LUCIANE ALBUQUERQUE SÁ DE SOUZA NA PONTA DA LINHA DAS AGÊNCIAS: A ATIVIDADE E A SAÚDE DE CAIXAS BANCÁRIOS João Pessoa, 2007 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL NA PONTA DA LINHA DAS AGÊNCIAS: A ATIVIDADE E A SAÚDE DE CAIXAS BANCÁRIOS Dissertação apresentada por Luciane Albuquerque Sá de Souza ao Programa de Pós-Graduação Universidade em Psicologia Social da Federal da Paraíba, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre orientado em Psicologia. pela Profa. Este Dra. estudo Mary Rodrigues Neves. João Pessoa, março de 2007 2 foi Yale S729n Souza, Luciane Albuquerque Sá de. Na ponta da linha das agências: a atividade e a saúde de caixas bancários / Luciane Albuquerque Sá de Souza. - João Pessoa, 2007. 148 p. Orientadora: Mary Yale Rodrigues Neves. Dissertação (mestrado – UFPB/CCHLA 1. Trabalho 2. Saúde mental – bancários. UFPB/BC CDU 331 (043) 3 Trabalho inserido na linha de pesquisa Trabalho e Subjetividade do Programa de Pós-Graduação Psicologia Social do Centro em de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba. Para o desenvolvimento das atividades do Curso, a mestranda contou com auxílio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), sob a forma de bolsa de estudo. 4 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL A dissertação NA PONTA DA LINHA DAS AGÊNCIAS: A ATIVIDADE E A SAÚDE DE CAIXAS BANCÁRIOS, elaborada por Luciane Albuquerque Sá de Souza, foi aprovada em: João Pessoa, 09 de março de 2007. Pelos membros da banca examinadora: Profa. Dra. Mary Yale Rodrigues Neves _____________________________________ Prof. Dr. Anísio José da Silva Araújo _____________________________________ Profa. Dra. Maria Christine Werba Saldanha _____________________________________ 5 Dedicatória Essa dissertação especialmente à é dedicada minha mãe, Silvia Albuquerque de Sá, sem a qual eu nada seria. Saudades eternas! 6 Agradecimentos A Deus, por me permitir seguir firme e confiante, em busca desta realização pessoal e profissional. Aos meus queridos pais, Abilio Sá e Silvia Sá (em memória), pelo amor, apoio, conselhos e cuidados; por sempre acreditarem e confiarem no meu potencial e, principalmente, por me fazerem ser o que hoje sou. Ao meu verdadeiro amor, minha adorada filha, Stephanie, por sua paciência e tolerância e por todos os momentos que precisei abdicar da sua companhia para dar conta desses estudos. Ao meu marido, Sergio, por todos os anos de nossa convivência, pela ajuda nos momentos que precisei me ausentar do lar para me dedicar aos estudos e ao trabalho e pela filha linda e maravilhosa que temos. Ao meu irmão, Eduardo, pelo carinho e por todas as vezes que precisei de sua ajuda e apoio. Aos meus tios, Marise e Walter, pelo carinho e presença nos momentos cruciais da minha vida. Ao meu amigo, Marcio Alexandre, por sua amizade sempre constante (apesar da distância), pelo apoio, compreensão e carinho nas horas tristes e felizes. À Profa. Dra. Mary Yale Neves, que foi mais do que uma orientadora, pois me acolheu como aprendiz, me instruiu com brilhantismo e me aceitou como amiga. 7 Ao Prof. Dr. Anísio Araújo, por ser o leitor da dissertação e por todas as dicas e conselhos dados, objetivando a melhoria deste trabalho. Às minhas queridas amigas, Ceres e Tânia, por estarem presentes na minha vida nos momentos em que eu mais precisei de conforto, carinho e amizade verdadeira. Às minhas amigas Hilana e Liana, que sempre estiveram próximas e disponíveis para me ouvir. A todos os caixas bancários que, gentilmente, colaboraram com esta investigação e aos gerentes gerais e de relacionamento da Caixa Econômica Federal que consentiram os nossos acessos às agências, promovendo o contato com os seus funcionários. Ao Prof. Dr. Milton Marques, por sua amizade e dedicação em revisar cuidadosamente essa dissertação. A todos os professores, funcionários e colegas de curso, que durante os últimos dois anos participaram direta ou indiretamente do meu processo de formação. 8 Resumo O trabalho bancário tem sofrido diversas mudanças devido às transformações sociais, econômicas, tecnológicas e de gestão que acometem o setor. Nessa perspectiva, a relação trabalho e saúde mental de caixas bancários de agências da Caixa Econômica Federal da cidade de João Pessoa, PB constitui-se em nosso objeto de investigação. No que concerne ao referencial teórico recorremos à Ergonomia da Atividade (Guérin et al., 2001) e à Psicodinâmica do Trabalho (Dejours, 2004) como as duas principais abordagens que nos subsidiaram no processo de apreensão da dinâmica da atividade dos caixas e suas regulações frente às variabilidades que se apresentam no referido contexto. Enquanto dispositivos metodológicos utilizados, merecem destaque, a observação da atividade e a entrevista semi-estruturada, objetivando dar conta da máxima descrição, compreensão e explicação do objeto de estudo. Visitamos as dez agências do município, e de um total de trinta e três caixas bancários, quatorze participaram voluntariamente, sendo, dez homens e quatro mulheres. A técnica de interpretação dos dados pautou-se na análise de conteúdo, mais especificamente na análise temática, com o objetivo de apreender sentidos pertinentes ao objeto (Minayo, 2004; Laville & Dionne, 1999). A partir dos materiais produzidos, identificamos que um dos principais motivos de inserção profissional da maioria dos caixas foi a busca por um emprego estável. A modalidade de formação profissional atual é a on-line, limitando-se à “falácia da simples prescrição de normas”. Apesar de considerarem as condições de trabalho atuais menos insatisfatórias que as de anos atrás, eles ainda se queixam de problemas relativos à estrutura física, mobiliário inadequado, temperaturas extremas (frio ou calor), além do tamanho das filas e do barulho provocado pelas pessoas no interior das agências. Em relação à atividade, a maioria confessa que “transgride” ou “burla” certas prescrições. Salientamos que, ao longo da jornada de trabalho, é o fechamento do caixa o fator que mais gera preocupações nestes trabalhadores. A ansiedade pela hora de “bater o caixa” provoca neles uma sensação de tristeza e medo. A nova medida organizacional implantada e que tem gerado tensões é a mudança do cargo de caixa executivo e flutuante para o de caixa PV (ponto de venda). Para os caixas, a pressão recente das gerências para que atinjam individualmente determinadas metas crescentes de vendas de produtos vem gerando incômodo. Termos como “frustração, tensão, depressão, raiva, estresse”, foram bastante citados, e a maioria acredita que muitas das suas enfermidades estão vinculadas à sua atividade laboral, a qual “suga” suas energias vitais, conduzindoos a um processo de “enlouquecimento” devido ao excesso de carga de trabalho. O acúmulo de clientes nas filas exerce neles grande pressão, provocando um processo defensivo caracterizado pela aceleração do ritmo de trabalho. Quanto à dinâmica do reconhecimento, o julgamento mais importante para os caixas é o dos clientes, talvez devido à especificidade desse tipo de atividade, situada no setor de serviços. Se por um lado, o convívio com os clientes gera sofrimento diário para os caixas bancários, por outro, é exatamente o que é considerado como a principal fonte de prazer e que dá sentido ao trabalho realizado. Palavras chaves: Trabalho, Saúde, Bancários. 9 ABSTRACT The banking work has undergone diverse changes due to social, economic, technological, and managent transformations which the sector is going through. With this perspective, work and mental heath relation of the bank cashiers at Caixa Economica Federal’s agencies in the city of João Pessoa, PB became our object of inquiry. As far as the theorical referencial is concerned, we applied the Ergomics of Activity (Guérin et at., 2001) and work Psychodynamic (Dejours, 2004) as the two main approaches which will help us in the process of understanding the dynamic involved in the bank cashiers and their regulations concerning the variabilities which appeared in the context. As to the methodological devices utilized, the observation of the activity and the semi-structuralized interview deserve being highlighted, in order to give the maximum account of description, understanding and explanation of the object study. We visited the ten agencies in the town and of the thirty-three bank cashiers, fourteen participated voluntarily, ten of them being men and four being women. The data interpretation technique was based on content analysis, specifically on thematic analysis with the objective of learning more about the aspects of the case study (Minayo, 2004; Laville & Dionne, 1999). From the materials produced, we observe that one of the principal motives of professional insertion of the majority of the bank cashiers was the search for a stable job. The modality of the current professional formation is that of online, thus being limited to “fallacy of simple instruction following”. Despite the fact that the present working conditions was considered less unsatisfactory than that of the past years, they still complain about problems related to physical structure, inadequate furniture, extreme temperatures (cold or heat), no talking the size of the queue and the noise node by the people inside the agency. In relation to the working activity itself, majority of cashiers confessed that they violate or break certain instructions. We should point out that all through the working hours; it is the “closing of the cash register” that generates greater concern in these workers. Anxiety for time “to close the cash register provokes in them a sensation of sadness and fear”. The newly implanted organizational measures which, has been generating tensions is the change from the, post of executive and floating cashier into PV cashier (Selling Point). To the cashiers, the recent pressures by the managers, for them, to reach individually, determined increasing product selling goals has been generating some inconveniences. Terms such as “frustration, tensions, depressions, anger, stress”, were mentioned lots of time, and the majority of the cashiers believe that many of their sickness are related to their laboral activity, which we can say “drain” their vital energy, leading them to the process “insanity” due to excessive work load. The accumulation of clients on the queues put a lot of pressure on them, provoking a defensive process characterized by the acceleration of the working rhythm. As for the effort acknowledgement, the most important judgment for the cashiers is that of the clients, maybe this is due to the specificity of this kind of activity, being situated in the service sector. If on one side, being with the clients is capable of generating daily suffering for this bank cashiers, it is this fact that is exactly what is being considered as their principal source of pleasure on the other hand; thereby giving this bank cashiers a sense of doing a work well done. KEY WORDS: Work, Health, Bank cashiers. 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 13 CAPÍTULO I – OS APORTES TEÓRICOS ..................................................................................... 16 1. A CONCEPÇÃO DA SAÚDE ........................................................................................... 16 2. A ERGONOMIA DA ATIVIDADE ................................................................................. 22 2.1. TRABALHO PRESCRITO X TRABALHO REAL ................................................ 23 2.2. VARIABILIDADE E REGULAÇÕES .................................................................... 25 2.3. COLETIVOS DE TRABALHO ............................................................................... 26 2.4. CARGAS DE TRABALHO ..................................................................................... 30 3. A PSICODINÂMICA DO TRABALHO .......................................................................... 32 3.1. A NORMALIDADE E O SOFRIMENTO ............................................................... 35 3.2. AS ESTRATÉGIAS E OS COLETIVOS DE DEFESAS ........................................ 36 3.3. A INTELIGÊNCIA PRÁTICA ................................................................................ 40 3.4. A DINÂMICA DO RECONHECIMENTO ............................................................. 42 3.5. O PRAZER NO TRABALHO .................................................................................. 44 CAPÍTULO II – A REESTRUTURAÇÃO DO TRABALHO BANCÁRIO .................................. 47 1. A CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ...................................................................... 47 1.1. DA DÉCADA DE 60 AO FINAL DA DÉCADA DE 80: O INÍCIO DAS MUDANÇAS ........................................................................................................... 48 1.1.1. A INFORMATIZAÇÃO .................................................................................. 49 1.1.2. A MUDANÇA DE STATUS DA PROFISSÃO ............................................... 51 1.2. O INÍCIO DA DÉCADA DE 90: A INTENSIFICAÇÃO TECNOLÓGICA........... 52 1.3. O PLANO REAL (1994) .......................................................................................... 54 1.4. O NOVO MILÊNIO ................................................................................................. 56 2. AS MUDANÇAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO .................................................. 58 2.1. A “DESHIERARQUIZAÇÃO” ................................................................................ 58 2.2. A INSERÇÃO FEMININA NO SETOR BANCÁRIO ............................................ 59 3. O TRABALHO DO CAIXA BANCÁRIO ....................................................................... 59 4. O BANCO ESTATAL PESQUISADO ............................................................................. 64 4.1. AS AGÊNCIAS DO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA .......................................... 66 CAPÍTULO III – A METODOLOGIA DA PESQUISA .................................................................. 67 1. A PESPECTIVA METODOLÓGICA ............................................................................. 67 2. OS PARTICIPANTES DA PESQUISA ........................................................................... 71 3. O TRABALHO DE CAMPO ............................................................................................ 73 3.1. A ENTREVISTA ...................................................................................................... 73 11 3.2. A OBSERVAÇÃO DA ATIVIDADE....................................................................... 76 4. A ANÁLISE DE CONTEÚDO .......................................................................................... 78 4.1. A ANÁLISE TEMÁTICA ........................................................................................ 79 5. AS DIFICULDADES E AS CONQUISTAS .................................................................... 80 CAPÍTULO IV – A ATIVIDADE E A SAÚDE DE CAIXAS BANCÁRIOS ................................. 83 1. O CAIXA BANCÁRIO: INSERÇÃO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL ................... 83 1.1. OS MOTIVOS DA INSERÇÃO .............................................................................. 83 1.2. A FORMAÇÃO PROFISSIONAL ........................................................................... 89 2. A ATIVIDADE DOS CAIXAS BANCÁRIOS ................................................................. 95 2.1. AS CONDIÇÕES E O AMBIENTE DE TRABALHO ........................................... 96 2.2. AS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E ORGANIZACIONAIS ............................ 99 2.3. A PRESCRIÇÃO E A REALIDADE DO TRABALHO ......................................... 103 2.3.1. O CAIXA BANCÁRIO NO CURSO DA AÇÃO .......................................... 106 2.3.2. A REGULAÇÃO DAS VARIABILIDADES E O USO DA INTELIGÊNCIA PRÁTICA ........................................................................... 110 2.3.3. OS LAÇOS DE COOPERAÇÃO .................................................................... 112 3. A SAÚDE DOS CAIXAS BANCÁRIOS .......................................................................... 113 3.1. AS IMPLICAÇÕES NA SAÚDE ............................................................................. 115 3.2. O SOFRIMENTO PSÍQUICO .................................................................................. 121 3.3. AS DEFESAS ........................................................................................................... 129 3.4. O JULGAMENTO DO TRABALHO E A DINÂMICA DO RECONHECIMENTO ............................................................. 136 3.5. A PRODUÇÃO DO SENTIDO DO TRABALHO E AS VIVÊNCIAS DE PRAZER ............................................................................... 138 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 142 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................... 146 ANEXOS 12 INTRODUÇÃO Atualmente os bancos fazem parte da vida cotidiana das pessoas, independentemente de idade, classe social, etnia ou sexo, sendo possível se afirmar que a maioria da população de um país tem uma conta bancária. Como dizem Zamberlan e Salerno (1987), isso explica as intensas e maciças campanhas mercadológicas realizadas pelo setor, visando o crescimento e a expansão da rede de agências. Os autores supracitados relatam que, ao longo dos anos, o mercado financeiro impôs aos bancos um desenvolvimento voltado essencialmente à padronização de rotinas e procedimentos, fato que acarretou um processo de seqüenciação das tarefas e gerou um rígido controle administrativo, principalmente sobre os caixas bancários. A padronização das atividades trouxe ao setor bancário a possibilidade da implantação de sistemas automatizados (Zamberlan & Salerno, 1987), o que provocou uma desestabilização do emprego e uma desvalorização desse segmento profissional, expressando uma condição moderna do sofrimento decorrente do processo de trabalho (Merlo & Barbarini, 2002). Esta compreensão é corroborada por Malaguti (1996, p. 57) ao sinalizar que o advento da tecnologia instaurada no setor bancário promoveu, “não apenas um clima de insatisfação, mas também um clima de enorme tensão frente à instabilidade do emprego”1. Especificamente em nossa pesquisa, objetivamos analisar a relação trabalho e saúde mental dos caixas bancários de agências da Caixa Econômica Federal na cidade de João Pessoa, PB. Como objetivos específicos, buscamos identificar e apreender as 1 É importante frisar que, de acordo com SEGNINI (1998), o sistema financeiro brasileiro já foi considerado um dos mais informatizados do mundo e que, desde o início do processo de informatização procurou manter em seu quadro funcional trabalhadores com alto nível de escolaridade, principalmente se comparado aos trabalhadores industriais. 13 estratégias de regulação da atividade de trabalho do caixa bancário, as vivências de sofrimento psíquico/prazer relacionadas ao tipo de atividade executada e as estratégias de defesa elaboradas por estes trabalhadores para enfrentar o sofrimento e/ou processos de adoecimento. Para a realização de tal estudo, recorremos inicialmente ao conceito de saúde apresentado por Canguilhem (2001), cuja noção remete à capacidade que o indivíduo tem de interagir com os eventos da vida e de enfrentar as infidelidades do meio, sendolhe possível, ao cair doente, se restabelecer. Segundo Dejours (1992), a saúde das pessoas está ligada a elas próprias, pois é algo que pode ser conquistada e da qual dependem, ou seja, cada indivíduo deve ser capaz de sofrer e reconhecer suas dificuldades a fim de enfrentar as demandas que o meio lhe solicita. Em seguida, inspiramo-nos na abordagem da Ergonomia da Atividade (Cru, 1988; Daniellou et al., 1989; Wisner, 1994; Guérin et al., 2001), caracterizada por ser a análise da atividade em situações reais de trabalho, visando um conhecimento detalhado desta e de como os trabalhadores dão conta das suas regulações frente às variabilidades do meio. A fim de apreendermos como isso acontece, voltamos o nosso estudo primordialmente às diferenças existentes entre o trabalho prescrito e o real, à noção de coletivos de trabalho e ainda à conceituação de cargas de trabalho. Por fim, procuramos identificar/apreender como os processos intersubjetivos estão se desenvolvendo nos ambientes laborais e, para tal, recorremos às contribuições da Psicodinâmica do Trabalho (Dejours, 2004), nos apropriando especificamente de assuntos relativos ao sofrimento e às defesas, aos coletivos de trabalho, às noções de inteligência prática e de dinâmica do reconhecimento, além da relação do sentido e do prazer no trabalho com a atividade. 14 Do ponto de vista formal, este trabalho está dividido em quatro capítulos, sendo o Capítulo I referente aos aportes teóricos que nortearam o nosso estudo: a Concepção da Saúde, a Ergonomia da Atividade e a Psicodinâmica do Trabalho. O Capítulo II contextualiza as transformações que vêm ocorrendo no trabalho bancário (desde o início dos anos 60 até os dias atuais), em que verificamos a implicação da implementação e desenvolvimento da informática e das mudanças organizacionais na subjetividade e na saúde dos bancários. No Capítulo III, destacamos a metodologia da pesquisa, recorrendo aos dispositivos utilizados, a observação sistemática da atividade (inspirada na Análise Ergonômica do Trabalho) e as entrevistas semi-estruturadas. E, no Capítulo IV, apresentamos os achados desta investigação, onde estão presentes: (a) uma análise sobre a inserção e formação profissional dos participantes; (b) a relação deles com a atividade no banco; e, por fim, a saúde dos caixas bancários das agências da Caixa Econômica Federal do município de João Pessoa, PB. 15 CAPÍTULO I OS APORTES TEÓRICOS O objetivo deste capítulo é apresentar uma histórica busca teórica, no campo das investigações sociais, especificamente em relação à análise do trabalho e suas implicações na saúde dos trabalhadores e trabalhadoras. Para tanto, nos reportamos à Ergonomia da Atividade e à Psicodinâmica do Trabalho. 1. A CONCEPÇÃO DE SAÚDE Canguilhem inicia a construção de sua própria argumentação a respeito da saúde, referindo-se a esta como sendo um fenômeno e uma questão filosófica (Caponi, 1997). Seus estudos preliminares sobre o normal e o patológico serviram de base para a sua tese de doutorado, cujo maior argumento está na diferença qualitativa entre estes dois fenômenos opostos, levando-o a concluir que nem toda doença implica numa variação quantitativa da normalidade (Coelho & Almeida Filho, 1999). A partir de então, Canguilhem passa a contrariar o pensamento dominante da época, o qual afirmava que os fenômenos patológicos eram variações quantitativas de fenômenos normais. O que ele busca explicar é que o anormal não está constituído pela ausência de normalidade, ou seja, que o patológico também pode ser considerado normal, já que a experiência do ser vivo inclui a doença. Sendo assim, o patológico passa a ser considerado como uma determinada forma de viver. 16 Apesar do mérito que o conceito de saúde elucidado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) tem – “a saúde é um completo estado de bem-estar físico, mental e social e não uma mera ausência de doença ou enfermidade” –, ao retomá-lo, Canguilhem critica-o e aponta um limite e uma superposição entre os conceitos de saúde e normalidade (Caponi, 1997). A OMS, segundo a visão do autor, parece não considerar que, o que se chama de bem-estar, está diretamente identificado com aquilo que é valorizado e definido como sendo algo normal para uma determinada sociedade em um certo momento histórico, passando a excluir todo o resto que é desvalorizado e considerado como simples “anomalia” (id., ibid.). No final dos anos 70, ao se basear na afirmativa de que todos são normais, Canguilhem sugeriu uma proposição na qual todos são patológicos, introduzindo o termo “normais patológicos”, através da constituição de uma concepção monista de ausência de saúde. Sendo assim, o homem normal deve ser capaz de, ao adoecer, afastar a doença. Em outras palavras, o autor apresenta a concepção de saúde como sendo caracterizada pela capacidade dos humanos de tolerar as variações das normas. Coelho e Almeida Filho (1999) retomam as idéias apresentadas por Canguilhem na década de 90 acerca da saúde que, ao considerá-la a partir da perspectiva de que existe uma relação entre o indivíduo e o meio, demarca uma oposição entre uma saúde filosófica e uma saúde científica. Estes autores chamam a atenção para o fato de Canguilhem procurar especificamente incorporar elementos da fisiologia do trabalho, do ambiente do trabalho, das adaptações das máquinas ao homem e das relações industriais para, a partir daí, fundamentar suas idéias a respeito das relações do homem e do meio, assim como determinar o significado das normas humanas. Segundo Canguilhem (2001), até então, ainda consideravam-se as idéias de Taylor, cujo pensamento indicava que, em relação ao meio físico e também ao meio social, o 17 operário deve reagir sem iniciativa pessoal aos diversos fatores a ele impostos, como por exemplo, estimulações diárias, movimentos mecânicos, ordens sociais, etc, independentemente da qualidade, intensidade ou freqüência destes fatores. Como a saúde é considerada uma resposta ativa do organismo na busca por um ajuste, a compreensão vigente da relação do homem com o meio torna-se um contrasenso, tanto no aspecto psicológico quanto no aspecto biológico, pois ao sentir-se ameaçado pelo meio, o homem tende a ter reações de defesa de ordem biológica e social, podendo estas ser entendidas como reações de saúde. Na visão de Canguilhem, a saúde implica tanto biologicamente quanto no próprio modo de viver do ser humano, pois o seu caráter referencial age como uma possibilidade de enfrentar situações novas, mantendo uma margem de tolerância de que cada indivíduo possui para enfrentar as infidelidades do meio (Caponi, 1997). Para o autor, o que o indivíduo mais teme ao cair enfermo é o fato de estar debilitado e exposto às enfermidades futuras que podem diminuir a sua margem de segurança. Foi então que a higiene passou a fazer parte do contexto da saúde, no formato de norma, a fim de regularizar a vida das pessoas, já que a tradição higienista está centrada na determinação social da enfermidade (id., ibid.). A saúde, então, torna-se um objeto de cálculo, perdendo a sua dimensão de verdade particular e adquirindo uma nova significação, desta vez empírica. Coelho e Almeida Filho (1999) citam, porém, que, para Canguilhem, a saúde filosófica, ou seja, a saúde de caráter individual, não pode ser medida através de aparelhos, pois esta tem um estado livre e não pode ser contabilizável. Os autores apresentam toda a preocupação que Canguilhem demonstra ao estabelecer uma real distinção entre a normalidade e a saúde. Ao longo dos anos e 18 durante seus estudos, este teórico expôs suas quatro proposições sobre a teoria geral da saúde: a idéia de que a saúde é a capacidade normativa, a concepção da normalidade como uma norma de vida, a consideração de que a normalidade é um fenômeno relacional e a proposta de absorção da saúde filosófica pela ciência. Para Canguilhem, tanto a saúde quanto a doença são formas normais, implicando numa certa norma de vida, sendo a primeira considerada uma norma de vida superior e a segunda uma norma de vida inferior (Coelho & Almeida Filho, 1999). Segundo o teórico, a saúde implica numa desobediência, ou seja, na capacidade que o ser humano tem de poder adoecer e sair do estado patológico. Sendo assim, esse autor nos traz contribuições significativas a partir do momento em que torna clara a existência não apenas de uma normalidade, mas sim de distintas normalidades, demonstrando então uma pluralidade de valores que podem ser julgados em toda organização econômica. Canguilhem demonstra que a saúde passa a perder uma perspectiva de simples adaptação e obediência, expressando diferentes padrões através de transformações e da não-obediência, portanto, diz-se que a saúde do indivíduo está relacionada com a forma com a qual este interage com os eventos da vida. Nesta direção, corroboram Coelho e Almeida Filho (1999, p.30), ao afirmarem que “a saúde enquanto perfeita ausência de doença situa-se no campo da patologia”, indicando que a promoção de saúde não implica numa ordenação de séries de ações de forma a gerarem um bem-estar comum ou evitar riscos, mas sim o poder de dar condições de escolha e criação aos indivíduos. Para Caponi (1997), é possível se referir à saúde quando tivermos os meios para enfrentar nossas próprias dificuldades e nossos 19 compromissos, sendo a conquista e ampliação desses meios uma tarefa ao mesmo tempo individual e coletiva. A autora faz um paralelo entre Canguilhem e Dejours afirmando que ambos parteam de uma mesma suposição a respeito da saúde quando afirmam que não é possível substituir os atores da saúde por elementos exteriores. A saúde das pessoas é um assunto ligado a elas próprias, visto que é algo que pode ser conquistado e do qual dependem as pessoas (Dejours, 1992). Cada indivíduo é capaz de sofrer e reconhecer suas dificuldades para enfrentar as demandas que o meio lhe solicita. De acordo com Dejours (1986, p. 37), a saúde pode ser pensada como: “a liberdade de dar ao corpo de comer quando tiver forme, de fazê-lo dormir quando tiver sono, de dar-lhe açúcar quando baixar a glicemia. Não é anormal estar cansado ou com sono, não é anormal ter uma gripe... Pode ser normal ter algumas enfermidades. O que não é normal é não poder cuidar dessa enfermidade, não poder ir para a cama e deixar-se levar pela enfermidade, não poder deixar que as coisas sejam feitas por outros durante algum tempo, não poder parar de trabalhar durante a gripe e depois poder voltar”. Ao pensar sobre a relação homem-tarefa, Dejours, Dessors e Desriaux (1993) sinalizam para três aspectos relacionados ao trabalho: • O organismo do homem não deve ser considerado como um motor banal, submetido a um só tipo de excitação. Esse trabalhador deve saber gerenciar, ao mesmo tempo, excitações exteriores e interiores; • Ao chegar no ambiente de trabalho, o homem traz consigo uma história pessoal, concretizada por suas aspirações, desejos, motivações e 20 necessidades psicológicas, que conferem a este sujeito características únicas e pessoais; • Em função de sua história particular, o trabalhador dispõe de vias de descargas preferenciais (distintas das de outro trabalhador), de modo a participar na formação daquilo que se chama de estrutura da personalidade. Dejours (1992) ainda nos traz que o homem torna-se cada vez mais sensível às cargas intelectuais e psicossensoriais do trabalho, que o fazem refletir e conduzem-no ao início de um processo de preparação para futuras preocupações com a saúde mental. Portanto, de acordo com Dejours e Abdoucheli (1990, p. 137), “o trabalho funciona então como um mediador para a saúde”, favorecendo-a, quando esse for estruturador, ou comprometendo-a, quando for patogênico. A organização do trabalho, entendida por um lado como sendo a divisão das tarefas e, por outro, como a divisão dos homens (isto é, os dispositivos de controle, vigilância, hierarquia, comando, repartição das responsabilidades)2, é freqüentemente interpretada como algo perigoso ao funcionamento psíquico. Porém, os estudos de Dejours sobre a psicopatologia do trabalho apontam que, mesmo estando expostos a perigos constantes, a grande maioria dos trabalhadores consegue evitar a loucura ou a descompensação psiquiátrica, utilizando-se de artifícios de defesa contra a organização do trabalho (Hirata, 1989). Se, por um ponto de vista, a organização do trabalho pode favorecer algo patogênico ao trabalhador, por outro ela deve servir como um estímulo para uma “fonte de prazer e contribuir de maneira original para a luta pela conquista e pela defesa da saúde”, mental ou corporal (Hirata, 1989, p.98). 2 Essa discussão será melhor apresentada no tópico acerca da Psicodinâmica do Trabalho. 21 Para Dejours et al. (1993) é impossível falar de trabalho, sem levar em consideração a situação do não-trabalho (ou desemprego). Este fato tende a desencadear um processo de adoecimento, contradizendo a idéia utópica de que a felicidade vem a partir do momento em que não se tem coisa alguma para se fazer. Segundo os autores, se um sujeito for encontrado numa situação de quase inatividade, pode ser considerado, do ponto de vista psiquiátrico, uma pessoa doente. A fim de avançarmos teoricamente na discussão acerca das relações trabalho e saúde, recorremos à Ergonomia da Atividade, caracterizada como sendo a análise da atividade em situações reais de trabalho, visando um conhecimento detalhado da atividade dos trabalhadores e suas regulações frente às variabilidades, e à Psicodinâmica do Trabalho, definida como a análise dos processos intersubjetivos desenvolvidos nos locais de trabalho. 2. A ERGONOMIA DA ATIVIDADE A Ergonomia foi difundida formalmente no período pós Segunda Guerra Mundial como uma disciplina científica com orientação prática, cujo objetivo era o funcionamento do homem em situações reais de trabalho. A Ergonomia da Atividade de origem francesa foi apresentada à comunidade científica através do lançamento do livro de A. Ombredane e J. M. Faverge intitulado A Análise do Trabalho, publicado no ano de 1955, rompendo assim com o experimentalismo da Ergonomia de origem anglosaxônica (Athayde, 1996). Encontramos o interesse da Ergonomia voltado à transformação de situações de trabalho, sendo esta disciplina orientada por critérios de produção (eficiência produtiva 22 em quantidade e qualidade) e de melhoria das condições de trabalho, dedicando-se, essencialmente, à busca pela adaptação deste às pessoas. No Brasil, o seu desenvolvimento passou a tomar impulso a partir da década de 70 (Telles & Alvarez, 2004). Segundo Daniellou (1986), a Ergonomia estuda a atividade de trabalho visando contribuir para a concepção de meios de trabalho adaptados às características fisiológicas e psicológicas do ser humano. Para Guérin, Laville, Daniellou, Duraffourg, e Kerguelen (2001), o estudo ergonômico de uma situação de trabalho tem por finalidade primeira a transformação do trabalho, buscando assim atender às demandas de transformação positiva da realidade laboral (Vidal, 2002). Esta vertente de disciplina que, desde a década de 60, tem como aportes teóricos disciplinas cognitivas como a Psicologia e/ou a Antropologia, mesclando seus próprios conceitos com os que são apresentados pela “representação mental”, “tratamento de informações”, “tomada de decisões”, “controle e avaliação” e “processo de regulação”. 2.1. TRABALHO PRESCRITO X TRABALHO REAL A Ergonomia, num determinado período da sua história, chama a atenção para uma noção ainda mais ampla do trabalho, isto é, a idéia da distância (ou gap) encontrada entre o trabalho prescrito e o trabalho real. No entanto, esta diferença é decorrente de uma constante variabilidade, visto que a prescrição é sempre limitada e incompleta e que o saber prático tem o objetivo de cobrir as lacunas do saber teórico, submetendo os trabalhadores a passarem cotidianamente por um processo de reinvenção desses limites (Guérin et al., 2001; Wisner, 1987; Daniellou, Laville, & Teiger, 1989). 23 Portanto, o trabalho prescrito, também chamado de tarefa, é a definição daquilo que deve ser feito segundo as especificações dadas (oralmente ou por escrito); o resultado antecipado, fixado dentro de condições determinadas para a realização do objetivo proposto pela instituição, nas quais, utilizando-se dos meios disponíveis neste ambiente o homem desenvolve uma certa atividade (Guérin et al., 2001). Daniellou, Laville e Teiger (1989) afirmam que o trabalho prescrito é a maneira segundo a qual o trabalho deve ser executado, ou seja, o modo como o trabalhador deve utilizar os instrumentos dispostos pela organização. Por sua vez, o trabalho real, também conhecido por atividade, é o modo como o homem, numa determinada situação de trabalho, se relaciona com os objetivos propostos, a organização do trabalho e os meios fornecidos para a realização do trabalho. Em outras palavras, é o modo pelo qual ele desenvolve e realiza a tarefa (trabalho prescrito), resultando numa “obra pessoal”, singular, contribuindo para a construção da sua identidade. A atividade, portanto, é uma estratégia de adaptação à situação real de trabalho, objeto da prescrição, ou seja, o que realmente é feito (Guérin et al., 2001). Brito e Athayde (2003) trazem de seus estudos uma nova conotação a este respeito, remetendo-nos aos postulados da escola russa da Psicologia fundada por Vygotski, a qual admite o homem como um ser pleno de possibilidades não realizadas. Em outras palavras, para os autores, o trabalho real ou atividade envolve também aquilo que não se faz, o que se busca fazer sem conseguir, o que pode ter sido feito, o que há para se refazer e até o que se faz sem querer, ou seja, “o que se faz para não fazer o que se está por fazer, pois muitas vezes fazer é, por outro lado, refazer ou desfazer” (p.66). 24 2.2. VARIABILIDADE E REGULAÇÕES A Ergonomia constata que o trabalho humano, efetivamente realizado em situações reais de trabalho, não corresponde jamais ao trabalho esperado, fixado por determinações dadas pela organização do trabalho. Ao realizar um trabalho, a pessoa está sujeita às variabilidades, quer sejam do sistema técnico e organizacional (panes, disfuncionamentos, dificuldades de previsão), sua própria variabilidade e a dos outros (fadiga, ritmicidade circadiana, efeitos da idade, experiência, gênero), e do(s) coletivo(s) de trabalho pertinente(s) (Telles & Alvarez, 2004). Entende-se que, tudo o que é constante é a permanente variabilidade, ou seja, as condições de produção nunca são perfeitamente estáveis. É preciso conhecer as variabilidades a fim de tentar prevê-las e considerar a possibilidade de que novas venham a existir. Nessa perspectiva, Guérin et al. (2001) apresentam a definição de atividade de trabalho como sendo o elemento central, organizador e estruturante dos componentes de uma dada situação de trabalho. Ela é uma resposta às exigências determinadas externamente ao trabalhador e que simultaneamente está susceptível de transformar. Sendo assim, a atividade de trabalho depende de dois tipos de condições: as externas (tarefa: técnicas, organizacionais, etc.) e outras ligadas às características do grupo (e de seus membros e das metas fixadas). No entanto, o que determina efetivamente a atividade baseia-se nas relações que se estabelecem entre estes dois tipos de condições e sua adequação. 25 Brito e Athayde (2003) retomam o conceito de atividade de trabalho de Canguilhem, o qual defende que, no contexto do trabalho, há um ser vivo que vive seu meio em uma atividade de oposição à inércia e à indiferença, sendo este sujeito um ente mais que normal, normativo, criativo e capaz de novas normas em seu meio (Canguilhem, 2001). Logo, conforme os autores acima, o trabalho não pode ser reduzido à prescrição, mas sim considerado um lugar permanente de micro-escolhas. Torna-se clara a existência de uma instabilidade característica das situações de vida e trabalho, visualizando o meio como infiel, conduzindo a saúde a ser um alvo fácil para estas infidelidades. Verifica-se que o trabalhador está colocado diante de diversas racionalidades e valores, devendo por sua vez ser capaz de prever e regular as variabilidades em diferentes situações impostas pelo trabalho. 2.3. COLETIVOS DE TRABALHO Para Cru (1986), o coletivo acontece a partir do momento em que vários trabalhadores passam a concorrer a uma obra comum, respeitando regras préestabelecidas pelo grupo. Para tanto é necessário que existam vários trabalhadores e que estes estejam reunidos com o objetivo de executar uma obra comum num mesmo lugar. Este trabalho deve ser regido por uma ou várias regras, respeitando-as cada qual individualmente, após serem interiorizadas. Em certos casos, a interiorização das regras não ocorre, porém são respeitadas pela imposição da submissão ao coletivo. Estas regras estão caracterizadas por Dejours e Abdoucheli (1990) como sendo sempre: • uma regra técnica, mantendo as maneiras de fazer fixas; 26 • uma regra social, cujas condutas de interações estão enquadradas; • uma regra lingüística, sendo estas estabilizadas por práticas da linguagem, e • uma regra ética, buscando-se a justiça e a eqüidade, a qual serve de referência às arbitragens e aos julgamentos das relações ordinárias de trabalho. Para os autores, estas regras têm um poder organizador sobre a coesão e a construção do coletivo: coletivo de regra, este se apoiando no coletivo essencialmente estruturado pelas estratégias defensivas: coletivo de defesa, o que apresentamos mais adiante. As regras de ofício, assim chamadas por Cru (1986), transcendem a esfera da hierarquia e são “implícitas em seus fundamentos”, ou seja, elas simplesmente existem e devem ser respeitadas, pois, caso contrário, surgem constrangimentos por parte daqueles que, em relação ao ofício, se tornam marginais. Para o autor, o coletivo trabalha em prol da defesa da capacidade de auto-regulação e da iniciativa individual ou coletiva. O coletivo de trabalho tem uma maior eficácia quando as regras são conhecidas e estão introjetadas por todos os seus membros (Figueiredo, 2001), já que uma de suas vantagens é ser defendida pelo coletivo perante a iminência de ameaças exteriores, surgindo assim uma procura para adaptá-las às inovações tecnológicas e organizacionais em curso no trabalho. Assim, o coletivo cria um sistema de defesa contra as ameaças internas, de modo a opor-se a que uma só pessoa ou mesmo um pequeno grupo inicie o processo de imposição de sua própria lei. Por estarem baseadas nas experiências dos próprios trabalhadores envolvidos no coletivo, as regras utilizam a inteligência astuciosa (Dejours, 2004)3 dos mesmos de forma a exercerem uma força de luta e defesa contra os riscos e contra o medo 3 Essa discussão será retomada no tópico sobre a Psicodinâmica do Trabalho. 27 (Figueiredo, 2001). Desta forma, elas funcionam como uma ferramenta libertadora para aqueles que as aceitam, livrando-os de qualquer tipo de inquietação e protegendo-os contra a ingerência, contra o arbitrário. E ainda mais, por não imporem nenhum limite intransponível, elas servem como balizadores da vida no trabalho, ajudando os trabalhadores a se orientarem, sustentando a idéia do homem em movimento. Muniz (2000) nos traz a definição enfocada por Leplat quanto à atividade coletiva, sugerindo que esta é a realização efetiva de uma tarefa executada por um grupo de trabalhadores de forma interdependente. Todavia, salientamos que uma tarefa coletiva não corresponde obrigatoriamente a uma atividade coletiva, ou seja, uma tarefa dita coletiva pela organização, pode ser reestruturada de forma a ser executada individualmente; o mesmo ocorre inversamente, isto é, uma atividade coletiva não corresponde necessariamente a uma tarefa coletiva. Sendo assim, é possível que trabalhadores de diferentes setores resolvam se reunir para lidar com uma tarefa, mesmo que esta atitude não tenha prescrição. Muniz (2000) apresenta importantes contribuições de Leplat, referentes a este tema, e que salientamos aqui: o grupo de trabalhadores envolvidos numa determinada atividade coletiva não necessariamente faz parte do organograma da empresa e a atividade coletiva existe apenas quando uma tarefa está sendo compartilhada por um grupo. Figueiredo (2001), ao citar Dejours, elucida que a cooperação serve de base fundamental para a formação de um coletivo de trabalho, exercendo um papel estratégico na minimização das “falhas humanas”. Isto se deve ao fato de os trabalhadores conseguirem promover, através da cooperação e de um trabalho compartilhado, uma estratégia própria, visando à minimização da complexidade das 28 tarefas e à regulação das variabilidades (Silva, 2005). A cooperação é essencialmente formada a partir de uma associação de laços comuns construídos pelos trabalhadores, de forma voluntária, imbuídos em alcançar um objetivo comum, isto é, na realização de uma obra comum (Athayde, 1996; Neves, 1999; Guérin et al., 2001; Figueiredo, 2001). Assim sendo, utilizando-se da dimensão da cooperação, um coletivo ainda consegue, ao seu modo particular, detectar, corrigir e prevenir determinadas conseqüências provocadas por falhas resultantes de um processo produtivo. Vemos, portanto que, a atividade coletiva é entendida como a execução de uma tarefa ocasionada pela intervenção de vários operadores, já que “não é uma coleção de atividades individuais sobre tarefas independentes, mas uma atividade em que os operadores realizam conjuntamente a mesma tarefa, em um mesmo lugar, ou eventualmente em locais diferentes” (Athayde, 1996, p.62), trabalhando em prol de uma mesma meta e de um mesmo objetivo, coordenando sua atividade de forma cooperativa, gerando assim uma “interdependência no trabalho”. Salientamos a imprescindível existência de uma atividade coletiva, posto que a mesma é de vital importância para que haja regulações e a possibilidade da autoregulação dos trabalhadores, dentro de uma gestão cotidiana (Athayde, 1996; Muniz, 2000; Figueiredo, 2001). A dimensão do coletivo de trabalho não está apenas imbricada na cooperação. O próprio grupo é capaz de assegurar a repartição das atividades, gerenciando uma “atividade de coordenação”, que está articulada através de meios de comunicação. É relevante destacar a importância da comunicação e da negociação dentro deste enfoque, onde são encontrados os componentes subjetivos da confiabilidade, cujo papel fundamental na luta contra o sofrimento está relacionado às questões envolvidas com o sentido do trabalho (Figueiredo, 2001). 29 Wisner (1994) ressalta que, desde o início, a Ergonomia enfatizava a importância da comunicação, destacando-a como um dos meios mais eficazes de análise e compreensão da atividade. Para Guérin et al. (2001), a comunicação é entendida como uma transmissão de informação entre os operadores, podendo ser tanto verbal quanto gestual, sustentando-se em códigos e signos elaborados previamente numa cultura oriunda dos trabalhadores envolvidos. 2.4. CARGAS DE TRABALHO Torna-se mister destacarmos que um estudo ergonômico visa atingir, pelo menos, duas finalidades: “o melhoramento e a conservação da saúde dos trabalhadores, e a concepção e o funcionamento satisfatórios do sistema técnico do ponto de vista da produção e da segurança” (Wisner, 1994, p.77). O autor nos remete aos primeiros estudos ergonômicos, realizados na década de 50, acerca da expressão fadiga, muitas vezes ainda utilizada pelos trabalhadores quando procuram descrever os efeitos negativos que o trabalho traz para eles próprios e para os seus colegas. No entanto, esta expressão foi substituída por carga de trabalho como objeto de estudo. Wisner (1994) retoma as pesquisas experimentais realizadas por Kalsbeek, cujos resultados indicam que as atividades cognitivas geram uma sobrecarga cognitiva para quem as executa. Evidenciou-se, então, que os saberes do trabalhador e uma experiência anterior influem muito mais sobre a atividade cognitiva do que sobre uma atividade física. Com isso, a noção de carga cognitiva permite mostrar que é inconcebível a existência de uma atividade física sem uma atividade cognitiva, provando que muitas 30 das dificuldades do trabalho físico, na realidade, são oriundas do desprezo dado às dimensões cognitivas do trabalho. Segundo os estudos de Dejours et al. (1993), a Ergonomia é entendida a partir de dois aspectos da carga de trabalho: o seu componente físico (barulho, iluminação, calor, desgaste energético, etc.) e o seu componente mental, referente à percepção e ao tratamento da informação que é necessária à execução do trabalho em si. No entanto, salientamos a importância de o trabalhador iniciar um processo de retenção de energia ao estar submetido a estas diversas formas de excitações, originando as tensões psíquicas comumente conhecidas por tensões nervosas. A fim de livrar-se desta retenção de energia, o trabalhador dispõe de vias de descarga, esquematicamente definidas como: via psíquica, via motórica e via visceral. Enquanto que, pela via psíquica o sujeito tem a possibilidade de construir fantasias mentais suficientes para descarregar a sua tensão, pela via motórica o sujeito utiliza-se da sua própria musculatura a fim de livrar-se das tensões através de descargas psicomotoras. Todavia, segundo os autores, a energia pulsional não é possível de ser descarregada senão através da via do sistema nervoso autônomo e da desregulação das funções somáticas, realizadas apenas pela via visceral. Os autores apontam três fatores que se sobressaem do contexto do trabalho no qual existe a relação homem-tarefa: • o organismo do homem não está simplesmente submetido a um só tipo de excitação, devendo o sujeito saber gerenciar, ao mesmo tempo, excitações exteriores e interiores; • o trabalhador não chegam ao trabalho como uma máquina nova, posto que este traz consigo uma história pessoal, concretizada por suas 31 aspirações, desejos, motivações e necessidades psicológicas, conferindo a este sujeito características únicas e pessoais; • em função de sua história particular, o trabalhador dispõe de vias de descarga preferenciais (diferente daquelas que dispõe outro trabalhador), de modo a participar na formação da chamada estrutura da personalidade. No entanto, estas noções ainda apresentam certas discordâncias, principalmente quanto ao sentimento de fadiga e as medidas de carga física e carga mental. Para Dejours (1992), a noção de carga mental se confunde com a de carga cognitiva, e o autor, então, define-a como “carga psíquica” e, posteriormente, “sofrimento”. Para Wisner (1994), o sofrimento psíquico está ligado principalmente ao psiquismo humano e, em especial à angústia dos trabalhadores. Esse sofrimento se exprime por comportamentos, particularmente através da fala e das perturbações neuroendocrinianas e imunológicas, provocando o aparecimento de diversas enfermidades somáticas, também conhecidas por psicossomáticas. 3. A PSICODINÂMICA DO TRABALHO A Psicopatologia do Trabalho começou a ser introduzida no cenário científico francês, por volta das décadas de 50 e 60, buscando encontrar relações entre as afecções mentais e o trabalho e, assim, sinalizar a existência de síndromes que afetavam a saúde mental de algumas categorias profissionais. Alguns trabalhos de Le Guillant e Bégoin, dentro desse período, são indicados por Dejours (1992) como representantes de uma expressão de uma clínica marcada pela patologia social. 32 Durante aproximadamente quinze anos, entretanto, verificou-se uma estagnação produtiva sobre a Psicopatologia do Trabalho, proveniente, principalmente, de fatores de ordem histórica e da contextualização sociopolítica da época, já que o assunto referente à saúde mental ainda não havia surgido como uma bandeira nas lutas dos trabalhadores por sua saúde. Foi, porém, no final da década de 70, que ocorreu uma verdadeira virada na produção teórica deste campo, pois, até então, o corpo era visto como alvo de impacto dos prejuízos do trabalho e foi considerado o principal foco das preocupações dos sindicalistas e especialistas. Dejours (1992) cita que, estudos desenvolvidos até essa época, representados principalmente pelo clássico “A Neurose das Telefonistas” de Le Guillant e Bégoin, tentavam esclarecer (em vão) o nexo causal entre o trabalho e as doenças mentais, despertando, ainda mais, o interesse pelas conseqüências mentais no trabalho. Contudo, em 1980, Dejours (considerado o maior expoente dessa corrente de pensamento), publicou o ensaio “Travail: Usure Mentale”, numa tentativa de reconstruir a produção científica no campo da Psicopatologia do Trabalho. O objetivo deste estudo era explicar o campo não-comportamental, até o momento ocupado pelos atos impostos, isto é: movimentos, gestos, ritmos, cadências e comportamentos produtivos (Dejours, 1992). Ainda durante essa fase transitória, ocorreram algumas mudanças quanto ao objeto de estudo, ou seja, houve uma verdadeira reviravolta epistemológica no campo da Psicopatologia do Trabalho, desembocando no desenvolvimento de uma trajetória de produção conceitual. Como exemplo desta mudança, relata-se o caso da análise das relações psíquicas com o trabalho em termos de estresse, que foi recusada em função da atual preocupação com a análise do sofrimento psíquico, com as defesas contra o sofrimento e a doença resultantes da confrontação dos homens com a organização do trabalho. 33 Para um melhor entendimento sobre o assunto em questão, é importante estabelecer uma diferenciação entre o que se entende por organização do trabalho e condição de trabalho. De acordo com Dejours e Abdoucheli (1994), as condições de trabalho têm por alvo principal o corpo, enquanto que a organização do trabalho atua em nível do funcionamento psíquico. Quanto à organização do trabalho, classificam-na em: divisão do trabalho (ou seja, o modo operatório prescrito: divisão de tarefas, cadência) e a divisão de homens (isto é, responsabilidades, hierarquia, comando, controle, etc.). No tocante à condição de trabalho, Dejours (1992) interpreta-a como ambiente físico (temperatura, pressão, barulho, vibração, irradiação, altitude, etc.), químico (produtos manipulados, vapores e gases tóxicos, poeiras, fumaças, etc.), biológico (vírus, bactérias, parasitas, fungos), condições de higiene, de segurança e características antropométricas do posto de trabalho. Neves, Seligman-Silva e Athayde (2004) suscitam que se inicia, assim, um rompimento com uma visão causalística/impactológica que busca encontrar uma doença mental caracterizada decorrente do trabalho, passando-se a adotar um modelo dinâmico de análise. Os estudos passam a se voltar para o entendimento dos recursos utilizados pelos trabalhadores para suportar as pressões psíquicas da organização do trabalho e não adoecerem, buscando se manterem no campo da normalidade. No entanto, essa normalidade, de fundo enigmático, não é interpretada como um equilíbrio psicológico, sua idéia central está transpassada pelo sofrimento psíquico (Dejours, 1992). O autor supracitado ainda ressalta que um dos principais elementos para o estudo da Psicopatologia do Trabalho é a noção de variabilidade, ou seja, a noção de que o predominante no funcionamento do homem é a mudança e não a estabilidade. Para ele, esta variabilidade deve ser assumida e respeitada sempre que se deseje 34 promover a saúde dos indivíduos, pois a saúde é, antes de qualquer outra coisa, um objetivo fim, isto é, algo a ser atingido. 3.1. A NORMALIDADE E O SOFRIMENTO Como vimos anteriormente, com a mudança epistemológica, o objeto de estudo da Psicopatologia do Trabalho passa a ser o entendimento dos recursos usados pelos trabalhadores para suportar e não adoecer devido às pressões psíquicas do trabalho. É uma tentativa de se manterem no campo da normalidade, entendida como um enigma que transpassa o sofrimento psíquico (Neves et al., 2004). O conceito de sofrimento proposto por Dejours, surge como um delimitador do campo de investigação. O foco de estudo deixou de ser o da doença mental, e passa a conceber o sofrimento como sendo uma vivência subjetiva intermediária existente entre a doença mental descompensada e o conforto (ou bem-estar) psíquico (Dejours & Abdoucheli, 1994), utilizando-se de materiais provenientes da Psicanálise, da Psicossomática e da Ergonomia Situada da Atividade. Devido à falta de evidências acerca das doenças mentais provocadas pelo trabalho, Dejours (1992) sugere o termo Psicopatologia da Normalidade, atentando para os comportamentos estranhos, insólitos ou paradoxais, na busca de identificar características comuns numa situação de trabalho supostamente homogênea. Segundo o autor, trata-se da elucidação do trajeto, ou seja, do percurso que segue do comportamento livre ao comportamento estereotipado. Por comportamento livre, entende-se ser uma tentativa de se transformar a realidade circundante de acordo com os 35 desejos próprios do sujeito; este tipo de comportamento qualifica uma orientação na direção do prazer. Afirma-se que o sofrimento equivale a uma anulação dos “comportamentos livres”, sendo esta muda e invisível (Dejours, 1992). O tipo de sofrimento estudado era o patogênico, pois considerava a organização do trabalho como um bloco monolítico (rígido), no qual imperava uma situação conflituosa entre o desejo do trabalhador face à realidade do trabalho e a organização do trabalho que limitava a realização de um projeto em detrimento de um modo operatório prescrito. Só lhe restava adaptar-se àquela situação, gerando, desta forma, o sofrimento e a luta contra o sofrimento. No entanto, a dinâmica do sofrimento, identificada como a luta dos trabalhadores contra a organização do trabalho, que o empurra em direção à doença mental, começa, paulatinamente, a sofrer alterações conceituais migrando do campo patogênico ao, então denominado, sofrimento criativo. O favorecimento da transformação do sofrimento em criatividade é uma contribuição que traz um benefício à identidade. Desta forma, de acordo com Dejours e Abdoucheli (1994), o sofrimento criativo atua de forma a aumentar a resistência do sujeito ao risco de desestabilização psíquica e social. 3.2. AS ESTRATÉGIAS E OS COLETIVOS DE DEFESAS Como sinaliza Dejours (1992), os trabalhadores lutam contra o sofrimento elaborando defesas individuais e coletivas, e atuando de forma ativa em relação à organização do trabalho, buscando assim algo que os proteja contra as diferentes formas de sofrimento que os acometem. Uma importante descoberta empírica desenvolvida 36 pela Psicopatologia do Trabalho é a existência da construção coletiva de sistemas defensivos, específica de cada grupo social e relacionada, portanto, à natureza de cada organização do trabalho, devendo estes sistemas manter uma certa coerência e obrigatoriedade quanto à existência do coletivo de trabalhadores. No entanto, a partir do momento que esses procedimentos defensivos servem de base para a construção de um sistema de valores conseguindo transformar a defesa em alvo, já não se trata apenas de uma defesa coletiva, mas de “ideologias defensivas de profissão”, sendo este um conceito fundamental para Dejours, cujo impacto sobre as relações sociais é altamente problematizado. Em determinadas situações, portanto, o caráter complexo e problemático das defesas desenvolvidas pelos trabalhadores contra o sofrimento, pode gerar uma ideologia defensiva favorecendo ainda mais a adaptação do mesmo ao trabalho e, por outro lado, esta adaptação pode ser utilizada pela organização do trabalho em proveito da produtividade. Como exemplo, citamos o que comenta Dejours (2004) acerca de seus estudos com operários da construção civil e de indústrias petrolíferas: a irritação sentida pelos trabalhadores, advinda das atividades a que estavam submetidos a executar pela hierarquia, gerava, em casos extremos, certos processos compulsivos de “autoaceleração”. A ideologia defensiva é definida como um procedimento de defesa elaborado por um grupo social particular, na busca de uma especificidade, geralmente relacionado à natureza da organização do trabalho, e que conta com a participação de todos os interessados, sendo coerente e tendo um caráter vital, fundamental, necessário (Dejours, 1992). 37 Citamos, como exemplo, o caso dos trabalhadores da construção civil (Cru & Dejours, 1987) que, para suportar o medo do ofício, elaboram coletivamente uma “ideologia defensiva de profissão” procurando inverter a relação que existe entre eles e as adversidades ou perigos reais do trabalho. Segundo os autores, os trabalhadores optam por rejeitar as medidas preventivas oferecidas pela organização, preferindo adotar medidas improvisadas e executar uma segurança feita “de qualquer jeito”, evidenciando-se, então, uma resistência por parte dos mesmos com relação às medidas de prevenção preconizadas pela organização de trabalho. Estes comportamentos de rejeição, por parte da coletividade operária, às medidas de segurança da organização, são interpretadas como desafios ao perigo, ou em outras palavras, como uma negação ao perigo, visando afastar a vivência de uma angústia incompatível com a realização e o prosseguimento de determinada tarefa. Cru e Dejours (1987) observam a existência de certos elementos que ocorrem em sistemas de auto-regulação dos coletivos de trabalho e de auto-regulação dos ritmos e dos modos operatórios individuais. Atribuem, portanto, o nome de saberes de prudência, pois se trata de um confronto entre uma organização espontânea do trabalho, elaborada pelos trabalhadores, e uma organização imposta do exterior pela instituição. Para Dejours (2004), as estratégias de defesa são coercitivas, devendo todos os envolvidos participarem. Aquele que se recusa é ridicularizado pelos demais, culminando numa repreensão seguida de marginalização e podendo, até mesmo, ser excluído do convívio do grupo. Desta forma, “de vítimas potenciais passivamente expostas ao risco, os operários tornam-se provocadores de um desafio proposital, ou seja, são os desafiadores do próprio perigo” (p.182), recusando a realidade. 38 Ressaltamos, também, o postulado de Dejours e Abdoucheli (1990) quanto ao fato de que vários sujeitos experimentando individualmente um sofrimento único são capazes de unirem-se a fim de construírem uma estratégia defensiva comum. Para Dejours (2004), porém, isto só é possível uma vez que os sistemas coletivos de defesa funcionem como regras, oriundas de um consenso ou acordo partilhado entre os trabalhadores, diferenciando-se assim dos mecanismos individuais de defesa. Sendo assim, os sistemas coletivos de defesa servem como regras ou acordos normativos compartilhados, diferenciando-se dos mecanismos individuais de defesa, contribuindo, deste modo, para a formação e estruturação dos coletivos de trabalho. Cru (1986), em seu estudo sobre os trabalhadores da construção civil, identifica a existência de quatro regras fundamentais que regem as relações, chamando-as de regras de ofício. São elas: a regra de ouro (na qual cada um termina o trabalho que começou), a regra da ferramenta (na qual cada um trabalha com suas próprias ferramentas), a regra do tempo (nem se deve correr, nem dormir) e a regra da passagem livre (na qual cada um pode circular em todo o canteiro de obras). Estas regras são coerentes entre si e indissociáveis, já que a ameaça a apenas uma delas pode comprometer todo o conjunto de ações. Elas não impõem limite intransponível contrário ao regulamento, pois servem para ajudar e orientar o trabalho, sustentando a idéia do homem em movimento. O poder organizador das regras de ofício gera a formação do coletivo de regras que, juntamente com a linguagem do trabalhador, servem como facilitadores no processo da construção da identificação do trabalhador. Os estudos sobre os coletivos de trabalho têm grande importância para favorecer uma reviravolta epistemológica da Psicopatologia do Trabalho dando origem, assim, à 39 Psicodinâmica do Trabalho. Esta é definida, a partir de então, como a “análise psicodinâmica dos processos intersubjetivos mobilizados pelas situações de trabalho” (Dejours, 1992). Mesmo se aproximando do campo clínico da Psicologia, a Psicodinâmica do Trabalho passa a relacionar-se com a linguagem, buscando uma relação específica com ofício que permita o acesso direto à realidade do trabalho (Cru, 1988). Dejours (2004) sugere então que o sentido coletivo é uma resultante da construção de uma linguagem comum para prestar conta não da realidade do trabalho, mas da especificidade das vivências do trabalho. Para ele, o que move toda essa dinâmica, é previamente, o sofrimento, o qual os sujeitos buscam compreender, analisar, transformar, e não a organização do trabalho. 3.3. A INTELIGÊNCIA PRÁTICA Os processos psíquicos mobilizados nas transformações e ajustamentos criativos são denominados de inteligência prática, um tipo de inteligência de caráter intuitivo ou astucioso, cujo objetivo é tentar minimizar a distância existente entre a organização do trabalho prescrito e a organização do trabalho real. Uma de suas principais características é estar enraizada no corpo (Dejours, 1993), sendo necessária uma prévia experiência vivenciada pelo corpo numa situação comum do trabalho, na qual, ao primeiro sinal de quebra da rotina, o corpo é alertado e suscita a curiosidade. O indivíduo é levado a esboçar rapidamente uma interpretação, um diagnóstico ou uma medida corretiva, e só interroga-se se a decisão foi acertada (ou não) depois de executá- 40 la, verificando assim a operacionalização da tentativa sugerida intuitivamente pelas suas percepções. Do ponto de vista ergonômico, porém sob a ótica de Dejours (2004), o trabalho é uma atividade que exige completo funcionamento do corpo no exercício de uma inteligência utilizada no enfrentamento daquilo que ainda não estava prescrito pela organização do trabalho. Segundo a definição do autor, trabalho “é a atividade coordenada de homens e mulheres para defrontar-se com o que não poderia ser realizado pela simples execução prescrita de uma tarefa de caráter utilitário com as recomendações estabelecidas pela organização do trabalho” (p.135). Apesar de estar enraizada no corpo, isso não implica dizer que existe uma ausência do pensamento, pois, mesmo escapando à consciência, se caracteriza por um estilo de resolver os problemas com astúcia e esperteza, estando presente em qualquer tipo de trabalho. Sua não utilização pode gerar fontes de sofrimento psíquico e até de doença. Sendo assim, a fim de enfrentar a realidade do trabalho, o trabalhador deve ser capaz de mobilizar esta inteligência, convocando o corpo todo, e não apenas o funcionamento cognitivo. O trabalho prescrito é então posto em confronto com o trabalho real. Dejours (2004) postula que a conquista da identidade individual dá base à dinâmica da mobilização e que, portanto, o sujeito mobiliza sua inteligência e sua personalidade em função de uma racionalidade subjetiva particular. Por sua vez, a mobilização dinâmica está apoiada, essencialmente, na relação contribuição/retribuição e a não observância desta implica em levar os sujeitos a sofrerem e a resistirem em seu 41 sofrimento com estratégias de defesa, gerando conseqüências nefastas para a sua saúde mental e somática. A inteligência prática, entretanto, somente se torna possível a partir do momento em que certas condições de mobilização são atendidas. Em primeiro lugar, é preciso haver uma organização do trabalho prescrito, pois é necessário que haja regras para o “jogo”, mesmo que estas sejam inadequadas e precisem ser desobedecidas, transgredidas ou “trapaceadas”, dado que a organização prescrita do trabalho nunca é considerada inútil para os trabalhadores (Dejours, 1993). A segunda condição refere-se à transparência, pois em certas situações é preciso “fraudar” o prescrito a fim de se executar uma determinada atividade, já que muitas vezes os próprios regulamentos podem ser contraditórios e gerar “paralisia” no trabalho. É preciso haver uma certa cumplicidade entre a equipe dos trabalhadores e seus superiores diretos para que esta transparência possa ser respeitada. Hirata (1989), salienta que os estudos psicopatológicos corroboram os estudos ergonômicos, apontando para o fato de que a organização prescrita do trabalho nunca é respeitada, resultando sempre num compromisso que surge de uma negociação entre coletivo de chefia e coletivo de execução. 3.4. A DINÂMICA DO RECONHECIMENTO Ainda no tocante às condições de mobilização, uma terceira condição passa pelo processo de reconhecimento, o qual é obtido através da relação contribuição – retribuição, esta sendo de natureza fundamentalmente simbólica (Dejours, 2004). Para o autor, esse reconhecimento pode ser explicado em duas dimensões: 42 • no sentido de constatação, isto é, aquele que é representado pela contribuição individual do trabalhador e que está ligada à organização do trabalho. É preciso deixar claro que este tipo de reconhecimento faz com que o trabalhador entre em confronto com as resistências hierárquicas, reconhecendo por sua vez, certas imperfeições técnicas, tais como falhas na organização do trabalho prescrito, acarretando, conseqüentemente, receio por parte dos dirigentes e responsáveis. • no sentido de gratidão pela contribuição oferecida pelos trabalhadores à organização do trabalho. Apesar de ser considerada também uma dimensão do reconhecimento, é um tipo pouco constatado e concedido com muita parcimônia. Ainda segundo o autor, o reconhecimento somente se dá a partir da reconstrução rigorosa dos julgamentos, os quais dizem respeito ao trabalho realizado pelos atores específicos engajados na gestão do coletivo da organização do trabalho. Apontamos os diferentes tipos de julgamento: • o julgamento de utilidade, proferido pela hierarquia superior ou pelos subordinados (linha vertical), a respeito da conduta e eficácia do trabalhador, podendo, eventualmente, também ser proveniente dos clientes; • o julgamento de estética (de beleza ou de originalidade), relativo ao julgamento feito pelos próprios pares, colegas ou membros da equipe (linha horizontal), quanto à qualidade do seu feito; este tipo de julgamento é considerado por Dejours como sendo o mais importante, devido ao fato de que os pares, por conhecerem mais em detalhes as 43 condições e dificuldades do ofício, conseguem valorizar muito mais a beleza de um trabalho bem realizado. Apesar de distintos, na opinião do autor, estes tipos de julgamento convergem para um ponto em comum: o trabalho realizado, ou seja, “sobre o fazer e não sobre a pessoa” (Dejours, 2004, p.73). O julgamento realizado pelos pares desperta, também, um sentimento de pertencer a um coletivo ou comunidade de trabalho, contribuindo para a formação da identidade do trabalhador. Este ponto crucial é fundamental para o aprofundamento dos estudos de Dejours a respeito da discussão sobre a saúde mental, pois o reconhecimento possibilita a construção por parte dos sujeitos do sentido no trabalho, devido ao seu caráter simbólico. De acordo com Dejours (2004), o caráter simbólico do reconhecimento é advindo da produção do sentido conferido à vivência no trabalho. Logo, “o sentido que dá acesso ao reconhecimento é o do sofrimento no trabalho”, proveniente do “conjunto de constrangimentos sistêmicos e técnicos” (p.74). O autor ressalta que o trabalho desempenha um papel de fundamental importância na construção da identidade do trabalhador, representando um alicerce para a sua saúde mental e somática. 3.5. O PRAZER NO TRABALHO Partindo-se do princípio de que o sujeito não vivencia no trabalho apenas dor e sofrimento, mas também prazer, apesar de não estarem apresentados num continuum, Dejours e Abdoucheli (1990) afirmam que o sofrimento pode ser tanto do tipo patógeno quanto criativo, e decorrente de conquistas permanentes. No entanto, os autores ainda 44 nos trazem que o sofrimento criativo não é sinônimo de prazer, pois isto somente é possível através da transformação da capacidade de subverter o sofrimento em favor da criatividade. Faz-se mister esclarecer que, caso a organização do trabalho não venha a possibilitar o uso dos recursos de mobilização da inteligência prática e a existência da dinâmica do reconhecimento, a transformação do sofrimento em prazer não se realiza. Segundo os autores, a luta contra o sofrimento está relacionada à questão do sentido no trabalho, percorrendo um caminho que produz um benefício para a identidade e para a saúde mental, já que o prazer e o sofrimento são considerados vivências subjetivas, que implicam um ser de carne e um corpo onde ele se exprime e se experimenta, assim como a angústia, o desejo, o amor, etc. Segundo Dejours (1992), caso a relação do trabalhador com a organização do trabalho seja considerada favorável, ao invés de conflituosa, é possível que isso seja decorrente de uma das situações abaixo: • o trabalhador considera que as exigências intelectuais, motoras ou psicossensoriais da tarefa estão de acordo com as suas necessidades, gerando nele um “prazer de funcionar”; • o conteúdo do trabalho é proveniente de uma fonte de satisfação sublimatória; situação rara se comparada à maioria das atividades, pois o trabalhador tem o privilégio de conduzir o seu ritmo de trabalho e modo operatório. Como exemplo, o autor cita os pesquisadores que, apesar de sofrerem pelos sacrifícios materiais, encontram, no prazer pelo trabalho, uma melhor defesa. 45 Para Dejours (2004), a sublimação é um processo esplêndido, que ao ser atingido, possibilita a transformação do sofrimento em prazer, reforçando a oposição do sofrimento ao masoquismo. Segundo Vieira (2005), é possível dizer que o trabalhador se experimenta e se transforma através de suas descobertas e de suas invenções. O reconhecimento pode ser um aliado na construção do sentido do trabalho, favorecendo e contribuindo para que o indivíduo atinja suas expectativas quanto à realização pessoal, edificando sua identidade no campo social. Em conseqüência disso, o reconhecimento ainda pode estimular a transformação do sofrimento em prazer (Dejours, 2004). No entanto, segundo o autor, se o reconhecimento for direcionado à pessoa do trabalhador e não à sua obra, isto implica um desconhecimento acerca de seu sofrimento, de seu mérito, colocando em risco toda a complexidade da relação sofrimento-prazer. 46 CAPÍTULO II A REESTRUTURAÇÃO DO TRABALHO BANCÁRIO 1. A CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA Zamberlan e Salerno (1987, p.177) apresentam a “melhor” definição de bancos, sob o ponto de vista empresarial: “são empresas que tomam recursos através de um sistema de captação para proceder a uma posterior aplicação, estabelecendo para isto, algumas normas de trabalho e utilizando-se de alguns instrumentos”. Nesse sentido, a figura do cliente surge como uma peça fundamental para a concretização deste processo (captação/aplicação), considerado como o começo e o fim da linha. Ao longo dos anos, o processo de trabalho nos bancos vem sofrendo profundas e rápidas modificações decorrentes das diversas mudanças tecnológicas e organizacionais que ocorrem no seu dia-a-dia (Brandimiller, 1994). Para Merlo e Barbarini (2002), essa progressiva modificação é verificada seja na infra-estrutura disponibilizada a clientes e funcionários, em termos do funcionamento interno das agências, seja quanto à forma de tratamento dado aos clientes e até mesmo quanto à natureza dos produtos ofertados, conforme apresentamos a seguir. 47 1.1. DA DÉCADA DE 60 AO FINAL DA DÉCADA DE 80: O INÍCIO DAS MUDANÇAS O início da década de 60 marcou uma época em que os bancos brasileiros iniciavam uma trajetória de transformações constantes, visando à manutenção da lucratividade em um mercado extremamente competitivo, fazendo com que a principal estratégia fosse uma maciça captação de clientes, acarretando numa multiplicação do número de agências bancárias (Campello & Silva Neto, 1996). Após a reforma bancária de 1964, houve um acréscimo no volume de serviços prestados pelos bancos devido ao crescimento econômico e à diversificação dos serviços prestados, dentre os quais recebimento de tributos, contribuições da previdência social, operações de cobrança, venda de seguros, administração de diversos tipos de investimentos, além de oferecer linhas de crédito e outros serviços (Merlo & Barbarini, 2002). No final dos anos 60, como nos lembra Garcia (1999), a flexibilidade que existia nos sistemas de relações de trabalho ressurgia como o meio mais eficaz para justificar o aumento do grau de exploração da capacidade do trabalhador. Ocorreram pressões políticas por parte das empresas quanto às novas formas de gestão e uso da mão-deobra, estruturas de remunerações e processos de admissão e dispensa, além de uma certa agilização para que se acelerasse o processo de informatização. Caracterizava-se, assim, o período de implantação de computadores de grande porte em centros de processamento de dados ou CPD’s (Brandimiller, 1994). Para Garcia (1999), a consolidação dessas novas formas de relações de trabalho não se deu de forma pacífica e espontânea, ocorrendo uma resistência por parte dos 48 trabalhadores e um crescimento do movimento sindical nas economias avançadas, possibilitando o amadurecimento dos processos de barganha coletiva. Foi em meio a esse contexto que surgiu o sindicalismo no setor bancário, passando a ser idealizado como um instrumento dos trabalhadores na luta de classes e refletindo num conflito de interesses entre os trabalhadores e os capitalistas. Dentre as diversas mudanças nas relações de trabalho ocorridas naquela época, a redução da jornada de trabalho sem perda salarial passou a ser avaliada e foi citada pela autora como sendo a reivindicação mais antiga dos sindicatos. Esta bandeira sindical, iniciada na Europa Ocidental como uma solução para o chamado desemprego tecnológico proveniente da informatização, surgiu como uma tendência a se generalizar por toda a classe trabalhadora. Após a conquista da redução da jornada de trabalho sem perdas salariais, a luta da categoria sindical passou a girar em torno das regulamentações do trabalho assalariado no país. 1.1.1 A INFORMATIZAÇÃO O final da década de 70 foi marcado pelo advento da chegada dos equipamentos informatizados conectados aos CPD’s às agências, iniciando o chamado sistema on-line (Brandimiller, 1994) e a automatização de boa parte das operações bancárias realizadas pela retaguarda (Silva, Fraga, & Silva Filho, 1995). No entanto, com a implantação do Plano Cruzado em 1986 (cujo objetivo era a estabilização da economia, a contenção da inflação e dos lucros financeiros), iniciou-se uma intensa reestruturação operacional nos bancos (Merlo & Barbarini, 2002). O processo de automação bancária foi caracterizado por uma universalização e agilização 49 do sistema on-line, além da busca pela redução de custos operacionais e da intensificação do uso do capital instalado (Brandimiller, 1994). Pereira e Crivellari (1991, p. 108) apontam que este período foi caracterizado por uma “redução do emprego em números absolutos, como conseqüência da automação bancária”, contrabalanceada pela expansão do sistema financeiro. Os equipamentos instalados, os chamados caixas automáticos, seriam capazes de fornecer ao cliente desde o saldo em conta corrente até o valor atualizado dos investimentos em fundos, poupança, etc. Além disso, já era possível efetuar saques, receber talões de cheques ou realizar transações do tipo transferência de valores de uma agência para qualquer outra no país (Malaguti, 1996). Os bancos optaram por uma racionalização e otimização do uso da informática, pelo fechamento de agências, pela exclusão de contas pequenas (consideradas nãorentáveis) e demissões progressivas de funcionários (Merlo & Barbarini, 2002). Dessa forma, essa etapa foi caracterizada pela intensa instalação de terminais de atendimento para uso direto dos clientes, nas agências e fora das mesmas (Brandimiller, 1994). O processamento mais rápido das informações, numa visão empresarial, era um atrativo para os clientes, além de gerar uma imagem positiva para o banco, configurando-o como sendo mais confiável, ágil e moderno (Campello & Silva Neto, 1996). Segundo os autores acima, as alterações implementadas com a informatização trouxeram uma série de vantagens para a empresa: redução do tempo necessário à execução das operações, dispensa de mão-de-obra da retaguarda (serviços de compensação) e redução de custos, entre outras. Com isso iniciou-se uma etapa de maciça redução do número de empregados do setor bancário e o investimento feito em automação passou a ser encarado como primordial ao bom desempenho do banco no mercado. 50 No entanto, os funcionários não viam a situação da mesma maneira que a empresa. Os autores citam que, na opinião dos bancários, o processo de automação estava transformando drasticamente o seu trabalho, acarretando num acréscimo do volume de trabalho individual e da padronização das tarefas, além de aumentar o controle sobre os tempos e qualidade dos serviços prestados. 1.1.2. A MUDANÇA DE STATUS DA PROFISSÃO Várias modificações também ocorreram quanto ao status da profissão de bancário. Lembramos, por exemplo que, nos anos 40 e 50, exigia-se que os trabalhadores tivessem um diploma de contabilidade para poderem ingressar na carreira de bancário (Zamberlan & Salerno, 1987) e até os anos 60, os mesmos dominavam um conhecimento vasto sobre todo o trabalho desempenhado dentro do banco (Segnini, 1998). Merlo e Barbarini (2002) citam que, devido às mudanças que ocorreram no âmbito do cenário econômico, entre os anos 70 e 80, os bancários passaram a ter seu trabalho fragmentado e a atuar de forma rotineira, convivendo com uma alta taxa de rotatividade. Devido às inovações introduzidas pelo processo da automação, os bancários viam sua profissão se desqualificando (Silva et al., 1995). O funcionário mais antigo, antes detentor de saberes da contabilidade, começava a ser substituído por trabalhadores novatos, cujo nível de conhecimento exigido era bem menor. E já no início da década de 90, o trabalho bancário passava a ser executado por jovens sem expectativas de permanecer na atividade, contribuindo assim para uma degradação do status da profissão (Merlo & Barbarini, 2002). 51 1.2. O INÍCIO DA DÉCADA DE 90: A INTENSIFICAÇÃO TECNOLÓGICA Garcia (1999, p.4) cita que “as pressões por uma maior flexibilização das relações de trabalho se intensificaram na década de 1990, motivadas pelo processo de abertura econômica, que impôs a necessidade de uma reestruturação em todos os setores da economia brasileira”. No entanto, as relações de trabalho vigentes até então no país não se mostravam tão rígidas, elas eram caracterizadas por um elevado turn-over (taxa de rotatividade) da mão-de-obra, reduzido quadro de pessoal permanente e baixos níveis salariais, ao mesmo tempo em que eram assegurados direitos legais que, inicialmente, dizia-se servir como objeto compensador para os baixos níveis de remuneração. Assim, segundo a autora, a década de 90 teve seu início marcado por evidentes mudanças no mercado de trabalho, tanto no Brasil, quanto no exterior, com tendências ao enxugamento do quadro de pessoal nas grandes empresas, tudo isso sob um regime de trabalho marcado pela instabilidade no emprego e por baixos níveis salariais. Foi nesse período que a disseminação dos processos de automação microeletrônica e de terceirização aconteceu, contribuindo para o agravamento da redução do emprego no setor bancário. Através de um alto investimento realizado e de inovações nos processos técnicos e organizacionais, privilegiando a aliança entre a redução de tempos improdutivos e a ideologia da qualidade ou excelência empresarial (Pereira & Crivellari, 1991), a automação possibilitou que muitas transações bancárias fossem realizadas fora do ambiente interno dos bancos, permitindo, através da microinformática, que os clientes fizessem operações através de conexões diretas com o banco (home-baking, office- 52 baking, internet-baking) ou mesmo através de salas de auto-atendimento, localizadas fora da agência (Merlo & Barbarini, 2002). Os caixas automáticos foram instalados de forma rápida e crescente, e isso, segundo os autores, acarretou modificações estruturais físicas às agências, diminuindo seus tamanhos e transformando-as em pontos de negócios com atividades altamente especializadas. Durante esse período, Malaguti (1996) realizou uma pesquisa na cidade de Campina Grande, PB, objetivando a apreensão dos aspectos norteadores da reorganização do trabalho bancário. Conforme a apresentação de um dos seus relatos, alguns gerentes de bancos acreditavam que as tecnologias microeletrônicas foram introduzidas no cotidiano dos bancários a fim de criar uma dinâmica de racionalização, ou seja, “elas vieram para facilitar a vida dos clientes, agilizar os serviços e liberar os funcionários das atividades rotineiras” (p. 55), redirecionando seus esforços produtivos para atividades mais criativas e que dependessem mais da iniciativa ou do contato humano (como era o caso da venda de seguros). No entanto, segundo o autor, a opinião dos caixas bancários divergiam completamente da sua gerência, pois o que mais chamava a atenção dos mesmos era o fato de os clientes encontrarem dificuldades no manuseio dos equipamentos eletrônicos, principalmente aqueles mais humildes e sem muita ou nenhuma instrução (analfabetos), além, é claro, dos idosos. Quanto ao redirecionamento dos esforços para atividades mais criativas, na prática existia uma enorme distância entre o discurso e a realidade da informatização, já que esta não se efetuava para permitir um trabalho mais criativo e gratificante por parte dos funcionários, além de que, na visão dos caixas, também não se pretendia que ela propiciasse a agilização dos serviços bancários em geral. 53 Na compreensão de Malaguti, a modernização tecnológica dos bancos por ele pesquisados promoveu não apenas um clima de insatisfação entre os bancários, como também um clima de enorme tensão frente à instabilidade do emprego, já que, para eles, a informatização identificava-se com trabalho mais intenso e rotinizado (banal, como muitos classificam), além do acréscimo de horas extras trabalhadas e, conseqüentemente, um atendimento menos personalizado e eficiente ao cliente. Segundo o autor, referindo-se à fala de um gerente quanto à inovação tecnológica, “o computador não desqualifica o bancário; ele simplesmente torna a qualificação supérflua” (p.68). 1.3. O PLANO REAL (1994) Um dos maiores propulsores para o início das mudanças qualitativas no setor bancário, ocorreu após a implantação do Plano Real, em 1994, causando, inclusive, transformações importantes na organização do trabalho, tais como dispensa de pessoal e novas formas de gestão do trabalho, além das exigências sobre a qualificação e comprometimento dos bancários (Merlo & Barbarini, 2002). Ou seja, aprofundou internamente o processo de reestruturação inscrito anteriormente, com reflexos diretamente no âmbito do trabalho, de mudanças nas suas relações e na forma de desemprego (Garcia, 1999). Milhões de trabalhadores, como bem situa Jinkings (2004), foram atingidos pela reestruturação do mercado de capitais. No entanto, foi a categoria dos bancários que vivenciou de modo singular essas transformações, já que está vinculada diretamente aos movimentos que são comandados pelo capital financeiro. 54 O processo de concentração bancária nesse período foi acelerado e motivado pelo processo de privatização dos bancos estaduais e pela abertura ao capital externo (Garcia, 1999). A autora cita que foi implantado, na prática, o novo ajuste estrutural empreendido para o setor, o qual foi baseado em três frentes de ação: demissões em massa, acompanhada do fechamento de agências; automação dos serviços de atendimento ao público e aumento de contratação de mão-de-obra terceirizada. Dessa forma, na opinião de banqueiros, o impulso das atividades de negócios passou a ser uma condição prioritária para a sobrevivência dos bancos (Jinkings, 2004). Além da modificação da estrutura física, a estrutura organizacional e a forma de gestão das agências também passaram por algumas mudanças, principalmente no tocante ao modo de trabalhar em equipe, dando maior poder decisório aos trabalhadores e uma especial atenção à qualidade no atendimento ao cliente. A maior tendência, no entanto, foi a diminuição dos níveis hierárquicos, passando a existir apenas os níveis de gerente e atendente (Merlo & Barbarini, 2002). Os autores relatam que as exigências anteriores sobre as quais o trabalho prescrito do bancário deveria ser seguir fielmente o manual, já não eram mais suficientes. Após a implantação do Plano Real, e diferentemente da desqualificação brutal decorrente da informatização iniciada no final dos anos 70, o trabalhador bancário foi levado a desenvolver novas competências requeridas pelas demandas introduzidas a partir deste período, configurando-se num movimento cuja tendência predominante apontava para um outro tipo de qualificação, a fim de poder cumprir com suas novas funções. Com efeito, ele deveria ter amplo conhecimento do mercado financeiro, dominar a tecnologia que possibilitava a simulação de operações financeiras, ter habilidade de relacionamento com clientes e com a equipe de vendas, além de saber lidar com as tarefas não prescritas. 55 Segundo Jinkings (2004), a reorganização do sistema bancário brasileiro implicou em profundas modificações nos ambientes laborais, acarretando numa devastadora diminuição da população trabalhadora do setor. Em sua pesquisa, a autora relata os dados fornecidos pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) de 2001, o qual registrou que “dos cerca de um milhão de bancários regularmente contratados no setor, em meados da década de 1980, restavam 388 mil ao término do ano 2000”. 1.4. O NOVO MILÊNIO O novo milênio foi marcado pela invasão do suporte teleinformático no sistema bancário, fato que provocou um grande desligamento do pessoal envolvido com os grandes centros de processamento de dados, de serviços e de compensação. Além disso, a progressiva difusão do cartão magnético, em substituição ao papel-dinheiro, transformou as agências bancárias em lojas informatizadas de produtos e serviços financeiros (Jinkings, 2004). Segundo a autora, uma nova fase se iniciava no sistema bancário caracterizada como uma estratégia de diferenciação mercadológica que visava à venda de produtos e serviços financeiros: a era da excelência do atendimento. Essa estratégia deveria ser executada pelo bancário-vendedor, que já estaria capacitado a oferecer um atendimento integral ao cliente e a negociar os produtos e serviços disponibilizados pelo banco, objetivando atingir as metas impostas pela sua gerência. No entanto, esse fato gerou uma verdadeira redefinição da identidade dessa categoria profissional. 56 A pressão exercida por parte da supervisão burocrática para um aumento da produtividade e da intensificação do trabalho, resultou num sistema de remuneração variável, maximizando, por sua vez, a exploração do trabalho e conduzindo os trabalhadores a manterem relações de convivência tensas nos ambientes laborais. Especificamente, tratando-se dos caixas executivos (nomenclatura aplicada aos caixas durante a primeira fase da informatização bancária), Jinkings (2004, p. 236) narra que “a jornada diária segue marcada pela sobrecarga de trabalho e pela tensão permanente expressa no medo de diferenças de caixa”. Esse ponto de vista, corroborado por Brandimiller (1994), aponta para a evidência de ser requerido desses trabalhadores um elevado grau de atenção, quaisquer que fossem as operações realizadas. Esta atenção permanente e concentrada gerava infortúnios, como era o caso dos erros e faltas no fechamento do caixa. Além do mais, como bem se refere Malaguti (1996), devido ao fluxo intenso das filas, os caixas são (ou sentem-se) constrangidos em atender um vasto número de clientes num curto intervalo de tempo, acelerando o ritmo de trabalho (Campello & Silva Neto, 1996) e reduzindo, ou pior, não respeitando o seu direito a efetuar intervalos (pausas) de 10 minutos a cada 50 minutos trabalhados (Brandimiller, 1994). Portanto, destaca-se daí um dos fatores geradores da tensão, acabando por contaminar o tempo livre de trabalho (Jinkings, 2004). No entendimento de Campello e Silva (1996), portanto, a atividade laboral dos caixas é normatizada, executada de forma repetitiva e com poucas alternativas para modificações, não possibilitando, portanto, a expressão da criatividade. Ela exige dos trabalhadores um grande esforço para a adaptação, transformando-se num dos fatores de risco para o sofrimento mental e desgaste físico. 57 2. AS MUDANÇAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO 2.1. A “DESHIERARQUIZAÇÃO”4 As práticas de aumento da produtividade e da intensificação do trabalho, pautadas numa tentativa de seguir os critérios patronais de competência, acarretam uma série de agravos às condições de saúde dos bancários. Como exemplo, Jinkings (2004, p. 221) cita o caso dos Programas de Desligamento Voluntário (PDV), que impulsiona ainda mais a extinção de postos de trabalho e a redução do contingente físico, implicando numa “disseminação do medo e da ansiedade nos locais de trabalho”. Conforme sugere Malaguti (1996), a mobilidade funcional e espacial é resultante de um processo que visa à diminuição de chefias (relativização das hierarquias), objetivando uma forma de agilizar as tomadas de decisões. Os Cursos de Aperfeiçoamento começaram a ser criados pelos bancos, a fim de darem suporte à “deshierarquização” e aos novos processos de diversificação das atividades desempenhadas pelos bancários. No entanto, para Merlo e Barbarini (2002), estes cursos, apesar de promoverem um aumento da qualificação dos bancários, em 4 O termo “Deshierarquização” é utilizado por Malaguti (1996) e, por este motivo, repetimos a grafia apesar de não constar no dicionário. 58 contrapartida aumentavam a carga de trabalho e pressões, pois os treinamentos eram realizados (muitas vezes) fora do horário de trabalho e em finais de semana. Além disso, grande parte das requalificações, que anteriormente eram promovidas pela empresa, passou a ficar sob a responsabilidade do próprio bancário e tornaram-se pré-requisitos para promoções, novas contratações e até para a sua manutenção no emprego. 2.2. A INSERÇÃO FEMININA NO SETOR BANCÁRIO Conforme Segnini (1998), a inserção da mulher no trabalho bancário se deu, sobretudo, em tempo parcial e majoritariamente na função denominada escriturária. Porém, desde o final da década de 60, os bancos estatais convencionaram-se a realizar o seu processo de seleção de funcionários via concurso público, numa tentativa de se impedir as práticas discriminatórias no trabalho, o que passou a ser uma determinação legal. A intensificação do trabalho feminino nos bancos se desenvolveu durante o processo de transformações que o sistema bancário brasileiro experienciou, quando da implementação da informatização. Porém, foi apenas no final dos anos 90 que o crescimento da participação das mulheres tomou um impulso, fato provocado pelas mudanças organizacionais que privilegiavam o atendimento aos clientes (Segnini, 1994; 2001). Ao se referir apenas à categoria dos caixas bancários, Mouliin (1997) aponta em sua pesquisa que, de acordo com dados do DIEESE/Sindicato dos Bancários de São Paulo (1997), o percentual de mulheres bancárias, que em 1990 era de 42,66%, subiu 59 para 46,37% em 1996, mesmo considerando-se um declínio na empregabilidade dos bancários, equivalente a 25,78%, no mesmo período. 3. O TRABALHO DO CAIXA BANCÁRIO Há alguns anos e ainda hoje em dia, percebemos que as atividades bancárias, e ainda mais especificamente a atividade dos caixas bancários, são executadas de forma rotineira, parcelada e repetitiva (Zamberlan & Salerno, 1987). Segundo os autores, os documentos são manipulados via um fluxo pré-estabelecido, tornando-se cada vez mais evidente o uso de processamentos eletrônicos como uma vantagem na execução de determinados serviços. Os caixas bancários, de acordo com as observações dos autores, geralmente posicionados na chamada ponta da linha das agências, juntamente com a equipe da retaguarda (suporte aos serviços desempenhados pelos caixas), prestam serviços de atendimento diretamente ligados aos clientes, envolvendo valores, recebimentos e pagamentos. Silva et al. (1995) relatam que a implantação da informatização refletiu na função do caixa bancário quanto à sua condição dentro da empresa, passando este a ser executivo. Antes da automatização dos sistemas de processamento de dados, a atividade dos caixas bancários era norteada pelo tamanho da fila de clientes (alvo de pressão) e sua produtividade era mensurada pela quantidade de autenticações efetuadas e registradas numa fita do terminal do computador (Jinkings, 2004). De acordo com Campello e Silva Neto (1996) a jornada de trabalho desse segmento de bancários é 60 dividida em três momentos fundamentais: compensação, atendimento ao público e fechamento do caixa. O crescimento no volume de trabalho na década de 90, não provocou um incremento proporcional do número de empregos oferecidos no setor, muito pelo contrário, pois na medida em que o trabalho tornava-se cada vez mais desqualificado e desvalorizado, o índice de desemprego e depreciação do salário também crescia. Conforme os autores, com o passar do tempo, algumas das atividades dos caixas, como fazer o trabalho de compensação, foram repassadas aos outros setores dentro da agência, como a retaguarda, por exemplo. Como cita Malaguti (1996), os caixas bancários já foram chamados de gerentes de clientes, em decorrência do processo de relativização das hierarquias. Estes profissionais começaram a trabalhar com computadores sofisticados e caracterizavam-se por uma aparência impecável, atuando, muitas vezes, como vendedores de seguros e assessores para investimentos. Segundo Jinkings (2004, p. 235-236), “um comportamento cortês e servil ao cliente era exigido desse trabalhador, que, todavia, deveria seguir normas (muitas vezes extremamente rígidas) relativas a tempo de atendimento e exigências de produtividade”. A autora relata um estudo de Dressen e Roux-Rossi, cujas análises feitas em bancos franceses apontam para um declínio da cultura administrativa, na qual o trabalho dos bancários está vinculado a tarefas rotineiras e ao tratamento impessoal. Vislumbra-se uma nova etapa da organização bancária, na qual se privilegia a cultura do bancário em contato com o cliente. Surge assim o bancário-vendedor. Hoje em dia, ainda em decorrência desta prática de mudanças organizacionais, desde o dia 01 de Janeiro de 2006, a Caixa Econômica Federal assumiu o compromisso de extinguir as funções de confiança de caixa flutuante e caixa executivo, criando um cargo em comissão, cuja nova nomenclatura é a de “caixa de ponto de venda” (como 61 são conhecidas administrativamente as agências bancárias), segundo informações retiradas do site da Federação dos Bancários do Estado do Pará (2006). De acordo com o site da Federação dos Bancários do Rio Grande do Sul (2006), a criação do Caixa PV visa à redução de vagas previstas para Caixas bancários e promove o corte no número atual desta função em várias unidades, algumas com redução de até 50%. Para os bancos, na opinião de Zamberlan e Salerno (1987), a maior fonte de incerteza é o movimento dos clientes dentro da agência, fato que não pode ser controlado diretamente pela administração bancária. Os autores comentam que, segundo suas observações, os clientes são os responsáveis diretos pela dinâmica da agência, pois sua chegada provoca alterações no ritmo de trabalho. Inicia-se, então, uma ação intensificada quanto à função de atendimento, ou seja: atrair clientes e apresentar menores filas nos guichês de caixas e balcões. Segundo os autores, o movimento dos clientes e os tempos considerados necessários para se desempenhar uma determinada função, passar a servir de dados estatísticos para que os bancos definam um número ótimo de pessoas necessário em cada agência. No entanto, este número ideal nem sempre é respeitado, muitas vezes sendo precário e inadequado ao atendimento ao público. É de fundamental importância ressaltar o que observam Zamberlan e Salerno (1987) em suas pesquisas quanto à relação cliente/caixa/banco: a pressão que os clientes exercem sobre os caixas ao requisitarem as suas demandas pessoais acarreta uma maior velocidade com que estes executam suas atividades. No entanto, os autores indicam que os estudos que tentam dimensionar o número ideal de funcionários por agência, tomando por base o movimento dos clientes, obtêm como conseqüência a geração de 62 um processo de pressão sobre os bancários, tornando o ritmo de trabalho mais intensificado, tudo isso aliado a uma tentativa de não prejudicar o atendimento ao público e nem denegrir a imagem do banco perante este. Campello e Silva Neto (1996) lembram ainda que a função de caixa é considerada uma função técnica com procedimentos normalizados e mesmo que o caixa esteja subordinado a todas as chefias, ele tem o direito de negar-se a cumprir uma determinada ordem que venha a desrespeitar as regras gerais da empresa, submetendose a obedecê-la, caso a gerência se responsabilize pelas conseqüências. Devido à forte pressão da administração superior quanto ao atingimento das metas, à quantidade de autenticações e à venda de produtos, a jornada diária de trabalho de um caixa executivo configura-se por uma sobrecarga e por uma tensão permanente expressa pelo medo das diferenças de caixa (Jinkings, 2004). Para Xavier e Motta (1995), os bancários são acometidos por um tipo particular de sofrimento mental, provocado por fatores relacionados aos ambientes laborais e que os enquadra mais especificamente nos distúrbios psicofisiológicos. Campello e Silva Neto (1996, p. 124) resumem muito bem o que ocorre administrativamente quando a jornada diária de trabalho do caixa executivo se encerra e chega a hora de executar o fechamento do caixa: “No fechamento do caixa, após o atendimento ao público, o caixa deve proceder à conferência dos valores registrados no terminal, juntando os documentos comprobatórios das operações e a fita de autenticação. Se houver diferença no caixa, para além do valor somado e comprovado, deve esse valor ficar em poder do banco; se 63 houver falta de dinheiro, o caixa deve restituir esse valor ao banco, do próprio bolso.” (frisos nossos) Houve tempo em que, segundo Zamberlan e Salerno (1987), o trabalho bancário era tido como limpo, intelectual, ou seja, o trabalho bancário transmitia uma imagem de que se realizava dentro de um “ambiente limpo, não insalubre ou perigoso” (Campello & Silva Neto, 1996, p. 113), isto se comparado às condições às quais estavam expostos os trabalhadores de atividade tais como a metalurgia ou a construção civil. Todavia, na concepção destes autores, é cada vez mais crescente a quantidade de problemas de saúde gerados pelo trabalho dentro de agências bancárias, principalmente após o advento das novas tecnologias, como a informatização. Em nosso estudo, priorizamos apreender a relação trabalho e saúde mental de caixas bancários de agências da Caixa Econômica Federal, da cidade de João Pessoa – PB, voltando nossa atenção, principalmente, para as vivências subjetivas de prazer e sofrimento destes trabalhadores. 4. O BANCO ESTATAL PESQUISADO De acordo com informações retiradas do site oficial da Caixa Econômica Federal (2006), este órgão foi criado no ano de 1861, por decreto do Imperador Pedro II, e tinha como finalidade conceder empréstimos e incentivar a poupança. Naquela época, o objetivo principal era tornar a instituição um cofre seguro para as classes menos favorecidas. Após a Revolução de 30, o referido banco passou a operar com a carteira hipotecária, que se destinava à aquisição de bem imóvel, além de operar com 64 empréstimos em consignação. No entanto, em meados da década de 80 a instituição começou a absorver entes públicos, como foi o caso do Banco Nacional de Habitação, sendo considerado o maior agente nacional de financiamento da casa própria, além de ser um financiador do desenvolvimento urbano, especialmente do saneamento básico. Em pouco tempo começou a sedimentar estreitas relações com a população, realizando atendimentos de necessidade imediatas, tais como: poupança, penhor, crédito consignado, operação do FGTS, PIS, seguro-desemprego, crédito educativo, casa própria, renda mínima, além de alimentar o sonho da riqueza, por meio das Loterias Federais. Nos últimos anos, por delegação do Governo Federal, começou a implementar programas sociais de transferência de benefícios a parcelas pobres da sociedade, indo aos lugares mais longínquos do Brasil e propiciando a inclusão bancária de milhões de cidadãos. Segundo o discurso oficial, busca promover uma melhoria contínua na qualidade de vida da sociedade, atuando, prioritariamente, no fomento ao desenvolvimento urbano e nos segmentos de habitação, saneamento e infra-estrutura, e na administração de fundos, programas e serviços de caráter social. Além disso, a atuação da Caixa Econômica Federal também se estende aos teatros, salas de aula e pistas de corrida, buscando sempre apoiar iniciativas artísticoculturais, educacionais e desportivas. É considerado o maior banco público da América Latina e, segundo seu site oficial, sua base de clientes foi expandida em 42% entre os anos de 2003 e 2006, passando de 23,1 milhões para 33,6 milhões de pessoas. Além disso, mais de 3 milhões de pessoas passaram a fazer parte do sistema bancário brasileiro por meio do programa de conta simplificada, sendo esta portanto, a maior inclusão bancária do país. 65 A rede de atendimento deste banco é, atualmente, a maior do país, pois abrange todos os 5.561 municípios brasileiros, chegando a ter mais de 17 mil pontos de atendimento entre agências, lotéricas e correspondentes bancários. De acordo com o site da Caixa, ela ainda oferece terminais eletrônicos, Banco 24h, Caixa Rápido, débito automático, atendimento telefônico e o Internet Banking Caixa, além do Caixa Internacional criado exclusivamente para atender aos brasileiros emigrados que desejem fazer suas remessas de recursos ao país. 4.1. AS AGÊNCIAS DO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA Localizadas nos mais diversos bairros da cidade de João Pessoa, PB, as oito5 (de um total de dez) agências da Caixa Econômica Federal estão caracterizadas6 quanto: • ao porte ou estrutura física: quatro de pequeno porte, três de médio porte e as outras três de grande porte; • à quantidade de guichês7: as agências de pequeno porte mantém até três, as de médio porte de três a quarto e as de grande porte de cinco a oito guichês. Em relação ao aparato físico, de um total de quarenta e dois guichês, constatamos a presença de apenas 33 caixas bancários efetivamente trabalhando e desses, 14 participaram voluntariamente da nossa investigação. 5 Agências onde trabalham os voluntários da pesquisa. Ver anexo 3, Mapa de Caracterização das Agências. 7 Locus de trabalho do caixa bancários e onde o público se comunica com o mesmo. 6 66 CAPÍTULO III A METODOLOGIA DA PESQUISA 1. A PERSPECTIVA METODOLÓGICA No âmbito das organizações torna-se marcante a influência do trabalho sobre a subjetividade de quem o executa com implicações na saúde dos trabalhadores (Dejours, 1992). Para Neves, Athayde e Muniz (2004), corroborando com Dejours, não é possível, entretanto, conceber a idéia de que as condições de saúde para os trabalhadores estão garantidas num local de trabalho ideal. Isso se justifica à medida que as situações se modificam e que mudam também os desejos e perspectivas de conquistas por parte dos sujeitos, demandando em condições de mobilização por novas melhorias. Nosso interesse ao realizar esta pesquisa está em apreender a relação trabalho e saúde mental de caixas bancários de agências da Caixa Econômica Federal, da cidade de João Pessoa, PB, compreendendo em que medida o modo pelo qual os trabalhadores vivenciam sua situação atual de trabalho pode ser um reflexo das mudanças organizacionais e tecnológicas implantadas nos bancos. Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) argumentam que as vivências subjetivas de sofrimento e prazer no trabalho apresentam-se como objetos não quantificáveis e que a sua avaliação deve passar por um processo de objetivação não-habitual. Segundo Orofino e Zanello (apud González-Rey, 2002) a pesquisa deve ser feita pela construção dinâmica, pelo intercâmbio interdisciplinar e pelo cotidiano das vivências geradas pela relação pesquisador-pesquisado. 67 Ao realizarmos o trabalho de campo, tivemos acesso ao permanente processo de estabelecimento de relações entre os pesquisados e seu ambiente de trabalho, assim como verificamos a construção de eixos relevantes de conhecimento (González-Rey, 2002) dentro do cenário no qual está imerso o problema pesquisado, o que nos conduziu a uma produção permanente de idéias. Em nosso estudo buscamos transpor os obstáculos mais corriqueiramente encontrados pelos pesquisadores ao analisar os dados recolhidos no campo, ou seja: • Minayo (2004) cita o que Bourdieu denomina de a ilusão da transparência, ou seja, tentar eliminar o perigo da compreensão espontânea, pois entende-se que o real nem sempre se mostra nitidamente ao observador; • não sucumbir à magia dos métodos e das técnicas, buscando sempre ser fidedigno às significações encontradas no material e nas referidas relações sociais dinâmicas; • e, por último, ter um bom embasamento teórico a fim de evitar a dificuldade de se articular teorias e conceitos abstratos com os dados colhidos no campo. Não nos propusemos a realizar um levantamento de dados onde somente iríamos atribuir um significado ao acúmulo de informações produzidas na etapa de interpretação de resultados, já que partimos do pressuposto de que, conforme apresentado por González-Rey (2002, p. 97) “o curso da produção de informação é, simultaneamente, um processo de produção de idéias em que toda nova informação adquire sentido para a pesquisa”. Enquanto pesquisadoras, levamos em consideração o aspecto singular do nosso próprio caminho interpretativo, pois este tipo de pesquisa nos diz que a 68 interpretação é vista como a base da própria ação de pesquisa, estando presente em todas as fases da mesma, isto é: na construção das questões norteadoras, na interação pesquisador / pesquisado e na produção e interpretação dos achados da investigação. Ao longo do trabalho de campo, na condição de pesquisadoras, encontramos novas e úteis informações que deram um novo significado à pesquisa, e que não foram previstas quando da definição do problema. Optamos, portanto, pelo uso da abordagem da pesquisa qualitativa, com realização de trabalho de campo, onde a nossa presença como pesquisadora foi uma constante dentro da instituição bancária, entendida como um laboratório natural (Keyser apud Athayde, 1996) para a investigação da atividade de trabalho e saúde dos caixas bancários. De acordo com Athayde (1996), a atividade de trabalho, vista como objeto de pesquisa, possui certas características originais: • é um objeto que não foi dado, mas constituído/reconstituído com os sujeitos envolvidos no trabalho; • não pode jamais ser apreendido diretamente, pois é através do diálogo e da confrontação dos pontos de vista que a representação da atividade é construída, assim como seus processos subjacentes e conseqüências experimentadas pelos sujeitos sobre a sua saúde e sua vida fora do trabalho; • é um processo e não, como pensava-se, um objeto estabilizado, ao contrário dos produtos desta atividade, como a performance (quantidade e qualidade do trabalho). 69 Ao apreender que os trabalhadores elaboram os seus próprios modos operatórios, Guérin et al. (2001) evidenciam a importância dada à observação da atividade em uma situação real de trabalho, visto que esta possibilita a realização de uma análise do trabalho real num cenário marcado por variabilidades da produção e por constrangimentos temporais impostos pelas condições de trabalho, conforme vimos no capítulo I desta dissertação. Segundo os autores, ainda é possível verificar o esforço feito pelos trabalhadores pela redução dessas variabilidades. Salientamos que os trabalhadores não estão expostos apenas às variabilidades industriais (provenientes da empresa). Segundo estes autores, o trabalhador médio não existe, ou seja, como cada trabalhador tem a sua própria história, sua própria experiência de vida, cada um experimenta um evento de forma diferente. A atividade recria saberes e valores intrínsecos ao próprio trabalhador (Schwartz, 1999). Mesmo que dois trabalhadores distintos apresentem resultados idênticos ao final de uma jornada de trabalho, os esforços e raciocínios empregados e a fadiga resultante nunca são os mesmos para ambos. A esses esforços ainda podem ser somadas as variações de estado de cada um, que podem depender da carga de trabalho do dia anterior ou mesmo de fatores biológicos, como por exemplo o envelhecimento. Para Guérin et al. (2001), a linguagem dos trabalhadores não é óbvia. Suas falas são atreladas ao contexto ao qual estão inseridas, ao momento em que são questionados e ao desejo de responder satisfatoriamente ao que o pesquisador solicita. Esses fatores, certamente, os conduzem a não serem capazes de se expressar facilmente através de verbalizações. De acordo Schwartz (1999), os saberes dos trabalhadores se distinguem diferentemente, de maneira não linear, não disciplinar, ancorados em histórias e situações concretas por eles vivenciadas. Se por um lado, existe uma enorme tendência 70 a fabricar saberes que se tornam modelos alheios ao tempo, por outro há uma tendência ligada ao retrabalho da experiência e à micro fabricação de histórias. Desta forma, o autor aponta quão grande passa a ser a dificuldade desse encontro, ou seja, a dificuldade que os trabalhadores têm de traduzir em palavras aquilo que para eles é experiência, o que nos conduz a uma busca por ferramentas mais adequadas a esta compreensão. Vasconcelos e Lacomblez (2004) nos remetem aos estudos realizados no final dos anos 60 na indústria italiana por Ivar Oddone e seus investigadores. Eles perceberam que havia algo que não estava funcionando no diálogo com os trabalhadores, pois os mesmos eliminavam aquilo que pensavam ser óbvio para os investigadores. Descobriu-se, então, que os trabalhadores não tinham condições de transmitir a sua competência, já que se tratava de uma competência implícita, tácita e que não era possível de se verbalizar. Diante destas dificuldades e ao evidenciar a valorização da experiência pessoal do trabalhador, privilegiando a expressão oral, a narração e a memória das atividades, Ivar Oddone desenvolveu o método conhecido por Instrução ao sósia, o qual induz o sujeito entrevistado a um processo de externalização, colocando-o numa posição de fornecer comentários e narrações acerca da sua própria experiência de trabalho (Vincenti, 1999). 2. OS PARTICIPANTES DA PESQUISA Participaram voluntariamente da pesquisa, quatorze caixas bancários efetivos de ambos os sexos e de diferentes idades, nível de escolaridade e tempo de serviço 71 bancário, sendo estes funcionários de oito (de um total de dez) agências da Caixa Econômica Federal, localizadas na cidade de João Pessoa, PB. Os quatorze participantes estão caracterizados de acordo com a sua identificação pessoal e profissional8. Quanto à sua caracterização pessoal, registramos que são dez homens e quatro mulheres; a faixa etária varia entre 37 e 49 anos; sete são casados, dois solteiros e cinco divorciados; todos os casados ou separados têm filhos, sendo uma média de dois por pessoa; onze dos participantes têm formação de nível superior (nas mais diversas áreas: Contabilidade, Arquitetura, Administração, Engenharia Civil e Direito) e os outros três têm nível superior incompleto; a renda pessoal dos participantes está próxima dos R$ 2.500,00 (Dois Mil e Quinhentos Reais), sendo que sete deles mantêm suas famílias com esta única renda; os dois solteiros mantêm-se também apenas com essa renda e os outros cinco têm uma renda familiar (juntamente com os cônjuges) que, atualmente, chega aos R$ 5.000,00 (Cinco Mil Reais). Quanto à caracterização profissional, todos eles foram admitidos via concurso público; o tempo de trabalho na empresa varia entre 16 e 27 anos e apenas na função de caixa bancário entre 6 e 23 anos; dentre os participantes da pesquisa, quatro exercem algum tipo de atividade laboral além da bancária, porém esporadicamente. Ao final da apresentação dos participantes, sinalizamos algumas das dificuldades e conquistas vivenciadas durante a trajetória do nosso trabalho de campo e comentamos os procedimentos e instrumentos de produção e análise de dados da pesquisa. 8 A planilha Mapa de Caracterização dos Participantes (anexo 4) apresenta um resumo quanto à identificação pessoal e profissional dos participantes da pesquisa. 72 3. O TRABALHO DE CAMPO Realizamos um trabalho de campo9 dinâmico e permanente em todos os momentos da pesquisa (González-Rey, 2002), seguindo um processo de construção e interpretação da atividade dos caixas bancários da Caixa Econômica Federal. Optamos pelo uso de instrumentos como entrevistas e observação da atividade numa busca pela leitura da realidade social a qual nos propusemos estudar. Assim, ao iniciarmos nossas visitas às agências da Caixa Econômica, localizadas todas na cidade de João Pessoa, PB, fomos entregando pessoalmente aos Gerentes Gerais ou Gerentes de Relacionamentos10 uma carta (anexo 1) da orientadora da pesquisa, na qual estavam situados os nossos objetivos e nos apresentava como pesquisadora. A aceitação por parte das gerências foi unânime. Após a obtenção da autorização por parte dos responsáveis pelas unidades bancárias, a etapa seguinte foi estabelecer um contato informal com os caixas de cada agência visitada. Esta conversa serviu para colocá-los a par dos objetivos da investigação e também foi uma oportunidade para indagá-los quanto à sua adesão ao estudo, a qual deveria se dar voluntariamente, enfatizando que todos os participantes e as agências nas quais estavam alocados seriam mantidos no anonimato. 3.1. A ENTREVISTA Triviños (1987) relata que, numa pesquisa qualitativa, a entrevista é um dos principais recursos de que dispõe um investigador. Isto se justifica, pois ao partirmos de 9 Ver anexo 8, certificação do parecer técnico aprovada pelo Comitê de Ética da UFPB. O contato com o Gerente Geral ou Gerente de Relacionamento dependia das normas internas de cada agência visitada. 10 73 certos questionamentos básicos, apoiados em teorias, que interessam à pesquisa, podemos gerar novos questionamentos, dependendo do que for dito através das respostas dos sujeitos. Sendo assim, estes são percebidos como participantes ativos do processo investigativo. A pesquisa baseada na fala e nos significados do meio social atribuídos pelos participantes, apoia-se na Etnografia que, conforme Triviños (1987), tem por objetivo o estudo da cultura, descrevendo-a, a fim de apreender seus significados. É importante esclarecer que não foram realizadas comparações entre os discursos das falas dos entrevistados, pois buscamos apreender e explorar o universo de verbalização específica (Thiollent, 1985) de cada um dos caixas bancários que participaram da pesquisa. Ouvimos os depoimentos de cada trabalhador, atentos à descrição da realidade da sua atividade e das condições de saúde, sem a preocupação de questioná-los acerca de verdades ou significados que extrapolavam seus relatos. Faz-se mister esclarecer que os trabalhadores participaram espontaneamente deste estudo, pois, Dejours (1992) nos coloca a participação voluntária como condição indispensável ao processo investigativo sobre a saúde mental no trabalho. Segundo o autor, é essencial que o trabalhador esteja consciente da importância da sua participação para o desenrolar de uma pesquisa sobre saúde mental no trabalho e obtenção das metas que se pretende atingir, visto que isto facilita o processo e a qualidade da entrevista, ao mesmo passo que corrobora a sensação de utilidade da mesma. Por outro lado, enquanto pesquisadoras, foi importante estarmos atentas aos riscos aos quais estávamos sujeitas a enfrentar quando estivemos inseridas nos locais de trabalho (Dejours, 1992). Para tanto, foi necessária a realização de uma escuta ousada 74 da situação de trabalho tendo como objetivo uma melhor compreensão acerca dos acontecimentos singulares nos quais nos colocamos dentro do contexto escolhido. Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) propõem que o pesquisador deve manter uma atitude de escuta em relação aos seus interlocutores, bem como uma atitude exploratória em relação aos dados encontrados. Portanto, procuramos manter uma postura de atenção na tentativa de evitar nos confrontarmos com o sofrimento dos trabalhadores e, principalmente, com os nossos próprios, assim como procuramos não testar por completo a teoria da Psicodinâmica do Trabalho, pois de acordo com os autores, agindo assim, corremos o risco de colocar as vivências subjetivas que os trabalhadores têm no seu ambiente de trabalho em segundo plano, perdendo desta maneira o foco da pesquisa. Para os autores, o pesquisador deve ainda estar preparado para uma possível eventualidade de não validar a objetivação da subjetividade dos trabalhadores. Em resumo e conforme indica Dejours (1992): a escuta passa a ser um processo caracteristicamente arriscado. Especificamente quanto à nossa pesquisa, após termos feito uma revisão da literatura pertinente ao estudo, partimos para o desenvolvimento do roteiro de entrevistas (anexo 2), onde buscamos construir perguntas que permitissem uma maior flexibilidade de respostas por parte dos entrevistados. Todas as entrevistas foram agendadas previamente com os participantes, que escolheram, dentro da sua conveniência, o melhor horário no seu dia de trabalho. Após assegurar-lhes que os seus nomes seriam mantidos em sigilo, realizamos as gravações das entrevistas em fita K7 e, num momento seguinte as transcrevemos na íntegra, a fim de facilitar o processo de análise das mesmas. Elas tiveram, um tempo médio de duração de quarenta minutos cada uma, e foram gravadas no próprio ambiente 75 das agências (com exceção de uma). Duas foram realizadas durante o horário de almoço dos caixas, duas no início do expediente bancário, três antes do horário de abertura do caixa e as outras sete foram feitas após o fechamento do caixa (final da jornada). As entrevistas que realizamos apresentam uma grande variedade de histórias e vivências pessoais, sinalizando, assim como aponta Cardoso, Brandão, Silva, Gonçalves e Silva Filho (1994) e Cardoso (1997), para as diversas maneiras que os trabalhadores têm de lidar com uma situação de trabalho, sendo esta objetiva e coletivamente partilhada. 3.2. A OBSERVAÇÃO DA ATIVIDADE Inspiramos nossos estudos à luz da Análise Ergonômica da Atividade – AET –, objetivando uma leitura detalhada da atividade de trabalho desempenhada pelos caixas bancários (frente às variabilidades constantes em seu dia-a-dia). Como sugere Guérin et al. (2001), a observação é um processo que permite ao pesquisador apreender sobre os elementos de uma dada atividade de trabalho no curso da ação, atividade esta que pode se manifestar através de comportamentos visíveis, tais como: gestos, posturas, ações sobre o dispositivo de trabalho, verbalizações, etc. Os autores ainda salientam que toda e qualquer descrição das ações e atividades observadas, são necessariamente um trabalho de interpretação do observador/pesquisador. Para Guérin et al. (2001) o pesquisador deve manter uma atitude de escuta em relação aos seus interlocutores durante as primeiras etapas da análise da situação de 76 trabalho, assim como manter uma atitude exploratória em relação aos dados encontrados. Quando fizemos nossas primeiras visitas às agências bancárias, cujo objetivo era a apresentação do projeto de pesquisa, realizamos algumas observações de forma aberta (ou observações livres). Ao retornarmos às mesmas para fazer as entrevistas com os caixas, tivemos ainda a oportunidade de conduzir algumas observações sistemáticas focalizadas; para tanto, nos posicionamos próximas das cadeiras de espera que são ocupadas pelos clientes, e dali verificamos como o caixa procede ao seu atendimento, cliente a cliente. Por se tratar de um setor que lida com a circulação diária de dinheiro e devido aos critérios internos de segurança do banco, nosso maior impedimento foi não obtermos autorização das gerências para nos posicionarmos na parte interna dos guichês. Contudo, tivemos a oportunidade de conseguir uma autorização por parte de um dos gerentes de agência para acompanharmos um dia de trabalho de um dos caixas que entrevistamos (e que se auto-indicou). Para tanto, nos colocamos em pé próximas ao balcão de atendimento ao público, de onde observamos uma jornada inteira de trabalho, visualizando (na medida do possível) os movimentos dos caixas e gravando com o uso de um equipamento MP3, os seus diálogos com os clientes e com os demais colegas do banco. Iniciamos a observação às nove horas, quando o caixa chegou à agência e encerramos às dezessete horas e cinqüenta e cinco minutos, quando ele deixou o guichê. Este foi um dia atípico para o dia-a-dia cotidiano de caixa, porém convencional para a data na qual foi realizada, posto que, além de ser dia de pagamento dos funcionários da 77 UFPB, durante estes períodos do mês o banco mantém o hábito de abrir suas portas mais cedo (por volta das oito horas) para dar prioridade de atendimento aos aposentados e pensionistas. Apesar de ter iniciado o seu expediente antes do horário costumeiro, o caixa apresentava-se disposto e muito atencioso ao atender os clientes. O dia transcorreu sem problemas que tivessem que envolver a hierarquia superior. Como era um dia de movimento intenso de pessoas dentro da agência, ele não se ausentou do guichê para realizar exercícios preventivos contra a LER e sua pausa para o almoço foi de apenas trinta minutos. No final do expediente, quando foi realizar o processo de fechamento do caixa, o nosso participante verificou uma falta de dinheiro, o que fez com que ele se detivesse por mais alguns minutos na re-conferência dos documentos e em busca da solução de um problema que, infelizmente, não teve solução. Essas e outras anotações foram registradas num quadro de observações da atividade (anexo 5) e nos proporcionaram uma maior familiarização com a situação de trabalho que estávamos estudando, além de uma ligação intercomplementar com as entrevistas que realizamos. 4. A ANÁLISE DE CONTEÚDO Faz-se mister esclarecer que por detrás de um discurso se oculta um sentido, e que devemos fazer um esforço (sempre inacabado) de desvendamento (Neves & Seligmann-Silva, 2001). De acordo com Cardoso et al. (1994), à medida que o pesquisador tem acesso às informações, inicia-se um processo de elaboração de sua 78 percepção do fenômeno, deixando-o se guiar pelas especificidades do material selecionado. No nosso caso específico, a fase de análise e interpretação dos dados obtidos, com a realização das observações da atividade e das entrevistas, é definida por González-Rey (2002) como um processo dirigido pelos dados. Para o autor, os mesmos são legitimados por sua capacidade de diálogo com o pesquisador; diálogo este articulado ao longo da pesquisa e podendo adquirir múltiplas significações dependendo das diferentes relações que ocorrem com os outros dados. O autor ainda sinaliza que a pesquisa representa um processo de constante produção de pensamento. Escolhemos a análise de conteúdo por ser um método de interpretação, cujo conjunto de informações visa à formulação de inferências e interpretações através da análise do uso da palavra sobre o objeto de estudo. Em outras palavras, conforme Laville e Dionne (1999), seu princípio básico consiste em desmontar a estrutura e os elementos do conteúdo que são pesquisados, visando esclarecer suas diferentes características, extraindo daí sua significação, sem, contudo, ser um método rígido. Com base nos conhecimentos teóricos que norteiam nossa investigação, realizamos um recorte dos conteúdos retirados dos discursos em questão, a fim de definir categorias sobre as quais organizamos os elementos, agrupando-os por parentesco de sentido (id., ibid.). A classificação do material investigado torna-se uma tarefa sem muita complexidade já que as unidades de análise são bem delimitadas, tornando as categorias nitidamente diferenciáveis11. 4.1. A ANÁLISE TEMÁTICA 11 Ver anexos 6a e 6b – Mapa Temático. 79 Dentre as técnicas de Análise de Conteúdo, optamos pela Análise Temática, com o objetivo de descobrir os sentidos fundamentais que compõem uma comunicação (Minayo, 2004), de forma a trazer algum significado consistente que pudesse ser pertinente à nossa pesquisa. Segundo a autora, a técnica se decompõe em três etapas: na Pré-Análise, escolhem-se os documentos a ser analisados, resgatando-se as hipóteses e os objetivos iniciais da pesquisa, e reformulando-se o trabalho, elaborando indicadores (formas de caracterização) que auxiliem na interpretação final; na segunda etapa, a Exploração do Material, codifica-se o material produzido (em forma de temas) e realiza-se a classificação e agregação das categorias (teóricas ou empíricas) que norteiam a pesquisa; na terceira etapa, o Tratamento dos Resultados Obtidos e Interpretação, o analista propõe inferências e realiza interpretações previstas no seu quadro teórico ou que surjam ao longo da análise. A seguir destacamos algumas dificuldades e conquistas encontradas no decorrer do nosso trabalho de campo. 5 – AS DIFICULDADES E AS CONQUISTAS Como já fizemos menção, devido aos critérios internos de segurança do banco, uma das nossas primeiras dificuldades foi não conseguirmos autorização para observar a atividade dos caixas bancários por dentro dos guichês. Numa determinada agência, constatamos que, enquanto apresentávamos os objetivos da nossa pesquisa, era comum verificar um certo clima de desconfiança por 80 parte dos caixas, principalmente nas mulheres, então começamos a nos questionar sobre qual seria a razão destas pessoas se negarem a falar sobre a relação da saúde com o trabalho. Naquela mesma agência, acreditávamos que, por ser de grande porte, e manter uma bateria de caixas com seis funcionários, conseguiríamos uma boa adesão à nossa pesquisa. No entanto, não foi bem esse cenário com o qual nos deparamos. Em primeiro lugar, a negociação com a gerência não transcorreu rapidamente, pois o gerente de relacionamentos solicitou que conversássemos antes com a gerência geral, o que demandou várias idas à agência. Porém, após a aprovação da pesquisa, começamos a encontrar a nossa verdadeira dificuldade nesta unidade. Depois de apresentarmos os objetivos do estudo aos caixas, apenas uma funcionária aceitou participar da entrevista, os demais nos olhavam desconfiados como se fôssemos espiãs a mando do banco. Infelizmente, essa única pessoa desistiu de participar afirmando que não estava num dia bom para falar de si mesma, já que não havia feito sua aula de hidroginástica pela manhã. Desculpou-se e, imediatamente, enviou um outro colega que, aceitou ser entrevistado, mas que depois de iniciarmos a entrevista, informou não ser mais caixa bancário há vários anos. Infelizmente tivemos que cancelar a gravação. Já em outras agências, a negociação transcorreu muito bem e a aceitação dos caixas foi imediata, com alguns se apresentando bastante entusiasmados em poder participar do estudo. Outra dificuldade surgiu quando passamos a transcrever uma das entrevistas realizadas: além de o som não estar totalmente audível, devido ao barulho do condicionador de ar central da agência, o nosso entrevistado tinha problemas de dicção! Certamente essa foi a entrevista mais difícil de ser transcrita. 81 Em uma outra situação, ao informarmos a uma caixa (que acabara de aceitar ser entrevistada) que a conversa seria gravada, observamos que a sua reação foi de espanto e, imediatamente, a mesma se posicionou contra dizendo que não queria mais participar. Foi inútil tentar convencê-la de que todas as entrevistas seriam mantidas no anonimato, assim como a identificação das agências às quais os caixas pertenciam. Vivemos também uma situação bem delicada, pois ao entrevistarmos uma funcionária, por várias vezes ela se emocionava ao falar sobre a sua relação com o trabalho, sempre fazendo referência à sua vida particular. Apesar de todas as dificuldades que encontramos, observamos também o lado positivo deste trabalho de campo, principalmente pela aprovação geral da realização do estudo nas agências visitadas, onde constatamos o quanto os gerentes procuravam facilitar o nosso contato com os caixas. Com apenas uma exceção, todos os caixas que participaram da pesquisa se mostraram bastante curiosos quanto aos assuntos abordados e se dedicaram ao máximo nos seus relatos. 82 CAPÍTULO IV A ATIVIDADE E A SAÚDE DE CAIXAS BANCÁRIOS Ao realizarmos esta pesquisa, estávamos interessadas em apreender como se dá a relação entre o trabalho e a saúde mental dos caixas bancários de agências da Caixa Econômica Federal, da cidade de João Pessoa, PB. Paulatinamente, fomos nos envolvendo no processo de compreensão do fenômeno estudado, deixando-nos guiar pelas especificidades dos materiais selecionados (Cardoso et al., 1994). Tal conduta nos possibilitou um esclarecimento acerca do modo pelo qual os trabalhadores vivenciam sua situação atual de trabalho e como isso pode estar afetando a sua saúde. Neste capítulo abordaremos, de início, aspectos relacionados à inserção destes profissionais no banco e como se deu o processo de formação para o preenchimento do cargo de caixa bancário. Em seguida, situaremos como se desenvolve a atividade desta categoria de trabalhadores, focando as relações entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Por fim, apresentamos as condições de saúde dos caixas bancários. 1. O CAIXA BANCÁRIO: INSERÇÃO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL 1.1 OS MOTIVOS DA INSERÇÃO Tomando por base os depoimentos dos participantes e os seus diferentes históricos pessoais e familiares, verificamos que os motivos que os levaram a optar pela 83 profissão de bancário, e mais especificamente de caixa, foram bem diversos, conforme veremos a seguir. Todos os caixas que participaram da pesquisa foram contratados via concurso público, pois como sinalizamos no Capítulo II, de acordo com Segnini (1998), desde o final dos anos 60 os bancos estatais convencionaram-se a realizar assim o seu processo de seleção de funcionários, numa tentativa de impedir as práticas discriminatórias no trabalho, passando então a ser uma determinação legal. Para Jinkings (2004), esta modalidade de contratação possibilitou uma condição (de certa forma implícita) de estabilidade do emprego dentro das instituições estatais, dentre elas os bancos. Com base nas informações dos participantes, até a data da realização da pesquisa, os caixas tinham, em média, vinte anos de trabalho bancário, o que nos levou a identificar que seu ingresso na instituição se deu no período próximo à década de 80. A maioria deles afirmou ter sido impulsionada a ingressar na carreira de bancário numa busca por um emprego estável e que possibilitava um salário considerado razoável para a referência de mercado vigente à época. “Ah! Era uma estabilidade. Isso há uns vinte anos atrás... o emprego era mais importante até do que muitos, né?, muitos cursos. Até porque você vinha de uma família que não era rica, de classe média baixa, aí você não podia deixar de trabalhar, né? Você entrar (sic) até por uma questão de necessidade, de sobrevivência... até com o objetivo também de ajudar até outras pessoas da família, os pais, então... Na época que eu entrei, a Caixa pagava muito bem, valia a pena”. Se considerarmos que o contexto daquele momento histórico (década de 80) sinalizava para a deflagração do processo de reestruturação produtiva e de uma crescente crise de desemprego e desvalorização dos salários, o emprego público (no 84 banco) ainda se apresentava como uma garantia segura, tornando-se o sonho de uma parcela considerável de pessoas. “Foi circunstancial mesmo, viu? (...) Antes eu dava aula, eu ensinava no Estado e, sabe como é, né? E eu almejava ganhar mais, né? Pra ter um, sei lá um...., assim é..., aquela história: projetos, casar, estabelecer, como é que se diz? Alguns alvos assim... atingir alguns objetivos, comprar uma casa e tal, né? A gente sempre pensa nisso. E pro estágio que eu tinha anteriormente, a época não dava pra se planejar, nesse sentido. Aí, eu fiz esse concurso”. “A escolha pela profissão de bancária não tem nada a ver com vocação. Simplesmente foi uma fase da minha vida que existiu uma crise na família e eu fui obrigada a ter que pensar em algo pra me manter. (...) Aí eu comecei a estudar pra concurso e os que vinham aparecendo eu ia fazendo. (...) Não foi o primeiro [concurso público], porque eu já tinha passado em outros, mas não tinha sido chamada e a Caixa foi a primeira que me chamou e eu assumi”. Como vemos, os depoimentos sinalizam para a preocupação de alguns caixas (homens e mulheres) que vinham, principalmente, de famílias socialmente menos privilegiadas, em contribuir com os gastos familiares. Conseguir um emprego que, segundo eles, “pagava muito bem” e que “valia a pena” era uma garantia não apenas da construção do “seu próprio futuro”, mas também da sobrevivência da família. Além do salário, o emprego de caixa bancário incorpora alguns benefícios que são também extensivos aos seus dependentes, tais como ticket alimentação, plano de saúde e plano odontológico. “Fica difícil você ir buscar lá fora o que você conseguiu aqui ao longo de quase vinte anos de trabalho... você buscar um salário, porque na realidade o salário não é só 85 aquele líquido que você recebe no contra-cheque... tem todo um .... os acessórios dele, né(?), é... plano de saúde muito bom, é... plano odontológico. Um plano de saúde que vai de fonoaudiólogo à....., né(?) E.... tem a questão dos tíquetes alimentação que dá pra você fazer a feira”. Embora a Psicodinâmica do Trabalho priorize os elementos da organização do trabalho como fundamentais na análise das vivências subjetivas no exercício profissional, e apesar de Dejours (2004) afirmar que a relação contribuição – retribuição no trabalho é de natureza fundamentalmente simbólica, vemos que o salário aparece como um dos elementos para que a dinâmica do reconhecimento dos caixas bancários se efetive12. “O que me motiva mais a trabalhar, é sobreviver, é... é ter condições de ter um salário, pra me manter, manter minha família, pagar minhas contas, entendeu? Isso eu acho que me motiva demais”. Como é de conhecimento geral, o banco oferece e vende produtos que, atualmente, também são negociados pelos caixas bancários. Estes, por sua vez, têm cotas ou metas crescentes a serem atingidas e recebem uma comissão variável sobre as vendas, o que favorece à uma dependência destas. “Quando você começa a trabalhar [como caixa], seu salário melhora muito, quer dizer, aumenta a comissão e você fica dependendo daquilo ali. Foi o que aconteceu comigo, eu fiquei dependendo da função”. Já outros caixas afirmaram que foram atraídos pelo status que a profissão de bancário proporcionava, não apenas ao caixa, mas a todos os funcionários que 12 A discussão referente à dinâmica do reconhecimento será detalhada mais adiante. 86 trabalhavam em agências bancárias. Historicamente, como vimos no Capítulo II, os caixas bancários já foram chamados de gerentes de clientes, em decorrência do processo de relativização das hierarquias (Malaguti, 1996). Devido ao fato de manterem uma aparência impecável e ao uso constante de computadores sofisticados, eles eram considerados, em algumas localidades (principalmente em cidades de pequeno porte), como pessoas de grande importância, assim como eram o vigário (ou padre) e o médico. “Na época que eu entrei, ser bancário gozava de uma prerrogativa que hoje em dia está muito defasada, principalmente em cidade pequena, era uma das pessoas mais importante e mais chiques da cidade. Tinha status”. No entanto, apesar da valorização e do prestígio social, ao longo dos anos e das várias mudanças tecnológicas e organizacionais que foram implementadas no banco, principalmente na década de 90, a maioria dos caixas foi obrigada a conviver com a diminuição do seu poder aquisitivo, bem como com as conseqüências advindas da diminuição de pessoal no setor. Um outro fator que veio à tona foi quanto à influência que alguns sofreram por parte de parentes próximos (também bancários), visto que estes se apresentavam em situação confortável (aos olhos dos participantes), pois além de terem conseguido uma estabilidade no emprego, mantinham salários razoáveis e gozavam do status proporcionado pela profissão, merecendo o respeito e admiração por parte da sociedade. “Na época eu fazia o curso [graduação] ainda, aí eu fiz o concurso da Caixa e... como eu tenho família já engajada, no ramo, eu tenho um tio que trabalha no Banco do Brasil, trabalhava, e tenho um primo que trabalha na Caixa Econômica (...)”. 87 “(...) Meu sogro era da Caixa e abriu concurso pra Caixa e pro Banco do Brasil.... Na época era muito bom, eu fiz concurso pros dois, passei nos dois e optei pela Caixa. Mas nunca tinha passado pela minha cabeça trabalhar nessa área, (...) nunca trancado num lugar como é hoje... foi acidente mesmo”. Estes relatos apontam que, mesmo sem se sentirem atraídos pela profissão de bancários, alguns caixas “optaram” pela carreira no banco influenciados por familiares que já trabalhavam em instituições bancárias. A partir do material levantado, também chamamos a atenção para a situação específica de algumas caixas-mulheres que se afastaram temporariamente do mundo do trabalho formal, para assumirem a responsabilidade dos cuidados com os filhos, tarefa historicamente destinada às mulheres (Nogueira, 2004; Hakiki-Talahite, 1986)13. “Eu casei muito cedo. Casei com dezessete anos. (...) Durante a faculdade eu tive dois filhos e (...) eu deixava eles na casa da minha mãe todos os dias. (...) Aí eu me formei e passei dois anos dentro de casa, cuidando dos filhos. Aí eles começaram a ir pra escolinha, aí pronto, aí foi quando eu despertei pra vida. Aí saturou, aí já tinha passado o tempo. É que a Arquitetura é uma profissão muito dinâmica, super dinâmica. Então não tinha mais como eu voltar. (...) Aí apareceu uns concursos, eu fui fazendo... eu acho que foi... eu fiz o do Banco do Brasil e não passei, quando eu fiz o da Caixa, passei, entrei... E aqui na Caixa com um ano e meio depois apareceu uma oportunidade pra um concurso interno, de caixa bancário, fiz, fico feliz, porque ali eu sou dona do meu nariz. E aí eu tô até hoje”. Segundo este depoimento, o profissional que não estiver colocando em prática suas habilidades e se reciclando periodicamente sofrerá uma defasagem em relação aos 13 Para aprofundamento do processo histórico de naturalização do trabalho doméstico como trabalho de mulher, consultar Kergoat (1996); Carvalho, (1998); Neves (1999) e Oliveira (2003). 88 seus colegas de profissão. Neste sentido, podemos pensar que um emprego público e com um salário razoável, além de ter uma carga horária (prevista) de seis horas, surge como uma possibilidade para o ingresso (ou re-ingresso) de mulheres ao mercado de trabalho. O emprego no banco pode ser um meio encontrado pelas mulheres para participarem da produção da renda familiar, principalmente para aquelas vindas de classes sociais menos favorecidas. Retornar ao mundo formal do trabalho, por sua vez, também possibilita visibilidade e reconhecimento a essas trabalhadoras, visto que o trabalho doméstico não é socialmente valorizado. Assim, o emprego no banco parece ter uma importância salutar para essas bancárias, na medida em que proporciona a ampliação de suas relações sociais (Kergoat, 1996). Como sinaliza Brito (1999), se por um lado, o trabalho feminino assalariado se apresenta como uma vivência formal da exploração, por outro, possibilita às mulheres a saída do confinamento doméstico. 1.2. A FORMAÇÃO PROFISSIONAL Por motivos administrativos pertinentes ao banco, ao ingressarem através de concurso público, nenhum dos participantes assume de imediato a função de caixa bancário, precisando atuar antes em outros setores. É necessário que eles se inscrevam e prestem um concurso interno para o cargo, cujos conhecimentos exigidos giram em torno de noções de regulamento de abertura e fluxo de uma conta-corrente e de poupança, além da própria rotina do setor. 89 “Era feita uma prova, um concurso interno, dentro da agência. E a gente tinha que saber as matérias referentes a essa prova, né? Que seria, é.... o regulamento da abertura de uma conta-corrente, normalmente isso, é... o fluxo da conta-corrente, poupança, vários pontos que existem na Caixa”. No caso dos caixas que participaram da investigação, após terem sido aprovados no concurso interno, todos eles passaram por um período de treinamento, que antigamente era dividido em duas etapas: a primeira teórica e técnica e a outra prática (supervisionada). A qualidade dos treinamentos recebidos foi percebida como bastante diversa. Segundo depoimentos dos caixas mais antigos, na época do seu ingresso, os cursos ministrados eram mais longos e intensos, chegando a durar de quinze a trinta dias, com uma carga horária de oito horas diárias. As aulas eram presenciais e realizadas fora das agências onde os funcionários estavam lotados, sendo conduzidas, algumas vezes, por três ou quatro instrutores de regiões diferentes do país. Ainda hoje, assim como era no passado, os candidatos ao cargo de caixa aprendem datiloscopia (identificação de impressões digitais), grafoscopia (identificação de assinaturas) e legislação. Esses conteúdos são considerados pelos participantes como essenciais para a realização do seu trabalho. “A gente ia pra sala de aula mesmo, aí tinha os módulos: o que é a Caixa Econômica, o que é ser caixa executivo, a postura, o que é que era pra fazer, as obrigações e durante o curso (...) era só pra reconhecer assinatura, aprender a reconhecer se é falsa, se não é, a impressão digital, todos os tipos de impressão digital que tem, essa parte de grafoscopia e datiloscopia”. “Foi maravilhoso. Porque, assim, na minha época a gente ficava 15 dias, dentro da unidade, aí dão todo o conteúdo 90 teórico e aí a gente via a parte, que é a parte que a gente aprende que é verificar a assinatura, né? E a parte da datiloscopia, que a gente ainda usa muito dentro da caixa. Porque a clientela da caixa ainda tem muito analfabeto. Mas foi maravilhoso”. Mediante os seus relatos, pensamos que a modalidade de treinamento, que era aplicada na primeira fase do curso, se enquadra no que Zarifian (1996) chama de formação pautada no modelo escolar, cujo princípio baseia-se na transferência de informações e de condutas a serem adotadas no cotidiano de trabalho, as quais devem ser assimiladas pelos treinandos e, em seguida, reproduzidas e aplicadas na situação de trabalho. Naquela época, após o treinamento em sala de aula, os candidatos ao cargo de caixa eram submetidos a uma prova escrita e outra oral, onde eram averiguados os seus graus de aprendizagem. De acordo com as normas do banco, somente estariam aptos a exercer o cargo aqueles que obtivessem uma nota mínima equivalente a oito. “A gente fez curso de caixa, na época existia curso de caixa. Você tinha que fazer, durante algumas semanas de treinamento, de curso, e era até inclusive... eliminatório, né? Se você não passasse... Tinha colegas que faziam até mais de uma vez, não passavam, aí depois tinha que fazer de novo e era muito mais rigoroso, assim...”. Esta exigência e o rigor imposto aos treinamentos (teóricos e práticos) limitavam o acesso dos bancários ao cargo, pois se aprovavam apenas aqueles que, segundo o banco, as preenchiam realmente as habilidades requeridas para tal cargo. Após a convocação, os funcionários que passavam pelas duas etapas de treinamento e eram aprovados nas provas, seguiam para os guichês (ou bateria de 91 caixas), onde recebiam um treinamento prático durante um certo tempo (em alguns casos, até trinta dias). A incumbência do treinamento prático supervisionado era dada, geralmente, ao caixa mais antigo e experiente da agência, cuja atribuição era a de prestar assistência técnica ao iniciante. Este funcionário, ao acompanhar os novatos e apesar de não ser um instrutor em tempo integral, recorria à sua experiência profissional e colaborava com o programa de formação do banco. Segundo Zarifian (1996, p.21), essa perspectiva, que também pode contar com “a ajuda de transferências de experiência dos mais velhos para os mais jovens”, simboliza o modelo de formação baseado na experiência, cuja base está no princípio da aquisição do conhecimento à medida que o treinando exerce o seu próprio trabalho, em seu ambiente habitual (on the job). Para Vasconcelos e Lacomblez (2004, p. 167), o treinamento deve ser fortemente contextualizado, tendo a própria situação de trabalho como “local privilegiado para a produção de conhecimentos”, pois é através da experiência prática que os saberes ganham sentido. “(...) Nós também temos a orientação de um supervisor, quando nós vamos para o guichê, que é onde nós mais aprendemos sobre as normas, porque a situação muda de acordo com a pessoa. (...) No geral, nós aprendemos mais na prática”. As orientações teóricas dão base à atividade, por isso são entendidas como de fundamental importância durante a fase de treinamento. No entanto, como vimos no Capítulo I, a prescrição é sempre limitada e incompleta (Guérin et al., 2001, Wisner 1987, Daniellou, Laville, & Teiger, 1989). Logo, sem a experimentação, sem “colocar a 92 mão na massa”, não se pode conhecer a realidade, visto que esta muda de acordo com a situação que está sendo vivenciada e por quem a está vivenciando14. Após o período de treinamento supervisionado, o candidato tinha a possibilidade de optar em renunciar ou não ao cargo de caixa bancário. Antigamente, mesmo tendo sido aprovado, o caixa precisava inspirar a confiança dos demais membros da agência para poder, de fato, assumir o cargo. “Após isso [o curso], tem o estágio na agência (...) Mas mesmo assim, ninguém nunca é nomeado de cara, né? Muito difícil. Normalmente você substitui na ausência de outros caixas. Na verdade a gente precisa demonstrar confiança, de modo pra ser nomeado pra função”. Hoje, como não existe mais a figura do caixa substituto ou flutuante, a partir do momento que haja a necessidade, o potencial candidato ocupa a vaga que está sendo disponibilizada pela agência. Pelo que nos foi relatado, ao contrário do passado, atualmente os caixas recémingressos recebem o treinamento à distância e em menor tempo (em média uma semana). As provas também são feitas on-line e após a conclusão desta etapa, os caixas aprovados são encaminhados diretamente para os guichês, sem nenhum acompanhamento supervisionado. “Inclusive antigamente era mais... intenso do que hoje [o treinamento]. Hoje é treinamento à distância, o tempo de curso é menor, na época era maior e muito mais horas em sala de aula”. 14 Esses aspectos serão mais explorados no item relativo à atividade do caixa bancário. 93 Verificamos, pois, que os caixas, saudosamente, valorizam o treinamento que era oferecido há cerca de vinte anos e, de certa forma, condenam a atual prática de formação do banco. Além de o treinamento dado à distância ser realizado em tempo bem inferior ao de antes, ele priva o novo candidato do contato (prático) com a experiência de um funcionário mais antigo. Para Vasconcelos e Lacomblez (2004, p. 167 e 168), a modalidade de treinamento à distância é considerada como algo preocupante, visto que a formação online pode limitar à “falácia da simples prescrição de normas”, traduzida por “saberes supostamente transversais, gerais, teóricos, estáveis, estandardizados e tidos como válidos para toda e qualquer situação”. Muitos caixas se queixaram de que hoje em dia não há treinamento de “reciclagem” e que as informações mais atualizadas relacionadas às mudanças tecnológicas e organizacionais chegam para eles através da intranet. Isso os “obriga” a, diariamente, lerem as suas caixas de mensagem para se manterem atualizados, o que aumenta ainda mais a sua carga de trabalho, conforme veremos mais adiante. “O que nós temos de reciclagem constante, é que nós temos uma caixa postal, como se fosse uma caixa de email, e sempre que há um modus operandi diferente de fraude, nós recebemos nessa caixa e é partir dali que nós vamos ter uma vivência daquilo que nós temos na função. Então nós sabemos, quando pegamos um documento, sabemos se ele é falso ou não, um cheque e tal, mas mesmo assim, se for muito bem feita, nós podemos errar”. “Infelizmente, a empresa não faz [reciclagem], digamos assim, ostensivamente,... não cobram isso do caixa,... tá disponível na informática. Então como a gente tem uma atividade que ocupa todo o tempo, né(?), eu não tô com um computador na minha frente pra ler, pra conversar, pra discutir um problema, eu tenho que tá lá [no guichê] o dia todo, como qualquer outro caixa, isso traz uma certa 94 dificuldade e a empresa antes fazia encontro de caixa, reciclagem e, então não faz, há anos que não acontece isso”. Além do evidente desconforto pela falta de treinamentos de reciclagem, os caixas alegam, portanto, não encontrarem tempo para ler ou discutir com os colegas os comunicados internos que chegam diariamente. Cada um vivencia os problemas individualmente, e em caso de falha operacional, deve arcar com as conseqüências, respondendo ao banco por seus atos. Vemos pelos relatos que o banco se exime de toda e qualquer responsabilidade pelos eventos que surgem. No entanto, de acordo com os caixas, isso poderia ser minimizado caso houvesse a possibilidade da realização de novos treinamentos e da implantação de programas sistemáticos de reciclagem para os funcionários. 2. A ATIVIDADE DOS CAIXAS BANCÁRIOS “A atividade humana num processo de produção resulta de uma interação entre fatores externos ao operador como, por exemplo, normas, meios de trabalho, mobiliário e fatores internos ao operador como seu estado orgânico, sua competência, sua personalidade” (Vidal, 2002, p. 146). A Ergonomia (baseada na Análise Ergonômica do Trabalho – AET) entende, portanto, que a situação de trabalho é uma combinação singular destes fatores num determinado contexto e que “a atividade acontece numa situação a que se reporta e se referencia a todo instante” (id., ibid.). De acordo com Zamberlan e Salerno (1987), os caixas bancários posicionam-se na chamada ponta da linha das agências, prestando serviços diretamente ligados ao público (clientes), tais como os atendimentos que envolvem numerários (recebimentos e 95 pagamentos). Atualmente eles realizam ainda outras operações como a venda de produtos do banco (apólices de seguridade de vida ou de automóveis), visando atingir metas impostas pelo banco. Neste tópico, apresentamos como a atividade bancária é realizada dentro das agências, sob a ótica de quem a pratica: os caixas bancários. 2.1. AS CONDIÇÕES E O AMBIENTE DE TRABALHO Segundo Guérin et al. (2001, p. 11), a Ergonomia tem por objeto de estudo a análise e funcionamento do trabalho que, por sua vez, pode ser representado por três realidades que não existem independentes umas das outras: as condições de trabalho, o resultado do trabalho e a própria atividade de trabalho. Dejours (1992) interpreta as condições de trabalho como: ambiente físico (temperatura, pressão, barulho, vibração, irradiação, altitude, etc.), químico (produtos manipulados, vapores e gases tóxicos, poeiras, fumaças, etc.), biológico (vírus, bactérias, parasitas, fungos), condições de higiene, de segurança e características antropométricas do posto de trabalho. Mesmo as agências da Caixa Econômica Federal tendo passado por diversas alterações físicas, os caixas consideram que a antiga estrutura física das agências era “muito precária” e que, no geral, as condições de trabalho nas quais eles estão expostos hoje são menos insatisfatórias. Todavia, os bancários ainda se queixam com veemência em relação ao espaço físico atual (“muito pequeno”), sinalizando para um desconforto constante. 96 “As condições de trabalho são precárias, a estrutura da agência é muito precária, a desorganização da agência é super precária, tá entendendo? Tudo inadequado, tudo imprensado... o espaço físico... Eu trabalho num guichê que fica de lado da tesouraria, o pessoal fica passando, batendo em mim. As gavetas têm um espaço bem pequenininho”. Essa precariedade do ambiente (apertado e incômodo) favorece uma insatisfação completa nos caixas que passam a maior parte do seu tempo no posto de trabalho, e que não lhes proporciona boas condições para realizarem sua atividade sem serem perturbados por tropeções e esbarrões dos seus próprios colegas de serviço. Outra queixa dos caixas, também relacionada às condições de trabalho, diz respeito ao condicionador de ar refrigerado (temperatura muito fria) existente em algumas agências, visto como um elemento gerador de problemas respiratórios e gripes, além deste ser identificado também como “estressante”, devido ao seu barulho. “O local não é bom, ..., o pessoal aqui da Caixa vem medir e sai daqui horrorizado, quer dizer, é frio demais. Tem também o barulho do ar. Tem dia que me incomoda tanto... é porque a gente vai se acostumando, mas tem dia que me incomoda tanto, que eu sinto que dói no ouvido quando desliga”. Já em outras agências o condicionador de ar não é adequado para o ambiente devido à sua localização ou mesmo à sua insuficiente capacidade de refrigeração, principalmente em certos períodos do mês, quando aumenta o número de clientes. Observamos que em alguns guichês os caixas costumam colocar ventiladores de ar para amenizar a alta temperatura. 97 “Aqui tem quatro ar condicionados, né? A bateria de caixas fica bem no meio... de vez em quando a gente recebe um pouquinho de ar [risos], mas, normalmente, o pessoal desvia o ar pro setor deles e o ar faz um redemoinho e naquele núcleo a gente não recebe oxigenação.(...) Forma-se, assim, um paredão de gente, dependendo do dia, um ar, assim, fumegando, né? Que quando você tá cercado de gente, aí começa a faltar ar. O cliente, ele briga com você, ele fica meia hora ali, ele se estressa, ele bate, dá tapa no guichê (...)”. Pelo depoimento acima citado, verificamos que não só os caixas bancários sentem-se prejudicados pelo uso de equipamentos inadequados, mas também os clientes que estão nas filas durante vários minutos, muitas vezes em pé. Isso certamente traz transtornos e mal-estar para ambas as partes. Ou seja, a falta de uma manutenção ou regulação adequadas dos equipamentos de refrigeração das agências poderá ocasionar, além de excesso de calor, muito frio. Os depoimentos deixam claro que mesmo a gerência estando ciente do problema, nenhuma providência é tomada. Observamos que o caixa bancário realiza fundamentalmente sua atividade sentado numa cadeira dentro do guichê, já que poucas vezes precisa se levantar para buscar algum documento ou dinheiro na tesouraria. Para tal, faz uso constante de dois computadores. “O lugar que a gente fica é bem pequeno, sabe? Principalmente porque a gente trabalha com dois computadores”. Eles ainda comentam que o mobiliário utilizado “ainda não é totalmente ergonômico” e seu uso constante, juntamente com os equipamentos eletrônicos, é extremamente inadequado, ocasionando problemas de postura e dores pelo corpo. 98 “(...) você tem que ter uma boa estrutura; tem que ter equipamento bom que a gente não tem aqui; a gente trabalha numa cadeira muito ruim”. Diante dos problemas elencados, relembramos que, conforme preconizam os estudos ergonômicos, para que se atinja a eficiência produtiva (quantidade e qualidade), faz-se imprescindível o investimento na melhoria das condições de trabalho, visando o conforto, a segurança e a saúde dos trabalhadores (Wisner, 1994). 2.2. AS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E ORGANIZACIONAIS As mudanças tecnológicas e organizacionais foram também identificadas pelos caixas bancários como fatores que impactam diretamente a realização do seu trabalho (Merlo & Barbarini, 2002). Os estudos de Campello e Silva Neto (1996) afirmam que, segundo a visão empresarial, o processamento mais ágil das informações, via o advento da informatização15, é considerado como atrativo para os clientes por atribuir características positivas como confiabilidade, agilidade e modernidade ao banco. De acordo com os autores, se por um lado a informatização trouxe uma série de vantagens econômicas para a empresa: redução do tempo necessário à execução das operações, dispensa de mão-de-obra da retaguarda (serviços de compensação) e redução de custos, entre outras; por outro, favoreceu o acúmulo de funções, sobrecarregando ainda mais os caixas, conforme eles próprios afirmam: 15 Mais detalhes sobre a informatização no setor bancário, ver Capítulo II desta dissertação. 99 “Realmente a tecnologia é um facilitador. Torna as coisas mais fáceis: a execução, a segurança,.... Agora, te falo assim, desde que eu comecei nessa atividade, a carga e responsabilidade, a preocupação... porque se trabalha com numerários, é muito grave. Então pra mim não muda muita coisa. E às vezes a tecnologia mesmo que, acelere em alguns aspectos ou, digamos assim, torne mais funcional a nossa atividade, é uma coisa a mais. É um terminal a mais pra você... são mais funções, são mais comandos que se tem que operar, às vezes tem um equipamento que é pra facilitar, mas aquilo que tu colocou não funciona bem, aí termina requerendo um esforço maior pra fazer”. “Por incrível que pareça, o avanço tecnológico resultou em mais trabalho pra nós. Melhor para o cliente, que tem outros meios alternativos de resolver o que ele precisa no banco, mas pra nós não, aumentou.... É sobrecarga demais. Na realidade a empresa transferiu toda essa digitação pra ser feita pelo receptor do documento [o caixa]. Então isso nos prejudicou muito. Exige muito fisicamente da gente”. Estes chamam atenção para o fato de que alguns dos conhecimentos que atualmente devem possuir para lidar com equipamentos de computação, não eram exigidos até o momento do seu ingresso no banco e também que constantemente ocorrem falhas no sistema operacional ao qual os computadores do banco estão interligados. Além das mudanças tecnológicas, algumas modificações organizacionais adotadas nos últimos anos provocaram inúmeras insatisfações aos caixas, principalmente em decorrência da maciça redução de postos de trabalho no setor bancário. Conforme sinalizamos no Capítulo II, Jinkings (2004) recorre aos dados do DIEESE de 2001 e indica que o processo de reorganização pelo qual passou o sistema bancário brasileiro, acarretou uma intensa diminuição de trabalhadores deste setor. 100 De acordo ainda com alguns depoimentos, os caixas estão expostos às variabilidades do sistema organizacional (Telles & Alvarez, 2004), sejam eles procedimentos internos ou de nível nacional, demandando da sua parte, capacidade de flexibilização e adaptação. “Há muitas mudanças nesse meio, sabe? Há muitas mudanças mesmo. (...) Quando há qualquer novidade, aí o gerente ou o gerente intermediário comunica, entendeu? ‘Leiam sua caixa postal porque tem determinadas mudanças’”. O relato acima ilustra que, constantemente, são feitas modificações organizacionais que devem ser do conhecimento de todos os funcionários. Estas informações são distribuídas através de uma rede interna de comunicação do banco (intranet). É da incumbência do gerente de relacionamentos (seu superior hierárquico) comunicá-los sobre a chegada dos novos documentos, porém cabe ao caixa lê-los, apreendê-los e colocá-los em prática no prazo estabelecido pelo banco. “Hoje ... tá sempre havendo mudança nova de sistema e você sempre tem que estar atento, porque ninguém chega aí pra dar um treinamento, entendeu?... Se vire... o programa já está no sistema, você tem que se orientar e estar cada vez mais informado. Então... essa parte aí é muito perigosa e se você cometer qualquer erro... Então você tem que estar mais ligado, tem que ser muito bom em informática, tem que estar atento, sempre acompanhando as mudanças. E eu acho isso muito perigoso, né? Se você errou, você termina sendo prejudicado, não é? Tem que arcar com as conseqüências ... você tem que aprender e se virar, porque não chega ninguém pra lhe ensinar não, praticamente você tem que aprender sozinho”. 101 Fica claro pelos relatos dos caixas que o acesso e a devida e imediata apreensão da informação é de sua total responsabilidade, já que não existem treinamentos periódicos onde novos procedimentos sejam socializados. Como diz Daniellou (apud Telles & Alvarez, 2004), as empresas solicitam dos seus funcionários certas operações cognitivas a fim de que estes dêem conta do déficit da prescrição do trabalho (o que freqüentemente ocorre nos banco). Segundo o site da Federação dos Bancários do Estado do Pará (2006), desde Janeiro de 2006, a Caixa Econômica Federal extinguiu os postos de trabalho dos caixas executivos, criando um novo cargo de comissão, cuja nomenclatura é “caixa de ponto de venda - caixa PV”. De acordo com o site da Federação dos Bancários do Rio Grande do Sul (2006), a criação do Caixa PV reduz as vagas previstas para os caixas bancários e promove o corte no número atual desta função em várias unidades, algumas com redução de até 50%. “A empresa hoje tem outra visão, você está virado pra frente, então você tem que conversar com o cliente, como se você fosse um vendedor ou um funcionário completo. O que menos importa é o número de autenticações. É mais venda, é mais atendimento, e tal. (...) As agências, internamente, se chamam ponto de venda e se você é um caixa daquela agência, você é um caixa de ponto de venda. Então você está ali pra vender, pra atender cliente e tal”. Por este depoimento, verificamos que dentro de uma mesma função existem diversos personagens, ou seja, ao mesmo tempo em que o caixa é a pessoa que atende ao cliente e realiza as operações solicitadas por este, também precisa vender os produtos do banco, de forma a atingirem, individualmente, as metas crescentes impostas pela 102 empresa e assim, ao alcançá-las, receber a tão esperada e “compensadora” comissão sobre as vendas. Segundo a concepção de Jinkings (2004), esta atual ênfase dos bancos, caracterizada pela busca constante de formas de diferenciação mercadológica e venda de produtos que tragam rentabilidade à empresa, acaba por redefinir a identidade profissional dos caixas, convertendo-os em bancários-vendedores que, por sua vez, também devem estar capacitados a realizar um atendimento integral ao cliente. Devido a esta recente mudança organizacional, o contingente de funcionários trabalhando nos guichês diminuirá cada vez mais. Além da evidente preocupação com o excesso de trabalho que os espera, os caixas salientam que o atendimento ao cliente também ficará prejudicado, já que, com a redução do quadro funcional, o tempo que o cliente levará nas filas será ainda maior. 2.3. A PRESCRIÇÃO E A REALIDADE DO TRABALHO Conforme vimos no Capítulo I, a Ergonomia chama atenção para a diferença que há entre o trabalho prescrito (maneira segundo a qual o trabalho deve ser executado) e o trabalho real (aquilo que realmente foi feito) (Guérin et al., 2001). Essa diferença é decorrente de uma constante variabilidade, visto que a prescrição é sempre limitada e incompleta e que o saber prático tem o objetivo de cobrir as lacunas do saber teórico, submetendo os trabalhadores a passarem cotidianamente por um processo de reinvenção desses limites (Guérin et al., 2001; Wisner 1987; Daniellou, Laville, & Teiger, 1989). 103 Segundo depoimentos dos próprios caixas, o normativo RH 060 da Caixa Econômica Federal trata, entre outros assuntos, das atribuições gerais pertinentes ao caixa bancário: • tempo de permanência no trabalho de no máximo seis horas; • atendimento a clientes nos guichês; • autenticação de documentos; • conferência de assinaturas ou impressões digitais em documentos. Apesar do normativo prescrever o tempo de permanência no trabalho de no máximo seis horas, a maioria dos caixas costuma chegar ao banco em torno de meia hora ou uma hora antes do horário estipulado para o atendimento ao público, que em dias normais de funcionamento, abre suas portas às dez horas da manhã. Além disso, o trabalho somente pode ser efetivamente encerrado depois que o último cliente sai da agência, conduzindo-os, muitas vezes, a extrapolarem o horário previsto. Dejours e Abdoucheli (1990) salientam a importância que a tarefa tem para os trabalhadores, indicando que a mesma deve ter um sentido de nortear as suas ações. Nesse sentido, identificamos que para a maioria dos caixas algumas das rotinas diárias previstas não diferem basicamente do que foi apreendido nos treinamentos. “A parte prescrita, não. Eu acho que não, porque é bem real. Até hoje... já houve modificação, pra o tempo que eu fiz o curso já não é mais feito da mesma maneira, mas é bem parecido com a prática”. “Se você for pegar realmente o que a gente tem aí, vai ficar difícil, né? Tem que conferir a assinatura dos cheques, data, né? E tudo. Tem que olhar tudo. Aí eu acho que não é muito diferente não”. 104 Embora a organização prescrita do trabalho nunca seja considerada inútil para os trabalhadores (Dejours, 1993), em certas situações onde haja transparência entre os níveis hierárquicos pode acontecer a necessidade de se “fraudar” o prescrito a fim de se executar uma determinada atividade, já que muitas vezes os próprios regulamentos internos da empresa são contraditórios e podem gerar uma certa “paralisia” no trabalho. Hirata (1989) aponta para o fato de que a organização prescrita do trabalho nunca é respeitada, resultando sempre num compromisso que surge de uma negociação entre coletivo de chefia e coletivo de execução. Conforme vimos: “A partir de um determinado limite, o pagamento de cheque, qualquer que seja a movimentação financeira, um débito em conta, uma ordem de pagamento, qualquer que seja, tem que ter, tem que ter, é... a senha de gerência, que a gente chama aqui de NSU, entendeu? Então, normalmente quando o gerente está super atarefado, essa senha é disponibilizada para um colega, ..., ele assume essa responsabilidade, ... O normativo, muitas vezes, deve ser ... não é burlado, mas ... contornado, pra você poder ter uma atividade normal”. Alguns dos participantes admitem que, comumente, em determinadas situações, mesmo que contrariando as normas estabelecidas pelo banco, realizam procedimentos que somente poderiam ser feitos pelo superior hierárquico. Eles “transgridem” ou “burlam” certos normativos (prescrições) para que uma determinada atividade possa fluir normalmente, sem impedimentos, nem “paralisia”. Na realidade, o que os trabalhadores fazem é “adaptar” o normativo às necessidades da realização da atividade, ou seja, eles fazem uma “re-interpretação do normativo”, de forma a reconfigurar o meio de trabalho com o seu próprio meio (Borges, 2006). 105 Como já fizemos menção, os bancários freqüentemente recebem informações (via correio eletrônico) acerca de mudanças organizacionais, que devem ser postas em prática nos prazos estipulados. Mesmo assim, a Caixa Econômica ainda mantém nos seus manuais alguns dos seus principais normativos, já que estes funcionam como referência para delinear o lugar de cada cargo específico dentro do banco. Veremos mais adiante que, ao considerarmos o ambiente de trabalho como sendo um lugar permanente de micro-escolhas (Schwartz, 2000; Brito & Athayde, 2003), apreendemos como se dá a gestão da regulação cotidiana das variabilidades da atividade dos caixas. 2.3.1. O CAIXA BANCÁRIO NO CURSO DA AÇÃO Ainda no Capítulo I, vimos que o trabalho real, também conhecido por atividade, é o modo como o homem se relaciona com os objetivos que foram propostos pela organização do trabalho e os meios fornecidos para a realização do mesmo, numa determinada situação (Guérin et al., 2001). No entanto, para Clot (apud Brito & Athayde, 2003), o trabalho real ou atividade envolve também aquilo que não se faz, o que se busca fazer sem conseguir, o que pode ser feito, o que há para se refazer e até o que se faz sem querer. Constatamos que a atividade dos caixas bancários tem início antes mesmo de eles chegarem ao banco, pois durante o trajeto casa-agência, muitos fazem uma espécie de antecipação do seu “expediente”, imaginando os procedimentos a serem realizados. “Quando eu venho trabalhar de manhã cedo, eu já venho [pensando] ‘vou fazer isso, vou fazer aquilo’, então você 106 já vai programando o seu dia, ‘falta fazer isso, tem a obrigação de fazer isso’”. De acordo com Campello e Silva Neto (1996) a jornada de trabalho dos caixas está dividida em três momentos fundamentais: o atendimento ao público, a compensação e o fechamento do caixa. Como dissemos anteriormente, a grande maioria dos caixas contactados costuma chegar à agência sempre alguns minutos antes da abertura da mesma para os clientes, alegando que esse tempo é necessário para iniciar mais tranqüilamente a sua rotina de trabalho. Durante esse período, o procedimento é sempre o mesmo, ou seja, eles pegam o dinheiro (ou numerário) na tesouraria e realizam a “abertura do caixa” (inicialização do sistema do computador). Alguns ainda têm a oportunidade de, muitas vezes, efetuarem os pagamentos de suas contas pessoais. “Eu chego aqui de oito e meia16, porque eu não gosto de chegar em cima da hora, eu gosto de me sentar, de ler meus e-mails, tudinho, chego bem cedinho, abro os meus terminais, os dois, pego o meu dinheiro na tesouraria, abro os meus dois terminais... Pago as minhas contas, antes de tudo, é a primeira coisa que eu faço, é pagar as minhas contas e o resto dos meus parentes todos, porque quem resolve tudo sou eu (risos). Aí então, aí eu tô pronta pra começar o dia”. A atividade dos caixas somente se tornou possível devido à presença constante dos clientes nas agências. No entanto, as filas, entendidas como objetos cotidianos de pressão (Jinkings, 2004), são alvos de queixas para muitos dos participantes da pesquisa que comentam acerca do excesso de pessoas e do barulho feito por elas, principalmente 16 Essa entrevista foi feita durante o horário de verão, quando no Nordeste do país, os bancos costumam abrir suas portas às nove horas. 107 nos dias de grande movimento17. A dinâmica da agência é conduzida diretamente pelos clientes, pois sua presença provoca alterações significativas no ritmo de trabalho dos funcionários (Zamberlan & Salerno, 1987). Após a liberação da agência para a entrada das pessoas, a “rotina” (assim chamada pelos caixas) se inicia, ou seja, é feita a recepção das pessoas e se realiza a autenticação dos documentos recebidos. Os bancos disponibilizam um guichê de atendimento exclusivo (para idosos, gestantes, lactantes e deficientes físicos), e outros (em quantidade variável, de acordo com o tamanho da agência) para o público em geral. A Caixa Econômica estipula que o caixa bancário tem direito a uma pausa de uma hora para o almoço. Porém devido à vários fatores como: excesso de pessoas nas filas em dias de muito movimento, poucos caixas nas agências, além das reclamações ou solicitações feitas por parte tanto dos clientes quanto da própria gerência, muitas vezes esse direito é substituído pela urgência de voltar ao guichê. “É... na época de pagamento, por exemplo, eu só tiro dez minutos de almoço e volto de imediato. E num dia como hoje [com poucos clientes na agência], eu posso tirar trinta, trinta e cinco minutos pro almoço”. Mesmo em dias de pouco movimento nas agências, a maioria dos caixas costuma se ausentar dos guichês apenas por cerca de meia hora para fazer suas refeições, voltando antecipadamente para o seu posto de trabalho, a fim de dividir com seu colega o atendimento aos clientes. Em algumas situações, eles chegam a almoçar em apenas 10 minutos, já que têm que retornar ao trabalho para não “atrapalhar” o bom desempenho da agência. 17 As implicações das filas no sofrimento psíquico dos caixas serão discutidas mais adiante. 108 “Quando eu tô na hora do almoço, muitas vezes eu sou requisitado pra vir atender um cliente que tá com pressa, um cliente de um porte melhor e tal, então tem que ser atendido no momento, então a gente, dentro desse horário [expediente bancário], tem que tá sempre disponível, sendo no horário do almoço ou não”. Exemplos como o relatado acima, mostram que durante o intervalo para almoço, as gerências das agências comumente requisitam que os caixas retornem aos guichês a fim de realizar algum procedimento que compete apenas a um funcionário específico, ou mesmo para atender a um cliente classificado pela agência como especial. Após a saída do último cliente, a próxima etapa é o “fechamento do caixa”, procedimento que consiste na conferência de todas as autenticações de documentos que foram realizadas durante a jornada de trabalho. O valor final, que consta na fita da impressora, deve conferir com a movimentação (entrada e saída) de dinheiro e, quando isso acontece, os funcionários costumam utilizar a expressão “bateu o caixa”. Infelizmente, devido ao intenso trabalho com numerários e às diversas variabilidades existentes durante a jornada de trabalho diário, freqüentemente, ocorrem sobras ou faltas de dinheiro no caixa. Se, porventura, o valor for a mais, este deve ser encaminhado para o fundo de reserva da Caixa Econômica Federal, mas, se por outro lado, houver falta de dinheiro, este é descontado do caixa responsável por aquele guichê. Pelo que nos foi dito, o bancário tem um prazo de até 48 horas para restituir ao banco aquele valor que faltou no seu caixa. Em casos mais graves ou delicados, é possível solicitar a abertura de um processo administrativo para comprovar que o funcionário não agiu por dolo, ou seja, que a falha não foi intencional. Porém, na grande maioria dos casos, isso não costuma acontecer. Os caixas têm que desembolsar desde 109 pequenas quantias até grandes montas, precisando, algumas vezes, requisitar um empréstimo pessoal para poder dar conta do prejuízo. Após o fechamento de caixa, chega-se efetivamente ao encerramento da jornada de trabalho do caixa bancário. 2.3.2. A REGULAÇÃO DAS VARIABILIDADES E O USO DA INTELIGÊNCIA PRÁTICA Como vimos, o trabalho humano realizado em situações reais de trabalho, não corresponde jamais ao trabalho esperado e fixado pela organização do trabalho. Durante a realização de uma atividade a pessoa está sujeita a variabilidades, quer sejam do sistema técnico e organizacional, da sua própria variabilidade e a dos outros e do(s) coletivo(s) de trabalho pertinente(s) (Telles & Alvarez, 2004)18. Os trabalhadores costumam gerenciar as variabilidades do dia-a-dia utilizando um conjunto de operações de previsão, antecipação e prevenção, efetuando uma regulação permanente da produção da sua própria atividade (Athayde, 1996). Mas, para tal, é preciso que eles tenham conhecimento sobre as variabilidades a fim de tentar prevê-las e considerar a possibilidade de que novas venham a existir. “A gente joga muito com jogo de cintura mesmo, sabe?... Mas tem dia quando o sistema cai, eu fico calma, aí aviso os clientes, ligo pra central se for o caso, se vai demorar, o que vai acontecer, se vai ser rápido, aí aviso os clientes”. “A calculadora do nosso teclado é vinculada ao sistema, então tem hora que você tá assim, ó... [o caixa faz gestos 18 Para maiores detalhes, consultar o Capítulo I. 110 lentos pra mostrar como digita]. Eu vi um caixa (...), há alguns anos atrás, que digitava com uma caneta, em vez de digitar com o sistema mecanográfico, que é o sistema de leitura dos números. (...) Eu não compreendia aquilo, agora eu compreendo, é a calculadora vinculada ao sistema. Quando o sistema tá lento, ela fica lenta, então você vai somar 2 mais 2 e ele demora até 10 segundos, 15 segundos, pra dar a resposta e você não pode digitar seqüencialmente 1,2,3, você tem que digitar 1....... 2...... 3. às vezes ela não digita o 3, aí quando você vai somar, aí você perde uma soma”. “Eu procuro me concentrar num campo de sintonia onde eu consiga derrubar aquela fúria que ele [cliente] vem pra cima de mim. Porque ele, coitado, deve estar com algum problema externo. Então eu ofereço um cafezinho, uma água, um sorvete, bombom, chocolate e nessa bobagenzinha que se faz, quebra aquela fúria e termina se tornando amigo, amigo. Desmonta”. A nosso ver, o caixa deste último depoimento desenvolveu uma estratégia de enfrentamento muito interessante, pois ele tenta, através da cortesia em oferecer algo agradável, minimizar a “fúria” do cliente. Segundo seu próprio relato, o tempo de trabalho no banco o ensinou a lidar com certas situações adversas e a enfrentar os problemas sempre da melhor maneira possível, mas em caso de não conseguir, ele faz com que o cliente se dirija a outro setor do banco, como por exemplo a gerência. Verificamos, pois, que os caixas colocam em prática uma certa astúcia e sua experiência pessoal e profissional, como um modo de buscarem as resoluções para os problemas diários (Dejours, 1993). 2.3.3. OS LAÇOS DE COOPERAÇÃO 111 Como já fizemos referência, as diversas modificações que ocorreram ao longo dos anos, principalmente devido ao processo de automação nos bancos, fizeram com que a atividade dos bancários sofresse uma drástica transformação, acarretando, entre outras coisas, um incremento do volume do trabalho individualizado (Campello & Silva Neto, 1996). O trabalho no guichê é considerado pela maioria dos caixas como algo estritamente individual, já que cada um é capaz de atender às necessidades dos clientes sem que haja a interferência de outras pessoas. Muitos vêem este ponto como positivo, já que não dividem a responsabilidade com mais ninguém e entendem que ali, naquele momento, eles são os gestores do seu próprio trabalho. “A nossa atividade, por natureza, é individual. Um não precisa do outro pra fazer o serviço”. Entretanto, vimos que, em situações que fogem ao seu domínio, os caixas solicitam o auxílio de um colega do guichê ao lado ou, até mesmo, do gerente da agência, mobilizando-se coletivamente para levar ao término sua atividade. “É uma atividade individual, mas, digamos assim, mais de cooperação. É... um colega tá com uma dificuldade, por exemplo, numa determinada operação, autenticar um documento, convida o outro,... existe cooperação. De repente tem dúvida num autógrafo, chama o outro, pra ajudar, existe bastante cooperação”. Dejours (2004) identifica a cooperação como sendo a base fundamental para a formação do coletivo de trabalho, sendo aquela essencialmente formada a partir de uma 112 associação de laços comuns construídos pelos trabalhadores, de forma voluntária, imbuídos em alcançar um objetivo comum, isto é, a realização de uma obra comum (Cru, 1986; Athayde, 1996; Guérin et al., 2001; Figueiredo, 2001). Vemos que, de acordo com a situação em que se encontre um caixa, os outros podem ser solicitados para auxiliá-lo a despachar um documento ou até mesmo a reconhecer a assinatura de um cliente que não esteja tão legítima ou que esteja lhe causando dúvidas, minimizando a complexidade das tarefas e concorrendo a regulação das variabilidades (Silva, 2005). 3. A SAÚDE DOS CAIXAS BANCÁRIOS Para Canguilhem (2001) a saúde remete à forma pela qual o indivíduo interage com o meio e com os eventos da vida e à possibilidade deste poder cair doente e se restabelecer. Reforçando esta idéia, Dejours (1992) afirma que a saúde das pessoas é um assunto que está ligado a elas próprias, visto que é algo que pode ser conquistado e do qual dependem. Portanto, cada indivíduo deve ser capaz de sofrer e reconhecer suas dificuldades a fim de enfrentar as demandas que o meio lhe solicita. De uma forma geral, procuramos apreender a relação saúde – trabalho de caixas bancários através dos relatos das suas experiências durante as jornadas de trabalho e, analisando os depoimentos dos participantes desta investigação, podemos encontrar alguns elementos que também foram identificados por Seligman (1987) em seus estudos com bancários e que são apontados por ela como fatores de risco para a saúde dos trabalhadores: ritmos intensos; repetitividade; exigência de grande concentração mental; as jornadas extensas, com horas extras; o isolamento dos trabalhadores durante a jornada; formas de controle sobre os operários gerando medo, vergonha ou revolta; 113 autoritarismo das chefias; grande responsabilidade na função e desvios e acúmulos de funções. Como dizem Brito, Neves e Athayde (2003, p. 33), mesmo quando os trabalhadores estão “no estado de normalidade, as doenças podem surgir, desestabilizando esse estado para, em seguida, ser novamente estabilizadas, recuperando-se um novo estado de normalidade”. Em outras palavras, a normalidade remete à vivência de um processo de sofrimento que tanto pode seguir o caminho da doença, como pode ser encaminhado a gerar criatividade e prazer no trabalho. Como veremos a seguir, em se tratando do caminho da doença, nós identificamos nas queixas dos caixas bancários alguns dos principais sinais de adoecimento e/ou sofrimento relativos às condições e à organização do trabalho. Porém, também apresentamos como esses trabalhadores conseguem enfrentar esse sofrimento por intermédio de seus sistemas defensivos no trabalho que, como dizem os autores supracitados, apesar de não conduzi-los à saúde, podem preservar uma certa normalidade. Assim, vimos que, apesar de diariamente vivenciarem no ambiente de trabalho situações extremamente deletérias, eles ainda conseguem fazer uso da sua inteligência prática, mobilizada pela dinâmica do reconhecimento. Esta, por sua vez, reforça a construção da identidade dos trabalhadores e favorece a saúde mental e somática, contribuindo para o sentido no trabalho e para a transformação do sofrimento em prazer. 3.1. AS IMPLICAÇÕES NA SAÚDE 114 Recordando o Capítulo I, vimos que Wisner (1994) elucida que o termo “cargas de trabalho” originou-se da expressão fadiga, que ainda hoje é utilizada pelos trabalhadores quando procuram descrever os efeitos negativos que o trabalho traz para eles próprios e para os seus colegas. Esta noção nos remete a aspectos relacionados aos campos físico, cognitivo e psíquico no trabalho (Dejours et al., 1993) e que, no caso dos participantes do nosso estudo, são oriundos, principalmente, das várias mudanças tecnológicas e organizacionais que acometeram o setor ao longo da sua vida laborativa. De acordo com Campello e Silva Neto (1996, p. 119) “onde imperam as más condições de trabalho, gera-se a degradação rápida do organismo”. Em se tratando do espaço físico ocupado pelos caixas, já mencionamos que é extremamente pequeno e que, portanto, está comprometendo o uso adequado dos movimentos dos caixas. “O lugar que a gente fica é bem pequeno, sabe? Principalmente porque a gente trabalha com dois computadores”. Também fizemos referência aos sistemas de refrigeração de ar que, por não estarem perfeitamente regulados, mantém temperaturas extremas (como muito frio ou excesso de calor), tornando o ambiente completamente desfavorável ao seu bem-estar físico e mental. “O pior de tudo é o ar condicionado, porque, como é central, às vezes tá muito frio, aí eu preciso pedir pra desligar um pouquinho, mas aí depois fica muito quente. Teve um dia que eu comecei a passar mal enquanto estava atendendo um cliente, tava tão quente que eu comecei a suar e isso me fez mal”. Corroborando os autores citados anteriormente, que também realizaram estudos com caixas bancários da Caixa Econômica, constatamos que os participantes da nossa investigação igualmente exprimem sua inadequação às condições ambientais do 115 trabalho através da fadiga, caracterizando “o resultado da repressão da atividade espontânea de órgãos motores e sensoriais e de um esforço para tolerar uma situação que não se consegue modificar” (idem, p. 199-120). Verificamos, pois, que eles estão diante de situações tão deletérias que, possivelmente, favorecem o desenvolvimento de um padrão determinado de desgaste e de morbidade (Laurell & Noriega, 1989). Já vimos que, há alguns anos, quando se deu o processo de automação nos bancos, ocorreu uma drástica transformação que acarretou uma padronização das tarefas e um acréscimo do volume de trabalho individual, além de um aumento sobre o controle de tempos e sobre a qualidade dos serviços prestados (Merlo & Barbarini, 2002). Conforme a pesquisa realizada por Malaguti (1996), segundo a visão empresarial, os equipamentos tecnológicos facilitam o trabalho dos caixas quanto às autenticações dos documentos. No entanto, para os nossos participantes eles geram alguns malefícios, tais como a sobrecarga de trabalho, favorecendo o mais freqüente dos problemas de saúde em bancários, a LER/DORT (Lesão por Esforço Repetitivo / Doenças Ortomusculares Relacionadas ao Trabalho). Por definição, esta é “uma síndrome clínica caracterizada por dor crônica, acompanhada ou não por alterações objetivas, e que se manifesta principalmente no pescoço, cintura escapular e/ou membros superiores, decorrente do trabalho” (Costa, 2003, p. 25) . “Por incrível que pareça, o avanço tecnológico resultou em mais trabalho pra nós. Inclusive o índice de doenças, né? Por esforço repetitivo, a LER, a Lesão por Esforço Repetitivo, aumentou bastante, a tendência é sempre aumentar. Eu já tive dois afastamentos por esforço repetitivo”. No caso específico dos caixas envolvidos nesta investigação, a origem deste tipo de comprometimento pode ser provocada pelo uso constante de dois equipamentos de informática durante o expediente, pela repetição excessiva de movimentos durante a 116 jornada e, principalmente, pelas pequenas ou inexistentes pausas para descanso, em conseqüência do acúmulo de pessoas nas filas19. “Eu acredito que todos os problemas de saúde que eu já tive foram por conta do trabalho (risos). Úlcera, estresse... já tá começando a aparecer herpes labial. Se eu tiver algum tipo de estresse grande ele estoura... eu tenho problema de DORT nas duas mãos, no ombro eu também tenho (risos)”. Este caixa, especificamente, durante todo o tempo que falava sobre seus problemas de saúde, sorria e fazia uma espécie de retrospectiva da sua vida desde o momento que ingressou no banco, chegando à conclusão de que todos os males que o acometeram ao longo dos anos relacionam-se à sua atividade laboral. Segundo ele, a herpes labial aparece sempre que a sua carga de estresse está alta, provocando, até certo ponto, um constrangimento em estar atendendo os clientes com os lábios feridos, já que uma boa aparência pessoal também é importante na sua função. A LER/DORT, além de dificultar o manuseio dos equipamentos, o impede de praticar alguns exercícios físicos, além de causar desconforto também durante os períodos em que está em casa, descansando. Segundo relatos, existem funcionários que, por motivos de adoecimento (principalmente relativos à LER/DORT), são deslocados de suas atividades nos guichês para outro setor da agência. Nestes casos, a empresa utiliza-se de um recurso administrativo conhecido por “readaptação profissional”. Brito, Neves e Athayde (2003), ao realizarem um estudo investigativo com merendeiras e serventes de escolas, verificaram que a “readaptação” é aplicada quando 19 Esses aspectos das condições de trabalho dos caixas bancários serão retomados ao longo deste item. 117 se admite que o trabalhador não tem condições de continuar realizando as atividades requeridas pela função, considerando-se o sofrimento e o adoecimento do mesmo. Segundo os participantes da nossa pesquisa, existem alguns bancários que, em condições de “readaptados”, não trabalham diretamente com autenticações de documentos, mas continuam desempenhando uma função muito parecida com a de caixa. Apesar da diminuição da carga de trabalho, eles ainda utilizam o computador e realizam atividades que exigem movimentos constantes e intensos, podendo provocar um agravamento de um quadro de enfermidade já existente. “Já fiquei afastada durante três meses, por conta de LER. Mas aí eu não saí da Caixa, eu fiquei fora do caixa, do guichê. Eu fiquei trabalhando, na área interna da agência... mas eu voltei pro caixa porque... era digitar do mesmo jeito”. O banco, ao utilizar o recurso da “readaptação”, além de colocar os funcionários em situação de trabalho semelhante à anterior, priva-os de gozarem dos benefícios das tão mencionadas comissões de vendas. Assim, verificamos que alguns caixas, após serem afastados temporariamente dos seus postos originais e de experimentarem o processo de “readaptação” em outro setor do banco, solicitam à gerência o seu retorno ao guichê, voltando a realizar as mesmas atividades exigidas pelo cargo. De acordo com o site da CLT Dinâmica (2007), a NR-17 20 (117.035-0 / 13) prevê que “nas atividades de entrada de dados deve haver, no mínimo, uma pausa de 10 (dez) minutos para cada 50 (cinqüenta) minutos trabalhados, não deduzidos da jornada 20 Norma Regulamentadora no 17 (ver anexos 7 (a-d)). 118 normal de trabalho”. No entanto, vemos que nem sempre essa norma é respeitada pelos caixas bancários, mesmo que, quando desobedecida, possa causar-lhes danos físicos. Em nossas observações, constatamos que o dia-a-dia de um caixa de banco é realizado em um ritmo bastante frenético. Ao questionarmos sobre o dia mais cansativo da semana, foi unânime o comentário de que, devido aos pagamentos do funcionalismo público e previdência e das próprias contas pessoais dos clientes, a carga de trabalho mais intensa ocorre nos primeiros 15 dias do mês, provocando neles um cansaço ainda maior. [o dia mais cansativo] “... é do dia 3 até o dia 15. Porque com o mesmo efetivo de funcionários você tem que dar conta de três vezes o movimento normal”. Assim, em dias de muito movimento, devido ao rígido controle de tempo e ao aumento da produtividade, acarretando uma excessiva carga de trabalho durante a jornada, torna-se praticamente impossível para os caixas se ausentarem dos seus guichês durante o momento do atendimento, inclusive sentindo-se impedidos de saírem para atender às suas necessidades fisiológicas básicas. “Você trabalha constantemente, sem pausa... sem pausa nenhuma... pra você ir no banheiro... é sufoco... às vezes eu olho assim, quando eu olho que o cliente olha pro céu, eu dou uma escapulida, porque é difícil. Às vezes eu fico louca pra fazer xixi... Sabe? Vai dando aquela coisa e você não pode sair, porque às vezes tá no meio de um depósito, de um negócio, e quanto mais eu faço, mais o cliente traz coisa pra eu fazer, o mesmo cliente. Quer dizer, é sufoco. É muito cansada, a carga horária, a carga de trabalho de um caixa executivo é muito pesada. Você não tem folga...não tem folga, é um cliente atrás do outro, é um cliente atrás do outro, não tem tempo nem pra respirar”. 119 Constatamos que, de acordo com a quantidade de pessoas que os caixas atendem, a idéia que eles transmitem é de que a sua atividade torna-se praticamente uma “bola de neve” que se desenvolve de forma crescente, até o ponto de “engolir” o funcionário, ou como foi ilustrado pelo próprio caixa do depoimento anterior: “sem tempo até mesmo para respirar”. Essa metáfora parece explicar o porquê de alguns caixas se sentirem extremamente cansados quando os seus colegas de guichês tiram férias. Vejamos: “Aqui, se faltar um, é mais sufoco pra quem fica. Se um colega tira férias, você deveria ficar feliz, satisfeito porque o colega vai tirar férias, mas você já fica preocupado com como é que você vai trabalhar mais, é mais trabalho pra você que não vem ninguém de fora, não tem outro pra botar no lugar, infelizmente é a realidade. É ruim trabalhar assim”. Observamos, assim, que além do desgaste físico, as falas dos trabalhadores também exprimem algumas das suas perturbações imunológicas, possibilitando a promoção do sofrimento psíquico e do aparecimento de enfermidades somáticas ou psicossomáticas (Dejours, 1992; Wisner, 1994). 3.2. O SOFRIMENTO PSÍQUICO Ao longo deste estudo, enumeramos vários aspectos vinculados à atividade dos caixas bancários que podem promover a vivência de um sofrimento psíquico, já que 120 esses trabalhadores estão diariamente submetidos a diversas situações de trabalho que implicam num processo de retenção de energia (Dejours, 1993). Em se tratando da relação homem-atividade, salientamos que os trabalhadores trazem consigo suas histórias pessoais, sedimentadas por aspirações, desejos, motivações e necessidades psicológicas, que conferem aos sujeitos características únicas e pessoais (Dejours, Dessors & Desriaux, 1993). Esses elementos de sedimentação somente serão satisfatoriamente alcançados no ambiente laboral a partir do momento em que a organização do trabalho oferecer condições para a sua construção. Recorrendo aos depoimentos produzidos durante a nossa investigação, identificamos que palavras como “frustração, tensão, depressão, raiva, estresse” foram repetidamente citadas, pois para a maioria dos caixas, muitos dos seus problemas de saúde podem estar vinculados à sua atividade laboral. “Eu tenho uns piques de tensão. Normalmente no meio do expediente eu tenho uns piques de tensão muito grande”. “Mesmo que eu tenha uma carga maior de trabalho, num determinado dia, por exemplo, num final de mês, num dia que se recebam muitas contas ou tenha muito pagamento, isso aí pra mim é o normal. Mesmo que se trabalhe mais. Agora lógico, vem um sentimento de estresse, de uma certa frustração no final do dia, por tá trabalhando o dia todo, entende? A gente sai mais tarde daqui, né?... Vamos dizer assim, abate mais, certo? Deprime mais”. Uma das maiores fontes de sofrimento para os caixas, é a pressão das filas dos clientes, tanto pela grande quantidade de pessoas quanto pelo barulho excessivo que elas fazem ao reclamarem, provocarem e, até mesmo, ofenderem os funcionários com comentários maldosos. 121 “O barulho das pessoas reclamando na fila é algo que irrita muito também”. “Tem dias que tem aquelas pessoas que ficam xingando o tempo todo na fila, que vai dando uma irritação...Um dia desses um cliente ficou reclamando o tempo todo na minha frente e eu não sabia mais o que fizesse, porque ele tinha que esperar a vez dele”. Muitas vezes esses trabalhadores não têm como reagir às provocações. Eles se sentem com as mãos atadas, já que devem atender a fila por ordem de chegada e não de acordo com a disponibilidade ou urgência que o cliente diz ter. “É a pressão maior do mundo, todo mundo gritando, sempre aquela pressão, tudo isso, imagina a vida todinha só sofrendo pressão. Você tem a sensação de que vai ficar sozinho e os ‘cabras’ vão começar a ‘chiar’, a reclamar e gritar e ‘cadê os caixas?’ (...) isso é muito, muito ruim, entendeu?” De acordo com as informações dos participantes, em dias de pagamento do funcionalismo público, o número de pessoas que freqüentam os bancos chega até mesmo a triplicar, principalmente no horário de almoço, já considerado o período de maior movimento dentro das agências. Esse fato obriga os caixas a atenderem, individualmente, uma quantidade de clientes maior do que a habitual, até que um outro colega retorne ao guichê. “(...) Agora quando chega dia de pagamento, dia de movimento grande, você vê uma fila do tamanho do mundo e você vê dois caixas ali, aí na hora do almoço sai um e fica só um atendendo as duas filas, puxando um dos idosos e um da outra fila”. 122 Durante o tempo em que ficam sós, aguardando o colega retornar da pausa para o almoço, os caixas verificam que há uma insuficiência de tempo capaz de suprir a demanda do grande número de atendimentos. Eles então se vêem frente-a-frente com pessoas que, por não entenderem o porquê da ausência de outro caixa, reclamam e chegam a causar tumulto e muito barulho, ocasionando um enorme transtorno, difícil de ser controlado. Nesses dias de maior movimento dentro das agências, os caixas afirmam que se sentem “sufocados” com a pressão exercida pelo público, gerando uma sensação de estar em plena “guerra contra os clientes”, mesmo reconhecendo que é do público que depende o seu emprego. Vejamos: “(...) O caixa é como se fosse a frente de batalha, né? Se tivesse no exército, eu acho que o caixa seria a infantaria, né? [risos] Estaria na frente, vendo o olho do inimigo. Eu não vou tratar o cliente de inimigo, mas ele é um adversário que vai tentar te explorar e você vai tentar explorar ele”. Os participantes da investigação apresentam um desconforto evidente ao refletirem acerca da sua submissão aos clientes do banco e também o quão vulneráveis estão à apreciação destas pessoas, pois como os clientes não conhecem os reais motivos que levam um funcionário a se sentir mal, é comum que façam pré-julgamentos em determinadas situações, chegando, em casos muito extremos, a se “aproveitarem” de um momento de fragilidade do bancário para realizar algum ato ilícito (como receber dinheiro duas vezes). “Se você der uma demonstração de fraqueza, se o cliente percebe, ele pode se utilizar disso pra te prejudicar. Às 123 vezes, não é nem pra ti, mas é pra dar um golpe no banco mesmo”. Observamos pessoalmente o quanto os clientes pressionam verbalmente os caixas, anulando assim as possibilidades de pausas durante a jornada que, como já dissemos, devem ser de 10 minutos, a cada 50 minutos trabalhados. Além disso, alguns caixas alegam que têm seus direitos às pausas cerceados, não só devido ao elevado número de clientes na agência, mas também porque sofrem pressão por parte dos próprios gerentes para permanecerem no posto de trabalho. “Existe uma lei do Ministério do Trabalho pra gente fazer essas pausas da LER, mas só que por outro lado, não tem estrutura... O pessoal reclama. Se você sai pra tomar um cafezinho, tomar uma água, já tão atrás de você reclamando: “cadê o caixa?”, tá entendendo? (...) Aí quando eu saio, daqui a pouco vem a gerente de atendimento: “meu filho, venha pro caixa”. Conforme já sinalizamos anteriormente, no tocante às mudanças organizacionais, ao longo da nossa pesquisa, acompanhamos a implantação de uma medida que substitui o cargo em comissão dos caixas executivos para caixa PV (ponto de venda). “(...) Inicialmente, nós éramos onze caixas, hoje somos três com a probabilidade de ser dois só... Isso nos preocupa pelo atendimento ao cliente”. Além de uma nova redução do número de bancários nas agências, esse ato administrativo trouxe preocupação relativa à qualidade do atendimento dos clientes, 124 tensões e está gerando fortes pressões para os caixas, sendo a maior delas relativa ao cumprimento das metas estabelecidas pelo banco. “De vez em quando tem colega aí que pega licença porque a carga de estresse tá muito alta, fica meio doido, pirado. Muita gente endoidando. Alguns mais duros na queda, feito eu que já tô chegando perto, mas tem muita gente aí que no meio do caminho fica meio derrubado, meio estressado, principalmente pela questão de que nos últimos anos ficou muito forte a questão do cumprimento de metas, né? Uma das coisa mais importantes que houve em alteração para o bancário foi a questão da informatização e outra coisa que eu acho que ficou assim muito forte foi a questão do cumprimento de meta, entendeu? Aquela coisa de superação a cada dia que passa, maior, maior, maior, maior, infindávelmente maior, entendeu? Eu acho que isso é... ficou pesando muito na carga de estresse do bancário, sabe? Eu acho que tem pesado muito”. Os caixas vêem a sua profissão como algo que “suga” suas energias vitais, tornando-os estressados e conduzindo-os a um processo de “enlouquecimento” devido ao excesso de carga de trabalho. O jargão “superação”, citado no depoimento acima, corrobora com o que é dito por Jinkings (2004) a respeito da sua pesquisa com funcionários de banco: “nos ambientes bancários, em face das atuais estratégias de dominação e disciplina do trabalho, tolhidos pelo medo do desemprego, muitos trabalhadores intensificam seu trabalho e tentam seguir os critérios patronais de competência e as exigências de produtividade, com sérios agravos às suas condições de saúde. Especialmente nas agências bancárias e centrais de atendimento, a determinação de metas nas vendas de produtos e serviços centraliza e tenciona as relações de trabalho”. Para os participantes da investigação, a rotina de atendimento dos clientes e autenticação de documentos é quebrada a partir do momento que eles precisam atingir 125 metas de vendas de produtos que foram estipulados pela gerência. Isso os incomoda, pois, pelo que nos foi informado, os índices são crescentes e precisam ser atingidos individualmente a fim de se conseguir um valor geral relativo à agência. “O banco quer que você explore o máximo do potencial do cliente e o cliente quer explorar o máximo do potencial do banco. É uma troca e a gente [caixa] está bem no eixo de atrito entre as duas partes”. Por conta do contato rápido com o público, os participantes acreditam que as metas são difíceis de serem conseguidas, mas, mesmo assim eles não deixam de sofrerem diariamente pressão por parte dos seus superiores hierárquicos. Segundo Jinkings (2004), o tipo de sistema de remuneração individual variável, na qual está incorporada a promoção de diferenças salariais em função do cumprimento de metas por trabalhador, além de incrementar a exploração do trabalho, promove atitudes pouco solidárias nos ambientes laborais. O momento do fechamento do caixa realizado no final da jornada de trabalho é aquele que mais provoca uma sensação angustiante em tal função, mesmo diante de tantas tensões e sofrimentos vivenciados ao longo do dia. O depoimento abaixo ilustra bem o exposto: “Uma coisa ruim é chegar no final do dia e dar diferença... o caixa faltar. As mãos gelam, aí é triste, aí vamos procurar a diferença... isso aí, é a pior coisa da função, o triste é isso. Mas o resto dá pra gente escapar (risos), o resto é beleza”. A preocupação e ansiedade pela chegada da hora de “bater o caixa”, provoca neles uma sensação de tristeza e medo, já que, devido às freqüentes variabilidades 126 diárias, acontecem sobras ou faltas de dinheiro durante a conferência dos documentos no final do expediente. Ocorrendo a primeira hipótese, a quantia é enviada para o fundo de reserva do banco e, no segundo caso, o valor é descontado do funcionário responsável pelo guichê, num prazo de 48 horas. “Cada fechamento de caixa é um dia a menos na vida da gente!(risos) Porque ninguém faz fechamento de caixa tranqüilo. A tensão do fechamento de caixa, ela existe independente do movimento do dia. Você já começa o dia a pensar na hora do fechamento do caixa. Se vai dar certo se não vai”. Verificamos, portanto, que durante todo o dia, os caixas costumam executar a sua atividade com o pensamento voltado para o momento do fechamento de caixa, já que, se na hora da conferência não acontecer de eles “baterem o caixa”, eles terão que repor o dinheiro ao banco, muitas vezes precisando recorrer à venda de seus próprios bens pessoais ou, até mesmo, efetuando empréstimos que serão pagos em várias parcelas como forma de minimizar o peso mensalmente. “Quando eu vou fechar o caixa, o meu coração dispara, eu ando com medo, quando tem uma diferença muito grande eu fico logo nervosa, tremendo... só pode, né? Quando a diferença é de 10 mil reais, eu fico logo tremendo.... E as possibilidades vão se acabando, não tem mais pra onde olhar... Eu quando chego nessa altura, eu não choro não, mas eu já começo a ficar pensando no que é que eu vou vender, pra pagar (risos). Esse é o meu temperamento. Eu sofro, porque eu sou como perua”. Antes mesmo de ser consumado e mesmo que não venha a acontecer, esse é um momento que gera muita tensão aos caixas, e que ainda se prolonga durante algum tempo, caso ocorra. Como o depoimento acima sinaliza, “morrer como perua” significa 127 dizer que ela sofre por antecipação, pois, como diz o ditado: “quem morre de véspera, é peru”. Diante dessas situações de trabalho desgastantes entendemos que os caixas remanescentes podem ser vistos como verdadeiros “sobreviventes”, pois ainda permanecem trabalhando na mesma empresa em meio a condições potencialmente nocivas. “Quando a gente entrou na empresa, era outra empresa: era mãe, era não sei o quê, aquela coisa: “a Caixa é uma família”. Uma colega gostava de dizer que quando entrou era assim, depois começou a ver que era cheio de padrasto”. O sonho de pertencer a uma empresa que integra funcionários e os acolhe tal qual uma “família”, parece ter chegado ao fim depois de tantas desilusões. A realidade inspirada na perfeição do “amor de mãe” sai de cena e dá espaço a um “padrasto” (no pior sentido) que impõe o medo, ao invés de respeito. Ao serem questionados sobre como se sentem no final da jornada de trabalho, alguns caixas relatam o seguinte: “Dependendo do movimento daquele dia, se foi pesado e tal, eu me estresso muito, isso aí eu sou assumido, eu fico totalmente estressado. Termina o dia tenso, às vezes nervoso, mas assim, aquela tensão tem que ter um limite”. “Cansado. Tanto mentalmente, como fisicamente, mas ao sair da agência, já me recomponho pelas energias positivas que eu recebo lá fora, aqui morreu. Hoje, esse dia aqui acabou, vamos ver amanhã”. 128 Para alguns dos participantes, o melhor momento do dia é o de retornar para suas casas, relaxar e esquecer a jornada de trabalho. Vemos, portanto, que o dia de trabalho dita as “regras” de como há de ser o comportamento dos caixas após o término do expediente bancário, e independentemente de saírem cansados ou não, eles procuram dar um limite a esta sensação, buscando alternativas para o seu bem-estar. Os estudos de Brito, Neves e Athayde (2003) apontam que, como o sofrimento faz parte do campo da normalidade, é importante que ele não tome o rumo do patológico. Em nossa investigação, conseguimos apreender como os caixas bancários conciliam o que lhes acontece de bom e de ruim no ambiente de trabalho, ao analisarmos as formas de enfrentamento e os sistemas defensivos utilizados por eles. 3.3. AS DEFESAS Os estudos de Dejours (1992) apontam que a grande maioria dos trabalhadores, mesmo quando exposta a perigos constantes decorrentes da organização do trabalho, consegue livrar-se da descompensação psíquica, utilizando-se de artifícios de defesa, ou seja, buscando algo que a proteja contra as diferentes formas de sofrimento e, sobretudo, contra o medo que resulta do trabalho. Para Dejours e Abdoucheli (1990, p.128), as “defesas levam à modificação, transformação e, em geral, à eufemização da percepção que os trabalhadores têm da realidade que os faz sofrer. (...) Vencer a rigidez de certas pressões organizacionais irredutíveis, os trabalhadores conseguem, graças a suas defesas, minimizar a percepção que têm dessas pressões, fontes de sofrimento. (...) Os trabalhadores colocam-se na posição de agentes ativos de um desafio, de uma atitude provocadora ou de uma 129 minimização diante da dita pressão patogênica. A operação é estritamente mental, já que ela geralmente não modifica a realidade da pressão patogênica”. Assim, conforme sinalizam Brito, Neves e Athayde (2003, p. 35), “o excesso de reações de defesa de um organismo pode funcionar, paradoxalmente, como um aliado do fato agressor. E quando muito, as defesas podem dar conta de preservar uma certa normalidade, e não conduzir à saúde”. Passamos neste momento a relatar algumas defesas elaboradas pelos caixas bancários participantes de nossa investigação: Como vimos, o meio é identificado como infiel e o trabalhador deve ser capaz de prever e regular variabilidades em diferentes condições impostas pelo trabalho, que, muitas vezes, acaba por levá-lo a um processo de adaptação (Brito & Athayde, 2003). “Meus problemas maiores de saúde são por conta do trabalho. Está diretamente ligado ao trabalho. Então não é uma relação muito agradável, harmoniosa, nem prazerosa, por conta disso (...). Mas... ossos do ofício... o caixa sempre teve desses trabalhos, o caixa nunca vai ter um mudança significativa quanto a isso”. Por não terem expectativas de melhoria e nem conseguirem visualizar mudanças significativas no seu modo de trabalhar, muitas vezes os caixas utilizam a expressão “ossos do ofício”, admitindo isso como algo normal e acreditando que a única saída é adaptar-se à situação de sofrimento imposta pelo trabalho, embora reconheçam que sofrem e adoecem por conta da sua atividade no banco. Assim, o depoimento evidencia um tipo de defesa, cuja modalidade favorece uma adaptação às pressões da organização do trabalho que, por sua vez, ferem homens e mulheres que trabalham (Dejours, Abdoucheli & Jayet, 1994). 130 Ainda de acordo com o entendimento de Dejours (1992), o trabalho pode ser o palco de uma luta travada entre o trabalhador e o funcionamento psíquico, exigindo o uso de um recurso conhecido na psicopatologia pelo nome de repressão. O trabalhador vivencia uma individualização máxima do sofrimento ao enfrentá-lo em silêncio e ao reprimir os seus sentimentos, sinalizando assim que as defesas coletivas não estão sendo eficazes (Dejours, Abdoucheli & Jayet, 1994). Vejamos o depoimento abaixo: “Teve um dia aí que eu tive uma indigestão... que tamanha a provocação [do cliente] e... aí eu tive que parar, o colega continuou trabalhando (...) e outro colega me levou lá fora pra arejar um pouquinho, porque começou a me dar uma dor no peito, dor nas costas e me entrevou na hora... da raiva. A raiva é.... o problema da gente é que você não pode ter raiva no caixa, você tem que estar se controlando. E esse fluxo de controlar a raiva provoca um treco dentro de você”. Identificamos, portanto, um exemplo no qual a defesa do organismo leva o caixa a silenciar e reprimir a raiva que sentiu diante da provocação de um cliente. Isso o conduziu a um processo de sofrimento que está “arruinando” com a sua saúde, mas por outro lado o mantém afastado do ambiente nocivo do trabalho. “A gente vive estressado, muito estressado, principalmente os caixas. Não tem gente pra substituir, você não pode nem adoecer porque não tem ninguém pra lhe substituir”. Alguns depoimentos nos fazem acreditar que os caixas também sentem-se reprimidos diante da organização do trabalho e passam a introjetar que não podem 131 adoecer (o que gera um custo para sua saúde), pois se isso acontecer, não haverá disponibilidade de substituição de pessoal devido ao número reduzido de funcionários. Verificamos que, como a falta de um funcionário acarreta uma sobrecarga de acúmulo de trabalho para os demais colegas nos guichês, além de prejudicar o atendimento ao público em geral, os participantes alegam que procuram uma forma de manterem-se saudáveis a todo custo. “Às vezes a gente quer faltar, vem trabalhar até doente e não pode faltar, porque não tem ninguém pra lhe substituir. Então eu acho isso muito ruim. Fica aquela sensação de você saber que você nem pode adoecer mais, porque não tem ninguém mais pra colocar”. Ao questionarmos os caixas se já haviam se afastado do trabalho por conta de algum problema de saúde, ouvimos um comentário surpreendente e que nos chamou a atenção: “Eu nunca me afastei daqui. Por problemas de saúde, relacionados ao trabalho, não. Eu sempre achei o seguinte, que a melhor terapia pra você poder combater isso, é trabalhando, porque você esquece da doença. Eu vi caso de colega que se afastou e piorou. Começou a pensar só na doença e terminou piorando e hoje tá afastado, brigando na justiça pra se aposentar e eu acho muito pior. Eu convivo com a LER já há13 anos. E nunca faltei nenhum dia por causa disso. Eu sempre tive cuidado. Eu chegava em casa, dava massagem com antiinflamatório, fazia compressa, mas nunca me afastei nenhum dia por causa disso”. De acordo com Brito, Neves e Athayde (2003), os trabalhadores ao banalizarem os seus próprios problemas de saúde e chegando até mesmo a negarem o que lhes acometem, procuram esconder de si mesmos o seu próprio sofrimento. 132 “Às vezes, as pessoas trazem os problemas de dentro de casa pra dentro do banco. Já a gente [caixa] não pode fazer isso, mas deixa transparecer, é lógico... Na minha profissão a saúde é o primeiro pilar... porque você não pode transparecer fraco. Você tem que estar sempre aparentando ter boa saúde, você tem que estar com bastante disposição, com bastante energia”. Os depoimentos, portanto, corroboram o que Canguilhem (2001) postula, ou seja, aquilo que o indivíduo mais teme ao cair enfermo é o fato de estar debilitado e exposto a enfermidades futuras que possam diminuir a sua margem de segurança. Malaguti (1996) e Zamberlan e Salerno (1987) ao observarem a relação cliente/caixa/banco, constatam que o fluxo intenso de pessoas nas filas e a grande pressão exercida por elas ao apresentarem suas demandas pessoais aos caixas, provocam nestes um processo de aceleração do seu ritmo de trabalho (Campello & Silva Neto, 1996). “Sei lá, eu acho que é meu ritmo mesmo de trabalho. Eu sou “lambretinha”, sabe?, é direto, ta, ta, ta, ta, ta, ta, ... e eu não sinto muito efeito não... o meu ritmo de trabalho é assim, eu não consigo parar. Eu acho que o meu senso de responsabilidade interno em atender ao cliente é maior ... É como se eu tivesse um compromisso que eu tenho que estar vendo a coisa fluir legal, tá entendendo? Então, eu, tudo o que eu posso, eu faço pra evitar que a coisa estagne, que ande mais adequada, é coisa minha mesmo”. Para Dejours (2004) a “auto-aceleração” compulsiva pode decorrer da pressão sentida pelos trabalhadores, advinda das atividades às quais eles estão submetidos a executar. O depoimento a seguir é um exemplo disso: 133 “Aquele cliente chato, aquele tumulto na fila, vai dando um nervoso (risos). Eu começo a acelerar, aí quanto mais tumulto, mais eu vejo que trabalho eu tenho, aí eu vejo que não tô dando conta de tudo”. Assim, conforme Dejours e Abdoucheli (1990, p. 132), “as estratégias contra o sofrimento ligado ao aborrecimento no trabalho conduzem às acelerações frenéticas das cadências de trabalho”. Entretanto, em determinadas situações, vê-se que algumas dessas defesas desenvolvidas pelos trabalhadores contra o sofrimento podem gerar uma ideologia defensiva favorecendo ainda mais a adaptação do mesmo ao trabalho, sendo utilizada pela organização do trabalho em proveito da produtividade (Dejours, 2004). “Eu tive que aprender a me cuidar, né? Assim, quando eu trabalho muito eu vou pro gelo, toda noite eu vou pro gelo, assim, pelo menos uma semana por mês, você chega lá em casa, eu tô no gelo, aqui [tocando no braço] e no cotovelo. Eu tenho que ir pro gelo, com certeza e se eu não for, eu não consigo dormir, que lateja, sabe? Fica doendo até aqui [tocando no ombro]”. No depoimento anterior, a expressão utilizada “eu tive que aprender a me cuidar” ilustra uma situação que é muito comum a esses trabalhadores, pois eles acreditam que se não buscarem a sua própria melhoria, tratando da sua saúde e se cuidando ao seu modo, certamente perderão o seu posto. Constatamos que muitos caixas vivenciam uma sensação de alívio ao se afastarem da agência ao final da jornada, e isso nos leva a crer que eles podem estar sinalizando para o quanto o ambiente de trabalho está sendo prejudicial à saúde deles. 134 [Fim do expediente] “Alívio. Graças a Deus terminou mais um dia (risos). Foi mais um dia de trabalho. Agora eu vou pra casa, vou dar uma caminhadinha na praia, vou relaxar. Infelizmente a realidade é essa”. Como formas alternativas de relaxamento, alguns deles procuram ficar longe dos colegas de trabalho, numa tentativa de evitar comentários sobre a sua principal fonte de desgaste e sofrimento: a agência bancária. No entanto, verificamos que aqueles que ainda mantêm contato com certos colegas bancários, fazem “tratos” ou “acordos” para não tocarem em assuntos de trabalho. “Eu tenho um colega que é da Caixa também, só que é de outra agência. A gente se encontra muito fora, mas a gente já tem um trato: não fala na Caixa”. Esse costume se prolonga também durante o descanso semanal e as férias anuais, desenvolvendo nos caixas um sentimento tão forte de aversão que alguns sequer passam na frente da agência. “Quando eu tiro férias, eu não passo nem na frente dessa agência. Eu não passo nem por perto, eu quero é distância, eu nem me lembro da agência”. Conforme diz Jinkings (2004) os bancários parecem sinalizar para uma tendência ao afastamento da participação na vida social (relacionada ao banco), que, a nosso ver, é gerada por um sofrimento que também pode ser reforçado pela possibilidade do não reconhecimento do seu trabalho. 3.4. O JULGAMENTO DO TRABALHO E A DINÂMICA DO RECONHECIMENTO 135 Uma das condições de mobilização que favorecem o uso da inteligência prática dos trabalhadores passa pela dinâmica de reconhecimento, a qual pode ser obtida através da relação contribuição – retribuição, sendo esta de natureza fundamentalmente simbólica (Dejours, 2004). Segundo afirma o autor, o reconhecimento somente se dá a partir da reconstrução rigorosa dos julgamentos do trabalho realizado, que podem ser de dois tipos: de utilidade, oriundo da hierarquia superior ou dos subordinados (linha vertical) e que faz menção à conduta e eficácia do trabalhador, podendo, eventualmente, ser proferida pelos clientes; e de estética (de beleza ou de originalidade), relativo ao julgamento feito pelos pares, considerado por Dejours como sendo o mais importante, já que, por serem conhecedores do ofício, estes conseguem valorizar muito mais a beleza de um trabalho bem realizado. Apesar de alguns caixas relatarem a existência de um certo reconhecimento do seu trabalho por parte da hierarquia superior e também dos seus pares (com menor incidência, neste caso específico), em nossa investigação observamos que, ao questionálos acerca do julgamento mais importante, eles afirmaram ser o dos clientes. “Os caixas não reconhecem. Não é hábito do caixa reconhecer o trabalho do outro. Não é de ficar fazendo elogio ao trabalho do outro. Porque cada um tá no seu caixa”. “Dos clientes. É mais compensador. Porque é uma pessoa que tem pouca convivência e quando você demonstra que, pelo menos, assimilou uma educação doméstica e procura transmiti-la no seu dia-a-dia, a clientela lhe tece um pequeno, um singelo elogio e aquilo lhe reconforta. É um bálsamo”. 136 Eles afirmam que, em geral, preocupam-se em atender os clientes da melhor maneira possível, sentindo-se recompensados ao ouvirem elogios. Este é um momento que lhes “reconforta” e é considerado um “bálsamo”, ou seja, algo que lhes transmite consolo e alivia a carga tão pesada de trabalho. Embora a perspectiva dejouriana considere que o reconhecimento por parte dos pares é o mais relevante para os trabalhadores, em nossa pesquisa encontramos resultados divergentes desses, porém semelhantes aos achados por Neves (1999) em sua investigação com professoras primárias da rede pública municipal de João Pessoa. A autora problematiza a proposição de Dejours (2004) sinalizando que, em determinadas situações de trabalho, em que ocorrem prestações de serviço, o julgamento mais importante para os trabalhadores pode vir da parte do cliente, já que provavelmente essa situação favorece uma inter-relação mais próxima entre os clientes e o prestadores de serviço. E é o que, certamente, acontece entre os caixas bancários e os freqüentadores das agências. Entretanto, apesar do exposto, em certas ocasiões, os caixas bancários não se sentem reconhecidos também pelos clientes, pois alguns confundem a atividade deles com aquela desempenhada pelos operadores de caixa de supermercados, provocando uma sensação de que suas potencialidades estão sendo subestimadas. “Eles [os clientes] nos comparam, assim, muito com caixas de supermercado, com caixas de comércio, assim, e tal. Porque, assim, eles pensam que é uma atividade igual, e não é, é uma atividade diferenciada. Não estou desmerecendo o colega caixa de lá, mas há. Primeiro pelo grau de instrução que você exige. Tanto é que todos os nossos colegas aqui, são todos de nível superior”. 137 Dejours (2004) salienta que a luta contra o sofrimento representa um alicerce para a sua saúde mental e somática, percorrendo um caminho que produz um benefício para a identidade dos trabalhadores. Para que essa luta aconteça é preciso que a organização do trabalho possibilite a existência da dinâmica do reconhecimento que, ao estar relacionada à questão do sentido no trabalho, favorece a transformação do sofrimento em prazer. 3.5. A PRODUÇÃO DO SENTIDO DO TRABALHO E AS VIVÊNCIAS DE PRAZER A Psicodinâmica do Trabalho aponta para a necessidade de ir além da descrição da atividade efetiva, com o objetivo de viabilizar a apreensão do sentido e dos afetos mobilizados pelo trabalho, no caso em questão, das vivências de sofrimento psíquico e de prazer (Dejours, 1994). Conforme o autor (p. 77), “o sentido afetivo de uma tarefa, o sentido subjetivo de uma situação de trabalho não estão contidos a priori na tarefa ou na situação. (...) Mais do que identificar as invariantes do sentido de uma situação de trabalho ou de uma tarefa, interessa-nos a dinâmica de construção de sentido da situação ou da tarefa. Essa dinâmica pode sempre ser reportada às relações entre três pólos: o sujeito, o real e o outro, como sugere Sigaut (1991). Apoiamo-nos nessa contribuição da antropologia do trabalho para recentemente propor uma análise psicodinâmica da construção do sentido, visando a uma problematização mais satisfatória: aquela do reconhecimento pelo outro da contribuição do sujeito à organização do trabalho”. 138 Assim, mesmo diante de algumas situações nocivas à saúde, vimos que a atividade dos caixas bancários favorece também a produção de sentido no trabalho, fazendo com que esses trabalhadores ainda permaneçam trabalhando. “Eu acho que se o público tá satisfeito comigo, com o meu atendimento... Minha preocupação é essa: dar um bom atendimento, atender bem as pessoas, e eu estando tranqüilo, eu fico me sentindo bem... com o dever cumprido, com a missão cumprida, tô feliz em atender bem o público. Então eu acho que minha satisfação maior é essa, é o público, as pessoas que eu atendo”. No entendimento de Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994), o sujeito não vivencia apenas dor e sofrimento no trabalho, mas também pode vivenciar prazer. Logo, na opinião dos caixas, se paradoxalmente o convívio com os clientes gera neles um tipo de fonte de sofrimento diário, é esse mesmo contato com o público que lhes confere prazer. “O que dá mais prazer é, o que realmente vicia no caixa, é você ter muito contato com o público. O público é um problema, mas ao mesmo tempo é a solução pra o caixa, o caixa vicia em ter esse contato com o público”. “O contato com o público. É poder ajudar. Mesmo com todo aquele estresse das reclamações que eles fazem quando estão esperando, mas é isso, eu gosto muito do que eu faço”. Em muitos depoimentos, identificamos elementos de vivências de prazer quando os caixas relatam a sensação que têm ao ajudar pessoas a resolverem seus problemas pessoais, como por exemplo aquelas com pouco grau de instrução ou idosos. “Durante o dia eu me sinto como se eu estivesse resolvendo os problemas das pessoas. Aí, cada pessoa que 139 chega é um problema que eu resolvo. E gosto muito disso. Eu oriento, gosto de orientar demais, porque tem gente, coitado, que não sabe nem...”. Nos momentos em que se sentem sensibilizados, os caixas afirmam que procuram ajudar, dentro do possível, chegando, às vezes, até mesmo a contrariar certas normas de segurança impostas pelo banco. No entanto, como já fizemos referência anteriormente, entendemos que a forma que eles encontraram para ajudar esse tipo de clientela foi a da “re-interpretação” dos normativos. “É contribuir, é de certa forma atender bem, tem muita gente que não é esclarecida e você procura ajudar, entendeu? Eu uso muito o bom senso, eu uso muito o lado humano e isso dá prazer. Assim, os velhinhos vêm com dificuldade até de se locomover, eu atendo muito idoso e, na medida que eu ajudo alguém, eu procuro facilitar as coisas, tá melhorando, tá dando um melhor atendimento, melhorar a qualidade de vida, orientar... tem muitas pessoas que não sabem de nada, vêm pra aí totalmente desinformadas, você dá uma orientação boa a ela, uma explicação que ela não sabia, ela fica satisfeita, entendeu? ... Assim, não sendo muito normativo, usando do bom senso, aí isso dá prazer. Atender bem e saber que o cliente ficou bem satisfeito, é isso aí que dá prazer”. “Você tem suas exceções... se, por exemplo, se é... uma pessoa, se você chegar aqui com um cartão, de seu pai pra sacar dois mil reais, se eu não lhe conheço, se eu nunca lhe vi antes, eu não vou deixar você sacar, né? Tem a lei, né? Mas, aí se você mora em cima de casa, eu conheço seu pai, vejo que não tem problema nenhum, que por acaso seu pai não pode vir e você veio no lugar dele, eu, claro que eu abro uma exceção. Tranqüilo. Agora é minha responsabilidade. O problema é que se acontecer... quem vai arcar sou eu, entendeu? Ninguém mais”. Alguns caixas confessam que realizam a ação solicitada pelos clientes como uma forma de facilitar suas vidas e de cativá-los. Segundo os participantes, se a prestação de 140 um serviço for para alguém que freqüenta o banco há algum tempo, os caixas valem-se da “confiança” mútua entre as partes. “Eu gosto muito do meu público, sabe? Então eu acho que, apesar de ter desenvolvido assim um certo ritmo pra lidar com pessoas idosas, às vezes eu me pego assim... porque pessoas idosas adoecem e morrem, não é? E aqui e acolá às vezes a gente é obrigado a lidar com essa realidade, não é? Aí fica meio triste e tal, é aquela coisa, né? Mas... é assim. A gente fica preocupado, né?, tem velhinhos que não conseguem mais andar, às vezes ficam acamados, tá entendendo? E, de repente...”. Vimos também que, além do respeito mútuo, há um certo tipo de apego pessoal entre eles. Em alguns casos, isso pode conduzir o funcionário a se envolver emocionalmente com a história de vida do seu cliente, chegando até mesmo a se sensibilizar em caso de morte deste ou de algum membro de sua família. Pelos depoimentos dos participantes, verificamos que, na medida do possível e do permitido pelo banco, os caixas bancários estão conseguindo vivenciar a dinâmica do reconhecimento e encontrando sentido para o seu trabalho. Diante disto, podemos afirmar que identificamos um progresso em busca da construção da identidade destes trabalhadores, sendo possível constatarmos a transformação do sofrimento em prazer através, principalmente, da relação dos caixas com os seus clientes. 141 Considerações Finais Nossa pesquisa teve como objetivo principal analisar a relação trabalho e saúde mental de caixas bancários de agências da Caixa Econômica Federal, da cidade de João Pessoa, PB. A partir do material produzido e analisado, concluímos a apresentação deste estudo esclarecendo que não buscamos discutir todas as idéias ou lacunas que emergiram ao longo do processo investigativo, porém priorizamos alguns aspectos que sobressaíram dos relatos dos caixas, interpretando-os e apreendendo em que medida estes têm vivenciado suas experiências laborais imersos em condições e organizações do trabalho tão deletérias e, mesmo assim, conseguem transformar o sofrimento em prazer. Identificamos que um dos principais motivos de inserção profissional no setor bancário para a maioria dos caixas foi a busca por um emprego estável, além de esse oferecer um salário considerado razoável para a referência de mercado vigente à época, principalmente para aqueles que vinham de famílias socialmente menos privilegiadas e que tinham a preocupação em contribuir com os gastos familiares. Verificamos que, antes de ocupar o cargo de caixa, esses bancários prestaram um concurso interno no banco e são avaliados com base em certos conhecimentos, tais como noções de regulamento de abertura e fluxo de uma conta-corrente e de poupança. Após a aprovação, os caixas que contactamos passaram por um intenso período de treinamento, o qual foi saudosamente valorizado por eles, já que, de certa forma, condenam a atual prática de formação do banco, cuja modalidade é pautada no ensino à distância (via intranet), além da ausência de programas de reciclagem para que os novos conhecimentos sejam incorporados pelos bancários. 142 No sentido de apreendermos a relação dos caixas com suas realidades de trabalho, ressaltamos alguns dos aspectos centrais das atuais condições do trabalho que são viabilizadas pela Caixa Econômica Federal. Constatamos que os participantes as consideram menos insatisfatórias que as de anos atrás, porém eles ainda se queixam de problemas relativos à: (a) precariedade da estrutura física do ambiente (apertado e incômodo); (b) mobiliário ergonomicamente inadequado; (c) temperatura extremas (frio ou calor), devido à falta de manutenção adequada dos sistemas de refrigeração; e principalmente, (d) tamanho das filas e barulho provocado pelas pessoas no interior das agências. No que se refere especificamente à atividade dos caixas bancários, constatamos que a maioria confessa que “transgride” ou “burla” certas prescrições do banco. Porém, nós acreditamos que, na verdade, o que eles procuram fazer é uma “re-interpretação” do normativo de forma que uma determinada atividade possa fluir sem impedimentos, garantindo a satisfação dos seus clientes. Como observamos, muitos dos caixas têm o hábito de fazer uma “antecipação” da sua jornada de trabalho, imaginando o que os espera no ambiente de trabalho. Desde antes de chegar à agência e durante toda a jornada, a principal preocupação que acompanha todos os caixas são a expectativa e a ansiedade pela hora de “bater o caixa”. Esse é, sem dúvida, o momento que mais gera tensões aos caixas bancários, além de provocar neles uma sensação de tristeza e medo, pois caso o movimento financeiro do dia não confira com o registro de autenticações, os caixas se responsabilizam por pagar a diferença do dinheiro. Ao longo do processo investigativo, acompanhamos a implantação de uma nova medida organizacional: a substituição do cargo em comissão dos caixas executivos para caixa PV (ponto de venda). Selecionamos nos relatos dos participantes alguns 143 elementos que se agregaram a este ato administrativo: (a) redução do número de bancários nas agências; (b) preocupação relativa à qualidade do atendimento dos clientes; (c) tensões e pressões para os caixas, sendo a maior delas quanto à questão do cumprimento das metas crescente de vendas de produtos estabelecidas pelo banco. A excessiva carga de trabalho às quais estão diariamente submetidos os caixas bancários é caracterizada por termos como “frustração, tensão, depressão, raiva, estresse”, implicando num processo de retenção de energia e conduzindo a maioria deles a crer que muitas das suas enfermidades estão vinculadas à sua atividade laboral. Identificamos como um dos principais fatores responsáveis pela sobrecarga laboral dos caixas, a grande pressão exercida pelo acúmulo de clientes nas filas, provocando nestes trabalhadores um processo defensivo caracterizado pela aceleração do seu ritmo de trabalho. Se, por um lado, isto é prejudicial à saúde dos caixas bancários, por outro lado, verifica-se um beneficio por parte do banco e dos clientes que freqüentam as agências. Vimos que, na opinião da maioria dos caixas bancários, o julgamento mais importante feito sobre o seu trabalho é aquele que vem dos clientes. Confirmamos, portanto, a importância que tem o papel da dinâmica do reconhecimento para a saúde mental destes bancários, pois é a partir do julgamento feito ao trabalho que se possibilita a construção de uma identidade gratificante. Apreendemos ainda que, apesar de os caixas bancários vivenciarem uma relação nem sempre salutar com os seus clientes, é exatamente esse convívio diário que é considerado como principal fonte de prazer e que dá sentido ao trabalho realizado. Por fim, não nos propomos a uma conclusão; esperamos, sim, que este trabalho contribua em termos de produção de conhecimento e, acima de tudo, em práticas transformadoras que viabilizem melhores condições de prevenção e promoção de saúde 144 para os caixas. Almejamos que este estudo tenha suas lacunas preenchidas e complementadas por vários outros trabalhos que, certamente, serão realizados no sentido de investigar a situação de trabalho e saúde dos caixas bancários. 145 BIBLIOGRAFIA Athayde, M.R.C. (1996). Gestão de Coletivos de Trabalho e Modernidade. Questões para a Engenharia de Produção (Tese de Doutoramento, UFRJ, Rio de Janeiro). Borges, M.E.S. (2006). O Rei está Nu: Tramas e Urdiduras por uma Gestão do Trabalho (Tese de Doutoramento, UERJ, Rio de Janeiro). Brandimiller, P.A. (1994). Caixas: Segmento de Impacto da Automação Bancária. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. São Paulo, SP, Vol. 22, no. 81, p. 33-41, jan/fev/mar. Brito, J.C. (1999). Saúde, Trabalho e Modods Sexuados de Viver. Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz. ______, & Athayde, M. (2003). Trabalho, Educação e Saúde: O Ponto de Vista Enigmático da Atividade. Revista Educação, Saúde e Trabalho, 1(2): 63-89. ______, J., Neves, M.Y., & Athayde, M. (orgs.) (2003). Cadernos de Textos: Programa de formação em saúde, gênero e trabalho nas escolas. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB. Caixa Econômica Federal. (2006). www.caixa.gov.br Campello, J.C., & Silva Neto, F.G. (1996). Saúde dos Bancários: O Posto de Trabalho do Caixa Executivo da Caixa Econômica Federal. In: R. Bordin, J.O. Silva, & P.A.B. Oliveira (orgs.). Pesquisa em Saúde do Trabalhador. Porto Alegre, RS: DaCasa Editora. Canguilhem, G. (2001). Meio e Normas do Homem no Trabalho. Pro-posições, v. 12, n. 2-3 (35-36), jul-nov. Caponi, S. (1997). Georges Canguilhem y el Estatuto Epistemológico del Concepto de Salud, História, Ciências, Saúde, Manguinhos. IV (2): 287-307, jul-out. Cardoso, L.S. (1997). Trabalho Bancário e Identidade Profissional. In: Simpósio Saúde Mental e Trabalho Bancário. Vitória, ES, ago. ___________, Brandão, J.P.M., Silva, P.M., Gonçalves, V.S., & Silva Filho, J.F. (1994). Trabalho e Saúde Mental no Banco do Brasil. Jornal Brasileiro de Psiquiatria. Rio de Janeiro, RJ: ECN, v. 43, n.12, p.667-672, dez. Carvalho, M.P. (1998). Gênero e Trabalho Docente: em Busca de um Referencial Teórico. In: C. Bruschini & H.B. Hollanda (orgs.) (Ed.), Horizontes Plurais – Novos Estudos de Gênero no Brasil. São Paulo, SP: Fundação Carlos Chagas, Editora 34. CLT. (2007). Recuperado em 06 de fev. de 2007: http://www.trt02.gov.br/geral/tribunal2/legis/clt/nrs/nr_17.html Coelho, M.T.A.D., & Almeida Filho, N. (1999). Normal-Patológico, SaúdeDoença: Revisitando Canguilhem. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, 9(1): 13-36. Costa, C.S. (mimeo 2003). Apostila da disciplina O Ambiente e as Doenças do Trabalho do X SEGUR – Curso de Especialização em Eng. de Seg. do Trabalho – Departamento de Eng. de produção – Centro de Tecnologia – UFPB. Cru, D. (1986). Coletivo e Trabalho de Ofício: Sobre a Noção de Coletivo de Trabalho. Plaisir et Souffrance dans le Travail, Séminaire Interdisciplinaire de Psychopatologie du Travail, Paris: AOCIP, 1v. pp. 43-49. ____ . (1988). As Regras de Oficio. Plaisir et Souffrance dans le Travail, Séminaire Interdisciplinaire de Psychopatologie du Travail, Paris: AOCIP, 2v. ____ , & DEJOURS, C. (1987). Saberes de Prudência nas Profissões da Construção 146 Civil – Nova Contribuição da Psicologia do Trabalho à Análise da Prevenção de Acidentes na Construção Civil. In: Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. São Paulo, SP, Vol. 15 no. 59, p. 30-34, jul/ago/set. Daniellou, F. (1986). Ergonomie et Projects Industriels. Paris: CNAM. ________, Laville, A., & Teiger, C. (1989). Ficção e Realidade do Trabalho Operário. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, no. 68-vol.17, out, nov, dez. Dejours, C. (1986). Por um Novo Conceito de Saúde. Rev. Brasileira de Saúde Ocupacional. São Paulo, SP, No. 54, vol. 14, P.7-11, abr, mai, jun. ________ . (1992). A Loucura do Trabalho (5ª. ed.) (8ª. Impressão ampliada). São Paulo, SP: Cortez Editora. ________ . (2004). Da psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro, RJ: Fiocruz. Brasília, DF: Paralelo 15. ________ ., & ABDOUCHELI, E. (1990). Itinerário Teórico em Psicopatologia do Trabalho. In: C. Dejours, E. Abdoucheli, & C. Jayet. (1994). Psicodinâmica do Trabalho: Contribuições da Escola Dejouriana à Análise da Relação Prazer, Sofrimento e Trabalho. São Paulo, SP: Atlas. ________ ., Abdoucheli, E., & Jayet, C. (1994). Psicodinâmica do Trabalho: Contribuições da Escola Dejouriana à Análise da Relação Prazer, Sofrimento e Trabalho. São Paulo, SP: Atlas. ________ ., Dessors, D., & Desriaux, F. (1993). Por um Trabalho, Fator de Equilíbrio. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, SP, 33(3):98-104, mai, jun. Federação dos Bancários do Estado do Pará. (2006). Especial Caixa Econômica Federal. www.feebpr.org.br/diarios/ag_120106.htm. Federação dos Bancários do Rio Grande do Sul. (2006). Bancários da CEF se mobilizam contra a criação do Caixa/PV. www.bancnet.com.br/noticias.asp. Figueiredo, M.G. (2001). O trabalho de Mergulho Profundo em Instalações Petrolíferas OFFSHORE na Bacia de Campos: Confiabilidade e Segurança em Meio à Guerra de ‘Highlander’ contra Leviatã. (Tese de Doutoramento, UFRJ, Rio de Janeiro). Garcia, M. F. (1999). Reestruturação Bancária no Brasil nos Anos 90 e os Efeitos Sobre as Relações de Trabalho: Algumas Evidências Recentes. I Jornada de Economia Política – SEP/ANPEC, dez. Vitória, ES. González-Rey, F.L. (2002). Pesquisa Qualitativa em Psicologia – Caminhos e Desafios. São Paulo, SP: Pioneira Thomson Learning. Guérin, F., Laville, A., Daniellou, F., Duraffourg, J., & Kerguelen, A. (2001). Compreender o Trabalho para Transformá-lo – A prática da Ergonomia. São Paulo, SP: Edgard Blücher Ltda. Hakiki-Talahite, F. (1986). Por uma Problemática do Processo de Trabalho Doméstico. In: A. Kartchevsky, et. al. O Sexo do Trabalho. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Guerra. Hirata, H.S. (1989). Divisão Capitalista do Trabalho. Tempo Social. Ver. Sociol. USP. São Paulo, SP, 1(2): pp. 73-103, 2.sem. Jinkings, N. (2004). As Formas Contemporâneas da Exploração do Trabalho nos Bancos. In: R. Antunes, & M.A.M. Silva (orgs). O Avesso do Trabalho.São Paulo, SP: Expressão Popular. Kergoat, D. (1996). Reações Sociais de Sexo e Divisão Sexual do Trabalho. In: 147 M.J.M Lopes, D.E. Meyer, & V.R. Waldow (orgs.) Gênero & Saúde. Porto Alegre, RS: Artes Médicas. Laurell, A.C., & Noriega, M. (1989). Processo de Produção e Saúde. São Paulo: Hucitec. Laville, C., & Dionne, J. (1999). A Construção do Saber: Manual de Metodologia da Pesquisa em Ciências Humanas. Porto Alegre, RS: Artes Médicas Sul Ltda. Belo Horizonte, MG: UFMG. Malaguti, M. L. (1996). A Reorganização do Trabalho nos Bancos (Um Estudo de Caso). Revista RAÍZES. Ano XV, no 12, pp. 51, jan. Campina Grande, PB. Merlo, A. R. C., & Barbarini, N. (2002). Reestruturação Produtiva no Setor Bancário Brasileiro e Sofrimento dos Caixas Executivos: Um Estudo de Caso. Psicologia & Sociedade, 14 (1): 103-122, jan./jun. Minayo, M.C.S. (2004). O Desafio do Conhecimento – Pesquisa Qualitativa em Saúde (8ª. ed.). São Paulo – Rio de Janeiro: HUCITEC-ABRASCO. Moulin, M.G.B. (1997). Modos de Inserção das Mulheres no Trabalho Bancário. In: J.F. Silva Filho, & S. Jardim. (orgs.). A Danação do Trabalho: Organização do Trabalho e Sofrimento Psíquico. Rio de Janeiro, RJ: TeCorá. Muniz, H.P. (2000). A Gestão do Tempo de Permanência do Paciente de Neurocirurgia no Hospital Universitário Fraga Filho. (Tese de Doutoramento, UFRJ, Rio de Janeiro). Neves, M.Y.R. (1999). Trabalho Docente e Saúde Mental: A Dor e a Delícia de Ser (Estar) Professora. (Tese de Doutoramento, UFRJ, Rio de Janeiro). ___________ ., Athayde, M., & Muniz, H. (2004). Notas sobre Saúde Mental e Trabalho Docente a Partir de uma Investigação com Professoras de Escolas Públicas. In Figueiredo, M., Athayde, M., Brito, J., & Alvarez, D. (orgs.). Labirintos do Trabalho – Interrogações e Olhares sobre o Trabalho Vivo. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. ___________ ., & Seligmann-Silva, E. (2001). Trabalho Docente: Precarização e Feminização de uma Prática Profissional. In: Brito, J. et al., (orgs.). Trabalhar na Escola? ‘Só inventando o prazer’. Rio de Janeiro, RJ: IPUB/CUCA/UFRJ. ___________ ., Seligmann-Silva, E., & Athayde, M. (2004). Saúde Mental e Trabalho: um Campo de Estudo em Construção. In: Araújo, A., ALBERTO, M.A., Neves, M.Y., & Athayde, M. (orgs.). Cenários do Trabalho – Subjetividade, Movimento e Enigma. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. Nogueira, C. M. (2004). A Feminização no Mundo do Trabalho: entre a Emancipação e a Precarização. In: R. Antunes, & M.A.M. Silva (orgs). O Avesso do Trabalho.São Paulo, SP: Expressão Popular. Oliveira, R. D. (2003). Reengenharia do Tempo. Rio de Janeiro, RJ: Rocco. Pereira, D. C., & Crivellari, H. M. T. (1991). A Concepção Fabril numa Empresa Bancária. In: R. A. Silva. Modernização Tecnológica, Relações de Trabalho e Práticas de Resistência. São Paulo, SP: Iglu. Schwartz, Y. (1999). A Comunidade Científica Ampliada e o Regime de Produção de Saberes. Revista Les Territoires du Travail – Les continents de l’expérience, no. 3, mai, Marseille, França, Cateis. _________ . (2000). Le paradigme ergologique ou um métier de Philosophe. Toulouse: Octarés. Segnini, L.R.P. (1994). Feminização do Trabalho Bancário. In: C. Bruschini, & 148 B. Sorj (orgs.). Novos Olhares: Mulheres e Relações de Gênero no Brasil. São Paulo, SP: Marco Zero: Fundação Carlos Chagas. _____________. (1998). Relações de Gênero no Trabalho Bancário no Brasil. In: N.A. Castro, & C.S. Dedecca (orgs.). A Ocupação na América Latina. São Paulo; Rio de Janeiro: ALAST. _____________. (2001). Relações de Gênero e Racionalização do Trabalho em Serviços de Atendimento a Distância. In: M.S. Salermo (org.). Relação de Serviço: Produção e Avaliação – Série Trabalho e Sociedade. São Paulo, SP: SENAC São Paulo. Seligman, S.E. (1987). Saúde Mental e Trabalho. In: S.A. Tendis, & N.R. Costa. Cidadania e Loucura: Políticas de Saúde Mental no Brasil. Petrópolis – RJ: Vozes. Silva, D.P. (2005). A Regulação de Trabalho em Escolas Públicas: As Práticas Cotidianas da Atividade de Merendeiras e Auxiliares de Serviços. (Dissertação de Mestrado. UFPB, João Pessoa, PB). Silva, M.G.R., Fraga, S.F., & Silva Filho, J.F. (1995). Informatização, Trabalho Bancário e Saúde Mental. Cadernos IPUB – Organização do Trabalho e Saúde Mental. V.1, n.2, p.1-17. Instituto de Psiquiatria. Rio de Janeiro, RJ: UFRJ. Telles, A.L., & Alvarez, D. (2004). Interfaces Ergonomia-Ergologia: uma Discursão Sobre Trabalho Prescrito e Normas Antecedentes. In: M. Figueiredo, M. Athayde, J. Brito, & D. Alvarez (orgs.) Labirintos do Trabalho – Interrogações e Olhares Sobre o Trabalho Vivo. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. Thiollent, M.J.M. (1985). Crítica Metodológica, Investigação Social e Enquête Operária (4ª. ed.). São Paulo, SP: Polis. Triviños, A.N.S. (1987). Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a Pesquisa Qualitativa em Educação. São Paulo, SP: Atlas. Vasconcelos, R., & Lacomblez, M. (2004). Entre a Auto-Análise do Trabalho e o Trabalho de Auto-Análise: Desenvolvimentos para a Psicologia do Trabalho a partir da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho. In: M. Figueiredo, M. Athayde, J. Brito, & D. Alvarez (orgs.) Labirintos do Trabalho – Interrogações e Olhares Sobre o Trabalho Vivo. Rio de Janeiro, RJ: DP&A. Vidal, M.C.R. (2002). Ergonomia na Empresa – Útil, Prática e Aplicada (2a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Virtual Científica. Vieira, L. (2005). O prazer no trabalho é derivado do sofrimento? www.administradores.com.br/colunas.jsp?idColuna=409&idColunista=12 Vincenti, A. (1999). Ivar Oddone: Intelectual Orgânico e Pesquisador Heterodoxo – Revista Les Territoires du Travail – Les continents de l’expérience, no.3, mai, pp. 33-42, Marseille, França, Cateis. Wisner, A. (1987). Por Dentro do Trabalho. São Paulo: FTD/Oboré. ________. (1994). A Inteligência no Trabalho – Textos Selecionados de Ergonomia, São Paulo, SP: Fundacentro. Xavier, E.P., & Motta, P.C.D. (1995). Conteúdo Autoritário das Políticas de Pessoal dos Bancos Estatais e o seu Impacto na Saúde dos Bancários. Revista Brasileira de Administração Contemporânea. Anais do 19º ENANPAD. Porto Alegre, RS, Vol. 1, no. 9 – p. 352-329, set. Zamberlan, F.L., & Salerno, M.S. (1987). Racionalização e Automatização: A Organização do Trabalho nos Bancos. In: A.C.C. FLEURY, & N. VARGAS (orgs.). Organização do Trabalho: Uma Abordagem Interdisciplinar; Sete Casos Brasileiros para Estudo. São Paulo, SP: Atlas. Zarifian, P. (mimeo 1996). A Gestão da e pela Competência. In: Seminário Educação 149 Profissional, Trabalho e Competências. Rio de Janeiro – RJ: Centro Internacional para a Educação, Trabalho e Tranferência de Tecnologias. ANEXOS 150 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL João Pessoa, ____ de ______________ de _______. À Caixa Econômica Federal Agência _________________ Att.: Gerência Caro(a) Senhor(a), Apresento-lhe a Sra. Luciane Albuquerque Sá de Souza, aluna do curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UFPB. Gostaria de solicitar uma autorização para que a mesma possa realizar, nesta agência, um trabalho investigativo que dará suporte à sua pesquisa de Mestrado. O campo temático escolhido para a pesquisa é: A Relação Trabalho-Saúde Mental no Segmento dos Caixas Executivos em um Banco da Rede Pública na Cidade de João Pessoa – PB. A aluna deverá realizar observações sistemáticas durante o horário de expediente bancário e também algumas entrevistas individuais, de caráter semi-estruturado, com aqueles caixas que estiverem dispostos a participar da pesquisa (adesão voluntária) e se comprometera em apresentar os resultados da pesquisa ao final da mesma. Contando com sua atenção e colaboração, agradeço antecipadamente, Profa. Dra. Mary Yale Neves Depto. Psicologia - UFPB Anexo 1 151 ROTEIRO DE ENTREVISTAS PARA CAIXAS EXECUTIVOS I. Dados de Identificação 1. sexo 2. idade 3. estado civil 4. número de filhos 5. grau de escolaridade 6. renda (pessoal / familiar) 7. moradia (bairro) II. Dados Profissionais 1. como se deu a escolha pela profissão de bancário? 2. inserção profissional: concurso público ou não? 3. tempo de empresa 4. tempo na função de caixa 5. filiação sindical 6. trabalha apenas no banco ou exerce outra atividade? III. Questões norteadoras: 1. Existe algum programa de formação ou treinamento para a função antes e/ou depois de entrar para a empresa? 2. Existe algum tipo de manual (escritos) ou recomendações (orais) que prescreve as atribuições do caixa? 3. O trabalho que você realiza difere do que está no manual ou das recomendações? Comente. 4. Na sua opinião, como era trabalhar como bancário antes e como é hoje? 5. Quais as mudanças (organizacionais e tecnológicas) mais significativas que vêm ocorrendo no banco que afetam direta e indiretamente o seu trabalho? 6. Você, por ser HOMEM / MULHER, se sente mais cobrado? Você acredita que existe alguma diferença entre o trabalho do caixa homem e da caixa mulher? 7. Como você se sente ao chegar no seu ambiente de trabalho? 8. Como você se sente ao deixar o seu ambiente de trabalho no final do dia e voltar para casa? 9. Quando você chega em casa realiza algum tipo de trabalho doméstico? E no final de semana? 10. Como você definiria as condições de trabalho às quais vocês estão expostos? 11. Descreva, em detalhes, a sua atividade de trabalho. 12. Como funciona o agendamento dos clientes para o seu atendimento? 13. Há permissão por parte da empresa para fazer pausas durante a jornada de trabalho? E você costuma fazer essas pausas? 14. O que você pensa a respeito da relação de trabalho e amizade que existe entre vocês caixas? Em que medida vocês contribuem entre si visando viabilizar o trabalho? Existe cooperação entre vocês? 15. Como você definiria o grau de confiança que existe entre você e seus colegas caixas? Existem regras próprias entre vocês? 16. O que você costuma fazer para lidar com os imprevistos que surgem no dia-a-dia dentro do seu expediente de trabalho? 17. Você teve algum tipo de problema de saúde nos últimos tempos? Quais? Há quanto tempo? Você já se afastou por motivo de doença? Qual foi? Quando foi? Quanto tempo ficou afastado? 18. O que você pensa sobre a relação trabalho saúde? 19. Na sua opinião, qual o dia da semana mais cansativo? Qual o dia do mês mais cansativo? E qual o dia do ano mais cansativo? 20. Você se sente reconhecido? O que você julga ser mais importante: o reconhecimento dos seus pares, dos seus superiores, dos outros funcionários ou dos clientes? 21. O que mais lhe dá prazer no seu trabalho? 22. O que você costuma fazer no seu tempo livre? 23. Quanto tempo, geralmente, você tira de férias? Anexo 2 152 MAPA DE CARACTERIZAÇÃO DAS AGÊNCIAS QTD DE QTD DE CAIXAS QTD DE TERMINAIS EXECUTIVOS GUICHÊS AUTOMÁTICOS EFETIVOS AGÊNCIA LOCALIZAÇÃO ESTRUTURA FÍSICA AG1 Tambaú médio porte 18 4 4 AG2 Cidade Universitária médio porte 13 3 2 AG3 Jaguaribe pequeno porte 11 3 3 AG4 Cruz das Armas médio porte 12 4 2 AG5 Centro grande porte 22 6 4 AG6 Torre pequeno porte 12 3 3 AG7 AG8 Pedro Gondim pequeno porte 2 3 3 Bairros dos Estados grande porte 14 5 3 AG9 Centro (Lagoa) grande porte 34 8 6 AG10 Manaíra pequeno porte 7 3 3 Anexo 3 153 MAPA DE CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES CAIXA BANCÁRI O SEX O N. DE ESTADO IDADE FILHO CIVIL S GRAU DE ESCOLARIDA DE C1 M 43 casado 1 Superior completo (Contabilidade) C2 F 48 casada 2 Superior completo (Arquitetura) C3 M 39 solteiro 0 C4 M 45 casado 2 C5 M 46 separado 2 C6 M 44 casado 3 Superior completo (Adminitração) Superior completo (Engenharia Civil) Superior completo (Direito) Superior incompleto (Engenharia Mecânica) Superior incompleto (Academia Militar) RENDA RENDA BAIRRO PESSOAL FAMILIA ONDE (R$) R (R$) MORA 1.700,00 3.000,00 Manaíra 2.000,00 8.000,00 Tambaú 2.800,00 2.800,00 Tambaú 2.500,00 5.000,00 Manaíra 3.500,00 3.500,00 Cristo 2.000,00 2.000,00 Ipês C7 M 41 casado 4 C8 M 46 solteiro 0 Superior completo (Contabilidade) 2.500,00 C9 M 46 separado 4 Superior completo (Direito) 2.000,00 C10 F 43 casada 3 Superior completo (Contabilidade) 2.200,00 C11 F 37 separada 1 Superior completo (Contabilidade) 2.000,00 3.000,00 ESCOLHA DA PROFISSÃO busca por uma estabilidade financeira oportunidade de voltar para o mercado de trabalho sonhava em ser caixa executivo busca por uma estabilidade financeira busca por uma estabilidade financeira influência de familiares busca por uma 3.000,00 estabilidade financeira busca por uma 2.500,00 Ipês estabilidade financeira busca por uma 2.000,00 Manaíra estabilidade financeira status da Tambauz 5.000,00 profissão, alto inho salário necessidade Jaguarib de trabalhar 2.000,00 e para ajudar a Água Fria INSERÇÃO PROFISSION AL TEMPO DE EMPRESA TEMPO FILIAÇ NA ÃO FUNÇÃ SINDIC O AL TEM OUTRA ATIVIDADE concurso público 16 13 sim não concurso público 16 13 sim sim (apenas no sábado pela manhã) concurso público 16 13 não não concurso público 16 14 está voltand o a ser sim concurso público 21 18 sim não concurso público 17 12 sim não concurso público 16 10 sim sim concurso público 24 18 sim não concurso público 27 23 sim não concurso público 24 6 sim não concurso público 16 9 Anexo 4 sim não TABELA DE OBSERVAÇÃO SISTEMÁTICA DA ATIVIDADE HORA LOCAL AÇÕES COMENTÁRIOS OBSERVAÇÕES Fonte: Adaptado de Guérin et al. (2001) e Muniz (2000). Anexo 5 155 MAPA TEMÁTICO ATIVIDADE Tempo de duração da entrevista categorias C1 caixas Caracterização: pessoal e profissonal Descrição da atividade Organização e condições de trabalho / mudanças / jornada / pausas / férias / descanso Trabalho coletivo: cooperação / comunicação coordenação C2 C3 C4 C5 C6 C7 C8 C9 C10 C11 C12 C13 C14 Anexo 6a 156 Regras de trabalho Trabalho prescrito X trabalho real / autonomia / variabilidade Cargas de trabalho / mobilização cognitiva Inteligência prática MAPA TEMÁTICO (continuação) SAÚDE MENTAL Sofrimento / Processos de adoecimento Sentido / valores Dinâmica do reconhecimento Defesas Prazer Anexo 6b 157 NR 17 - Ergonomia (117.000-7) 17.1. Esta Norma Regulamentadora visa a estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente. 17.1.1. As condições de trabalho incluem aspectos relacionados ao levantamento, transporte e descarga de materiais, ao mobiliário, aos equipamentos e às condições ambientais do posto de trabalho, e à própria organização do trabalho. 17.1.2. Para avaliar a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, cabe ao empregador realizar a análise ergonômica do trabalho, devendo a mesma abordar, no mínimo, as condições de trabalho, conforme estabelecido nesta Norma Regulamentadora. 17.2. Levantamento, transporte e descarga individual de materiais. 17.2.1. Para efeito desta Norma Regulamentadora: 17.2.1.1. Transporte manual de cargas designa todo transporte no qual o peso da carga é suportado inteiramente por um só trabalhador, compreendendo o levantamento e a deposição da carga. 17.2.1.2. Transporte manual regular de cargas designa toda atividade realizada de maneira contínua ou que inclua, mesmo de forma descontínua, o transporte manual de cargas. 17.2.1.3. Trabalhador jovem designa todo trabalhador com idade inferior a 18 (dezoito) anos e maior de 14 (quatorze) anos. 17.2.2. Não deverá ser exigido nem admitido o transporte manual de cargas, por um trabalhador cujo peso seja suscetível de comprometer sua saúde ou sua segurança. (117.001-5 / I1) 17.2.3. Todo trabalhador designado para o transporte manual regular de cargas, que não as leves, deve receber treinamento ou instruções satisfatórias quanto aos métodos de trabalho que deverá utilizar, com vistas a salvaguardar sua saúde e prevenir acidentes. (117.002-3 / I2) 17.2.4. Com vistas a limitar ou facilitar o transporte manual de cargas, deverão ser usados meios técnicos apropriados. 17.2.5. Quando mulheres e trabalhadores jovens forem designados para o transporte manual de cargas, o peso máximo destas cargas deverá ser nitidamente inferior àquele admitido para os homens, para não comprometer a sua saúde ou a sua segurança. (117.003-1 / I1) 17.2.6. O transporte e a descarga de materiais feitos por impulsâo ou tração de vagonetes sobre trilhos, carros de mão ou qualquer outro aparelho mecânico deverão ser executados de forma que o esforço físico realizado pelo trabalhador seja compatível com sua capacidade de força e não comprometa a sua saúde ou a sua segurança. (117.004-0 / 11) 17.2.7. O trabalho de levantamento de material feito com equipamento mecânico de ação manual deverá ser executado de forma que o esforço físico realizado pelo trabalhador seja compatível com sua capacidade de força e não comprometa a sua saúde ou a sua segurança. (117.005-8 / 11) 17.3. Mobiliário dos postos de trabalho. 17.3.1. Sempre que o trabalho puder ser executado na posição sentada, o posto de trabalho deve ser planejado ou adaptado para esta posição. (117.006-6 / I1) 17.3.2. Para trabalho manual sentado ou que tenha de ser feito em pé, as bancadas, mesas, Anexo 7-a escrivaninhas e os painéis devem proporcionar ao trabalhador condições de boa postura, visualização e operação e devem atender aos seguintes requisitos mínimos: a) ter altura e características da superfície de trabalho compatíveis com o tipo de atividade, com a distância requerida dos olhos ao campo de trabalho e com a altura do assento; (117.007-4 / I2) b) ter área de trabalho de fácil alcance e visualização pelo trabalhador; (117.008-2 / I2) c) ter características dimensionais que possibilitem posicionamento e movimentação adequados dos segmentos corporais. (117.009-0 / I2) 17.3.2.1. Para trabalho que necessite também da utilização dos pés, além dos requisitos estabelecidos no subitem 17.3.2, os pedais e demais comandos para acionamento pelos pés devem ter posicionamento e dimensões que possibilitem fácil alcance, bem como ângulos adequados entre as diversas partes do corpo do trabalhador, em função das características e peculiaridades do trabalho a ser executado. (117.010-4 / I2) 17.3.3. Os assentos utilizados nos postos de trabalho devem atender aos seguintes requisitos mínimos de conforto: a) altura ajustável à estatura do trabalhador e à natureza da função exercida; (117.011-2 / I1) b) características de pouca ou nenhuma conformação na base do assento; (117.012-0 / I1) c) borda frontal arredondada; (117.013-9 / I1) d) encosto com forma levemente adaptada ao corpo para proteção da região lombar. (117.014-7 / Il) 17.3.4. Para as atividades em que os trabalhos devam ser realizados sentados, a partir da análise ergonômica do trabalho, poderá ser exigido suporte para os pés, que se adapte ao comprimento da perna do trabalhador. (117.015-5 / I1) 17.3.5. Para as atividades em que os trabalhos devam ser realizados de pé, devem ser colocados assentos para descanso em locais em que possam ser utilizados por todos os trabalhadores durante as pausas. (117.016-3 / I2) 17.4. Equipamentos dos postos de trabalho. 17.4.1. Todos os equipamentos que compõem um posto de trabalho devem estar adequados às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado. 17.4.2. Nas atividades que envolvam leitura de documentos para digitação, datilografia ou mecanografia deve: a) ser fornecido suporte adequado para documentos que possa ser ajustado proporcionando boa postura, visualização e operação, evitando movimentação freqüente do pescoço e fadiga visual; (117.017-1 / I1) b) ser utilizado documento de fácil legibilidade sempre que possível, sendo vedada a utilização do papel brilhante, ou de qualquer outro tipo que provoque ofuscamento. (117.018-0 / I1) 17.4.3. Os equipamentos utilizados no processamento eletrônico de dados com terminais de vídeo devem observar o seguinte: a) condições de mobilidade suficientes para permitir o ajuste da tela do equipamento à iluminação do ambiente, protegendo-a contra reflexos, e proporcionar corretos ângulos de visibilidade ao trabalhador; (117.019-8 / I2) b) o teclado deve ser independente e ter mobilidade, permitindo ao trabalhador ajustá-lo de Anexo 1597-b acordo com as tarefas a serem executadas; (117.020-1 / I2) c) a tela, o teclado e o suporte para documentos devem ser colocados de maneira que as distâncias olho-tela, olhoteclado e olho-documento sejam aproximadamente iguais; (117.021-0 / I2) d) serem posicionados em superfícies de trabalho com altura ajustável. (117.022-8 / I2) 17.4.3.1. Quando os equipamentos de processamento eletrônico de dados com terminais de vídeo forem utilizados eventualmente poderão ser dispensadas as exigências previstas no subitem 17.4.3, observada a natureza das tarefas executadas e levando-se em conta a análise ergonômica do trabalho. 17.5. Condições ambientais de trabalho. 17.5.1. As condições ambientais de trabalho devem estar adequadas às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado. 17.5.2. Nos locais de trabalho onde são executadas atividades que exijam solicitação intelectual e atenção constantes, tais como: salas de controle, laboratórios, escritórios, salas de desenvolvimento ou análise de projetos, dentre outros, são recomendadas as seguintes condiçôes de conforto: a) níveis de ruído de acordo com o estabelecido na NBR 10152, norma brasileira registrada no INMETRO; (117.023-6 / I2) b) índice de temperatura efetiva entre 20oC (vinte) e 23oC (vinte e três graus centígrados); (117.024-4 / I2) c) velocidade do ar não superior a 0,75m/s; (117.025-2 / I2) d) umidade relativa do ar não inferior a 40 (quarenta) por cento. (117.026-0 / I2) 17.5.2.1. Para as atividades que possuam as características definidas no subitem 17.5.2, mas não apresentam equivalência ou correlação com aquelas relacionadas na NBR 10152, o nível de ruído aceitável para efeito de conforto será de até 65 dB (A) e a curva de avaliação de ruído (NC) de valor não superior a 60 dB. 17.5.2.2. Os parâmetros previstos no subitem 17.5.2 devem ser medidos nos postos de trabalho, sendo os níveis de ruído determinados próximos à zona auditiva e as demais variáveis na altura do tórax do trabalhador. 17.5.3. Em todos os locais de trabalho deve haver iluminação adequada, natural ou artificial, geral ou suplementar, apropriada à natureza da atividade. 17.5.3.1. A iluminaçâo geral deve ser uniformemente distribuída e difusa. 17.5.3.2. A iluminação geral ou suplementar deve ser projetada e instalada de forma a evitar ofuscamento, reflexos incômodos, sombras e contrastes excessivos. 17.5.3.3. Os níveis mínimos de iluminamento a serem observados nos locais de trabalho são os valores de iluminâncias estabelecidos na NBR 5413, norma brasileira registrada no INMETRO. (117.027-9 / I2) 17.5.3.4. A medição dos níveis de iluminamento previstos no subitem 17.5.3.3 deve ser feita no campo de trabalho onde se realiza a tarefa visual, utilizando-se de luxímetro com fotocélula corrigida para a sensibilidade do olho humano e em função do ângulo de incidência. (117.028-7 / I2) Anexo 1607-c 17.5.3.5. Quando não puder ser definido o campo de trabalho previsto no subitem 17.5.3.4, este será um plano horizontal a 0,75m (setenta e cinco centímetros) do piso. Anexo 7-c 17.6. Organização do trabalho. 17.6.1. A organização do trabalho deve ser adequada às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado. 17.6.2. A organização do trabalho, para efeito desta NR, deve levar em consideração, no mínimo: a) as normas de produção; b) o modo operatório; c) a exigência de tempo; d) a determinação do conteúdo de tempo; e) o ritmo de trabalho; f) o conteúdo das tarefas. 17.6.3. Nas atividades que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica do pescoço, ombros, dorso e membros superiores e inferiores, e a partir da análise ergonômica do trabalho, deve ser observado o seguinte: para efeito de remuneração e vantagens de qualquer espécie deve levar em consideração as repercussões sobre a saúde dos trabalhadores; (117.029-5 / I3) b) devem ser incluídas pausas para descanso; (117.030-9 / I3) c) quando do retorno do trabalho, após qualquer tipo de afastamento igual ou superior a 15 (quinze) dias, a exigência de produção deverá permitir um retorno gradativo aos níveis de produção vigentes na época anterior ao afastamento. (117.031-7 / I3) 17.6.4. Nas atividades de processamento eletrônico de dados, deve-se, salvo o disposto em convenções e acordos coletivos de trabalho, observar o seguinte: a) o empregador não deve promover qualquer sistema de avaliação dos trabalhadores envolvidos nas atividades de digitação, baseado no número individual de toques sobre o teclado, inclusive o automatizado, para efeito de remuneração e vantagens de qualquer espécie; (117.032-5 ) b) o número máximo de toques reais exigidos pelo empregador não deve ser superior a 8 (oito) mil por hora trabalhada, sendo considerado toque real, para efeito desta NR, cada movimento de pressão sobre o teclado; (117.033-3 / I3) c) o tempo efetivo de trabalho de entrada de dados não deve exceder o limite máximo de 5 (cinco) horas, sendo que, no período de tempo restante da jornada, o trabalhador poderá exercer outras atividades, observado o disposto no art. 468 da Consolidação das Leis do Trabalho, desde que não exijam movimentos repetitivos, nem esforço visual; (117.034-1 / I3) d) nas atividades de entrada de dados deve haver, no mínimo, uma pausa de 10 (dez) minutos para cada 50 (cinqüenta) minutos trabalhados, não deduzidos da jornada normal de trabalho; (117.035-0 / I3) e) quando do retorno ao trabalho, após qualquer tipo de afastamento igual ou superior a 15 (quinze) dias, a exigência de produção em relação ao número de tóques deverá ser iniciado em níveis inferiores do máximo estabelecido na alínea "b" e ser ampliada progressivamente. (117.036-8 / I3) Anexo 7-d 161