividade de trabalho depende de dois tipos de condições: as externas
(tarefa: técnicas, organizacionais, etc.) e outras ligadas às características do grupo (e de
seus membros e das metas fixadas). No entanto, o que determina efetivamente a
atividade baseia-se nas relações que se estabelecem entre estes dois tipos de condições e
sua adequação.
25
Brito e Athayde (2003) retomam o conceito de atividade de trabalho de
Canguilhem, o qual defende que, no contexto do trabalho, há um ser vivo que vive seu
meio em uma atividade de oposição à inércia e à indiferença, sendo este sujeito um ente
mais que normal, normativo, criativo e capaz de novas normas em seu meio
(Canguilhem, 2001). Logo, conforme os autores acima, o trabalho não pode ser
reduzido à prescrição, mas sim considerado um lugar permanente de micro-escolhas.
Torna-se clara a existência de uma instabilidade característica das situações de
vida e trabalho, visualizando o meio como infiel, conduzindo a saúde a ser um alvo fácil
para estas infidelidades. Verifica-se que o trabalhador está colocado diante de diversas
racionalidades e valores, devendo por sua vez ser capaz de prever e regular as
variabilidades em diferentes situações impostas pelo trabalho.
2.3. COLETIVOS DE TRABALHO
Para Cru (1986), o coletivo acontece a partir do momento em que vários
trabalhadores passam a concorrer a uma obra comum, respeitando regras préestabelecidas pelo grupo. Para tanto é necessário que existam vários trabalhadores e que
estes estejam reunidos com o objetivo de executar uma obra comum num mesmo lugar.
Este trabalho deve ser regido por uma ou várias regras, respeitando-as cada qual
individualmente, após serem interiorizadas. Em certos casos, a interiorização das regras
não ocorre, porém são respeitadas pela imposição da submissão ao coletivo.
Estas regras estão caracterizadas por Dejours e Abdoucheli (1990) como sendo
sempre:
•
uma regra técnica, mantendo as maneiras de fazer fixas;
26
•
uma regra social, cujas condutas de interações estão enquadradas;
•
uma regra lingüística, sendo estas estabilizadas por práticas da linguagem, e
•
uma regra ética, buscando-se a justiça e a eqüidade, a qual serve de referência às
arbitragens e aos julgamentos das relações ordinárias de trabalho.
Para os autores, estas regras têm um poder organizador sobre a coesão e a
construção do coletivo: coletivo de regra, este se apoiando no coletivo essencialmente
estruturado pelas estratégias defensivas: coletivo de defesa, o que apresentamos mais
adiante.
As regras de ofício, assim chamadas por Cru (1986), transcendem a esfera da
hierarquia e são “implícitas em seus fundamentos”, ou seja, elas simplesmente existem e
devem ser respeitadas, pois, caso contrário, surgem constrangimentos por parte daqueles
que, em relação ao ofício, se tornam marginais. Para o autor, o coletivo trabalha em prol
da defesa da capacidade de auto-regulação e da iniciativa individual ou coletiva.
O coletivo de trabalho tem uma maior eficácia quando as regras são conhecidas
e estão introjetadas por todos os seus membros (Figueiredo, 2001), já que uma de suas
vantagens é ser defendida pelo coletivo perante a iminência de ameaças exteriores,
surgindo assim uma procura para adaptá-las às inovações tecnológicas e organizacionais
em curso no trabalho. Assim, o coletivo cria um sistema de defesa contra as ameaças
internas, de modo a opor-se a que uma só pessoa ou mesmo um pequeno grupo inicie o
processo de imposição de sua própria lei.
Por estarem baseadas nas experiências dos próprios trabalhadores envolvidos no
coletivo, as regras utilizam a inteligência astuciosa (Dejours, 2004)3 dos mesmos de
forma a exercerem uma força de luta e defesa contra os riscos e contra o medo
3
Essa discussão será retomada no tópico sobre a Psicodinâmica do Trabalho.
27
(Figueiredo, 2001). Desta forma, elas funcionam como uma ferramenta libertadora para
aqueles que as aceitam, livrando-os de qualquer tipo de inquietação e protegendo-os
contra a ingerência, contra o arbitrário. E ainda mais, por não imporem nenhum limite
intransponível, elas servem como balizadores da vida no trabalho, ajudando os
trabalhadores a se orientarem, sustentando a idéia do homem em movimento.
Muniz (2000) nos traz a definição enfocada por Leplat quanto à atividade
coletiva, sugerindo que esta é a realização efetiva de uma tarefa executada por um grupo
de trabalhadores de forma interdependente.
Todavia, salientamos que uma tarefa coletiva não corresponde obrigatoriamente
a uma atividade coletiva, ou seja, uma tarefa dita coletiva pela organização, pode ser
reestruturada de forma a ser executada individualmente; o mesmo ocorre inversamente,
isto é, uma atividade coletiva não corresponde necessariamente a uma tarefa coletiva.
Sendo assim, é possível que trabalhadores de diferentes setores resolvam se reunir para
lidar com uma tarefa, mesmo que esta atitude não tenha prescrição.
Muniz (2000) apresenta importantes contribuições de Leplat, referentes a este
tema, e que salientamos aqui:  o grupo de trabalhadores envolvidos numa determinada
atividade coletiva não necessariamente faz parte do organograma da empresa e  a
atividade coletiva existe apenas quando uma tarefa está sendo compartilhada por um
grupo.
Figueiredo (2001), ao citar Dejours, elucida que a cooperação serve de base
fundamental para a formação de um coletivo de trabalho, exercendo um papel
estratégico na minimização das “falhas humanas”. Isto se deve ao fato de os
trabalhadores conseguirem promover, através da cooperação e de um trabalho
compartilhado, uma estratégia própria, visando à minimização da complexidade das
28
tarefas e à regulação das variabilidades (Silva, 2005). A cooperação é essencialmente
formada a partir de uma associação de laços comuns construídos pelos trabalhadores, de
forma voluntária, imbuídos em alcançar um objetivo comum, isto é, na realização de
uma obra comum (Athayde, 1996; Neves, 1999; Guérin et al., 2001; Figueiredo, 2001).
Assim sendo, utilizando-se da dimensão da cooperação, um coletivo ainda consegue, ao
seu modo particular, detectar, corrigir e prevenir determinadas conseqüências
provocadas por falhas resultantes de um processo produtivo.
Vemos, portanto que, a atividade coletiva é entendida como a execução de uma
tarefa ocasionada pela intervenção de vários operadores, já que “não é uma coleção de
atividades individuais sobre tarefas independentes, mas uma atividade em que os
operadores realizam conjuntamente a mesma tarefa, em um mesmo lugar, ou
eventualmente em locais diferentes” (Athayde, 1996, p.62), trabalhando em prol de uma
mesma meta e de um mesmo objetivo, coordenando sua atividade de forma cooperativa,
gerando assim uma “interdependência no trabalho”.
Salientamos a imprescindível existência de uma atividade coletiva, posto que a
mesma é de vital importância para que haja regulações e a possibilidade da autoregulação dos trabalhadores, dentro de uma gestão cotidiana (Athayde, 1996; Muniz,
2000; Figueiredo, 2001).
A dimensão do coletivo de trabalho não está apenas imbricada na cooperação. O
próprio grupo é capaz de assegurar a repartição das atividades, gerenciando uma
“atividade de coordenação”, que está articulada através de meios de comunicação. É
relevante destacar a importância da comunicação e da negociação dentro deste enfoque,
onde são encontrados os componentes subjetivos da confiabilidade, cujo papel
fundamental na luta contra o sofrimento está relacionado às questões envolvidas com o
sentido do trabalho (Figueiredo, 2001).
29
Wisner (1994) ressalta que, desde o início, a Ergonomia enfatizava a
importância da comunicação, destacando-a como um dos meios mais eficazes de análise
e compreensão da atividade. Para Guérin et al. (2001), a comunicação é entendida como
uma transmissão de informação entre os operadores, podendo ser tanto verbal quanto
gestual, sustentando-se em códigos e signos elaborados previamente numa cultura
oriunda dos trabalhadores envolvidos.
2.4. CARGAS DE TRABALHO
Torna-se mister destacarmos que um estudo ergonômico visa atingir, pelo
menos, duas finalidades: “o melhoramento e a conservação da saúde dos trabalhadores,
e a concepção e o funcionamento satisfatórios do sistema técnico do ponto de vista da
produção e da segurança” (Wisner, 1994, p.77).
O autor nos remete aos primeiros estudos ergonômicos, realizados na década de
50, acerca da expressão fadiga, muitas vezes ainda utilizada pelos trabalhadores quando
procuram descrever os efeitos negativos que o trabalho traz para eles próprios e para os
seus colegas. No entanto, esta expressão foi substituída por carga de trabalho como
objeto de estudo.
Wisner (1994) retoma as pesquisas experimentais realizadas por Kalsbeek, cujos
resultados indicam que as atividades cognitivas geram uma sobrecarga cognitiva para
quem as executa. Evidenciou-se, então, que os saberes do trabalhador e uma experiência
anterior influem muito mais sobre a atividade cognitiva do que sobre uma atividade
física. Com isso, a noção de carga cognitiva permite mostrar que é inconcebível a
existência de uma atividade física sem uma atividade cognitiva, provando que muitas
30
das dificuldades do trabalho físico, na realidade, são oriundas do desprezo dado às
dimensões cognitivas do trabalho.
Segundo os estudos de Dejours et al. (1993), a Ergonomia é entendida a partir de
dois aspectos da carga de trabalho: o seu componente físico (barulho, iluminação, calor,
desgaste energético, etc.) e o seu componente mental, referente à percepção e ao
tratamento da informação que é necessária à execução do trabalho em si. No entanto,
salientamos a importância de o trabalhador iniciar um processo de retenção de energia
ao estar submetido a estas diversas formas de excitações, originando as tensões
psíquicas comumente conhecidas por tensões nervosas.
A fim de livrar-se desta retenção de energia, o trabalhador dispõe de vias de
descarga, esquematicamente definidas como: via psíquica, via motórica e via visceral.
Enquanto que, pela via psíquica o sujeito tem a possibilidade de construir fantasias
mentais suficientes para descarregar a sua tensão, pela via motórica o sujeito utiliza-se
da sua própria musculatura a fim de livrar-se das tensões através de descargas
psicomotoras. Todavia, segundo os autores, a energia pulsional não é possível de ser
descarregada senão através da via do sistema nervoso autônomo e da desregulação das
funções somáticas, realizadas apenas pela via visceral.
Os autores apontam três fatores que se sobressaem do contexto do trabalho no
qual existe a relação homem-tarefa:
•
o organismo do homem não está simplesmente submetido a um só tipo
de excitação, devendo o sujeito saber gerenciar, ao mesmo tempo,
excitações exteriores e interiores;
•
o trabalhador não chegam ao trabalho como uma máquina nova, posto
que este traz consigo uma história pessoal, concretizada por suas
31
aspirações, desejos, motivações e necessidades psicológicas, conferindo
a este sujeito características únicas e pessoais;
•
em função de sua história particular, o trabalhador dispõe de vias de
descarga preferenciais (diferente daquelas que dispõe outro trabalhador),
de modo a participar na formação da chamada estrutura da personalidade.
No entanto, estas noções ainda apresentam certas discordâncias, principalmente
quanto ao sentimento de fadiga e as medidas de carga física e carga mental. Para
Dejours (1992), a noção de carga mental se confunde com a de carga cognitiva, e o
autor, então, define-a como “carga psíquica” e, posteriormente, “sofrimento”.
Para Wisner (1994), o sofrimento psíquico está ligado principalmente ao
psiquismo humano e, em especial à angústia dos trabalhadores. Esse sofrimento se
exprime por comportamentos, particularmente através da fala e das perturbações
neuroendocrinianas e imunológicas, provocando o aparecimento de diversas
enfermidades somáticas, também conhecidas por psicossomáticas.
3. A PSICODINÂMICA DO TRABALHO
A Psicopatologia do Trabalho começou a ser introduzida no cenário científico
francês, por volta das décadas de 50 e 60, buscando encontrar relações entre as afecções
mentais e o trabalho e, assim, sinalizar a existência de síndromes que afetavam a saúde
mental de algumas categorias profissionais. Alguns trabalhos de Le Guillant e Bégoin,
dentro desse período, são indicados por Dejours (1992) como representantes de uma
expressão de uma clínica marcada pela patologia social.
32
Durante aproximadamente quinze anos, entretanto, verificou-se uma estagnação
produtiva sobre a Psicopatologia do Trabalho, proveniente, principalmente, de fatores
de ordem histórica e da contextualização sociopolítica da época, já que o assunto
referente à saúde mental ainda não havia surgido como uma bandeira nas lutas dos
trabalhadores por sua saúde. Foi, porém, no final da década de 70, que ocorreu uma
verdadeira virada na produção teórica deste campo, pois, até então, o corpo era visto
como alvo de impacto dos prejuízos do trabalho e foi considerado o principal foco das
preocupações dos sindicalistas e especialistas.
Dejours (1992) cita que, estudos desenvolvidos até essa época, representados
principalmente pelo clássico “A Neurose das Telefonistas” de Le Guillant e Bégoin,
tentavam esclarecer (em vão) o nexo causal entre o trabalho e as doenças mentais,
despertando, ainda mais, o interesse pelas conseqüências mentais no trabalho. Contudo,
em 1980, Dejours (considerado o maior expoente dessa corrente de pensamento),
publicou o ensaio “Travail: Usure Mentale”, numa tentativa de reconstruir a produção
científica no campo da Psicopatologia do Trabalho. O objetivo deste estudo era explicar
o campo não-comportamental, até o momento ocupado pelos atos impostos, isto é:
movimentos, gestos, ritmos, cadências e comportamentos produtivos (Dejours, 1992).
Ainda durante essa fase transitória, ocorreram algumas mudanças quanto ao
objeto de estudo, ou seja, houve uma verdadeira reviravolta epistemológica no campo
da Psicopatologia do Trabalho, desembocando no desenvolvimento de uma trajetória de
produção conceitual. Como exemplo desta mudança, relata-se o caso da análise das
relações psíquicas com o trabalho em termos de estresse, que foi recusada em função da
atual preocupação com a análise do sofrimento psíquico, com as defesas contra o
sofrimento e a doença resultantes da confrontação dos homens com a organização do
trabalho.
33
Para um melhor entendimento sobre o assunto em questão, é importante
estabelecer uma diferenciação entre o que se entende por organização do trabalho e
condição de trabalho. De acordo com Dejours e Abdoucheli (1994), as condições de
trabalho têm por alvo principal o corpo, enquanto que a organização do trabalho atua
em nível do funcionamento psíquico. Quanto à organização do trabalho, classificam-na
em: divisão do trabalho (ou seja, o modo operatório prescrito: divisão de tarefas,
cadência) e a divisão de homens (isto é, responsabilidades, hierarquia, comando,
controle, etc.). No tocante à condição de trabalho, Dejours (1992) interpreta-a como
ambiente físico (temperatura, pressão, barulho, vibração, irradiação, altitude, etc.),
químico (produtos manipulados, vapores e gases tóxicos, poeiras, fumaças, etc.),
biológico (vírus, bactérias, parasitas, fungos), condições de higiene, de segurança e
características antropométricas do posto de trabalho.
Neves, Seligman-Silva e Athayde (2004) suscitam que se inicia, assim, um
rompimento com uma visão causalística/impactológica que busca encontrar uma doença
mental caracterizada decorrente do trabalho, passando-se a adotar um modelo dinâmico
de análise. Os estudos passam a se voltar para o entendimento dos recursos utilizados
pelos trabalhadores para suportar as pressões psíquicas da organização do trabalho e não
adoecerem, buscando se manterem no campo da normalidade. No entanto, essa
normalidade, de fundo enigmático, não é interpretada como um equilíbrio psicológico,
sua idéia central está transpassada pelo sofrimento psíquico (Dejours, 1992).
O autor supracitado ainda ressalta que um dos principais elementos para o
estudo da Psicopatologia do Trabalho é a noção de variabilidade, ou seja, a noção de
que o predominante no funcionamento do homem é a mudança e não a estabilidade.
Para ele, esta variabilidade deve ser assumida e respeitada sempre que se deseje
34
promover a saúde dos indivíduos, pois a saúde é, antes de qualquer outra coisa, um
objetivo fim, isto é, algo a ser atingido.
3.1. A NORMALIDADE E O SOFRIMENTO
Como vimos anteriormente, com a mudança epistemológica, o objeto de estudo
da Psicopatologia do Trabalho passa a ser o entendimento dos recursos usados pelos
trabalhadores para suportar e não adoecer devido às pressões psíquicas do trabalho. É
uma tentativa de se manterem no campo da normalidade, entendida como um enigma
que transpassa o sofrimento psíquico (Neves et al., 2004).
O conceito de sofrimento proposto por Dejours, surge como um delimitador do
campo de investigação. O foco de estudo deixou de ser o da doença mental, e passa a
conceber o sofrimento como sendo uma vivência subjetiva intermediária existente entre
a doença mental descompensada e o conforto (ou bem-estar) psíquico (Dejours &
Abdoucheli, 1994), utilizando-se de materiais provenientes da Psicanálise, da
Psicossomática e da Ergonomia Situada da Atividade.
Devido à falta de evidências acerca das doenças mentais provocadas pelo
trabalho, Dejours (1992) sugere o termo Psicopatologia da Normalidade, atentando para
os comportamentos estranhos, insólitos ou paradoxais, na busca de identificar
características comuns numa situação de trabalho supostamente homogênea. Segundo o
autor, trata-se da elucidação do trajeto, ou seja, do percurso que segue do
comportamento livre ao comportamento estereotipado. Por comportamento livre,
entende-se ser uma tentativa de se transformar a realidade circundante de acordo com os
35
desejos próprios do sujeito; este tipo de comportamento qualifica uma orientação na
direção do prazer.
Afirma-se que o sofrimento equivale a uma anulação dos “comportamentos
livres”, sendo esta muda e invisível (Dejours, 1992). O tipo de sofrimento estudado era
o patogênico, pois considerava a organização do trabalho como um bloco monolítico
(rígido), no qual imperava uma situação conflituosa entre o desejo do trabalhador face à
realidade do trabalho e a organização do trabalho que limitava a realização de um
projeto em detrimento de um modo operatório prescrito. Só lhe restava adaptar-se
àquela situação, gerando, desta forma, o sofrimento e a luta contra o sofrimento.
No entanto, a dinâmica do sofrimento, identificada como a luta dos
trabalhadores contra a organização do trabalho, que o empurra em direção à doença
mental, começa, paulatinamente, a sofrer alterações conceituais migrando do campo
patogênico ao, então denominado, sofrimento criativo. O favorecimento da
transformação do sofrimento em criatividade é uma contribuição que traz um benefício
à identidade. Desta forma, de acordo com Dejours e Abdoucheli (1994), o sofrimento
criativo atua de forma a aumentar a resistência do sujeito ao risco de desestabilização
psíquica e social.
3.2. AS ESTRATÉGIAS E OS COLETIVOS DE DEFESAS
Como sinaliza Dejours (1992), os trabalhadores lutam contra o sofrimento
elaborando defesas individuais e coletivas, e atuando de forma ativa em relação à
organização do trabalho, buscando assim algo que os proteja contra as diferentes formas
de sofrimento que os acometem. Uma importante descoberta empírica desenvolvida
36
pela Psicopatologia do Trabalho é a existência da construção coletiva de sistemas
defensivos, específica de cada grupo social e relacionada, portanto, à natureza de cada
organização do trabalho, devendo estes sistemas manter uma certa coerência e
obrigatoriedade quanto à existência do coletivo de trabalhadores.
No entanto, a partir do momento que esses procedimentos defensivos servem de
base para a construção de um sistema de valores conseguindo transformar a defesa em
alvo, já não se trata apenas de uma defesa coletiva, mas de “ideologias defensivas de
profissão”, sendo este um conceito fundamental para Dejours, cujo impacto sobre as
relações sociais é altamente problematizado.
Em determinadas situações, portanto, o caráter complexo e problemático das
defesas desenvolvidas pelos trabalhadores contra o sofrimento, pode gerar uma
ideologia defensiva favorecendo ainda mais a adaptação do mesmo ao trabalho e, por
outro lado, esta adaptação pode ser utilizada pela organização do trabalho em proveito
da produtividade. Como exemplo, citamos o que comenta Dejours (2004) acerca de seus
estudos com operários da construção civil e de indústrias petrolíferas: a irritação sentida
pelos trabalhadores, advinda das atividades a que estavam submetidos a executar pela
hierarquia, gerava, em casos extremos, certos processos compulsivos de “autoaceleração”.
A ideologia defensiva é definida como um procedimento de defesa elaborado
por um grupo social particular, na busca de uma especificidade, geralmente relacionado
à natureza da organização do trabalho, e que conta com a participação de todos os
interessados, sendo coerente e tendo um caráter vital, fundamental, necessário (Dejours,
1992).
37
Citamos, como exemplo, o caso dos trabalhadores da construção civil (Cru &
Dejours, 1987) que, para suportar o medo do ofício, elaboram coletivamente uma
“ideologia defensiva de profissão” procurando inverter a relação que existe entre eles e
as adversidades ou perigos reais do trabalho. Segundo os autores, os trabalhadores
optam por rejeitar as medidas preventivas oferecidas pela organização, preferindo
adotar medidas improvisadas e executar uma segurança feita “de qualquer jeito”,
evidenciando-se, então, uma resistência por parte dos mesmos com relação às medidas
de prevenção preconizadas pela organização de trabalho.
Estes comportamentos de rejeição, por parte da coletividade operária, às
medidas de segurança da organização, são interpretadas como desafios ao perigo, ou em
outras palavras, como uma negação ao perigo, visando afastar a vivência de uma
angústia incompatível com a realização e o prosseguimento de determinada tarefa.
Cru e Dejours (1987) observam a existência de certos elementos que ocorrem
em sistemas de auto-regulação dos coletivos de trabalho e de auto-regulação dos ritmos
e dos modos operatórios individuais. Atribuem, portanto, o nome de saberes de
prudência, pois se trata de um confronto entre uma organização espontânea do trabalho,
elaborada pelos trabalhadores, e uma organização imposta do exterior pela instituição.
Para Dejours (2004), as estratégias de defesa são coercitivas, devendo todos os
envolvidos participarem. Aquele que se recusa é ridicularizado pelos demais,
culminando numa repreensão seguida de marginalização e podendo, até mesmo, ser
excluído do convívio do grupo. Desta forma, “de vítimas potenciais passivamente
expostas ao risco, os operários tornam-se provocadores de um desafio proposital, ou
seja, são os desafiadores do próprio perigo” (p.182), recusando a realidade.
38
Ressaltamos, também, o postulado de Dejours e Abdoucheli (1990) quanto ao
fato de que vários sujeitos experimentando individualmente um sofrimento único são
capazes de unirem-se a fim de construírem uma estratégia defensiva comum.
Para Dejours (2004), porém, isto só é possível uma vez que os sistemas coletivos
de defesa funcionem como regras, oriundas de um consenso ou acordo partilhado entre
os trabalhadores, diferenciando-se assim dos mecanismos individuais de defesa. Sendo
assim, os sistemas coletivos de defesa servem como regras ou acordos normativos
compartilhados, diferenciando-se dos mecanismos individuais de defesa, contribuindo,
deste modo, para a formação e estruturação dos coletivos de trabalho.
Cru (1986), em seu estudo sobre os trabalhadores da construção civil, identifica
a existência de quatro regras fundamentais que regem as relações, chamando-as de
regras de ofício. São elas:  a regra de ouro (na qual cada um termina o trabalho que
começou),  a regra da ferramenta (na qual cada um trabalha com suas próprias
ferramentas),  a regra do tempo (nem se deve correr, nem dormir) e  a regra da
passagem livre (na qual cada um pode circular em todo o canteiro de obras). Estas
regras são coerentes entre si e indissociáveis, já que a ameaça a apenas uma delas pode
comprometer todo o conjunto de ações. Elas não impõem limite intransponível contrário
ao regulamento, pois servem para ajudar e orientar o trabalho, sustentando a idéia do
homem em movimento.
O poder organizador das regras de ofício gera a formação do coletivo de regras
que, juntamente com a linguagem do trabalhador, servem como facilitadores no
processo da construção da identificação do trabalhador.
Os estudos sobre os coletivos de trabalho têm grande importância para favorecer
uma reviravolta epistemológica da Psicopatologia do Trabalho dando origem, assim, à
39
Psicodinâmica do Trabalho. Esta é definida, a partir de então, como a “análise
psicodinâmica
dos processos intersubjetivos mobilizados
pelas situações
de
trabalho” (Dejours, 1992).
Mesmo se aproximando do campo clínico da Psicologia, a Psicodinâmica do
Trabalho passa a relacionar-se com a linguagem, buscando uma relação específica com
ofício que permita o acesso direto à realidade do trabalho (Cru, 1988). Dejours (2004)
sugere então que o sentido coletivo é uma resultante da construção de uma linguagem
comum para prestar conta não da realidade do trabalho, mas da especificidade das
vivências do trabalho. Para ele, o que move toda essa dinâmica, é previamente, o
sofrimento, o qual os sujeitos buscam compreender, analisar, transformar, e não a
organização do trabalho.
3.3. A INTELIGÊNCIA PRÁTICA
Os processos psíquicos mobilizados nas transformações e ajustamentos criativos
são denominados de inteligência prática, um tipo de inteligência de caráter intuitivo ou
astucioso, cujo objetivo é tentar minimizar a distância existente entre a organização do
trabalho prescrito e a organização do trabalho real. Uma de suas principais
características é estar enraizada no corpo (Dejours, 1993), sendo necessária uma prévia
experiência vivenciada pelo corpo numa situação comum do trabalho, na qual, ao
primeiro sinal de quebra da rotina, o corpo é alertado e suscita a curiosidade. O
indivíduo é levado a esboçar rapidamente uma interpretação, um diagnóstico ou uma
medida corretiva, e só interroga-se se a decisão foi acertada (ou não) depois de executá-
40
la, verificando assim a operacionalização da tentativa sugerida intuitivamente pelas suas
percepções.
Do ponto de vista ergonômico, porém sob a ótica de Dejours (2004), o trabalho é
uma atividade que exige completo funcionamento do corpo no exercício de uma
inteligência utilizada no enfrentamento daquilo que ainda não estava prescrito pela
organização do trabalho. Segundo a definição do autor, trabalho “é a atividade
coordenada de homens e mulheres para defrontar-se com o que não poderia ser
realizado pela simples execução prescrita de uma tarefa de caráter utilitário com as
recomendações estabelecidas pela organização do trabalho” (p.135).
Apesar de estar enraizada no corpo, isso não implica dizer que existe uma
ausência do pensamento, pois, mesmo escapando à consciência, se caracteriza por um
estilo de resolver os problemas com astúcia e esperteza, estando presente em qualquer
tipo de trabalho. Sua não utilização pode gerar fontes de sofrimento psíquico e até de
doença.
Sendo assim, a fim de enfrentar a realidade do trabalho, o trabalhador deve ser
capaz de mobilizar esta inteligência, convocando o corpo todo, e não apenas o
funcionamento cognitivo. O trabalho prescrito é então posto em confronto com o
trabalho real.
Dejours (2004) postula que a conquista da identidade individual dá base à
dinâmica da mobilização e que, portanto, o sujeito mobiliza sua inteligência e sua
personalidade em função de uma racionalidade subjetiva particular. Por sua vez, a
mobilização dinâmica está apoiada, essencialmente, na relação contribuição/retribuição
e a não observância desta implica em levar os sujeitos a sofrerem e a resistirem em seu
41
sofrimento com estratégias de defesa, gerando conseqüências nefastas para a sua saúde
mental e somática.
A inteligência prática, entretanto, somente se torna possível a partir do momento
em que certas condições de mobilização são atendidas. Em primeiro lugar, é preciso
haver uma organização do trabalho prescrito, pois é necessário que haja regras para o
“jogo”, mesmo que estas sejam inadequadas e precisem ser desobedecidas,
transgredidas ou “trapaceadas”, dado que a organização prescrita do trabalho nunca é
considerada inútil para os trabalhadores (Dejours, 1993).
A segunda condição refere-se à transparência, pois em certas situações é preciso
“fraudar” o prescrito a fim de se executar uma determinada atividade, já que muitas
vezes os próprios regulamentos podem ser contraditórios e gerar “paralisia” no trabalho.
É preciso haver uma certa cumplicidade entre a equipe dos trabalhadores e seus
superiores diretos para que esta transparência possa ser respeitada. Hirata (1989),
salienta que os estudos psicopatológicos corroboram os estudos ergonômicos,
apontando para o fato de que a organização prescrita do trabalho nunca é respeitada,
resultando sempre num compromisso que surge de uma negociação entre coletivo de
chefia e coletivo de execução.
3.4. A DINÂMICA DO RECONHECIMENTO
Ainda no tocante às condições de mobilização, uma terceira condição passa pelo
processo de reconhecimento, o qual é obtido através da relação contribuição –
retribuição, esta sendo de natureza fundamentalmente simbólica (Dejours, 2004). Para o
autor, esse reconhecimento pode ser explicado em duas dimensões:
42
•
no sentido de constatação, isto é, aquele que é representado pela
contribuição individual do trabalhador e que está ligada à organização do
trabalho. É preciso deixar claro que este tipo de reconhecimento faz com
que o trabalhador entre em confronto com as resistências hierárquicas,
reconhecendo por sua vez, certas imperfeições técnicas, tais como falhas
na organização do trabalho prescrito, acarretando, conseqüentemente,
receio por parte dos dirigentes e responsáveis.
•
no sentido de gratidão pela contribuição oferecida pelos trabalhadores à
organização do trabalho. Apesar de ser considerada também uma
dimensão do reconhecimento, é um tipo pouco constatado e concedido
com muita parcimônia.
Ainda segundo o autor, o reconhecimento somente se dá a partir da reconstrução
rigorosa dos julgamentos, os quais dizem respeito ao trabalho realizado pelos atores
específicos engajados na gestão do coletivo da organização do trabalho.
Apontamos os diferentes tipos de julgamento:
•
o julgamento de utilidade, proferido pela hierarquia superior ou pelos
subordinados (linha vertical), a respeito da conduta e eficácia do
trabalhador, podendo, eventualmente, também ser proveniente dos
clientes;
•
o julgamento de estética (de beleza ou de originalidade), relativo ao
julgamento feito pelos próprios pares, colegas ou membros da equipe
(linha horizontal), quanto à qualidade do seu feito; este
tipo de
julgamento é considerado por Dejours como sendo o mais importante,
devido ao fato de que os pares, por conhecerem mais em detalhes as
43
condições e dificuldades do ofício, conseguem valorizar muito mais a
beleza de um trabalho bem realizado.
Apesar de distintos, na opinião do autor, estes tipos de julgamento convergem
para um ponto em comum: o trabalho realizado, ou seja, “sobre o fazer e não sobre a
pessoa” (Dejours, 2004, p.73). O julgamento realizado pelos pares desperta, também,
um sentimento de pertencer a um coletivo ou comunidade de trabalho, contribuindo
para a formação da identidade do trabalhador. Este ponto crucial é fundamental para o
aprofundamento dos estudos de Dejours a respeito da discussão sobre a saúde mental,
pois o reconhecimento possibilita a construção por parte dos sujeitos do sentido no
trabalho, devido ao seu caráter simbólico.
De acordo com Dejours (2004), o caráter simbólico do reconhecimento é
advindo da produção do sentido conferido à vivência no trabalho. Logo, “o sentido que
dá acesso ao reconhecimento é o do sofrimento no trabalho”, proveniente do “conjunto
de constrangimentos sistêmicos e técnicos” (p.74).
O autor ressalta que o trabalho desempenha um papel de fundamental
importância na construção da identidade do trabalhador, representando um alicerce para
a sua saúde mental e somática.
3.5. O PRAZER NO TRABALHO
Partindo-se do princípio de que o sujeito não vivencia no trabalho apenas dor e
sofrimento, mas também prazer, apesar de não estarem apresentados num continuum,
Dejours e Abdoucheli (1990) afirmam que o sofrimento pode ser tanto do tipo patógeno
quanto criativo, e decorrente de conquistas permanentes. No entanto, os autores ainda
44
nos trazem que o sofrimento criativo não é sinônimo de prazer, pois isto somente é
possível através da transformação da capacidade de subverter o sofrimento em favor da
criatividade.
Faz-se mister esclarecer que, caso a organização do trabalho não venha a
possibilitar o uso dos recursos de mobilização da inteligência prática e a existência da
dinâmica do reconhecimento, a transformação do sofrimento em prazer não se realiza.
Segundo os autores, a luta contra o sofrimento está relacionada à questão do
sentido no trabalho, percorrendo um caminho que produz um benefício para a
identidade e para a saúde mental, já que o prazer e o sofrimento são considerados
vivências subjetivas, que implicam um ser de carne e um corpo onde ele se exprime e se
experimenta, assim como a angústia, o desejo, o amor, etc.
Segundo Dejours (1992), caso a relação do trabalhador com a organização do
trabalho seja considerada favorável, ao invés de conflituosa, é possível que isso seja
decorrente de uma das situações abaixo:
•
o trabalhador considera que as exigências intelectuais, motoras ou
psicossensoriais da tarefa estão de acordo com as suas necessidades,
gerando nele um “prazer de funcionar”;
•
o conteúdo do trabalho é proveniente de uma fonte de satisfação
sublimatória; situação rara se comparada à maioria das atividades, pois o
trabalhador tem o privilégio de conduzir o seu ritmo de trabalho e modo
operatório. Como exemplo, o autor cita os pesquisadores que, apesar de
sofrerem pelos sacrifícios materiais, encontram, no prazer pelo trabalho,
uma melhor defesa.
45
Para Dejours (2004), a sublimação é um processo esplêndido, que ao ser
atingido, possibilita a transformação do sofrimento em prazer, reforçando a oposição do
sofrimento ao masoquismo. Segundo Vieira (2005), é possível dizer que o trabalhador
se experimenta e se transforma através de suas descobertas e de suas invenções.
O reconhecimento pode ser um aliado na construção do sentido do trabalho,
favorecendo e contribuindo para que o indivíduo atinja suas expectativas quanto à
realização pessoal, edificando sua identidade no campo social. Em conseqüência disso,
o reconhecimento ainda pode estimular a transformação do sofrimento em prazer
(Dejours, 2004).
No entanto, segundo o autor, se o reconhecimento for direcionado à pessoa do
trabalhador e não à sua obra, isto implica um desconhecimento acerca de seu
sofrimento, de seu mérito, colocando em risco toda a complexidade da relação
sofrimento-prazer.
46
CAPÍTULO II
A REESTRUTURAÇÃO DO TRABALHO BANCÁRIO
1. A CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
Zamberlan e Salerno (1987, p.177) apresentam a “melhor” definição de bancos,
sob o ponto de vista empresarial: “são empresas que tomam recursos através de um
sistema de captação para proceder a uma posterior aplicação, estabelecendo para isto,
algumas normas de trabalho e utilizando-se de alguns instrumentos”. Nesse sentido, a
figura do cliente surge como uma peça fundamental para a concretização deste processo
(captação/aplicação), considerado como o começo e o fim da linha.
Ao longo dos anos, o processo de trabalho nos bancos vem sofrendo profundas e
rápidas modificações decorrentes das diversas mudanças tecnológicas e organizacionais
que ocorrem no seu dia-a-dia (Brandimiller, 1994). Para Merlo e Barbarini (2002), essa
progressiva modificação é verificada seja na infra-estrutura disponibilizada a clientes e
funcionários, em termos do funcionamento interno das agências, seja quanto à forma de
tratamento dado aos clientes e até mesmo quanto à natureza dos produtos ofertados,
conforme apresentamos a seguir.
47
1.1. DA DÉCADA DE 60 AO FINAL DA DÉCADA DE 80: O INÍCIO DAS
MUDANÇAS
O início da década de 60 marcou uma época em que os bancos brasileiros
iniciavam uma trajetória de transformações constantes, visando à manutenção da
lucratividade em um mercado extremamente competitivo, fazendo com que a principal
estratégia fosse uma maciça captação de clientes, acarretando numa multiplicação do
número de agências bancárias (Campello & Silva Neto, 1996).
Após a reforma bancária de 1964, houve um acréscimo no volume de serviços
prestados pelos bancos devido ao crescimento econômico e à diversificação dos
serviços prestados, dentre os quais recebimento de tributos, contribuições da
previdência social, operações de cobrança, venda de seguros, administração de diversos
tipos de investimentos, além de oferecer linhas de crédito e outros serviços (Merlo &
Barbarini, 2002).
No final dos anos 60, como nos lembra Garcia (1999), a flexibilidade que existia
nos sistemas de relações de trabalho ressurgia como o meio mais eficaz para justificar o
aumento do grau de exploração da capacidade do trabalhador. Ocorreram pressões
políticas por parte das empresas quanto às novas formas de gestão e uso da mão-deobra, estruturas de remunerações e processos de admissão e dispensa, além de uma certa
agilização para que se acelerasse o processo de informatização. Caracterizava-se, assim,
o período de implantação de computadores de grande porte em centros de
processamento de dados ou CPD’s (Brandimiller, 1994).
Para Garcia (1999), a consolidação dessas novas formas de relações de trabalho
não se deu de forma pacífica e espontânea, ocorrendo uma resistência por parte dos
48
trabalhadores e um crescimento do movimento sindical nas economias avançadas,
possibilitando o amadurecimento dos processos de barganha coletiva. Foi em meio a
esse contexto que surgiu o sindicalismo no setor bancário, passando a ser idealizado
como um instrumento dos trabalhadores na luta de classes e refletindo num conflito de
interesses entre os trabalhadores e os capitalistas.
Dentre as diversas mudanças nas relações de trabalho ocorridas naquela época, a
redução da jornada de trabalho sem perda salarial passou a ser avaliada e foi citada pela
autora como sendo a reivindicação mais antiga dos sindicatos. Esta bandeira sindical,
iniciada na Europa Ocidental como uma solução para o chamado desemprego
tecnológico proveniente da informatização, surgiu como uma tendência a se generalizar
por toda a classe trabalhadora. Após a conquista da redução da jornada de trabalho sem
perdas salariais, a luta da categoria sindical passou a girar em torno das
regulamentações do trabalho assalariado no país.
1.1.1 A INFORMATIZAÇÃO
O final da década de 70 foi marcado pelo advento da chegada dos equipamentos
informatizados conectados aos CPD’s às agências, iniciando o chamado sistema on-line
(Brandimiller, 1994) e a automatização de boa parte das operações bancárias realizadas
pela retaguarda (Silva, Fraga, & Silva Filho, 1995).
No entanto, com a implantação do Plano Cruzado em 1986 (cujo objetivo era a
estabilização da economia, a contenção da inflação e dos lucros financeiros), iniciou-se
uma intensa reestruturação operacional nos bancos (Merlo & Barbarini, 2002). O
processo de automação bancária foi caracterizado por uma universalização e agilização
49
do sistema on-line, além da busca pela redução de custos operacionais e da
intensificação do uso do capital instalado (Brandimiller, 1994). Pereira e Crivellari
(1991, p. 108) apontam que este período foi caracterizado por uma “redução do
emprego em números absolutos, como conseqüência da automação bancária”, contrabalanceada pela expansão do sistema financeiro.
Os equipamentos instalados, os chamados caixas automáticos, seriam capazes de
fornecer ao cliente desde o saldo em conta corrente até o valor atualizado dos
investimentos em fundos, poupança, etc. Além disso, já era possível efetuar saques,
receber talões de cheques ou realizar transações do tipo transferência de valores de uma
agência para qualquer outra no país (Malaguti, 1996).
Os bancos optaram por uma racionalização e otimização do uso da informática,
pelo fechamento de agências, pela exclusão de contas pequenas (consideradas nãorentáveis) e demissões progressivas de funcionários (Merlo & Barbarini, 2002). Dessa
forma, essa etapa foi caracterizada pela intensa instalação de terminais de atendimento
para uso direto dos clientes, nas agências e fora das mesmas (Brandimiller, 1994). O
processamento mais rápido das informações, numa visão empresarial, era um atrativo
para os clientes, além de gerar uma imagem positiva para o banco, configurando-o
como sendo mais confiável, ágil e moderno (Campello & Silva Neto, 1996).
Segundo os autores acima, as alterações implementadas com a informatização
trouxeram uma série de vantagens para a empresa: redução do tempo necessário à
execução das operações, dispensa de mão-de-obra da retaguarda (serviços de
compensação) e redução de custos, entre outras. Com isso iniciou-se uma etapa de
maciça redução do número de empregados do setor bancário e o investimento feito em
automação passou a ser encarado como primordial ao bom desempenho do banco no
mercado.
50
No entanto, os funcionários não viam a situação da mesma maneira que a
empresa. Os autores citam que, na opinião dos bancários, o processo de automação
estava transformando drasticamente o seu trabalho, acarretando num acréscimo do
volume de trabalho individual e da padronização das tarefas, além de aumentar o
controle sobre os tempos e qualidade dos serviços prestados.
1.1.2. A MUDANÇA DE STATUS DA PROFISSÃO
Várias modificações também ocorreram quanto ao status da profissão de
bancário. Lembramos, por exemplo que, nos anos 40 e 50, exigia-se que os
trabalhadores tivessem um diploma de contabilidade para poderem ingressar na carreira
de bancário (Zamberlan & Salerno, 1987) e até os anos 60, os mesmos dominavam um
conhecimento vasto sobre todo o trabalho desempenhado dentro do banco (Segnini,
1998). Merlo e Barbarini (2002) citam que, devido às mudanças que ocorreram no
âmbito do cenário econômico, entre os anos 70 e 80, os bancários passaram a ter seu
trabalho fragmentado e a atuar de forma rotineira, convivendo com uma alta taxa de
rotatividade.
Devido às inovações introduzidas pelo processo da automação, os bancários
viam sua profissão se desqualificando (Silva et al., 1995). O funcionário mais antigo,
antes detentor de saberes da contabilidade, começava a ser substituído por trabalhadores
novatos, cujo nível de conhecimento exigido era bem menor. E já no início da década de
90, o trabalho bancário passava a ser executado por jovens sem expectativas de
permanecer na atividade, contribuindo assim para uma degradação do status da
profissão (Merlo & Barbarini, 2002).
51
1.2. O INÍCIO DA DÉCADA DE 90: A INTENSIFICAÇÃO TECNOLÓGICA
Garcia (1999, p.4) cita que “as pressões por uma maior flexibilização das
relações de trabalho se intensificaram na década de 1990, motivadas pelo processo de
abertura econômica, que impôs a necessidade de uma reestruturação em todos os setores
da economia brasileira”. No entanto, as relações de trabalho vigentes até então no país
não se mostravam tão rígidas, elas eram caracterizadas por um elevado turn-over (taxa
de rotatividade) da mão-de-obra, reduzido quadro de pessoal permanente e baixos níveis
salariais, ao mesmo tempo em que eram assegurados direitos legais que, inicialmente,
dizia-se servir como objeto compensador para os baixos níveis de remuneração.
Assim, segundo a autora, a década de 90 teve seu início marcado por evidentes
mudanças no mercado de trabalho, tanto no Brasil, quanto no exterior, com tendências
ao enxugamento do quadro de pessoal nas grandes empresas, tudo isso sob um regime
de trabalho marcado pela instabilidade no emprego e por baixos níveis salariais. Foi
nesse período que a disseminação dos processos de automação microeletrônica e de
terceirização aconteceu, contribuindo para o agravamento da redução do emprego no
setor bancário.
Através de um alto investimento realizado e de inovações nos processos técnicos
e organizacionais, privilegiando a aliança entre a redução de tempos improdutivos e a
ideologia da qualidade ou excelência empresarial (Pereira & Crivellari, 1991), a
automação possibilitou que muitas transações bancárias fossem realizadas fora do
ambiente interno dos bancos, permitindo, através da microinformática, que os clientes
fizessem operações através de conexões diretas com o banco (home-baking, office-
52
baking, internet-baking) ou mesmo através de salas de auto-atendimento, localizadas
fora da agência (Merlo & Barbarini, 2002).
Os caixas automáticos foram instalados de forma rápida e crescente, e isso,
segundo os autores, acarretou modificações estruturais físicas às agências, diminuindo
seus tamanhos e transformando-as em pontos de negócios com atividades altamente
especializadas.
Durante esse período, Malaguti (1996) realizou uma pesquisa na cidade de
Campina Grande, PB, objetivando a apreensão dos aspectos norteadores da
reorganização do trabalho bancário. Conforme a apresentação de um dos seus relatos,
alguns gerentes de bancos acreditavam que as tecnologias microeletrônicas foram
introduzidas no cotidiano dos bancários a fim de criar uma dinâmica de racionalização,
ou seja, “elas vieram para facilitar a vida dos clientes, agilizar os serviços e liberar os
funcionários das atividades rotineiras” (p. 55), redirecionando seus esforços produtivos
para atividades mais criativas e que dependessem mais da iniciativa ou do contato
humano (como era o caso da venda de seguros).
No entanto, segundo o autor, a opinião dos caixas bancários divergiam
completamente da sua gerência, pois o que mais chamava a atenção dos mesmos era o
fato de os clientes encontrarem dificuldades no manuseio dos equipamentos eletrônicos,
principalmente aqueles mais humildes e sem muita ou nenhuma instrução (analfabetos),
além, é claro, dos idosos. Quanto ao redirecionamento dos esforços para atividades mais
criativas, na prática existia uma enorme distância entre o discurso e a realidade da
informatização, já que esta não se efetuava para permitir um trabalho mais criativo e
gratificante por parte dos funcionários, além de que, na visão dos caixas, também não se
pretendia que ela propiciasse a agilização dos serviços bancários em geral.
53
Na compreensão de Malaguti, a modernização tecnológica dos bancos por ele
pesquisados promoveu não apenas um clima de insatisfação entre os bancários, como
também um clima de enorme tensão frente à instabilidade do emprego, já que, para eles,
a informatização identificava-se com trabalho mais intenso e rotinizado (banal, como
muitos
classificam),
além
do
acréscimo
de
horas
extras
trabalhadas
e,
conseqüentemente, um atendimento menos personalizado e eficiente ao cliente.
Segundo o autor, referindo-se à fala de um gerente quanto à inovação tecnológica, “o
computador não desqualifica o bancário; ele simplesmente torna a qualificação
supérflua” (p.68).
1.3. O PLANO REAL (1994)
Um dos maiores propulsores para o início das mudanças qualitativas no setor
bancário, ocorreu após a implantação do Plano Real, em 1994, causando, inclusive,
transformações importantes na organização do trabalho, tais como dispensa de pessoal e
novas formas de gestão do trabalho, além das exigências sobre a qualificação e
comprometimento dos bancários (Merlo & Barbarini, 2002). Ou seja, aprofundou
internamente o processo de reestruturação inscrito anteriormente, com reflexos
diretamente no âmbito do trabalho, de mudanças nas suas relações e na forma de
desemprego (Garcia, 1999).
Milhões de trabalhadores, como bem situa Jinkings (2004), foram atingidos pela
reestruturação do mercado de capitais. No entanto, foi a categoria dos bancários que
vivenciou de modo singular essas transformações, já que está vinculada diretamente aos
movimentos que são comandados pelo capital financeiro.
54
O processo de concentração bancária nesse período foi acelerado e motivado
pelo processo de privatização dos bancos estaduais e pela abertura ao capital externo
(Garcia, 1999). A autora cita que foi implantado, na prática, o novo ajuste estrutural
empreendido para o setor, o qual foi baseado em três frentes de ação: demissões em
massa, acompanhada do fechamento de agências; automação dos serviços de
atendimento ao público e aumento de contratação de mão-de-obra terceirizada. Dessa
forma, na opinião de banqueiros, o impulso das atividades de negócios passou a ser uma
condição prioritária para a sobrevivência dos bancos (Jinkings, 2004).
Além da modificação da estrutura física, a estrutura organizacional e a forma de
gestão das agências também passaram por algumas mudanças, principalmente no
tocante ao modo de trabalhar em equipe, dando maior poder decisório aos trabalhadores
e uma especial atenção à qualidade no atendimento ao cliente. A maior tendência, no
entanto, foi a diminuição dos níveis hierárquicos, passando a existir apenas os níveis de
gerente e atendente (Merlo & Barbarini, 2002).
Os autores relatam que as exigências anteriores sobre as quais o trabalho
prescrito do bancário deveria ser seguir fielmente o manual, já não eram mais
suficientes. Após a implantação do Plano Real, e diferentemente da desqualificação
brutal decorrente da informatização iniciada no final dos anos 70, o trabalhador
bancário foi levado a desenvolver novas competências requeridas pelas demandas
introduzidas a partir deste período, configurando-se num movimento cuja tendência
predominante apontava para um outro tipo de qualificação, a fim de poder cumprir com
suas novas funções. Com efeito, ele deveria ter amplo conhecimento do mercado
financeiro, dominar a tecnologia que possibilitava a simulação de operações financeiras,
ter habilidade de relacionamento com clientes e com a equipe de vendas, além de saber
lidar com as tarefas não prescritas.
55
Segundo Jinkings (2004), a reorganização do sistema bancário brasileiro
implicou em profundas modificações nos ambientes laborais, acarretando numa
devastadora diminuição da população trabalhadora do setor. Em sua pesquisa, a autora
relata os dados fornecidos pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Sócio-Econômicos) de 2001, o qual registrou que “dos cerca de um milhão de
bancários regularmente contratados no setor, em meados da década de 1980, restavam
388 mil ao término do ano 2000”.
1.4. O NOVO MILÊNIO
O novo milênio foi marcado pela invasão do suporte teleinformático no sistema
bancário, fato que provocou um grande desligamento do pessoal envolvido com os
grandes centros de processamento de dados, de serviços e de compensação. Além disso,
a progressiva difusão do cartão magnético, em substituição ao papel-dinheiro,
transformou as agências bancárias em lojas informatizadas de produtos e serviços
financeiros (Jinkings, 2004).
Segundo a autora, uma nova fase se iniciava no sistema bancário caracterizada
como uma estratégia de diferenciação mercadológica que visava à venda de produtos e
serviços financeiros: a era da excelência do atendimento. Essa estratégia deveria ser
executada pelo bancário-vendedor, que já estaria capacitado a oferecer um atendimento
integral ao cliente e a negociar os produtos e serviços disponibilizados pelo banco,
objetivando atingir as metas impostas pela sua gerência. No entanto, esse fato gerou
uma verdadeira redefinição da identidade dessa categoria profissional.
56
A pressão exercida por parte da supervisão burocrática para um aumento da
produtividade e da intensificação do trabalho, resultou num sistema de remuneração
variável, maximizando, por sua vez, a exploração do trabalho e conduzindo os
trabalhadores a manterem relações de convivência tensas nos ambientes laborais.
Especificamente, tratando-se dos caixas executivos (nomenclatura aplicada aos
caixas durante a primeira fase da informatização bancária), Jinkings (2004, p. 236) narra
que “a jornada diária segue marcada pela sobrecarga de trabalho e pela tensão
permanente expressa no medo de diferenças de caixa”. Esse ponto de vista, corroborado
por Brandimiller (1994), aponta para a evidência de ser requerido desses trabalhadores
um elevado grau de atenção, quaisquer que fossem as operações realizadas.
Esta atenção permanente e concentrada gerava infortúnios, como era o caso dos
erros e faltas no fechamento do caixa. Além do mais, como bem se refere Malaguti
(1996), devido ao fluxo intenso das filas, os caixas são (ou sentem-se) constrangidos em
atender um vasto número de clientes num curto intervalo de tempo, acelerando o ritmo
de trabalho (Campello & Silva Neto, 1996) e reduzindo, ou pior, não respeitando o seu
direito a efetuar intervalos (pausas) de 10 minutos a cada 50 minutos trabalhados
(Brandimiller, 1994). Portanto, destaca-se daí um dos fatores geradores da tensão,
acabando por contaminar o tempo livre de trabalho (Jinkings, 2004).
No entendimento de Campello e Silva (1996), portanto, a atividade laboral dos
caixas é normatizada, executada de forma repetitiva e com poucas alternativas para
modificações, não possibilitando, portanto, a expressão da criatividade. Ela exige dos
trabalhadores um grande esforço para a adaptação, transformando-se num dos fatores de
risco para o sofrimento mental e desgaste físico.
57
2. AS MUDANÇAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
2.1. A “DESHIERARQUIZAÇÃO”4
As práticas de aumento da produtividade e da intensificação do trabalho,
pautadas numa tentativa de seguir os critérios patronais de competência, acarretam uma
série de agravos às condições de saúde dos bancários. Como exemplo, Jinkings (2004,
p. 221) cita o caso dos Programas de Desligamento Voluntário (PDV), que impulsiona
ainda mais a extinção de postos de trabalho e a redução do contingente físico,
implicando numa “disseminação do medo e da ansiedade nos locais de trabalho”.
Conforme sugere Malaguti (1996), a mobilidade funcional e espacial é resultante
de um processo que visa à diminuição de chefias (relativização das hierarquias),
objetivando uma forma de agilizar as tomadas de decisões. Os Cursos de
Aperfeiçoamento começaram a ser criados pelos bancos, a fim de darem suporte à
“deshierarquização” e aos novos processos de diversificação das atividades
desempenhadas pelos bancários. No entanto, para Merlo e Barbarini (2002), estes
cursos, apesar de promoverem um aumento da qualificação dos bancários, em
4
O termo “Deshierarquização” é utilizado por Malaguti (1996) e, por este motivo, repetimos a grafia
apesar de não constar no dicionário.
58
contrapartida aumentavam a carga de trabalho e pressões, pois os treinamentos eram
realizados (muitas vezes) fora do horário de trabalho e em finais de semana.
Além disso, grande parte das requalificações, que anteriormente eram
promovidas pela empresa, passou a ficar sob a responsabilidade do próprio bancário e
tornaram-se pré-requisitos para promoções, novas contratações e até para a sua
manutenção no emprego.
2.2. A INSERÇÃO FEMININA NO SETOR BANCÁRIO
Conforme Segnini (1998), a inserção da mulher no trabalho bancário se deu,
sobretudo, em tempo parcial e majoritariamente na função denominada escriturária.
Porém, desde o final da década de 60, os bancos estatais convencionaram-se a realizar o
seu processo de seleção de funcionários via concurso público, numa tentativa de se
impedir as práticas discriminatórias no trabalho, o que passou a ser uma determinação
legal.
A intensificação do trabalho feminino nos bancos se desenvolveu durante o
processo de transformações que o sistema bancário brasileiro experienciou, quando da
implementação da informatização. Porém, foi apenas no final dos anos 90 que o
crescimento da participação das mulheres tomou um impulso, fato provocado pelas
mudanças organizacionais que privilegiavam o atendimento aos clientes (Segnini, 1994;
2001).
Ao se referir apenas à categoria dos caixas bancários, Mouliin (1997) aponta em
sua pesquisa que, de acordo com dados do DIEESE/Sindicato dos Bancários de São
Paulo (1997), o percentual de mulheres bancárias, que em 1990 era de 42,66%, subiu
59
para 46,37% em 1996, mesmo considerando-se um declínio na empregabilidade dos
bancários, equivalente a 25,78%, no mesmo período.
3. O TRABALHO DO CAIXA BANCÁRIO
Há alguns anos e ainda hoje em dia, percebemos que as atividades bancárias, e
ainda mais especificamente a atividade dos caixas bancários, são executadas de forma
rotineira, parcelada e repetitiva (Zamberlan & Salerno, 1987). Segundo os autores, os
documentos são manipulados via um fluxo pré-estabelecido, tornando-se cada vez mais
evidente o uso de processamentos eletrônicos como uma vantagem na execução de
determinados serviços.
Os caixas bancários, de acordo com as observações dos autores, geralmente
posicionados na chamada ponta da linha das agências, juntamente com a equipe da
retaguarda (suporte aos serviços desempenhados pelos caixas), prestam serviços de
atendimento diretamente ligados aos clientes, envolvendo valores, recebimentos e
pagamentos.
Silva et al. (1995) relatam que a implantação da informatização refletiu na
função do caixa bancário quanto à sua condição dentro da empresa, passando este a ser
executivo.
Antes da automatização dos sistemas de processamento de dados, a atividade
dos caixas bancários era norteada pelo tamanho da fila de clientes (alvo de pressão) e
sua produtividade era mensurada pela quantidade de autenticações efetuadas e
registradas numa fita do terminal do computador (Jinkings, 2004). De acordo com
Campello e Silva Neto (1996) a jornada de trabalho desse segmento de bancários é
60
dividida em três momentos fundamentais: compensação, atendimento ao público e
fechamento do caixa. O crescimento no volume de trabalho na década de 90, não
provocou um incremento proporcional do número de empregos oferecidos no setor,
muito pelo contrário, pois na medida em que o trabalho tornava-se cada vez mais
desqualificado e desvalorizado, o índice de desemprego e depreciação do salário
também crescia.
Conforme os autores, com o passar do tempo, algumas das atividades dos caixas,
como fazer o trabalho de compensação, foram repassadas aos outros setores dentro da
agência, como a retaguarda, por exemplo. Como cita Malaguti (1996), os caixas
bancários já foram chamados de gerentes de clientes, em decorrência do processo de
relativização das hierarquias. Estes profissionais começaram a trabalhar com
computadores sofisticados e caracterizavam-se por uma aparência impecável, atuando,
muitas vezes, como vendedores de seguros e assessores para investimentos. Segundo
Jinkings (2004, p. 235-236), “um comportamento cortês e servil ao cliente era exigido
desse trabalhador, que, todavia, deveria seguir normas (muitas vezes extremamente
rígidas) relativas a tempo de atendimento e exigências de produtividade”.
A autora relata um estudo de Dressen e Roux-Rossi, cujas análises feitas em
bancos franceses apontam para um declínio da cultura administrativa, na qual o
trabalho dos bancários está vinculado a tarefas rotineiras e ao tratamento impessoal.
Vislumbra-se uma nova etapa da organização bancária, na qual se privilegia a cultura do
bancário em contato com o cliente. Surge assim o bancário-vendedor.
Hoje em dia, ainda em decorrência desta prática de mudanças organizacionais,
desde o dia 01 de Janeiro de 2006, a Caixa Econômica Federal assumiu o compromisso
de extinguir as funções de confiança de caixa flutuante e caixa executivo, criando um
cargo em comissão, cuja nova nomenclatura é a de “caixa de ponto de venda” (como
61
são conhecidas administrativamente as agências bancárias), segundo informações
retiradas do site da Federação dos Bancários do Estado do Pará (2006).
De acordo com o site da Federação dos Bancários do Rio Grande do Sul (2006),
a criação do Caixa PV visa à redução de vagas previstas para Caixas bancários e
promove o corte no número atual desta função em várias unidades, algumas com
redução de até 50%.
Para os bancos, na opinião de Zamberlan e Salerno (1987), a maior fonte de
incerteza é o movimento dos clientes dentro da agência, fato que não pode ser
controlado diretamente pela administração bancária. Os autores comentam que, segundo
suas observações, os clientes são os responsáveis diretos pela dinâmica da agência, pois
sua chegada provoca alterações no ritmo de trabalho. Inicia-se, então, uma ação
intensificada quanto à função de atendimento, ou seja: atrair clientes e apresentar
menores filas nos guichês de caixas e balcões.
Segundo os autores, o movimento dos clientes e os tempos considerados
necessários para se desempenhar uma determinada função, passar a servir de dados
estatísticos para que os bancos definam um número ótimo de pessoas necessário em
cada agência. No entanto, este número ideal nem sempre é respeitado, muitas vezes
sendo precário e inadequado ao atendimento ao público.
É de fundamental importância ressaltar o que observam Zamberlan e Salerno
(1987) em suas pesquisas quanto à relação cliente/caixa/banco: a pressão que os clientes
exercem sobre os caixas ao requisitarem as suas demandas pessoais acarreta uma maior
velocidade com que estes executam suas atividades. No entanto, os autores indicam que
os estudos que tentam dimensionar o número ideal de funcionários por agência,
tomando por base o movimento dos clientes, obtêm como conseqüência a geração de
62
um processo de pressão sobre os bancários, tornando o ritmo de trabalho mais
intensificado, tudo isso aliado a uma tentativa de não prejudicar o atendimento ao
público e nem denegrir a imagem do banco perante este.
Campello e Silva Neto (1996) lembram ainda que a função de caixa é
considerada uma função técnica com procedimentos normalizados e mesmo que o caixa
esteja subordinado a todas as chefias, ele tem o direito de negar-se a cumprir uma
determinada ordem que venha a desrespeitar as regras gerais da empresa, submetendose a obedecê-la, caso a gerência se responsabilize pelas conseqüências.
Devido à forte pressão da administração superior quanto ao atingimento das
metas, à quantidade de autenticações e à venda de produtos, a jornada diária de trabalho
de um caixa executivo configura-se por uma sobrecarga e por uma tensão permanente
expressa pelo medo das diferenças de caixa (Jinkings, 2004). Para Xavier e Motta
(1995), os bancários são acometidos por um tipo particular de sofrimento mental,
provocado por fatores relacionados aos ambientes laborais e que os enquadra mais
especificamente nos distúrbios psicofisiológicos.
Campello e Silva Neto (1996, p. 124) resumem muito bem o que ocorre
administrativamente quando a jornada diária de trabalho do caixa executivo se encerra e
chega a hora de executar o fechamento do caixa:
“No fechamento do caixa, após o atendimento ao público,
o caixa deve proceder à conferência dos valores
registrados
no
terminal,
juntando
os
documentos
comprobatórios das operações e a fita de autenticação. Se
houver diferença no caixa, para além do valor somado e
comprovado, deve esse valor ficar em poder do banco; se
63
houver falta de dinheiro, o caixa deve restituir esse valor
ao banco, do próprio bolso.” (frisos nossos)
Houve tempo em que, segundo Zamberlan e Salerno (1987), o trabalho bancário
era tido como limpo, intelectual, ou seja, o trabalho bancário transmitia uma imagem de
que se realizava dentro de um “ambiente limpo, não insalubre ou perigoso” (Campello
& Silva Neto, 1996, p. 113), isto se comparado às condições às quais estavam expostos
os trabalhadores de atividade tais como a metalurgia ou a construção civil. Todavia, na
concepção destes autores, é cada vez mais crescente a quantidade de problemas de
saúde gerados pelo trabalho dentro de agências bancárias, principalmente após o
advento das novas tecnologias, como a informatização.
Em nosso estudo, priorizamos apreender a relação trabalho e saúde mental de
caixas bancários de agências da Caixa Econômica Federal, da cidade de João Pessoa –
PB, voltando nossa atenção, principalmente, para as vivências subjetivas de prazer e
sofrimento destes trabalhadores.
4. O BANCO ESTATAL PESQUISADO
De acordo com informações retiradas do site oficial da Caixa Econômica Federal
(2006), este órgão foi criado no ano de 1861, por decreto do Imperador Pedro II, e tinha
como finalidade conceder empréstimos e incentivar a poupança. Naquela época, o
objetivo principal era tornar a instituição um cofre seguro para as classes menos
favorecidas.
Após a Revolução de 30, o referido banco passou a operar com a carteira
hipotecária, que se destinava à aquisição de bem imóvel, além de operar com
64
empréstimos em consignação. No entanto, em meados da década de 80 a instituição
começou a absorver entes públicos, como foi o caso do Banco Nacional de Habitação,
sendo considerado o maior agente nacional de financiamento da casa própria, além de
ser um financiador do desenvolvimento urbano, especialmente do saneamento básico.
Em pouco tempo começou a sedimentar estreitas relações com a população,
realizando atendimentos de necessidade imediatas, tais como: poupança, penhor, crédito
consignado, operação do FGTS, PIS, seguro-desemprego, crédito educativo, casa
própria, renda mínima, além de alimentar o sonho da riqueza, por meio das Loterias
Federais.
Nos últimos anos, por delegação do Governo Federal, começou a implementar
programas sociais de transferência de benefícios a parcelas pobres da sociedade, indo
aos lugares mais longínquos do Brasil e propiciando a inclusão bancária de milhões de
cidadãos. Segundo o discurso oficial, busca promover uma melhoria contínua na
qualidade de vida da sociedade, atuando, prioritariamente, no fomento ao
desenvolvimento urbano e nos segmentos de habitação, saneamento e infra-estrutura, e
na administração de fundos, programas e serviços de caráter social.
Além disso, a atuação da Caixa Econômica Federal também se estende aos
teatros, salas de aula e pistas de corrida, buscando sempre apoiar iniciativas artísticoculturais, educacionais e desportivas.
É considerado o maior banco público da América Latina e, segundo seu site
oficial, sua base de clientes foi expandida em 42% entre os anos de 2003 e 2006,
passando de 23,1 milhões para 33,6 milhões de pessoas. Além disso, mais de 3 milhões
de pessoas passaram a fazer parte do sistema bancário brasileiro por meio do programa
de conta simplificada, sendo esta portanto, a maior inclusão bancária do país.
65
A rede de atendimento deste banco é, atualmente, a maior do país, pois abrange
todos os 5.561 municípios brasileiros, chegando a ter mais de 17 mil pontos de
atendimento entre agências, lotéricas e correspondentes bancários.
De acordo com o site da Caixa, ela ainda oferece terminais eletrônicos, Banco
24h, Caixa Rápido, débito automático, atendimento telefônico e o Internet Banking
Caixa, além do Caixa Internacional criado exclusivamente para atender aos brasileiros
emigrados que desejem fazer suas remessas de recursos ao país.
4.1. AS AGÊNCIAS DO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA
Localizadas nos mais diversos bairros da cidade de João Pessoa, PB, as oito5 (de
um total de dez) agências da Caixa Econômica Federal estão caracterizadas6 quanto:
•
ao porte ou estrutura física: quatro de pequeno porte, três de médio porte
e as outras três de grande porte;
•
à quantidade de guichês7: as agências de pequeno porte mantém até três,
as de médio porte de três a quarto e as de grande porte de cinco a oito
guichês.
Em relação ao aparato físico, de um total de quarenta e dois guichês,
constatamos a presença de apenas 33 caixas bancários efetivamente trabalhando e
desses, 14 participaram voluntariamente da nossa investigação.
5
Agências onde trabalham os voluntários da pesquisa.
Ver anexo 3, Mapa de Caracterização das Agências.
7
Locus de trabalho do caixa bancários e onde o público se comunica com o mesmo.
6
66
CAPÍTULO III
A METODOLOGIA DA PESQUISA
1. A PERSPECTIVA METODOLÓGICA
No âmbito das organizações torna-se marcante a influência do trabalho sobre a
subjetividade de quem o executa com implicações na saúde dos trabalhadores (Dejours,
1992). Para Neves, Athayde e Muniz (2004), corroborando com Dejours, não é possível,
entretanto, conceber a idéia de que as condições de saúde para os trabalhadores estão
garantidas num local de trabalho ideal. Isso se justifica à medida que as situações se
modificam e que mudam também os desejos e perspectivas de conquistas por parte dos
sujeitos, demandando em condições de mobilização por novas melhorias.
Nosso interesse ao realizar esta pesquisa está em apreender a relação trabalho e
saúde mental de caixas bancários de agências da Caixa Econômica Federal, da cidade de
João Pessoa, PB, compreendendo em que medida o modo pelo qual os trabalhadores
vivenciam sua situação atual de trabalho pode ser um reflexo das mudanças
organizacionais e tecnológicas implantadas nos bancos.
Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) argumentam que as vivências subjetivas de
sofrimento e prazer no trabalho apresentam-se como objetos não quantificáveis e que a
sua avaliação deve passar por um processo de objetivação não-habitual.
Segundo Orofino e Zanello (apud González-Rey, 2002) a pesquisa deve ser feita
pela construção dinâmica, pelo intercâmbio interdisciplinar e pelo cotidiano das
vivências geradas pela relação pesquisador-pesquisado.
67
Ao realizarmos o trabalho de campo, tivemos acesso ao permanente processo de
estabelecimento de relações entre os pesquisados e seu ambiente de trabalho, assim
como verificamos a construção de eixos relevantes de conhecimento (González-Rey,
2002) dentro do cenário no qual está imerso o problema pesquisado, o que nos conduziu
a uma produção permanente de idéias.
Em nosso estudo buscamos transpor os obstáculos mais corriqueiramente
encontrados pelos pesquisadores ao analisar os dados recolhidos no campo, ou seja:
•
Minayo (2004) cita o que Bourdieu denomina de a ilusão da
transparência, ou seja, tentar eliminar o perigo da compreensão
espontânea, pois entende-se que o real nem sempre se mostra nitidamente
ao observador;
•
não sucumbir à magia dos métodos e das técnicas, buscando sempre ser
fidedigno às significações encontradas no material e nas referidas
relações sociais dinâmicas;
•
e, por último, ter um bom embasamento teórico a fim de evitar a
dificuldade de se articular teorias e conceitos abstratos com os dados
colhidos no campo.
Não nos propusemos a realizar um levantamento de dados onde somente iríamos
atribuir um significado ao acúmulo de informações produzidas na etapa de interpretação
de resultados, já que partimos do pressuposto de que, conforme apresentado por
González-Rey (2002, p. 97) “o curso da produção de informação é, simultaneamente,
um processo de produção de idéias em que toda nova informação adquire sentido para a
pesquisa”. Enquanto pesquisadoras, levamos em consideração o aspecto singular do
nosso próprio caminho interpretativo, pois este tipo de pesquisa nos diz que a
68
interpretação é vista como a base da própria ação de pesquisa, estando presente em
todas as fases da mesma, isto é: na construção das questões norteadoras, na interação
pesquisador / pesquisado e na produção e interpretação dos achados da investigação. Ao
longo do trabalho de campo, na condição de pesquisadoras, encontramos novas e úteis
informações que deram um novo significado à pesquisa, e que não foram previstas
quando da definição do problema.
Optamos, portanto, pelo uso da abordagem da pesquisa qualitativa, com
realização de trabalho de campo, onde a nossa presença como pesquisadora foi uma
constante dentro da instituição bancária, entendida como um laboratório natural
(Keyser apud Athayde, 1996) para a investigação da atividade de trabalho e saúde dos
caixas bancários.
De acordo com Athayde (1996), a atividade de trabalho, vista como objeto de
pesquisa, possui certas características originais:
•
é um objeto que não foi dado, mas constituído/reconstituído com os
sujeitos envolvidos no trabalho;
•
não pode jamais ser apreendido diretamente, pois é através do diálogo e
da confrontação dos pontos de vista que a representação da atividade é
construída, assim como seus processos subjacentes e conseqüências
experimentadas pelos sujeitos sobre a sua saúde e sua vida fora do
trabalho;
•
é um processo e não, como pensava-se, um objeto estabilizado, ao
contrário dos produtos desta atividade, como a performance (quantidade
e qualidade do trabalho).
69
Ao apreender que os trabalhadores elaboram os seus próprios modos operatórios,
Guérin et al. (2001) evidenciam a importância dada à observação da atividade em uma
situação real de trabalho, visto que esta possibilita a realização de uma análise do
trabalho real num cenário marcado por variabilidades da produção e por
constrangimentos temporais impostos pelas condições de trabalho, conforme vimos no
capítulo I desta dissertação. Segundo os autores, ainda é possível verificar o esforço
feito pelos trabalhadores pela redução dessas variabilidades.
Salientamos que os trabalhadores não estão expostos apenas às variabilidades
industriais (provenientes da empresa). Segundo estes autores, o trabalhador médio não
existe, ou seja, como cada trabalhador tem a sua própria história, sua própria experiência
de vida, cada um experimenta um evento de forma diferente. A atividade recria saberes
e valores intrínsecos ao próprio trabalhador (Schwartz, 1999). Mesmo que dois
trabalhadores distintos apresentem resultados idênticos ao final de uma jornada de
trabalho, os esforços e raciocínios empregados e a fadiga resultante nunca são os
mesmos para ambos. A esses esforços ainda podem ser somadas as variações de estado
de cada um, que podem depender da carga de trabalho do dia anterior ou mesmo de
fatores biológicos, como por exemplo o envelhecimento.
Para Guérin et al. (2001), a linguagem dos trabalhadores não é óbvia. Suas falas
são atreladas ao contexto ao qual estão inseridas, ao momento em que são questionados
e ao desejo de responder satisfatoriamente ao que o pesquisador solicita. Esses fatores,
certamente, os conduzem a não serem capazes de se expressar facilmente através de
verbalizações.
De acordo Schwartz (1999), os saberes dos trabalhadores se distinguem
diferentemente, de maneira não linear, não disciplinar, ancorados em histórias e
situações concretas por eles vivenciadas. Se por um lado, existe uma enorme tendência
70
a fabricar saberes que se tornam modelos alheios ao tempo, por outro há uma tendência
ligada ao retrabalho da experiência e à micro fabricação de histórias. Desta forma, o
autor aponta quão grande passa a ser a dificuldade desse encontro, ou seja, a dificuldade
que os trabalhadores têm de traduzir em palavras aquilo que para eles é experiência, o
que nos conduz a uma busca por ferramentas mais adequadas a esta compreensão.
Vasconcelos e Lacomblez (2004) nos remetem aos estudos realizados no final
dos anos 60 na indústria italiana por Ivar Oddone e seus investigadores. Eles
perceberam que havia algo que não estava funcionando no diálogo com os
trabalhadores, pois os mesmos eliminavam aquilo que pensavam ser óbvio para os
investigadores. Descobriu-se, então, que os trabalhadores não tinham condições de
transmitir a sua competência, já que se tratava de uma competência implícita, tácita e
que não era possível de se verbalizar.
Diante destas dificuldades e ao evidenciar a valorização da experiência pessoal
do trabalhador, privilegiando a expressão oral, a narração e a memória das atividades,
Ivar Oddone desenvolveu o método conhecido por Instrução ao sósia, o qual induz o
sujeito entrevistado a um processo de externalização, colocando-o numa posição de
fornecer comentários e narrações acerca da sua própria experiência de trabalho
(Vincenti, 1999).
2. OS PARTICIPANTES DA PESQUISA
Participaram voluntariamente da pesquisa, quatorze caixas bancários efetivos de
ambos os sexos e de diferentes idades, nível de escolaridade e tempo de serviço
71
bancário, sendo estes funcionários de oito (de um total de dez) agências da Caixa
Econômica Federal, localizadas na cidade de João Pessoa, PB.
Os quatorze participantes estão caracterizados de acordo com a sua identificação
pessoal e profissional8. Quanto à sua caracterização pessoal, registramos que são dez
homens e quatro mulheres; a faixa etária varia entre 37 e 49 anos; sete são casados, dois
solteiros e cinco divorciados; todos os casados ou separados têm filhos, sendo uma
média de dois por pessoa; onze dos participantes têm formação de nível superior (nas
mais diversas áreas: Contabilidade, Arquitetura, Administração, Engenharia Civil e
Direito) e os outros três têm nível superior incompleto; a renda pessoal dos participantes
está próxima dos R$ 2.500,00 (Dois Mil e Quinhentos Reais), sendo que sete deles
mantêm suas famílias com esta única renda; os dois solteiros mantêm-se também apenas
com essa renda e os outros cinco têm uma renda familiar (juntamente com os cônjuges)
que, atualmente, chega aos R$ 5.000,00 (Cinco Mil Reais).
Quanto à caracterização profissional, todos eles foram admitidos via concurso
público; o tempo de trabalho na empresa varia entre 16 e 27 anos e apenas na função de
caixa bancário entre 6 e 23 anos; dentre os participantes da pesquisa, quatro exercem
algum tipo de atividade laboral além da bancária, porém esporadicamente.
Ao final da apresentação dos participantes, sinalizamos algumas das dificuldades
e conquistas vivenciadas durante a trajetória do nosso trabalho de campo e comentamos
os procedimentos e instrumentos de produção e análise de dados da pesquisa.
8
A planilha Mapa de Caracterização dos Participantes (anexo 4) apresenta um resumo quanto à
identificação pessoal e profissional dos participantes da pesquisa.
72
3. O TRABALHO DE CAMPO
Realizamos um trabalho de campo9 dinâmico e permanente em todos os
momentos da pesquisa (González-Rey, 2002), seguindo um processo de construção e
interpretação da atividade dos caixas bancários da Caixa Econômica Federal. Optamos
pelo uso de instrumentos como entrevistas e observação da atividade numa busca pela
leitura da realidade social a qual nos propusemos estudar.
Assim, ao iniciarmos nossas visitas às agências da Caixa Econômica, localizadas
todas na cidade de João Pessoa, PB, fomos entregando pessoalmente aos Gerentes
Gerais ou Gerentes de Relacionamentos10 uma carta (anexo 1) da orientadora da
pesquisa, na qual estavam situados os nossos objetivos e nos apresentava como
pesquisadora. A aceitação por parte das gerências foi unânime.
Após a obtenção da autorização por parte dos responsáveis pelas unidades
bancárias, a etapa seguinte foi estabelecer um contato informal com os caixas de cada
agência visitada. Esta conversa serviu para colocá-los a par dos objetivos da
investigação e também foi uma oportunidade para indagá-los quanto à sua adesão ao
estudo, a qual deveria se dar voluntariamente, enfatizando que todos os participantes e
as agências nas quais estavam alocados seriam mantidos no anonimato.
3.1. A ENTREVISTA
Triviños (1987) relata que, numa pesquisa qualitativa, a entrevista é um dos
principais recursos de que dispõe um investigador. Isto se justifica, pois ao partirmos de
9
Ver anexo 8, certificação do parecer técnico aprovada pelo Comitê de Ética da UFPB.
O contato com o Gerente Geral ou Gerente de Relacionamento dependia das normas internas de cada
agência visitada.
10
73
certos questionamentos básicos, apoiados em teorias, que interessam à pesquisa,
podemos gerar novos questionamentos, dependendo do que for dito através das
respostas dos sujeitos. Sendo assim, estes são percebidos como participantes ativos do
processo investigativo.
A pesquisa baseada na fala e nos significados do meio social atribuídos pelos
participantes, apoia-se na Etnografia que, conforme Triviños (1987), tem por objetivo o
estudo da cultura, descrevendo-a, a fim de apreender seus significados. É importante
esclarecer que não foram realizadas comparações entre os discursos das falas dos
entrevistados, pois buscamos apreender e explorar o universo de verbalização específica
(Thiollent, 1985) de cada um dos caixas bancários que participaram da pesquisa.
Ouvimos os depoimentos de cada trabalhador, atentos à descrição da realidade
da sua atividade e das condições de saúde, sem a preocupação de questioná-los acerca
de verdades ou significados que extrapolavam seus relatos. Faz-se mister esclarecer que
os trabalhadores participaram espontaneamente deste estudo, pois, Dejours (1992) nos
coloca a participação voluntária como condição indispensável ao processo investigativo
sobre a saúde mental no trabalho.
Segundo o autor, é essencial que o trabalhador esteja consciente da importância
da sua participação para o desenrolar de uma pesquisa sobre saúde mental no trabalho e
obtenção das metas que se pretende atingir, visto que isto facilita o processo e a
qualidade da entrevista, ao mesmo passo que corrobora a sensação de utilidade da
mesma.
Por outro lado, enquanto pesquisadoras, foi importante estarmos atentas aos
riscos aos quais estávamos sujeitas a enfrentar quando estivemos inseridas nos locais de
trabalho (Dejours, 1992). Para tanto, foi necessária a realização de uma escuta ousada
74
da situação de trabalho tendo como objetivo uma melhor compreensão acerca dos
acontecimentos singulares nos quais nos colocamos dentro do contexto escolhido.
Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) propõem que o pesquisador deve manter
uma atitude de escuta em relação aos seus interlocutores, bem como uma atitude
exploratória em relação aos dados encontrados. Portanto, procuramos manter uma
postura de atenção na tentativa de evitar nos confrontarmos com o sofrimento dos
trabalhadores e, principalmente, com os nossos próprios, assim como procuramos não
testar por completo a teoria da Psicodinâmica do Trabalho, pois de acordo com os
autores, agindo assim, corremos o risco de colocar as vivências subjetivas que os
trabalhadores têm no seu ambiente de trabalho em segundo plano, perdendo desta
maneira o foco da pesquisa. Para os autores, o pesquisador deve ainda estar preparado
para uma possível eventualidade de não validar a objetivação da subjetividade dos
trabalhadores. Em resumo e conforme indica Dejours (1992): a escuta passa a ser um
processo caracteristicamente arriscado.
Especificamente quanto à nossa pesquisa, após termos feito uma revisão da
literatura pertinente ao estudo, partimos para o desenvolvimento do roteiro de
entrevistas (anexo 2), onde buscamos construir perguntas que permitissem uma maior
flexibilidade de respostas por parte dos entrevistados.
Todas as entrevistas foram agendadas previamente com os participantes, que
escolheram, dentro da sua conveniência, o melhor horário no seu dia de trabalho.
Após assegurar-lhes que os seus nomes seriam mantidos em sigilo, realizamos as
gravações das entrevistas em fita K7 e, num momento seguinte as transcrevemos na
íntegra, a fim de facilitar o processo de análise das mesmas. Elas tiveram, um tempo
médio de duração de quarenta minutos cada uma, e foram gravadas no próprio ambiente
75
das agências (com exceção de uma). Duas foram realizadas durante o horário de almoço
dos caixas, duas no início do expediente bancário, três antes do horário de abertura do
caixa e as outras sete foram feitas após o fechamento do caixa (final da jornada).
As entrevistas que realizamos apresentam uma grande variedade de histórias e
vivências pessoais, sinalizando, assim como aponta Cardoso, Brandão, Silva, Gonçalves
e Silva Filho (1994) e Cardoso (1997), para as diversas maneiras que os trabalhadores
têm de lidar com uma situação de trabalho, sendo esta objetiva e coletivamente
partilhada.
3.2. A OBSERVAÇÃO DA ATIVIDADE
Inspiramos nossos estudos à luz da Análise Ergonômica da Atividade – AET –,
objetivando uma leitura detalhada da atividade de trabalho desempenhada pelos caixas
bancários (frente às variabilidades constantes em seu dia-a-dia).
Como sugere Guérin et al. (2001), a observação é um processo que permite ao
pesquisador apreender sobre os elementos de uma dada atividade de trabalho no curso
da ação, atividade esta que pode se manifestar através de comportamentos visíveis, tais
como: gestos, posturas, ações sobre o dispositivo de trabalho, verbalizações, etc. Os
autores ainda salientam que toda e qualquer descrição das ações e atividades
observadas,
são
necessariamente
um
trabalho
de
interpretação
do
observador/pesquisador.
Para Guérin et al. (2001) o pesquisador deve manter uma atitude de escuta em
relação aos seus interlocutores durante as primeiras etapas da análise da situação de
76
trabalho, assim como manter uma atitude exploratória em relação aos dados
encontrados.
Quando fizemos nossas primeiras visitas às agências bancárias, cujo objetivo era
a apresentação do projeto de pesquisa, realizamos algumas observações de forma aberta
(ou observações livres). Ao retornarmos às mesmas para fazer as entrevistas com os
caixas, tivemos ainda a oportunidade de conduzir algumas observações sistemáticas
focalizadas; para tanto, nos posicionamos próximas das cadeiras de espera que são
ocupadas pelos clientes, e dali verificamos como o caixa procede ao seu atendimento,
cliente a cliente.
Por se tratar de um setor que lida com a circulação diária de dinheiro e devido
aos critérios internos de segurança do banco, nosso maior impedimento foi não
obtermos autorização das gerências para nos posicionarmos na parte interna dos
guichês.
Contudo, tivemos a oportunidade de conseguir uma autorização por parte de um
dos gerentes de agência para acompanharmos um dia de trabalho de um dos caixas que
entrevistamos (e que se auto-indicou). Para tanto, nos colocamos em pé próximas ao
balcão de atendimento ao público, de onde observamos uma jornada inteira de trabalho,
visualizando (na medida do possível) os movimentos dos caixas e gravando com o uso
de um equipamento MP3, os seus diálogos com os clientes e com os demais colegas do
banco.
Iniciamos a observação às nove horas, quando o caixa chegou à agência e
encerramos às dezessete horas e cinqüenta e cinco minutos, quando ele deixou o guichê.
Este foi um dia atípico para o dia-a-dia cotidiano de caixa, porém convencional para a
data na qual foi realizada, posto que, além de ser dia de pagamento dos funcionários da
77
UFPB, durante estes períodos do mês o banco mantém o hábito de abrir suas portas
mais cedo (por volta das oito horas) para dar prioridade de atendimento aos aposentados
e pensionistas.
Apesar de ter iniciado o seu expediente antes do horário costumeiro, o caixa
apresentava-se disposto e muito atencioso ao atender os clientes. O dia transcorreu sem
problemas que tivessem que envolver a hierarquia superior. Como era um dia de
movimento intenso de pessoas dentro da agência, ele não se ausentou do guichê para
realizar exercícios preventivos contra a LER e sua pausa para o almoço foi de apenas
trinta minutos. No final do expediente, quando foi realizar o processo de fechamento do
caixa, o nosso participante verificou uma falta de dinheiro, o que fez com que ele se
detivesse por mais alguns minutos na re-conferência dos documentos e em busca da
solução de um problema que, infelizmente, não teve solução.
Essas e outras anotações foram registradas num quadro de observações da
atividade (anexo 5) e nos proporcionaram uma maior familiarização com a situação de
trabalho que estávamos estudando, além de uma ligação intercomplementar com as
entrevistas que realizamos.
4. A ANÁLISE DE CONTEÚDO
Faz-se mister esclarecer que por detrás de um discurso se oculta um sentido, e
que devemos fazer um esforço (sempre inacabado) de desvendamento (Neves &
Seligmann-Silva, 2001).
De acordo com Cardoso et al. (1994), à medida que o
pesquisador tem acesso às informações, inicia-se um processo de elaboração de sua
78
percepção do fenômeno, deixando-o se guiar pelas especificidades do material
selecionado.
No nosso caso específico, a fase de análise e interpretação dos dados obtidos,
com a realização das observações da atividade e das entrevistas, é definida por
González-Rey (2002) como um processo dirigido pelos dados. Para o autor, os mesmos
são legitimados por sua capacidade de diálogo com o pesquisador; diálogo este
articulado ao longo da pesquisa e podendo adquirir múltiplas significações dependendo
das diferentes relações que ocorrem com os outros dados. O autor ainda sinaliza que a
pesquisa representa um processo de constante produção de pensamento.
Escolhemos a análise de conteúdo por ser um método de interpretação, cujo
conjunto de informações visa à formulação de inferências e interpretações através da
análise do uso da palavra sobre o objeto de estudo. Em outras palavras, conforme
Laville e Dionne (1999), seu princípio básico consiste em desmontar a estrutura e os
elementos do conteúdo que são pesquisados, visando esclarecer suas diferentes
características, extraindo daí sua significação, sem, contudo, ser um método rígido.
Com base nos conhecimentos teóricos que norteiam nossa investigação,
realizamos um recorte dos conteúdos retirados dos discursos em questão, a fim de
definir categorias sobre as quais organizamos os elementos, agrupando-os por
parentesco de sentido (id., ibid.). A classificação do material investigado torna-se uma
tarefa sem muita complexidade já que as unidades de análise são bem delimitadas,
tornando as categorias nitidamente diferenciáveis11.
4.1. A ANÁLISE TEMÁTICA
11
Ver anexos 6a e 6b – Mapa Temático.
79
Dentre as técnicas de Análise de Conteúdo, optamos pela Análise Temática, com
o objetivo de descobrir os sentidos fundamentais que compõem uma comunicação
(Minayo, 2004), de forma a trazer algum significado consistente que pudesse ser
pertinente à nossa pesquisa.
Segundo a autora, a técnica se decompõe em três etapas: na Pré-Análise,
escolhem-se os documentos a ser analisados, resgatando-se as hipóteses e os objetivos
iniciais da pesquisa, e reformulando-se o trabalho, elaborando indicadores (formas de
caracterização) que auxiliem na interpretação final; na segunda etapa, a Exploração do
Material, codifica-se o material produzido (em forma de temas) e realiza-se a
classificação e agregação das categorias (teóricas ou empíricas) que norteiam a
pesquisa; na terceira etapa, o Tratamento dos Resultados Obtidos e Interpretação, o
analista propõe inferências e realiza interpretações previstas no seu quadro teórico ou
que surjam ao longo da análise.
A seguir destacamos algumas dificuldades e conquistas encontradas no decorrer
do nosso trabalho de campo.
5 – AS DIFICULDADES E AS CONQUISTAS
Como já fizemos menção, devido aos critérios internos de segurança do banco,
uma das nossas primeiras dificuldades foi não conseguirmos autorização para observar a
atividade dos caixas bancários por dentro dos guichês.
Numa determinada agência, constatamos que, enquanto apresentávamos os
objetivos da nossa pesquisa, era comum verificar um certo clima de desconfiança por
80
parte dos caixas, principalmente nas mulheres, então começamos a nos questionar sobre
qual seria a razão destas pessoas se negarem a falar sobre a relação da saúde com o
trabalho.
Naquela mesma agência, acreditávamos que, por ser de grande porte, e manter
uma bateria de caixas com seis funcionários, conseguiríamos uma boa adesão à nossa
pesquisa. No entanto, não foi bem esse cenário com o qual nos deparamos. Em primeiro
lugar, a negociação com a gerência não transcorreu rapidamente, pois o gerente de
relacionamentos solicitou que conversássemos antes com a gerência geral, o que
demandou várias idas à agência.
Porém, após a aprovação da pesquisa, começamos a encontrar a nossa verdadeira
dificuldade nesta unidade. Depois de apresentarmos os objetivos do estudo aos caixas,
apenas uma funcionária aceitou participar da entrevista, os demais nos olhavam
desconfiados como se fôssemos espiãs a mando do banco. Infelizmente, essa única
pessoa desistiu de participar afirmando que não estava num dia bom para falar de si
mesma, já que não havia feito sua aula de hidroginástica pela manhã. Desculpou-se e,
imediatamente, enviou um outro colega que, aceitou ser entrevistado, mas que depois de
iniciarmos a entrevista, informou não ser mais caixa bancário há vários anos.
Infelizmente tivemos que cancelar a gravação.
Já em outras agências, a negociação transcorreu muito bem e a aceitação dos
caixas foi imediata, com alguns se apresentando bastante entusiasmados em poder
participar do estudo.
Outra dificuldade surgiu quando passamos a transcrever uma das entrevistas
realizadas: além de o som não estar totalmente audível, devido ao barulho do
condicionador de ar central da agência, o nosso entrevistado tinha problemas de dicção!
Certamente essa foi a entrevista mais difícil de ser transcrita.
81
Em uma outra situação, ao informarmos a uma caixa (que acabara de aceitar ser
entrevistada) que a conversa seria gravada, observamos que a sua reação foi de espanto
e, imediatamente, a mesma se posicionou contra dizendo que não queria mais participar.
Foi inútil tentar convencê-la de que todas as entrevistas seriam mantidas no anonimato,
assim como a identificação das agências às quais os caixas pertenciam.
Vivemos também uma situação bem delicada, pois ao entrevistarmos uma
funcionária, por várias vezes ela se emocionava ao falar sobre a sua relação com o
trabalho, sempre fazendo referência à sua vida particular.
Apesar de todas as dificuldades que encontramos, observamos também o lado
positivo deste trabalho de campo, principalmente pela aprovação geral da realização do
estudo nas agências visitadas, onde constatamos o quanto os gerentes procuravam
facilitar o nosso contato com os caixas.
Com apenas uma exceção, todos os caixas que participaram da pesquisa se
mostraram bastante curiosos quanto aos assuntos abordados e se dedicaram ao máximo
nos seus relatos.
82
CAPÍTULO IV
A ATIVIDADE E A SAÚDE DE CAIXAS BANCÁRIOS
Ao realizarmos esta pesquisa, estávamos interessadas em apreender como se dá
a relação entre o trabalho e a saúde mental dos caixas bancários de agências da Caixa
Econômica Federal, da cidade de João Pessoa, PB. Paulatinamente, fomos nos
envolvendo no processo de compreensão do fenômeno estudado, deixando-nos guiar
pelas especificidades dos materiais selecionados (Cardoso et al., 1994). Tal conduta nos
possibilitou um esclarecimento acerca do modo pelo qual os trabalhadores vivenciam
sua situação atual de trabalho e como isso pode estar afetando a sua saúde.
Neste capítulo abordaremos, de início, aspectos relacionados à inserção destes
profissionais no banco e como se deu o processo de formação para o preenchimento do
cargo de caixa bancário. Em seguida, situaremos como se desenvolve a atividade desta
categoria de trabalhadores, focando as relações entre o trabalho prescrito e o trabalho
real. Por fim, apresentamos as condições de saúde dos caixas bancários.
1. O CAIXA BANCÁRIO: INSERÇÃO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL
1.1 OS MOTIVOS DA INSERÇÃO
Tomando por base os depoimentos dos participantes e os seus diferentes
históricos pessoais e familiares, verificamos que os motivos que os levaram a optar pela
83
profissão de bancário, e mais especificamente de caixa, foram bem diversos, conforme
veremos a seguir.
Todos os caixas que participaram da pesquisa foram contratados via concurso
público, pois como sinalizamos no Capítulo II, de acordo com Segnini (1998), desde o
final dos anos 60 os bancos estatais convencionaram-se a realizar assim o seu processo
de seleção de funcionários, numa tentativa de impedir as práticas discriminatórias no
trabalho, passando então a ser uma determinação legal. Para Jinkings (2004), esta
modalidade de contratação possibilitou uma condição (de certa forma implícita) de
estabilidade do emprego dentro das instituições estatais, dentre elas os bancos.
Com base nas informações dos participantes, até a data da realização da
pesquisa, os caixas tinham, em média, vinte anos de trabalho bancário, o que nos levou
a identificar que seu ingresso na instituição se deu no período próximo à década de 80.
A maioria deles afirmou ter sido impulsionada a ingressar na carreira de
bancário numa busca por um emprego estável e que possibilitava um salário
considerado razoável para a referência de mercado vigente à época.
“Ah! Era uma estabilidade. Isso há uns vinte anos atrás...
o emprego era mais importante até do que muitos, né?,
muitos cursos. Até porque você vinha de uma família que
não era rica, de classe média baixa, aí você não podia
deixar de trabalhar, né? Você entrar (sic) até por uma
questão de necessidade, de sobrevivência... até com o
objetivo também de ajudar até outras pessoas da família,
os pais, então... Na época que eu entrei, a Caixa pagava
muito bem, valia a pena”.
Se considerarmos que o contexto daquele momento histórico (década de 80)
sinalizava para a deflagração do processo de reestruturação produtiva e de uma
crescente crise de desemprego e desvalorização dos salários, o emprego público (no
84
banco) ainda se apresentava como uma garantia segura, tornando-se o sonho de uma
parcela considerável de pessoas.
“Foi circunstancial mesmo, viu? (...) Antes eu dava aula,
eu ensinava no Estado e, sabe como é, né? E eu almejava
ganhar mais, né? Pra ter um, sei lá um...., assim é...,
aquela história: projetos, casar, estabelecer, como é que
se diz? Alguns alvos assim... atingir alguns objetivos,
comprar uma casa e tal, né? A gente sempre pensa nisso.
E pro estágio que eu tinha anteriormente, a época não
dava pra se planejar, nesse sentido. Aí, eu fiz esse
concurso”.
“A escolha pela profissão de bancária não tem nada a ver
com vocação. Simplesmente foi uma fase da minha vida
que existiu uma crise na família e eu fui obrigada a ter
que pensar em algo pra me manter. (...) Aí eu comecei a
estudar pra concurso e os que vinham aparecendo eu ia
fazendo. (...) Não foi o primeiro [concurso público],
porque eu já tinha passado em outros, mas não tinha sido
chamada e a Caixa foi a primeira que me chamou e eu
assumi”.
Como vemos, os depoimentos sinalizam para a preocupação de alguns caixas
(homens e mulheres) que vinham, principalmente, de famílias socialmente menos
privilegiadas, em contribuir com os gastos familiares. Conseguir um emprego que,
segundo eles, “pagava muito bem” e que “valia a pena” era uma garantia não apenas da
construção do “seu próprio futuro”, mas também da sobrevivência da família.
Além do salário, o emprego de caixa bancário incorpora alguns benefícios que
são também extensivos aos seus dependentes, tais como ticket alimentação, plano de
saúde e plano odontológico.
“Fica difícil você ir buscar lá fora o que você conseguiu
aqui ao longo de quase vinte anos de trabalho... você
buscar um salário, porque na realidade o salário não é só
85
aquele líquido que você recebe no contra-cheque... tem
todo um .... os acessórios dele, né(?), é... plano de saúde
muito bom, é... plano odontológico. Um plano de saúde
que vai de fonoaudiólogo à....., né(?) E.... tem a questão
dos tíquetes alimentação que dá pra você fazer a feira”.
Embora a Psicodinâmica do Trabalho priorize os elementos da organização do
trabalho como fundamentais na análise das vivências subjetivas no exercício
profissional, e apesar de Dejours (2004) afirmar que a relação contribuição – retribuição
no trabalho é de natureza fundamentalmente simbólica, vemos que o salário aparece
como um dos elementos para que a dinâmica do reconhecimento dos caixas bancários se
efetive12.
“O que me motiva mais a trabalhar, é sobreviver, é... é ter
condições de ter um salário, pra me manter, manter
minha família, pagar minhas contas, entendeu? Isso eu
acho que me motiva demais”.
Como é de conhecimento geral, o banco oferece e vende produtos que,
atualmente, também são negociados pelos caixas bancários. Estes, por sua vez, têm
cotas ou metas crescentes a serem atingidas e recebem uma comissão variável sobre as
vendas, o que favorece à uma dependência destas.
“Quando você começa a trabalhar [como caixa], seu
salário melhora muito, quer dizer, aumenta a comissão e
você fica dependendo daquilo ali. Foi o que aconteceu
comigo, eu fiquei dependendo da função”.
Já outros caixas afirmaram que foram atraídos pelo status que a profissão de
bancário proporcionava, não apenas ao caixa, mas a todos os funcionários que
12
A discussão referente à dinâmica do reconhecimento será detalhada mais adiante.
86
trabalhavam em agências bancárias. Historicamente, como vimos no Capítulo II, os
caixas bancários já foram chamados de gerentes de clientes, em decorrência do processo
de relativização das hierarquias (Malaguti, 1996). Devido ao fato de manterem uma
aparência impecável e ao uso constante de computadores sofisticados, eles eram
considerados, em algumas localidades (principalmente em cidades de pequeno porte),
como pessoas de grande importância, assim como eram o vigário (ou padre) e o médico.
“Na época que eu entrei, ser bancário gozava de uma
prerrogativa que hoje em dia está muito defasada,
principalmente em cidade pequena, era uma das pessoas
mais importante e mais chiques da cidade. Tinha status”.
No entanto, apesar da valorização e do prestígio social, ao longo dos anos e das
várias mudanças tecnológicas e organizacionais que foram implementadas no banco,
principalmente na década de 90, a maioria dos caixas foi obrigada a conviver com a
diminuição do seu poder aquisitivo, bem como com as conseqüências advindas da
diminuição de pessoal no setor.
Um outro fator que veio à tona foi quanto à influência que alguns sofreram por
parte de parentes próximos (também bancários), visto que estes se apresentavam em
situação confortável (aos olhos dos participantes), pois além de terem conseguido uma
estabilidade no emprego, mantinham salários razoáveis e gozavam do status
proporcionado pela profissão, merecendo o respeito e admiração por parte da sociedade.
“Na época eu fazia o curso [graduação] ainda, aí eu fiz o
concurso da Caixa e... como eu tenho família já engajada,
no ramo, eu tenho um tio que trabalha no Banco do
Brasil, trabalhava, e tenho um primo que trabalha na
Caixa Econômica (...)”.
87
“(...) Meu sogro era da Caixa e abriu concurso pra Caixa
e pro Banco do Brasil.... Na época era muito bom, eu fiz
concurso pros dois, passei nos dois e optei pela Caixa.
Mas nunca tinha passado pela minha cabeça trabalhar
nessa área, (...) nunca trancado num lugar como é hoje...
foi acidente mesmo”.
Estes relatos apontam que, mesmo sem se sentirem atraídos pela profissão de
bancários, alguns caixas “optaram” pela carreira no banco influenciados por familiares
que já trabalhavam em instituições bancárias.
A partir do material levantado, também chamamos a atenção para a situação
específica de algumas caixas-mulheres que se afastaram temporariamente do mundo do
trabalho formal, para assumirem a responsabilidade dos cuidados com os filhos, tarefa
historicamente destinada às mulheres (Nogueira, 2004; Hakiki-Talahite, 1986)13.
“Eu casei muito cedo. Casei com dezessete anos. (...)
Durante a faculdade eu tive dois filhos e (...) eu deixava
eles na casa da minha mãe todos os dias. (...) Aí eu me
formei e passei dois anos dentro de casa, cuidando dos
filhos. Aí eles começaram a ir pra escolinha, aí pronto, aí
foi quando eu despertei pra vida. Aí saturou, aí já tinha
passado o tempo. É que a Arquitetura é uma profissão
muito dinâmica, super dinâmica. Então não tinha mais
como eu voltar. (...) Aí apareceu uns concursos, eu fui
fazendo... eu acho que foi... eu fiz o do Banco do Brasil e
não passei, quando eu fiz o da Caixa, passei, entrei... E
aqui na Caixa com um ano e meio depois apareceu uma
oportunidade pra um concurso interno, de caixa
bancário, fiz, fico feliz, porque ali eu sou dona do meu
nariz. E aí eu tô até hoje”.
Segundo este depoimento, o profissional que não estiver colocando em prática
suas habilidades e se reciclando periodicamente sofrerá uma defasagem em relação aos
13
Para aprofundamento do processo histórico de naturalização do trabalho doméstico como trabalho de
mulher, consultar Kergoat (1996); Carvalho, (1998); Neves (1999) e Oliveira (2003).
88
seus colegas de profissão. Neste sentido, podemos pensar que um emprego público e
com um salário razoável, além de ter uma carga horária (prevista) de seis horas, surge
como uma possibilidade para o ingresso (ou re-ingresso) de mulheres ao mercado de
trabalho.
O emprego no banco pode ser um meio encontrado pelas mulheres para
participarem da produção da renda familiar, principalmente para aquelas vindas de
classes sociais menos favorecidas. Retornar ao mundo formal do trabalho, por sua vez,
também possibilita visibilidade e reconhecimento a essas trabalhadoras, visto que o
trabalho doméstico não é socialmente valorizado.
Assim, o emprego no banco parece ter uma importância salutar para essas
bancárias, na medida em que proporciona a ampliação de suas relações sociais (Kergoat,
1996). Como sinaliza Brito (1999), se por um lado, o trabalho feminino assalariado se
apresenta como uma vivência formal da exploração, por outro, possibilita às mulheres a
saída do confinamento doméstico.
1.2. A FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Por motivos administrativos pertinentes ao banco, ao ingressarem através de
concurso público, nenhum dos participantes assume de imediato a função de caixa
bancário, precisando atuar antes em outros setores. É necessário que eles se inscrevam e
prestem um concurso interno para o cargo, cujos conhecimentos exigidos giram em
torno de noções de regulamento de abertura e fluxo de uma conta-corrente e de
poupança, além da própria rotina do setor.
89
“Era feita uma prova, um concurso interno, dentro da
agência. E a gente tinha que saber as matérias referentes
a essa prova, né? Que seria, é.... o regulamento da
abertura de uma conta-corrente, normalmente isso, é... o
fluxo da conta-corrente, poupança, vários pontos que
existem na Caixa”.
No caso dos caixas que participaram da investigação, após terem sido aprovados
no concurso interno, todos eles passaram por um período de treinamento, que
antigamente era dividido em duas etapas: a primeira teórica e técnica e a outra prática
(supervisionada).
A qualidade dos treinamentos recebidos foi percebida como bastante diversa.
Segundo depoimentos dos caixas mais antigos, na época do seu ingresso, os cursos
ministrados eram mais longos e intensos, chegando a durar de quinze a trinta dias, com
uma carga horária de oito horas diárias. As aulas eram presenciais e realizadas fora das
agências onde os funcionários estavam lotados, sendo conduzidas, algumas vezes, por
três ou quatro instrutores de regiões diferentes do país.
Ainda hoje, assim como era no passado, os candidatos ao cargo de caixa
aprendem datiloscopia (identificação de impressões digitais), grafoscopia (identificação
de assinaturas) e legislação. Esses conteúdos são considerados pelos participantes como
essenciais para a realização do seu trabalho.
“A gente ia pra sala de aula mesmo, aí tinha os módulos:
o que é a Caixa Econômica, o que é ser caixa executivo, a
postura, o que é que era pra fazer, as obrigações e
durante o curso (...) era só pra reconhecer assinatura,
aprender a reconhecer se é falsa, se não é, a impressão
digital, todos os tipos de impressão digital que tem, essa
parte de grafoscopia e datiloscopia”.
“Foi maravilhoso. Porque, assim, na minha época a gente
ficava 15 dias, dentro da unidade, aí dão todo o conteúdo
90
teórico e aí a gente via a parte, que é a parte que a gente
aprende que é verificar a assinatura, né? E a parte da
datiloscopia, que a gente ainda usa muito dentro da
caixa. Porque a clientela da caixa ainda tem muito
analfabeto. Mas foi maravilhoso”.
Mediante os seus relatos, pensamos que a modalidade de treinamento, que era
aplicada na primeira fase do curso, se enquadra no que Zarifian (1996) chama de
formação pautada no modelo escolar, cujo princípio baseia-se na transferência de
informações e de condutas a serem adotadas no cotidiano de trabalho, as quais devem
ser assimiladas pelos treinandos e, em seguida, reproduzidas e aplicadas na situação de
trabalho.
Naquela época, após o treinamento em sala de aula, os candidatos ao cargo de
caixa eram submetidos a uma prova escrita e outra oral, onde eram averiguados os seus
graus de aprendizagem. De acordo com as normas do banco, somente estariam aptos a
exercer o cargo aqueles que obtivessem uma nota mínima equivalente a oito.
“A gente fez curso de caixa, na época existia curso de
caixa. Você tinha que fazer, durante algumas semanas de
treinamento, de curso, e era até inclusive... eliminatório,
né? Se você não passasse... Tinha colegas que faziam até
mais de uma vez, não passavam, aí depois tinha que fazer
de novo e era muito mais rigoroso, assim...”.
Esta exigência e o rigor imposto aos treinamentos (teóricos e práticos) limitavam
o acesso dos bancários ao cargo, pois se aprovavam apenas aqueles que, segundo o
banco, as preenchiam realmente as habilidades requeridas para tal cargo.
Após a convocação, os funcionários que passavam pelas duas etapas de
treinamento e eram aprovados nas provas, seguiam para os guichês (ou bateria de
91
caixas), onde recebiam um treinamento prático durante um certo tempo (em alguns
casos, até trinta dias).
A incumbência do treinamento prático supervisionado era dada, geralmente, ao
caixa mais antigo e experiente da agência, cuja atribuição era a de prestar assistência
técnica ao iniciante. Este funcionário, ao acompanhar os novatos e apesar de não ser um
instrutor em tempo integral, recorria à sua experiência profissional e colaborava com o
programa de formação do banco.
Segundo Zarifian (1996, p.21), essa perspectiva, que também pode contar com
“a ajuda de transferências de experiência dos mais velhos para os mais jovens”,
simboliza o modelo de formação baseado na experiência, cuja base está no princípio da
aquisição do conhecimento à medida que o treinando exerce o seu próprio trabalho, em
seu ambiente habitual (on the job).
Para Vasconcelos e Lacomblez (2004, p. 167), o treinamento deve ser
fortemente contextualizado, tendo a própria situação de trabalho como “local
privilegiado para a produção de conhecimentos”, pois é através da experiência prática
que os saberes ganham sentido.
“(...) Nós também temos a orientação de um supervisor,
quando nós vamos para o guichê, que é onde nós mais
aprendemos sobre as normas, porque a situação muda de
acordo com a pessoa. (...) No geral, nós aprendemos mais
na prática”.
As orientações teóricas dão base à atividade, por isso são entendidas como de
fundamental importância durante a fase de treinamento. No entanto, como vimos no
Capítulo I, a prescrição é sempre limitada e incompleta (Guérin et al., 2001, Wisner
1987, Daniellou, Laville, & Teiger, 1989). Logo, sem a experimentação, sem “colocar a
92
mão na massa”, não se pode conhecer a realidade, visto que esta muda de acordo com a
situação que está sendo vivenciada e por quem a está vivenciando14.
Após o período de treinamento supervisionado, o candidato tinha a possibilidade
de optar em renunciar ou não ao cargo de caixa bancário. Antigamente, mesmo tendo
sido aprovado, o caixa precisava inspirar a confiança dos demais membros da agência
para poder, de fato, assumir o cargo.
“Após isso [o curso], tem o estágio na agência (...) Mas
mesmo assim, ninguém nunca é nomeado de cara, né?
Muito difícil. Normalmente você substitui na ausência de
outros caixas. Na verdade a gente precisa demonstrar
confiança, de modo pra ser nomeado pra função”.
Hoje, como não existe mais a figura do caixa substituto ou flutuante, a partir do
momento que haja a necessidade, o potencial candidato ocupa a vaga que está sendo
disponibilizada pela agência.
Pelo que nos foi relatado, ao contrário do passado, atualmente os caixas recémingressos recebem o treinamento à distância e em menor tempo (em média uma
semana). As provas também são feitas on-line e após a conclusão desta etapa, os caixas
aprovados
são
encaminhados
diretamente
para
os
guichês,
sem
nenhum
acompanhamento supervisionado.
“Inclusive antigamente era mais... intenso do que hoje [o
treinamento]. Hoje é treinamento à distância, o tempo de
curso é menor, na época era maior e muito mais horas em
sala de aula”.
14
Esses aspectos serão mais explorados no item relativo à atividade do caixa bancário.
93
Verificamos, pois, que os caixas, saudosamente, valorizam o treinamento que
era oferecido há cerca de vinte anos e, de certa forma, condenam a atual prática de
formação do banco. Além de o treinamento dado à distância ser realizado em tempo
bem inferior ao de antes, ele priva o novo candidato do contato (prático) com a
experiência de um funcionário mais antigo.
Para Vasconcelos e Lacomblez (2004, p. 167 e 168), a modalidade de
treinamento à distância é considerada como algo preocupante, visto que a formação online pode limitar à “falácia da simples prescrição de normas”, traduzida por “saberes
supostamente transversais, gerais, teóricos, estáveis, estandardizados e tidos como
válidos para toda e qualquer situação”.
Muitos caixas se queixaram de que hoje em dia não há treinamento de
“reciclagem” e que as informações mais atualizadas relacionadas às mudanças
tecnológicas e organizacionais chegam para eles através da intranet. Isso os “obriga” a,
diariamente, lerem as suas caixas de mensagem para se manterem atualizados, o que
aumenta ainda mais a sua carga de trabalho, conforme veremos mais adiante.
“O que nós temos de reciclagem constante, é que nós
temos uma caixa postal, como se fosse uma caixa de email, e sempre que há um modus operandi diferente de
fraude, nós recebemos nessa caixa e é partir dali que nós
vamos ter uma vivência daquilo que nós temos na função.
Então nós sabemos, quando pegamos um documento,
sabemos se ele é falso ou não, um cheque e tal, mas
mesmo assim, se for muito bem feita, nós podemos errar”.
“Infelizmente, a empresa não faz [reciclagem], digamos
assim, ostensivamente,... não cobram isso do caixa,... tá
disponível na informática. Então como a gente tem uma
atividade que ocupa todo o tempo, né(?), eu não tô com
um computador na minha frente pra ler, pra conversar,
pra discutir um problema, eu tenho que tá lá [no guichê] o
dia todo, como qualquer outro caixa, isso traz uma certa
94
dificuldade e a empresa antes fazia encontro de caixa,
reciclagem e, então não faz, há anos que não acontece
isso”.
Além do evidente desconforto pela falta de treinamentos de reciclagem, os
caixas alegam, portanto, não encontrarem tempo para ler ou discutir com os colegas os
comunicados internos que chegam diariamente. Cada um vivencia os problemas
individualmente, e em caso de falha operacional, deve arcar com as conseqüências,
respondendo ao banco por seus atos.
Vemos pelos relatos que o banco se exime de toda e qualquer responsabilidade
pelos eventos que surgem. No entanto, de acordo com os caixas, isso poderia ser
minimizado caso houvesse a possibilidade da realização de novos treinamentos e da
implantação de programas sistemáticos de reciclagem para os funcionários.
2. A ATIVIDADE DOS CAIXAS BANCÁRIOS
“A atividade humana num processo de produção resulta de uma interação entre
fatores externos ao operador como, por exemplo, normas, meios de trabalho, mobiliário
e fatores internos ao operador como seu estado orgânico, sua competência, sua
personalidade” (Vidal, 2002, p. 146). A Ergonomia (baseada na Análise Ergonômica do
Trabalho – AET) entende, portanto, que a situação de trabalho é uma combinação
singular destes fatores num determinado contexto e que “a atividade acontece numa
situação a que se reporta e se referencia a todo instante” (id., ibid.).
De acordo com Zamberlan e Salerno (1987), os caixas bancários posicionam-se
na chamada ponta da linha das agências, prestando serviços diretamente ligados ao
público (clientes), tais como os atendimentos que envolvem numerários (recebimentos e
95
pagamentos). Atualmente eles realizam ainda outras operações como a venda de
produtos do banco (apólices de seguridade de vida ou de automóveis), visando atingir
metas impostas pelo banco.
Neste tópico, apresentamos como a atividade bancária é realizada dentro das
agências, sob a ótica de quem a pratica: os caixas bancários.
2.1. AS CONDIÇÕES E O AMBIENTE DE TRABALHO
Segundo Guérin et al. (2001, p. 11), a Ergonomia tem por objeto de estudo a
análise e funcionamento do trabalho que, por sua vez, pode ser representado por três
realidades que não existem independentes umas das outras: as condições de trabalho, o
resultado do trabalho e a própria atividade de trabalho.
Dejours (1992) interpreta as condições de trabalho como: ambiente físico
(temperatura, pressão, barulho, vibração, irradiação, altitude, etc.), químico (produtos
manipulados, vapores e gases tóxicos, poeiras, fumaças, etc.), biológico (vírus,
bactérias, parasitas, fungos), condições de higiene, de segurança e características
antropométricas do posto de trabalho.
Mesmo as agências da Caixa Econômica Federal tendo passado por diversas
alterações físicas, os caixas consideram que a antiga estrutura física das agências era
“muito precária” e que, no geral, as condições de trabalho nas quais eles estão expostos
hoje são menos insatisfatórias. Todavia, os bancários ainda se queixam com veemência
em relação ao espaço físico atual (“muito pequeno”), sinalizando para um desconforto
constante.
96
“As condições de trabalho são precárias, a estrutura da
agência é muito precária, a desorganização da agência é
super precária, tá entendendo? Tudo inadequado, tudo
imprensado... o espaço físico... Eu trabalho num guichê
que fica de lado da tesouraria, o pessoal fica passando,
batendo em mim. As gavetas têm um espaço bem
pequenininho”.
Essa precariedade do ambiente (apertado e incômodo) favorece uma insatisfação
completa nos caixas que passam a maior parte do seu tempo no posto de trabalho, e que
não lhes proporciona boas condições para realizarem sua atividade sem serem
perturbados por tropeções e esbarrões dos seus próprios colegas de serviço.
Outra queixa dos caixas, também relacionada às condições de trabalho, diz
respeito ao condicionador de ar refrigerado (temperatura muito fria) existente em
algumas agências, visto como um elemento gerador de problemas respiratórios e gripes,
além deste ser identificado também como “estressante”, devido ao seu barulho.
“O local não é bom, ..., o pessoal aqui da Caixa vem
medir e sai daqui horrorizado, quer dizer, é frio demais.
Tem também o barulho do ar. Tem dia que me incomoda
tanto... é porque a gente vai se acostumando, mas tem dia
que me incomoda tanto, que eu sinto que dói no ouvido
quando desliga”.
Já em outras agências o condicionador de ar não é adequado para o ambiente
devido à sua localização ou mesmo à sua insuficiente capacidade de refrigeração,
principalmente em certos períodos do mês, quando aumenta o número de clientes.
Observamos que em alguns guichês os caixas costumam colocar ventiladores de ar para
amenizar a alta temperatura.
97
“Aqui tem quatro ar condicionados, né? A bateria de
caixas fica bem no meio... de vez em quando a gente
recebe um pouquinho de ar [risos], mas, normalmente, o
pessoal desvia o ar pro setor deles e o ar faz um
redemoinho e naquele núcleo a gente não recebe
oxigenação.(...) Forma-se, assim, um paredão de gente,
dependendo do dia, um ar, assim, fumegando, né? Que
quando você tá cercado de gente, aí começa a faltar ar. O
cliente, ele briga com você, ele fica meia hora ali, ele se
estressa, ele bate, dá tapa no guichê (...)”.
Pelo depoimento acima citado, verificamos que não só os caixas bancários
sentem-se prejudicados pelo uso de equipamentos inadequados, mas também os clientes
que estão nas filas durante vários minutos, muitas vezes em pé. Isso certamente traz
transtornos e mal-estar para ambas as partes.
Ou seja, a falta de uma manutenção ou regulação adequadas dos equipamentos
de refrigeração das agências poderá ocasionar, além de excesso de calor, muito frio. Os
depoimentos deixam claro que mesmo a gerência estando ciente do problema, nenhuma
providência é tomada.
Observamos que o caixa bancário realiza fundamentalmente sua atividade
sentado numa cadeira dentro do guichê, já que poucas vezes precisa se levantar para
buscar algum documento ou dinheiro na tesouraria. Para tal, faz uso constante de dois
computadores.
“O lugar que a gente fica é bem pequeno, sabe?
Principalmente porque a gente trabalha com dois
computadores”.
Eles ainda comentam que o mobiliário utilizado “ainda não é totalmente
ergonômico” e seu uso constante, juntamente com os equipamentos eletrônicos, é
extremamente inadequado, ocasionando problemas de postura e dores pelo corpo.
98
“(...) você tem que ter uma boa estrutura; tem que ter
equipamento bom que a gente não tem aqui; a gente
trabalha numa cadeira muito ruim”.
Diante dos problemas elencados, relembramos que, conforme preconizam os
estudos ergonômicos, para que se atinja a eficiência produtiva (quantidade e qualidade),
faz-se imprescindível o investimento na melhoria das condições de trabalho, visando o
conforto, a segurança e a saúde dos trabalhadores (Wisner, 1994).
2.2. AS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E ORGANIZACIONAIS
As mudanças tecnológicas e organizacionais foram também identificadas pelos
caixas bancários como fatores que impactam diretamente a realização do seu trabalho
(Merlo & Barbarini, 2002).
Os estudos de Campello e Silva Neto (1996) afirmam que, segundo a visão
empresarial, o processamento mais ágil das informações, via o advento da
informatização15, é considerado como atrativo para os clientes por atribuir
características positivas como confiabilidade, agilidade e modernidade ao banco.
De acordo com os autores, se por um lado a informatização trouxe uma série de
vantagens econômicas para a empresa: redução do tempo necessário à execução das
operações, dispensa de mão-de-obra da retaguarda (serviços de compensação) e redução
de custos, entre outras; por outro, favoreceu o acúmulo de funções, sobrecarregando
ainda mais os caixas, conforme eles próprios afirmam:
15
Mais detalhes sobre a informatização no setor bancário, ver Capítulo II desta dissertação.
99
“Realmente a tecnologia é um facilitador. Torna as coisas
mais fáceis: a execução, a segurança,.... Agora, te falo
assim, desde que eu comecei nessa atividade, a carga e
responsabilidade, a preocupação... porque se trabalha
com numerários, é muito grave. Então pra mim não muda
muita coisa. E às vezes a tecnologia mesmo que, acelere
em alguns aspectos ou, digamos assim, torne mais
funcional a nossa atividade, é uma coisa a mais. É um
terminal a mais pra você... são mais funções, são mais
comandos que se tem que operar, às vezes tem um
equipamento que é pra facilitar, mas aquilo que tu
colocou não funciona bem, aí termina requerendo um
esforço maior pra fazer”.
“Por incrível que pareça, o avanço tecnológico resultou
em mais trabalho pra nós. Melhor para o cliente, que tem
outros meios alternativos de resolver o que ele precisa no
banco, mas pra nós não, aumentou.... É sobrecarga
demais. Na realidade a empresa transferiu toda essa
digitação pra ser feita pelo receptor do documento [o
caixa]. Então isso nos prejudicou muito. Exige muito
fisicamente da gente”.
Estes chamam atenção para o fato de que alguns dos conhecimentos que
atualmente devem possuir para lidar com equipamentos de computação, não eram
exigidos até o momento do seu ingresso no banco e também que constantemente
ocorrem falhas no sistema operacional ao qual os computadores do banco estão
interligados.
Além das mudanças tecnológicas, algumas modificações organizacionais
adotadas
nos
últimos
anos
provocaram
inúmeras
insatisfações
aos
caixas,
principalmente em decorrência da maciça redução de postos de trabalho no setor
bancário.
Conforme sinalizamos no Capítulo II, Jinkings (2004) recorre aos dados do
DIEESE de 2001 e indica que o processo de reorganização pelo qual passou o sistema
bancário brasileiro, acarretou uma intensa diminuição de trabalhadores deste setor.
100
De acordo ainda com alguns depoimentos, os caixas estão expostos às
variabilidades do sistema organizacional (Telles & Alvarez, 2004), sejam eles
procedimentos internos ou de nível nacional, demandando da sua parte, capacidade de
flexibilização e adaptação.
“Há muitas mudanças nesse meio, sabe? Há muitas
mudanças mesmo. (...) Quando há qualquer novidade, aí
o gerente ou o gerente intermediário comunica, entendeu?
‘Leiam sua caixa postal porque tem determinadas
mudanças’”.
O relato acima ilustra que, constantemente, são feitas modificações
organizacionais que devem ser do conhecimento de todos os funcionários. Estas
informações são distribuídas através de uma rede interna de comunicação do banco
(intranet).
É da incumbência do gerente de relacionamentos (seu superior hierárquico)
comunicá-los sobre a chegada dos novos documentos, porém cabe ao caixa lê-los,
apreendê-los e colocá-los em prática no prazo estabelecido pelo banco.
“Hoje ... tá sempre havendo mudança nova de sistema e
você sempre tem que estar atento, porque ninguém chega
aí pra dar um treinamento, entendeu?... Se vire... o
programa já está no sistema, você tem que se orientar e
estar cada vez mais informado. Então... essa parte aí é
muito perigosa e se você cometer qualquer erro... Então
você tem que estar mais ligado, tem que ser muito bom em
informática, tem que estar atento, sempre acompanhando
as mudanças. E eu acho isso muito perigoso, né? Se você
errou, você termina sendo prejudicado, não é? Tem que
arcar com as conseqüências ... você tem que aprender e se
virar, porque não chega ninguém pra lhe ensinar não,
praticamente você tem que aprender sozinho”.
101
Fica claro pelos relatos dos caixas que o acesso e a devida e imediata apreensão
da informação é de sua total responsabilidade, já que não existem treinamentos
periódicos onde novos procedimentos sejam socializados.
Como diz Daniellou (apud Telles & Alvarez, 2004), as empresas solicitam dos
seus funcionários certas operações cognitivas a fim de que estes dêem conta do déficit
da prescrição do trabalho (o que freqüentemente ocorre nos banco).
Segundo o site da Federação dos Bancários do Estado do Pará (2006), desde
Janeiro de 2006, a Caixa Econômica Federal extinguiu os postos de trabalho dos caixas
executivos, criando um novo cargo de comissão, cuja nomenclatura é “caixa de ponto
de venda - caixa PV”. De acordo com o site da Federação dos Bancários do Rio Grande
do Sul (2006), a criação do Caixa PV reduz as vagas previstas para os caixas bancários
e promove o corte no número atual desta função em várias unidades, algumas com
redução de até 50%.
“A empresa hoje tem outra visão, você está virado pra
frente, então você tem que conversar com o cliente, como
se você fosse um vendedor ou um funcionário completo. O
que menos importa é o número de autenticações. É mais
venda, é mais atendimento, e tal. (...) As agências,
internamente, se chamam ponto de venda e se você é um
caixa daquela agência, você é um caixa de ponto de
venda. Então você está ali pra vender, pra atender cliente
e tal”.
Por este depoimento, verificamos que dentro de uma mesma função existem
diversos personagens, ou seja, ao mesmo tempo em que o caixa é a pessoa que atende
ao cliente e realiza as operações solicitadas por este, também precisa vender os produtos
do banco, de forma a atingirem, individualmente, as metas crescentes impostas pela
102
empresa e assim, ao alcançá-las, receber a tão esperada e “compensadora” comissão
sobre as vendas.
Segundo a concepção de Jinkings (2004), esta atual ênfase dos bancos,
caracterizada pela busca constante de formas de diferenciação mercadológica e venda
de produtos que tragam rentabilidade à empresa, acaba por redefinir a identidade
profissional dos caixas, convertendo-os em bancários-vendedores que, por sua vez,
também devem estar capacitados a realizar um atendimento integral ao cliente.
Devido a esta recente mudança organizacional, o contingente de funcionários
trabalhando nos guichês diminuirá cada vez mais. Além da evidente preocupação com o
excesso de trabalho que os espera, os caixas salientam que o atendimento ao cliente
também ficará prejudicado, já que, com a redução do quadro funcional, o tempo que o
cliente levará nas filas será ainda maior.
2.3. A PRESCRIÇÃO E A REALIDADE DO TRABALHO
Conforme vimos no Capítulo I, a Ergonomia chama atenção para a diferença que
há entre o trabalho prescrito (maneira segundo a qual o trabalho deve ser executado) e o
trabalho real (aquilo que realmente foi feito) (Guérin et al., 2001). Essa diferença é
decorrente de uma constante variabilidade, visto que a prescrição é sempre limitada e
incompleta e que o saber prático tem o objetivo de cobrir as lacunas do saber teórico,
submetendo os trabalhadores a passarem cotidianamente por um processo de reinvenção
desses limites (Guérin et al., 2001; Wisner 1987; Daniellou, Laville, & Teiger, 1989).
103
Segundo depoimentos dos próprios caixas, o normativo RH 060 da Caixa
Econômica Federal trata, entre outros assuntos, das atribuições gerais pertinentes ao
caixa bancário:
•
tempo de permanência no trabalho de no máximo seis horas;
•
atendimento a clientes nos guichês;
•
autenticação de documentos;
•
conferência de assinaturas ou impressões digitais em documentos.
Apesar do normativo prescrever o tempo de permanência no trabalho de no
máximo seis horas, a maioria dos caixas costuma chegar ao banco em torno de meia
hora ou uma hora antes do horário estipulado para o atendimento ao público, que em
dias normais de funcionamento, abre suas portas às dez horas da manhã. Além disso, o
trabalho somente pode ser efetivamente encerrado depois que o último cliente sai da
agência, conduzindo-os, muitas vezes, a extrapolarem o horário previsto.
Dejours e Abdoucheli (1990) salientam a importância que a tarefa tem para os
trabalhadores, indicando que a mesma deve ter um sentido de nortear as suas ações.
Nesse sentido, identificamos que para a maioria dos caixas algumas das rotinas diárias
previstas não diferem basicamente do que foi apreendido nos treinamentos.
“A parte prescrita, não. Eu acho que não, porque é bem
real. Até hoje... já houve modificação, pra o tempo que eu
fiz o curso já não é mais feito da mesma maneira, mas é
bem parecido com a prática”.
“Se você for pegar realmente o que a gente tem aí, vai
ficar difícil, né? Tem que conferir a assinatura dos
cheques, data, né? E tudo. Tem que olhar tudo. Aí eu acho
que não é muito diferente não”.
104
Embora a organização prescrita do trabalho nunca seja considerada inútil para os
trabalhadores (Dejours, 1993), em certas situações onde haja transparência entre os
níveis hierárquicos pode acontecer a necessidade de se “fraudar” o prescrito a fim de se
executar uma determinada atividade, já que muitas vezes os próprios regulamentos
internos da empresa são contraditórios e podem gerar uma certa “paralisia” no trabalho.
Hirata (1989) aponta para o fato de que a organização prescrita do trabalho
nunca é respeitada, resultando sempre num compromisso que surge de uma negociação
entre coletivo de chefia e coletivo de execução. Conforme vimos:
“A partir de um determinado limite, o pagamento de cheque,
qualquer que seja a movimentação financeira, um débito em
conta, uma ordem de pagamento, qualquer que seja, tem que
ter, tem que ter, é... a senha de gerência, que a gente chama
aqui de NSU, entendeu? Então, normalmente quando o gerente
está super atarefado, essa senha é disponibilizada para um
colega, ..., ele assume essa responsabilidade, ... O normativo,
muitas vezes, deve ser ... não é burlado, mas ... contornado, pra
você poder ter uma atividade normal”.
Alguns dos participantes admitem que, comumente, em determinadas situações,
mesmo que contrariando as normas estabelecidas pelo banco, realizam procedimentos
que somente poderiam ser feitos pelo superior hierárquico. Eles “transgridem” ou
“burlam” certos normativos (prescrições) para que uma determinada atividade possa
fluir normalmente, sem impedimentos, nem “paralisia”.
Na realidade, o que os trabalhadores fazem é “adaptar” o normativo às
necessidades da realização da atividade, ou seja, eles fazem uma “re-interpretação do
normativo”, de forma a reconfigurar o meio de trabalho com o seu próprio meio
(Borges, 2006).
105
Como já fizemos menção, os bancários freqüentemente recebem informações
(via correio eletrônico) acerca de mudanças organizacionais, que devem ser postas em
prática nos prazos estipulados. Mesmo assim, a Caixa Econômica ainda mantém nos
seus manuais alguns dos seus principais normativos, já que estes funcionam como
referência para delinear o lugar de cada cargo específico dentro do banco.
Veremos mais adiante que, ao considerarmos o ambiente de trabalho como
sendo um lugar permanente de micro-escolhas (Schwartz, 2000; Brito & Athayde,
2003), apreendemos como se dá a gestão da regulação cotidiana das variabilidades da
atividade dos caixas.
2.3.1. O CAIXA BANCÁRIO NO CURSO DA AÇÃO
Ainda no Capítulo I, vimos que o trabalho real, também conhecido por atividade,
é o modo como o homem se relaciona com os objetivos que foram propostos pela
organização do trabalho e os meios fornecidos para a realização do mesmo, numa
determinada situação (Guérin et al., 2001). No entanto, para Clot (apud Brito &
Athayde, 2003), o trabalho real ou atividade envolve também aquilo que não se faz, o
que se busca fazer sem conseguir, o que pode ser feito, o que há para se refazer e até o
que se faz sem querer.
Constatamos que a atividade dos caixas bancários tem início antes mesmo de
eles chegarem ao banco, pois durante o trajeto casa-agência, muitos fazem uma espécie
de antecipação do seu “expediente”, imaginando os procedimentos a serem realizados.
“Quando eu venho trabalhar de manhã cedo, eu já venho
[pensando] ‘vou fazer isso, vou fazer aquilo’, então você
106
já vai programando o seu dia, ‘falta fazer isso, tem a
obrigação de fazer isso’”.
De acordo com Campello e Silva Neto (1996) a jornada de trabalho dos caixas
está dividida em três momentos fundamentais: o atendimento ao público, a
compensação e o fechamento do caixa.
Como dissemos anteriormente, a grande maioria dos caixas contactados costuma
chegar à agência sempre alguns minutos antes da abertura da mesma para os clientes,
alegando que esse tempo é necessário para iniciar mais tranqüilamente a sua rotina de
trabalho. Durante esse período, o procedimento é sempre o mesmo, ou seja, eles pegam
o dinheiro (ou numerário) na tesouraria e realizam a “abertura do caixa” (inicialização
do sistema do computador). Alguns ainda têm a oportunidade de, muitas vezes,
efetuarem os pagamentos de suas contas pessoais.
“Eu chego aqui de oito e meia16, porque eu não gosto de
chegar em cima da hora, eu gosto de me sentar, de ler
meus e-mails, tudinho, chego bem cedinho, abro os meus
terminais, os dois, pego o meu dinheiro na tesouraria,
abro os meus dois terminais... Pago as minhas contas,
antes de tudo, é a primeira coisa que eu faço, é pagar as
minhas contas e o resto dos meus parentes todos, porque
quem resolve tudo sou eu (risos). Aí então, aí eu tô pronta
pra começar o dia”.
A atividade dos caixas somente se tornou possível devido à presença constante
dos clientes nas agências. No entanto, as filas, entendidas como objetos cotidianos de
pressão (Jinkings, 2004), são alvos de queixas para muitos dos participantes da pesquisa
que comentam acerca do excesso de pessoas e do barulho feito por elas, principalmente
16
Essa entrevista foi feita durante o horário de verão, quando no Nordeste do país, os bancos costumam
abrir suas portas às nove horas.
107
nos dias de grande movimento17. A dinâmica da agência é conduzida diretamente pelos
clientes, pois sua presença provoca alterações significativas no ritmo de trabalho dos
funcionários (Zamberlan & Salerno, 1987).
Após a liberação da agência para a entrada das pessoas, a “rotina” (assim
chamada pelos caixas) se inicia, ou seja, é feita a recepção das pessoas e se realiza a
autenticação dos documentos recebidos. Os bancos disponibilizam um guichê de
atendimento exclusivo (para idosos, gestantes, lactantes e deficientes físicos), e outros
(em quantidade variável, de acordo com o tamanho da agência) para o público em geral.
A Caixa Econômica estipula que o caixa bancário tem direito a uma pausa de
uma hora para o almoço. Porém devido à vários fatores como: excesso de pessoas nas
filas em dias de muito movimento, poucos caixas nas agências, além das reclamações
ou solicitações feitas por parte tanto dos clientes quanto da própria gerência, muitas
vezes esse direito é substituído pela urgência de voltar ao guichê.
“É... na época de pagamento, por exemplo, eu só tiro dez
minutos de almoço e volto de imediato. E num dia como
hoje [com poucos clientes na agência], eu posso tirar
trinta, trinta e cinco minutos pro almoço”.
Mesmo em dias de pouco movimento nas agências, a maioria dos caixas
costuma se ausentar dos guichês apenas por cerca de meia hora para fazer suas
refeições, voltando antecipadamente para o seu posto de trabalho, a fim de dividir com
seu colega o atendimento aos clientes. Em algumas situações, eles chegam a almoçar
em apenas 10 minutos, já que têm que retornar ao trabalho para não “atrapalhar” o bom
desempenho da agência.
17
As implicações das filas no sofrimento psíquico dos caixas serão discutidas mais adiante.
108
“Quando eu tô na hora do almoço, muitas vezes eu sou
requisitado pra vir atender um cliente que tá com pressa,
um cliente de um porte melhor e tal, então tem que ser
atendido no momento, então a gente, dentro desse horário
[expediente bancário], tem que tá sempre disponível,
sendo no horário do almoço ou não”.
Exemplos como o relatado acima, mostram que durante o intervalo para almoço,
as gerências das agências comumente requisitam que os caixas retornem aos guichês a
fim de realizar algum procedimento que compete apenas a um funcionário específico,
ou mesmo para atender a um cliente classificado pela agência como especial.
Após a saída do último cliente, a próxima etapa é o “fechamento do caixa”,
procedimento que consiste na conferência de todas as autenticações de documentos que
foram realizadas durante a jornada de trabalho. O valor final, que consta na fita da
impressora, deve conferir com a movimentação (entrada e saída) de dinheiro e, quando
isso acontece, os funcionários costumam utilizar a expressão “bateu o caixa”.
Infelizmente, devido ao intenso trabalho com numerários e às diversas
variabilidades existentes durante a jornada de trabalho diário, freqüentemente, ocorrem
sobras ou faltas de dinheiro no caixa. Se, porventura, o valor for a mais, este deve ser
encaminhado para o fundo de reserva da Caixa Econômica Federal, mas, se por outro
lado, houver falta de dinheiro, este é descontado do caixa responsável por aquele
guichê.
Pelo que nos foi dito, o bancário tem um prazo de até 48 horas para restituir ao
banco aquele valor que faltou no seu caixa. Em casos mais graves ou delicados, é
possível solicitar a abertura de um processo administrativo para comprovar que o
funcionário não agiu por dolo, ou seja, que a falha não foi intencional. Porém, na grande
maioria dos casos, isso não costuma acontecer. Os caixas têm que desembolsar desde
109
pequenas quantias até grandes montas, precisando, algumas vezes, requisitar um
empréstimo pessoal para poder dar conta do prejuízo.
Após o fechamento de caixa, chega-se efetivamente ao encerramento da jornada
de trabalho do caixa bancário.
2.3.2. A REGULAÇÃO DAS VARIABILIDADES E O USO DA INTELIGÊNCIA
PRÁTICA
Como vimos, o trabalho humano realizado em situações reais de trabalho, não
corresponde jamais ao trabalho esperado e fixado pela organização do trabalho. Durante
a realização de uma atividade a pessoa está sujeita a variabilidades, quer sejam do
sistema técnico e organizacional, da sua própria variabilidade e a dos outros e do(s)
coletivo(s) de trabalho pertinente(s) (Telles & Alvarez, 2004)18.
Os trabalhadores costumam gerenciar as variabilidades do dia-a-dia utilizando
um conjunto de operações de previsão, antecipação e prevenção, efetuando uma
regulação permanente da produção da sua própria atividade (Athayde, 1996). Mas, para
tal, é preciso que eles tenham conhecimento sobre as variabilidades a fim de tentar
prevê-las e considerar a possibilidade de que novas venham a existir.
“A gente joga muito com jogo de cintura mesmo, sabe?...
Mas tem dia quando o sistema cai, eu fico calma, aí aviso
os clientes, ligo pra central se for o caso, se vai demorar,
o que vai acontecer, se vai ser rápido, aí aviso os
clientes”.
“A calculadora do nosso teclado é vinculada ao sistema,
então tem hora que você tá assim, ó... [o caixa faz gestos
18
Para maiores detalhes, consultar o Capítulo I.
110
lentos pra mostrar como digita]. Eu vi um caixa (...), há
alguns anos atrás, que digitava com uma caneta, em vez
de digitar com o sistema mecanográfico, que é o sistema
de leitura dos números. (...) Eu não compreendia aquilo,
agora eu compreendo, é a calculadora vinculada ao
sistema. Quando o sistema tá lento, ela fica lenta, então
você vai somar 2 mais 2 e ele demora até 10 segundos, 15
segundos, pra dar a resposta e você não pode digitar
seqüencialmente 1,2,3, você tem que digitar 1....... 2...... 3.
às vezes ela não digita o 3, aí quando você vai somar, aí
você perde uma soma”.
“Eu procuro me concentrar num campo de sintonia onde
eu consiga derrubar aquela fúria que ele [cliente] vem
pra cima de mim. Porque ele, coitado, deve estar com
algum problema externo. Então eu ofereço um cafezinho,
uma água, um sorvete, bombom, chocolate e nessa
bobagenzinha que se faz, quebra aquela fúria e termina se
tornando amigo, amigo. Desmonta”.
A nosso ver, o caixa deste último depoimento desenvolveu uma estratégia de
enfrentamento muito interessante, pois ele tenta, através da cortesia em oferecer algo
agradável, minimizar a “fúria” do cliente. Segundo seu próprio relato, o tempo de
trabalho no banco o ensinou a lidar com certas situações adversas e a enfrentar os
problemas sempre da melhor maneira possível, mas em caso de não conseguir, ele faz
com que o cliente se dirija a outro setor do banco, como por exemplo a gerência.
Verificamos, pois, que os caixas colocam em prática uma certa astúcia e sua
experiência pessoal e profissional, como um modo de buscarem as resoluções para os
problemas diários (Dejours, 1993).
2.3.3. OS LAÇOS DE COOPERAÇÃO
111
Como já fizemos referência, as diversas modificações que ocorreram ao longo
dos anos, principalmente devido ao processo de automação nos bancos, fizeram com
que a atividade dos bancários sofresse uma drástica transformação, acarretando, entre
outras coisas, um incremento do volume do trabalho individualizado (Campello & Silva
Neto, 1996).
O trabalho no guichê é considerado pela maioria dos caixas como algo
estritamente individual, já que cada um é capaz de atender às necessidades dos clientes
sem que haja a interferência de outras pessoas. Muitos vêem este ponto como positivo,
já que não dividem a responsabilidade com mais ninguém e entendem que ali, naquele
momento, eles são os gestores do seu próprio trabalho.
“A nossa atividade, por natureza, é individual. Um não
precisa do outro pra fazer o serviço”.
Entretanto, vimos que, em situações que fogem ao seu domínio, os caixas
solicitam o auxílio de um colega do guichê ao lado ou, até mesmo, do gerente da
agência, mobilizando-se coletivamente para levar ao término sua atividade.
“É uma atividade individual, mas, digamos assim, mais
de cooperação. É... um colega tá com uma dificuldade,
por exemplo, numa determinada operação, autenticar um
documento, convida o outro,... existe cooperação. De
repente tem dúvida num autógrafo, chama o outro, pra
ajudar, existe bastante cooperação”.
Dejours (2004) identifica a cooperação como sendo a base fundamental para a
formação do coletivo de trabalho, sendo aquela essencialmente formada a partir de uma
112
associação de laços comuns construídos pelos trabalhadores, de forma voluntária,
imbuídos em alcançar um objetivo comum, isto é, a realização de uma obra comum
(Cru, 1986; Athayde, 1996; Guérin et al., 2001; Figueiredo, 2001).
Vemos que, de acordo com a situação em que se encontre um caixa, os outros
podem ser solicitados para auxiliá-lo a despachar um documento ou até mesmo a
reconhecer a assinatura de um cliente que não esteja tão legítima ou que esteja lhe
causando dúvidas, minimizando a complexidade das tarefas e concorrendo a regulação
das variabilidades (Silva, 2005).
3. A SAÚDE DOS CAIXAS BANCÁRIOS
Para Canguilhem (2001) a saúde remete à forma pela qual o indivíduo interage
com o meio e com os eventos da vida e à possibilidade deste poder cair doente e se
restabelecer. Reforçando esta idéia, Dejours (1992) afirma que a saúde das pessoas é um
assunto que está ligado a elas próprias, visto que é algo que pode ser conquistado e do
qual dependem. Portanto, cada indivíduo deve ser capaz de sofrer e reconhecer suas
dificuldades a fim de enfrentar as demandas que o meio lhe solicita.
De uma forma geral, procuramos apreender a relação saúde – trabalho de caixas
bancários através dos relatos das suas experiências durante as jornadas de trabalho e,
analisando os depoimentos dos participantes desta investigação, podemos encontrar
alguns elementos que também foram identificados por Seligman (1987) em seus estudos
com bancários e que são apontados por ela como fatores de risco para a saúde dos
trabalhadores: ritmos intensos; repetitividade; exigência de grande concentração mental;
as jornadas extensas, com horas extras; o isolamento dos trabalhadores durante a
jornada; formas de controle sobre os operários gerando medo, vergonha ou revolta;
113
autoritarismo das chefias; grande responsabilidade na função e desvios e acúmulos de
funções.
Como dizem Brito, Neves e Athayde (2003, p. 33), mesmo quando os
trabalhadores estão “no estado de normalidade, as doenças podem surgir,
desestabilizando esse estado para, em seguida, ser novamente estabilizadas,
recuperando-se um novo estado de normalidade”. Em outras palavras, a normalidade
remete à vivência de um processo de sofrimento que tanto pode seguir o caminho da
doença, como pode ser encaminhado a gerar criatividade e prazer no trabalho.
Como veremos a seguir, em se tratando do caminho da doença, nós
identificamos nas queixas dos caixas bancários alguns dos principais sinais de
adoecimento e/ou sofrimento relativos às condições e à organização do trabalho. Porém,
também apresentamos como esses trabalhadores conseguem enfrentar esse sofrimento
por intermédio de seus sistemas defensivos no trabalho que, como dizem os autores
supracitados, apesar de não conduzi-los à saúde, podem preservar uma certa
normalidade.
Assim, vimos que, apesar de diariamente vivenciarem no ambiente de trabalho
situações extremamente deletérias, eles ainda conseguem fazer uso da sua inteligência
prática, mobilizada pela dinâmica do reconhecimento. Esta, por sua vez, reforça a
construção da identidade dos trabalhadores e favorece a saúde mental e somática,
contribuindo para o sentido no trabalho e para a transformação do sofrimento em prazer.
3.1. AS IMPLICAÇÕES NA SAÚDE
114
Recordando o Capítulo I, vimos que Wisner (1994) elucida que o termo “cargas
de trabalho” originou-se da expressão fadiga, que ainda hoje é utilizada pelos
trabalhadores quando procuram descrever os efeitos negativos que o trabalho traz para
eles próprios e para os seus colegas. Esta noção nos remete a aspectos relacionados aos
campos físico, cognitivo e psíquico no trabalho (Dejours et al., 1993) e que, no caso dos
participantes do nosso estudo, são oriundos, principalmente, das várias mudanças
tecnológicas e organizacionais que acometeram o setor ao longo da sua vida laborativa.
De acordo com Campello e Silva Neto (1996, p. 119) “onde imperam as más
condições de trabalho, gera-se a degradação rápida do organismo”. Em se tratando do
espaço físico ocupado pelos caixas, já mencionamos que é extremamente pequeno e
que, portanto, está comprometendo o uso adequado dos movimentos dos caixas.
“O lugar que a gente fica é bem pequeno, sabe?
Principalmente porque a gente trabalha com dois
computadores”.
Também fizemos referência aos sistemas de refrigeração de ar que, por não
estarem perfeitamente regulados, mantém temperaturas extremas (como muito frio ou
excesso de calor), tornando o ambiente completamente desfavorável ao seu bem-estar
físico e mental.
“O pior de tudo é o ar condicionado, porque, como é
central, às vezes tá muito frio, aí eu preciso pedir pra
desligar um pouquinho, mas aí depois fica muito quente.
Teve um dia que eu comecei a passar mal enquanto estava
atendendo um cliente, tava tão quente que eu comecei a
suar e isso me fez mal”.
Corroborando os autores citados anteriormente, que também realizaram estudos
com caixas bancários da Caixa Econômica, constatamos que os participantes da nossa
investigação igualmente exprimem sua inadequação às condições ambientais do
115
trabalho através da fadiga, caracterizando “o resultado da repressão da atividade
espontânea de órgãos motores e sensoriais e de um esforço para tolerar uma situação
que não se consegue modificar” (idem, p. 199-120). Verificamos, pois, que eles estão
diante de situações tão deletérias que, possivelmente, favorecem o desenvolvimento de
um padrão determinado de desgaste e de morbidade (Laurell & Noriega, 1989).
Já vimos que, há alguns anos, quando se deu o processo de automação nos
bancos, ocorreu uma drástica transformação que acarretou uma padronização das tarefas
e um acréscimo do volume de trabalho individual, além de um aumento sobre o controle
de tempos e sobre a qualidade dos serviços prestados (Merlo & Barbarini, 2002).
Conforme a pesquisa realizada por Malaguti (1996), segundo a visão
empresarial, os equipamentos tecnológicos facilitam o trabalho dos caixas quanto às
autenticações dos documentos. No entanto, para os nossos participantes eles geram
alguns malefícios, tais como a sobrecarga de trabalho, favorecendo o mais freqüente dos
problemas de saúde em bancários, a LER/DORT (Lesão por Esforço Repetitivo /
Doenças Ortomusculares Relacionadas ao Trabalho). Por definição, esta é “uma
síndrome clínica caracterizada por dor crônica, acompanhada ou não por alterações
objetivas, e que se manifesta principalmente no pescoço, cintura escapular e/ou
membros superiores, decorrente do trabalho” (Costa, 2003, p. 25) .
“Por incrível que pareça, o avanço tecnológico resultou
em mais trabalho pra nós. Inclusive o índice de doenças,
né? Por esforço repetitivo, a LER, a Lesão por Esforço
Repetitivo, aumentou bastante, a tendência é sempre
aumentar. Eu já tive dois afastamentos por esforço
repetitivo”.
No caso específico dos caixas envolvidos nesta investigação, a origem deste tipo
de comprometimento pode ser provocada pelo uso constante de dois equipamentos de
informática durante o expediente, pela repetição excessiva de movimentos durante a
116
jornada e, principalmente, pelas pequenas ou inexistentes pausas para descanso, em
conseqüência do acúmulo de pessoas nas filas19.
“Eu acredito que todos os problemas de saúde que eu já
tive foram por conta do trabalho (risos). Úlcera,
estresse... já tá começando a aparecer herpes labial. Se eu
tiver algum tipo de estresse grande ele estoura... eu tenho
problema de DORT nas duas mãos, no ombro eu também
tenho (risos)”.
Este caixa, especificamente, durante todo o tempo que falava sobre seus
problemas de saúde, sorria e fazia uma espécie de retrospectiva da sua vida desde o
momento que ingressou no banco, chegando à conclusão de que todos os males que o
acometeram ao longo dos anos relacionam-se à sua atividade laboral. Segundo ele, a
herpes labial aparece sempre que a sua carga de estresse está alta, provocando, até certo
ponto, um constrangimento em estar atendendo os clientes com os lábios feridos, já que
uma boa aparência pessoal também é importante na sua função. A LER/DORT, além de
dificultar o manuseio dos equipamentos, o impede de praticar alguns exercícios físicos,
além de causar desconforto também durante os períodos em que está em casa,
descansando.
Segundo relatos, existem funcionários que, por motivos de adoecimento
(principalmente relativos à LER/DORT), são deslocados de suas atividades nos guichês
para outro setor da agência. Nestes casos, a empresa utiliza-se de um recurso
administrativo conhecido por “readaptação profissional”.
Brito, Neves e Athayde (2003), ao realizarem um estudo investigativo com
merendeiras e serventes de escolas, verificaram que a “readaptação” é aplicada quando
19
Esses aspectos das condições de trabalho dos caixas bancários serão retomados ao longo deste item.
117
se admite que o trabalhador não tem condições de continuar realizando as atividades
requeridas pela função, considerando-se o sofrimento e o adoecimento do mesmo.
Segundo os participantes da nossa pesquisa, existem alguns bancários que, em
condições de “readaptados”, não trabalham diretamente com autenticações de
documentos, mas continuam desempenhando uma função muito parecida com a de
caixa. Apesar da diminuição da carga de trabalho, eles ainda utilizam o computador e
realizam atividades que exigem movimentos constantes e intensos, podendo provocar
um agravamento de um quadro de enfermidade já existente.
“Já fiquei afastada durante três meses, por conta de LER.
Mas aí eu não saí da Caixa, eu fiquei fora do caixa, do
guichê. Eu fiquei trabalhando, na área interna da
agência... mas eu voltei pro caixa porque... era digitar do
mesmo jeito”.
O banco, ao utilizar o recurso da “readaptação”, além de colocar os funcionários
em situação de trabalho semelhante à anterior, priva-os de gozarem dos benefícios das
tão mencionadas comissões de vendas.
Assim, verificamos que alguns caixas, após serem afastados temporariamente
dos seus postos originais e de experimentarem o processo de “readaptação” em outro
setor do banco, solicitam à gerência o seu retorno ao guichê, voltando a realizar as
mesmas atividades exigidas pelo cargo.
De acordo com o site da CLT Dinâmica (2007), a NR-17 20 (117.035-0 / 13)
prevê que “nas atividades de entrada de dados deve haver, no mínimo, uma pausa de 10
(dez) minutos para cada 50 (cinqüenta) minutos trabalhados, não deduzidos da jornada
20
Norma Regulamentadora no 17 (ver anexos 7 (a-d)).
118
normal de trabalho”. No entanto, vemos que nem sempre essa norma é respeitada pelos
caixas bancários, mesmo que, quando desobedecida, possa causar-lhes danos físicos.
Em nossas observações, constatamos que o dia-a-dia de um caixa de banco é
realizado em um ritmo bastante frenético. Ao questionarmos sobre o dia mais cansativo
da semana, foi unânime o comentário de que, devido aos pagamentos do funcionalismo
público e previdência e das próprias contas pessoais dos clientes, a carga de trabalho
mais intensa ocorre nos primeiros 15 dias do mês, provocando neles um cansaço ainda
maior.
[o dia mais cansativo] “... é do dia 3 até o dia 15. Porque
com o mesmo efetivo de funcionários você tem que dar
conta de três vezes o movimento normal”.
Assim, em dias de muito movimento, devido ao rígido controle de tempo e ao
aumento da produtividade, acarretando uma excessiva carga de trabalho durante a
jornada, torna-se praticamente impossível para os caixas se ausentarem dos seus guichês
durante o momento do atendimento, inclusive sentindo-se impedidos de saírem para
atender às suas necessidades fisiológicas básicas.
“Você trabalha constantemente, sem pausa... sem pausa
nenhuma... pra você ir no banheiro... é sufoco... às vezes
eu olho assim, quando eu olho que o cliente olha pro céu,
eu dou uma escapulida, porque é difícil. Às vezes eu fico
louca pra fazer xixi... Sabe? Vai dando aquela coisa e
você não pode sair, porque às vezes tá no meio de um
depósito, de um negócio, e quanto mais eu faço, mais o
cliente traz coisa pra eu fazer, o mesmo cliente. Quer
dizer, é sufoco. É muito cansada, a carga horária, a carga
de trabalho de um caixa executivo é muito pesada. Você
não tem folga...não tem folga, é um cliente atrás do outro,
é um cliente atrás do outro, não tem tempo nem pra
respirar”.
119
Constatamos que, de acordo com a quantidade de pessoas que os caixas
atendem, a idéia que eles transmitem é de que a sua atividade torna-se praticamente uma
“bola de neve” que se desenvolve de forma crescente, até o ponto de “engolir” o
funcionário, ou como foi ilustrado pelo próprio caixa do depoimento anterior: “sem
tempo até mesmo para respirar”.
Essa metáfora parece explicar o porquê de alguns caixas se sentirem
extremamente cansados quando os seus colegas de guichês tiram férias. Vejamos:
“Aqui, se faltar um, é mais sufoco pra quem fica. Se um
colega tira férias, você deveria ficar feliz, satisfeito
porque o colega vai tirar férias, mas você já fica
preocupado com como é que você vai trabalhar mais, é
mais trabalho pra você que não vem ninguém de fora, não
tem outro pra botar no lugar, infelizmente é a realidade.
É ruim trabalhar assim”.
Observamos, assim, que além do desgaste físico, as falas dos trabalhadores
também exprimem algumas das suas perturbações imunológicas, possibilitando a
promoção do sofrimento psíquico e do aparecimento de enfermidades somáticas ou
psicossomáticas (Dejours, 1992; Wisner, 1994).
3.2. O SOFRIMENTO PSÍQUICO
Ao longo deste estudo, enumeramos vários aspectos vinculados à atividade dos
caixas bancários que podem promover a vivência de um sofrimento psíquico, já que
120
esses trabalhadores estão diariamente submetidos a diversas situações de trabalho que
implicam num processo de retenção de energia (Dejours, 1993).
Em se tratando da relação homem-atividade, salientamos que os trabalhadores
trazem consigo suas histórias pessoais, sedimentadas por aspirações, desejos,
motivações e necessidades psicológicas, que conferem aos sujeitos características únicas
e pessoais (Dejours, Dessors & Desriaux, 1993). Esses elementos de sedimentação
somente serão satisfatoriamente alcançados no ambiente laboral a partir do momento
em que a organização do trabalho oferecer condições para a sua construção.
Recorrendo aos depoimentos produzidos durante a nossa investigação,
identificamos que palavras como “frustração, tensão, depressão, raiva, estresse” foram
repetidamente citadas, pois para a maioria dos caixas, muitos dos seus problemas de
saúde podem estar vinculados à sua atividade laboral.
“Eu tenho uns piques de tensão. Normalmente no meio do
expediente eu tenho uns piques de tensão muito grande”.
“Mesmo que eu tenha uma carga maior de trabalho, num
determinado dia, por exemplo, num final de mês, num dia
que se recebam muitas contas ou tenha muito pagamento,
isso aí pra mim é o normal. Mesmo que se trabalhe mais.
Agora lógico, vem um sentimento de estresse, de uma
certa frustração no final do dia, por tá trabalhando o dia
todo, entende? A gente sai mais tarde daqui, né?... Vamos
dizer assim, abate mais, certo? Deprime mais”.
Uma das maiores fontes de sofrimento para os caixas, é a pressão das filas dos
clientes, tanto pela grande quantidade de pessoas quanto pelo barulho excessivo que
elas fazem ao reclamarem, provocarem e, até mesmo, ofenderem os funcionários com
comentários maldosos.
121
“O barulho das pessoas reclamando na fila é algo que
irrita muito também”.
“Tem dias que tem aquelas pessoas que ficam xingando o
tempo todo na fila, que vai dando uma irritação...Um dia
desses um cliente ficou reclamando o tempo todo na
minha frente e eu não sabia mais o que fizesse, porque ele
tinha que esperar a vez dele”.
Muitas vezes esses trabalhadores não têm como reagir às provocações. Eles se
sentem com as mãos atadas, já que devem atender a fila por ordem de chegada e não de
acordo com a disponibilidade ou urgência que o cliente diz ter.
“É a pressão maior do mundo, todo mundo gritando,
sempre aquela pressão, tudo isso, imagina a vida todinha
só sofrendo pressão. Você tem a sensação de que vai ficar
sozinho e os ‘cabras’ vão começar a ‘chiar’, a reclamar e
gritar e ‘cadê os caixas?’ (...) isso é muito, muito ruim,
entendeu?”
De acordo com as informações dos participantes, em dias de pagamento do
funcionalismo público, o número de pessoas que freqüentam os bancos chega até
mesmo a triplicar, principalmente no horário de almoço, já considerado o período de
maior movimento dentro das agências. Esse fato obriga os caixas a atenderem,
individualmente, uma quantidade de clientes maior do que a habitual, até que um outro
colega retorne ao guichê.
“(...) Agora quando chega dia de pagamento, dia de
movimento grande, você vê uma fila do tamanho do
mundo e você vê dois caixas ali, aí na hora do almoço sai
um e fica só um atendendo as duas filas, puxando um dos
idosos e um da outra fila”.
122
Durante o tempo em que ficam sós, aguardando o colega retornar da pausa para
o almoço, os caixas verificam que há uma insuficiência de tempo capaz de suprir a
demanda do grande número de atendimentos. Eles então se vêem frente-a-frente com
pessoas que, por não entenderem o porquê da ausência de outro caixa, reclamam e
chegam a causar tumulto e muito barulho, ocasionando um enorme transtorno, difícil de
ser controlado.
Nesses dias de maior movimento dentro das agências, os caixas afirmam que se
sentem “sufocados” com a pressão exercida pelo público, gerando uma sensação de
estar em plena “guerra contra os clientes”, mesmo reconhecendo que é do público que
depende o seu emprego. Vejamos:
“(...) O caixa é como se fosse a frente de batalha, né? Se
tivesse no exército, eu acho que o caixa seria a infantaria,
né? [risos] Estaria na frente, vendo o olho do inimigo. Eu
não vou tratar o cliente de inimigo, mas ele é um
adversário que vai tentar te explorar e você vai tentar
explorar ele”.
Os participantes da investigação apresentam um desconforto evidente ao
refletirem acerca da sua submissão aos clientes do banco e também o quão vulneráveis
estão à apreciação destas pessoas, pois como os clientes não conhecem os reais motivos
que levam um funcionário a se sentir mal, é comum que façam pré-julgamentos em
determinadas situações, chegando, em casos muito extremos, a se “aproveitarem” de um
momento de fragilidade do bancário para realizar algum ato ilícito (como receber
dinheiro duas vezes).
“Se você der uma demonstração de fraqueza, se o cliente
percebe, ele pode se utilizar disso pra te prejudicar. Às
123
vezes, não é nem pra ti, mas é pra dar um golpe no banco
mesmo”.
Observamos pessoalmente o quanto os clientes pressionam verbalmente os
caixas, anulando assim as possibilidades de pausas durante a jornada que, como já
dissemos, devem ser de 10 minutos, a cada 50 minutos trabalhados. Além disso, alguns
caixas alegam que têm seus direitos às pausas cerceados, não só devido ao elevado
número de clientes na agência, mas também porque sofrem pressão por parte dos
próprios gerentes para permanecerem no posto de trabalho.
“Existe uma lei do Ministério do Trabalho pra gente fazer
essas pausas da LER, mas só que por outro lado, não tem
estrutura... O pessoal reclama. Se você sai pra tomar um
cafezinho, tomar uma água, já tão atrás de você
reclamando: “cadê o caixa?”, tá entendendo? (...) Aí
quando eu saio, daqui a pouco vem a gerente de
atendimento: “meu filho, venha pro caixa”.
Conforme
já
sinalizamos
anteriormente,
no
tocante
às
mudanças
organizacionais, ao longo da nossa pesquisa, acompanhamos a implantação de uma
medida que substitui o cargo em comissão dos caixas executivos para caixa PV (ponto
de venda).
“(...) Inicialmente, nós éramos onze caixas, hoje somos
três com a probabilidade de ser dois só... Isso nos
preocupa pelo atendimento ao cliente”.
Além de uma nova redução do número de bancários nas agências, esse ato
administrativo trouxe preocupação relativa à qualidade do atendimento dos clientes,
124
tensões e está gerando fortes pressões para os caixas, sendo a maior delas relativa ao
cumprimento das metas estabelecidas pelo banco.
“De vez em quando tem colega aí que pega licença
porque a carga de estresse tá muito alta, fica meio doido,
pirado. Muita gente endoidando. Alguns mais duros na
queda, feito eu que já tô chegando perto, mas tem muita
gente aí que no meio do caminho fica meio derrubado,
meio estressado, principalmente pela questão de que nos
últimos anos ficou muito forte a questão do cumprimento
de metas, né? Uma das coisa mais importantes que houve
em alteração para o bancário foi a questão da
informatização e outra coisa que eu acho que ficou assim
muito forte foi a questão do cumprimento de meta,
entendeu? Aquela coisa de superação a cada dia que
passa, maior, maior, maior, maior, infindávelmente
maior, entendeu? Eu acho que isso é... ficou pesando
muito na carga de estresse do bancário, sabe? Eu acho
que tem pesado muito”.
Os caixas vêem a sua profissão como algo que “suga” suas energias vitais,
tornando-os estressados e conduzindo-os a um processo de “enlouquecimento” devido
ao excesso de carga de trabalho.
O jargão “superação”, citado no depoimento acima, corrobora com o que é dito
por Jinkings (2004) a respeito da sua pesquisa com funcionários de banco: “nos
ambientes bancários, em face das atuais estratégias de dominação e disciplina do
trabalho, tolhidos pelo medo do desemprego, muitos trabalhadores intensificam seu
trabalho e tentam seguir os critérios patronais de competência e as exigências de
produtividade, com sérios agravos às suas condições de saúde. Especialmente nas
agências bancárias e centrais de atendimento, a determinação de metas nas vendas de
produtos e serviços centraliza e tenciona as relações de trabalho”.
Para os participantes da investigação, a rotina de atendimento dos clientes e
autenticação de documentos é quebrada a partir do momento que eles precisam atingir
125
metas de vendas de produtos que foram estipulados pela gerência. Isso os incomoda,
pois, pelo que nos foi informado, os índices são crescentes e precisam ser atingidos
individualmente a fim de se conseguir um valor geral relativo à agência.
“O banco quer que você explore o máximo do potencial
do cliente e o cliente quer explorar o máximo do potencial
do banco. É uma troca e a gente [caixa] está bem no eixo
de atrito entre as duas partes”.
Por conta do contato rápido com o público, os participantes acreditam que as
metas são difíceis de serem conseguidas, mas, mesmo assim eles não deixam de
sofrerem diariamente pressão por parte dos seus superiores hierárquicos.
Segundo Jinkings (2004), o tipo de sistema de remuneração individual variável,
na qual está incorporada a promoção de diferenças salariais em função do cumprimento
de metas por trabalhador, além de incrementar a exploração do trabalho, promove
atitudes pouco solidárias nos ambientes laborais.
O momento do fechamento do caixa realizado no final da jornada de trabalho é
aquele que mais provoca uma sensação angustiante em tal função, mesmo diante de
tantas tensões e sofrimentos vivenciados ao longo do dia. O depoimento abaixo ilustra
bem o exposto:
“Uma coisa ruim é chegar no final do dia e dar
diferença... o caixa faltar. As mãos gelam, aí é triste, aí
vamos procurar a diferença... isso aí, é a pior coisa da
função, o triste é isso. Mas o resto dá pra gente escapar
(risos), o resto é beleza”.
A preocupação e ansiedade pela chegada da hora de “bater o caixa”, provoca
neles uma sensação de tristeza e medo, já que, devido às freqüentes variabilidades
126
diárias, acontecem sobras ou faltas de dinheiro durante a conferência dos documentos
no final do expediente. Ocorrendo a primeira hipótese, a quantia é enviada para o fundo
de reserva do banco e, no segundo caso, o valor é descontado do funcionário
responsável pelo guichê, num prazo de 48 horas.
“Cada fechamento de caixa é um dia a menos na vida da
gente!(risos) Porque ninguém faz fechamento de caixa
tranqüilo. A tensão do fechamento de caixa, ela existe
independente do movimento do dia. Você já começa o dia
a pensar na hora do fechamento do caixa. Se vai dar certo
se não vai”.
Verificamos, portanto, que durante todo o dia, os caixas costumam executar a
sua atividade com o pensamento voltado para o momento do fechamento de caixa, já
que, se na hora da conferência não acontecer de eles “baterem o caixa”, eles terão que
repor o dinheiro ao banco, muitas vezes precisando recorrer à venda de seus próprios
bens pessoais ou, até mesmo, efetuando empréstimos que serão pagos em várias
parcelas como forma de minimizar o peso mensalmente.
“Quando eu vou fechar o caixa, o meu coração dispara,
eu ando com medo, quando tem uma diferença muito
grande eu fico logo nervosa, tremendo... só pode, né?
Quando a diferença é de 10 mil reais, eu fico logo
tremendo.... E as possibilidades vão se acabando, não tem
mais pra onde olhar... Eu quando chego nessa altura, eu
não choro não, mas eu já começo a ficar pensando no que
é que eu vou vender, pra pagar (risos). Esse é o meu
temperamento. Eu sofro, porque eu sou como perua”.
Antes mesmo de ser consumado e mesmo que não venha a acontecer, esse é um
momento que gera muita tensão aos caixas, e que ainda se prolonga durante algum
tempo, caso ocorra. Como o depoimento acima sinaliza, “morrer como perua” significa
127
dizer que ela sofre por antecipação, pois, como diz o ditado: “quem morre de véspera, é
peru”.
Diante dessas situações de trabalho desgastantes entendemos que os caixas
remanescentes podem ser vistos como verdadeiros “sobreviventes”, pois ainda
permanecem trabalhando na mesma empresa em meio a condições potencialmente
nocivas.
“Quando a gente entrou na empresa, era outra empresa:
era mãe, era não sei o quê, aquela coisa: “a Caixa é uma
família”. Uma colega gostava de dizer que quando entrou
era assim, depois começou a ver que era cheio de
padrasto”.
O sonho de pertencer a uma empresa que integra funcionários e os acolhe tal
qual uma “família”, parece ter chegado ao fim depois de tantas desilusões. A realidade
inspirada na perfeição do “amor de mãe” sai de cena e dá espaço a um “padrasto” (no
pior sentido) que impõe o medo, ao invés de respeito.
Ao serem questionados sobre como se sentem no final da jornada de trabalho,
alguns caixas relatam o seguinte:
“Dependendo do movimento daquele dia, se foi pesado e
tal, eu me estresso muito, isso aí eu sou assumido, eu fico
totalmente estressado. Termina o dia tenso, às vezes
nervoso, mas assim, aquela tensão tem que ter um limite”.
“Cansado. Tanto mentalmente, como fisicamente, mas ao
sair da agência, já me recomponho pelas energias
positivas que eu recebo lá fora, aqui morreu. Hoje, esse
dia aqui acabou, vamos ver amanhã”.
128
Para alguns dos participantes, o melhor momento do dia é o de retornar para suas
casas, relaxar e esquecer a jornada de trabalho. Vemos, portanto, que o dia de trabalho
dita as “regras” de como há de ser o comportamento dos caixas após o término do
expediente bancário, e independentemente de saírem cansados ou não, eles procuram
dar um limite a esta sensação, buscando alternativas para o seu bem-estar.
Os estudos de Brito, Neves e Athayde (2003) apontam que, como o sofrimento
faz parte do campo da normalidade, é importante que ele não tome o rumo do
patológico. Em nossa investigação, conseguimos apreender como os caixas bancários
conciliam o que lhes acontece de bom e de ruim no ambiente de trabalho, ao
analisarmos as formas de enfrentamento e os sistemas defensivos utilizados por eles.
3.3. AS DEFESAS
Os estudos de Dejours (1992) apontam que a grande maioria dos trabalhadores,
mesmo quando exposta a perigos constantes decorrentes da organização do trabalho,
consegue livrar-se da descompensação psíquica, utilizando-se de artifícios de defesa, ou
seja, buscando algo que a proteja contra as diferentes formas de sofrimento e,
sobretudo, contra o medo que resulta do trabalho.
Para Dejours e Abdoucheli (1990, p.128), as “defesas levam à modificação,
transformação e, em geral, à eufemização da percepção que os trabalhadores têm da
realidade que os faz sofrer. (...) Vencer a rigidez de certas pressões organizacionais
irredutíveis, os trabalhadores conseguem, graças a suas defesas, minimizar a percepção
que têm dessas pressões, fontes de sofrimento. (...) Os trabalhadores colocam-se na
posição de agentes ativos de um desafio, de uma atitude provocadora ou de uma
129
minimização diante da dita pressão patogênica. A operação é estritamente mental, já que
ela geralmente não modifica a realidade da pressão patogênica”.
Assim, conforme sinalizam Brito, Neves e Athayde (2003, p. 35), “o excesso de
reações de defesa de um organismo pode funcionar, paradoxalmente, como um aliado
do fato agressor. E quando muito, as defesas podem dar conta de preservar uma certa
normalidade, e não conduzir à saúde”.
Passamos neste momento a relatar algumas defesas elaboradas pelos caixas
bancários participantes de nossa investigação:
Como vimos, o meio é identificado como infiel e o trabalhador deve ser capaz de
prever e regular variabilidades em diferentes condições impostas pelo trabalho, que,
muitas vezes, acaba por levá-lo a um processo de adaptação (Brito & Athayde, 2003).
“Meus problemas maiores de saúde são por conta do
trabalho. Está diretamente ligado ao trabalho. Então não
é uma relação muito agradável, harmoniosa, nem
prazerosa, por conta disso (...). Mas... ossos do ofício... o
caixa sempre teve desses trabalhos, o caixa nunca vai ter
um mudança significativa quanto a isso”.
Por não terem expectativas de melhoria e nem conseguirem visualizar mudanças
significativas no seu modo de trabalhar, muitas vezes os caixas utilizam a expressão
“ossos do ofício”, admitindo isso como algo normal e acreditando que a única saída é
adaptar-se à situação de sofrimento imposta pelo trabalho, embora reconheçam que
sofrem e adoecem por conta da sua atividade no banco.
Assim, o depoimento evidencia um tipo de defesa, cuja modalidade favorece
uma adaptação às pressões da organização do trabalho que, por sua vez, ferem homens e
mulheres que trabalham (Dejours, Abdoucheli & Jayet, 1994).
130
Ainda de acordo com o entendimento de Dejours (1992), o trabalho pode ser o
palco de uma luta travada entre o trabalhador e o funcionamento psíquico, exigindo o
uso de um recurso conhecido na psicopatologia pelo nome de repressão. O trabalhador
vivencia uma individualização máxima do sofrimento ao enfrentá-lo em silêncio e ao
reprimir os seus sentimentos, sinalizando assim que as defesas coletivas não estão sendo
eficazes (Dejours, Abdoucheli & Jayet, 1994).
Vejamos o depoimento abaixo:
“Teve um dia aí que eu tive uma indigestão... que
tamanha a provocação [do cliente] e... aí eu tive que
parar, o colega continuou trabalhando (...) e outro colega
me levou lá fora pra arejar um pouquinho, porque
começou a me dar uma dor no peito, dor nas costas e me
entrevou na hora... da raiva. A raiva é.... o problema da
gente é que você não pode ter raiva no caixa, você tem
que estar se controlando. E esse fluxo de controlar a
raiva provoca um treco dentro de você”.
Identificamos, portanto, um exemplo no qual a defesa do organismo leva o caixa
a silenciar e reprimir a raiva que sentiu diante da provocação de um cliente. Isso o
conduziu a um processo de sofrimento que está “arruinando” com a sua saúde, mas por
outro lado o mantém afastado do ambiente nocivo do trabalho.
“A gente vive estressado, muito estressado,
principalmente os caixas. Não tem gente pra substituir,
você não pode nem adoecer porque não tem ninguém pra
lhe substituir”.
Alguns depoimentos nos fazem acreditar que os caixas também sentem-se
reprimidos diante da organização do trabalho e passam a introjetar que não podem
131
adoecer (o que gera um custo para sua saúde), pois se isso acontecer, não haverá
disponibilidade de substituição de pessoal devido ao número reduzido de funcionários.
Verificamos que, como a falta de um funcionário acarreta uma sobrecarga de
acúmulo de trabalho para os demais colegas nos guichês, além de prejudicar o
atendimento ao público em geral, os participantes alegam que procuram uma forma de
manterem-se saudáveis a todo custo.
“Às vezes a gente quer faltar, vem trabalhar até doente e
não pode faltar, porque não tem ninguém pra lhe
substituir. Então eu acho isso muito ruim. Fica aquela
sensação de você saber que você nem pode adoecer mais,
porque não tem ninguém mais pra colocar”.
Ao questionarmos os caixas se já haviam se afastado do trabalho por conta de
algum problema de saúde, ouvimos um comentário surpreendente e que nos chamou a
atenção:
“Eu nunca me afastei daqui. Por problemas de saúde,
relacionados ao trabalho, não. Eu sempre achei o
seguinte, que a melhor terapia pra você poder combater
isso, é trabalhando, porque você esquece da doença. Eu vi
caso de colega que se afastou e piorou. Começou a
pensar só na doença e terminou piorando e hoje tá
afastado, brigando na justiça pra se aposentar e eu acho
muito pior. Eu convivo com a LER já há13 anos. E nunca
faltei nenhum dia por causa disso. Eu sempre tive
cuidado. Eu chegava em casa, dava massagem com
antiinflamatório, fazia compressa, mas nunca me afastei
nenhum dia por causa disso”.
De acordo com Brito, Neves e Athayde (2003), os trabalhadores ao banalizarem
os seus próprios problemas de saúde e chegando até mesmo a negarem o que lhes
acometem, procuram esconder de si mesmos o seu próprio sofrimento.
132
“Às vezes, as pessoas trazem os problemas de dentro de
casa pra dentro do banco. Já a gente [caixa] não pode
fazer isso, mas deixa transparecer, é lógico... Na minha
profissão a saúde é o primeiro pilar... porque você não
pode transparecer fraco. Você tem que estar sempre
aparentando ter boa saúde, você tem que estar com
bastante disposição, com bastante energia”.
Os depoimentos, portanto, corroboram o que Canguilhem (2001) postula, ou
seja, aquilo que o indivíduo mais teme ao cair enfermo é o fato de estar debilitado e
exposto a enfermidades futuras que possam diminuir a sua margem de segurança.
Malaguti (1996) e Zamberlan e Salerno (1987) ao observarem a relação
cliente/caixa/banco, constatam que o fluxo intenso de pessoas nas filas e a grande
pressão exercida por elas ao apresentarem suas demandas pessoais aos caixas, provocam
nestes um processo de aceleração do seu ritmo de trabalho (Campello & Silva Neto,
1996).
“Sei lá, eu acho que é meu ritmo mesmo de trabalho. Eu
sou “lambretinha”, sabe?, é direto, ta, ta, ta, ta, ta, ta, ...
e eu não sinto muito efeito não... o meu ritmo de trabalho
é assim, eu não consigo parar. Eu acho que o meu senso
de responsabilidade interno em atender ao cliente é maior
... É como se eu tivesse um compromisso que eu tenho que
estar vendo a coisa fluir legal, tá entendendo? Então, eu,
tudo o que eu posso, eu faço pra evitar que a coisa
estagne, que ande mais adequada, é coisa minha mesmo”.
Para Dejours (2004) a “auto-aceleração” compulsiva pode decorrer da pressão
sentida pelos trabalhadores, advinda das atividades às quais eles estão submetidos a
executar. O depoimento a seguir é um exemplo disso:
133
“Aquele cliente chato, aquele tumulto na fila, vai dando
um nervoso (risos). Eu começo a acelerar, aí quanto mais
tumulto, mais eu vejo que trabalho eu tenho, aí eu vejo
que não tô dando conta de tudo”.
Assim, conforme Dejours e Abdoucheli (1990, p. 132), “as estratégias contra o
sofrimento ligado ao aborrecimento no trabalho conduzem às acelerações frenéticas das
cadências de trabalho”.
Entretanto, em determinadas situações, vê-se que algumas dessas defesas
desenvolvidas pelos trabalhadores contra o sofrimento podem gerar uma ideologia
defensiva favorecendo ainda mais a adaptação do mesmo ao trabalho, sendo utilizada
pela organização do trabalho em proveito da produtividade (Dejours, 2004).
“Eu tive que aprender a me cuidar, né? Assim, quando eu
trabalho muito eu vou pro gelo, toda noite eu vou pro
gelo, assim, pelo menos uma semana por mês, você chega
lá em casa, eu tô no gelo, aqui [tocando no braço] e no
cotovelo. Eu tenho que ir pro gelo, com certeza e se eu
não for, eu não consigo dormir, que lateja, sabe? Fica
doendo até aqui [tocando no ombro]”.
No depoimento anterior, a expressão utilizada “eu tive que aprender a me
cuidar” ilustra uma situação que é muito comum a esses trabalhadores, pois eles
acreditam que se não buscarem a sua própria melhoria, tratando da sua saúde e se
cuidando ao seu modo, certamente perderão o seu posto.
Constatamos que muitos caixas vivenciam uma sensação de alívio ao se
afastarem da agência ao final da jornada, e isso nos leva a crer que eles podem estar
sinalizando para o quanto o ambiente de trabalho está sendo prejudicial à saúde deles.
134
[Fim do expediente] “Alívio. Graças a Deus terminou
mais um dia (risos). Foi mais um dia de trabalho. Agora
eu vou pra casa, vou dar uma caminhadinha na praia, vou
relaxar. Infelizmente a realidade é essa”.
Como formas alternativas de relaxamento, alguns deles procuram ficar longe dos
colegas de trabalho, numa tentativa de evitar comentários sobre a sua principal fonte de
desgaste e sofrimento: a agência bancária. No entanto, verificamos que aqueles que
ainda mantêm contato com certos colegas bancários, fazem “tratos” ou “acordos” para
não tocarem em assuntos de trabalho.
“Eu tenho um colega que é da Caixa também, só que é de
outra agência. A gente se encontra muito fora, mas a
gente já tem um trato: não fala na Caixa”.
Esse costume se prolonga também durante o descanso semanal e as férias anuais,
desenvolvendo nos caixas um sentimento tão forte de aversão que alguns sequer passam
na frente da agência.
“Quando eu tiro férias, eu não passo nem na frente dessa
agência. Eu não passo nem por perto, eu quero é
distância, eu nem me lembro da agência”.
Conforme diz Jinkings (2004) os bancários parecem sinalizar para uma
tendência ao afastamento da participação na vida social (relacionada ao banco), que, a
nosso ver, é gerada por um sofrimento que também pode ser reforçado pela
possibilidade do não reconhecimento do seu trabalho.
3.4. O JULGAMENTO DO TRABALHO E A DINÂMICA DO RECONHECIMENTO
135
Uma das condições de mobilização que favorecem o uso da inteligência prática
dos trabalhadores passa pela dinâmica de reconhecimento, a qual pode ser obtida
através da relação contribuição – retribuição, sendo esta de natureza fundamentalmente
simbólica (Dejours, 2004).
Segundo afirma o autor, o reconhecimento somente se dá a partir da
reconstrução rigorosa dos julgamentos do trabalho realizado, que podem ser de dois
tipos: de utilidade, oriundo da hierarquia superior ou dos subordinados (linha vertical) e
que faz menção à conduta e eficácia do trabalhador, podendo, eventualmente, ser
proferida pelos clientes; e de estética (de beleza ou de originalidade), relativo ao
julgamento feito pelos pares, considerado por Dejours como sendo o mais importante, já
que, por serem conhecedores do ofício, estes conseguem valorizar muito mais a beleza
de um trabalho bem realizado.
Apesar de alguns caixas relatarem a existência de um certo reconhecimento do
seu trabalho por parte da hierarquia superior e também dos seus pares (com menor
incidência, neste caso específico), em nossa investigação observamos que, ao questionálos acerca do julgamento mais importante, eles afirmaram ser o dos clientes.
“Os caixas não reconhecem. Não é hábito do caixa
reconhecer o trabalho do outro. Não é de ficar fazendo
elogio ao trabalho do outro. Porque cada um tá no seu
caixa”.
“Dos clientes. É mais compensador. Porque é uma pessoa
que tem pouca convivência e quando você demonstra que,
pelo menos, assimilou uma educação doméstica e procura
transmiti-la no seu dia-a-dia, a clientela lhe tece um
pequeno, um singelo elogio e aquilo lhe reconforta. É um
bálsamo”.
136
Eles afirmam que, em geral, preocupam-se em atender os clientes da melhor
maneira possível, sentindo-se recompensados ao ouvirem elogios. Este é um momento
que lhes “reconforta” e é considerado um “bálsamo”, ou seja, algo que lhes transmite
consolo e alivia a carga tão pesada de trabalho.
Embora a perspectiva dejouriana considere que o reconhecimento por parte dos
pares é o mais relevante para os trabalhadores, em nossa pesquisa encontramos
resultados divergentes desses, porém semelhantes aos achados por Neves (1999) em sua
investigação com professoras primárias da rede pública municipal de João Pessoa. A
autora problematiza a proposição de Dejours (2004) sinalizando que, em determinadas
situações de trabalho, em que ocorrem prestações de serviço, o julgamento mais
importante para os trabalhadores pode vir da parte do cliente, já que provavelmente essa
situação favorece uma inter-relação mais próxima entre os clientes e o prestadores de
serviço. E é o que, certamente, acontece entre os caixas bancários e os freqüentadores
das agências.
Entretanto, apesar do exposto, em certas ocasiões, os caixas bancários não se
sentem reconhecidos também pelos clientes, pois alguns confundem a atividade deles
com aquela desempenhada pelos operadores de caixa de supermercados, provocando
uma sensação de que suas potencialidades estão sendo subestimadas.
“Eles [os clientes] nos comparam, assim, muito com
caixas de supermercado, com caixas de comércio, assim,
e tal. Porque, assim, eles pensam que é uma atividade
igual, e não é, é uma atividade diferenciada. Não estou
desmerecendo o colega caixa de lá, mas há. Primeiro pelo
grau de instrução que você exige. Tanto é que todos os
nossos colegas aqui, são todos de nível superior”.
137
Dejours (2004) salienta que a luta contra o sofrimento representa um alicerce
para a sua saúde mental e somática, percorrendo um caminho que produz um benefício
para a identidade dos trabalhadores. Para que essa luta aconteça é preciso que a
organização do trabalho possibilite a existência da dinâmica do reconhecimento que, ao
estar relacionada à questão do sentido no trabalho, favorece a transformação do
sofrimento em prazer.
3.5. A PRODUÇÃO DO SENTIDO DO TRABALHO E AS VIVÊNCIAS DE
PRAZER
A Psicodinâmica do Trabalho aponta para a necessidade de ir além da descrição
da atividade efetiva, com o objetivo de viabilizar a apreensão do sentido e dos afetos
mobilizados pelo trabalho, no caso em questão, das vivências de sofrimento psíquico e
de prazer (Dejours, 1994).
Conforme o autor (p. 77), “o sentido afetivo de uma tarefa, o sentido subjetivo
de uma situação de trabalho não estão contidos a priori na tarefa ou na situação. (...)
Mais do que identificar as invariantes do sentido de uma situação de trabalho ou de uma
tarefa, interessa-nos a dinâmica de construção de sentido da situação ou da tarefa. Essa
dinâmica pode sempre ser reportada às relações entre três pólos: o sujeito, o real e o
outro, como sugere Sigaut (1991). Apoiamo-nos nessa contribuição da antropologia do
trabalho para recentemente propor uma análise psicodinâmica da construção do sentido,
visando a uma problematização mais satisfatória: aquela do reconhecimento pelo outro
da contribuição do sujeito à organização do trabalho”.
138
Assim, mesmo diante de algumas situações nocivas à saúde, vimos que a
atividade dos caixas bancários favorece também a produção de sentido no trabalho,
fazendo com que esses trabalhadores ainda permaneçam trabalhando.
“Eu acho que se o público tá satisfeito comigo, com o
meu atendimento... Minha preocupação é essa: dar um
bom atendimento, atender bem as pessoas, e eu estando
tranqüilo, eu fico me sentindo bem... com o dever
cumprido, com a missão cumprida, tô feliz em atender
bem o público. Então eu acho que minha satisfação maior
é essa, é o público, as pessoas que eu atendo”.
No entendimento de Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994), o sujeito não vivencia
apenas dor e sofrimento no trabalho, mas também pode vivenciar prazer. Logo, na
opinião dos caixas, se paradoxalmente o convívio com os clientes gera neles um tipo de
fonte de sofrimento diário, é esse mesmo contato com o público que lhes confere prazer.
“O que dá mais prazer é, o que realmente vicia no caixa,
é você ter muito contato com o público. O público é um
problema, mas ao mesmo tempo é a solução pra o caixa,
o caixa vicia em ter esse contato com o público”.
“O contato com o público. É poder ajudar. Mesmo com
todo aquele estresse das reclamações que eles fazem
quando estão esperando, mas é isso, eu gosto muito do
que eu faço”.
Em muitos depoimentos, identificamos elementos de vivências de prazer quando
os caixas relatam a sensação que têm ao ajudar pessoas a resolverem seus problemas
pessoais, como por exemplo aquelas com pouco grau de instrução ou idosos.
“Durante o dia eu me sinto como se eu estivesse
resolvendo os problemas das pessoas. Aí, cada pessoa que
139
chega é um problema que eu resolvo. E gosto muito disso.
Eu oriento, gosto de orientar demais, porque tem gente,
coitado, que não sabe nem...”.
Nos momentos em que se sentem sensibilizados, os caixas afirmam que
procuram ajudar, dentro do possível, chegando, às vezes, até mesmo a contrariar certas
normas de segurança impostas pelo banco. No entanto, como já fizemos referência
anteriormente, entendemos que a forma que eles encontraram para ajudar esse tipo de
clientela foi a da “re-interpretação” dos normativos.
“É contribuir, é de certa forma atender bem, tem muita
gente que não é esclarecida e você procura ajudar,
entendeu? Eu uso muito o bom senso, eu uso muito o lado
humano e isso dá prazer. Assim, os velhinhos vêm com
dificuldade até de se locomover, eu atendo muito idoso e,
na medida que eu ajudo alguém, eu procuro facilitar as
coisas, tá melhorando, tá dando um melhor atendimento,
melhorar a qualidade de vida, orientar... tem muitas
pessoas que não sabem de nada, vêm pra aí totalmente
desinformadas, você dá uma orientação boa a ela, uma
explicação que ela não sabia, ela fica satisfeita,
entendeu? ... Assim, não sendo muito normativo, usando
do bom senso, aí isso dá prazer. Atender bem e saber que
o cliente ficou bem satisfeito, é isso aí que dá prazer”.
“Você tem suas exceções... se, por exemplo, se é... uma
pessoa, se você chegar aqui com um cartão, de seu pai
pra sacar dois mil reais, se eu não lhe conheço, se eu
nunca lhe vi antes, eu não vou deixar você sacar, né? Tem
a lei, né? Mas, aí se você mora em cima de casa, eu
conheço seu pai, vejo que não tem problema nenhum, que
por acaso seu pai não pode vir e você veio no lugar dele,
eu, claro que eu abro uma exceção. Tranqüilo. Agora é
minha responsabilidade. O problema é que se acontecer...
quem vai arcar sou eu, entendeu? Ninguém mais”.
Alguns caixas confessam que realizam a ação solicitada pelos clientes como uma
forma de facilitar suas vidas e de cativá-los. Segundo os participantes, se a prestação de
140
um serviço for para alguém que freqüenta o banco há algum tempo, os caixas valem-se
da “confiança” mútua entre as partes.
“Eu gosto muito do meu público, sabe? Então eu acho
que, apesar de ter desenvolvido assim um certo ritmo pra
lidar com pessoas idosas, às vezes eu me pego assim...
porque pessoas idosas adoecem e morrem, não é? E aqui
e acolá às vezes a gente é obrigado a lidar com essa
realidade, não é? Aí fica meio triste e tal, é aquela coisa,
né? Mas... é assim. A gente fica preocupado, né?, tem
velhinhos que não conseguem mais andar, às vezes ficam
acamados, tá entendendo? E, de repente...”.
Vimos também que, além do respeito mútuo, há um certo tipo de apego pessoal
entre eles. Em alguns casos, isso pode conduzir o funcionário a se envolver
emocionalmente com a história de vida do seu cliente, chegando até mesmo a se
sensibilizar em caso de morte deste ou de algum membro de sua família.
Pelos depoimentos dos participantes, verificamos que, na medida do possível e
do permitido pelo banco, os caixas bancários estão conseguindo vivenciar a dinâmica do
reconhecimento e encontrando sentido para o seu trabalho. Diante disto, podemos
afirmar que identificamos um progresso em busca da construção da identidade destes
trabalhadores, sendo possível constatarmos a transformação do sofrimento em prazer
através, principalmente, da relação dos caixas com os seus clientes.
141
Considerações Finais
Nossa pesquisa teve como objetivo principal analisar a relação trabalho e saúde
mental de caixas bancários de agências da Caixa Econômica Federal, da cidade de João
Pessoa, PB. A partir do material produzido e analisado, concluímos a apresentação deste
estudo esclarecendo que não buscamos discutir todas as idéias ou lacunas que
emergiram ao longo do processo investigativo, porém priorizamos alguns aspectos que
sobressaíram dos relatos dos caixas, interpretando-os e apreendendo em que medida
estes têm vivenciado suas experiências laborais imersos em condições e organizações
do trabalho tão deletérias e, mesmo assim, conseguem transformar o sofrimento em
prazer.
Identificamos que um dos principais motivos de inserção profissional no setor
bancário para a maioria dos caixas foi a busca por um emprego estável, além de esse
oferecer um salário considerado razoável para a referência de mercado vigente à época,
principalmente para aqueles que vinham de famílias socialmente menos privilegiadas e
que tinham a preocupação em contribuir com os gastos familiares.
Verificamos que, antes de ocupar o cargo de caixa, esses bancários prestaram
um concurso interno no banco e são avaliados com base em certos conhecimentos, tais
como noções de regulamento de abertura e fluxo de uma conta-corrente e de poupança.
Após a aprovação, os caixas que contactamos passaram por um intenso período de
treinamento, o qual foi saudosamente valorizado por eles, já que, de certa forma,
condenam a atual prática de formação do banco, cuja modalidade é pautada no ensino à
distância (via intranet), além da ausência de programas de reciclagem para que os novos
conhecimentos sejam incorporados pelos bancários.
142
No sentido de apreendermos a relação dos caixas com suas realidades de
trabalho, ressaltamos alguns dos aspectos centrais das atuais condições do trabalho que
são viabilizadas pela Caixa Econômica Federal. Constatamos que os participantes as
consideram menos insatisfatórias que as de anos atrás, porém eles ainda se queixam de
problemas relativos à: (a) precariedade da estrutura física do ambiente (apertado e
incômodo); (b) mobiliário ergonomicamente inadequado; (c) temperatura extremas (frio
ou calor), devido à falta de manutenção adequada dos sistemas de refrigeração; e
principalmente, (d) tamanho das filas e barulho provocado pelas pessoas no interior das
agências.
No que se refere especificamente à atividade dos caixas bancários, constatamos
que a maioria confessa que “transgride” ou “burla” certas prescrições do banco. Porém,
nós acreditamos que, na verdade, o que eles procuram fazer é uma “re-interpretação” do
normativo de forma que uma determinada atividade possa fluir sem impedimentos,
garantindo a satisfação dos seus clientes.
Como observamos, muitos dos caixas têm o hábito de fazer uma “antecipação”
da sua jornada de trabalho, imaginando o que os espera no ambiente de trabalho. Desde
antes de chegar à agência e durante toda a jornada, a principal preocupação que
acompanha todos os caixas são a expectativa e a ansiedade pela hora de “bater o caixa”.
Esse é, sem dúvida, o momento que mais gera tensões aos caixas bancários, além de
provocar neles uma sensação de tristeza e medo, pois caso o movimento financeiro do
dia não confira com o registro de autenticações, os caixas se responsabilizam por pagar
a diferença do dinheiro.
Ao longo do processo investigativo, acompanhamos a implantação de uma nova
medida organizacional: a substituição do cargo em comissão dos caixas executivos para
caixa PV (ponto de venda). Selecionamos nos relatos dos participantes alguns
143
elementos que se agregaram a este ato administrativo: (a) redução do número de
bancários nas agências; (b) preocupação relativa à qualidade do atendimento dos
clientes; (c) tensões e pressões para os caixas, sendo a maior delas quanto à questão do
cumprimento das metas crescente de vendas de produtos estabelecidas pelo banco.
A excessiva carga de trabalho às quais estão diariamente submetidos os caixas
bancários é caracterizada por termos como “frustração, tensão, depressão, raiva,
estresse”, implicando num processo de retenção de energia e conduzindo a maioria
deles a crer que muitas das suas enfermidades estão vinculadas à sua atividade laboral.
Identificamos como um dos principais fatores responsáveis pela sobrecarga
laboral dos caixas, a grande pressão exercida pelo acúmulo de clientes nas filas,
provocando nestes trabalhadores um processo defensivo caracterizado pela aceleração
do seu ritmo de trabalho. Se, por um lado, isto é prejudicial à saúde dos caixas
bancários, por outro lado, verifica-se um beneficio por parte do banco e dos clientes que
freqüentam as agências.
Vimos que, na opinião da maioria dos caixas bancários, o julgamento mais
importante feito sobre o seu trabalho é aquele que vem dos clientes. Confirmamos,
portanto, a importância que tem o papel da dinâmica do reconhecimento para a saúde
mental destes bancários, pois é a partir do julgamento feito ao trabalho que se possibilita
a construção de uma identidade gratificante.
Apreendemos ainda que, apesar de os caixas bancários vivenciarem uma relação
nem sempre salutar com os seus clientes, é exatamente esse convívio diário que é
considerado como principal fonte de prazer e que dá sentido ao trabalho realizado.
Por fim, não nos propomos a uma conclusão; esperamos, sim, que este trabalho
contribua em termos de produção de conhecimento e, acima de tudo, em práticas
transformadoras que viabilizem melhores condições de prevenção e promoção de saúde
144
para os caixas. Almejamos que este estudo tenha suas lacunas preenchidas e
complementadas por vários outros trabalhos que, certamente, serão realizados no
sentido de investigar a situação de trabalho e saúde dos caixas bancários.
145
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149
Profissional, Trabalho e Competências. Rio de Janeiro – RJ: Centro Internacional
para a Educação, Trabalho e Tranferência de Tecnologias.
ANEXOS
150
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
João Pessoa, ____ de ______________ de _______.
À Caixa Econômica Federal
Agência _________________
Att.: Gerência
Caro(a) Senhor(a),
Apresento-lhe a Sra. Luciane Albuquerque Sá de Souza, aluna do curso de
Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UFPB.
Gostaria de solicitar uma autorização para que a mesma possa realizar, nesta
agência, um trabalho investigativo que dará suporte à sua pesquisa de Mestrado.
O campo temático escolhido para a pesquisa é: A Relação Trabalho-Saúde
Mental no Segmento dos Caixas Executivos em um Banco da Rede Pública na Cidade
de João Pessoa – PB.
A aluna deverá realizar observações sistemáticas durante o horário de expediente
bancário e também algumas entrevistas individuais, de caráter semi-estruturado, com
aqueles caixas que estiverem dispostos a participar da pesquisa (adesão voluntária) e se
comprometera em apresentar os resultados da pesquisa ao final da mesma.
Contando com sua atenção e colaboração, agradeço antecipadamente,
Profa. Dra. Mary Yale Neves
Depto. Psicologia - UFPB
Anexo 1
151
ROTEIRO DE ENTREVISTAS
PARA CAIXAS EXECUTIVOS
I. Dados de Identificação
1. sexo
2. idade
3. estado civil
4. número de filhos
5. grau de escolaridade
6. renda (pessoal / familiar)
7. moradia (bairro)
II. Dados Profissionais
1. como se deu a escolha pela profissão de bancário?
2. inserção profissional: concurso público ou não?
3. tempo de empresa
4. tempo na função de caixa
5. filiação sindical
6. trabalha apenas no banco ou exerce outra atividade?
III. Questões norteadoras:
1. Existe algum programa de formação ou treinamento para a função antes e/ou depois de entrar
para a empresa?
2. Existe algum tipo de manual (escritos) ou recomendações (orais) que prescreve as atribuições
do caixa?
3. O trabalho que você realiza difere do que está no manual ou das recomendações? Comente.
4. Na sua opinião, como era trabalhar como bancário antes e como é hoje?
5. Quais as mudanças (organizacionais e tecnológicas) mais significativas que vêm ocorrendo no
banco que afetam direta e indiretamente o seu trabalho?
6. Você, por ser HOMEM / MULHER, se sente mais cobrado? Você acredita que existe alguma
diferença entre o trabalho do caixa homem e da caixa mulher?
7. Como você se sente ao chegar no seu ambiente de trabalho?
8. Como você se sente ao deixar o seu ambiente de trabalho no final do dia e voltar para casa?
9. Quando você chega em casa realiza algum tipo de trabalho doméstico? E no final de semana?
10. Como você definiria as condições de trabalho às quais vocês estão expostos?
11. Descreva, em detalhes, a sua atividade de trabalho.
12. Como funciona o agendamento dos clientes para o seu atendimento?
13. Há permissão por parte da empresa para fazer pausas durante a jornada de trabalho? E você
costuma fazer essas pausas?
14. O que você pensa a respeito da relação de trabalho e amizade que existe entre vocês caixas?
Em que medida vocês contribuem entre si visando viabilizar o trabalho? Existe cooperação entre vocês?
15. Como você definiria o grau de confiança que existe entre você e seus colegas caixas?
Existem regras próprias entre vocês?
16. O que você costuma fazer para lidar com os imprevistos que surgem no dia-a-dia dentro do
seu expediente de trabalho?
17. Você teve algum tipo de problema de saúde nos últimos tempos? Quais? Há quanto tempo?
Você já se afastou por motivo de doença? Qual foi? Quando foi? Quanto tempo ficou afastado?
18. O que você pensa sobre a relação trabalho saúde?
19. Na sua opinião, qual o dia da semana mais cansativo? Qual o dia do mês mais cansativo? E
qual o dia do ano mais cansativo?
20. Você se sente reconhecido? O que você julga ser mais importante: o reconhecimento dos
seus pares, dos seus superiores, dos outros funcionários ou dos clientes?
21. O que mais lhe dá prazer no seu trabalho?
22. O que você costuma fazer no seu tempo livre?
23. Quanto tempo, geralmente, você tira de férias?
Anexo 2
152
MAPA DE CARACTERIZAÇÃO DAS AGÊNCIAS
QTD DE
QTD DE CAIXAS
QTD DE
TERMINAIS
EXECUTIVOS
GUICHÊS
AUTOMÁTICOS
EFETIVOS
AGÊNCIA
LOCALIZAÇÃO
ESTRUTURA
FÍSICA
AG1
Tambaú
médio porte
18
4
4
AG2
Cidade Universitária
médio porte
13
3
2
AG3
Jaguaribe
pequeno porte
11
3
3
AG4
Cruz das Armas
médio porte
12
4
2
AG5
Centro
grande porte
22
6
4
AG6
Torre
pequeno porte
12
3
3
AG7
AG8
Pedro Gondim
pequeno porte
2
3
3
Bairros dos Estados
grande porte
14
5
3
AG9
Centro (Lagoa)
grande porte
34
8
6
AG10
Manaíra
pequeno porte
7
3
3
Anexo 3
153
MAPA DE CARACTERIZAÇÃO DOS
PARTICIPANTES
CAIXA
BANCÁRI
O
SEX
O
N. DE
ESTADO
IDADE
FILHO
CIVIL
S
GRAU DE
ESCOLARIDA
DE
C1
M
43
casado
1
Superior
completo
(Contabilidade)
C2
F
48
casada
2
Superior
completo
(Arquitetura)
C3
M
39
solteiro
0
C4
M
45
casado
2
C5
M
46
separado
2
C6
M
44
casado
3
Superior
completo
(Adminitração)
Superior
completo
(Engenharia
Civil)
Superior
completo
(Direito)
Superior
incompleto
(Engenharia
Mecânica)
Superior
incompleto
(Academia
Militar)
RENDA
RENDA BAIRRO
PESSOAL FAMILIA
ONDE
(R$)
R (R$)
MORA
1.700,00
3.000,00
Manaíra
2.000,00
8.000,00
Tambaú
2.800,00
2.800,00
Tambaú
2.500,00
5.000,00
Manaíra
3.500,00
3.500,00
Cristo
2.000,00
2.000,00
Ipês
C7
M
41
casado
4
C8
M
46
solteiro
0
Superior
completo
(Contabilidade)
2.500,00
C9
M
46
separado
4
Superior
completo
(Direito)
2.000,00
C10
F
43
casada
3
Superior
completo
(Contabilidade)
2.200,00
C11
F
37
separada
1
Superior
completo
(Contabilidade)
2.000,00
3.000,00
ESCOLHA
DA
PROFISSÃO
busca por
uma
estabilidade
financeira
oportunidade
de voltar para
o mercado de
trabalho
sonhava em
ser caixa
executivo
busca por
uma
estabilidade
financeira
busca por
uma
estabilidade
financeira
influência de
familiares
busca por
uma
3.000,00
estabilidade
financeira
busca por
uma
2.500,00
Ipês
estabilidade
financeira
busca por
uma
2.000,00 Manaíra
estabilidade
financeira
status da
Tambauz
5.000,00
profissão, alto
inho
salário
necessidade
Jaguarib
de trabalhar
2.000,00
e
para ajudar a
Água
Fria
INSERÇÃO
PROFISSION
AL
TEMPO
DE EMPRESA
TEMPO FILIAÇ
NA
ÃO
FUNÇÃ SINDIC
O
AL
TEM OUTRA
ATIVIDADE
concurso
público
16
13
sim
não
concurso
público
16
13
sim
sim (apenas no
sábado pela
manhã)
concurso
público
16
13
não
não
concurso
público
16
14
está
voltand
o a ser
sim
concurso
público
21
18
sim
não
concurso
público
17
12
sim
não
concurso
público
16
10
sim
sim
concurso
público
24
18
sim
não
concurso
público
27
23
sim
não
concurso
público
24
6
sim
não
concurso
público
16
9
Anexo 4
sim
não
TABELA DE OBSERVAÇÃO SISTEMÁTICA DA ATIVIDADE
HORA
LOCAL
AÇÕES
COMENTÁRIOS
OBSERVAÇÕES
Fonte: Adaptado de Guérin et al. (2001) e Muniz (2000).
Anexo 5
155
MAPA TEMÁTICO
ATIVIDADE
Tempo de
duração da
entrevista
categorias
C1
caixas
Caracterização:
pessoal e profissonal
Descrição da
atividade
Organização e
condições de
trabalho / mudanças /
jornada / pausas /
férias / descanso
Trabalho coletivo:
cooperação /
comunicação
coordenação
C2
C3
C4
C5
C6
C7
C8
C9
C10
C11
C12
C13
C14
Anexo 6a
156
Regras de trabalho
Trabalho prescrito X
trabalho real /
autonomia /
variabilidade
Cargas de trabalho /
mobilização
cognitiva
Inteligência prática
MAPA TEMÁTICO (continuação)
SAÚDE MENTAL
Sofrimento / Processos
de adoecimento
Sentido / valores
Dinâmica do
reconhecimento
Defesas
Prazer
Anexo 6b
157
NR 17 - Ergonomia (117.000-7)
17.1. Esta Norma Regulamentadora visa a estabelecer parâmetros que permitam a adaptação
das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a
proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente.
17.1.1. As condições de trabalho incluem aspectos relacionados ao levantamento, transporte e
descarga de materiais, ao mobiliário, aos equipamentos e às condições ambientais do posto de
trabalho, e à própria organização do trabalho.
17.1.2. Para avaliar a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas
dos trabalhadores, cabe ao empregador realizar a análise ergonômica do trabalho, devendo a
mesma abordar, no mínimo, as condições de trabalho, conforme estabelecido nesta Norma
Regulamentadora.
17.2. Levantamento, transporte e descarga individual de materiais.
17.2.1. Para efeito desta Norma Regulamentadora:
17.2.1.1. Transporte manual de cargas designa todo transporte no qual o peso da carga é
suportado inteiramente por um só trabalhador, compreendendo o levantamento e a deposição
da carga.
17.2.1.2. Transporte manual regular de cargas designa toda atividade realizada de maneira
contínua ou que inclua, mesmo de forma descontínua, o transporte manual de cargas.
17.2.1.3. Trabalhador jovem designa todo trabalhador com idade inferior a 18 (dezoito) anos e
maior de 14 (quatorze) anos.
17.2.2. Não deverá ser exigido nem admitido o transporte manual de cargas, por um
trabalhador cujo peso seja suscetível de comprometer sua saúde ou sua segurança. (117.001-5
/ I1)
17.2.3. Todo trabalhador designado para o transporte manual regular de cargas, que não as
leves, deve receber treinamento ou instruções satisfatórias quanto aos métodos de trabalho
que deverá utilizar, com vistas a salvaguardar sua saúde e prevenir acidentes. (117.002-3 / I2)
17.2.4. Com vistas a limitar ou facilitar o transporte manual de cargas, deverão ser usados
meios técnicos apropriados.
17.2.5. Quando mulheres e trabalhadores jovens forem designados para o transporte manual
de cargas, o peso máximo destas cargas deverá ser nitidamente inferior àquele admitido para
os homens, para não comprometer a sua saúde ou a sua segurança. (117.003-1 / I1)
17.2.6. O transporte e a descarga de materiais feitos por impulsâo ou tração de vagonetes
sobre trilhos, carros de mão ou qualquer outro aparelho mecânico deverão ser executados de
forma que o esforço físico realizado pelo trabalhador seja compatível com sua capacidade de
força e não comprometa a sua saúde ou a sua segurança. (117.004-0 / 11)
17.2.7. O trabalho de levantamento de material feito com equipamento mecânico de ação
manual deverá ser executado de forma que o esforço físico realizado pelo trabalhador seja
compatível com sua capacidade de força e não comprometa a sua saúde ou a sua segurança.
(117.005-8 / 11)
17.3. Mobiliário dos postos de trabalho.
17.3.1. Sempre que o trabalho puder ser executado na posição sentada, o posto de trabalho
deve ser planejado ou adaptado para esta posição. (117.006-6 / I1)
17.3.2. Para trabalho manual sentado ou que tenha de ser feito em pé, as bancadas, mesas,
Anexo 7-a
escrivaninhas e os painéis devem proporcionar ao trabalhador condições de boa postura,
visualização e operação e devem atender aos seguintes requisitos mínimos:
a) ter altura e características da superfície de trabalho compatíveis com o tipo de atividade,
com a distância requerida dos olhos ao campo de trabalho e com a altura do assento;
(117.007-4 / I2)
b) ter área de trabalho de fácil alcance e visualização pelo trabalhador; (117.008-2 / I2)
c) ter características dimensionais que possibilitem posicionamento e movimentação
adequados dos segmentos corporais. (117.009-0 / I2)
17.3.2.1. Para trabalho que necessite também da utilização dos pés, além dos requisitos
estabelecidos no subitem 17.3.2, os pedais e demais comandos para acionamento pelos pés
devem ter posicionamento e dimensões que possibilitem fácil alcance, bem como ângulos
adequados entre as diversas partes do corpo do trabalhador, em função das características e
peculiaridades do trabalho a ser executado. (117.010-4 / I2)
17.3.3. Os assentos utilizados nos postos de trabalho devem atender aos seguintes requisitos
mínimos de conforto:
a) altura ajustável à estatura do trabalhador e à natureza da função exercida; (117.011-2 / I1)
b) características de pouca ou nenhuma conformação na base do assento; (117.012-0 / I1)
c) borda frontal arredondada; (117.013-9 / I1)
d) encosto com forma levemente adaptada ao corpo para proteção da região lombar.
(117.014-7 / Il)
17.3.4. Para as atividades em que os trabalhos devam ser realizados sentados, a partir da
análise ergonômica do trabalho, poderá ser exigido suporte para os pés, que se adapte ao
comprimento da perna do trabalhador. (117.015-5 / I1)
17.3.5. Para as atividades em que os trabalhos devam ser realizados de pé, devem ser
colocados assentos para descanso em locais em que possam ser utilizados por todos os
trabalhadores durante as pausas. (117.016-3 / I2)
17.4. Equipamentos dos postos de trabalho.
17.4.1. Todos os equipamentos que compõem um posto de trabalho devem estar adequados
às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado.
17.4.2. Nas atividades que envolvam leitura de documentos para digitação, datilografia ou
mecanografia deve:
a) ser fornecido suporte adequado para documentos que possa ser ajustado proporcionando
boa postura, visualização e operação, evitando movimentação freqüente do pescoço e fadiga
visual; (117.017-1 / I1)
b) ser utilizado documento de fácil legibilidade sempre que possível, sendo vedada a utilização
do papel brilhante, ou de qualquer outro tipo que provoque ofuscamento. (117.018-0 / I1)
17.4.3. Os equipamentos utilizados no processamento eletrônico de dados com terminais de
vídeo devem observar o seguinte:
a) condições de mobilidade suficientes para permitir o ajuste da tela do equipamento à
iluminação do ambiente, protegendo-a contra reflexos, e proporcionar corretos ângulos de
visibilidade ao trabalhador; (117.019-8 / I2)
b) o teclado deve ser independente e ter mobilidade, permitindo ao trabalhador ajustá-lo de
Anexo
1597-b
acordo com as tarefas a serem executadas; (117.020-1 / I2)
c) a tela, o teclado e o suporte para documentos devem ser colocados de maneira que as
distâncias olho-tela, olhoteclado e olho-documento sejam aproximadamente iguais;
(117.021-0 / I2)
d) serem posicionados em superfícies de trabalho com altura ajustável. (117.022-8 / I2)
17.4.3.1. Quando os equipamentos de processamento eletrônico de dados com terminais de
vídeo forem utilizados eventualmente poderão ser dispensadas as exigências previstas no
subitem
17.4.3, observada a natureza das tarefas executadas e levando-se em conta a análise
ergonômica do trabalho.
17.5. Condições ambientais de trabalho.
17.5.1. As condições ambientais de trabalho devem estar adequadas às características
psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado.
17.5.2. Nos locais de trabalho onde são executadas atividades que exijam solicitação
intelectual e atenção constantes, tais como: salas de controle, laboratórios, escritórios, salas de
desenvolvimento ou análise de projetos, dentre outros, são recomendadas as seguintes
condiçôes de conforto:
a) níveis de ruído de acordo com o estabelecido na NBR 10152, norma brasileira registrada no
INMETRO; (117.023-6 / I2)
b) índice de temperatura efetiva entre 20oC (vinte) e 23oC (vinte e três graus centígrados);
(117.024-4 / I2)
c) velocidade do ar não superior a 0,75m/s; (117.025-2 / I2)
d) umidade relativa do ar não inferior a 40 (quarenta) por cento. (117.026-0 / I2)
17.5.2.1. Para as atividades que possuam as características definidas no subitem 17.5.2, mas
não apresentam equivalência ou correlação com aquelas relacionadas na NBR 10152, o nível
de ruído aceitável para efeito de conforto será de até 65 dB (A) e a curva de avaliação de ruído
(NC) de valor não superior a 60 dB.
17.5.2.2. Os parâmetros previstos no subitem 17.5.2 devem ser medidos nos postos de
trabalho, sendo os níveis de ruído determinados próximos à zona auditiva e as demais
variáveis na altura do tórax do trabalhador.
17.5.3. Em todos os locais de trabalho deve haver iluminação adequada, natural ou artificial,
geral ou suplementar, apropriada à natureza da atividade.
17.5.3.1. A iluminaçâo geral deve ser uniformemente distribuída e difusa.
17.5.3.2. A iluminação geral ou suplementar deve ser projetada e instalada de forma a evitar
ofuscamento, reflexos incômodos, sombras e contrastes excessivos.
17.5.3.3. Os níveis mínimos de iluminamento a serem observados nos locais de trabalho são
os valores de iluminâncias estabelecidos na NBR 5413, norma brasileira registrada no
INMETRO. (117.027-9 / I2)
17.5.3.4. A medição dos níveis de iluminamento previstos no subitem 17.5.3.3 deve ser feita no
campo de trabalho onde se realiza a tarefa visual, utilizando-se de luxímetro com fotocélula
corrigida para a sensibilidade do olho humano e em função do ângulo de incidência. (117.028-7
/ I2)
Anexo
1607-c
17.5.3.5. Quando não puder ser definido o campo de trabalho previsto no subitem 17.5.3.4,
este será um plano horizontal a 0,75m (setenta e cinco centímetros) do piso.
Anexo 7-c
17.6. Organização do trabalho.
17.6.1. A organização do trabalho deve ser adequada às características psicofisiológicas dos
trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado.
17.6.2. A organização do trabalho, para efeito desta NR, deve levar em consideração, no
mínimo:
a) as normas de produção;
b) o modo operatório;
c) a exigência de tempo;
d) a determinação do conteúdo de tempo; e) o ritmo de trabalho;
f) o conteúdo das tarefas.
17.6.3. Nas atividades que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica do pescoço,
ombros, dorso e membros superiores e inferiores, e a partir da análise ergonômica do trabalho,
deve ser observado o seguinte:
para efeito de remuneração e vantagens de qualquer espécie deve levar em consideração as
repercussões sobre a saúde dos trabalhadores; (117.029-5 / I3)
b) devem ser incluídas pausas para descanso; (117.030-9 / I3)
c) quando do retorno do trabalho, após qualquer tipo de afastamento igual ou superior a 15
(quinze) dias, a exigência de produção deverá permitir um retorno gradativo aos níveis de
produção vigentes na época anterior ao afastamento. (117.031-7 / I3)
17.6.4. Nas atividades de processamento eletrônico de dados, deve-se, salvo o disposto em
convenções e acordos coletivos de trabalho, observar o seguinte:
a) o empregador não deve promover qualquer sistema de avaliação dos trabalhadores
envolvidos nas atividades de digitação, baseado no número individual de toques sobre o
teclado, inclusive o automatizado, para efeito de remuneração e vantagens de qualquer
espécie; (117.032-5 )
b) o número máximo de toques reais exigidos pelo empregador não deve ser superior a 8 (oito)
mil por hora trabalhada, sendo considerado toque real, para efeito desta NR, cada movimento
de pressão sobre o teclado; (117.033-3 / I3)
c) o tempo efetivo de trabalho de entrada de dados não deve exceder o limite máximo de 5
(cinco) horas, sendo que, no período de tempo restante da jornada, o trabalhador poderá
exercer outras atividades, observado o disposto no art. 468 da Consolidação das Leis do
Trabalho, desde que não exijam movimentos repetitivos, nem esforço visual; (117.034-1 / I3)
d) nas atividades de entrada de dados deve haver, no mínimo, uma pausa de 10 (dez) minutos
para cada 50 (cinqüenta) minutos trabalhados, não deduzidos da jornada normal de trabalho;
(117.035-0 / I3)
e) quando do retorno ao trabalho, após qualquer tipo de afastamento igual ou superior a 15
(quinze) dias, a exigência de produção em relação ao número de tóques deverá ser iniciado em
níveis inferiores do máximo estabelecido na alínea "b" e ser ampliada progressivamente.
(117.036-8 / I3)
Anexo
7-d
161
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luciane albuquerque sá de souza - CCHLA