ELEFANTE Riodenes de Melo Campos* Aos poucos meus dedos deslizam sob minha face. Minha mão revela, lentamente, os olhares daqueles que não merecem minha honra. Lex Talionis aos assassinos do meu cândido espírito. Minha carne pútrida é um banquete para esses vermes, empanturrados de pecado, devorando-se em uma antropofagia de inveja e cobiça. Carniceiros do sofrimento de um apetite doentio. Jamais os tratei com desrespeito, jamais profanei a honra dos meus irmãos, e hoje, eles cospem na inocente culpa da minha alma de vidro. A revelação da minha fraqueza tornou-se assunto na universidade, logo, todos me olhavam como um animal infectado. Um animal de circo; só posso ser o elefante. Minha rebeldia frustrada é inspirada no elefante, animal capaz de tolerar anos de exploração sem se dar conta da sua própria força. Os homens levam o que há de mais belo em nós, o marfim de um branco simbolista está para a secretíssima câmara que habita meu coração. Hoje os palhaços caçam meu marfim, tudo que há de mais belo em mim foi roubado para decorar a patética existência dos que se dizem semelhante a mim. Há várias teorias estúpidas sobre minha natureza estranha; homossexualidade reprimida, molestado na infância, neonazista ou satanista. Escolha uma e se confine no seu mundinho de ruídos para cuspir na beleza da minha dor. Aqui estou. Vulnerável e sem vida, um homem onde a tolice humana é incapaz de imaginar a destruição que está por vir. Uma pedra gélida construída somente por tempo e dor. Misantropo, um odiador de todo gênero humano, ainda há esperança para quem ainda tem pensamento próprio. Sombras de mentiras cortaram minha confiança pelos homens e me fizeram sangrar para sempre. Logo serei passado, uma história para contar aos que ainda estão por vir. Vivam como quiser só não se alimentem de mim. Não aprendi a interagir socialmente. Meu olhar turvo e incapacidade de saber tocar as pessoas tornaram-se um desconforto para eles. Um beijo no rosto é um constrangimento de Judas. Meus lábios secos se afastam da face com arrependimento, tudo por não ter alcançado o efeito desejado, pois logo percebo no semblante do meu receptor o nojo de ter sido tocado por mim. Não sei se sou abençoado ou amaldiçoado por essa aura leprosa que está em mim. Na minha insanidade eu perdi a linha dos pensamentos individuais. Não reconheço as pessoas através da linha invisível das aparências. Todas se tornaram prisioneiras da minha decepção mental e serão julgadas pela droga que alimenta minha imaginação. A natureza não pode ser tendenciosa ao julgar os corpos que deverão ser varridos pela sua existência superior. Hoje eu ardo com o fogo, dentro do mar, que inúmeras vezes conseguiu me afogar. Novamente e novamente... Qual meu crime? Qual minha realidade? Esta vida é a minha redenção? Só a morte pode me responder essas perguntas. Saio do banheiro em direção à biblioteca. Na bolsa, carrego uma pistola Taurus.40. Quinze balas no pente e uma na agulha. Quatro cartuchos extras e ainda me sinto desconfortável com a quantidade de munição para o abate. Visto coturno, luvas, camisa e calça preta, traje dos reis das sombras que estão prontos para iniciar sua monarquia. O prédio possui três andares, dois vãos de escadas e um elevador. Cerca de seiscentos alunos estudam nesse turno, a maioria está em aula, como esperado. O dia joga o sol nas minhas costas, fervendo a paixão do meu corpo pela morte iminente. Alguns espectros caminham entre os corredores dos desgraçados e me olham como a criatura mais vil e desesperada do planeta melancolia. A biblioteca marca o início do ritual, iniciar dentro da minha turma diminuiria meu aproveitamento, não pude privilegiar os meus companheiros de graduação, nada disso é pessoal. Doze alvos no ambiente, a saída está próxima a mim. Aproximo-me do primeiro carniçal e coloco a bolsa em cima do balcão. Meus braços do abismo afundam na escuridão da minha caixa de pandora e lá paro por alguns segundos. - Pois não? (...) Primeiro tiro. A face destruída cospe sangue no meu rosto. Gritos. Viro-me rapidamente para disparar na presa que também se aproximava do balcão. Acerto o pescoço, ele agoniza no chão tremendo como um filósofo. Atiro no alvo ainda no chão. Muitos correm. Tudo está caindo dentro da biblioteca. O ambiente dos pseudos intelectuais parece gritar de fúria contra os ignorantes. Alguns alvos se escondem debaixo de cadeiras, pensam que só vim atrás de um escolhido. Não sou um assassino mundano, me subestimar vai causar a morte desses. Mais gritos. Observo as duas meninas e me deleito com o estado caótico da situação. Alternava entre as duas enquanto disparava o meu imponente cuspidor de pesar. Troco o pente e parto para o outro ambiente. Ao sair da biblioteca, me deparo com a mais bela cena da minha vida. Todos fogem em um pânico ensurdecedor. Atiro sem preconceito. Quanto mais pânico em minha volta, mas em paz fica meu espírito. Menos hesito, calmo como em uma caminhada matutina. Tenho meu alvo na mira. Presa. Sempre no tempo exato. Divirtome. Alimente-se da dor. Provo. A tristeza faz o sangue. Doce. Observo o mar de cadáveres no pátio da universidade. Já estava no último cartucho. Alguém sempre fica no banheiro. Uma mulher. Subo as escadas e entro no banheiro feminino. Como esperado, duas delas começam a gritar com a minha chegada. Encolhem-se de forma ridícula e cobrem suas lindas faces do monstro. Disparo com um sorriso cínico. Saio do banheiro e tomo um pouco de água. Ouço o zumbido das autoridades se aproximarem. O que? Vocês que acreditam em falsos em deuses. Vocês que acreditam em livros de auto ajuda. Vocês que compram inutilidades a prazo. Chacais brincando de leões. Eu sou a verdade. Vocês vivem uma mentira e não podem questionar minha verdade. O cadáver de uma jovem me chama atenção por sua beleza cadavérica. Lembro que já tinha cruzado com ela pelos corredores em outros momentos. Mas agora... Agora ela nunca esteve tão bela. Se eu não fosse um animal assexuado, realizaria meus desejos como nos contos de Azevedo. Estão chegando, é hora de partir com honra. Se existe uma pessoa a quem eu devo pedir perdão nesse momento, é minha querida mãe. Não teve culpa de me amar tanto ao ponto de tornar-me cego para a destruição de mim mesmo. Arma ao alto.1...2....3... ___________________ *Riodenis de Melo Campos é aluno do 7º período de Letras e seu conto foi classificado em 3º lugar no Concurso Literário do MEL – Movimento de Experiências Literárias- do Campus Mata Norte da UPE. Versão 2013