NEGÓCIOS SUSTENTÁVEIS: 3 grandes problemas de modelam1 Henrique Lian O problema com as pessoas que falam de Negócios Sustentáveis é que a maioria delas não tem a menor ideia do que é ser sustentável, e apenas algumas entendem alguma coisa de criação e administração de negócios2 O tema Negócios Sustentáveis é, atualmente, dos mais populares entre investidores, empreendedores e executivos de alto nível e, de fato, não é muito mais do que isso; um tópico de conversa interessante, às vezes estanho, que encontra uma série de dificuldades para ser traduzido em práticas concretas. Mesmo quando ele se transforma em algo concreto, o negócio sustentável normalmente acontece em formato piloto, ou periférico, praticamente sem nenhum potencial de ganhar escala. Empresas de todos os tamanhos e setores, diferentes níveis da administração e, também, consultores têm muita dificuldade em transformar princípios e mecanismos impulsionadores da sustentabilidade, comumente aceitos, em negócios sustentáveis, entendidos aqui como atividades lucrativas (estamos falando de negócios, afinal de contas) capazes de gerar valor nas dimensões social, ambiental ou ética, sem destruir valor nas demais. Mesmo havendo uma miríade de premiações, guias e seminários exigindo melhores práticas empresariais em sustentabilidade, praticamente, não há investigação dos cases vencedores no que concerne à rentabilidade, ao potencial de ganho de escala ou, até mesmo, sua viabilidade no longo prazo. Todos parecem estar tão orgulhosos de seus projetos-piloto que, com algumas poucas exceções, se restringem à periferia das 1 Publicado em http://hlianfuturity.wordpress.com 2 Sinto muito pela franqueza, mas tenha certeza de que ela é resultado de inúmeras experiências em discussões inúteis organizadas por algumas das instituições mais prestigiadas do Brasil e do exterior. principais estratégias de suas organizações. Fundos verdes públicos e privados estão ansiosos para encontrar qualquer projeto para investir seus poucos recursos destinados à sustentabilidade a ponto de não olhar com profundidade os fatores impulsionadores daqueles projetos que escolhem apoiar financeiramente. Além disso, vários eventos com foco em sustentabilidade estão, essencialmente, exigindo cada vez mais inclusão, atitudes ecologicamente corretas e foco na perspectiva de longo prazo. É por isso que não hesito em afirmar que os atuais “experimentos de negócios sustentáveis”, grandes ou pequenos, não satisfazem a demanda para novos padrões de modelos. O objetivo deste pequeno ensaio é identificar as principais razões para esse tipo de comportamento e, idealmente, introduzir algum nível de pragmatismo e design orientado para negócios na discussão sobre sustentabilidade, ajudando-a a transitar do âmbito das boas (mas na maior parte do tempo incuravelmente teóricas) conversas para aquele de oportunidades concretas capazes de serem compreendidas e absorvidas pelo mercado convencional. Para começar, eu gostaria de propor três conjuntos de problemas que devem ser levados em consideração: (i) Criação de Novos Negócios; (ii) Fases Necessárias para Todos os Negócios; (iii) Novos Métodos-Chave, todos eles relacionados a novos modelos de negócios. Vamos analisar mais detidamente cada um desses conjuntos. (i) Criação de Novos Negócios (CNN) O primeiro passo a ser dado com relação a negócios pouco convencionais – um negócio sustentável, neste caso – é reconhecer que ele enfrenta todas as dificuldades de criação de um negócio convencional3. Por “dificuldades dos negócios convencionais”, eu listaria: A prioridade de todas as empresas é manter os negócios rodando Por um lado, se as coisas estão indo bem, os esforços estão concentrados em torná-las ainda melhores e não há muito estímulo para grandes mudanças. Por outro lado, se o negócio apresenta desempenho abaixo do esperado, todos os esforços são direcionados para salvar os negócios e reposicioná-los no mercado. Nesse caso, haverá estímulo para 3 A modelagem é o exercício de dar forma e design a esses possíveis novos modelos de negócios. inovação incremental, o que não significa, de forma alguma, não importa o que milhares de “experts” digam, que isso resulte em novos negócios. Assim, se a realidade empresarial oscila entre expandir os antigos negócios ou salvá-los, é fácil concluir que a criação de novos negócios não está enraizada na cultura organizacional. Empresas são organizações que tem aversão a riscos Ainda que vejamos muitos empresários se vangloriando em coquetéis sobre o quanto são ousados, a realidade é que as empresas não apreciam esse fator essencial da inovação. Quanto mais arrojado for um novo modelo, maiores são os riscos envolvidos. Além disso, esses novos riscos devem ser convenientemente compartilhados com outros atores do mercado, tais como bancos e seguradoras. Essas últimas, por exemplo, hesitam em securitizar negócios cujos riscos elas não conseguem avaliar com precisão. Tendo em mente que elas trabalham, essencialmente, com base na assimetria de informações, que jogam, sempre, a seu favor, elas não farão parte de nenhuma operação sobre as quais elas não tenham, no mínimo, o mesmo domínio que seus empreendedores. Empresas não são movidas por ideais, mas por lucro A despeito do número de boas intenções declaradas (às vezes baseadas em experiências reais) por algumas empresas, a menos que um negócio consiga provar-se sustentavelmente lucrativo (sim, ainda estamos falando de sustentabilidade), a sustentabilidade, como um todo, não abandonará a periferia dos negócios, local em que nasceram em tempos mais prósperos. Orçamento e tempo de executivos de alto nível são indicadores implacáveis da importância dada aos novos negócios. Os CEOs têm seu orçamento discricionário para “boas causas” e publicidade gratuita, mas o tempo dos CFOs, bem como o de outros executivos de alto nível, assim como o tempo e os trabalhos requeridos de seus consultores de primeira linha são indicadores mais precisos de como a criação de novos negócios está inserida na empresa. (i) Fases Essenciais para (todos) os Negócios Startups são como filhotes fofos que todos gostariam de ter e alimentar. Elas sempre existiram, ainda que com nomes menos charmosos, e sobreviveram de formas diversas ao longo da história; da oficina dos inventores solitários do século XVII, passando pelas linhas de montagem do começo do século até chegar às incubadoras estabelecidas em grandes empresas, ligadas a universidades, governos e ONGs4. Finalmente, elas retornaram às garagens - embora sejam garagens de outro tipo, muito mais descoladas e tecnológicas -, mas aguardando a maturação e absorção de seus produtos pelas líderes do mercado. Assim como no caso dos filhotes, o problema é como alimentá-las quando elas crescem e precisam de mais espaço e alimentação do que inicialmente previsto. Dessa forma, antes do capital de risco (e trabalho de risco, por consequência) se transformar em startup, duas outras fases precisam ser delineadas. Mesmo sabendo que “é função do futuro ser incerto”5, é imperativo antecipar como esses novos negócios sustentáveis crescerão (aumento de escala) dentro e para além da empresa. Além disso, o ponto de saturação precisa ser levado em consideração, para que se possa estar preparado para abandonar ou transformar a iniciativa quando chegar sua hora. Sem esse ponto de viragem, o negócio sustentável pode se tornar tão insustentável quanto os negócios convencionais, seja por se tornarem cada vez menos lucrativos, seja por se transformarem em ameaça social, ambiental ou ética. Criar uma startup, fazê-la crescer e atingir o ponto de viragem são as três fases vitais de qualquer novo negócio, especialmente quando falamos naqueles orientados para a sustentabilidade. i. Novos Métodos-Chave (Game Changer) Antes da Revolução Industrial, o mercado (ou protomercado, com todo respeito à história econômica) não era capaz de apreciar e valorizar todas as novas invenções e empresas que foram estabelecidas naquele momento, nem de alimentar e administrálas. Modelos de financiamento (mercado de ações para bancos privados e públicos) também eram necessários, bem como referências para seguradoras, de forma a garantir 4 Já que algumas companhias se tornaram grandes demais e burocráticas demais para inovar, podendo, se beneficiar de pontos de vista de organizações sem fins lucrativos. Espero estar me expressando neste ponto. 5 Citação atribuída ao ex-ministro de Finanças e discutida pelo economista e ex-presidente do Banco Central Brasileiro Gustavo Franco como “Axioma de Malan”. escala para novos negócios e proteção a investidores, fornecedores, funcionários, comunidades e outros stakeholders. Apesar de o ápice desse prolífico filho da Revolução Industrial, o negócio convencional (Business As Usual, BAU), ter ficado no passado, a maioria das empresas ainda está por ele, como vimos na primeira sessão deste texto. Todos os instrumentos, de linhas de crédito até mecanismos de securitização, passando por planejamento e controle, ainda têm modelos feitos para aqueles antigos colegas. Por essa razão, é chegada a hora de desenvolver novos tipos de negócios, que sejam desenhados levando em consideração seus aspectos sociais, ambientais e éticos, precisamos criar novas ferramentas baseadas em premissas diferentes para responder à outra mentalidade. O problema, aqui, é que não podemos desenvolver as tantas ferramentas necessárias nem os vários modelos de negócios sustentáveis de que gostaríamos de dispor. Bancos estão sempre reclamando do fato de que não conseguem avaliar os riscos dos negócios sustentáveis, ainda que eles sejam os atores mais adequados para fazê-lo. Os investidores, por sua vez, afirmam que não conseguem prever os rendimentos de negócios sustentáveis, ainda que sejam eles os especialistas capazes de fazer isso. Já os especialistas em mercado estão sempre falando na reputação de seus ativos, mas, no final do dia, acabam encontrando grandes dificuldades ao tentar demonstrar o valor tangível que esses novos negócios trazem à marca. Finalmente, os governos reclamam que não podem colocar todas as suas expectativas de crescimento e desenvolvimento em negócios sustentáveis, embora regulações adequadas e estímulos pudessem aumentar a quantidade de estratégias sustentáveis nessa direção. O que todos esses atores estão nos dizendo, às vezes de forma intencionalmente ambígua, é que o novo sistema – que ainda está para ser criado e fazer rodar uma nova economia e um novo tipo de negócio – não pode ser baseado em possibilidades infinitas que requerem ferramentas novas e específicas para cada novo modelo. É preciso, de alguma forma, alterar as premissas do atual sistema, delineando um número preciso de variáveis para limitá-lo, restringindo essas premissas a um número finito de possíveis combinações ou fatores6. Ao fazer isso, qualquer banco, investidor, autoridade pública ou especialista em mercado poderá encontrar as peças adequadas para encaixar no quebra-cabeça específico de cada negócio. Assim como num sistema Lego, novos projetos devem ser criados a partir de certo número de possibilidades, para cada fase e categoria de negócio – planejamento, financiamento, securitização, distribuição, integração, crescimento etc. Essas possibilidades serão, necessariamente, exauríveis, ou seja, um amplo, mas finito, conjunto de variáveis. Ainda que cada um desses conceitos e etapas demande explicações embasadas, pareceme claro que sem: a. Superar as barreiras comuns aos negócios convencionais e sustentáveis; b. Superar a cultura de startups convencionais e planejar e antecipar como os novos negócios ganharão escala, além de antecipar seus limites; c. Superar a cultura de infinitas ferramentas que prevalece hoje e trabalhar para definir e selecionar um grupo limitado, mas potente, de variáveis que têm verdadeiro potencial para impulsionar negócios sustentáveis Não será possível provar que a nova economia, com seus novos tipos de negócios, será viável e competitiva. Minha modesta recomendação a todos os que sonham com Nova Economia é parar de sonhar e começar a trabalhar na criação dessas essenciais ferramentas econômicas. 6 Naturalmente, esses sistemas fechados são provisórios e sujeitos a revisões posteriores. Henrique Lian Diretor de Comunicação e Relações Institucionais do Instituto Ethos, é doutor em filosofia pela USP, mestre em história pela UNICAMP, bacharel em direito pela PUCCAMP, com especialização em gestão de negócios (IBEMEC/CPFL Management). Foi professor universitário nas áreas de Direito, Filosofia e Sociologia. Exerceu diversos cargos de direção, nos setores público e privado, nas áreas jurídica, administrativa e cultural. Foi gerente executivo de Sustentabilidade e Responsabilidade Corporativa do Grupo CPFL Energia, diretor de cultura do município de Campinas e gerente do Theatro Municipal de São Paulo, entre outras posições. Possui ampla experiência em articulação, negociação e representação internacional, com foco em Europa e América Latina. Para entrar em contato, envie sua mensagem para [email protected]