FILOSOFIA NA PEDAGOGIA E AÇÃO ESCOLAR
Julci Stefano Becker1
Resumo:
A pesquisa em questão traz uma reflexão sobre a importância do papel da filosofia na
formação pedagógica e ação escolar dos professores. A investigação tenta atingir o específico
da filosofia na educação, superando a identificação com a sociologia, como compreensão da
realidade e ideologia dominante; a moral, como ensino de valores; ou a história da filosofia,
pelo estudo dos pensadores e suas idéias. Do pedagogo e do professor espera-se a suficiente
qualificação para pensar a sua escola como espaço educacional. Pois, quem não pensa é
pensado ou alienado a outrem. Maneira que, cabe a filosofia proporcionar a tríplice reflexão:
antropológica, axiológica e epistemológica.
Palavras-chave: Filosofia. Pedagogia. Escola.
Parte este artigo da realização de uma pesquisa-entrevista com acadêmicos de
pedagogia de diferentes instituições e de docentes graduados em pedagogia, com mais de
cinco anos de atividade escolar, atuando nas diferentes redes de ensino. Aos acadêmicos
foram dirigidas duas questões: Quanto ao curso, o que a filosofia me favorece na formação
pedagógica? Para a ação escolar, qual será o papel e importância da filosofia na minha
docência? Aos docentes, foi dirigida a seguinte pergunta: o que a filosofia me favorece no
ofício educacional?
Para os acadêmicos, a disciplina no curso permite, segundo a maioria, uma ampliação
dos conhecimentos para compreensão e leitura da realidade, pela desmistificação da(s)
ideologia(s), e percepção das diferentes correntes de pensamento. Favorecendo uma ação
pedagógica contextualiza, para uma postura autônoma na ação. Revelam, as respostas, que a
filosofia é empolgante, de sentido e interesse no curso, com importância para o aparelhamento
no trabalho educacional. No entanto, com poucos indícios referem ao pensar o processo
educativo, ou a elaborar um projeto educacional como escola.
As respostas dos docentes se concentram no favorecimento para refletir o cotidiano, a
formação de valores, compreensão da realidade, uso no censo crítico social, relativização dos
conceitos, etc. As respostas estão na ordem do crítico-social da realidade, valores e conceitos.
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Bolsista da CAPES, Graduado em Filosofia, Especialista em Psicopedagogia, Mestrando no Programa de Pósgraduação em Educação nas Ciências – UNIJUÍ – RS. E-mail: [email protected].
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Revelando, de certo modo, haver uma estreita relação ou identificação da filosofia com a
sociologia.
Na pesquisa notamos a consciência da importância da filosofia no cotidiano e na
participação da realidade social que envolve a docência. Mostrando a filosofia como elemento
para a leitura e visão crítica da realidade, com certo grau de rebeldia e com vigor de
transformação social, para os estudantes. No entanto, inexpressivo mostram-se respostas que
conduzem
a pensar a presença da escola no conjunto da sociedade. No dizer de uma
professora supervisora de estágios e assessora educacional: a filosofia na prática do
planejamento, como reflexão, pensar e projetar a escola que queremos, se esmorece. Convém
perguntar: a final, a escola continua sendo pensada por quem? Neste sentido, baseado em
alguns filósofos da educação, partilho esta reflexão com acadêmicos e profissionais da área,
sobre a importância da filosofia no currículo acadêmico da pedagogia e na ação escolar.
Filosofia: faz sentido
No mundo, que nos recebe para a existência, a filosofia parece ser algo obsoleto.
Raramente sobrevive as reformas dos cursos e currículos das graduações, com certa
indiferença consta nos currículos escolares de Ensino Médio. Na sua maioria, os filósofos,
para fugir do desemprego e conseguir seu sustento, abraçam outras áreas do saber, renegando
a filosofia a segundo plano de aperfeiçoamento.
No entanto, a filosofia serve e comanda tudo. Está presente em toda a decisão e
estratégia de ação. Ela torna-se onipresente.
A filosofia se manifesta ao ser humano como uma forma de
entendimento que tanto propicia a compreensão de sua existência,
como lhe oferece um direcionamento para sua ação, um rumo para
seguir ou, ao menos, para lutar por ele. Ela estabelece um quadro
organizado e coerente de visão de mundo, sustentando uma proposição
organizada e coerente de agir [...] A filosofia não de modo algum uma
simples abstração independente da vida. Ela é, ao contrário, a própria
manifestação da vida humana e a sua mais alta expressão. Traduz o
sentir, o pensar e o agir do homem. (Luckesi, 1995, p.23).
Evidente que o/a homem/mulher, não se alimenta de filosofia, mas sem dúvida
nenhuma, vive com a ajuda da filosofia. Neste sentido prossegue o autor em referência,
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O que importa ter claro, por ora, é o fato de que a filosofia nos
envolve, não temos como fugir dela. Ela é como o ar que respiramos,
está permanentemente presente. Se nós não escolhermos qual é a
nossa filosofia, qual o sentido que vamos dar à nossa existência, a
sociedade na qual vivemos nos dará, nos imporá sua filosofia. E como
se diz que o pensamento do setor dominante da sociedade tende a ser
o dominante da própria sociedade, provavelmente aqueles que não
buscam criticamente o sentido para sua existência assumirão esse
pensamento dominante como o seu próprio pensamento, a sua
filosofia. Quem não pensa é pensado! [...] a filosofia, portanto, não é
tão somente uma interpretação do já vivido e do que se está
objetivando, mas também a interpretação e desejos do que está por vir,
do que está para chegar. [...] É um instrumento de ação e arma política
e, como tal, tem se utilizada, em todos o tempo, consciente ou
inconscientemente. [...] é uma interpretação do mundo e é uma força
de ação (1995, p.25-27).
Filosofia e educação
Segundo Luckesi (1995, 31), as relações entre filosofia e educação parecem naturais.
Enquanto a educação trabalha o desenvolvimento das novas gerações de uma sociedade, a
filosofia é a reflexão sobre o que e como devem ser ou se desenvolver as gerações e a
sociedade. É a filosofia que exige postura do educador. Por isso diz
Nas relações entre filosofia e educação só existem realmente duas
opções: ou se pensa e se reflete sobre o que se faz e assim se realiza
uma ação educativa consciente; ou não se reflete criticamente e opaca
o existente na cultura da vida do dia-a-dia – e assim se realiza uma
ação educativa com baixo nível de consciência. [...] Filosofia e
educação, pois, estão vinculadas no tempo e no espaço. Não há como
fugir dessa ‘fatalidade’ da nossa existência. Assim sendo, parece-nos
ser mais válido e mais rico, para nós e para a vida humana, fazer esta
junção de uma maneira consciente, como bem cabe a qualquer ser
humano [...] (Luckesi, 1995, p.32-33).
A propósito do ser humano, vale complementar que os objetivos educacionais devem
sempre compreender a constituição de sujeitos conscientes, críticos e responsáveis.
Educação: natureza e função
Pelo visto, a educação se delineia a partir de uma posição filosófica definida. Convém
compreender as relações entre educação e sociedade, ou seja, o papel ou a função da educação
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em relação à sociedade, para a realização de uma educação comprometida com esta
sociedade.
Compreende-se o homem pela sua cultura, por meio do trabalho, com o qual
transforma a natureza e a si mesmo, e que pelo aperfeiçoamento das suas atividade, é possível
mediante a educação, como fator fundamental, a humanização e a socialização. Compreendo
educar como um processo contínuo, que visa a alcançar na pessoa aquilo que ela possui de
mais humano, isto é, sua intelectualidade, sua afetividade e seus hábitos, para levá-la à
realização de um ideal, perseguido pela sociedade em que se encontra inserida.
Quanto a sua natureza, a educação não é simples transmissão da herança dos
antepassados, porém, é processo pelo qual também se torna possível a gestação do novo e a
ruptura com o velho. Isso ocorre de maneira variável, conforme são as sociedades, estáveis ou
dinâmicas. Para Libâneo (2002), educar (em latim: educare) é conduzir de um estado para
outro, é modificar numa certa direção o que é suscetível de educação. O ato pedagógico pode
ser definido como uma atividade sistemática de interação entre seres sociais, tanto no nível
inter-pessoal, como no nível da influência do meio. Interação essa que se configura numa
ação exercida sobre sujeitos ou grupos de sujeitos, visando provocar neles mudanças tão
eficazes que os tornem elementos ativos desta própria ação exercida. Presume-se, a
interligação, no ato pedagógico, de três componentes: um agente (um sujeito(s), num meio
social, etc.), uma mensagem transmitida (conteúdos, métodos, etc.) e um educando (aluno(s),
uma geração etc.).
Aqui convém estabelecer algumas nuanças entre educação, ensino e doutrinação.
Educação é um conceito genérico, amplo, que supõe o homem integral, isto é, de sua
capacidade física, intelectual e moral, visando não só a formação de habilidades, mas também
do caráter e da personalidade social. O ensino consiste na transmissão de conhecimentos;
enquanto a doutrinação é uma pseudo-educação que não respeita a liberdade do educando,
impondo-lhe conhecimentos e valores. No processo da doutrinação, todos são submetidos a
uma só maneira de pensar e agir, destruindo cada qual o pensamento divergente e com
objetivo de manter a tutela. Ao contrário da doutrinação, a educação tende a dissolver a
assimetria entre educador e educando, pois, se há inicialmente uma desigualdade, esta deve
desaparecer à medida que se torna eficaz a ação do agente da educação (Aranha, 2002, p.5051).
Quanto aos conceitos de educação e ensino, não há como separar esses dois pólos,
pois como se poderia educar alguém sem informá-lo sobre o mundo em que vive? Pondero
que a consciência e experiência de humanidade, fazem o homem ter condições de tornar-se
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um ser moral e político. A informação, por vezes, pretensamente tida como neutra, está
carregada de valores. Logo, a função, a coerência e a eficácia da educação na sociedade, como
afirma Aranha, “sendo intencional, será mais coerente e eficaz se souber explicitar de
antemão os fins a serem atingidos no processo” (2002, p.51).
Tarefa da filosofia da educação
Na educação, constituída como uma prática humana, direcionada por uma concepção
teórica, denominada filosofia, a pedagogia se traduz como uma concepção filosófica do papel
da educação, em relação à sociedade e ao homem que vive nesta sociedade. Ora, sobre tudo
isso a reflexão se constitui uma Filosofia da Educação. Ou seja, se a Filosofia se resume numa
reflexão radical, rigorosa, e de conjunto sobre o homem, o mundo e a realidade circundante,
então a Filosofia da Educação pode ser definida como uma reflexão radical, rigorosa e de
conjunto, sobre os problemas educacionais. Assim, pela filosofia, a pedagogia carrega o tom
que lhe garante a compreensão de valores que deverão orientá-la no futuro. No dizer de
Luckesi, “não há como se ter uma proposta pedagógica sem pressuposições, (no sentido de
fundamentos) e proposições filosóficas, desde que tudo o mais depende desse
direcionamento” (1995, p.33).
Outrossim, também cabe a filosofia a tarefa de fomentar a interdisciplinaridade,
inserindo os componentes curriculares na intencionalidade do projeto educacional. (Severino,
1994, p.10). Segue o mesmo autor, dizendo:
O que se espera da Filosofia da Educação no currículo do curso de
formação ao Magistério é que ela realize um trabalho integrador,
mediante o desenvolvimento de uma reflexão sistemática, metódica,
rigorosa e crítica sobre as várias dimensões em que se desdobra a
existência dos sujeitos/educandos. Cabe a essa disciplina destacar os
aspectos relacionados com a própria condição da existência dos
educandos e com a natureza simultaneamente teórica e prática do
processo educativo (1994, p.10).
Continuando a investigação no pensamento de Antônio Joaquim Severino, atribuímos
a Filosofia da Educação uma tríplice tarefa de reflexão: nas dimensões antropológicas,
epistemológicas e axiológicas.
Numa tarefa antropológica, ampla e aberta, a filosofia contribui no sentido de não se
deter ao tradicional da nossa cultura, ou seja, a essência abstrata do homem, dada pela
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filosofia clássica ou a partir da ciência positiva. Outrossim, insere o pedagogo numa reflexão
filosófica existencial de educação. Ou segundo Marcel (1969, p.15), a educação se processa a
partir do sujeito encarnado, dos envolvidos na educação, que educam e se educam, não
configuráveis a modelos abstratamente concebidos de uma natureza humana.
Construir a imagem do homem em sua situação de sujeito/educando.
Integrando as contribuições das ciências humanas [...] o sentido da
existência do homem só pode ser apreendido em suas mediações
históricas e sociais concretas. A imagem que a Filosofia deve
construir do homem só será consistente se baseada nessas condições
reais da existência (Severino, 1994, p.37-38).
Compreendendo a educação como uma prática social, a reflexão axiológica, faz a
filosofia contribuir para a compreensão e efetivação dos valores que norteiam e sustentam a
educação. Bem como, a investigação da dimensão valorativa da consciência e a expressão do
agir humano relacionado aos valores (Severino, 1994, p.34).
Uma terceira tarefa da Filosofia da Educação é a tarefa epistemológica.
Cabe-lhe instaurar uma discussão sobre questões que envolvam os
processos de produção, sistematização e transmissão do conhecimento
presente no processo específico da Educação... porque a educação
pressupõe também a intervenção da subjetividade de todos aqueles
que se encontram envolvidos por ela... a Filosofia da Educação investe
no esclarecimento das relações entre a produção do conhecimento e o
processo de educação. A construção de um sistema de saber no âmbito
da educação, no estatuto científico da própria educação, a natureza
interdisciplinar do conhecimento educacional, bem como o processo
de ideologização presente na teoria e na prática da educação, seja,
entre outros, os campos da indagação epistemológica da filosofia da
Educação (Severino, 1994, 38-39).
Destarte, no sentido intrínseco da Filosofia da Educação, é possível entender sua
presença no currículo, como exigência, dos cursos de formação de educadores e na prática do
profissional da educação. Trata-se de capacitar o educador a refletir, olhar sobre e si e sua
maneira humana. Ressaltando que, a Filosofia da Educação não estabelece métodos ou
técnicas de educação, não visa fornecer meios de educação. Seu objeto é distinto da
pedagogia, da sociologia ou da psicologia dos sujeitos envolvidos na educação.
Enfim, não é por nada que Anísio Teixeira diz:
O professor de hoje tem que usar a legenda do filósofo: Nada que é
humano me é estranho [...] Tem de ser um estudioso dos mais
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embaraçosos problemas, [...] da civilização, [...] da sociedade e [...] do
homem; [...] enfim, filósofo [...] Ao lado da informação e da técnica,
deve possuir uma clara filosofia da vida humana, e uma visão delicada
e aguda da natureza do homem, concorrendo para tornar a vida
humana mais rica, mais bela, mais plena e mais feliz (Teixeira apud
Schmidt, 2003, p.119).
Referências bibliográficas
ARANHA, Maria da Arruda. Filosofia da Educação. S.Paulo:Moderna, 2002.
JASPERS, Karl. Iniciação filosófica. Lisboa:Guimarães, 1977.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1995.
MARCEL, Gabriel. Diário Metafísico. Madri: Ediciones Guadarrama, 1969.
SCHMIDT, Irineu Aloísio. A filosofia da educação de Anísio Teixeira e o pragmatismo.
(Dissertação de Mestrado em educação nas Ciências). Ijuí:UNIJUÍ, 2003.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia da Educação: construindo a cidadania. São Paulo:
FTD, 1994.
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