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Projeto BRA/04/029 – Segurança Cidadã
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD e Secretaria
Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça – SENASP
Pensando a Segurança Pública 3ª Edição (Convocação 001/2014)
CARTA ACORDO Nº 29790
Relatório Final de Pesquisa:
Área Temática
C.2 – Medidas protetivas às mulheres em situação de violência
A aplicação de medidas protetivas para mulheres em
situação de violência nas cidades de Porto Alegre-RS, Belo Horizonte-MG
e Recife-PE
Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Segurança e
Administração da Justiça Penal – GPESC PUCRS
Coordenador(a) da pesquisa: Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo
Equipe da pesquisa:
Porto Alegre:
Coordenação: Fernanda Bestetti de Vasconcellos
Assistentes de Pesquisa: Camila da Costa Silva
Tamires Garcia
Belo Horizonte:
Coordenação: Ludmila Mendonça Ribeiro
Assistente de Pesquisa: Vinícius Assis Couto
Recife:
Coordenação: José Luiz Ratton
Assistente de Pesquisa: Clarissa Galvão Cavalcanti Borba
Revisão: Fernanda Bestetti de Vasconcellos
Degravações: Tamires Garcia
Porto Alegre - RS
Dezembro de 2014
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Resumo: O presente relatório de pesquisa apresenta os resultados do trabalho
desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Segurança e
Administração da Justiça Penal – GPESC, da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS), em parceria com pesquisadores da UFPE e da UFMG. A
pesquisa teve por objetivo aprofundar o conhecimento a respeito das diferentes etapas
de concessão e implementação das medidas protetivas de urgência, previstas pela Lei
11.340/2006, para mulheres vítimas de violência. Pretendeu-se verificar como vêm
sendo aplicadas, quais as dificuldades e boas práticas desenvolvidas em três capitais que
são nacionalmente reconhecidas pela implementação de mecanismos inovadores para o
deferimento e o controle da aplicação das medidas: Porto Alegre, Belo Horizonte e
Recife. Buscou-se, por meio de entrevistas com os responsáveis por todos os órgãos
envolvidos com o atendimento, encaminhamento, deferimento e acompanhamento das
medidas protetivas de urgência nas três capitais, bem como com mulheres que tenham
tido ou não o pedido de medida deferido, responder às seguintes questões norteadoras:
qual é o processo envolvendo a solicitação e o atendimento a medidas protetivas; quais
são as medidas mais solicitadas, e quais são mais concedidas; como as mulheres em
situação de violência e os profissionais envolvidos no pedido de concessão das medidas
protetivas as avaliam; qual é a percepção sobre a efetividade das medidas protetivas na
perspectiva das mulheres em situação de violência e dos profissionais envolvidos; se o
retorno acerca das medidas protetivas ocorre em tempo hábil. O trabalho foi
desenvolvido no período de abril a outubro de 2014, e o presente relatório apresenta os
resultados mais relevantes encontrados, buscando contribuir para a avaliação das
políticas implementadas e o seu aperfeiçoamento.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha; violência contra a mulher; medidas protetivas de
urgência.
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Abstract: This research report presents the results of work undertaken by the Group for
Research in Public Policy for Security and Criminal Justice Administration - GPESC, of
the Pontifical Catholic University of Rio Grande do Sul (PUCRS), in partnership with
researchers and UFPE UFMG. The research aims to deepen the knowledge about the
different steps for granting and implementation of urgent protective measures as
provided by Law 11.340 / 2006, for women victims of violence. Intended to be verified
as it is being applied, what difficulties and good practices developed in three capital
cities which has been called the attention nationally by implementing innovative
mechanisms for the approval and control of the implementation of the measures: Porto
Alegre, Belo Horizonte and Recife. We tried to by means of interviews with those
responsible for all agencies involved with the service, referral, approval and monitoring
of urgent protective measures in the three capitals, as well as women who have had or
not the application as deferred answer the following guiding questions: what is the
process involving the solicitation and the care of protective measures; which measures
are the most requested, and which are most given; how women in situations of violence
and professionals involved in the request for granting protective measures to evaluate;
what is the perception on the effectiveness of protective measures from the perspective
of women in situations of violence and professionals involved; if the return on the
protective measures occurs in a timely manner. The study was conducted in the period
April to October 2014, and this report presents the most relevant results, seeking to
contribute to the assessment of policies implemented and their improvement.
Keywords: Maria da Penha Law; violence against women; urgent protective measures.
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Lista de Tabelas
Tabela 1 – Entrevistas com operadores dos serviços especializados de atendimento à
mulher vítima de violência em Belo Horizonte......................................................... p. 14
Tabela 2 – Dados descritivos acerca do tempo entre a medida protetiva e a análise do
judiciário............................................................................................................... p. 20
Tabela 3 – Dados descritivos acerca do tempo entre a análise do judiciário e a
comunicação a vítima............................................................................................. p. 21
Tabela 4 – Lista das entrevistas gravadas com mulheres vítimas de violência doméstica
que solicitaram a concessão de medida protetiva ao Judiciário................................. p. 23
Tabela 5 – Entrevistas com operadores dos serviços especializados de atendimento à
mulher vítima de violência em Recife........................................................................ p. 54
Tabela 6 – Lista das entrevistas gravadas com mulheres que solicitaram a concessão de
medida protetiva ao Judiciário em Recife-PE............................................................ p. 56
Tabela 7. Operadores do Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal entrevistados
em Porto Alegre – RS........................................................................................... p. 82
Tabela 8 – Entrevistas realizadas com mulheres que solicitaram medida protetiva de
urgência na cidade de Porto Alegre – RS.............................................................. p. 83
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Lista de Abreviaturas
AIJ – Audiência de Instrução e Julgamento
BM – Brigada Militar
CEMER – Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducação
DEAM – Delegacia de Atencimento à Mulher
DEPEDIM – Defensoria Pública Especializada na Defesa da Mulher em Situação de
Violência
DPMUL – Departamento de Polícia da Mulher
EAMP – Expediente Apartado de Medida Protetiva
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
FOPEVID – Fórum Pernambucano de Violência Doméstica
IML – Instituto Médico Legal
JVDFCM – Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher
LMP – Lei Maria da Penha
MP – Ministério Público
MPMG – Ministério Público de Minas Gerais
MPPE – Ministério Público de Pernambuco
MPRS – Ministério Público do Rio Grande do Sul
PMMG – Polícia Militar de Minas Gerais
PMP – Patrulha Maria da Penha
PMPE – Polícia Militar de Pernambuco
PPV – Pacto Pela Vida
PVD – Serviço de Prevenção à Violência Doméstica
REDS – Registro de Eventos da Defesa Social
RMBH – Região Metropolitana de Belo Horizonte
SERES – Secretaria Executiva de Ressocialização
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Sumário
1. INTRODUÇÃO
7
2. BELO HORIZONTE
13
2.1 A visão dos Operadores do Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal
14
2.2 A visão das mulheres que demandaram atendimento previsto pela Lei 11.340/2006
21
2.3 Considerações sobre o caso de Belo Horizonte
42
3. RECIFE
54
3.1 A visão dos Operadores do Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal
60
3.2 A visão das mulheres que demandaram atendimento previsto pela Lei 11.340/2006
76
3.3 Considerações sobre o caso de Recife
81
4. PORTO ALEGRE
83
4.1
89
A visão dos Operadores do Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal
4.2 A visão das mulheres que demandaram atendimento previsto pela Lei 11.340/2006
112
5. Considerações Finais
120
6. Recomendações
123
Referências Bibliográficas
125
ANEXOS
127
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1. Introdução
A aprovação da Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha,
representa um marco no extenso processo histórico de reconhecimento da violência
doméstica contra as mulheres como um problema social no Brasil, e traz em seu texto
muitas marcas dos embates políticos travados pelos movimentos feministas e de
mulheres na luta pela conquista da cidadania para as mulheres (Pasinato, 2008). A nova
legislação introduz mudanças substantivas no cenário jurídico brasileiro. Entre essas
mudanças, são de interesse particular nesta pesquisa aquelas que se referem à concessão
e aplicação das chamadas medidas protetivas de urgência.
A elaboração da Lei 11.340/06 partiu, em grande medida, de uma
perspectiva crítica aos resultados obtidos pela criação dos Juizados Especiais Criminais
para o equacionamento da violência de gênero. Os problemas normativos e as
dificuldades de implantação de um novo modelo para lidar com conflitos de gênero,
orientado pela simplicidade e economia processuais, mas incapaz de garantir a
participação efetiva da vítima na dinâmica de solução do conflito, levaram diversos
setores do campo jurídico e do movimento feminista a adotar um discurso de
confrontação e crítica aos Juizados, especialmente direcionado contra a chamada
banalização da violência que por via deles estaria ocorrendo, explicitada na prática
corriqueira da aplicação de uma medida alternativa correspondente ao pagamento de
cestas básicas pelo acusado, ao invés de investir na mediação e na aplicação de medida
mais adequada para a administração do conflito.
É o que se verifica, por exemplo, na manifestação de Maria Berenice Dias:
A ênfase em afastar a incidência da Lei dos Juizados Especiais nada mais
significa do que reação à maneira absolutamente inadequada com que a
Justiça cuidava da violência doméstica. A partir do momento em que a lesão
corporal leve foi considerada de pequeno potencial ofensivo, surgindo a
possibilidade de os conflitos serem solucionados de forma consensual,
praticamente deixou de ser punida a violência intrafamiliar. O excesso de
serviço levava o juiz a forçar desistências impondo acordos. O seu interesse,
como forma de reduzir o volume de demandas, era não deixar que o
processo se instalasse. A título de pena restritiva de direito popularizou-se
de tal modo a imposição de pagamento de cestas básicas, que o seu efeito
punitivo foi inócuo. A vítima sentiu-se ultrajada por sua integridade física
8
ter tão pouca valia, enquanto o agressor adquiriu a consciência de que era
“barato” bater na mulher. (DIAS, 2007, p. 8)
Incluindo a prisão preventiva como medida protetiva de urgência cabível em
determinadas circunstâncias, a nova lei concedeu ainda ampla discricionariedade ao juiz
para decidir sobre a necessidade da segregação cautelar do indivíduo acusado da prática
de violência contra a mulher, valendo-se de relações domésticas e familiares, tanto por
meio do encarceramento preventivo quanto das demais medidas protetivas de urgência 1.
O atendimento pela autoridade policial está regulamentado no Capítulo III
da Lei 11.340/2006, artigos 10, 11 e 12. Além das atividades de polícia judiciária, como
o registro de ocorrência policial e a retomada dos inquéritos policiais como instrumento
de apuração das responsabilidades nos ilícitos penais que se enquadram na lei, a
autoridade policial também deve atuar para que sejam aplicadas as medidas protetivas
de urgência, sempre que a mulher solicitar. Estas medidas são, em sua maior parte, de
natureza cível, tais como os pedidos de afastamento do agressor, pedidos de guarda de
filhos e ações de alimentos. Cabe também à autoridade policial providenciar para que
esta mulher receba socorro médico e tenha preservada sua segurança, transferindo-a
para local seguro e adequado.
Com esta alteração, a polícia passa a atuar de imediato em duas frentes de
intervenção. Os pedidos de medidas protetivas possuem trâmite rápido, e uma vez que
sua solicitação tenha sido registrada, seu envio deverá ser imediato para o juízo
competente para o seu deferimento. Paralelamente, deverá a mesma autoridade policial
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A possibilidade de prisão preventiva do agressor está prevista no art. 20 da Lei:
Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do
agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação
da autoridade policial.
As medidas protetivas de urgência estão previstas no art. 12 da Lei 11.340/2006:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o
juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas
protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos
da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância
entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento
multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
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providenciar a instauração do inquérito policial, realizando todos os trâmites da
investigação criminal.
Outra mudança introduzida pela Lei 11.340/2006 refere-se à possibilidade
de realização da prisão em flagrante delito 2 em casos de violência doméstica e familiar
contra a mulher, procedimento até então pouco utilizado nas Delegacias de Defesa da
Mulher.
Na prática as novas atribuições provocaram o aumento do volume de
trabalho para as polícias, em especial para as DEAMS. Contudo, pouco se sabe como
estas Delegacias têm administrado suas novas atribuições. Fato é que pouco se conhece
sobre a atuação policial na aplicação da Lei Maria da Penha, tanto no que se refere aos
obstáculos que estão sendo encontrados para o cumprimento das novas atribuições,
quanto no que se refere às soluções exitosas, que certamente existem.
De outro lado, a concessão da medida protetiva de urgência, solicitada pela
mulher na DEAM, é encaminhada ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra
a Mulher, e somente poderá ser deferida pela autoridade judicial, que se valerá para a
tomada de decisão das informações fornecidas pela Polícia Civil. Uma vez concedida a
medida, a questão que se coloca é a sua eficácia. Muitas vezes a medida é deferida e a
mulher não toma conhecimento do deferimento, pois para tanto precisa comparecer
novamente ao Juizado. Caso tome conhecimento, não há mecanismos ágeis e eficazes
para dar efetividade às mesmas, e tem se repetido os casos em que mulheres que
receberam a medida protetiva acabaram novamente agredidas ou até mortas pelos
agressores.
Ao mesmo tempo, surgem em vários lugares iniciativas importantes para
garantir a eficácia preventiva destas medidas, como grupos especializados das Polícias
Militares voltados para o seu acompanhamento, ou a utilização de monitoramento
eletrônico de homens agressores para que cumpram a medida determinada judicialmente
de afastamento da vítima.
Diante da importância do tema e da necessidade de um conhecimento mais
aprofundado a respeito das diferentes etapas de concessão e implementação da medida
Entre 1995 e 2006 a maior parte dos casos registrados nas delegacias de defesa da mulher era de
competência da Lei 9099/95. Embora o volume de registros fosse elevado, a quantidade de
trabalho aplicada pelos policiais na confecção dos Termos Circunstanciados foi bastante reduzida.
As prisões e os inquéritos policiais, por sua vez, eram exceção e aplicavam-se, sobretudo, aos crimes
sexuais.
2
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protetiva de urgência para mulheres vítimas de violência, pretendeu-se, com a presente
pesquisa, verificar estas questões em três capitais que tem chamado a atenção
nacionalmente pela implementação de mecanismos inovadores para o deferimento e o
controle da aplicação das medidas: Porto Alegre – RS, Belo Horizonte – MG e Recife –
PE.
A necessidade de aprofundar o conhecimento a respeito das boas práticas
existentes, assim como das dificuldades persistentes para a efetivação dos mecanismos
de prevenção estabelecidos em lei para a proteção da mulher vítima de violência,
justificam a realização da presente pesquisa, que partiu das seguintes questões
norteadoras:
• Qual é o processo envolvendo a solicitação e o atendimento a medidas
protetivas, nas cidades de Porto Alegre – RS, Belo Horizonte – MG e Recife
– PE ?
• Quais são as medidas mais solicitadas? Quais são mais concedidas?
• Como as mulheres em situação de violência e os profissionais envolvidos
no pedido de concessão das medidas protetivas as avaliam?
• Qual é a percepção sobre a efetividade das medidas protetivas na
perspectiva das mulheres em situação de violência e dos profissionais
envolvidos?
• O retorno acerca das medidas protetivas ocorre em tempo hábil?
Para dar conta deste conjunto de questões, o relatório a seguir apresentado
está dividido em três capítulos, um para cada uma das capitais pesquisadas. Cada
capítulo apresenta uma visão geral a respeito da aplicação das medidas protetivas de
urgência em cada uma das etapas do fluxo do sistema de segurança pública e justiça
criminal, a percepção dos operadores entrevistados sobre a atuação dos diferentes
órgãos, desde o registro policial até o acompanhamento da medida, e a percepção das
mulheres vítimas de violência sobre a eficácia das medidas de urgência. Por fim são
apresentadas
nas
considerações
finais
da
pesquisa,
algumas
conclusões
e
recomendações para o aperfeiçoamento das políticas de prevenção à violência
doméstica e familiar contra a mulher, em especial das medidas protetivas de urgência,
com base nos resultados obtidos nas três cidades investigadas.
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Para sua realização, o enfoque metodológico adotado foi qualitativo,
valendo-se prioritariamente da realização de entrevistas semiestruturadas a respeito de
cada uma das etapas de aplicação e acompanhamento das medidas protetivas de
urgência previstas pela Lei Maria da Penha. Foram realizadas entrevistas nas três
capitais
pesquisadas,
mediante
roteiros
semiestruturados
de
questões,
que
posteriormente foram processadas e analisadas segundo as questões norteadoras da
presente pesquisa.
As entrevistas foram realizadas, em cada uma das capitais pesquisadas, com
as Delegadas atuantes na Delegacia da Mulher, com a(s) Juíza(s) ou o(s) Juiz(es)
responsável(eis) pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, pelos
integrantes do Ministério Público e da Defensoria Pública atuantes no Juizado, pelos
Comandantes de equipes especializadas das Polícias Militares responsáveis pelo
acompanhamento das medidas protetivas e pelos responsáveis pelos programas de
monitoramento eletrônico utilizados para a efetivação de medidas protetivas de
urgência.
Para aferir a percepção das mulheres que recorreram ao sistema de
segurança pública em cada uma das capitais pesquisadas, buscando a proteção contra a
violência, foram entrevistadas mulheres que tiveram medidas deferidas ou indeferidas
pelo Poder Judiciário, para avaliar a percepção das mesmas a respeito da concessão ou
não da medida e as possíveis consequências ocorridas no período imediatamente
posterior à decisão judicial. As entrevistas não tiveram a preocupação com a
representatividade estatística, mas sim em dar conta da experiência vivenciada no
contato com o sistema, na dimensão específica das questões norteadoras da presente
pesquisa.
Para a realização das entrevistas, os aspectos éticos foram preservados,
garantindo-se a todas as entrevistadas a possibilidade de concederem ou não seu
consentimento livre e esclarecido para a participação na pesquisa, sendo preservado o
anonimato e a privacidade de todas as entrevistadas. Da mesma forma, procurou-se
garantir o livre consentimento dos demais participantes da pesquisa, servidores públicos
que manifestaram seu interesse em conceder as entrevistas solicitadas. Não foi
solicitado, da parte dos mesmos, o anonimato, mas optou-se, no presente relatório, por
não referir os nomes dos entrevistados, sendo referidos nos trechos de entrevistas
reproduzidos apenas a vinculação aos cargos ou postos exercidos pelos entrevistados.
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O número de entrevistas realizadas, as formas encontradas para estabelecer
contatos com os operadores do sistema e com as mulheres vítimas, e as dificuldades
encontradas ao longo da pesquisa de campo, são apresentados de forma detalhada em
cada um dos capítulos a seguir.
O enfoque utilizado para a análise de todo o material coletado nas
entrevistas foi voltado para a identificação do histórico, limites e possibilidades de
aperfeiçoamento dos mecanismos policiais e judiciais de garantia dos direitos da mulher
contra a violência, assim como para a avaliação, a partir da percepção dos entrevistados,
sobre os resultados até aqui alcançados pelas políticas implementadas. Levando em
conta as características específicas das instituições pesquisadas em cada uma das
cidades, bem como os estágios diferenciados de implementação dos diferentes
mecanismos de atendimento à mulher vítima de violência, optou-se por não realizar
uma comparação ponto a ponto entre as cidades. Procurou-se, nos capítulos que tratam
de cada uma das experiências pesquisadas, identificar os pontos fortes e as limitações
dos programas implementados, e ao final, nas considerações finais, integrar os
resultados específicos em uma análise mais abrangente sobre os resultados alcançados.
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2. Belo Horizonte
Na cidade de Belo Horizonte, diversas são as “portas de entrada” da vítima
dentro do sistema, posto que muitas das instituições afirmam fazer esse primeiro
trabalho de atendimento. O processo mais comum é através do encaminhamento da
Polícia Militar para a delegacia de Polícia Civil. Quase tão comum quanto esse processo
é a demanda espontânea das vítimas em irem à delegacia diretamente.
O Serviço de Prevenção à Violência Doméstica (PVD) da Polícia Militar de
Minas Gerais, foi criado em 2010. Trata-se de uma iniciativa pioneira da Polícia Militar,
de criar um grupo especializado para dar atendimento para casos de violência doméstica
e familiar. Crimes que correspondem a cerca de 60% das ocorrências de crimes contra a
vida nas quais os policiais militares são chamados a intervir através de chamados à
central 190 (Azevedo et al., 2013).
A metodologia do serviço consiste numa abordagem denominada Primeira e
Segunda Resposta, que correspondem, respectivamente, ao atendimento imediato no
momento da ocorrência e acionamento da Central 190 e o acompanhamento da
ocorrência nas semanas seguintes a esse atendimento. Para cada uma dessas
intervenções foi desenvolvido um protocolo de atendimento e encaminhamentos.
Enquanto a Primeira Resposta é realizada por qualquer policial que trabalha no
policiamento ostensivo, a Segunda Resposta é atividade desempenhada por equipes
menores, especializadas, e que realizam o acompanhamento dos casos e seus
encaminhamentos. Em todos os casos, os policiais recebem treinamentos sobre
violência doméstica e familiar e atuam de acordo com um protocolo que orienta quanto
ao atendimento e registro da ocorrência que deve privilegiar a observação do contexto e
o registro de informações que permitam à Polícia Civil dar continuidade ao inquérito
policial.
Após o atendimento realizado pela equipe de patrulhamento ostensivo, as
ocorrências são registradas no sistema de Registro de Eventos da Defesa Social – o
REDS, o mesmo que é alimentado pela Polícia Civil. A sequência desse atendimento
passa a ser realizada pela equipe de Segunda Resposta.
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Diariamente a equipe acessa o sistema de dados para analisar as ocorrências que
foram registradas desde o encerramento de seu último turno de trabalho. A primeira
atividade da equipe é analisar caso a caso e selecionar aqueles que são considerados
mais graves e urgentes para o acompanhamento. Entre os critérios para essa seleção
estão a gravidade da violência praticada, ou a recorrência do comportamento violento,
que pode ser verificada pela quantidade de registros policiais anteriormente realizados
pela vítima, ou a existência de medidas protetivas de urgência (Azevedo et al., 2013).
2.1 A visão dos Operadores do Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal
Foram realizadas em Belo Horizonte treze entrevistas com representantes de
seis instituições:
Tabela 1 – Entrevistas com operadores dos serviços especializados de atendimento
à mulher vítima de violência em Belo Horizonte
Instituição
Serviço especializado na área de violência
Data da entrevista
doméstica
Polícia Militar
Serviço de Prevenção à Violência Doméstica
16/05/2014
(PVD)
Polícia Civil
Central de flagrantes (CEFLAN)
26/05/2014
Delegacia Especializada no Atendimento à
13/05/2014
Mulher (DEAM)
Defensoria
Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher em
20/05/2014
Pública
Situação de Violência (NUDEM)
20/05/2014
20/05/2014
Ministério
Promotoria Especializada no Combate à
29/05/2014
Público
Violência Doméstica e Familiar Contra à Mulher
29/05/2014
04/06/2014
Judiciário
13a vara criminal
30/05/2014
14a vara criminal
30/05/2014
15a vara criminal
09/06/2014
Programa de
Unidade Gestora de Monitoramento Eletrônico
26/05/2014
Monitoramento
da Subsecretaria de Estado de Administração
Eletrônico
Prisional
Nos dois casos, geralmente, o plantão da DEAM (que é localizada em um prédio
na área central da cidade, e onde estão localizados também outros órgãos de defesa aos
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direitos, e é conhecido como Casa da Cidadania) é a seção, dentro da Polícia Civil,
procurada para esse primeiro atendimento. Embora a delegacia seja a forma usual de
entrada, outras instituições atuam neste sentido, por exemplo, a Defensoria Pública.
Nós também fazemos o requerimento diretamente aqui, então, muitas vezes,
a mulher não faz o requerimento na Delegacia, apenas em alguns casos, uma
parcela desses casos, que é um percentual minoritário, pois a maioria faz pela
Delegacia. Então alguns processos de medidas protetivas, algumas ações de
medidas protetivas, são feitas diretamente pela Defensoria Pública,
independentemente do expediente policial. (Defensor Público)
O discurso de que a delegacia é a principal “porta de entrada” é comum a todos
os atores pesquisados. “Raros são os casos, um ou dois, que vem do Ministério Público,
raríssimas exceções, eu não me lembro de nenhuma, que tenha vindo da Defensoria”,
afirmou um dos juízes pesquisados.
Uma vez solicitada medida na delegacia de polícia, ela deve ser encaminhada ao
juiz em até 48 horas. Isto é, para além do fluxo normal do sistema, onde a Polícia
Militar encaminha a vítima para a delegacia, essa por sua vez, envia a solicitação da
Medida Protetiva para a vara. O juiz examina o procedimento e decide o que fazer: se
concede a medida diretamente, se solicita alguma prova adicional a ser produzida e
apresentada pela vítima na audiência de justificação, se encaminha a mulher para o setor
técnico ou, até mesmo, se ouve a Defensoria e o Ministério Público. Qualquer dessas
decisões deve ser tomada em até 48 horas, conforme disposto em lei. Em que pese o
respeito a esse prazo, em regra, é importante destacar a inexistência de um trabalho ou
ações que interligam as instituições - sendo impossível, assim, falar da existência de
uma rede de proteção.3
Uma vez concedida a medida, dois são os problemas a serem enfrentados.
Primeiro, a ciência da vítima, que pode ocorrer vários dias ou até meses após a decisão
judicial, impactando diretamente a possibilidade de proteção à vítima. Segundo, o
acompanhamento do cumprimento da medida. Nesse quesito, todos os entrevistados, em
maior ou menor medida, alegam existir algum procedimento destinado a constatar a
violação das determinações judiciais. Entretanto, é necessário qualificar esse
acompanhamento,
3
pois a
maioria dos atores
entrevistados entende que a
Embora ocorram reuniões com o intuito de fixar essa rede (uma dessa presenciada pelos pesquisadores)
com a participação de atores de diversos órgãos, entre eles, as instituições supracitadas, prefeitura, ONG e
outras, através das entrevistas não identifica-se uma agenda de ações que abarcasse tal finalidade.
16
responsabilidade de relatar o descumprimento da medida é da vítima. Neste sentido, o
acompanhamento feito é uma espécie de “acompanhamento passivo”, no qual os casos
são monitorados apenas quando as instituições são informadas pela própria vítima do
descumprimento.
Duas são as exceções à situação supracitada. A primeira é o trabalho
denominado PVD (Serviço de Prevenção à Violência Doméstica), desempenhado pela
Polícia Militar, no qual há acompanhamento ativo e preventivo tanto de algumas
medidas protetivas, como de ocorrências policiais advindas de violências domésticas
onde não há a decretação de medida protetiva. A segunda exceção são os casos em que
a medida protetiva determina o uso de uma tornozeleira eletrônica pelo acusado, que
tem em sua própria dinâmica o trabalho de acompanhamento constante.
De maneira geral, o fluxograma descrito nos parágrafos anteriores pode ser
vislumbrado na Figura 01, que procura apresentar os caminhos percorridos pela mulher,
desde o registro da violência sofrida em âmbito doméstico, passando pelo próprio
Expediente Apartado de Medida Protetiva (EAMP), que deve sair da DEAM, passar
pelo judiciário e retornar à mulher no formato de uma decisão judicial, que concede os
pedidos feitos na delegacia ou os nega.
Fluxograma das instituições em BH
Defensoria
PVD -PM
PM –
Forma
Geral
DEAM
Vara
Vítima
Outras
Delegacias
Bem Vinda
Ministério
Público
Como se pode verificar na Figura 1, há duas instituições que se encontram ao
final do fluxo de encaminhamento, as quais são acionadas em casos considerados mais
graves ou de maior vulnerabilidade. A primeira é a Casa Abrigo Bem Vinda, uma
instituição do próprio estado, destinada a receber mulheres vítimas de violência que não
possuem um lugar seguro para ficar. A segunda exceção é o PDV, que foi citado pelos
juízes e defensores como um recurso a mais, e de cunho interinstitucional, de garantia
das medidas. No fluxograma apresentado, a espessura das setas informa o maior ou
menor fluxo, a cor azul informa o fluxo normal e, por sua vez, a cor vermelha informa
procedimentos adotados no sentido de obter um melhor desempenho no que tange a
segurança da vítima.
Entendido o fluxo, a questão importante a ser investigada dizia respeito à
eficácia das medidas. O que se percebe na fala dos operadores são perspectivas
diferentes sobre o sentido e a eficácia das medidas protetivas, tratadas aqui como
“tendências”. A primeira tendência vai no sentido de que o puro e simples cumprimento
da lei teria condições de garantir a efetividade das decisões.
A Lei dá esse instrumento. O Judiciário não pode inventar situações, a gente
procura aplicar a Lei e a Lei, por si só, basta. (Juiz I)
Neste sentido, a medida é eficaz pelo simples motivo de ser uma medida jurídica
adequada. Assim, outros aspectos, externos ao campo jurídico, não são considerados, e
por isso, nada há a ser feito para além da concessão da medida.
Uma segunda tendência de reposta é a relativização da eficácia das medidas
aplicadas. Neste sentido, destacam-se as opiniões de que a medida mais eficaz é aquela
onde há um controle efetivo do comportamento do acusado, sendo esta a de
monitoramento eletrônico. Abaixo algumas citações que comprovam essa tendência:
(...) usar uma tornozeleira, tudo isso tem um caráter protetivo na medida em
que inibe e coíbe a ação do agressor. (Defensor Público)
Sim. Reincidência quase zero com a tornozeleira. (Juiz I)
O descumprimento da tornozeleira é menos de 10%. Não tenho dados
estatísticos, é pela minha experiência. (Juiz II)
(...) quando se fala em tornozeleira, de um arranjo que garante, pelo menos
em tese, a efetividade daquilo que foi previsto. (Policial militar)
19
Uma terceira tendência de resposta entende que a lei e as medidas são eficazes,
mas o grande problema é o agressor, que dificulta o funcionamento do sistema, que não
tem condições de atuar preventivamente:
A medida é eficaz, a lei é eficaz, quem não é eficaz é o homem, quem erra é o
homem. Não adianta a gente proibir o sujeito de não descumprir a medida
protetiva e ele descumprir. A lei é boa, falha é o homem. Se o homem quiser,
isso em qualquer área e qualquer crime, se o sujeito quiser cometer um
homicídio, ele pode cometer. (Policial Civil)
Por fim, a última tendência de resposta é a percepção de que o sistema de justiça
carece de um mecanismo que garanta a eficácia das medidas deferidas. Essa vertente
pode ainda se dividir em duas categorias. A primeira é a percepção da ausência da
estrutura do sistema de justiça em fazer valer o cumprimento das medidas. A segunda
categoria atribui a ausência de estrutura não apenas ao sistema de justiça, mas ao país
como um todo. Neste sentido, se o país não funciona, as medidas também não.
Eu acho muito precário todo o sistema. O sistema de justiça no Brasil é muito
precário em todas as áreas. Ele tem um mau funcionamento, porque o Estado
brasileiro funciona mal, então a justiça também funciona mal. (Defensor
Público)
Para além das percepções dos operadores, em Belo Horizonte foram coletadas
informações processuais nas varas destinadas a tratar dos casos enquadrados na Lei
Maria da Penha. Ao todo foi possível analisar 20 processos referentes a parte das 27
mulheres posteriormente entrevistadas. Embora não existam informações para todas as
variáveis mensuradas, já que em alguns casos não há a certidão do oficial de justiça
comunicando a ciência das mulheres da concessão / negativa das medidas protetivas e o
número de casos pesquisados seja extremamente pequeno para qualquer inferência
acerca do universo de processos existentes nas varas, abaixo se encontram elencados
alguns resultados a título de ilustração.
A primeira informação relevante é que em 11 casos houve descumprimento da
medida, seja pela vítima (em menor número de casos), seja pelo autor. Ou seja, em mais
da metade dos casos houve descumprimento da medida protetiva.
Mensurou-se também o espaço temporal entre as datas mais importantes do
fluxo, entre o fato criminal e o recebimento de medida. Neste quesito, observa-se que
praticamente não há diferença entre a data do fato e o pedido de medida protetiva, isto é,
20
o pedido é emitido juntamente com o primeiro atendimento feito, que geralmente ocorre
no mesmo dia do fato criminal.
Quando o espaço temporal mensurado é entre a data do pedido da medida
protetiva e a data da decisão judicial, observa-se que, por vezes, o prazo legal de até 48
horas não está sendo cumprido (Quadro 1).
Tabela 2 – Dados descritivos acerca do tempo entre a medida protetiva
e a análise do judiciário
Prazo (em
dias)
Média
20,4
Mediana
4
Moda
2
Mínimo
1
Máximo
Percentual
180
25
50
2
4
75
11,5
FONTE: Elaboração própria a partir dos dados do Tribunal de Justiça – 2014
Como se pode perceber, apenas 25% dos casos pesquisados obedeceu o prazo
máximo de 48h para o deferimento ou não da medida, determinado por lei. A média de
tempo gasto entre o pedido e a análise é de 20 dias. Entretanto, essa média está sofrendo
forte influência do valor máximo (180 dias) que é claramente um outlier.
Por fim, outra informação mensurada foi o tempo entre a decisão e a ciência da
vítima acerca do pronunciamento judicial que, de acordo com a lei, deveria ser de 48
horas. Observa-se que a média de dias é um pouco maior que 12 dias, tendo como
intervalo de tempo mais comum 8 dias. Observa-se também que três quartos das
medidas protetivas estudadas não levaram mais que 18 dias para serem comunicadas,
como demonstra o quadro abaixo.
21
Tabela 3 – Dados descritivos acerca do tempo entre a análise do judiciário
e a comunicação a vítima
Tempo
(em dias)
Média
12,1
Mediana
8,5
Moda
8
Mínimo
0
Máximo
Percentual
32
25
5,3
50
8,5
75
17,3
FONTE: Elaboração própria a partir dos dados do Tribunal de Justiça – 2014
Portanto, em que pese as mulheres solicitarem as medidas protetivas na data da
agressão, o tempo decorrido para o julgamento do cabimento da medida e a sua
comunicação à vítima acaba sendo bem maiores, em média, do que a previsão legal
voltada para a celeridade da concessão da medida. Primeiro, por tardar
consideravelmente em apresentar uma decisão, em parte em razão de encaminhamentos
outros – para a audiência de justificação, para o setor técnico ou para o pronunciamento
do Ministério Público e da Defensoria Pública – em detrimento da concessão ou
negativa do pedido. Segundo, o Judiciário também parece falhar na comunicação da
decisão às mulheres vítimas, as quais terminam tomando ciência do pronunciamento do
juiz em suas constantes idas às varas judiciais em busca da proteção prometida pela lei.
2.2 A visão das mulheres que demandaram atendimento previsto pela Lei
11.340/2006
Nesta etapa da pesquisa, realizou-se uma série de entrevistas semiestruturadas
com mulheres que solicitaram medidas protetivas nas Delegacias Especializadas no
Atendimento à Mulher (DEAM) e que foram concedidas ou negadas pelo Poder
Judiciário. A opção por ouvir as mulheres decorre da necessidade de reconstruir a
realidade a partir de suas próprias protagonistas. Essa dimensão se torna especialmente
importante quando o ponto em observação é a prestação jurisdicional, que é
“tradicionalmente concebida como uma virtude ou norma, através da qual todos
recebem (ou deveriam receber) aquilo que merecem” (Matos, 2013, p. 145).
22
Pretendeu-se verificar como as mulheres percebem a concessão ou negativa da
medida protetiva do ponto vista de sua eficácia. A estratégia adotada consistiu na
abordagem desse público nas salas de espera das Varas Maria da Penha, que são as 13ª,
14ª e 15ª Varas Criminais da Cidade de Belo Horizonte.
As mulheres selecionadas para entrevista foram as que esperavam atendimento
pelo setor técnico ou as que saíam dessa atividade, em detrimento daquelas que
participavam de Audiência de Instrução e Julgamento (AIJ). A predileção por aquele
público deveu-se ao fato de as mulheres não estarem abaladas com a presença do
suposto agressor (que não é chamado para as reuniões do setor técnico) ou com o
significado de uma audiência criminal, tal como constatado na primeira fase do trabalho
de campo. Além disso, como o processo de medida protetiva não é apensado ao
processo criminal, apenas no setor técnico existiria a possibilidade de acesso aos autos,
o que permite a reconstrução do fluxo de processamento, a melhor compreensão do caso
que suscitou o pedido de proteção e, ainda, a identificação de alguns equívocos das
entrevistadas quanto à data de concessão da medida e, até mesmo, quanto à sua
existência.
Em situações excepcionais, as vítimas de violência doméstica aguardando pela
AIJ foram entrevistadas, ou porque elas pediram para serem ouvidas ou porque, em
razão de suas medidas protetivas excepcionais (como prisão e abrigamento), seria
importante para a pesquisa ouvi-las, de forma a contar com uma variabilidade maior de
casos. No entanto, como os seus processos de medida protetiva não estavam em análise
pelos juízes, não foi possível consultá-los e, dessa forma, checar a veracidade da
informação prestada.
Uma informação que merece destaque é a situação em que a mulher afirma
possuir medida protetiva, mas, quando se consulta o seu processo, percebe-se que esse
dado não corresponde à realidade dos fatos. Como se verá na transcrição dos
depoimentos, isso ocorre porque a cópia do Expediente Apartamento de Medidas
Protetivas (EAMP), preenchido na DEAM quando do registro da violência doméstica,
enumera as medidas solicitadas pela mulher. Para várias das entrevistadas, esse
documento é suficiente para que elas sejam incluídas na proteção prevista em Lei, não
sendo necessário o exame de tal pedido pelo Poder Judiciário. Nesses casos, elas
afirmam contar com a medida e, inclusive, acionam os demais serviços policiais
fazendo referência à vigência desse instituto quando, do ponto de vista formal, ele não
existe. Essa dificuldade de compreensão do fluxo de processamento das medidas parece
23
indicar que, em algumas situações, a linguagem e as conexões das organizações que
compõem o sistema de justiça criminal são de difícil compreensão por parte de suas
usuárias.
A equipe entrevistou 27 mulheres, sendo que 22 autorizaram a gravação do
depoimento (Quadro 4).
24
Tabela 4 – Lista das entrevistas gravadas com mulheres vítimas de violência doméstica que solicitaram a concessão de medida protetiva
ao Judiciário
Data da
Entrevista
Natureza do caso
Lesão corporal e
12/08/2014 agressão
12/08/2014 Ameaça
Data de concessão da medida
Natureza da medida
Maio de 2014
Junho de 2013
12/08/2014
12/08/2014
14/08/2014
14/08/2014
14/08/2014
19/08/2014
19/08/2014
19/08/2014
Agosto de 2012
Sem medida
Prisão
Proibição de aproximação e contato
Afastamento do lar, proibição de
aproximação e contato
Agressão e Ameaça
Ameaça
Agressão
Agressão
Agressão
Lesão corporal
Agressão e Ameaça
Lesão corporal
Agressão e lesão
19/08/2014 corporal recíproca
20/08/2014 Agressão e Ameaça
20/08/2014 Ameaça
21/08/2014 Agressão e Ameaça
21/08/2014 Agressão
21/08/2014 Agressão e Ameaça
22/08/2014 Ameaça
26/08/2014 Ameaça
26/10/2012 Proibição de aproximação e contato
12/05/2014 Proibição de aproximação e contato
Julho de 2012
10/10/2013 Proibição de aproximação e contato
Proibição de aproximação e contato
26/02/2014 Proibição de aproximação e contato
Afastamento do lar, proibição de
25/03/2014 aproximação e contato
Sem pedido de medida
protetiva
20/02/2014 Proibição de aproximação e contato
Abrigamento, proibição de
Sem informação
aproximação e contato
Sem medida, mas a entrevistada
afirma que recebeu
Sem medida, mas a entrevistada
afirma que recebeu
Frequência ao Dialogar, proibição de
19/03/2014 aproximação e contato
Afastamento do lar, proibição de
02/04/2014 aproximação e contato
Sem informação
Entrevista
gravada
Número do processo
Sim
Sim
Não houve acesso ao processo
Não houve acesso ao processo
Sim
Não
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
Sim
Não houve acesso ao processo
Não houve acesso ao processo
110722-96.2012.8.13.0024
1234229-85.2014.8.13.0024
Não houve acesso ao processo
2922600-90.2013.8.13.0024
Não houve acesso ao processo
0985904-63.2014.8.13.0024
Não
0895079-73.2014.8.13.0024
Sim
Sim
1263269-15.2014.8.13.0024
0984949-32.2014.8.13.0024
Sim
Não houve acesso ao processo
Não
1276485-42.2014.8.13.0024
Sim
2377874-59.2011.8.13.0024
Sim
0891391-06.2014.8.13.0024
Sim
0899915-89.2014.08.13.0024
25
Data da
Entrevista
Natureza do caso
26/08/2014 Ameaça
27/08/2014 Lesão corporal
27/08/2014 Ameaça
27/08/2014 Agressão
27/08/2014 Estupro
28/08/2014 Lesão Corporal
28/08/2014 Ameaça
02/09/2014 Ameaça
03/09/2014 Agressão
Fonte: Dados da pesquisa
Data de concessão da medida Natureza da medida
Sem medida
16/09/2009 Proibição de aproximação e contato
Frequência ao Dialogar, proibição de
03/02/2014 aproximação e contato
Fevereiro de 2014
Proibição de aproximação e contato
Afastamento do lar, proibição de
05/02/2014 aproximação e contato
Sem pedido de medida
protetiva
Sem medida, pois a entrevistada
desistiu do procedimento
Sem medida
Sem medida, pois a entrevistada
desistiu do procedimento
Entrevista
gravada
Número do processo
Não
1274597-39.2014.8.13.0024
Sim
0024.09.6.36354-4
Sim
Não
0454687-59.2014.8.13.0024
0447855-10.2014.8.13.0024
Sim
0459363-50.2014.8.13.0024
Sim
1265975-68.2014.8.13.0024
Sim
Sim
1257295-94.2014.8.13.0024
1262998-06.2014.8.13.0024
Sim
1278721-65.2014.8.13.0024
26
A seguir estão destacadas as especificidades de cada uma das entrevistas, com a
descrição das situações que levaram as mulheres à solicitação da medida protetiva, o
entendimento do juiz sobre o caso e, ainda, como as vítimas de violência doméstica
percebem a eficácia da proteção prevista na Lei Maria da Penha.
Caso I - Medida protetiva de prisão (gravado)
A mulher protegida em razão das lesões corporais do marido, com o qual tinha um
filho, decidiu pedir as medidas protetivas, por estar "cansada das agressões constantes",
especialmente, depois de uma “surra”. Foi nesse momento que ela resolveu chamar a Polícia
Militar que, ao chegar à residência da vítima, a informou sobre o que poderia ser feito
(inclusive da possibilidade de encaminhamento para a Casa Abrigo).
A entrevistada disse que ficou surpresa com o desenrolar de seu caso, pois achava
que chamaria a polícia, faria o REDS e iria para casa com o agressor. No entanto, ele foi
preso imediatamente (em flagrante) e assim permanece. Em sua opinião, o desenvolvimento
do caso fez com que ela se sentisse segura, pois houve efetivo cumprimento das medidas
protetivas. A vítima afirmou que uma forma de se evitar situações de violência como a que
ela sofria é fazer com que as mulheres chamem a polícia e denunciem.
Caso II - Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (gravado)
A mulher agredida por sua nora, em razão de ambas residirem no mesmo lote, foi
informada sobre a aplicabilidade da Lei Maria da Penha ao seu caso na delegacia do idoso,
para onde foi encaminhada pela Polícia Militar após a agressão. Segundo ela, a Medida
Protetiva funcionou muito bem por um tempo. Contudo, recentemente, os filhos de sua exnora começaram a lhe agredir verbalmente, contribuindo para que ela se sinta novamente
desprotegida.
De acordo com ela, a medida protetiva contribui para o empoderamento das mulheres
vítimas de violência e, por isso, ela não teve qualquer sugestão para aprimoramento do
instituto.
Caso III - Medida protetiva de afastamento do lar combinada com proibição de aproximação
e contato (gravado)
A mulher que registrou ocorrência contra o marido após uma série de episódios de
violência psicológica descreveu como a vitimização que começou em casa se perpetuou ao
longo de todo o fluxo de encaminhamento. Na DEAM, no momento de fazer a queixa contra
27
o marido, segundo ela foi muito mal atendida: “só tinha homens para nos atender” e “o
delegado não queria que eu prestasse queixa”. A mulher não desistiu por temer pela vida dos
filhos e, além do registro criminal, solicitou a concessão das medidas.
A vítima relata que as medidas de afastamento e de não aproximação não foram
cumpridas pelo marido e que, mesmo chamando a polícia, não adiantou, porque o homem só
pode ser preso em flagrante, o que nunca ocorreu. A entrevistada considera que as medidas
não são efetivas, pois não há fiscalização do seu cumprimento. Para ela é isso que falta para
que casos de violência doméstica contra a mulher não mais ocorram.
Caso IV – Sem pedido de medida protetiva (não gravado)
Por solicitação da própria entrevistada, esta conversa não pôde ser gravada. Ela
contou que o motivo de sua presença na Vara Maria da Penha era a violência verbal sofrida
em 2013, quando seu filho a ameaçou de morte. Nessa ocasião, a Polícia Militar foi
chamada, mas os policiais não informaram muito bem o que poderia ser feito; disseram que a
vítima podia pedir para o agressor ser preso, o que ela não queria.
O seu maior desejo é internar o filho, que por ser usuário de drogas, frequentemente
lhe agride, ameaçando-a de morte. A principal queixa dessa mulher é a demora na análise
dos documentos que vêm da polícia, pelo juiz, para a concessão da medida. A vítima foi
chamada para esclarecer sobre a necessidade das medidas depois de um bom tempo do
ocorrido e, se não tivesse tomado alguma providência por si mesma, já estaria morta, posto a
sua coabitação com o agressor.
Caso V - Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (gravado)
A mulher entrevistada era casada há 10 anos com o agressor, que a agredia
fisicamente há algum tempo, principalmente por não aceitar que ela trabalhasse e, depois,
por não se conformar com o pedido de divórcio. A entrevistada relatou que a denúncia do
ex-marido à polícia não foi fácil, pois nem os seus familiares acreditavam nos relatos de
violência. O registro aconteceu por que o pai da vítima presenciou uma agressão em que o
marido quase a matou.
O caso ocorreu em 29 de abril de 2012. O juiz da 14ª Vara indeferiu a concessão da
medida e encaminhou o processo para a análise do setor técnico. Em 26 de outubro de 2012
(seis meses depois do fato) deferiu a proibição de aproximação e contato. O Ministério
Público, em 18 de fevereiro de 2014, pediu o agravamento das medidas, dado que o agressor
voltou a agredir a vítima, pois não aceitava que ela estivesse se relacionando com outra
28
pessoa. A promotora solicitou o uso de tornozeleira eletrônica, que o juiz não concedeu em 2
de abril de 2014, mas determinou que o acusado frequentasse o grupo de apoio a homens
agressores por quatro meses, uma vez por semana (processo 110722-96.2012.8.13.0024).
Caso VI - Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (gravado)
A vítima da agressão ocorrida em 8 de maio de 2014 teve a medida concedida em 12
de maio de 2014, ou seja, quatro dias depois do fato. Segundo a mulher, a culpa não foi do
agressor e sim do filho do casal, "que é muito problemático". Ela afirma que o marido é bom
e as medidas protetivas não foram cumpridas porque ela tenta entrar em contato com ele.
A mulher enfrenta sofrimento psíquico e, além de tomar remédio controlado,
frequenta um hospital psiquiátrico. Durante a entrevista, ela afirmou que as medidas são
eficazes, que recebeu informações da delegada sobre como poderia agir e que a PM a visitou
para verificar se as medidas eram efetivamente cumpridas. Ao analisar o processo, foi
detectado que, em 2 de julho deste ano, o juiz pediu que a PVD da PM visitasse a vítima
para averiguar se a mulher tinha problemas mentais ou não, o que foi confirmado por eles.
Um mês depois, a mulher pediu a revogação das medidas.
De toda forma, ela avaliou a proteção oferecida pela Lei Maria da Penha como muito
boa e diz solicitar a revogação de suas medidas apenas porque o marido é uma pessoa
excelente, não merecendo o que ela fez com ele (processo 1234229-85.2014.8.13.0024).
Caso VII - Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (não gravado)
Neste caso, a mulher não queria que sua entrevista fosse gravada e não foi possível o
acesso ao processo. O fato que a levou a solicitar a proteção foi a agressão física e verbal por
parte do marido ocorrida em julho de 2010. Desde então, ela possui as seguintes medidas:
proibição de aproximação (300 m) e proibição de contato, dela e dos familiares.
Entretanto, a vítima afirmou que o agressor não cumpre as medidas, dado que eles se
encontram em situação de coabitação; e não soube responder como ficou sabendo que a
medida protetiva fora concedida: “acho que foi aqui no Judiciário mesmo”. O serviço de
prevenção à violência doméstica (PVD) da Polícia Militar a visitou por algum tempo e,
durante esses encontros, a entrevistada foi informada sobre a existência de núcleos de apoio
às mulheres, mas não se lembrava muito bem dos serviços que eles oferecem.
Como o agressor continuou morando com a vítima, a relação com os filhos não foi
alterada devido às medidas. Segundo ela, as medidas são eficazes: “as medidas funcionam,
29
só não funcionou no meu caso”. Mesmo com o descumprimento por parte do agressor, ela se
sentiu protegida com a sua concessão, pois, todas as vezes que ameaça chamar a polícia, o
agressor se acalma. Perguntada sobre o que deve ser feito para que situações como a dela
não ocorram com outras mulheres, afirmou que "a única medida é rezar. O culpado é o diabo
por meio do álcool e das drogas".
Caso VIII – Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (gravado)
As agressões verbais e físicas que suscitaram o pedido de proteção ocorreram em
06/10/2013, quando o delito foi comunicado à DEAM. A mulher realizou exame de corpo de
delito dois dias após o registro (08/10) e o pedido de medida protetiva foi concedido pelo
juiz em 10/10/2013. Entretanto, devido à mudança de endereço, o oficial de justiça teve
dificuldades de encontrá-la e, com isso, ela foi cientificada da medida em 18/10/2013. O
agressor, por sua vez, ficou sabendo da concessão das medidas em 26/03/2014 (pela
dificuldade de se encontrar o endereço fornecido).
A entrevistada tomou conhecimento da Lei Maria da Penha através de programas de
televisão. Segundo ela, no meio da discussão em que foi lesada, sua vontade era matar o
agressor. Porém, como não conseguiria, resolveu chamar a polícia que, em razão da
indisponibilidade de viaturas e da própria dificuldade da vítima em precisar a sua
localização, não compareceu. Então, a mulher se dirigiu no dia seguinte à DEAM, quando
fez o registro. Ela afirma que ficou sabendo da concessão da medida através do oficial de
justiça.
Para a entrevistada, a medida é eficaz em parte, “pois funcionou por um tempo”.
Segundo ela, o descumprimento foi ocasionado em razão do seu desejo em ver o filho, cuja
guarda pertence ao pai. Exatamente por isso, entende que a culpa da violência, na maioria
das vezes, é das próprias mulheres, que descumprem as determinações legais: “homem não
descumpre porque tem medo”.
Em 25/06/2014 o agressor pediu a revogação da medida protetiva, alegando que não
havia agredido a mulher. Ela, por sua vez, endossou o pedido do marido em 19/08/2014,
afirmando que a medida era desnecessária, dado o seu desejo em voltar a viver com agressor,
para ficar próxima do filho. Quando indagada sobre o que poderia ser feito para que casos
como o dela não ocorressem, respondeu que, primeiro, “as mulheres deveriam procurar a
polícia”, pois “as mulheres não podem enfrentar, pois são mais fracas que os homens”.
30
Afirma que “as mulheres não merecem se rebaixar, devem largar seus companheiros”
(processo 2922600-90.2013.8.13.0024).
Caso IX – Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (gravado)
A vítima relata que sofreu ameaça pelo companheiro e que, com medo, resolveu
procurar a delegacia. Primeiro, ela e o companheiro foram a uma delegacia e, depois, ela foi
conduzida a uma delegacia da mulher, quando ficou sabendo das medidas e da própria lei.
Então, ela resolveu pedir a proteção, mas ficou confusa quando perguntada sobre de que
maneira tomou ciência da concessão da medida. Nesse momento, afirmou que foi na
delegacia, quando foi prestar nova queixa contra o acusado, em outra briga que tiveram.
Segundo a vítima, depois da concessão das medidas, a situação ficou bem melhor,
pois o agressor ficou com medo, em que pese ter descumprido a proibição de aproximação e
contato. Ela avalia positivamente as medidas e, mesmo com o descumprimento por parte do
agressor, se sentiu protegida, pois “tem meios para recorrer”.
A relação do filho com o agressor não foi alterada, pois ela não deixou que isso
ocorresse. A vítima não soube responder o que deveria ser feito para que casos como o dela
não acontecessem, mas acha que deveria ter um centro de apoio para os agressores, uma
espécie de orientação para eles sobre os direitos da mulher.
O processo referente a este caso não pôde ser examinado pelas entrevistadoras.
Caso X – Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (gravado)
Nesta entrevista, o caso que suscitou a medida protetiva foi a agressão física a duas
crianças menores de seis anos que eram representadas pela mãe, cuja narrativa afirma que,
apesar de as medidas serem em desfavor do ex-marido (pai das crianças), o problema é com
a madrasta das meninas, que as teria agredido.
O registro de ocorrência coloca apenas uma das filhas como vítima (18/02/2014),
sendo que a decisão do juiz (26/02/2014), inicialmente, implica apenas essa na medida. A
mãe foi cientificada da concessão das medidas em 07/03/2014, por ter comparecido à 15ª
Vara para pedir a inclusão da outra filha na medida (o juiz concedeu em 14/03 e a mãe das
vítimas foi notificada da decisão em 19/03).
O agressor foi comunicado das medidas em 24/03/2014 e decidiu contestá-las,
alegando não existirem provas da agressão em 07/04/2014. Um mês após o pedido do pai, a
representante das vítimas solicitou a inclusão da madrasta das filhas nas medidas protetivas.
31
O pai reiterou o pedido anterior em 16/06, quando o juiz determinou o atendimento da mãe
das vítimas pelo setor técnico, para avaliação da possibilidade de revogação da medida.
Segundo a entrevistada, em decorrência das medidas, o pai foi completamente
afastado das vítimas, deixando-as bastante tristes, já que ambas gostam muito dele. Mas, em
sua visão, “era necessário”. Acredita que as medidas são bem eficazes, pois as suas filhas
estão resguardadas e seguras, não correndo mais risco. Para ela, a prevenção e a orientação
são os mecanismos disponíveis para que se possa evitar que casos como os das filhas
ocorram (Processo 0985904-63.2014.8.13.0024).
Caso XI – Medida protetiva de afastamento do lar combinada com proibição de aproximação
e contato (não gravado)
A última entrevistada foi vítima de agressão e lesão corporal recíproca, ocorrida entre
a entrevistada e seu filho em 21/03/2014. As medidas protetivas foram concedidas pelo juiz
em 25/03/2014. O agressor foi notificado da decisão em 03/04, enquanto a ciência da vítima
ocorreu em 07/04. Em 14/04, o agressor pediu revogação das medidas protetivas, alegando
que a agressão era, na verdade, legítima defesa. Em 21/05/2014, o advogado da vítima
solicitou a manutenção das medidas, em que pese o seu descumprimento no início de abril
pela própria, de acordo com o Registro de Ocorrência apresentado pelo agressor em sua
defesa. O Ministério Público, por sua vez, referendou a necessidade da medida em 11/06, a
partir de avaliação feita com a mulher por seu setor técnico. Vale ressaltar que o agressor
participa do DIALOGAR desde 27/03.
Na entrevista, a vítima relatou que seu filho a agrediu verbalmente. Ela resolveu ir à
polícia para denunciá-lo, quando tomou conhecimento da Lei Maria da Penha e das medidas
protetivas. A delegada sugeriu que ela solicitasse o afastamento do lar, que ela aceitou
prontamente, mas, posteriormente, mudou de ideia.
Segundo a vítima, o agressor não chegou a cumprir as medidas protetivas porque
sofrera um acidente de moto, sendo ela a responsável por seu cuidado. Por isso, ela agora
deseja a revogação das medidas, 4 que ela considera muito eficazes. “A Maria da Penha é boa
demais, o meu filho tá manso, igual carneirinho, parece que estudou em colégio de freira”.
A vítima conhece outra mulher que também sofreu violência doméstica. Trata-se de
uma amiga que “sabe mais” e, por isso, procura ajudá-la, informando-a sobre as medidas e a
própria lei. Quando perguntada sobre o que poderia ser feito para que casos como o dela não
4
Ao contrário do que encontra-se descrito no processo, já que seu advogado solicita a manutenção das
medidas.
32
ocorressem, foi bastante pessimista. Disse que não tem como evitar porque “é muito homem
covarde que bate em mulher”; “não tem como mudar, é muito homem que gosta de limpar a
mão no rosto da mulher” (processo 0895079-73.2014.8.13.0024).
Caso XII – Sem medida Protetiva (gravado)
A vítima apresentou certa resistência à entrevista e, por isso, o seu depoimento foi
mais rápido do que o costume. De acordo com o seu relato, a filha, juntamente com o
marido, a ameaça e a agride psicologicamente. Apesar de a entrevistada já ter registrado a
sua vitimização em diversos locais (inclusive na polícia), ela ainda não obteve êxito.
De acordo com a mulher, na delegacia do idoso, ela foi informada sobre a
possibilidade de proteção no âmbito da Lei Maria da Penha, a qual não funciona, já que
"ninguém faz nada". Quando perguntada sobre as medidas protetivas solicitadas, a vítima
não soube precisar sobre o que foi solicitado, apenas afirmando que “ninguém olha por
mim”. E chegou a afirmar que sua avaliação da eficácia das medidas era a pior possível.
Contudo, a análise do processo indica que a entrevistada não chegou a solicitar as
medidas na delegacia. A saída encontrada pelo juiz foi o encaminhamento do caso ao setor
técnico para entender porque, apesar da situação de violência reiterada em diversos Registros
de Ocorrência, a mulher nunca solicitou a concessão da proteção da Lei Maria da Penha
(processo 1263269-15.2014.8.13.0024).
Caso XIII – Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (gravado)
Neste caso, a entrevistada relata que procurou a polícia em 18/02/2014, 5 como
decorrência da ameaça feita pelo companheiro. Para ela, seria impossível resolver o
problema “pela força do braço”. As medidas de proibição de aproximação e contato, bem
como a frequência ao programa DIALOGAR, foram concedidas pelo juiz em 20/02/2014. A
vítima foi informada da decisão em 24/03/2014, quando compareceu à Vara para saber como
andava o processo.
Segundo ela, houve descumprimento das medidas, pois o agressor mora próximo ao
seu local de trabalho, o que gera certo transtorno. Ela assegura que, com as medidas, se
sentiu acolhida, já que não teria forças para brigar com agressor; e se sentiu segura por saber
que está fazendo a sua parte e tem alguém cuidando dela. Por fim, disse que o programa
5
Na entrevista a vítima afirma que a solicitação das medidas protetivas ocorreu em dezembro de 2013, o que
não confere com os dados processuais. Os envolvidos não possuem quaisquer outros registros na Vara Maria da
Penha e, por isso, a incongruência de datas parece ser uma confusão da própria entrevistada.
33
DIALOGAR, que o agressor está frequentando, traz para ele um sentimento de punição, que
não deveria ocorrer, já que tal determinação não é uma pena.
Quando perguntada sobre o conhecimento da REDE, ficou surpresa de que não exista
informação sobre essa e acha que deveria ser instituído um grupo de apoio às mulheres,
mecanismo esse imprescindível para que casos como o dela não ocorram. Sugeriu, assim,
que um grupo como o DIALOGAR possa ser disponibilizado às vítimas, para que elas
possam ser ouvidas. Por fim, reforçou a necessidade de uma fiscalização maior, de forma a
garantir o cumprimento mais efetivo das medidas (processo 0984949-32.2014.8.13.0024).
Caso XIV – Medida protetiva de abrigamento combinada com proibição de aproximação e
contato (gravado)6
A entrevistada esperava pela Audiência de Instrução e Julgamento na 14ª Vara e foi
abordada por estar abrigada, situação ainda não analisada. A vítima denunciou o marido por
agressão e ameaça de morte. Depois do registro na DEAM, foi encaminhada ao CRAS e, em
seguida, à casa abrigo Bem Vinda, onde recebeu todas as informações referentes ao
significado da medida protetiva de abrigamento. Como o marido não saiu de casa, ela
resolveu ir para a Casa Abrigo levando a filha.
Depois da concessão da medida, o agressor tentou encontrá-la e, sem êxito, passou a
ameaçar a sua família, o que levou à solicitação de inclusão de seus familiares na medida.
Por outro lado, o abrigamento significou o fim da relação parental, já que o agressor não
pode ter conhecimento do paradeiro de sua ex-consorte e de sua filha. Apesar de abrigada, a
vítima não possuía qualquer conhecimento sobre a Rede.
Em sua visão, as mulheres devem denunciar, sair de casa e pedir ajuda para que casos
como o dela não ocorram novamente. No entanto, ela própria afirma se sentir um pouco
insegura. Apesar de resguardados os seus direitos, em função do abrigamento, ela tem medo
das atitudes do agressor, que pode não cumprir as medidas.
Caso XV – Sem medida protetiva (Gravado)
A vítima ficou um pouco receosa de participar, e, por isso, apresentou respostas
rápidas e curtas, dificultando um pouco o entendimento do delito e do processamento da
medida protetiva.
6
Na gravação há uma pequena interrupção, pois a advogada da vítima pediu que a entrevista fosse longe do
advogado do agressor.
34
O caso ocorreu em 02/05/2014, quando a mulher procurou a delegacia para prestar
queixa contra o marido por atrito verbal. Segundo ela, a sua decisão em denunciá-lo decorria
do conhecimento da lei Maria da Penha, em razão de seu trabalho na área da saúde e,
também, dos programas que assiste na televisão.
Em 24/07/2014, o juiz indeferiu o pedido e solicitou que a vítima fosse entrevistada
pelo setor técnico em 21/08/2014. Interessante notar que, apesar de o juiz indeferir o pedido
de medida, a mulher afirma que houve a concessão da medida e que ficou sabendo, pois
foram levar na sua casa a intimação para comparecimento à Vara Maria da Penha.
Segundo ela, o agressor não descumpriu as medidas. Afirmou ainda que uma
conscientização maior dos homens sobre o significado dos relacionamentos amorosos, aliada
a uma educação nas escolas sobre os direitos das mulheres, ajudaria para que casos como o
dela não ocorressem (processo 1276485-42.2014.8.13.0024).
Caso XVI – Sem medida protetiva (Gravado)
A entrevistada foi vítima de uma agressão física registrada em 27/11/2011, quando a
mulher não solicitou a concessão de medidas protetivas. Contudo, de acordo com a
entrevistada, ela pediu o afastamento do lar na delegacia da mulher, para a qual foi
conduzida depois de recorrer a uma delegacia comum e após ser informada da existência da
Lei Maria da Penha.
Em 28/12/2011, o juiz solicitou uma entrevista da mulher com o setor técnico para
avaliar a necessidade da medida, em razão da violência sofrida e da ausência de qualquer
pedido de proteção. Porém, como o endereço por ela apresentado não estava correto, ela não
pôde ser encontrada, não comparecendo à reunião.
Segundo o juiz, como a vítima não procurou saber como estava o processo, era sinal
de que ela não necessitava das medidas. O Ministério Público não concorda com a
interpretação de descaso da vítima, dizendo se tratar de desconhecimento sobre os
procedimentos jurídicos, solicitando, em 18/06/2012, uma nova intimação para a vítima, que
não surtiu efeito. O juiz tenta trazê-la à Vara Maria da Penha por três outras vezes, quando
ela finalmente comparece para exame pelo setor técnico (21/08/2014) e afirma que não
necessita das medidas, uma vez que voltou a morar com o agressor (processo 237787459.2011.8.13.0024).
Caso XVII – Medida protetiva de frequência ao Dialogar combinada com proibição de
aproximação e contato (gravado)
35
A mulher entrevistada procurou a polícia em 17/03/ 2014 pedindo providências
contra seu marido por ameaça e injúria. Ela ficou sabendo da existência das medidas
protetivas através do programa do Fantástico, quando foi exibido o caso da morte de uma
cabeleireira que tinha medidas protetivas, mas o agressor mesmo assim descumpriu e matou
a mulher, o que deixou a entrevistada com medo.
As medidas protetivas foram concedidas em 19/03/2014, ficando a vítima ciente de
tal fato em 31/03. O agressor apresentou defesa prévia em 17/06, quando juntou ao processo
os REDS7 de 19/03/2014, em que relatava ter sido vítima de lesão corporal por parte de sua
ex-mulher; e de 17/10/2013, em que ambos relatam agressões recíprocas. Há ainda outro
REDS, de 07/04/2014, feito pelo agressor e sua filha menor, em que relatam maus tratos da
vítima em relação a eles.
A vítima apresentou impugnação à defesa em 07/07/2014, quando juntou ao processo
fotos com pichações de seu muro com os dizeres “piranha, chifruda”. O Ministério Público
se manifestou no dia 14/07 favorável à manutenção das medidas, sendo a vítima ouvida pelo
setor técnico no dia 22/08.
A entrevistada afirma que necessita da manutenção das medidas, por ter medo do
agressor “fazer alguma maldade”. Em sua opinião, as medidas protetivas são um excelente
benefício para as mulheres, ao permitir que elas saiam de situação de violência e possam ter
uma vida digna (processo 0891391-06.2014.8.13.0024).
Caso XVIII – Medida protetiva de afastamento do lar combinada com proibição de
aproximação e contato (Gravado)
A vítima reportou ameaça do filho em 30/03/2014 na DEAM. As medidas foram
concedidas pelo juiz em 02/04/2014, sendo que tanto ela quanto agressor tiveram ciência da
concessão em 08/04/2014.
Um mês depois, outro processo envolvendo essas mesmas pessoas foi instaurado
(1238923-97.2014.8.13.0024), já que, em 14/05/2014, a vítima procurara a delegacia
alegando que possuía medidas protetivas em desfavor do filho e que ele não as cumpria,
razão pela qual foi registrado outro REDS por agressão. Quando da análise desse segundo
caso, em 22/05/2014, o juiz alegou que não concederia novas medidas, posto a existência das
7
Registro de Evento de Defesa Social (REDS), que é o nome dado ao Registro de Ocorrências feito pela
Polícia Militar no estado de Minas Gerais.
36
anteriores ainda válidas. O magistrado determina, portanto, que um oficial de justiça
promova o efetivo afastamento do agressor do lar.
Em 07/06/2014, quando o oficial de justiça foi viabilizar o afastamento do lar, a
vítima não permitiu que o agressor (filho) saísse, o que configurou descumprimento da
medida. Em 16/06/2014, o juiz solicita a avaliação do caso pelo setor técnico, de forma a
verificar a real necessidade da proteção prevista na Lei 11.340.
Segundo a vítima, o filho afirma que não sairá da residência porque não tem para
onde ir e porque não existe qualquer sistema de fiscalização do afastamento do lar. Assim, a
entrevistada ameaça o agressor, de tempos em tempos, com a chamada da polícia para
"assustá-lo". Em sua visão, o maior problema da medida protetiva é a ausência de um
acompanhamento policial mais efetivo, para dar uma segurança à mulher e garantir o seu
cumprimento. Sendo assim a medida funciona, mas não da maneira que deveria. Em sua
opinião, a vantagem é que a polícia não demora em chegar quando acionada. Porém, isso não
significou maior sentimento de proteção, "pois quem protege mesmo é Deus" (Processo
0899915-89.2014.08.13.0024).
Caso XIX – Sem medidas protetivas (não gravado)
A segunda mulher entrevistada fez o REDS em 12/07/2014, contra o marido,
alegando que sofria ameaças. O juiz indeferiu as medidas em 17/07/2014, solicitando um
agendamento com o setor técnico para que fosse avaliada a necessidade dessas.
A vítima não tinha ciência de que as medidas tinham sido indeferidas e só ficou
sabendo após a conversa com o setor técnico em 26/08/2014. A vítima afirmou que foi
informada sobre a necessidade de recorrer a uma advogada ou a Defensoria Pública para
convencer o juiz de que precisava das medidas protetivas.
Em sua opinião, o serviço da delegacia é bastante falho por não informar às mulheres
sobre os seus direitos e, ainda, dar-lhes um papel dizendo quais foram as medidas
solicitadas, o que faz com que algumas incorram em erro, por acreditarem que se trata das
medidas concedidas (processo 1274597-39.2014.8.13.0024).
Caso XX – Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (gravado)
A vítima registrou a lesão corporal praticada por seu marido em 23/08/2009. O juiz
concedeu a medida de proibição de aproximação e contato em 16/09/2009, sendo que ela
tomou ciência da concessão, por telefone, em 16/10/2009. O agressor não foi encontrado
37
para ser notificado. Em 03/07/2014, o juiz solicita uma reunião da vítima com o setor técnico
para avaliar a necessidade de manutenção das medidas, as quais foram revogadas dado que
os envolvidos voltaram à coabitação.
Segundo a entrevistada, após a concessão do afastamento do lar e da proibição de
aproximação e contato, ela se sentiu mais protegida. Até mesmo porque, em sua visão, o
agressor nunca descumpriu as determinações judiciais. Ela nunca foi visitada pelo programa
de Prevenção à Violência Doméstica da Polícia Militar e também afirma que a medida não
alterou a relação do agressor com os cinco filhos do casal.
Em sua opinião, as medidas protetivas nem sempre funcionam, já que muitas vezes
mulheres são mortas e/ou agredidas mesmo com a proteção da Lei 11.340. Assim, quando
indagada sobre o que poderia ser feito para evitar que casos de violência doméstica contra a
mulher ocorram, a entrevista se limita a dizer "é muito difícil hoje, a não ser que as mulheres
fiquem sem homem, para dizer a verdade, é isso" (processo 0024.09.6.36354-4).
Caso XXI – Medida protetiva de frequência ao Dialogar combinada com proibição de
aproximação e contato (gravado)
A entrevistada solicitou a medida protetiva em decorrência da ameaça praticada por
seu ex-namorado em 29/01/2014. Em 03/02/2014, o juiz concede o pedido e em 11/02 a
vítima é cientificada de tal fato. O agressor soube somente de uma das medidas (projeto
dialogar) nessa data e, em 14/02, é informado das demais. Em 25/02, ele solicita a revogação
das medidas protetivas, fato esse rechaçado pelo Ministério Público em 17/06. Diante dessa
situação, o juiz determina uma entrevista da vítima com o setor técnico em 22/07, para
entender a dinâmica do caso e, também, a real necessidade das medidas.
Segundo a entrevistada, ela sentiu bastante medo ao longo de todo o procedimento,
mesmo sendo progressivamente informada dos benefícios da proteção e sendo visitada
constantemente pelo PDV da Polícia Militar. As medidas protetivas foram descumpridas
pelo agressor, o que levou a vítima a andar constantemente protegida por outra pessoa. No
entanto, afirma se sentir segura com as medidas e as avalia como eficazes. Ela ainda teme
que, se tirarem as medidas protetivas, ela venha a ser agredida novamente e, por isso, sugere
que essas nunca sejam retiradas das mulheres "como estão querendo retirar as minhas"
(processo 0454687-59.2014.8.13.0024).
Caso XXII – Medida protetiva de proibição de aproximação e contato (não gravado)
38
A vítima aceitou participar da pesquisa, desde que sua entrevista não fosse gravada.
Ela relatou que seu ex-marido a agrediu em janeiro e, por isso, resolveu procurar a delegacia
da mulher; quando ficou sabendo como funcionavam as medidas protetivas e a lei Maria da
Penha, porque “já tinha ouvido falar, mas não sabia dos procedimentos”.
Segundo a vítima, ela possui as medidas de proibição de aproximação e contato
desde fevereiro e tomou conhecimento da concessão quando procurou a vara para se
informar. Ela nunca recebeu visita da Polícia Militar e afirma que o ex-marido descumpriu a
medida, o que a fez ir à delegacia novamente para registrar novo REDS. Quando perguntada
sobre a REDE, afirma conhecer, mas que não sabe falar nada a respeito, pois não frequenta.
Também afirma não conhecer outra mulher que tenha sofrido violência doméstica.
Ao ser perguntada sobre a eficácia das medidas, respondeu que funcionam bem, que
se sentiu protegida e que “a justiça foi feita”. No item o que poderia ser feito para evitar
situações de violência doméstica contra mulher, ela pensou um pouco e respondeu que
depende das mulheres, pois são elas que devem falar das agressões. Muitas têm medo, falta
de coragem e, outras, que até pedem, mas acabam tirando as medidas, porque voltam com
seus companheiros.
Segundo o inquérito, as vias de fato/agressão ocorreram em 05/02/2014. O juiz
concedeu as medidas em 10/02, vítima foi informada da decisão em 13/02 e o agressor, até o
dia 11/07/2014, não sabia desta decisão. Em 11/02, vítima realizou novo REDS de
descumprimento da medida pedindo a prisão do agressor, já no dia 07/08 a vítima pede que a
medida seja o uso da tornozeleira eletrônica, concedida pelo juiz imediatamente. Entretanto,
em 18/08/2014 a vítima requereu a revogação da monitoração eletrônica e a manutenção das
demais medidas sem qualquer justificativa adicional. Como ela não mencionou tal fato em
sua entrevista, é difícil entender as razões para tanto (processo 0447855-10.2014.8.13.0024).
Caso XXIII – Medida protetiva de afastamento do lar combinada com proibição de
aproximação e contato (gravado)
A entrevistada foi vítima de estupro por seu marido em dia 21/01/2014. No entanto, o
juiz não concedeu de imediato a medida, por entender que o caso não contava com provas
suficientes para a restrição dos direitos do homem (só o relato da vítima). Em 28/01, o juiz
designa a audiência de justificação para o dia 05/02, quando finalmente concede o
afastamento do lar e a proibição de contato. A vítima ficou sabendo da decisão logo após a
audiência e o agressor foi cientificado no dia seguinte (em 06/02).
39
Em 17/02/2014, o agressor solicita a revogação da medida protetiva, alegando que
são falsos os fatos narrados pela vítima. Contudo, em 18/03, a vítima retorna novamente à
polícia para registro de outro REDS contra o marido, por ele ter danificado a porta de sua
casa, descumprindo a medida. Assim, em 07/04/2014, o juiz solicita uma entrevista com o
setor técnico para avaliar a necessidade de manutenção da medida.
Na entrevista, a vítima relata que prestou queixa contra o marido mais pelo filho do
que por ela mesma, pois ele batia no filho, que estava ficando com ódio do pai por isso, e
pelas propostas obscenas que ele fazia. Segundo a entrevistada, depois da concessão das
medidas o agressor mudou o seu comportamento, o que indica que essas são eficazes em seu
propósito (processo 0459363-50.2014.8.13.0024).
Caso XXIV – Sem medida protetiva (gravado)
A mulher entrevistada apresentou queixa de estupro contra o marido, entretanto, no
REDS está como lesão corporal. O setor técnico, por sua vez, informou que é bem comum
essa diferença, pois muitos policiais não acreditam que dentro do casamento possa acontecer
estupro e, assim, registram o fato da maneira como interpretam.
A vítima afirma ter ido ao hospital, à delegacia de mulheres e, depois, ao IML para
guardar as provas do fato ocorrido em 30/06/2014. Entretanto, no processo, não existe
nenhum laudo do IML. Assim, o juiz negou a concessão das medidas e encaminhou a mulher
ao setor técnico, para que esse verificasse a real necessidade da proteção prevista na Lei
11.340.
Em 28/08/2014, quando a mulher foi atendida pelo setor técnico, a pesquisadora pôde
observar certo descaso desse em avaliar a real situação da mulher, pois, ao escutar a
conversa das duas assistentes sociais sobre esse caso, uma dizia a outra que a história estava
um pouco confusa, que a mulher deve ter algum problema mental e, por isso, o caso não é
trabalho dela. Afirmou ainda que “se a mulher quer a medida, a gente dá a medida (...). Não
sou eu que vou avaliar ela não”.
Do ponto de vista da entrevista realizada pela pesquisadora com a mulher, ela
informou que há dez anos é agredida verbalmente pelo marido, que sabe da existência da Lei
Maria da Penha e, por isso, não lança mão de violência física. No entanto, ela foi à delegacia
solicitando as medidas protetivas por desejar a sua liberdade de volta. Segundo seu
depoimento, o juiz não concedeu a proteção prevista na Lei 11.340 por não ter certeza de que
os envolvidos desejavam, de fato, estar separados por esse instituto. Assim, a mulher afirma
40
que "ainda não se sentiu protegida" e acredita que "ainda falta informação" para que as
vítimas de violência domésticas possam ser protegidas de seus agressores (processo
1265975-68.2014.8.13.0024).
Caso XXV – Sem pedido de medida protetiva (gravado)
A entrevistada foi vítima de uma agressão, praticada pelo marido, em 11/04/2014. No
momento do Registro de Ocorrência, ela queria apenas "dar um susto no marido" e, por isso,
solicitou as medidas. Porém, a Defensoria Pública reiterou a demanda da vítima, alegando
que a vítima era portadora de sofrimento mental e, por isso, incapaz de compreender
algumas condutas do cônjuge como ilícitas. Mas, por algum motivo extemporâneo, o caso
não tinha sido apreciado meses após o fato e, em 12/06/2014, a vítima assinou um termo de
desinteresse em continuar com o processo.
Em 16/06/2014, o juiz julgou improcedente o pedido e, em 17/07/2014, o Ministério
Público requereu ajuda do setor psicossocial para entrevista com a vítima e seu curador, uma
vez que ela apresenta problemas mentais e necessita de um acompanhante. A análise do setor
técnico foi marcada para o dia 29/07 e, por não comparecimento da vítima, remarcada para o
dia 28/08.
A vítima foi acompanhada pelo marido (agressor) para a entrevista com o técnico, e
segundo as psicólogas, ele não saia de perto dela. A vítima afirmava que não queria as
medidas, mas o setor técnico avaliou que era necessário conversar com seus pais para avaliar
melhor o problema.
A entrevista realizada com a vítima para esta pesquisa ocorreu sem a presença do
marido e, nesse momento, ela afirmou que não deseja viver longe do agressor. Ela avalia que
as medidas são eficazes, mesmo não as tendo recebido. Acredita que a Lei deveria ser mais
rígida, pois ela apenas protege a mulher após a agressão e, em algumas situações, mesmo
após o pedido, os juízes não concedem a proteção, o que deveria ser revisto (processo
1257295-94.2014.8.13.0024).
Caso XXVI – Sem medida protetiva (gravado)
A entrevistada relatou que estava cansada das agressões físicas que sofria do marido
e querendo se separar. No entanto, foi à delegacia por insistência do próprio agressor, que
desejava o registro do fato como forma de garantir a guarda dos filhos. Ao chegar à DEAM,
41
a mulher foi informada da existência das medidas protetivas e da possibilidade de sua
solicitação.
O caso ocorreu em 24/06/2014, sendo que a natureza do fato apresentado no REDS é
ameaça. O Expediente Apartado de Medidas Protetivas (EAMP) foi registrado um dia
depois, em 25/06/2014. O juiz, por falta de outras provas que não ser o testemunho da
vítima, indeferiu as medidas no dia 26/06/2014 e marcou uma audiência de justificação para
o dia 16/07/2014; que não foi realizada dada a mudança de endereço da vítima. Em
24/07/2014, o Ministério Público solicitou que o agressor fosse encaminhado ao programa
Albano, uma vez que a vítima entrou em contato com o setor técnico dizendo que tem medo
dele.
Em sua entrevista, a mulher relata que o juiz não concedeu as medidas protetivas e,
diante das diversas dificuldades em administrar a sua vida com os filhos menores, ela
terminou voltando para o lar. Segundo ela, a forma como seu caso foi conduzido fez com
que ela não se sentisse protegida em qualquer momento e, "se fosse para ter morrido, já
teria", dada a inoperância do sistema em analisar o seu caso e protegê-la. Em sua opinião, se
a medida fosse concedida mais rapidamente, ela seria mais eficaz em evitar a vitimização
continuada das mulheres (processo 1262998-06.2014.8.13.0024).
Caso XXVII – Sem medida (gravado)
A entrevistada relatou que foi agredida por seu companheiro, com quem tem uma
filha de 08 meses, e acionou a Polícia Militar para solicitar apoio ao seu caso. Nesse
momento, ela foi orientada a ir à DEAM, quando foi informada sobre a existência das
medidas protetivas, pois antes apenas tinha ouvido falar e visto na televisão.
O caso ocorreu em 27/07/2014 e a natureza do fato apresentado no REDS é vias de
fato/agressão. A data da EAMP é 27/07/2014 e o juiz, por falta de outras provas a não ser o
testemunho da vítima, indeferiu as medidas em 29/07/2014, solicitando uma entrevista com
o setor técnico, agendada para o dia 03/09/2014. Nesse dia, a vítima relatou para o setor
técnico que não queria mais as medidas protetivas, pois estava separada do agressor e, com
ele, não tinha mais contato.
Segundo a entrevistada, ela não se sentiu protegida, pois, em razão da demora do juiz
em analisar o seu caso e conceder-lhe a proteção prevista no âmbito da Lei 11.340, "se ele
tivesse que fazer alguma coisa, já teria feito". Em sua opinião, as medidas não são eficazes e
não são capazes de conter as sucessivas agressões praticadas contra as mulheres por seus
42
parceiros. Assim, ela sugere que os dispositivos da Lei Maria da Penha sejam mais rígidos,
mais rigorosos com os agressores, para que eles tenham mais medo de violentar as suas
parceiras (processo 1278721-65.2014.8.13.0024).
2.3 Considerações sobre o caso de Belo Horizonte
As informações coletadas nesta fase da pesquisa indicam que o primeiro obstáculo a
ser superado pelas mulheres é fazer com que os juízes analisem os pedidos de medida
protetiva em até 48 horas após a lavratura do Expediente Apartado de Medidas Protetivas na
Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher. Nos casos em que as informações
processuais puderam ser coletadas, o tempo estabelecido pela lei 11.340 foi respeitado em
apenas seis casos. Inclusive, diversas foram as mulheres que identificaram como ponto que
compromete a eficácia da medida a lentidão em sua concessão. A maioria repetia o bordão
"se ele tivesse que fazer alguma coisa comigo, já teria feito", como forma de expressar o seu
descontentamento com a demora na prestação de um serviço que é um direito da mulher.
A dificuldade em compreender que a medida protetiva é um direito da mulher pôde
ser constatada nas situações em que o juiz nega a sua concessão, justificando que o caso
carece de provas mais detalhadas. Ora, a lei Maria da Penha foi pensada justamente para se
garantir que a vítima de uma violência essencialmente privada (posto que restrita ao lar dos
envolvidos) pudesse ser adequadamente administrada pelos Tribunais, o que não vem
ocorrendo em algumas situações na cidade de Belo Horizonte. Nesses casos, as entrevistadas
se mostraram insatisfeitas com o serviço, sugerindo algum tipo de concessão imediata da
proteção e, posteriormente, análise dos casos para a sua continuidade/descontinuidade. Nesse
ponto, a 13 a. Vara Criminal parece possuir posição de vanguarda, por solicitar que o setor
técnico convoque a vítima para se manifestar acerca da continuidade da medida um ano após
a sua concessão, o que permite também a revisão de casos em que as proibições não foram
suficientes para cessar o ciclo de violência. Infelizmente, as demais Varas Maria da Penha
não adotam procedimento semelhante, atuando somente no momento do pedido da mulher,
sem qualquer preocupação com os desdobramentos da situação.
A trajetória de vitimização continuada da mulher foi outro ponto de crítica por parte
das entrevistadas. A inexistência de um serviço de monitoramento e/ou fiscalização do
cumprimento da medida faz com que, em diversas situações, os agressores se sintam
empoderados, já que o registro de ocorrência não resultou em qualquer tipo de prejuízo em
43
suas vidas. Para as mulheres, a grande vantagem da proteção é a possibilidade de
acionamento mais rápido da Polícia Militar e, ainda, a visita constante da Patrulha de
Prevenção à Violência Doméstica (PVD) da instituição. Essa parece, de fato, alertar os
agressores para as consequências da medida protetiva, especialmente, em razão da
possibilidade de sua detenção em caso de flagrante descumprimento das determinações
judiciais.
Outro ponto que merece destaque é a dificuldade das mulheres entrevistadas em
compreender o fluxo de processamento das medidas protetivas. Algumas vítimas
acreditavam que o simples Registro de Evento de Defesa Social (REDS), feito pela Polícia
Militar, seria suficiente para promover o afastamento do agressor. Para outras, o documento
entregue pela delegada, que lista as medidas protetivas solicitadas, é uma prova de que elas
já estão incluídas na proteção prevista pela Lei Maria da Penha. Assim, quando informadas
pelos órgãos judiciais que o benefício solicitado não foi alcançado, elas não conseguem
entender o porquê e, ainda, qual seria o papel do juiz nessa relação. Alguns depoimentos
reforçam a visão de um Judiciário bastante distante das demandas feministas, incapaz de
entender as reais necessidades dessas mulheres que, em algumas situações, sequer se
percebem como vítimas reais da violência a que são cotidianamente submetidas.
Por fim, "a promessa de um mundo novo", quando do registro da ocorrência nas
DEAMs, não se conforma em realidade para uma boa parcela das mulheres que, diante das
dificuldades materiais que o afastamento impõe, decidem retornar a coabitação com seus
agressores. Nesses casos, os institutos da lei Maria da Penha possuem efetividade, posto que
alcançam o propósito de conscientização das mulheres sobre os seus direitos, mas carecem
de eficácia, dada a não transformação de sua realidade imediata. Em situações como essa,
uma atuação mais incisiva da Rede, desconhecida pela maioria das entrevistadas, poderia
auxiliar as vítimas, abrigando-as por um tempo determinado ou encaminhando-as para
serviços médicos, psicológicos e de assistência social que resulte em maior conscientização
de seu protagonismo na interrupção do ciclo de violência.
A primeira preocupação desta pesquisa foi entender quais eram as violências sofridas
pelas mulheres para que as mesmas procurassem o sistema de justiça, na tentativa de
encontrarem uma proteção. Os crimes elencados pelas vítimas possuem uma gama
extremamente diversificada, sendo relatado desde tortura psicológica à ameaça de morte, de
agressão verbal à tentativa de homicídio. O grande problema, para algumas entrevistadas,
foi a dificuldade em perceber que a conduta do marido era um delito e não algo que
compunha a vida cotidiana de um casal.
44
Neste leque variado de crimes sofridos, também encontra-se uma variabilidade
considerável nos autores dos desvios. Desta forma, embora uma parte expressiva de autores
criminais seja composta por cônjuges/namorados, a pesquisa encontrou outros formatos na
relação vítima e agressor. Neste sentido, pelejas entre sogras e noras, agressões advindas de
filhos ou de outros parentes próximos foram relatados nas entrevistas.
O fator interessante encontrado em algumas entrevistas é que a violência exercida
atinge outras pessoas do ciclo familiar, por exemplo, quando o marido que agredia a mulher,
algumas vezes agredia também os filhos; ou filho que agredia a mãe, ao mesmo tempo
exercia violência contra os irmãos. Nestes contextos, a solicitação da medida protetiva e, por
vezes, a sua concessão, servem como um instrumento protetivo não apenas da mulher
solicitante, mas também de outras pessoas do ciclo familiar que eram vitimadas.
A forma como as vítimas ficam sabendo da possibilidade de se ter uma medida
protetiva, também varia de casos para casos. O mais comum nos relatos é que essa
informação surge no contato feito com policiais militares, responsáveis pelo primeiro
atendimento, ainda no ato do registro da ocorrência.
Entretanto, algumas entrevistadas afirmam que foram alertadas para a possibilidade
por parentes ou amigos, por programa de TV, ou mesmo já sabiam da existência da lei, antes
da violência sofrida. Chamou a atenção, contudo, a quantidade de referências ao crime da
cabeleireira, ocorrido na cidade de Belo Horizonte no ano de 2009, quando uma mulher foi
morta em seu local de trabalho por seu marido, após oito Boletins de Ocorrência (BO) e
diversos pedidos de medida protetiva. 8
Diante dessa grande variabilidade (seja no tipo de agressão, agressor, vítima, ou no
modo que a vítima descobre seu direito), uma constante foi encontrada, a saber, o
entendimento de que a solicitação da medida protetiva pode ser uma saída digna para o fim
do ciclo de violência. Neste sentido, a medida protetiva quase vista como último refúgio por
algumas vítimas, por vezes fica aquém do esperado.
Porém, a primeira decepção já ocorre na principal porta de entrada do sistema de
proteção, a saber, as delegacias de Polícia Civil.
Na cidade de Belo Horizonte existe uma Delegacia Especializada no Atendimento à
Mulher – DEAM. Composta apenas por mulheres nos cargos de chefia, a delegacia fica em
uma central da capital mineira. Além da sede, a DEAM conta com uma instalação no
8
Para
entender
como
o
caso
foi
noticiado
pela
imprensa
da
época,
ver:
http://oglobo.globo.com/brasil/cabeleireira-morta-pelo-ex-marido-com-sete-tiros-dentro-de-salao-de-belezaem-minas-gerais-3065361, acesso em 24 de outubro de 2014.
45
hipercentro de Belo Horizonte onde é lotado o seu plantão policial, que funciona 24 horas
por dia, todos os dias da semana.
O prédio que aloja as instalações da DEAM, denominado Casa da Cidadania, é um
local que possui diversos órgãos de defesa dos Direitos Humanos, como, por exemplo, a
defensoria pública. Entretanto, como apontado pelo relatório anterior, embora exista a
proximidade física entre essas instituições, na prática o mesmo não ocorre.
Um outro dado mensurado no relatório anterior e confirmado pelas entrevistas, agora
analisadas, é que a DEAM é a principal “porta de entrada” para as mulheres vítimas de
violência solicitarem as medidas protetivas. Duas são as formas nas quais as mulheres
procuram a delegacia. A primeira se dá por proatividade, isto é, a vítima por capacidade
própria busca o auxílio da DEAM. A segunda forma, a mais comum delas, as vítimas são
levadas pela Polícia Militar.
Um primeiro problema encontrado pelas mulheres já no início do fluxo é a ausência
de conectividade entre os serviços da Polícia Civil. Segundo os acordos feitos pelos
delegados da RMBH, apenas são encaminhados ao Judiciário os casos registrados na DEAM
e, assim, quando a mulher é vítima de violência doméstica e comunica tal fato a uma unidade
distrital, esse registro não tem desdobramentos judiciais, impedindo que ela alcance a
proteção a que faz jus.
Eu tinha feito outro boletim de ocorrência, mas na delegacia normal de bairro. Eles
falaram que eu tinha que procurar a delegacia da mulher. Até então, eles falaram
que ia descer para a Delegacia da Mulher, como ele falou isso eu pensei que eu não
precisava ir pessoalmente e falar, mas quando eu fui à delegacia eu fiquei sabendo
que eu deveria ter ido até a Delegacia da Mulher e não na Polícia. Aí eu fui
entender porque não tinha acontecido antes, era para ter acontecido bem antes [a
concessão da medida]. (Entrevistada I)
Discrepantes são as experiências vividas pelas vítimas quando se encontram dentro
da DEAM. Algumas entrevistadas afirmam que a delegacia auxiliou no entendimento da lei
e da medida:
... a Delegada me explicou como funcionava, como acontecia, o que podia e o que
não podia, que ele não pode chegar perto de mim, da minha família, do meu filho.
Eu fiquei sabendo da tornozeleira. (Entrevistada Caso II)
Em outras situações as vítimas reclamam da falta de melhores esclarecimentos acerca
das formas de medidas existentes e os meios necessários para consegui-las. O que pode ser
verificado na fala da entrevistada.
46
Ela não explicou muito bem, até porque o atendimento foi muito rápido, mas pelos
documentos que eu recebo é uma medida protetiva, mas eu ainda tenho uma dúvida
da medida protetiva, porque fala em noturno e final de semana - é isso aí que eu
não consigo entender, por que como que vai ser uma medida protetiva se o Oficial
de Justiça vai lá só de vez em quando ver? É isso que eu não entendo, eu nunca vi
um policial lá perto de casa. (Entrevistada III).
Em uma terceira situação, as entrevistadas alegam a falta de preparo por parte dos
policiais civis em lidar com a questão da violência contra mulher. Neste contexto, a
delegacia ao invés de funcionar com um local inicial para que os direitos da vítima sejam
preservados, por vezes, funciona com uma porta de saída de um processo que ainda nem
entrou no sistema de justiça, ao desestimular que as vítimas façam a solicitação das medidas
protetivas.
Não tinham mulheres, eram homens e eram bem grosseiros, o que me atendeu
parecia um bicheiro de tão chulo, ele ficou falando para mim: “Se o seu marido
quiser pegar sua filha de sete anos e sumir com ela, ele pode”. Eu olhei bem para
ele e falei: “Mas e os meus direitos?”. Quando ele viu que eu estava ficando brava
com aquela situação ele parou de tentar me convencer a não fazer a denúncia e ir
embora para casa. (Entrevistada Caso IV).
Considerando as informações extraídas das entrevistas, é possível afirmar que a porta
de entrada do fluxo de encaminhamento da medida protetiva está longe de ser um espaço de
acolhida da mulher vítima de violência, se consolidando muitas vezes, em uma forma de
expulsão da mulher do sistema de justiça, seja pela ausência de conectividade entre os
serviços, seja pela insensibilidade no entendimento de que ela necessita de um acolhimento e
não de uma nova vitimização.
De acordo com a lei 11.340/06, após o registro da agressão na delegacia, tal
expediente deveria ser encaminhado ao Judiciário em até 48 horas, para que o juiz, também
em 48 horas, opinasse pela concessão (ou não) da medida protetiva. 9 Essa disposição legal
não é cumprida em Belo Horizonte. Em quase todos os casos constata-se que a apreciação da
medida não ocorre necessariamente em 48 horas, se estendendo por vários dias e, em
algumas situações, semanas, conforme demonstrado no Relatório anterior.
9
Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito)
horas: I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência; II - determinar
o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso; III - comunicar ao
Ministério Público para que adote as providências cabíveis. Art. 19. As medidas protetivas de urgência
poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
47
Outro fator que compromete a concessão imediata da medida é a contaminação do
processamento da medida protetiva pela lógica do processo penal e, assim, apenas faz jus aos
benefícios previstos em lei quem consegue provar a real necessidade da medida. Diversos
são os casos em que o juiz, inclusive, solicita que a mulher venha ao Judiciário justificar o
porquê do pedido de proteção feito na delegacia, já que o expediente da DEAM não possui
"provas" suficientes.
Eu pedi para entrar com a ação de medidas protetivas, agora que vai começar o
procedimento. Foi a primeira vez que eu pedi. O juiz não concedeu e pediu pra eu
vir aqui.
Entrevistadora: Você sabe explicar por que o juiz não concedeu?
Porque ele tem que ter certeza de como está o andamento da situação, pois pode ter
havido uma conciliação, um apaziguamento entre ambos, por isso ele procura ter
uma confirmação acerca da informação para ver se pode persistir no assunto em
questão. (Entrevistada V).
Superados os entraves iniciais para a concessão da medida, o segundo gargalo do
fluxo de processamento é a comunicação da mulher da decisão judicial, o que deveria
acontecer em 48 horas. Segundo as entrevistadas, essa determinação legal quase nunca é
cumprida, sendo raras as situações em que os oficiais de justiça vão às residências das
vítimas comunicá-las do desfecho do pedido. O mais comum é que as mulheres tomem
ciência da decisão judicial a partir de suas visitas constantes às Varas Maria da Penha.
Eu vim aqui na secretaria para procurar saber como estava o processo, orientada
pelo pessoal da delegacia; e me falaram que o juiz tinha concedido essas medidas
protetivas. (Entrevistada VI).
Logo, as entrevistas indicam que, em algumas situações, o Judiciário está longe de se
consubstanciar em órgão de efetiva proteção das mulheres vítimas de violência doméstica e
intrafamiliar, dada a sua lógica de operação contaminada pelos dispositivos do processo
penal e, ainda, a ausência de mecanismos para a efetiva comunicação da mulher da
concessão ou negativa de seus pedidos.
Uma informação que merece destaque é a situação em que a mulher afirma possuir
medida protetiva, mas, quando se consulta o seu processo, percebe-se que esse dado não
corresponde à realidade dos fatos. Isso ocorre porque a cópia do Expediente Apartamento de
Medidas Protetivas (EAMP), preenchido na DEAM quando do registro da violência
doméstica, enumera as medidas solicitadas pela mulher. Para várias, esse documento é
suficiente para que elas sejam incluídas na proteção prevista em Lei, não sendo necessário o
48
exame de tal pedido pelo Poder Judiciário. Nesses casos, elas afirmam contar com a medida
e, inclusive, acionam os demais serviços policiais fazendo referência à vigência desse
instituto quando, do ponto de vista formal, ele não existe.
Eu já sabia que depois que ia na Delegacia de Mulheres e pedia a medida, eu li
naquele papel que ela me deu das medidas protetivas, que eu tinha que manter
distância dele e ele tinha que manter distância de mim, do que eu li naquele papel
eu vi que já estava com as medidas. Através do papel que a delegada me deu que
eu fui lendo e vi que tinha as medidas.
Entrevistadora: Mas você nunca recebeu ninguém do Judiciário para te informar
[da concessão das medidas]?
Não. (Entrevistada VII).
Essa dificuldade de compreensão do fluxo de processamento das medidas parece
indicar que, em algumas situações, a linguagem e as conexões das organizações que
compõem o sistema de justiça criminal são de difícil apreensão por parte de suas usuárias;
fazendo com que a linguagem jurídica se consubstancie em uma forma de desentendimento,
em detrimento de efetivo acesso à justiça.
Entende-se que a questão da eficácia e sensação de segurança estão diretamente
atrelada à capacidade de transformação das disposições legais - em regra de proibição de
aproximação e contato - em algo substantivo. Em outros termos, quanto maiores forem os
mecanismos que garantam o cumprimento das medidas, mais eficazes essas serão.
Embora se observem relatos de cumprimento das medidas, dois aspectos principais
fazem com que o índice de descumprimento seja relativamente alto: a ausência de
mecanismos que garantam a efetivação das medidas e a complexidade das interações sociais
vividas entre agressor e vítima.
Aí eu falei assim com eles: “A Polícia Militar não vai lá para ele ver que se ele faz
alguma coisa no horário noturno e aos finais de semana. O Oficial de Justiça vai. O
Oficial de Justiça sabe que só está indo lá para entregar uma intimação ou para
poder conversar, como eles já foram lá várias vezes, meu filho não tinha medo”.
Ele até chegou a falar assim para mim: “Mãe, como é que eu vou ter medo se não
apareceu aqui um Policial Civil para dizer: ‘A partir de tal hora nós vamos vir aqui
e se a senhora precisar a gente vai te ajudar’”. Ele falou que simplesmente não
sairia de casa, porque ele não tinha onde morar e que se ele saísse ia para baixo da
ponte e não ia Polícia nenhuma falar: “Eu estou aqui e eu vou dar proteção para
senhora”. E, realmente, eu nunca vi a Polícia lá vigiando. Eu acho que eles tinham
que estar por ali porque senão não tinha efetividade. (Entrevistada Caso III)
Com a exceção do uso de tornozeleira, uma medida protetiva geralmente usada em
casos mais graves e de alta reincidência, basicamente o único recurso disposto para a
manutenção das medidas protetivas é o trabalho exercido pela Polícia Militar. Por sua vez,
49
dado a impossibilidade de uma vigilância constante das vítimas e agressores pelos membros
da instituição, a Polícia Militar na maior parte das vezes trabalha sobre demanda das vítimas,
que solicitam o serviço geralmente por telefone. Em alguns momentos, tal prestação de
serviço é suficiente, não para garantir o cumprimento da medida protetiva, mas para que haja
uma responsabilização do agressor pelo descumprimento. Essa situação é relatada, por
exemplo, por uma mãe vítima de violência pelo filho.
Um dia ele estava muito agressivo, aí eu falei com ele assim: “Você sabe que eu
tenho a medida protetiva e que eu posso chamar a Polícia na hora que eu quiser, e
eles me falaram: ‘se ele estiver falando alto com você, te xingando ou xingando
seus outros filhos, você pode chamar a gente’”. Aí eu chamei a Polícia. Esse dia foi
muito triste, algemaram ele e a gente foi para a Delegacia, ele ficou lá algemado.
(Entrevistada Caso III).
Em outros momentos nem essa responsabilização é realizada, posto que, por vezes, a
Polícia Militar não consegue chegar a tempo de flagrar o agressor na residência da vítima,
descumprindo as medidas. Isto é, quando os policiais chegam o agressor já evadiu do local.
Essa última possibilidade é mais comum que a primeira acima citada, podendo ser
representada pela fala de uma entrevistada:
Descumpriu, eu já tinha dado queixa na Maria da Penha, ele foi lá no dia 07/04, ele
chutou meu portão, disse que ia me arrebentar toda. Eu me escondi no banheiro lá
de cima e chamei a polícia, mas quando a polícia chegou ele já tinha ido embora.
Ele foi embora e levou a minha filha. Mas ele agrediu minha outra filha
verbalmente, chamou de puta, vagabunda, de todo os nomes na frente de todo
mundo. (Entrevistada VII).
Se por um lado os mecanismos de coerção, os fatores que imputam a execução
completa da medida protetiva são falhos, por outro, são as características das relações sociais
estabelecidas previamente entre vítima e agressor as dificultadoras da plena execução da
medida. Dois são os óbices mais comuns à eficácia da medida. Primeiro, a dependência
financeira da vítima em relação ao agressor, que garante uma espécie de obrigatoriedade de
contatos entre os atores – o que obviamente gera um descumprimento de medida protetiva,
como se pode observar nos relatos das entrevistas abaixo:
Eu morava na casa da mãe dele, então ele ficou proibido, entre aspas, de ver a mãe,
então ele descumpriu a medida. (Entrevistada VIII).
O segundo óbice à eficácia da medida protetiva é a existência de filhos na relação
entre vítima e agressor. Tal situação, em boa medida, obriga em momentos específicos que a
vítima, em prol do filho, descumpra a medida.
50
Eu descumpri porque o meu menino estava com ele, porque o Conselho Tutelar
deu a guarda provisória, aí como eu não tinha ninguém para interceder e porque eu
moro sozinha há sete anos, eu tive que descumprir. (Entrevistada IX).
A eficácia das medidas foi mensurada pelas entrevistadas pelo cumprimento ou
descumprimento das mesmas, mas também por outras categorias. Entre essas se destaca a
celeridade entre a solicitação da medida e a sua implementação.
A medida protetiva em si é boa, o que eu reclamo para vocês é que não tem aquela
coisa de cumprimento imediato, é muito demorado e enquanto leva todo esse
tempo, o agressor pode fazer muita coisa, ele não desiste. (Entrevistada VIII).
Os entraves ao cumprimento das medidas protetivas têm como consequência direta
uma sensação de não funcionamento do sistema de proteção. Neste contexto, foram
observadas mais alegações questionando a eficácia da medida protetiva do que
argumentações positivas acerca dessa eficácia – embora essas existam.
Eu acho que a polícia deveria agir mais, porque não adianta você fazer o boletim
de ocorrência e ficar por isso mesmo. Eu acho que se tem a Lei Maria da Penha
tinha que ser mais rígido [o cumprimento], porque não é rígido. Porque [a medida]
só impõe medo no cara, eles não estão nem aí, continuam fazendo. Acho que a
polícia deveria ser mais rígida, mais rigorosa. (Entrevistada X).
De maneira geral, tendo esses dois condicionantes (celeridade do processo e
cumprimento da medida) em mente, as alegações das entrevistadas que entendem que a
medida é eficaz se traduz na efetividade das medidas protetivas em minorar atos de
violência.
Com certeza, agora minhas filhas estão resguardadas. A gente tem a proteção de
Deus, mas tem que ter a dos homens também. Se não tivesse, as minhas meninas
continuariam indo para a casa do pai delas, era um “xingo”, um beliscão. Foi um
tapa e daqui a pouco elas chegariam mortas. (Entrevistada Caso XI).
É um passo muito grande até para eles ficaram cientes. Se eles quiserem
desobedecer tudo bem, mas eles vão ter as consequências, vão ter que pagar por
isso. Eu avalio como algo muito bom. Mas eles ficam cientes que não podem mais
ficar atrás de você, não podem fazer nada com você, não podem tocar em você. Se
quiser desrespeitar vai preso. (Entrevistada XII).
No outro extremo estão as entrevistadas que acham que a medida não funciona. Os
condicionantes são os mesmos expostos acima, entretanto, a percepção das entrevistadas é
que a medida protetiva para ser funcional deveria ter mecanismos efetivos que garantissem
51
sua execução, posto que na forma que se dá atualmente o que garante a eficácia da medida é
a vontade individual do agressor.
Muito ruim. O cumprimento, sabe, porque a lei em si é para resguardar. Mas não
tem quem cumpra, quem resguarde a lei. Eu não entendo de lei, mas eu sei que não
tem quem faça cumprir. (Entrevistada XIII).
Entendendo que as medidas protetivas não possuem formas que garantam a sua
eficácia, dando assim o protagonismo do êxito das mesmas ao agressor, essas medidas
possuem efeitos variados através do tempo. Isto é, observa-se uma espécie de tendência de
diminuição da eficácia com o passar do tempo. Em outras palavras, parece que as medidas
possuem uma maior eficácia no momento em que são concedidas: como o agressor ainda não
entende os funcionamentos e as formas de controle a ele impostas; de maneira geral, ele age
com receio procurando obedecer a ordem judicial lhe dada. Contudo, com o passar do tempo
o agressor começa a entender a lógica da medida e percebe que inexistem mecanismos de
controle, relaxando no cumprimento das determinações judiciais, comprometendo a eficácia
das medidas protetivas. Tal efeito pode ser observado nas alegações das entrevistadas
abaixo:
Me ajudaram muito. Acho que controlou muito. Mas claro, com o passar do tempo
ele desacatou. Ele espera passar um tempo, parecer que não está acontecendo nada
e que está tudo numa boa, daí ele vai lá e apronta. (Entrevistada XIV).
Eu estou me sentido mais protegida, não totalmente, porque a lei é meio vagarosa.
Esses móveis que estão lá ainda não consegui que ela retire. Ainda não consegui
dormir, colocar a minha cabeça no travesseiro e dormir, porque eu estou com a
protetiva, ela está respeitando, está. No começo ela respeitou mais (Entrevistada
XIII, grifo nosso).
Interessante notar que, diversas entrevistadas relacionaram a eficácia da medida à
visita do serviço de Prevenção à Violência Doméstica (PVD) da Polícia Militar de Minas
Gerais, que serviria para mostrar ao agressor como o poder público estaria vigiando-o.
Porém, mesmo nesse caso, as entrevistadas observaram que as visitas do serviço ocorrem
logo após a concessão da medida, tendendo a diminuir com o passar do tempo.
Recebi [a visita do PVD da PMMG] no começo, depois não. E também quando eu
liguei eles não foram. Ele estava tentando me agredir, eu estava no banheiro. Isso
depois da medida já, em janeiro. Ele entrou na minha casa com o pretexto de pegar
meus filhos e veio para cima de mim, eu só consegui chegar até o banheiro. Eu fiz
queixa na Polícia e não aconteceu nada, liguei no dia e eles não foram. Ele mesmo
ficou lá na porta perguntando onde estava a Polícia. Aí no outro dia eu fui na
Delegacia de Mulheres cedo e resolvi meu problema. (Entrevistada XV).
52
Um outro ponto importante de salientar é a distinção a ser feita entre a sensação de
segurança e a eficácia da medida. Essa distinção, em alguns momentos, é realizada pelas
próprias entrevistadas que entendem que a medida protetiva pode ser fecunda e reduzir a
violência, mas não necessariamente diminui o medo e o sentimento de insegurança.
Funciona, mas não do jeito que tinha que funcionar. Funciona porque você chama
a Polícia e na mesma hora eles chegam, eles não demoram. Quando é para chamar
o Oficial de Justiça ele vai com urgência, conversa comigo e com ele, sempre vai
muito rápido, mas no que diz respeito à segurança não achei que funciona, sabe por
quê? Eu acho assim: uma pessoa que tem uma medida protetiva, eu acho que tinha
que ter uma medida protetiva, sim, pelo menos à noite, por exemplo, aquelas
Polícias no bairro, eles poderiam ir na casa da pessoa para ver se está tudo bem.
(Entrevistada XII).
Um último ponto a ser destacado, no quesito eficácia da medida, é a percepção de
algumas entrevistadas de que são as mulheres as maiores responsáveis pelo descumprimento
da determinação judicial. Na visão dessas, a efetiva proteção da mulher apenas poderia
ocorrer a partir de uma maior conscientização do significado de seus direitos e,
especialmente, de seus deveres no âmbito da Lei Maria da Penha.
Olha, eu acho que é a cabeça da mulher que tem que melhorar e não a medida,
porque a medida está certa, o povo até fala: “Ah, depois que matou a mulher do
que adianta duzentos metros?”. Mas quando você vai ver é sempre a mulher que
descumpriu alguma coisa, o homem não porque eles têm medo de ser preso. Quer
dizer, têm uns psicopatas que descumprem mesmo, mas na maioria das vezes são
as mulheres que descumprem mesmo. Então tem que mudar é a cabeça da mulher.
(Entrevistada VIII).
Então, considerando os depoimentos reproduzidos nesta seção, é possível afirmar que
a ineficácia da medida ocorre, na visão das mulheres, por diversos motivos que vão desde a
ausência de consciência do significado da proteção oferecida pela Lei 11.340/06 até a
dependência financeira dos agressores; o que poderia ser atenuado se a Rede de Proteção à
Violência Doméstica de fato funcionasse na capital. Nesse ponto, importa salientar que
nenhuma das entrevistadas respondeu prontamente a questão sobre avaliação da Rede,
cabendo às entrevistadoras dizer o que isso significava.
As questões aqui elencadas procuram lançar algumas luzes sobre o fluxo percorrido
pelas mulheres vítimas de violência doméstica, destacando os óbices encontrados na busca
por proteção. Neste contexto, os depoimentos apresentados demonstram a necessidade de
repensar a atuação das instituições que se destinam ao tema, de forma a que se construam
53
mecanismos mais eficazes, especialmente no que diz respeito à efetiva execução das
medidas protetivas na cidade de Belo Horizonte.
Nesse mesmo sentido, percebe-se que quando o direito previsto em lei é negado, as
mulheres tendem a se resignar; o que, talvez, seja resultado da ausência de consciência de
seus próprios direitos. Essa situação pode ser muito bem traduzida na fala de uma
entrevistada que teve o pedido de medida protetiva indeferido:
Exatamente, você fica naquela insegurança. Até hoje... Eu voltei, a gente não
convive, quando ele chega eu vou para o quarto, quando eu saio eu tranco a porta
do meu quarto porque tenho medo dele chegar e se esconder dentro do quarto para
fazer alguma coisa. Se eu estiver sozinha com ele eu faço de tudo para não ficar
perto dele, se os meninos estão em casa eu não ligo, mas se eu estou sozinha eu
vou para o quarto e fecho a porta do quarto. (Entrevista I).
Em alguns depoimentos, observa-se um entendimento de que a lei e as medidas
advindas dessa são um avanço de um campo historicamente esvaziado de ações com esse
intuito. Para tais mulheres, é inegável o salto qualitativo advindo com a lei Maria da Penha
na interrupção da violência doméstica contra a mulher. Diversas foram as afirmações sobre
os avanços dessa legislação, ainda que os significados atribuídos a tal diploma legal pelas
vítimas sejam, muitas vezes, contraditórios.
54
3. Recife
Na primeira fase da pesquisa, concluída no início de julho, a equipe de pesquisadores
do Recife fez o planejamento do campo, selecionando os possíveis informantes e montando
um banco de dados com seus contatos, para em seguida iniciar o processo de agendamento e
realização das entrevistas com os operadores do Sistema de Segurança Pública e de Justiça
Criminal.
O contato foi estabelecido com as Polícias Civil e Militar, o Ministério Público, a
Defensoria Pública e os Poderes Executivo e Judiciário. Nenhuma das instituições
apresentou resistência à colaboração com a pesquisa. Somente na Polícia Militar, foi
necessário cumprir determinado protocolo burocrático para conseguir agendar a entrevista.
Ao todo, foram realizadas nove entrevistas distribuídas da seguinte forma:
Tabela 5 – Entrevistas com operadores dos serviços especializados de atendimento à
mulher vítima de violência em Recife
Serviço
Informante
Data
Polícia Civil
Gestora do Departamento de Polícia da Mulher – 18/06/2014
DPMUL
Polícia Civil
Delegada Titular da DEAM do Recife
19/06/2014
Polícia Civil
Delegada Substituta da DEAM do Recife
19/06/2014
Polícia Militar
Coordenador da Patrulha Maria da Penha
02/07/2014
Poder Judiciário
Juíza Titular da 2ª Vara de Combate à Violência 01/07/2014
Doméstica e Familiar contra a Mulher
Defensoria Pública
Defensora
lotada
na
Defensoria
Pública 01/07/2014
Especializada na Defesa da Mulher em Situação de
Violência (DEPEDIM) – Recife
Ministério Público
Promotor que atua na 1ª Vara de Combate à 26/06/2014
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e
que coordena o Núcleo de Apoio à Mulher –
MPPE
Poder Executivo
Diretora de Enfrentamento à Violência de Gênero 25/06/2014
55
da Secretaria Estadual da Mulher
Poder Executivo
Gerente do Centro de Monitoramento Eletrônico 27/06/2014
de Reeducandos (CEMER)
De um modo geral, as entrevistas transcorreram bem. Contudo, alguns atores
mostraram-se reticentes, por motivos diversos, com relação aos questionamentos suscitados
pelas entrevistas.
O Major que coordena a Patrulha Maria da Penha não demonstrou compreensão
completa das questões levantadas, provavelmente porque está há pouco tempo ocupando esta
função e porque a estrutura hierárquica da Polícia Militar cria impedimentos para um
posicionamento autônomo dos seus integrantes.
A Defensora Pública manteve uma atitude de desconfiança durante a entrevista,
demonstrando preocupação com relação ao conteúdo de suas respostas e certo receio de estar
rompendo a hierarquia funcional.
Por fim, uma atitude recorrente por parte das delegadas da Polícia Civil de
Pernambuco mostrou-se um dado relevante, uma vez que tanto a Gestora, quanto a Delegada
Titular criaram estratégias para não conceder as entrevistas desacompanhadas. A primeira
convocou uma assessora, em determinado momento da entrevista, e a segunda propôs que a
entrevista fosse realizada na sala de uma colega, a qual foi incitada, pela delegada titular, a
colaborar na resposta aos questionamentos feitos pela pesquisadora.
Concluídas as entrevistas com os atores do Sistema de Justiça Criminal, passamos
para a etapa seguinte: a organização das entrevistas com as mulheres que utilizaram os
serviços da rede de proteção às vítimas de violência doméstica e que tiveram (10) ou não (5)
medidas protetivas deferidas.
Neste momento da pesquisa, o principal desafio foi o recrutamento destas mulheres.
Optamos por fazê-lo institucionalmente. Para tanto, entramos em contato com uma gestora
da Secretaria da Mulher Municipal que nos autorizou a realizar a pesquisa através do Centro
de Referência Clarice Lispector e nos colocou em contato tanto com a coordenadora do
Centro, quanto com o seu departamento jurídico.
Todas no Centro foram bastante solícitas e realmente se empenharam em ajudar a
realização da pesquisa. A advogada fez a triagem dos casos e das mulheres que tinham um
perfil compatível com os objetivos da pesquisa. Os agendamentos tinham que ser feitos
através do Centro e por sua recepcionista, que é a pessoa autorizada a entrar em contato com
as usuárias deste serviço. As entrevistas também deveriam ocorrer no Clarice Lispector (uma
56
sala foi cedida a nossa equipe), de modo a respeitar a dinâmica da relação da instituição com
as suas usuárias.
Sem o intermédio do Clarice Lispector, o recrutamento teria sido bastante difícil.
Contudo, ao optar por trabalhar com a ajuda de uma instituição como essa nos
comprometemos com o respeito a sua lógica de funcionamento. Sendo assim, precisamos
nos adaptar a rotina cotidiana e ao tempo da instituição.
O primeiro grupo de mulheres recrutadas era composto por dez com medidas
deferidas e somente uma com medida indeferida. Já neste momento, a advogada do Centro
nos relatou a dificuldade de encontrar casos de mulheres com medidas protetivas indeferidas.
A identificação e o acesso às mulheres que tiveram medidas indeferidas foi uma das
principais dificuldades de nossa pesquisa de campo.
A preparação da pesquisa de campo exigiu bastante articulação e tempo da equipe, de
modo que as entrevistas propriamente ditas começaram no dia 15/08 e foram concluídas no
dia 18/09. A pesquisa de campo durou um pouco mais de um mês especialmente em razão
do gargalo relativo ao indeferimento das medidas protetivas, mas também em razão da
observância das dinâmicas do Centro e da necessidade, relativamente recorrente, de
reagendar com as informantes que, por motivos pessoais, não poderiam comparecer ao
compromisso na data marcada anteriormente.
Ao final, ficamos com o seguinte cronograma:
Tabela 6 – Lista das entrevistas gravadas com mulheres que solicitaram a concessão de
medida protetiva ao Judiciário em Recife-PE
Status da Medida Protetiva
Data da
da Informante
Entrevista
Local da Entrevista
Medida Deferida 1
15/08
Centro de Referência Clarice Lispector
Medida Deferida 2
15/08
Centro de Referência Clarice Lispector
Medida Deferida 3
18/08
Centro de Referência Clarice Lispector
Medida Deferida 4
18/08
Centro de Referência Clarice Lispector
Medida Deferida 5
20/08
Centro de Referência Clarice Lispector
Medida Indeferida 1
21/08
Centro de Referência Clarice Lispector
Medida Deferida 6
21/08
Centro de Referência Clarice Lispector
Medida Deferida 7
25/08
Centro de Referência Clarice Lispector
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Medida Deferida 8
28/08
Centro de Referência Clarice Lispector
Medida Deferida 9
29/08
Centro de Referência Clarice Lispector
Medida Deferida 10
16/09
Centro de Referência Clarice Lispector
Medida Indeferida 2
11/09
Vara Especializada de Violência Doméstica
e Familiar contra a Mulher
Medida Indeferida 3
16/09
Centro de Referência Clarice Lispector
Medida Indeferida 4
18/09
Centro de Referência Clarice Lispector
No Centro de Referência Clarice Lispector, realizamos as entrevistas com a maior
parte da das mulheres, incluindo os únicos três casos de medidas indeferidas de que
dispunham. Diante disso, precisamos recorrer às Varas Especializadas de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher de Recife para tentar identificar os outros 2 casos e
realizar as entrevistas.
Não obtivemos autorização da Juíza da 1ª Vara , mais antiga e com maiores
possibilidades de localizarmos casos de medidas indeferidas, para fazer as entrevistas, sob o
argumento do segredo de justiça.
É importante destacar que o recrutamento, a partir da Vara, foi muito mais
complicado do que o realizado no Centro de Referência (foram mais de dez tentativas para
um aceite) porque não havia contato pessoal ou relação de confiança entre o serviço e as
usuárias. A seleção era feita de modo impessoal, a partir da pesquisa em decisões proferidas
anteriormente.
Desse modo, não havia um conhecimento prévio sobre a história de vida da mulher
ou de sua situação atual (muitas mulheres se recusaram a colaborar ou mesmo atender o
telefonema da Vara da Mulher, o que não aconteceu no Centro de Referência).
Em Recife, parecem ser raras decisões que indeferem medidas protetivas de urgência.
Não há sistematização dos dados de modo a quantificar tais casos, mas tal informação foi
constatada a partir das conversas com o Promotor de Justiça, a Juíza da 2ª Vara e sua
assessora, a equipe multidisciplinar da Vara, Psicólogas e Assistentes Sociais, e com a
equipe do Centro de Referência da Mulher - Clarice Lispector.
De acordo com os relatos dos atores acima citados, os casos de indeferimento total
das medidas dizem respeito à não constatação da violência doméstica contra a mulher, como
dissídios entre irmão e irmã ou mãe e filha por questões patrimoniais, por exemplo.
Conseguimos um caso nesse sentido (desavença entre mãe e filha por questão patrimonial).
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A falta de controle qualitativo (de conteúdo) das decisões nas Varas dificultou a
localização dos casos. Naqueles localizados a partir das minutas de decisões feitas pela
assessoria da juíza, deparamo-nos com as seguintes situações:
a. “Indeferimento liminar” da medida. São os casos em que a juíza não concede a
medida de pronto, por não verificar o fumus boni iuris (inserir nota explicativa),
o periculum in mora (inserir nota explicativa) e a verossimilhança, então,
geralmente intima o réu para se pronunciar. Não se trata de um indeferimento da
medida de todo, pois esta ainda será apreciada posteriormente, na sentença. Ainda
assim, como não houve concessão imediata, consideramos essa situação como de
indeferimento para efeito da realização das entrevistas;
b. Declinação de competência. Nos casos de medidas protetivas envolvendo idosas
ou crianças, ao invés de indeferir, declina-se da competência, vez que o Estatuto
do Idoso(a) e o ECA também prevêem Medidas Protetivas. Excluímos esse caso
da amostra de nossas entrevistas;
c. Indeferimento parcial das medidas. Ocorre quando a juíza concede apenas
algumas das medidas solicitadas. A maior parte das medidas negadas diz respeito
à solicitação de alimentos provisionais, proibição de estabelecer contratos e
limitação de visitação aos filhos(as). Os dois primeiros casos são geralmente
indeferidos por falta de prova e, o segundo, porque raramente a equipe
psicossocial opina pela limitação da visitação aos filhos, apenas em casos
patentes de risco, conforme informou a própria equipe;
d. Extinção por desistência. Mesmo concedida em caráter liminar, a medida pode
ser extinta (e, novamente, não indeferida) quando a usuária dela desiste.
Além das entrevistas, realizamos também, no mês de julho, observação em uma
reunião da Câmara Técnica para Enfrentamento da Violência de Gênero Contra a Mulher do
Pacto pela Vida (PPV). Esta Câmara faz parte da estrutura institucional de gestão do PPV e
está funcionando, como tal, há seis meses, segundo os nossos informantes relataram.
Portanto, o processo de gestão da violência contra a mulher está no início. Uma das
maiores dificuldades nesse primeiro momento, ao que parece, é o fortalecimento da
articulação entre os órgãos que compõem a rede de proteção à mulher vítima de violência, e
o elo mais fraco parece ser o judiciário.
59
Foi acordado entre os participantes fixos da Câmara que nas primeiras quartas-feiras
de cada mês seriam realizadas reuniões com o judiciário. Deveriam comparecer as juízas de
todas as varas da região metropolitana especializadas em casos de violência contra a mulher
(Recife 1ª e 2ª, Cabo, Jaboatão e Olinda). Contudo, apenas a Juíza Titular da 2ª Vara de
Violência Doméstica do Recife, que segundo os presentes sempre vai às reuniões,
compareceu.
Os seguintes atores participaram da reunião: a) 5 membros da Secretaria Estadual da
Mulher (a Secretaria não foi, pois estava de férias); b) 2 membros da Secretaria Municipal da
Mulher; c) 1 representante do Ministério Público – a assessora do promotor que coordena no
Núcleo de Apoio à Mulher do MPPE; d) a advogada do Centro de Referência Clarice
Lispector; e) a Juíza Titular da 2ª Vara; f) 3 representante da SERES (Secretaria Executiva
de Ressocialização) responsáveis pelo monitoramento eletrônico em casos da Lei Maria da
Penha; g) a defensora pública da vítima da 2ª Vara; h) o coordenador da Patrulha Maria da
Penha na Polícia Militar; i) a assistente social da Vara da Mulher de Jaboatão; j) uma
advogada ad hoc parceira da 2ª Vara; l) uma delegada que faz parte da gestão das delegacias
especializadas da mulher. Não havia representante da Saúde, pois a pessoa que ocupava o
cargo foi trocada e por enquanto há um vácuo institucional.
Neste dia, estavam na pauta: a) procedimentos para efetividade do Monitoramento
Eletrônico; b) I Fórum Pernambucano de Violência Doméstica (I FOPEVID); c) Mutirão
Arquivo Zero.
A pauta foi invertida, porque a juíza de Jaboatão deveria comparecer à reunião e o
grupo resolveu esperá-la mais um pouco. Começou-se a discussão pelo Mutirão Arquivo
Zero, que foi uma prestação de contas do judiciário ao grupo. O objetivo desse mutirão é
eliminar um passivo de sentenças e autuações. Durante essa discussão, a juíza explicou como
funcionou o mutirão e as gestoras municipais questionaram-na sobre o número de Medidas
Protetivas deferidas por mês, a juíza afirmou que são aproximadamente 300, mas ficou de
confirmar. Contudo, em sua vara, afirmou existir uma meta mensal por assessora de 50
deferimentos.
Confirmada a ausência da Juíza de Jaboatão (seguida de discussão e queixas sobre a
fraca participação do judiciário na Câmara), passou-se ao debate dos casos de
monitoramento eletrônico em vigor, buscando um ajuste nos procedimentos, visto que a
aplicação do monitoramento eletrônico para casos da Lei Maria da Penha é uma novidade no
Estado.
60
Em Pernambuco, a gestão desse processo é feita por meio de uma parceria entre a
Secretaria da Mulher (responsável pela vítima) e a SERES (responsável pelo agressor).
Segundo informação apresentada na reunião, até o dia 2/07/2014, estavam em vigor 17
monitoramentos para casos da Lei Maria da Penha, sendo 41 vítimas contempladas.
O grupo discutiu alguns casos mais complexos, visando ajustar os procedimentos
entre os órgãos envolvidos, principalmente entre as Secretarias de Estado e o Judiciário, que
novamente parecia ser o ponto problemático devido à ausência recorrente da maioria das
juízas desse espaço de discussão. Parte da reunião, inclusive, foi dedicada a pensar uma
estratégia para “garantir” ou induzir institucionalmente a presença das juízas. E o caminho
apresentado foi levar essa questão para dentro das reuniões das Câmaras Técnicas mais
consolidadas do Pacto pela Vida.
Como não havia tempo para discutir o último tópico, que versava sobre a organização
de um evento, esse tema entrou na pauta da reunião da quarta-feira seguinte e a reunião foi
encerrada.
3.1 A visão dos Operadores do Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal
Em Pernambuco, existem 10 delegacias especializadas no atendimento à mulher
vítima de violência, com a seguinte distribuição: Recife, Jaboatão, Paulista, Cabo, Goiana,
Caruaru, Surubim, Garanhuns, Petrolina e Vitória de Santo Antão. Portanto, esse é um
serviço mais forte na capital e na região metropolitana (inclusive, pela proximidade com os
outros órgãos que compõe a rede de proteção à mulher), mas que já possui uma capilaridade
no interior do estado.
Na primeira fase da pesquisa, entrevistamos tanto a gestora do Departamento do
Departamento de Polícia da Mulher, quanto as delegadas titular e substituta da DEAM do
Recife.
De acordo com as falas das entrevistadas, pudemos perceber que o procedimento de
solicitação das medidas protetivas não é espontâneo, no seguinte sentido: grande parte das
mulheres não chega à delegacia sabendo de seus direitos.
Após o registro da ocorrência, o policial deve informá-la dos direitos que a Lei Maria
da Penha (LMP) prevê, dentre eles as Medidas Protetivas, e ela, ciente disso, escolhe a
medida mais adequada para a sua situação. Contudo, como parte das mulheres que procuram
a delegacia tem baixa escolaridade e, muitas vezes, estão em situação de vulnerabilidade
61
social complexa, cabe questionar em que medida elas conseguem exercer essa escolha com
clareza.
Quando a mulher registra uma ocorrência o policial tem a obrigação de dizer para
a mulher os direitos que ela tem, dentre eles a medida protetiva e entre as medidas
protetivas, quais são as que ela pode solicitar. Ela pode solicitar apenas uma, duas,
três. Depois, sendo concedida ou não, ela pode tentar modificar. Entre essas
medidas, as mais solicitadas são o afastamento do lar e a proibição de contato do
agressor com ela, com as testemunhas, pode haver, até mesmo, uma suspensão de
visita. É essa a dinâmica. (Gestora DPMUL)
O pedido de medida protetiva em Pernambuco é realizado através de um protocolo
padrão, existe um formulário a ser preenchido e este deve ser enviado ao Judiciário em até
48h. De acordo com as entrevistadas, o formulário qualifica vítima e agressor e contém uma
descrição sucinta dos fatos. Normalmente, não é possível, pelo tempo, anexar laudos
periciais, mas em caso de agressão procura-se anexar pelo menos alguma foto colorida da
vítima.
A oitiva de testemunhas e do próprio agressor é realizada e anexada ao documento
sempre que possível. Mas, de um modo geral, a palavra da vítima é suficiente para a
solicitação da medida protetiva. Ao que parece, a celeridade exigida pela medida protetiva,
do ponto de vista formal do encaminhamento ao judiciário, tem prioridade em detrimento da
melhor qualificação do crime, nesse momento inicial.
Se for possível, se a mulher já vem acompanhada de uma vizinha, já tem alguém, a
gente tenta instruir com o máximo possível. Às vezes, até dá tempo de tomar o
depoimento do agressor. Caso contrário, realmente, o depoimento inicial dela é o
que vai servir de base. Se ela sofreu lesão corporal, mesmo que a perícia não esteja
pronta, a gente junta a guia que encaminhou, ou se consegue uma ficha de
atendimento hospitalar, alguma coisa que dê uma visão ao Juiz. Em algumas
situações de lesão corporal, tentamos juntar uma fotografia colorida dela para
começar a materializar. (Gestora DPMUL)
Os critérios utilizados para o enquadramento do caso na LMP estão baseados,
principalmente, na relação com o agressor e no tipo de violência, e não no tipo penal em si
mesmo. Os casos que não se enquadram, que normalmente são assim classificados pelo tipo
de relação entre vítima e agressor, são encaminhados para uma delegacia distrital.
Segundo as entrevistadas é comum que as mulheres procurem a DEAM com casos
que não se enquadram no universo da LMP, pelo entendimento de que a delegacia presta um
serviço especializado para a mulher, independente do tipo de crime, e pelo desconhecimento
dos detalhes da LMP.
62
A Lei Maria da Penha, de certa forma, não estabeleceu o tipo penal, os crimes são
os mesmos, a gente tem ameaça, lesão corporal, dano, injúria, calúnia, os crimes
contra honra. O que vai diferenciar se ela [vítima] vai ser atendida ou não na
Delegacia da Mulher é a relação dela com o agressor ou a situação em que ocorreu
o fato. Se for um caso de lesão, de ameaça, de injúria, praticado por uma pessoa
que não tem um laço familiar, ou não tem uma relação afetiva, não existe um
vínculo com aquela mulher, vai ser remetido para uma Delegacia comum. (Gestora
DPMUL)
É comum porque, muitas vezes, as mulheres não têm conhecimento que a Lei
Maria da Penha é só para questão de violência doméstica e familiar contra a
mulher. Elas acham que contra a mulher seria qualquer tipo de violência, não seria
só a familiar e doméstica. (Delegada I)
Encerrada essa etapa, a delegacia segue com os procedimentos do inquérito e, de
acordo com as entrevistas, não acompanha mais a medida protetiva, ou seja, não tem
conhecimento do deferimento ou indeferimento da medida.
Anteriormente, as delegacias possuíam acesso à base de dados do Judiciário e podiam
acessar essa informação. Mas, esse acesso direto foi interrompido, porque o Judiciário
restringiu as informações disponíveis relativas a esse crime, visto que o mesmo corre em
segredo de justiça. Em paralelo a isso, não foi feita uma senha especial que permitisse à
DEAM acompanhar os casos, nem foi pensada outra forma de facilitar o acesso a tal
informação.
Segundo as entrevistadas, especialmente por conta do monitoramento eletrônico para
os casos da LMP, esse assunto veio à tona nas discussões da Câmara Técnica para
Enfrentamento da Violência de Gênero Contra a Mulher do Pacto pela Vida (PPV), mas
ainda não se chegou a uma solução.
Tal fato é um indicador da frouxa articulação entre os órgãos da rede de proteção à
mulher no estado.
Não, a gente não tem esse acompanhamento. Eu acredito que, até 2010, a gente
conseguia acompanhar no sistema do Judiciário, na internet, se aquela medida já
tinha sido apreciada, se era deferida. Depois, foi considerado segredo de justiça por
envolver questões familiares. Isso tem sido uma grande dificuldade nossa, porque,
muitas vezes, a mulher volta a procurar o serviço da Delegacia dizendo que ele
continua procurando, perseguindo, e a gente não tem o controle de saber se aquela
medida foi concedida, se foi apreciada. É um dado importante, porque caso a
medida não seja cumprida, pode ensejar na prisão do agressor. (Gestora DPMUL)
Não somos comunicadas nem da decretação nem da ciência ao agressor. No site do
Tribunal de Justiça, não há disponibilidade dessa informação, porque é segredo de
justiça. A gente tem algum relacionamento com o Judiciário. Durante o expediente
normal a gente tem essa facilidade. (Delegada II)
A integração com a Polícia Militar, para os casos da LMP, evoluiu, mas, pelas falas
das entrevistadas, ainda precisaria de ajustes. O que reforça a percepção que um dos maiores
63
desafios para o aumento da eficácia tanto das medidas protetivas, quanto da própria LMP, é
uma maior articulação e integração entre os órgãos que compõem a rede de proteção à
mulher vítima de violência.
Algumas dificuldades a gente tem. Acho que já melhorou um pouco. A princípio, o
policial tem que identificar aquilo como um crime e, como qualquer outro, vai
ensejar uma autuação. Muitas vezes, ele trazia a mulher para a Delegacia e o
agressor ficava dormindo, em casa. Mas, hoje, isso já está bem mais sedimentado e
eles têm levado muitos casos de prisão em flagrante para Delegacia. (Gestora
DPMUL).
A avaliação que as entrevistadas fazem das medidas protetivas é bastante positiva,
especialmente por ter um caráter emergencial e dar uma resposta rápida (pelo menos em
teoria) tanto à vítima quanto ao agressor.
Contudo, a despeito desse ganho em termos de instrumento formal, na prática alguns
ajustes são necessários na opinião das delegadas, especialmente no que tange à fiscalização
da medida. O monitoramento eletrônico e a patrulha Maria da Penha são percebidos como
mecanismos que visam melhorar a fiscalização e controle da situação da mulher e do
agressor pós-deferimento da medida.
Eu acredito que seja um dos melhores instrumentos da Lei Maria da Penha. Pela
praticidade, pela forma simples. Ela tem dois momentos que eu acho que são
críticos: um é a compreensão da mulher do que é aquela medida. Porque, muitas
vezes, a mulher vem e diz que quer aquela medida, mas não é possível, não é
necessária. Depende do policial, da pessoa que recebe a mulher, explicar. O outro
[momento crítico] seria como fiscalizar. Já tem essa primeira lacuna entre
solicitação e deferimento. Se deferir, quem vai fiscalizar? Até pouco tempo atrás, a
própria mulher fiscalizava e voltava à Delegacia para dizer que ele continuava
perturbando, continuava indo na casa. (Gestora DPMUL)
É o remédio que faltava. É suficiente para aquilo. Realmente, freia o cara e nunca
mais ele vai fazer. Nem é um susto, ele “caiu na real” que, realmente, ele está
sendo vigiado e se fizer uma coisa maior ele não vai ter só aquilo, vai ter uma
prisão. Porque, muitas vezes, eles desacreditam que existe alguma lei. A
impunidade, às vezes, é tão grande que ele desacredita. Tem crimes tão graves que
não acontece nada, na cabeça dele, imagina chamar a mulher disso ou aquilo.
Quando ele vê que foi afastado de casa, pensa: “minha casa que eu construí com
tudo que eu tinha, então o negócio funciona, mesmo, é melhor eu ficar quietinho”.
Na cabeça dele, ele acha que funciona. (Delegada I)
Quando questionadas sobre os principais mecanismos que poderiam ser acionados
para evitar que a situação de violência contra a mulher se repita com a mesma vítima,
aparecem nas falas das delegadas questões relativas a políticas públicas educacionais de
longo prazo, cujo foco estaria voltado tanto para o empoderamento da mulher, quanto para a
conscientização do homem.
64
Contudo, no âmbito da Polícia Civil, não há projetos de longo prazo para trabalhar
com essas questões (foram mencionadas palestras para os próprios policiais e para a
comunidade, mas todas com caráter mais pontual).
E, além disso, é muito nítido o reconhecimento da necessidade de se trabalhar com o
agressor e, ao mesmo tempo, o desconforto em defender essa posição e em realizar projetos
nesse sentido.
Além da questão acima citada, pela primeira vez aparece nas falas das entrevistadas
uma avaliação crítica quanto ao tempo do procedimento de caráter cautelar, o qual exige
uma celeridade que na prática esbarra no funcionamento e no tempo da burocracia de todos
os órgãos envolvidos.
Eu acho que teria que ser uma via de mão dupla. Primeiro, o fortalecimento dessa
mulher, tanto em relação ao risco que ela corre, as oportunidades que ela vai ter.
Porque um relacionamento, em algumas situações de violência, envolve filhos,
dependência financeira, dependência emocional, a própria sobrevivência, que a
gente sabe que ninguém vive sem dinheiro. Teria que ver uma política para
fortalecer essa mulher, para ela ser independente e romper o ciclo de violência. E
outra situação seria também chegar junto a esse agressor. Porque durante todo o
tempo, a gente chega para a vítima, a gente empodera a vítima, diz que ela tem
direito, que ela deve denunciar, mas aquele agressor continua sem nenhum diálogo.
Então, ele só não volta a agredir a mesma mulher se estiver preso, ou ele vai tentar
voltar a agredir a mesma mulher ou até se relacionar com outra mulher, que a gente
sabe que, às vezes, repete o comportamento. Então, acho que tem que ser uma
política mais ampla de atenção integral à mulher, à família, ao agressor. Porque
não vai poder dissociar. (Gestora DPMUL)
Hoje, eu acho que é uma coisa que tem que se conversar. Não é que a gente vai
gastar tempo e dinheiro com agressor. Existe, na Vara de Execução, um projeto,
mas só para condenados. Nem é um projeto, existe uma ação para o condenado,
mas a gente não acompanha. Na Polícia Civil, a gente tem ações pontuais, se
somos convidados para um encontro em tal local, então a gente, de certa forma, vai
com muito gosto. A gente pretendia fazer isso de forma mais rotineira, usar o
espaço do próprio Departamento, para que esse agressor, antes de uma condenação,
ele recebesse um convite ou intimação para vir aqui e juntar um grupo para poder
apresentar a ele a situação. Não seria uma situação psicológica, seria uma questão
da informação, mesmo. (Gestora DPMUL)
Deveria ter mais agilidade em alguma coisa que, quando ela viesse na Delegacia, a
gente já tivesse, quando a gente chamasse o homem já tivesse. Por exemplo, lesão
corporal, são quinze dias para a mulher retornar. Então, em mais ou menos um mês
a gente chama o homem. Se em um mês tivesse uma protetiva ele já se assustava.
Às vezes, ele não tem isso em mãos. Se a gente tivesse ele já repensava para fazer
outra coisa. (Delegada I).
No Recife, existem duas Varas de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher. Conversamos com a juíza titular de uma delas sobre o papel do judiciário no que
tange às medidas protetivas da LMP.
Segundo a entrevistada, a solicitação da medida protetiva ao judiciário pode ter
origens diversas, contudo a imensa maioria da demanda é proveniente das delegacias
65
especializadas da mulher. O encaminhamento dado à solicitação da mulher em situação de
violência não vai mudar de acordo com o órgão que remeteu a solicitação, mas sim de
acordo com o tipo de medida solicitada. De acordo com o seu relato, as medidas mais
solicitadas são o afastamento do lar e a proibição de contato entre a vítima, seus familiares
e suas testemunhas e o agressor.
A origem mais comum da solicitação de medidas é das Delegacias Especializadas
de Atendimento à Mulher em situação de violência, porque quando a mulher vai
informar a ocorrência, é lavrado o boletim e a Delegada já pergunta a ela que
medida protetiva ela pretende. Então, dentro daquele elenco que ela tem disponível
ela diz qual ela precisa e vem encaminhada diretamente para nós a solicitação.
(Juíza)
Os critérios básicos para a concessão de uma medida protetiva, em sua opinião, são a
avaliação de sua necessidade para o caso específico e de seu caráter de urgência, para
prevenir que um mal maior aconteça à vítima.
Em regra, a palavra da vítima é o bastante para avaliar o requerimento da medida.
Sendo destacado que a vítima tem responsabilidade por suas afirmações, podendo responder
pelo crime de denunciação caluniosa contra o agressor caso esteja mentindo.
O critério adotado é a necessidade do pedido, a urgência do pedido, se há um risco
na demora de atender aquele pedido a gente atende para evitar o dano efetivo.
Quando um homem ameaça uma mulher de morte, se a gente imediatamente não
afasta ele de casa e não proíbe ele de se aproximar dela, a gente está pondo ela em
risco, deixando que ele possa concretizar o que ele está anunciando. Para evitar que
aquilo aconteça, como medida preventiva a gente imediatamente concede a medida
protetiva. (Juíza)
É interessante perceber que a juíza demonstrou ter um método de trabalho, no que
tange à concessão de medidas com base somente na palavra da vítima, que obedece a uma
hierarquia valorativa dos danos impostos aos envolvidos.
Eu costumo fazer sempre assim: a vítima pediu, vou me basear só no pedido da
vítima, sim, porque a vítima tem uma grande responsabilidade. Ela pode responder
por denunciação caluniosa se ela estiver mentindo, que é um crime grave, então ela
tem a responsabilidade de falar a verdade. Mas mesmo assim, tem medidas
protetivas que não têm caráter irreversível, ela não prejudica de modo a não poder
desmanchar o que fez. Quando eu concedo uma medida que eu posso desmanchar
sem praticar danos maiores, então eu não vejo mal nenhum em conceder. Sempre
quando vem a medida de não aproximação da vítima, eu concedo, porque não vejo
nenhum dano para o direito do suposto agressor que eu proíba ele de se aproximar
de uma pessoa que não quer que ele se aproxime dela. (Juíza)
66
A decisão sobre o deferimento ou o indeferimento da medida não é feita na
audiência de instrução, mas logo após o recebimento da solicitação. Mas é possível realizar
um procedimento chamado de audiência de justificação, na qual a Juíza chama a vítima para
ter acesso a maiores detalhes do caso.
Imediatamente após. Alguns Juízes, em havendo alguma dúvida no que a gente
chama de periculum in mora e fumus boni iuris, que é fumaça do bom direito, se
seria legítimo ela pedir e o perigo em demorar para atender aquele pedido, então
alguns Juízes fazem audiência de justificação para ela justificar melhor por que ela
está pedindo aquilo, se o Juiz entender que não está devidamente esclarecido. Via
de regra, nós atendemos imediatamente o pleito da vítima. Ela se responsabiliza
pelo que ela está dizendo, porque o crime de denunciação caluniosa, muitas vezes,
tem uma pena muito mais grave do que o próprio crime que a mulher está
imputando ao agressor. Então a responsabilidade da vítima é total sobre aquela
conduta, aquela violência que ela está anunciando como sendo do seu
companheiro, seu parente ou a pessoa que está fazendo a agressão. (Juíza)
Tanto a vítima quanto o agressor tomam conhecimento da decisão a respeito
da medida protetiva, por meio da visita de um oficial de justiça, que notifica a vítima e
intima o agressor. Segundo a entrevistada, todas as decisões a respeito de medidas protetivas
são comunicadas às delegacias especializadas que a remeteram (no caso, especificamente a
DEAM de Recife).
Na prática, há um ruído entre os atores entrevistados, pois as delegadas
afirmaram não ter esse retorno e que a busca por um protocolo para o acompanhamento da
medida estaria atualmente em discussão no âmbito da Câmara Técnica do PPV.
Contudo, ficou claro durante a observação realizada na reunião da referida
Câmara Técnica, que a juíza por nós entrevistada é uma espécie de outlier dentro do
judiciário. Diferente dos colegas, ela prioriza as reuniões e os debates entre a rede, que visam
otimizar a atuação de todos os órgãos envolvidos no enfretamento à violência contra a
mulher. Desse modo, é possível que este seja um comportamento adotado somente pela Vara
em que ela é a titular.
Imediatamente, assim que a medida é concedida. As medidas protetivas são
concedidas e imediatamente a gente informa à Delegacia da Mulher, porque como
vem de lá o expediente, a gente informa o expediente. Primeiro, a gente informava
através de ofício, depois a gente passou a informar através de e-mail, porque a
Delegacia tem um e-mail funcional e a gente comunica através de email funcional.
(Juíza)
O Judiciário não tem um mecanismo próprio de acompanhamento e fiscalização da
medida protetiva, após o seu deferimento. De acordo com a fala da entrevistada, é possível
67
perceber que as informações sobre a medida protetiva são repassadas dentro da Câmara
Técnica para Enfrentamento da Violência de Gênero Contra a Mulher do Pacto pela Vida
(PPV), mas a fiscalização é feita de modo pouco sistemático pela polícia militar, com a
Patrulha Maria da Penha, e de modo mais efetivo, para os casos mais graves, pela Secretaria
da Mulher e pela Secretaria de Ressocialização através do Monitoramento eletrônico.
O judiciário, hoje, faz por via Patrulha Maria da Penha. A Patrulha Maria da
Penha é uma criação da Câmara Técnica para o enfrentamento da violência de
gênero contra a mulher do pacto pela vida. O Governo do Estado criou o pacto pela
vida e dentro do pacto tem as Câmaras Técnicas. Nós temos a de enfrentamento à
violência de gênero e, nessa discussão, a Secretaria da Mulher sugeriu e todos
acataram, porque foi uma excelente ideia, a criação da Patrulha Maria da Penha.
São policiais com jaquetas com nome Lei Maria da Penha, viaturas com nome
Maria da Penha e eles fazem visitas periódicas às casas das mulheres que têm
pedido de medida protetiva. Isso é uma forma de monitorar e também a própria
vítima vai nos informar. Caso ele não esteja cumprindo a própria vítima se dirige,
de novo, à Delegacia para comunicar que ele não está cumprindo e a Delegacia
pode representar pela prisão dele. (Juíza)
Para os casos que não estão sendo monitorados, mesmo que exista a visita da
patrulha, a fiscalização do cumprimento da medida é feita, na prática, pela própria vítima
que pode se dirigir aos órgãos que estão mais próximos dela, como a DEAM e a defensoria,
para reportar o descumprimento da medida por parte do agressor e solicitar as providências
cabíveis.
Porque ele pode descumprir praticando outro crime e ela pode se dirigir
diretamente à Vara e conversar com a Defensoria Especializada no Atendimento a
Vítima. Se ela for na Delegacia é bom, porque ela vai gerar um outro boletim de
ocorrência, que vai ser um documento que ela vai trazer para dar mais base ao que
ela está afirmando, que é o descumprimento. Como esse descumprimento pode
gerar até uma prisão preventiva é bom que ela venha acompanhada de elementos
probatórios. (Juíza)
A avaliação, assim como a feita pela Polícia Civil, é bastante positiva. Contudo é
ainda mais entusiasmada, porque não houve na fala nenhuma reflexão crítica. É como se a
existência da LMP e simples deferimento de uma medida protetiva fossem, por si só, capazes
de conter a violência de gênero.
Eu avalio de uma força incrível, uma força extraordinária. Eu diria que a Lei Maria
da Penha não poderia ter pensado em nada melhor. Tanto que o Código de
Processo Penal, em 2008, porque a Lei Maria da Penha foi criada em 2006,
reproduziu muitas das medidas protetivas para o campo do processo penal e creio
que esse projeto novo que está vindo deve recolher muita coisa da Lei Maria da
Penha. A Lei Maria da Penha tem sido o instrumento que melhor se tem notícia, no
mundo, sobre coibição e repressão à violência doméstica e familiar contra a
68
mulher. Então ela é um instrumento de uma inteligência imensa que pensou coisas
maravilhosas e eficientes no tocante a fazer essa repressão à violência contra a
mulher. As medidas protetivas são as estrelas guia, porque são elas que,
efetivamente, vem dar um basta na violência contra a mulher, porque é a primeira
que chega, é a primeira que é despachada, é a determinação maior. (Juíza)
Em sua opinião, para evitar o ciclo de violência contra a mulher é preciso uma
política pública preventiva, que problematize o machismo e os papéis de gênero tanto com as
mulheres, quanto com os homens. E essa não seria uma tarefa a ser encabeçada pelo
judiciário, que está sobrecarregado com o volume de processos que tem para julgar.
Nós procuramos investir mais em julgar, porque o povo está cobrando muito isso.
Cobram isso da gente porque, claro, quem vem ao Judiciário quer uma decisão,
quer um julgamento, quer ver a punição do crime, então é nisso que a gente está
concentrado hoje. Quando a gente conseguir reduzir esse acervo a números
razoáveis, que a gente trabalhe com certo conforto, então lógico que a gente vai
também investir em projetos. Sinceramente, eu entendo que isso é um projeto mais
para o Executivo, ao Executivo cabe e eles estão fazendo isso. (Juíza)
O que se pode fazer são os programas de conscientização e reflexão, são
justamente eles que vão prevenir a violência. Porque geralmente o programa já
pega a violência depois de concretizada, consumada, mas a gente precisa prevenir.
Esses projetos devem trazer conscientização ao homem de que o machismo não é
bom para ninguém, o companheirismo é a verdadeira forma de convivência, então
o machismo não serve para ninguém, está fora de moda, fora de época, não cabe
mais nesse mundo. Quando ele se conscientizar de que a atitude dele tem que ser
outra, ou seja, tem que ser um parceiro, um companheiro, um partícipe e não
machista, agressor, mandão, um guardião, um cuidador, porque a mulher não é
nenhuma deficiente para precisar de cuidador. Quando ele entender que a mulher é
a grande parceira dele e a mulher entender que não precisa ter essa dependência
emocional do homem, porque isso também foi gerado pelo machismo. (Juíza)
69
A partir das entrevistas até este momento concedidas, é possível traçar-se, no que
tange à solicitação, concessão e acompanhamento das medidas protetivas em Recife o
seguinte fluxograma:
Mulher em situação de
Violência Doméstica
Delegacia da Mulher
SOLICITAÇÃO DE
MEDIDA PROTETIVA
Secretaria da
Mulher do Estado
Vara de Violência
Doméstica e Familiar
Patrulha Maria da
Penha
Medida deferida
Descumprimento
de Medida
Protetiva
Incidência
reiterada na
violência
Alternativa à
pena de reclusão
Monitoramento
eletrônico
Ainda que seja possível a solicitação da Medida Protetiva via Ministério Público ou
Defensoria Pública, a prática, como afirmado pela Juíza, é de a grande maioria dos pedidos
ser proveniente da Delegacia da Mulher. Após ser solicitada a Medida Protetiva na
Delegacia, esta encaminha a solicitação, num prazo de 48h, como afirmado acima e previsto
no Art. 12, III, da LMP, à Vara Especializada, e encaminha também os dados da mulher
solicitante e do Boletim de Ocorrência à Patrulha Maria da Penha e à Secretaria da Mulher
do Governo Estado.
70
No âmbito do Sistema de Justiça, entrevistamos um promotor de justiça integrante do
Ministério Público de Pernambuco, que atua em uma das duas Varas de Combate à
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em Recife (são seis em todo o estado), e
que coordena o Núcleo de Apoio à Mulher – MPPE.
Logo no início da entrevista, ele deixou claros os limites da atuação do Ministério
Público estadual (MPPE), no que se refere à solicitação das medidas protetivas. O MPPE não
atua quando da fase inicial de apreciação da medida protetiva devido ao seu caráter cautelar
e liminar.
A ausência do Ministério Público está prevista em lei, porque o nome já diz tudo, é
medida protetiva de urgência, não é razoável que o Ministério Público opine, dê
um parecer realizando algum requerimento se a substância da medida protetiva é a
urgência, é a necessidade de acautelar de imediato a vítima de violência doméstica
(Promotor).
Sendo assim, o MPPE vai atuar após a decisão. Quando a solicitação da medida
protetiva é deferida ou indeferida, o ministério público é notificado e a partir de então pode
se manifestar, em caso de discordância, por meio da interposição de recurso. Contudo, os
casos de recurso são raros.
(...) porque na Vara de Violência Doméstica e Familiar “x” os critérios para
deferimento dessa medida são critérios de cognição muito sumária. Então posso
dizer a você, sem medo de errar, que mais de 90% (noventa e nove por cento) das
medidas protetivas de urgência solicitadas pelas mulheres vítimas de violência
doméstica, tanto na Delegacia como através de advogados diretamente ao Juiz, são
deferidas. (Promotor)
Existe ainda a possibilidade de o MPPE solicitar medidas protetivas para a mulher
vítima de violência, quando toma ciência do deferimento de outras medidas. Para o
promotor, em regra, as medidas deferidas são afastamento do lar, proibição de contato e
proibição de aproximação. Mas, em casos que eles considerem necessário outra medida,
como suspensão da visitação, eles chamam a vítima para conversar e em caso de
concordância podem fazer de ofício a solicitação da medida ausente do pedido inicial, ou
orientá-la a fazer esse requerimento junto à defensoria.
Ela geralmente entra no sistema de justiça em uma situação de fragilidade e, depois
dessa conversa, nós pedimos, de ofício, ou a encaminhamos à Defensoria Pública
Especializada, quando não é um caso urgentíssimo, porque em Recife existe uma
Defensoria Pública Especializada. (Promotor)
71
Segundo o entrevistado, em regra existe concordância, na Vara em que trabalha, entre
a avaliação do judiciário e do MPPE no caso de indeferimento das medidas protetivas. Esses
casos são uma minoria e os motivos do indeferimento referem-se ao tipo de violência e de
relação entre vítima e acusado, à existência ou não de uma hipossuficiência da mulher na
relação.
Nós observamos que, em certas situações, aquele tipo de violência não se enquadra
em uma situação que a mulher está, naquele momento, em condição de fragilidade,
hipossuficiência, há uma igualdade. Nessas situações, não são deferidas
(Promotor).
Afirma que dos 12 mil processos de sua Vara apenas um resultou em morte e, deixa
claro que erro na avaliação, neste caso, teria sido da polícia civil. Esses números embasam
sua avaliação absolutamente positiva a respeito da eficácia e da importância das medidas
protetivas no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.
Em sua fala, o promotor chama atenção para o fato de que existem 6 Varas de
Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher no estado, mas só um cargo de
promotor criado, que é o dele, o que significa que ele tem dedicação exclusiva e o os outros
acumulam essa função com o trabalho em outras varas. Essa questão também foi
mencionada pela juíza presente na reunião da Câmara Técnica para amenizar as críticas que
estavam sendo feitas as suas colegas.
O entrevistado defende, ainda, que existe certo descaso institucional com a temática,
como se este fosse um problema menos importante do que os outros tantos que o Ministério
Público, de forma geral, tem que lidar.
(...) geralmente, a questão da violência doméstica contra a mulher é vista como
algo pequeno, de pouco interesse de juízes, promotores e delegados. Essa é a
verdade, há um desinteresse. Sem medo de errar, há um preconceito em trabalhar
com essa área, em dar a devida importância para uma violência que, para mim, é a
mãe de todas as violências. (Promotor)
Além de ser o promotor titular de uma das 6 Varas de Combate à Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher no estado, o entrevistado também é o coordenador do
Núcleo de Apoio à Mulher em PE. Perguntado sobre os seus projetos, mostrou certo
incômodo com relação à ideia de promover grupos de trabalho voltados à reflexão. Acredita
que o papel do MPPE é o de induzir políticas públicas e explicou em detalhes uma iniciativa
recente do núcleo, a criação de um software para organizar informações relevantes para a
72
formulação de políticas públicas mais eficazes no combate à violência doméstica e familiar
contra a mulher.
Para mim, “grupo de reflexão” fica algo pouco eficaz. Eu entendo, em primeiro
lugar, que esse não é o papel principal do Ministério Público. Pode e existe em
outros Estados programas que são da iniciativa do Ministério Público, mas eu
entendo o Ministério Público como um indutor de políticas públicas e vou dar um
exemplo do que o Núcleo de Apoio à Mulher faz. (...)O Ministério Público criou, a
custo zero, exceto custo ordinário de pagar técnicos nessa área, que são nossos
servidores, um software, e demos o nome de Ravena. Esse software consegue
colher informações dos processos e de entrevistas com vítima e agressor para que
nós possamos saber local, dia da semana, situação financeira de agressor e vítima,
quantidade de filhos, religião, tudo que você imagina sobre o agressor e a agredida
e se o curso do processo está resolvendo esse problema. (Promotor)
De acordo com seu relato, através do software, foi possível identificar o tempo
transcorrido entre o requerimento e o deferimento ou indeferimento da medida protetiva que
atualmente é de 30 dias. Resposta que está bem aquém da necessidade de proteção urgente
da mulher em situação de violência.
Lamentavelmente, quase trinta dias. E eu posso dizer que a juíza “x” já tentou
resolver o grande nó, que é a distribuição. A Delegacia geralmente cumpre o prazo
de horas previsto na Lei, mas esse procedimento tem que ir para a distribuição,
sofrer um processo burocrático para chegar às mãos da Juíza. Como a distribuição
sequer é no mesmo prédio, chega atrasadíssimo à Juíza. (Promotor)
O Promotor afirma ainda que, com base em sua experiência, a idéia de agressões
múltiplas ou reiteradas é de alguma forma mitificada. Que são casos que existem, mas não
com tanta freqüência quanto se imagina, ainda mais depois que tais casos chegam ao Sistema
Judiciário.
A defensoria pública especializada na vítima pode atuar solicitando a medida
protetiva, complementando o pedido que vem da DEAM e ainda está presente em todas as
fases do processo. Além disso, a defensora afirma acompanhar o andamento da medida
protetiva depois de seu deferimento, quando provocada pela parte. Ao falar do
acompanhamento da medida teceu muitos elogios a Patrulha Maria da Penha e ao
Monitoramento Eletrônico.
Afirma que seu dever é dar os esclarecimentos necessários às mulheres em situação
de violência e, ao mencionar essa missão, traz a tona o fato de que dificilmente os céleres
prazos estipulados pela LMP são cumpridos na prática.
73
A gente está aqui para dar o apoio a essa mulher, os esclarecimentos devidos na
área jurídica. Quando há um descumprimento, a gente fica sabendo através dessa
mulher. Então, quando essa mulher vem e provoca a Defensoria afirmando que está
havendo um descumprimento eu peticiono informando ao Poder Judiciário que está
havendo descumprimento e vou pedir que tome a providência devida. As
providências devidas, aqui, no Estado, hoje, estamos com duas coisas maravilhosas
que é a Patrulha Maria da Penha e a tornozeleira eletrônica. (Defensora Pública)
De acordo com seu relato, não é tão comum a defensoria fazer a solicitação da
medida protetiva. Corroborando as falas dos outros atores, a defensora também afirmou que
a principal porta de entrada das medidas protetivas é a delegacia. Contudo, afirmou que em
muitos casos a defensoria atua no sentido de complementar esse requerimento de medidas
protetivas.
Hoje em dia, quantas medidas protetivas, em média, a Defensoria faz? Acho que
uns 50 (cinquenta) ou 60% (sessenta por cento). Mas a gente complementa entre 80
(oitenta) e 90% (noventa por cento) do que vem da Delegacia (...)Na Delegacia, é
solicitada a proibição de contato e de aproximação, mas não se leva em
consideração a questão dos filhos, da restrição e suspensão de visita, a questão do
porte de armas, se ele é policial ou, de alguma forma, tem autorização para
trabalhar com arma. E tem a saída do agressor do lar, porque lá eles não
especificam. (Defensora Pública)
Em sua avaliação da eficácia da medida protetiva, a defensora demonstrou uma fazer
uma reflexão crítica sobre o trabalho da rede de proteção à mulher e as burocracias
institucionais dos órgãos que a compõem. Avalia positivamente, reconhece a importância,
mas destaca que eficácia depende da capacidade de atender em tempo hábil a demanda
solicitada.
A eficácia é como te disse desde o começo, se a medida é dada em tempo, se
consegue chegar em um momento oportuno, ela é eficaz. A eficácia depende,
muitas vezes, se a mulher procura a Defensoria ou procura, de alguma forma,
algum órgão que faça parte da rede e diz o que está acontecendo. A gente pode
chegar a tempo para corrigir o problema. Mas se não houver procura ou se o
próprio sistema demorar em dar a medida protetiva, digamos assim, tem esse
percurso da Delegacia para a Justiça, da Justiça para o Oficial de Justiça, vai na
casa da pessoa, então isso tudo é um tempo, poderia ser um processo mais rápido.
Mas, infelizmente, a gente tem essa burocracia. Isso faz com que o agressor saia do
local, se esconda. Ela é eficaz, sem dúvida nenhuma. Acho que a medida protetiva
foi o que veio de melhor, hoje em dia eu aposto muito na medida protetiva.
(Defensora Pública)
Assim como nos outros órgãos, não há na Defensoria Pública projetos voltados aos
agressores, tampouco às vítimas. Existem iniciativas pontuais, de esclarecimento sobre
cidadania em escolas que tocam no tema da violência e da violência de gênero.
74
Ao ser questionada sobre o que poderia ser feito para interromper o ciclo de violência
contra a mulher, defendeu também a necessidade de políticas públicas educacionais, que
divulguem a LMP e, de certa forma, empoderem a mulher.
Começa pela educação. Não adianta, muitos casos são repetitivos. É como se ele
estivesse espelhando o que ele viu dentro da família. Deveríamos fazer campanhas
divulgando, educando, educativos que divulguem a Lei Maria da Penha e
esclarecendo que haja uma mudança de comportamento. (Defensora Pública)
Entrevistamos o policial militar responsável pela coordenação da Patrulha Maria da
Penha. A Patrulha Maria da Penha é um projeto novo dentro da PM-PE e está em execução
há um ano. Contudo, os operadores que fazem parte da rede de proteção à mulher vítima de
violência, como vimos, depositam bastante esperança nesse projeto para a melhora do
acompanhamento das medidas protetivas.
A patrulha atuaria na fase pós-deferimento da medida, fazendo o acompanhamento e
a fiscalização de seu cumprimento. Para tanto, uma equipe de policiais faria visitas
sistemáticas à vítima e ao acusado durante a vigência da medida.
A Polícia Militar procura monitorar o cumprimento das medidas protetivas
estabelecidas pela Lei, que são solicitadas pelas Delegacias Especializadas da
Polícia Civil e pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, procura agir em parceria
complementando a ação das Delegacias Especializadas e visando aumentar a
cultura de punibilidade e sanção aos agressores, para que haja uma maior eficácia
da Lei. (Coordenador da Patrulha Maria da Penha)
O entrevistado faz uma avaliação positiva das medidas protetivas, porque acredita
que a existência de uma punição eficaz é capaz de conter não só um crime específico, mas
também de dissuadir o cometimento de outros.
Certamente. Se não houvesse a sanção seria uma forma de incentivar a
continuidade desse processo e ninguém quer que aconteça. Com certeza, com a
punição, com essas medidas, com a publicidade, com o pessoal que está sendo
preso, está sendo tolhida a liberdade, certamente é um fator preponderante para a
diminuição e erradicação desses casos, no futuro. (Coordenador da Patrulha Maria
da Penha)
O entrevistado acredita que a coordenação entre o reforço da rede de proteção à
mulher, melhorando o serviço prestado às vítimas de violência, e as políticas educacionais e
preventivas seria possível impedir que as mulheres entrem num ciclo de violência e sejam
agredidas múltiplas vezes.
75
A gente trabalha em parceria com outros órgãos e vemos que está funcionando,
está reduzindo. A gente sempre tem intenção e quer fazer melhor, mas a gente
espera que, em longo prazo, isso seja reeducado, para que esse processo no qual
essas minorias estão sendo violentadas seja extinto, é para isso que a gente
trabalha. (Coordenador da Patrulha Maria da Penha)
Durante a pesquisa, conversamos com o Gerente do Centro de Monitoramento
Eletrônico de Reeducandos (CEMER) para ouvir a sua opinião sobre o papel do CEMER
dentro da LMP e o seu impacto específico no âmbito das medidas protetivas.
O monitoramento eletrônico para os casos da Lei Maria da Penha é uma ação recente
do Governo do Estado de Pernambuco, que tem menos de um ano de vigência, e é
coordenada por duas secretarias de estado, a SERES (que cuida do agressor) e a Secretaria
da Mulher (que faz o acompanhamento da vítima). Como no caso da Patrulha Maria da
Penha, o monitoramento eletrônico aparece nas falas dos nossos informantes como um
mecanismo de aperfeiçoamento do controle das medidas protetivas.
Há aproximadamente 06 (seis) meses, nós estamos utilizando a Lei Maria da
Penha. Nos casos de Lei Maria da Penha, inicialmente, nós tivemos algumas
dificuldades em relação à expedição das sentenças. No caso, nas decisões nesse
sentido. A partir disso, em parceria com a Secretaria da Mulher, nós já fizemos
algumas reuniões com as Juízas e estamos tentando, dentro do possível, padronizar
os procedimentos. (Gerente do CEMER)
Para os casos da LMP, o monitoramento funciona da seguinte forma: primeiro, são
criados os limites, as áreas de exclusão para que a vítima esteja realmente protegida. Desse
modo, a equipe precisa ter o acesso aos dados da vítima, estabelecer os critérios, para então
informá-la das regras e treiná-la no uso do equipamento. Só depois do cumprimento dessa
etapa é que se poderia abordar o agressor. Mas na prática nem sempre tem acontecido dessa
forma, especialmente quando o monitoramento é condição para a liberdade de um réu preso,
que já está no final do prazo legal de sua prisão.
Nesse momento inicial, o monitoramento eletrônico só está sendo aplicado aos casos
mais graves com réu preso que está para sair da prisão. Quem decide sobre a necessidade do
monitoramento é o judiciário, mas a polícia também pode solicitar.
É um assunto importante que nós não estamos utilizando o monitoramento em
qualquer caso. Estamos tentando priorizar os casos em que o agressor é contumaz,
reincidente, agressivo, aqueles casos em que o monitoramento eletrônico vem,
efetivamente, como uma medida de proteção. (Gerente do CEMER)
76
Sendo uma ação bastante complexa, demanda um nível razoável de articulação entre
os órgãos envolvidos para que possa ser executada eficazmente. Atualmente, esse é o seu
maior desafio. O aprimoramento dessa política pública, de alguma forma, pode gerar, como
conseqüência não pretendida, uma maior articulação entre os entes que fazem parte da rede
de proteção à mulher vítima de violência no estado.
Segundo o gerente do CEMER, a principal dificuldade atualmente reside nessa
padronização dos procedimentos entre os órgãos, pois, em sua opinião, para que o
monitoramento funcione é preciso trabalhar com critérios e limites bem definidos. E tais
critérios precisam estar especificados nas decisões que prevêem o monitoramento do
agressor.
Se não colocarmos o monitoramento no preso, se ele não tiver nenhuma restrição
ele acaba se envolvendo em novos crimes, ele acaba violando as regras. E esse não
é o nosso objetivo. Então, para a Lei Maria da Penha, nós definimos que ele teria
que ficar afastado das áreas de exclusão onde as mulheres identificarem os seus
locais de permanência. Então, são 2 km (dois quilômetros) de afastamento desses
locais e 500m (quinhentos metros) da vítima quando ela estiver em deslocamento.
Então, em relação à distância, ficou determinado que são 2 km (dois quilômetros)
de distância da casa, do local de trabalho, da escola e 500m (quinhentos metros)
quando ela tiver se deslocando. Outra questão que nós estamos avançando é em
relação à resposta imediata. Em alguns Estados, quando o agressor se aproxima da
vítima e é comprovado o dolo, esses casos são informados ao Juiz para que ele
decida se o individuo permanecerá monitorado ou não. Aqui, em Pernambuco, a
gente está “fechando” com o Judiciário e já tem algumas Juízas que entendem
dessa forma: caso o preso viole as regras do monitoramento, que seja
imediatamente recolhido. (Gerente do CEMER)
O monitoramento dos agressores é realizado 24h por dia e por meio de protocolos
estabelecidos, que variam de envio de sinal de alerta até o recolhimento à prisão. Os
plantonistas observam as telas, em caso de descumprimento da medida, reportam ao
CEMER, que toma a decisão sobre qual protocolo executar.
3.2 A visão das mulheres que demandaram atendimento previsto pela Lei 11.340/2006
Na segunda fase da pesquisa, foram realizadas 14 entrevistas com mulheres vítimas
de violência que solicitaram medidas protetivas. Dessa amostra, 10 tiveram medidas
deferidas e 4 tiveram medidas indeferidas.
A maioria das mulheres tinha pouca escolaridade (algumas demonstraram um pouco
de dificuldade de se expressar, inclusive) e faziam parte do que se convencionou chamar de
77
nova classe média. Em termos de faixa etária, a amostra foi bem variada (entrevistamos
mulheres de menos de 30 anos e mulheres com mais de 60 anos).
A maioria das mulheres entrevistadas não sabia da existência das medidas protetivas,
até procurarem a DEAM (principal porta de entrada no Sistema de Justiça Criminal), ou
algum outro órgão da rede de proteção à mulher vítima de violência. O Centro de Referência
Clarice Lispector foi bastante citado, como um lugar de conhecimento das medidas
protetivas e dos direitos, pois fizemos o recrutamento das entrevistas lá, o que não diminui
em nada o valor do trabalho realizado naquele espaço.
Eu tomei conhecimento porque o meu genro me bateu física e moralmente em
2009 e eu abri um processo contra ele. Quando cheguei na delegacia da mulher tem
aquele número 180, a gente fica sabendo que a lei Maria da Penha abrange cinco
itens: pressão psicológica, sexo forçado, agressão física, moral e patrimonial. Então
eu abri o processo contra ele e vim para uma vara de violência doméstica, fui
ouvida, eles também foram ouvidos pela assistente social, mas o conflito que existe
entre nós, na verdade, é a casa. (Entrevistada III)
As mulheres tomam a decisão de ir à delegacia por motivos variados, às vezes é a
evolução da violência (quando a uma agressão física); às vezes alguém encoraja (um parente,
uma amiga) e outras vezes alguém encaminha para o Clarice Lispector e depois de serem
atendidas lá, elas decidem procurar a polícia. Não existe um padrão nesse sentido, depende
da trajetória pessoal de cada mulher.
Quando eu sofri a agressão. Era algo que eu já tinha cabeça, caso acontecesse
alguma coisa eu não ia ficar calada. Quando aconteceu eu disse ao meu ex-marido
que ia à delegacia prestar queixa. Lá na delegacia me disseram que exista a medida
protetiva que era determinada pela justiça e que tinha um limite de distância que a
pessoa teria que ficar de mim. Perguntaram se eu queria essa medida e, por conta
da situação, eu disse que queria. Eu só achei um pouco demorado. (Entrevistada
VIII)
Na imensa maioria dos casos, é a primeira vez que a medida protetiva, um direito que
não sabiam que tinham, é solicitada.
A notificação da mulher do deferimento ou indeferimento da medida é feita pelo
oficial de justiça, mas nem sempre, especialmente nos casos de indeferimento, elas entendem
o teor das decisões. Quando isso acontece, recorrem à delegacia especializada, à defensoria
ou ao Clarice Lispector – que são os órgãos mais acessíveis por assim dizer - para receber
maiores esclarecimentos.
78
Houve o caso de uma entrevistada que teve a medida indeferida, mas durante a
entrevista se comportou como se a decisão não tivesse sido tomada ainda, evidenciando a
sua dificuldade em compreender o procedimento.
O tempo entre o requerimento da medida e a sua apreciação é variável, mas não
acontece em menos de um mês.
Menos de dois meses, porque eu fui ao Juizado e disse: “meu Deus, quanto mais
rápido resolver isso, melhor, porque eu não estou suportando mais”. A Dra. de lá
disse: “não se preocupe, do jeito que você está eu vou colocar o seu papel lá em
cima, o seu vai lá para cima”. Em menos de dois meses o colocaram para fora.
(Entrevistada VI)
Acho que um mês e meio atrás eu dei entrada. Que eu recebi faz mais ou menos
um mês. (Entrevistada IX)
A sensação de segurança não está diretamente relacionada à concessão da medida,
mas claro que quando o Sistema de Justiça funciona em tempo razoável, a sensação de
segurança da mulher aumenta. Às vezes, quando a notificação da concessão da medida
chega, a mulher sente-se amparada, mas se o agressor arruma meios para driblar e continuar
ameaçando, sem uma punição rápida, essa sensação de segurança se esvai. Os casos de
descumprimento são bastante comuns.
Afora isso, tem os casos – especialmente os de afastamento do lar – em que o
agressor fica rondando, portanto descumprindo a medida, mas a própria vítima, por conta
dos filhos, não quer denunciar, porque não quer que ele vá preso. Então, acaba optando por
viver com medo.
O que vai determinar a sensação de segurança da mulher, e sua percepção de que a
medida está funcionando, é o acompanhamento e a fiscalização do cumprimento da medida.
Nos casos em que ela tem que fazer essa fiscalização e a resposta demora a ser dada, de fato
a sensação de segurança é reduzida.
A despeito das críticas, nenhuma das mulheres invalida a existência do instrumento.
Acham ótimo que ele exista, só demandam mais eficácia, mais rapidez ou serem
contempladas por ele, quando acham que o seu direito foi negligenciado (nos casos de
indeferimento).
Eu me senti protegida, até porque não foi só um papel que foi entregue e deixaram
para lá. A viatura da Lei Maria da Penha já foi na minha casa averiguar se ele
estava perseguindo, se ele estava incomodando. (Entrevistada IX)
Senti melhor do que se não fosse nada. Mandei dar o recado a ele: se ele se
aproximasse de mim ele ia ser preso. Podia ser até um vizinho, era só chamar a
79
polícia que ele ia ser preso. Aí ele se afastou mais. Essa semana ele chegou lá no
portão, abriu, olhou não sei o que lá... eu sinto protegida, mas saio preocupada.
Para a academia mesmo eu vou com outra menina. Já teve dia que ele
acompanhou, veio atrás correndo e as meninas pequenininhas avisam: “tia, tia, já
vem ele ali”, com medo que ele pudesse fazer alguma coisa. Ele quer conversar,
mas não tem conversa, não. (Entrevistada VI)
Muito mal. Muito desprotegida, eu tenho muito medo dele” (Entrevistada III)
Com o monitoramento sim. Antes não. (...) Tenho, porque não é só monitoramento.
Quando ele recebeu monitoramento ele foi instruído para aquilo. Quando ele
recebeu a medida protetiva ele recebeu um documento pelo oficial de justiça, mas
ninguém instruiu ele, acho que nem o advogado dele. Eu acho que ele deveria ser
chamado da mesma forma como no monitoramento, que chamaram e disseram os
riscos que ele estava correndo. Quando ele recebeu o documento da medida
protetiva eu acho que deveria ter esse cuidado também, dele ser chamado em uma
delegacia ou um local específico para dizer que aquela medida era válida e que se
ele não cumprisse ele seria preso. Eu acho que os homens deveriam ser chamados
na delegacia para eles terem um receio, porque só com um documento eles não têm
receio. (Entrevistada VIII)
A Patrulha Maria da Penha é um programa novo, mas algumas das entrevistadas
receberam a sua visita. De acordo com seus relatos, as visitas não são sistemáticas, mas
pontuais. Foram visitadas uma vez apenas, só no caso de monitoramento eletrônico que
houve mais de uma visita.
Durante a visita, os policiais perguntam às vítimas e aos seus familiares o que está
acontecendo, se o agressor está descumprindo a medida etc. Mas, em vários casos, eles
realizam a patrulha mesmo sem a vítima estar presente no domicílio.
Eu não estava lá, eu estava trabalhando, mas a minha mãe recebeu e eles
perguntaram exatamente isso: como estava o relacionamento, se ainda estava
havendo perseguição ou ligações. Minha mãe falou a verdade, que até agora ele
não tentou nada. (Entrevistada IX)
Recebi na casa da minha irmã. Eu não cheguei a falar, porque eu não estava no
local, eu estava trabalhando. Então eu passei um tempo na casa da minha irmã, eles
foram duas vezes. (...) Na primeira não falaram com ela, disseram que queriam
falar comigo, ela disse que eu estava no trabalho e só disseram que era da Maria da
Penha. Na segunda, que eu acho que não foram os mesmos oficiais, disseram que
iam acompanhar, que iam passar todas as semanas, mas também não foram mais.
Eu acho que se eles foram a primeira vez era para ter continuado e se viram que eu
não estava mais lá, solicitar o endereço da minha residência. Eu estava lá por um
período para acalmar ele, para ele não ter acesso ao meu apartamento, essas coisas.
Quando eu conversei foi no Fórum, onde encaminharam para a patrulha, a juíza do
Fórum deu o endereço da minha irmã, porque eu estava lá. (Entrevistada VIII)
Para as mulheres que estão ou estiveram em situação de vulnerabilidade e de
violência as medidas devem ser mais rápidas e mais duras, para que o ciclo de violência seja
interrompido.
80
O bom atendimento e a resposta célere ajudam a empoderar essas mulheres e as
encoraja a seguir em frente, a seguir provocando as agências quando for preciso, para
garantir os seus direitos. Nessas falas dificilmente aparece uma resposta preocupada com
políticas preventivas de longo prazo, o que elas demandam é a resolução rápida de seus
problemas.
O desafio para o formulador da política pública é encontrar mecanismos capazes de
reduzir o tempo e a burocracia institucionais, para de alguma forma equilibrar o tempo da
resposta, com o tempo urgente da demanda.
Em geral, eu acho importante a questão de ter corrido atrás de nossos direitos, que
é atrás da medida protetiva e, se for preciso, continuar. Continuar dizendo o que
está acontecendo, porque no momento que foi pedida a medida protetiva e eu
aceito que ele me afronte e faça alguma coisa sem que eu comunique, então foi em
vão. Como eu posso evitar ser ameaçada por ele, já ligar, comunicar, assim é que
eu vejo uma forma de prevenir que tudo se repita. Hoje eu tenho a quem recorrer,
antes não. (Entrevistada IX)
Eu acho que aquela tornozeleira, para que ele tenha mais medo e não se aproxime
de mim. Porque ele disse para mim que um advogado disse para ele que isso aqui
era besteira, que isso não resolvia nada. Eu disse para a advogada e ela ficou braba.
Se tivesse esse negócio na perna dele ele teria mais medo e ia ver se resolve ou
não. (Entrevistada VI)
Ele vai retirar o monitoramento agora em setembro. Eu acho que deveria ter
sempre o acompanhamento da polícia em relação a isso, menos por um tempo, até
ver até que ponto ele se acalmou, se ele realmente se acalmou. Porque ele não liga,
porque sabe que aquilo não é algo sério. O que ele não achou serio com relação ao
documento da medida protetiva, ele está achando sério agora, porque ele está
vendo que realmente acontece monitoramento eletrônico, porque eu não sabia que
existia. (Entrevistada VIII)
Em geral, a avaliação que as mulheres fazem da rede é bastante positiva. Mesmo as
que tiveram medidas indeferidas acabam tendo uma boa impressão, por conta da acolhida
que receberam no Centro Clarice Lispector. Contudo, existem queixas especialmente do
atendimento recebido em órgãos não especializados no enfrentamento da violência de
gênero.
Até agora eu recebi resposta imediata até onde eu fui e fui bem recebida. Até agora
não tenho o que reclamar. (Entrevistada IX)
Para falar a verdade, o único lugar onde eu realmente tive assistência humana foi
aqui, no Clarice Lispector, porque ali na vara eu não obtive nenhum resultado,
porque a medida foi indeferida. Fui na GPCA para falar sobre a minha neta e a
delegada foi super grosseira comigo. Eu nem sabia que existia essa patrulha Maria
da Penha. (Entrevistada III)
81
É um grupo bom. Aqui no Clarice Lispector mesmo é todo mundo muito
preparado. Eu só acho que deveria ser tudo muito mais rápido. (...) Eu estou
protegida agora, mas será que lá na frente ele vai se acalmar ou será que vai irritar
mais ele, por conta de todos os boletins de ocorrência, monitoramento? Então
independente da medida protetiva, depois tem que ter um acompanhamento, pelo
menos por um período, porque ninguém sabe a reação da pessoa. E o
acompanhamento psicológico, que eu comecei hoje. (Entrevistada VIII)
Da rede em si eu não posso dizer porque não consegui chegar até ela. Eu consegui
chegar até o Clarice Lispector, onde tive um bom atendimento, a advogada me
atendeu muito bem, ela informou e deixou muito claro os meus direitos e eu espero
poder conhecer todos os meus direitos. (Entrevistada IV).
3.3 Considerações sobre o caso de Recife
Diante de todo o acima exposto, tanto a partir das entrevistas com os operadores
quanto com as mulheres que demandaram o encaminhamento de seu caso pelo sistema de
segurança pública e justiça criminal, parecem ser inegáveis os avanços que a previsão das
medidas protetivas de urgência trouxeram ao enfrentamento da violência doméstica e
familiar contra a mulher. Ao mesmo tempo, fica clara também a necessidade de ajustes,
considerando-se que os maiores gargalos a serem superados são a necessidade de uma
articulação efetiva entre os membros da rede de proteção à mulher e uma maior celeridade
no tempo entre o requerimento da medida protetiva e sua apreciação pelo Poder Judiciário.
Considera-se como um indicador positivo o fato de que, a despeito das críticas, a
maioria das mulheres entrevistadas recomendaria a utilização dos serviços a conhecidas que
estejam passando por um problema semelhante. Nenhuma das mulheres invalida a existência
do instrumento, mas questionam sua eficácia, reclamam maior rapidez, ou se sentem
injustiçadas por não terem tido sua demanda de proteção atendida. Quanto à celeridade,
apesar da previsão legal, na prática esbarra no funcionamento e no tempo da burocracia de
todos os órgãos envolvidos. O tempo entre o requerimento da medida e a sua apreciação é
variável, mas não acontece em menos de um mês.
Uma questão importante para a implementação de mecanismos eficazes para a
proteção das mulheres vítimas de violência, é o reconhecimento de que boa parte das que
procuram o atendimento na delegacia de polícia tem baixa escolaridade, e muitas vezes estão
em situação de vulnerabilidade social de alta complexidade. A maioria delas não tem
informações e conhecimento preciso sobre os mecanismos de proteção e sobre as etapas do
processo, e sem que haja um trabalho de esclarecimento sobre os seus direitos e o
funcionamento dos mecanismos judiciais de proteção, não têm condições de exercer com
82
clareza seus direitos de cidadania frente ao sistema de segurança pública e justiça criminal,
passando de um papel ativo a um papel passivo, de tutela de seus direitos pelas autoridades
policiais e judiciais.
Quanto à articulação entre as instituições, boa parte do problema se deve ao fato de
que não há comunicação entre as bases de dados com que trabalham. Anteriormente, as
delegacias possuíam acesso à base de dados do Judiciário e podiam acessar a informação
sobre o deferimento ou não das medidas protetivas. Mas esse acesso direto foi interrompido,
porque o Judiciário restringiu as informações disponíveis relativas a esses processos, já que o
mesmo corre em segredo de justiça. Em paralelo a isso, não foi feita uma senha especial que
permitisse à DEAM acompanhar os casos, nem foi pensada outra forma de facilitar o acesso
a tal informação. Tal fato é um indicador da frouxa articulação entre os órgãos da rede de
proteção à mulher no estado de Pernambuco. Segundo as delegadas entrevistadas, a busca
por um protocolo para o acompanhamento da medida estaria atualmente em discussão no
âmbito da Câmara Técnica do PPV.
O promotor entrevistado chamou a atenção para o fato de que existem seis Varas de
Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher no estado, mas só um cargo de
promotor criado, que é o dele, o que significa que ele tem dedicação exclusiva e o os outros
acumulam essa função com o trabalho em outras varas. Essa questão também foi
mencionada pela juíza presente na reunião da Câmara Técnica para amenizar as críticas que
estavam sendo feitas às suas colegas, reconhecendo que também para elas há um acúmulo de
atribuições em outras varas judiciais. O mesmo ocorre com relação à Defensoria Pública,
fazendo com que uma série de consequências negativas ocorra, como a demora do processo
e das decisões sobre medidas protetivas, a falta de acompanhamento pelo Ministério Público
e o não exercício do direito de defesa, pela ausência da Defensoria.
83
4. Porto Alegre
Para a elaboração da presente pesquisa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas
com os gestores responsáveis pelas políticas de atendimento às vítimas e enfrentamento à
violência doméstica e familiar contra a mulher praticadas pelos órgãos vinculados à
Secretaria de Segurança Pública do estado do Rio Grande do Sul e com operadores do
sistema de justiça que atuam nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a
Mulher no Foro Central de Porto Alegre, bem como a análise de documentos produzidos
durante o processo de criação e implementação da política. Além disso, foram entrevistadas
mulheres que receberam atendimento de algum órgão que faz parte da rede de atenção, apoio
e proteção, os quais fazem parte tanto da Secretaria de Segurança Pública do Estado, quanto
do Poder Judiciário.
As entrevistas semiestruturadas foram realizadas com representantes das instituições
apresentadas na Tabela 7.
Tabela 7. Operadores do Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal
entrevistados em Porto Alegre - RS
Instituição
Entrevistado
Data
Ministério Público do RS
Poder Judiciário
Responsável pela Promotoria de 20/05/2014
Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher
Juiza Titular do Iº JVDFCM
11/06/2014
Poder Judiciário
Juiza Titular do IIº JVDFCM
Defensoria Pública do RS
Defensora responsável pela defesa
dos acusados
Defensoria Pública do RS
Defensora responsável pela defesa
das autoras
Brigada Militar
Representante
da
Coordenação
Estadual Patrulha Maria da Penha da
Brigada Militar
Secretaria de Segurança Coordenadora das Políticas para as
Pública do Estado do RS
Mulheres da Secretaria de Segurança
Pública
Polícia Civil
Coordenadora
das
Delegacias
Especializadas para o Atendimento
de Mulheres do Rio Grande do Sul e
Delegada Titular da DEAM de Porto
Alegre
14/07/2014
14/07/2014
23/06/2014
22/07/2014
14/07/2014
11/07/2014
84
Foram também realizadas 14 entrevistas com mulheres vítimas de violência
doméstica, as quais foram atendidas pelas medidas protetivas da Lei Maria da Penha. Do
universo de vítimas entrevistadas, sete foram atendidas pela Patrulha Maria da Penha, sendo
as demais não acompanhadas pelo programa. As mulheres entrevistadas que receberam
atendimento pelos profissionais que atuam na Patrulha Maria da Penha foram entrevistadas
através das visitas realizadas pelo próprio projeto, sempre em um momento imediatamente
posterior ao atendimento realizado pela equipe militar, ocorrendo estas entrevistas em suas
casas ou local de trabalho. As mulheres não atendidas pelo projeto foram entrevistadas no I
Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, no Foro Central de Porto
Alegre, sempre após as audiências sobre o deferimento ou não das medidas protetivas por
elas anteriormente solicitadas.
Tabela 8 – Entrevistas realizadas com mulheres que solicitaram medida protetiva de
urgência na cidade de Porto Alegre - RS
Local
da Atendimento
Situação
da(s)
entrevista
pela Patrulha
medida(s) protetiva(s)
Maria da
de
urgência
Penha
solicitada(s)
Entrevistada I
Local
de Sim
Mantida
trabalho
Entrevistada II
Residência
Sim
Mantida
Entrevistada III
Local
de Sim
Mantida
trabalho
Entrevistada IV
Residência
Sim
Mantida
Entrevistada V
Residência
Sim
Desistência
Entrevistada VI
Residência
Sim
Mantida
Entrevistada VII
Residência
Sim
Desistência
Entrevistada VIII
Foro Central
Não
Mantida
Entrevistada IX
Foro Central
Não
Mantida
Entrevistada X
Foro Central
Não
Desistência
Entrevistada XI
Foro Central
Não
Substituída por acordo de
respeito
Entrevistada XII
Foro Central
Não
Desistência
Entrevistada XIII
Foro Central
Não
Desistência
(com
resolução de guarda e
alimentos em audiência)
Entrevistada XIV
Foro Central
Não
Desistência
85
O objetivo principal das entrevistas realizadas com os gestores foi o de apreender
dados acerca do processo de criação, implementação e funcionamento da rede de
atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, no âmbito da Secretaria
de Segurança Pública, bem como sobre os principais problemas e desafios enfrentados pelos
atores que desempenham suas atividades profissionais nos programas que constituem a rede.
Além disso, buscou-se compreender como se dá a articulação entre os programas Patrulha
Maria da Penha, Sala Lilás e Delegacia Especializada para o Atendimento de Mulheres,
considerando-se os arranjos institucionais criados para possibilitar o funcionamento da rede,
bem como suas possíveis limitações.
No que se refere às entrevistas realizadas com os operadores do sistema de justiça
(sejam estes magistrados(as), promotores(as) e defensores(as), as mesmas estiveram voltadas
para o objetivo de compreender as dinâmicas realizadas nos juizados destinados a
administrar conflitos abarcados pela Lei 11.340/06, assim como verificar possíveis
dificuldades e
apontamentos acerca da existência de acertos, no que se refere à
administração dos conflitos.
Finalmente, as entrevistas realizadas com mulheres vítimas de violência doméstica
e/ou familiar que buscaram o auxílio do poder público para a resolução dos conflitos com os
quais estão envolvidas, teve como objetivo observar suas percepções acerca do atendimento
oferecido às mesmas, bem como sobre a avaliação dos serviços a elas prestados.
Além das entrevistas, foi realizado o acompanhamento das atividades de visitação da
Patrulha Maria da Penha do 9º Batalhão de Polícia Militar. Foram observadas mais de vinte
ações, estando tal observação voltada para a coleta de informações sobre a forma como
ocorrem os atendimentos, manejos e classificações dos casos em que os acompanhamentos
deveriam ter a visitação mantida e encerrada. Concomitantemente, foram observadas as
considerações dos agentes sobre distintos casos de violência doméstica e sobre os discursos e
posturas das vítimas, além das situações enfrentadas pelos profissionais dentro da própria
instituição militar, como recentes remanejos, trocas de comando e orientações acerca da
prioridade e da atuação do projeto.
No Foro Central de Porto Alegre, foram acompanhadas cerca de 30 audiências no I
Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, voltadas para o deferimento ou
não das medidas protetivas solicitadas pelas vítimas, quando do registro das ocorrências
policiais. Buscou-se, durante a observação de tais audiências, verificar discursos produzidos
acerca dos procedimentos de medidas e das violências pelas vítimas e agressores.
86
A primeira DEAM do Rio Grande do Sul foi criada no ano de 1988, na cidade de
Porto Alegre. As prerrogativas de atuação da unidade estiveram, desde sua implementação,
ligadas ao atendimento especializado a mulheres vítimas de violência, no que se refere ao
registro policial e investigação dos casos.
A partir da entrada em vigor da Lei Maria da Penha, a demanda por atendimento na
unidade cresceu exponencialmente, passando a serem registrados anualmente, em média, 19
mil casos de violência doméstica e familiar contra a mulher na DEAM de Porto Alegre,
aumentando o volume de registros policiais anuais na delegacia em mais 100%. Tal
acréscimo pode ser explicado pelas crescentes campanhas informativas criadas a partir da
Lei Maria da Penha, voltadas para propiciar o conhecimento da mesma pela população
brasileira, no sentido de dar visibilidade ao problema da violência contra a mulher e informar
as vítimas sobre seus direitos de atendimento e proteção (Pasinato, 2010).
O substancial aumento da demanda por atendimento na DEAM de Porto Alegre não
foi acompanhado do aumento do número de profissionais para a realização das tarefas de
atendimento, administrativas ou de investigação. Neste sentido, é possível afirmar que as
atividades profissionais desenvolvidas pela unidade passaram a ser afetadas pela falta de
recursos humanos disponíveis, gerando, como uma das suas consequências, tanto a
insatisfação das vítimas que buscavam atendimento na unidade (tanto pela demora no
atendimento, quanto pela impossibilidade de satisfazer suas necessidades de escuta), quanto
o descrédito das mesmas em relação à proteção, que deveria ser garantida após o registro
policial dos casos.
Ainda que a Lei Maria da Penha tenha trazido em seu conteúdo legal inovações
voltadas para o atendimento, proteção e administração dos casos de violência doméstica e
familiar contra a mulher, pode-se dizer que as mesmas possuem amplos entraves para que
possam ser colocadas em prática. Na maioria dos estados brasileiros, a entrada em vigor da
Lei não foi acompanhada pela qualificação efetiva dos profissionais que desenvolvem suas
atividades nas unidades da polícia civil e não houve a criação de uma efetiva rede de
serviços e proteção para as vítimas, impossibilitando, assim, a garantia dos direitos
conferidos às vítimas pela legislação.
A entrada em vigor da Lei Maria da Penha não foi acompanhada pelo investimento
em políticas públicas de segurança de atenção e proteção às mulheres vítimas pelo então
governo do Rio Grande do Sul. O pouco investimento realizado na área pela gestão anterior
(2007-2011) esteve voltado para o reaparelhamento da Brigada Militar e o pagamento de
vencimentos atrasados de servidores inativos. Além disso, o então governo foi marcado pela
87
falta de continuidade na gestão da Secretaria de Segurança Pública, a qual, durante o período
de quatro anos, foi chefiada por quatro diferentes secretários.
A ideia da criação de uma nova política de enfrentamento à violência doméstica e
familiar implementada pelos órgãos de segurança pública do governo do Rio Grande do Sul
foi impulsionada a partir do I Seminário Internacional Mulheres e a Segurança Pública,
realizado em março de 2012, fruto de uma parceria entre a Secretaria de Segurança Pública e
a Secretaria de Políticas para as Mulheres e teve como objetivo proporcionar um debate entre
as profissionais que atuavam nas instituições da área da segurança pública, voltado para uma
discussão acerca das políticas e práticas institucionais direcionadas para proteção e
atendimento de mulheres vítimas de violência.
Interessada na criação de novas práticas de proteção e atenção às mulheres vítimas de
violência e redução nos índices de homicídios praticados contra mulheres, a Secretaria de
Segurança Pública do Rio Grande do Sul reuniu profissionais da Polícia Civil, Brigada
Militar e Instituto Geral de Perícias, no sentido de incentivar essas instituições a
implementarem novos programas de enfrentamento à violência contra a mulher. Centrada na
construção de projetos e ações que buscassem conscientizar as mulheres servidoras dos
órgãos de segurança pública da importância do seu papel no processo de transformação
necessário para tornar as polícias instituições cidadãs, a ideia da criação de uma rede para o
atendimento das vítimas esteve voltada para a humanização dos procedimentos e proteção
efetiva das mesmas pelas instituições policiais.
O alinhamento do governo do Rio Grande do Sul com o governo federal, através da
adesão do Estado ao Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, já
havia propiciado, no ano de 2011, a criação de uma Secretaria Estadual de Políticas para as
Mulheres, voltada para a implementação de ações que busquem promover e garantir os
direitos das mulheres. A criação de uma rede que garantisse o atendimento humanizado e
qualificado às mulheres vítimas de violência e a proteção contra o acirramento das violências
sofridas, além de estar voltada para objetivos incentivados pelo governo federal, passava a
tomar o lugar do vácuo deixado pela inexistência de programas e/ou políticas que dessem
efetividade a Lei Maria da Penha e colocassem em prática os direitos por ela garantidos às
vítimas.
O planejamento para a criação dos programas de atendimento e proteção formadores
da rede ocorreu a partir de estudos estatísticos produzidos pela Divisão de Estatística
Criminal da Secretaria de Segurança Pública. Os dados sobre homicídios contra mulheres
ocorridos durante os cinco primeiros anos da entrada em vigor da Lei Maria da Penha,
88
acompanhados das taxas aferidas mensalmente de outros crimes, foram preponderantes para
que uma política de atenção e proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar
fosse estruturada.
A análise das estatísticas criminais sobre os homicídios contra mulheres, ocorridos
no âmbito doméstico e familiar, caracterizou os mesmos como crimes anunciados, uma vez
que, em mais de 80% dos casos investigados, a vítima já havia realizado o registro policial
de violências praticadas pelo agressor e, grande parte das vítimas destes homicídios
anunciados possuía medidas protetivas deferidas pelo judiciário. Outro importante dado que
passou a ser conhecido a partir da análise das estatísticas criminais demonstrou que a maioria
dos homicídios contra mulheres ocorre em um período de três meses após a data da última
ocorrência policial registrada pela vítima.
Os dados obtidos através da análise das estatísticas criminais apontaram a
fiscalização do cumprimento das medidas protetivas de urgência como uma possível forma
de prevenção ao acirramento das violências sofridas pelas vítimas, bem como aos
homicídios. Neste sentido, o foco central da política de prevenção parecia estar voltado para
a elaboração de um programa que fosse capaz de acompanhar as vítimas desde o registro
policial dos casos, protegendo-as de um possível acirramento da violência, através da
verificação do cumprimento das medidas protetivas de urgência solicitadas ao judiciário.
Uma rede de atendimento para o enfrentamento à violência doméstica e familiar foi
implementada em outubro de 2012, estando centralizada na Secretaria de Segurança Pública
do Rio Grande do Sul e em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres. Sua
formação e articulação se deu a partir de ações realizadas pela Brigada Militar, através do
programa Patrulha Maria da Penha, pela Polícia Civil, através do atendimento às mulheres
vítimas nas DEAMs, e pelo Instituto Geral de Perícias, através do programa Sala Lilás. A
atuação das instituições que formam a rede esteve voltada para a fiscalização das medidas
protetivas de urgência solicitadas ao judiciário e para o atendimento humanizado e
qualificado às vítimas de violência. Além das três instituições vinculadas à Secretaria de
Segurança Pública acima citadas, as atividades desenvolvidas na rede de atendimento e
proteção são auxiliadas pelos dados produzidos pelo Observatório da Violência Contra a
Mulher, criado junto ao Departamento de Estatísticas Criminais, e pelo Departamento de
Ensino e Treinamento, ambos órgãos da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do
Sul.
As atribuições institucionais dos órgãos que fazem parte da rede são distribuídas da
seguinte forma:
89
1. A Polícia Civil faz o registro das ocorrências policiais e encaminha ao judiciário as
solicitações de medidas protetivas de urgência feitas pelas vítimas. No decorrer deste
processo, são identificados os casos marcados por maior gravidade, os quais são
informados à Brigada Militar, no sentido de que o cumprimento das medidas
protetivas solicitadas seja fiscalizado;
2. A Brigada Militar, através da Patrulha Maria da Penha, realiza visitas às residências
das vítimas para verificar o cumprimento das medidas protetivas de urgência
solicitadas, esclarecer dúvidas e fornecer informações e realizar encaminhamentos
para unidades da área da assistência social, conforme as necessidades apresentadas
pelas vítimas. Em alguns casos, a Patrulha Maria da Penha também realiza visitas aos
agressores para que os mesmos sejam informados sobre o cumprimento das medidas
protetivas solicitadas pelas vítimas, bem como sobre as consequências de seu não
cumprimento;
3. O Instituto Geral de Perícias faz o acolhimento das mulheres vítimas de violência
doméstica na Sala Lilás, criada para oferecer às mesmas um atendimento qualificado
e humanizado. Na Sala Lilás são realizados atendimentos psicossociais, exames
periciais, físicos e psíquicos e a confecção de retratos falados digitais, conforme o
caso;
4. O Departamento de Ensino e Treinamento da Secretaria de Segurança Pública
organiza e ministra cursos de formação e capacitação para os servidores que irão
atuar nos programas da rede de atendimento e proteção, de modo a prepará-los para o
exercício das funções;
5. O Observatório da Violência Contra a Mulher recebe e trata os dados gerados pelas
instituições de segurança pública que compõem a rede, no sentido de promover
análises que permitam a avaliação e o monitoramento dos resultados obtidos através
da atuação da rede.
4.1 A visão dos Operadores do Sistema de Segurança Pública e Justiça Criminal
A verificação da necessidade do acompanhamento/fiscalização do cumprimento das
medidas protetivas de urgência solicitadas pelas vítimas de violência doméstica e familiar no
momento do registro das ocorrências policiais nas unidades da Polícia Civil para a prevenção
do acirramento das violências sofridas serviu como ponto de partida para a criação de um
90
programa de proteção através do policiamento ostensivo, atividade de atribuição da Brigada
Militar. Até a criação do programa, a instituição não contava com qualquer serviço voltado
para o atendimento específico dos casos abarcados pela Lei Maria da Penha e a inexistência
de dados organizados sobre os atendimentos prestados pela instituição a estes casos, somada
a não utilização de um procedimento/protocolo qualificado de atendimento configurava-se
num entrave para a realização de um trabalho qualificado e capaz de prevenir novos casos
por parte da Brigada Militar.
Até a criação da Patrulha Maria da Penha, o contato dos policiais militares com as
mulheres vítimas de violência, bem como com agressores, ocorria apenas quando a atuação
da corporação era demandada através de sua central telefônica para atendimento de casos de
emergência (190). O procedimento padrão utilizado para estes atendimentos era o de dirigirse ao local do fato e encaminhar os envolvidos a uma delegacia de Polícia Civil, onde deve
ser realizado o registro formal da ocorrência policial. Neste sentido, a Brigada Militar não
desempenhava qualquer atividade de prevenção e, é possível dizer que, sua atuação nestes
casos estava ligada apenas à condução de vítimas e agressores às unidades da Polícia Civil.
No que se refere à articulação com o trabalho desenvolvido pela Polícia Civil, a
mesma era inexistente, não havendo qualquer compartilhamento de informações sobre os
casos encaminhados até as delegacias de polícia, bem como em relação a novos registros de
ocorrências realizados por vítimas encaminhadas conduzidas pela Brigada Militar. Além
disso, quando realizavam os atendimentos de emergência demandados através da central
190, os policiais militares não possuíam qualquer informação acerca da situação das vítimas
e agressores e a existência de um possível histórico de conflitos violentos entre as partes
ficava restrita aos servidores da Polícia Civil, uma vez que a mesma não era compartilhada
com os profissionais da Brigada Militar, impossibilitando, mais uma vez, a existência de um
atendimento direcionado e qualificado por parte da mesma.
A elaboração do projeto da Patrulha Maria da Penha sofreu a influência de um
programa, que já vinha sendo desenvolvido em uma cidade do interior do estado, chamado
Família em Paz, coordenado pela, então comandante do 40 batalhão da Brigada Militar,
Tenente-Coronel Nádia Gerhard. O programa Família em Paz tinha como foco principal a
promoção da proteção de mulheres em situação de violência e sua atuação se dava a partir da
reunião entre instituições das áreas da saúde e assistência social, Ministério Público e
Brigada Militar.
A Patrulha Maria da Penha foi criada com o intuito de aperfeiçoar o atendimento às
vítimas a partir de uma maior articulação com outros órgãos de segurança pública e
91
assistência social. Lançada em 20 de outubro de 2012, a Patrulha passou a acompanhar o
cumprimento de medidas protetivas de urgência encaminhadas ao Juizado de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher da cidade de Porto Alegre por mulheres residentes nos
locais onde estão implementados os quatro Territórios de Paz na cidade 10.
A utilização de viaturas identificadas com o logotipo do programa Patrulha Maria da
Penha é justificada pelo caráter coercitivo-preventivo das visitas realizadas às vítimas pelos
profissionais. Neste sentido, a identificação das visitas realizadas pela comunidade auxiliaria
a prevenção de novos casos de violência.
As equipes que atuam no programa são formadas por profissionais dos sexos
feminino e masculino, todos capacitados/treinados para o desenvolvimento de atividades no
programa, através de um curso oferecido pelo Departamento de Ensino e Treinamento da
Secretaria de Segurança Pública. As edições do curso possuem duração de uma semana, com
aulas ministradas nos três turnos (manhã, tarde e noite) e é oferecido para servidores de todas
as instituições vinculadas a rede de atendimento e proteção. Assim, no sentido de promover a
integração entre os profissionais, as aulas são frequentadas por policiais militares, policiais
civis, servidores do Instituto Geral de Perícias e de instituições vinculadas à área de
assistência social e administração.
A matriz curricular do curso de capacitação conta com disciplinas voltadas para a
sensibilização dos profissionais para as especificidades que caracterizam os casos de
violência doméstica e familiar, para o conhecimento da Lei Maria da Penha (no que se refere
aos seus dispositivos legais, conteúdo jurisprudencial e aplicação), atribuições e
funcionamento de cada serviço oferecido para as vítimas e agressores nas instituições de
segurança pública, assistência social e saúde, metodologia de abordagem, entre outras. As
disciplinas são ministradas por profissionais e gestores das instituições que participam das
aulas e por técnicos e acadêmicos da área do direito, psicologia e assistência social.
A atuação da Patrulha se dá a partir da parceria instituida com a DEAM 11. A partir de
relatórios diários elaborados pela Polícia Civil, a Brigada Militar passou a tomar
conhecimento de todos os pedidos de medidas protetivas de urgência realizados pelas
vítimas no momento do registro das ocorrências policiais, passando, então, a acompanhar os
10
Os Territórios de Paz da cidade de Porto Alegre, criados a partir do PRONASCI, com o intuito de
implementar políticas públicas de prevenção e redução às violências, estão localizados nos bairros Restinga,
Lomba do Pinheiro, Rubem Berta e Santa Tereza.
11
Até o momento da elaboração deste relatório de pesquisa, a articulação entre DEAM e Patrulha Maria da
Penha ocorria de modo informal, não existindo qualquer regulamentação oficialmente sancionada que
orientasse as instituições.
92
casos identificados pela Polícia Civil como mais graves, observando o cumprimento das
medidas por agressores e vítimas, antes mesmo de que sejam expedidas pelo judiciário. No
sentido de prevenir o acirramento das violências sofridas, os profissionais que atuam na
Patrulha cumprem um roteiro, elaborado a partir do relatório entregue pela DEAM, o qual
orienta a criação de um cronograma diário de visitas a serem realizadas pelas viaturas da
Patrulha.
A gente vai, se apresenta, diz o que a gente está fazendo, explica que na verdade a
gente faz esse acompanhamento da mulher que pede medida protetiva e faz a
ocorrência, entra na casa, senta e conversa com ela, pergunta se ela foi no foro
buscar a medida protetiva, porque algumas, não sei se por não saber, não ter muito
interesse ou não ser muito bem orientada, não sabem que tem que ir no foro buscar
o deferimento, que tem que andar com o papel na bolsa, que é bom sempre estar
com o papel, para o caso do companheiro se aproximar. Então a gente dá essa
orientação, orienta de que existe o centro de referência de atendimento à mulher,
que lá tem assessoria pública especializada nesses casos, que a maioria não tem
condições de arcar com advogado, que lá tem atendimento psicológico. Às vezes,
nós mesmos ligamos para o centro e encaminhamos, dependendo do caso.
(Soldado da Brigada Militar)
Além de fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas de urgência por parte dos
agressores e das vítimas, a Patrulha Maria da Penha também realiza encaminhamentos para
instituições de assistência social que fazem parte da rede de atenção e proteção às mulheres
vítimas de violência, oferece informações sobre direitos, deveres e procedimentos que
devem ser seguidos pelas vítimas. A realização de tais encaminhamentos busca suprir
necessidades materiais das vítimas, muitas delas economicamente dependentes dos
agressores, além de possibilitar o acesso à serviços de atendimento na área da saúde e
assistência jurídica.
A opção da Patrulha de acompanhar os casos mesmo em um momento anterior ao
deferimento dos pedidos de medida protetiva de urgência é justificada pela demora para que
o parecer do judiciário seja expedido, o qual costuma ser elaborado em um período que vai
de 48 a 72 horas. A real possibilidade de acirramento da violência após o registro policial do
caso, aumenta a vulnerabilidade das vítimas e, o acompanhamento dos casos pela Patrulha
logo após os boletins de ocorrência serem lavrados e os pedidos de medida protetiva de
urgência serem encaminhados, configura-se em uma prática de prevenção.
Após a realização de cada visita às residências das vítimas, os policiais militares da
Patrulha Maria da Penha elaboram relatórios, voltados para a identificação dos casos de
violência mais graves. Os relatórios são, posteriormente, remetidos à Polícia Civil, para que
os mesmos sejam anexados aos documentos do processo de investigação (inquérito policial).
93
Cada um dos inquéritos policiais referentes aos casos atendidos pela Patrulha Maria da
Penha recebem uma identificação, no sentido de serem acompanhados com maior atenção.
Nos casos em que o acompanhamento através das visitas não é suficiente para que
seja mantido o afastamento do agressor, e a Patrulha é comunicada pela vítima, são
elaborados, como estratégia final de prevenção, pedidos encaminhados para o Poder
Judiciário para a prisão preventiva do agressor. Os profissionais da Patrulha Maria da Penha
dão prosseguimento ao trabalho de acompanhamento às vítimas até que a ameaça de novas
violências seja cessada.
A inexistência de um canal formal do Poder Judiciário, que prestasse informações
sobre o deferimento dos pedidos de medida protetiva de urgência, configurou-se, até meados
do mês de outubro de 2013, num entrave para o acompanhamento dos casos de violência
pela Patrulha Maria da Penha. Até o período mencionado, tais deferimentos eram informados
somente às vítimas requerentes quando compareciam aos fóruns, dificultando o
conhecimento do encaminhamento dado pelo Poder Judiciário aos casos, tanto para vítimas,
quanto para os profissionais das polícias militar e civil.
A partir de um esforço da rede de atenção e proteção da segurança pública, o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul passou a oferecer dados sobre os deferimentos das
medidas protetivas de urgência em seu endereço digital 12, possibilitando que a consulta seja
realizada a partir do nome completo das vítimas solicitantes. O serviço, que ainda necessita
ser aperfeiçoado13, facilita o acesso dos dados tanto pelas instituições de segurança pública,
quanto pelas vítimas, as quais, muitas vezes, carecem de recursos materiais para
locomoverem-se até os espaços físicos do Poder Judiciário.
O crescente número de casos atendidos pela Patrulha Maria da Penha criou a
necessidade de criação de um programa de banco de dados que possibilitasse a organização
das informações coletadas. A partir de agosto de 2013, a Brigada Militar passou a contar
com um software disponível na rede digital interna da corporação, no qual são diariamente
inseridos os dados informados em relatórios produzidos ao final de cada visita realizada
pelos profissionais.
O balanço realizado pela Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul,
passado um ano do início das atividades desempenhadas pelo programa Patrulha Maria da
12
Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/site. Acesso em dezembro de 2013.
Os dados ainda não podem ser acessados através dos dados pessoais dos agressores, o que facilitaria o
trabalho das instituições de segurança pública, no sentido de que poderiam ser acessadas informações sobre o
histórico de medidas protetivas de urgência solicitadas por outras vítimas. Este histórico poderia informar sobre
a periculosidade dos agressores.
13
94
Penha apontam que 1.971 mulheres vítimas de violência doméstica e familiar foram
atendidas nas cidades de Porto Alegre, Canoas, Esteio e Charqueadas. De todos os casos
atendidos, 537 deles passaram a ser acompanhados de maneira mais intensiva pelos
profissionais da polícia militar, no sentido de prevenir novas violências. Além dos dados
sobre a quantidade de atendimentos realizados, foram registrados dados sobre os casos em
que vítimas e agressores reestabeleceram suas relações, num total de 216 casos. O
desrespeito ao cumprimento das medidas protetivas de urgência por parte dos agressores foi
responsável pela realização de 109 prisões preventivas.
O trabalho de fiscalização do cumprimento das medidas protetivas de urgência
realizado pela Patrulha Maria da Penha alcançou, em seu primeiro ano de atividades, o
principal objetivo proposto em seu projeto de criação, não tendo ocorrido nenhum caso de
homicídio entre as vítimas acompanhadas pelo programa. A eficácia das atividades
desenvolvidas pelos policiais militares, no que se refere ao seu caráter preventivo, também
pode ser observada através da inexistência do registro de novas ocorrências policiais por
parte das vítimas atendidas pela Patrulha.
Para a implementação do programa Patrulha Maria da Penha, o governo federal
repassou à Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul um valor total de 3,5
milhões de reais, através da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Até o final de
2014, o programa será implementado em mais 21 cidades do Estado 14.
Em Porto Alegre, apenas entre os meses de janeiro e agosto de 2014, foram
registrados 4.206 pedidos de medidas protetivas, conforme os dados obtidos através do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Em meados do mês de outubro, o número de
medidas ativas somadas era de 4.514.
A cobertura total das regiões da cidade de Porto Alegre para o atendimento da
Patrulha Maria da Penha deu-se em setembro de 2013. Durante a realização da presente
pesquisa, existiam na cidade seis equipes e viaturas voltadas para as atividades
desenvolvidas pelo programa, podendo ser apontado como insuficiente a quantidade das
14
Santa Cruz do Sul, Caxias do Sul, Passo Fundo, Vacaria, Santo Ângelo, Lajeado, Bento Gonçalves, Rio
Grande, Pelotas, Bagé, Novo Hamburgo, Gravataí, Erechim, Santa Rosa, Cruz Alta, Ijuí, Santa Maria, Viamão,
Alvorada, São Leopoldo, Uruguaina e Santana do Livramento.
95
últimas. No final do mês de outubro, mais duas unidades foram inauguradas na cidade, no 1º
e no 19º Batalhão de Polícia Militar, que já atendem duas regiões dos Territórios da Paz. 15
No 9º Batalhão de Polícia Militar, localizado na avenida Praia de Belas, a equipe da
Patrulha desenvolve suas atividades internas em uma pequena sala com duas mesas. Até
agosto, este batalhão era o único que contava com uma viatura destinada apenas para a
atenção às mulheres sob medida protetiva da área, que atende a região central e a região
onde encontram-se as ilhas da cidade. Durante as observações realizadas, desempenhavam
atividades profissionais no local apenas três soldados: duas do sexo feminino e um do sexo
masculino. De acordo com o relato da profissional mais antiga a atuar no programa, o 9º
Batalhão de Polícia Militar é o que recebe menor quantidade de registros de ocorrências para
visitas: no início, costumavam ser recebidos entre 11 e 15 casos semanalmente, sendo que no
mês de setembro, ocorreu uma variação de quatro a sete casos recebidos semanalmente para
atendimento pelos profissionais locados no Batalhão.
Dentre as sete mulheres atendidas pela Patrulha Maria da Penha entrevistadas durante
a presente pesquisa, cinco haviam solicitado a medida durante seus registros de ocorrência
na DEAM e aguardavam a decisão judicial de confirmação da medida 16. Em razão do caráter
considerado emergencial, a fim de prevenir o acirramento das violências sofridas em novos
casos, o procedimento adotado pela Patrulha é o de priorizar as atividades de atendimento
aos casos mais recentes registrados. Nesses atendimentos iniciais, as vítimas são orientadas
sobre o que ainda deve ser feito para garantir o deferimento das medidas protetivas de
urgência por elas solicitadas (como a necessidade de comparecer ao foro, por exemplo) e
sobre o funcionamento da Patrulha Maria da Penha e da Rede Lilás.
A manutenção e a escolha do atendimento da Patrulha são definidas pela gravidade
dos casos, registrados diariamente a partir de relatórios utilizados para a certificação de cada
caso. Há cinco tipos distintos de certidão utilizada pelos policiais para qualificar cada caso:
1. “certidão negativa de endereço”;
2. “certidão de informação de término de atendimento à vítima”;
3.
“certidão de fiscalização de medida protetiva com retorno de companheiro(a) ao
lar”;
4.
“certidão de recusa de atendimento por parte de vítima de violência doméstica”;
15Conforme informações da assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do RS:
http://www.rs.gov.br/conteudo/206251/porto-alegre-passa-a-contar-com-duas-novas-unidades-da-patrulhamaria-da-penha. Acesso em outubro de 2014
16
Não haviam decorrido 72 horas dos registros de suas respectivas ocorrências policiais.
96
5.
“certidão de vítima em situação de vulnerabilidade”.
De acordo com o soldado da Brigada Militar entrevistado, integrante de uma das
equipes que realizam as atividades de visitação do programa:
A gente faz o acompanhamento de todas as mulheres que pedem medida protetiva,
que vão lá fazer o registro da ocorrência e pedem a medida, mas a gente só vai
ficar sabendo se ela realmente foi buscar o deferimento, se ela continuou com as
medidas na hora [em] que a gente for fazer a visita no local da casa dela (…) e ela
só continua recebendo esse acompanhamento da Brigada se ela aceitar, não é nada
obrigado. Para isso, são confeccionadas algumas certidões. Se a gente chega no
local e a pessoa não mora mais lá ou o endereço não existe, tem a certidão de
negativa de endereço. Se a gente chega na casa e o companheiro está lá e foi ela
que deixou, no caso, se reconciliaram, tem a de retorno ao lar. Se a gente chega e
ela conta que continua sendo ameaçada, que ele vai atrás dela, aquela coisa toda, a
gente faz a de vítima em situação de vulnerabilidade. Quando a gente vai na casa
da mulher, e ela diz que já cancelou as medidas, que está tudo bem, que não tem
mais necessidade do acompanhamento, tem a de término de atendimento. Quando
ela não quer receber a Patrulha, tem algumas mulheres [para quem] a gente liga e
que mentem que não estão em casa, a gente faz a de recursa por parte da vítima. A
frequência de visitação depende do que a gente observar na residência. Às vezes,
estou vendo que aquela mulher está precisando, ele está indo atrás dela, está
ameaçando, está ligando, então eu vou com mais frequência na casa dela. Agora,
aquela que vai duas ou três vezes e está sempre tudo bem, não tem necessidade de
estar indo tantas vezes. (Soldado da Brigada Militar)
Nos casos em que o acompanhamento da Patrulha Maria da Penha não é encerrado, a
equipe produz um breve relatório sobre a realização da visita, informando o local, a data, o
horário e a descrição do caso. Essas informações somam-se ao registro de ocorrência da
vítima, que é consultado e atualizado manualmente a cada atendimento.
As vítimas cujos relatórios são classificados por “certidões de vulnerabilidade”
recebem atendimento prioritário dos profissionais da Patrulha 17 e, por serem tratados como
emergenciais, os casos têm seus respectivos relatórios de atendimento entregues diariamente
à coordenação do programa no 19º BPM, o qual possui a atribuição de centralizar as
informações, bem como de encaminhar os pedidos de prisão preventiva resultantes dos
acompanhamentos realizados aos Juizados competentes. Os demais relatórios (certidões) são
repassados ao mesmo batalhão, o qual é responsável pela coordenação do programa, nas
sextas-feiras, bem como todos os documentos e dados acerca dos atendimentos prestados nos
demais dias da semana. Neste momento, as equipes recebem, então, novas ocorrências para
atendimento/visitação.
17
As mulheres vitimas que possuem casos classificados pela situação de vulnerabilidade passam a receber
visitas mais frequentes da equipe da Patrulha, no sentido de que novas violências não ocorram.
97
No que se refere ao atendimento telefônico às vítimas, observou-se a existência de
um telefone celular destinado ao atendimento pela Patrulha Maria da Penha daquele
batalhão, através do qual é garantido o atendimento às mulheres acompanhadas pelo
programa durante 24 horas por dia e sete dias por semana, ainda que não haja plantão no
BPM.
Com a implantação do sistema informacional especifico para o atendimento das
mulheres atendidas pelo programa, todas as unidades da polícia militar passam a ter a
possibilidade de encontrar informações referentes ao trabalho realizado pelos profissionais
da Patrulha Maria da Penha, no que se refere aos históricos de atendimento e administração
dos casos. A criação do banco de dados também tornaria possível a realização de um
atendimento mais qualificado e direcionado por parte da central telefônica para atendimento
de emergências. Porém, no decorrer da pesquisa, percebeu-se que tal integração entre a
central de emergências da Brigada Militar e o sistema informacional da Patrulha Maria da
Penha ainda não ocorreu. Assim, caso a vítima ligue para o telefone celular indicado para
atendimento direcionado fora do expediente de trabalho do batalhão, seu chamado fará parte
do montante geral de chamadas telefônicas de emergência recebidas da Brigada Militar. O
fato das ligações das mulheres atendidas pelo programa serem recebidas através de um
simples aparelho de telefonia celular, nestes casos, acaba por dificultar o atendimento
qualificado e individualizado: os atendentes não acessam nenhum sistema e não conferem a
situação da ligação. Embora tenha sido mencionada18a afirmação de que existe um sistema
que identifica o chamado das mulheres quando essas são vítimas de violência doméstica já
atendidas pela Patrulha, no 9º BPM sequer foram feitas referências por parte dos
profissionais acompanhados à tal sistema. O que foi verificado durante a realização desta
pesquisa demonstra que, quando ocorre um chamado telefônico por uma vítima atendida
pelo programa e a equipe já não está em plantão, os profissionais possuem condições apenas
de saber que houve uma chamada recebida por parte de uma vítima, porém não há como
indicar a vítima, nem o agressor e tampouco de que caso se trata.
No início das atividades de acompanhamento realizadas, os profissionais foram
questionados a respeito das ligações recebidas pelo telefone celular da Patrulha ocorridas
fora do horário de atendimento do batalhão, no sentido de compreender como se dá o retorno
às vítimas. Tais retornos só ocorrem quando os casos atendidos pelo policial em plantão (o
18
Esta informação foi repassada às pesquisadoras em entrevista realizada no decorrer da pesquisa, através da
fala de gestores institucionais ouvidos.
98
qual não faz parte, necessariamente, da equipe de profissionais que atuam na Patrulha) são
classificados como de maior gravidade. Neste sentido, é possível apontar a fragilidade do
sistema de atendimento telefônico realizado, uma vez que as ligações recebidas fora do
horário de expediente do batalhão dificilmente poderão proporcionar uma atenção
qualificada e uma resposta adequada às vítimas que utilizam o recurso. Além disso, o fato de
não ser possível o acesso aos históricos dos atendimentos nestes horários aproxima a
possibilidade de ação policial a ser realizada pelos profissionais em plantão no batalhão
daquela realizada pelos demais policiais militares acionados através da central telefônica de
emergência da instituição, o 190.
Com as visitas sempre programadas para os horários comerciais, também foi possível
notar que, muitas vezes, as vítimas não eram encontradas em suas casas, além de serem raras
as informações sobre seus respectivos locais de trabalho. Ainda que tais informações fossem
conhecidas, estes locais só poderiam ser visitados nos casos em que pertencessem a região
atendida pelo fato, o que resulta no impedimento à visitação em diversas circunstâncias. No
caso das vítimas residentes nas regiões das ilhas da cidade atendidas pelo programa, não foi
possível encontrar nenhuma delas em suas residências durante todo o mês em que as visitas
de atendimento da Patrulha Maria da Penha foram acompanhadas. Nesses casos, os policiais
afirmavam que a dificuldade em encontrá-las naquela região estava diretamente ligada ao
fato de que as mesmas seriam “mulheres que trabalham”.
No decorrer da pesquisa, a Patrulha Maria da Penha passou por modificações que
influenciaram suas prioridades e atendimento policial. Até agosto, o programa contava com
uma viatura que se dedicava ao atendimento exclusivo das vítimas, o qual deveria cumprir
um protocolo de atendimento para a qualificação das visitas, o qual era totalmente
independente do espaço temporal necessário para a realização da visita.
As rotinas de trabalho dos profissionais que atuam no programa, acompanhadas por
um período de dois meses, estavam prioritariamente direcionadas para a resolução dos
conflitos vivenciados pelas mulheres atendidas: envolviam longos diálogos e escutas,
auxílios e solução de dúvidas por parte das policiais. Para que fossem possibilitadas visitas
qualificadas, era realizada uma média de dois atendimentos/visitas diários.
Já nos primeiros contatos com os profissionais foi possível ouvir relatos acerca das
frequentes trocas de chefia imediata e de comando do 9° BPM. Tais trocas afetavam
diretamente o desenvolvimento das atividades profissionais dos policiais locados no
batalhão. Nos últimos dias do mês de agosto, foi possível acompanhar uma troca das trocas
de comando do batalhão: em apenas um dia, os horários de trabalho e os soldados
99
responsáveis pelo atendimento foram remanejados. A Patrulha passou a dividir suas
atividades de visitação com outras ações do policiamento ostensivo que não envolvem
registros de ocorrências: a Patrulha Escolar, que trabalha com policiamento e ações de
presença em escolas e o PROERD, projeto educativo de "prevenção ao uso de drogas e
combate à violência".
Com a integração das atividades, a viatura que portava o emblema da Rede Lilás e
que antes servia exclusivamente aos atendimentos da Patrulha Maria da Penha teve seus
horários e equipes de trabalho reorganizadas. Assim, as três atividades – Patrulha Maria da
Penha, patrulha escolar e o PROERD – passaram a dividir o mesmo carro oficial: por meio
dele, oito profissionais, divididos em dois turnos, deveriam realizar as três atividades em
horários distintos. Dessa divisão, três soldados foram designados para atuar na Patrulha
Maria da Penha, no período da manhã: uma soldada antiga, que já possuía conhecimento das
atividades do programa, uma vez que já realizava acompanhamentos, e dois outros
profissionais do sexo masculino, não capacitados para o desenvolvimento das atividades
desempenhadas pela Patrulha (o que, de acordo com a coordenação estadual do programa
seria uma exigência, dada a especificidade dos conflitos de gênero atendidos).
As visitas, que anteriormente ocorriam entre 14h e 17h, passaram a ser realizadas
entre 9h e 11h – sempre depois do horário de entrada e antes do horário de saída das escolas,
uma vez que os profissionais passaram a ter como novas atribuições o patrulhamento escolar.
Na primeira semana, foi possível verificar o claro esvaziamento do atendimento das
mulheres, o qual foi novamente prejudicado nas semanas seguintes, quando os policiais
passaram a ter a presença solicitada nas escolas atendidas pelo patrulhamento também nos
horários de intervalo/recreio escolar.
Embora a fala institucional da Brigada Militar não apontasse a situação vivenciada no
9º BPM, os relatos da soldada responsável pelo programa afirmavam que todas as outras
equipes da Patrulha Maria da Penha já dividiam seus atendimentos com outros projetos de
policiamento. Algumas vezes, a soldada ressaltou ser este o menor problema vivenciado
naquele batalhão em razão dos poucos casos sob sua responsabilidade, os quais, na sua
opinião, tendiam a diminuir. Desde o início das atividades de acompanhamento dos
profissionais do 9 BPM, os policiais faziam referências à eficácia do trabalho desempenhado
pela Patrulha Maria da Penha, atribuindo a presença policial da viatura na região central à
diminuição do número de casos e esse discurso ganhou força como nova justificativa para a
acumulação de atribuições. É importante ressaltar que esse discurso ganhou força
motivacional especialmente da soldada responsável pelo programa no 9° BPM, porém,
100
embora repetisse o sucesso do programa, observado pela diminuição da necessidade de
atendimentos da Patrulha, a mesma, muitas vezes, mostrava-se decepcionada com as
mudanças institucionais.
O recebimento de novas atribuições não ligadas à Patrulha Maria da Penha, bem
como a redução significativa da carga horária destinada ao desenvolvimento das atividades
de atendimento e visitação teve como consequência um processo de gradual modificação nas
classificações acerca da gravidade dos casos atendidos pela Patrulha. Tal mudança pode ser
constatada a partir do acompanhamento das atividades da profissional responsável pelo
programa no 9° BPM, quando a mesma passou a fixar datas para o encerramento dos casos 19
considerados mais graves, os quais, paralelamente, passaram a receber tal classificação em
uma frequência substancialmente inferior.
No que se refere às visitas que passaram a ser realizadas após a mudança do
comando, pode-se verificar que os procedimentos passaram a priorizar a economia de tempo,
no sentido de dar conta do montante de visitas a serem realizadas. Em todos os
atendimentos, repetia-se às vítimas a orientação de que a polícia precisaria privilegiar casos
mais graves, os quais seriam prioritários, sendo esta informação repassada mesmo naqueles
momentos em que não existiam na escala de visitação casos considerados mais graves ou
marcados por uma maior vulnerabilidade das vítimas.
Ao mesmo tempo, das inúmeras ocorrências policiais encaminhadas para
atendimento pela Patrulha Maria da Penha, muitas são encerradas por recusa de atendimento
por parte da vítima. A informação repassada às pesquisadoras foi a de que, embora não
existam dados concretos acerca dessa desistência, trata-se “da maioria” das situações.
O trabalho de atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar
realizado pela Polícia Civil ocorre a partir dos serviços de registro e investigação policiais,
oferecidos em todas as delegacias de polícia existentes no Estado do Rio Grande do Sul.
Porém, é a partir do trabalho desenvolvido nas unidades especializadas no atendimento às
mulheres vítimas de violência que ocorre a real articulação da instituição com o trabalho
desenvolvido pela Patrulha Maria da Penha.
São os registros dos casos de violências realizados pelas mulheres vítimas nas
Delegacias Especializadas para o Atendimento de Mulheres (DEAMs) que possibilitam a
realização do trabalho de fiscalização do cumprimento das medidas protetivas de urgência
19
A expressão “enerramento dos casos” significa, neste contexto, o fim do acompanhamento dos casos das
mulheres vítimas atendidas pela Patrulha.
101
pelos profissionais da Patrulha Maria da Penha. Pode-se dizer também que o fluxo formal de
atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica é iniciado a partir do atendimento
realizado nas unidades da Polícia Civil.
A partir do atendimento realizado pelos servidores da Polícia Civil são realizados os
encaminhamentos das vítimas aos serviços oferecidos pelo Instituto Geral de Perícias (Sala
Lilás), assim como seus casos, quando elaborados pedidos de medida protetiva de urgência,
são informados à Brigada Militar para o acionamento da Patrulha Maria da Penha. Neste
sentido, a articulação das instituições que formam a rede de atendimento e proteção da
segurança pública se dá a partir do fluxograma representado abaixo:
102
Vítima dirige-se até a unidade da Policia Civil para registrar
formalmente a violência sofrida
Vítima solicita à autoridade policial que encaminhe ao Poder
Judiciário o pedido de medida protetiva de urgência
O caso é informado à
Brigada Militar para que
a Patrulha Maria da
Penha seja acionada
Se necessário, a vítima é
encaminhada para os
serviços oferecidos pelo
Instituto Geral de
Perícias, através da Sala
Lilás
Diariamente, são elaborados relatórios que contém dados sobre as solicitações de
medida protetiva de urgência pela Polícia Civil, os quais são entregues para os policiais
militares que atuam na Patrulha Maria da Penha. Os casos mais graves registrados são
informados à Brigada Militar, no sentido de que sejam acompanhados com maior atenção,
evitando, assim, o acirramento e/ou novos casos de violência. Os casos acompanhados pelos
profissionais que atuam na Patrulha possuem prioridade para a investigação policial e, assim
que as investigações são realizadas, os casos são enviados ao Poder Judiciário para que a
administração criminal do conflito seja realizada de forma célere.
Pode-se dizer que a criação da rede de atenção e proteção criada pela Secretaria de
Segurança Pública não gerou modificações substanciais no que se refere à estruturação das
dinâmicas de atividades realizadas nas DEAMs. As modificações ocorridas na rotina das
unidades estão relacionadas à elaboração dos relatórios para o conhecimento da Brigada
Militar e na priorização de investigação dos casos atendidos pela Patrulha Maria da Penha.
Na verdade, a criação da rede possibilitou a integração de algumas atividades
realizadas pela Polícia Civil e Brigada Militar, configurando-se em uma prática inovadora e,
de certa forma, ousada (se consideradas as disputas históricas existentes entre as policias
civis e militares brasileiras). No que se refere à articulação da Polícia Civil com o Instituto
103
Geral de Perícias, a mesma não sofreu alterações, uma vez que as atividades desenvolvidas
por ambas instituições sempre ocorreu de forma complementar.
Quanto às mudanças estruturais nas DEAMs, as mesmas foram iniciadas um ano
antes da criação do projeto de implementação da rede. Em 2011, o governo estadual criou a
Coordenadoria das DEAMs, no sentido de gerenciar a qualidade de atendimento nos 36
órgãos especializados (Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher e Postos de
Atendimento a Mulher) da Polícia Civil no Estado. Dentre as atribuições da Coordenadoria,
estão as atividades de assessorar as políticas públicas de segurança pública da mulher; dar
acompanhamento permanente às DEAMs; orientar os profissionais que atuam nas DEAMs
quanto ao preenchimento dos boletins de ocorrência; acompanhar os desdobramentos dos
casos mais graves atendidos pelas DEAMs, dialogando com outras instituições envolvidas
no atendimento; exercer a interlocução das unidades especializadas com a secretaria de
Segurança Pública - Chefia da Polícia Civil, a secretaria estadual de Segurança e demais
órgãos no âmbito da administração pública.
O Rio Grande do Sul possui 16 DEAMs20 e 20 Postos de Atendimento à Mulher em
Delegacias de Polícia de Pronto Atendimento, sendo três delas inauguradas após a criação da
Secretaria de Políticas para as Mulheres. Em 2013, a Secretaria de Segurança Pública do Rio
Grande do Sul recebeu do governo federal, através da Secretaria de Políticas para as
Mulheres, um montante de 654 mil reais para a criação de mais três DEAMs21, as quais
deverão estar em atividade até o final de 2014.
O atendimento às mulheres vítimas de violência oferecido pelo Instituto Geral de
Perícias, através do Departamento Médico-Legal (DML) passou a ser realizado em um
espaço inaugurado em setembro de 2012, denominado Sala Lilás. A criação da Sala Lilás,
ocorrida a partir da implementação da rede para atendimento e proteção para mulheres
vítimas de violência doméstica, se deu pela necessidade de evitar processos de revitimização das vítimas que necessitam realizar exames periciais, oferecendo às usuárias um
espaço voltado para o acolhimento das mesmas, enquanto aguardam os atendimentos da
perícia clínica, da psíquica e do serviço psicossocial, buscando garantir a privacidade. A
elaboração do projeto para a criação do programa Sala Lilás esteve voltada para a
20
As DEAMs existentes no Estado do Rio Grande do Sul estão localizadas nas cidades de Santa Maria, Cruz
Alta, Passo Fundo, Rio Grande, Caxias do Sul, Erechim, Santa Cruz do Sul, Pelotas, Lajeado, Ijuí, Santa Rosa,
Gravataí, Bento Gonçalves, Porto Alegre, Novo Hamburgo e Canoas.
21
As novas DEAMs deverão ser instaladas nas cidades de Alvorada, Viamão e Bagé.
104
necessidade de humanização dos procedimentos de atendimento às mulheres vítimas, através
da sensibilização dos servidores que atuam no local.
Somente a partir da criação da Sala Lilás as mulheres vítimas de violência doméstica
e/ou sexual passaram a aguardar a realização dos exames periciais em um local privativo:
anteriormente aguardavam em um espaço comum para todas as pessoas que necessitam fazer
os exames, ocorrendo, inclusive, casos em que vítima e agressor esperavam atendimento no
mesmo saguão. Além disso, o DML passou a coletar dados acerca da origem da violência
sofrida para a produção de análises estatísticas dos casos de violência doméstica e/ou sexual
contra a mulher.
O programa Sala Lilás também foi responsável pela padronização da coleta de
material biológico encontrado nas vestes íntimas de vítimas de agressão sexual: a partir do
programa, todos os postos que realizam exames periciais passaram a utilizar um kit
padronizado (contendo uma veste íntima descartável, a qual é ofertada à vítima em troca da
utilizada até o momento da realização do exame pericial). O material recolhido, composto
pelas vestes íntimas e três lâminas com amostras para análise de material genético, é
encaminhado para análise laboratorial.
Além da padronização da coleta de material genético para perícia laboratorial, o
Instituto Geral de Perícias passou a fazer uso de um software responsável pelo
armazenamento de dados genéticos de agressores sexuais em um banco. Com a utilização do
banco de dados, passou a ser possível a identificação de agressores sexuais com múltiplas
vítimas.
Para a implementação do programa Sala Lilás, o Departamento Médico Legal passou
a contar também com um sistema informacional que auxilia os profissionais que atuam na
instituição a recriar rostos de suspeitos de crimes por meio de um programa de tratamento de
imagens, conhecido como Retrato Falado Digital ou Sistema de Representação Facial
Humana. A partir dos relatos das mulheres vítimas de violência, o sistema possibilita a
reprodução com qualidade fotográfica das características faciais dos suspeitos. A utilização
do sistema tem como objetivo tornar célere o processo de construção de retratos falados, no
sentido de atenuar o sofrimento das vítimas.
O programa Sala Lilás também conta com a realização de exames de perícia psíquica
e um serviço psicossocial, anteriormente não disponibilizados no Departamento Médico
Legal. Os exames de perícia psíquica são realizados para a elaboração de provas periciais em
crimes de origem sexual que não podem ser comprovados materialmente. As provas
testemunhais obtidas através da perícia psíquica são obtidas através de técnicas de
105
entrevistas, buscando a comprovação de sinais e sintomas de sofrimento psíquico decorrente
de traumas.
O serviço psicossocial foi implementado com a finalidade de promover o
acolhimento das mulheres vítimas de violência doméstica e/ou sexual e encaminhar as
mesmas para tratamento médico (psicológico ou psiquiátrico) e serviços de assistência social
existentes na comunidade. As atividades do serviço psicossocial são desenvolvidas em
parceria com as faculdades de Psicologia e Assistência Social da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.
Atualmente, o programa Sala Lilás está em funcionamento em três cidades do Estado
do Rio Grande do Sul: Porto Alegre, Caxias do Sul e Santana do Livramento. Em 2013, foi
disponibilizado pelo governo federal um total de 1,4 milhões de reais para a ampliação do
programa, a qual deve ser realizada até o final de 2014, através da criação de novas unidades
em outras 11 cidades22.
Finalmente, o fluxograma abaixo representa a estrutura a partir da qual a rede de
atendimento e proteção da segurança pública para mulheres vítimas de violência doméstica e
familiar está articulada, bem como os serviços oferecidos pelas instituições que fazem parte
da mesma:
22
As novas unidades do programa Sala Lilás deverão ser criadas junto aos Postos Médico-Legais das
cidades de Cruz Alta, Erechim, Ijuí, Lajeado, Passo Fundo, Santa Cruz do Sul, Santa Maria, Santa Rosa, Bagé e
Vacaria.
106
Juizado de Violência
Doméstica e Familiar
Contra a Mulher
Inquérito Policial
Polícia Civil
DEAM
Brigada Militar
Patrulha Maria da Penha
Visitas para
fiscalização
Elaboração
de Relatórios
Informações
Instituto Geral de Perícias
Sala Lilás
Retrato
Falado
Digital
Exames Médicos
Periciais
Serviço
Psicossocial
Encaminhamento para
atendimento nas redes da saúde e
assistência social
107
A porta de entrada para os dois Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a
Mulher de Porto Alegre (o primeiro criado em abril de 2008 e o segundo em março de 2014)
é, na quase totalidade dos casos, aberta pelos pedidos de medida protetiva de urgência
requeridos quando do registro policial dos casos na DEAM. A análise inicial dos pedidos
costuma ser realizada em um período médio de 48 horas.
Os documentos enviados pela DEAM para o pedido das medidas protetivas são,
basicamente, cópias dos formulários utilizados para os registros policiais, os quais,
eventualmente, são acompanhados de termos de declaração das mulheres solicitantes e por
uma breve descrição dos fatos. Os pedidos, de acordo com a juíza titular do I Juizado, não
costumam trazer elementos suficientes para que, inicialmente, seja formado um juízo
qualificado em relação à necessidade ou não de deferimento de tais pedidos.
Muitas vezes a gente acaba tendo que telefonar para a vítima para esclarecer
melhor os fatos. Por exemplo, como é um formulário, eles marcam em todos os
pedidos o afastamento do lar, mas como afastar se já mostra que eles moram em
endereços diferentes? Mas para tentar esclarecer bem se fala com a vítima, porque
eles têm endereços distintos, mas vai que em uma dessas o agressor resolveu se
mudar para a casa da vítima. Então tem esses detalhes que acabam dando mais
trabalho para nós, por uma questão que poderia ser ajustada. Até solicitei com a
Delegada que a gente pudesse resolver isso. (Juíza I).
Claro, todo mundo trabalha no excesso, na verdade. Nossa demanda, realmente é
muito grande em todos os setores, é no Judiciário, é na Polícia, no Ministério
Público, na Defensoria Pública, todos nós estamos com excesso. Mas a gente não
pode, com isso, esquecer de primar pela qualidade, a gente tem que estar sempre
tentando. A gente tem um bom relacionamento com todos os setores do Judiciário,
bem como da rede, justamente para tentar ajustar as coisas para elas fluírem
corretamente e com mais qualidade. (Juíza I).
Um outro problema enfrentado pelos Juizados de Violência Doméstica e Familiar
Contra a Mulher de Porto Alegre é referente ao excesso de prazo necessário para a produção
dos inquéritos policiais, peças de extrema importância para a instrução dos processos
administrados pelos juizados. As justificativas para a demora costumam estar vinculadas ao
número insuficiente de servidores.
Não estão conseguindo [concluir os inquéritos policiais em 30 dias] e a justificativa
é a falta de servidor. As Delegadas sempre falam isso e, inclusive, foi uma
constatação nossa. A gente já foi lá, (...) combinou que elas mandassem o pedido
de medida protetiva mesmo faltando diligências nos inquéritos. Tentando levar
entre trinta e quarenta dias, que é justamente o prazo que a gente faz a primeira
audiência da medida protetiva, para que a gente tenha algum subsídio. (Juíza I)
108
As medidas protetivas de urgência mais solicitadas pelas mulheres que procuram a
polícia civil são as de caráter proibitivo, referentes à proibição de contato entre as
solicitantes e os acusados, quando os mesmos residem em locais diferentes, e as medidas de
afastamento, quando dividem a mesma residência. As solicitações para medidas protetivas
de afastamento costumam ser recebidas em um número bastante inferior, se comparadas às
proibitivas, já que, de acordo com a juíza titular do II Juizado, os registros policiais são
realizados, em sua maioria, por mulheres que não possuem vínculos de coabitação com os
acusados de agressão.
O maior número de denúncias feitas pelo boletim de ocorrência não é de pessoas
casadas, talvez a gente pudesse ver, não sei, não tenho essa estatística. Então
quando houver coabitação é muito raro a mulher fazer esse registro de ocorrência
sendo casada, mas acontece também. Nesses casos a gente chama para audiência e
verifica o que ela realmente precisa. Às vezes, é mais uma questão de medo, não
necessariamente ela acha que vai acabar o casamento, ela quer algum tipo de apoio
para tratamento de alcoolismo, para tratamento de drogas, esse tipo de coisa. (Juíza
II).
No que se refere à concessão das medidas protetivas solicitadas, pode-se dizer que a
maior parte delas é deferida. Todos os pedidos marcados por situações de ameaças ou
agressões costumam ser concedidos pelos juizados. Só não ocorre o deferimento daqueles
pedidos de medida protetiva justificados por circunstancias de natureza não-criminal.
Ou seja, a pessoa reclama que o marido que mora no mesmo pátio está querendo
que devolva a casa que era da separação. Isso não é necessariamente uma agressão,
uma ameaça, e, sim, um problema de ocupação de um imóvel. Isso seria esfera
cível e não justificaria uma medida de proteção. Se for afastamento, a menos que
seja uma situação muito frágil, uma perturbação: “ah ele me xingou na frente dos
filhos”; será que há necessidade de tirar ele de casa? Normalmente, não havendo
uma agressão, uma ameaça maior, que a vítima esteja realmente em risco, a gente
marca uma audiência para 10 (dez) dias, um espaço breve. Na audiência, pede que
a vítima justifique porque precisa da medida de proteção, qual era aquela situação
que não era tão grave e que já se resolveu, muitas vezes a mulher volta atrás. Mas,
de regra, nós deferimos, sim. (Juíza II).
O critério fundamental para análise das solicitações costuma ser risco que as
demandantes possam estar sofrendo, seja risco excessivo ou potencial. No entanto, tal
classificação, de acordo com as juízas entrevistadas, é realizada com um alto grau de
dificuldade, uma vez que os pedidos de medida protetiva recebidos são comumente
acompanhados de poucos elementos que permitam a classificação. Além disso, a
unilateralidade do registro policial também configura-se em um elemento que problematiza a
classificação dos riscos vivenciados em cada caso: mesmo nas hipóteses em que a
109
demandante cita a existência de testemunhas que comprovem sua versão dos fatos, as
testemunhas não costumam acompanhá-la até a DEAM, não existindo o registro de qualquer
declaração que não a da vítima.
É complicado porque tu precisa olhar o lado da vítima, mas tem o lado do agressor,
que também é um cidadão e também tem direito de ir e vir. Eventual medida
protetiva que eu vá deferir vai ter um efeito direto sobre essa pessoa, sobre o
demandado, incorrendo no risco de ser preso, às vezes, desnecessariamente. Por
que desnecessariamente? Porque, às vezes, a situação não é aquela relatada pela
vítima e acaba tendo uma medida protetiva, ele viola, mas viola sendo que não
precisaria violar, porque a situação não é aquela. (Juíza I).
Mas o interesse maior que se deve tutelar sempre vai ser o da vítima. Mas
precisaria melhorar o atendimento na Delegacia de Polícia, para que a gente
pudesse ter elementos mais corretos. A gente vai entrar em contato telefônico e a
situação, às vezes, é mais grave do que aquela relatada ou não é tão grave como
está relatada. Deveria ter um outro funcionamento, mais servidores. (Juíza II).
A utilização da DEAM como porta de entrada para a administração da quase
totalidade dos casos administrados pelos juizados é citada como um fator problemático, uma
vez que nem todos os conflitos registrados pela instituição policial são de caráter criminal.
Neste sentido, a criação de um atendimento voltado à resolução ou encaminhamento de
conflitos que não estão necessariamente abarcados pela Lei Maria da Penha, auxiliaria na
redução da demanda de atendimento pelos juizados e na qualificação dos encaminhamentos
mais efetivos aos casos registrados pela autoridade policial.
Uma coisa que eu acho que deve ser implementada na Delegacia é ter o início do
Centro de Referência na Delegacia da Mulher, porque nem tudo que chega na
Delegacia da Mulher é matéria de violência doméstica. Muitas questões são
questões que podem ser resolvidas extrajudicialmente, ou seja, pedidos de
internação, por exemplo, de companheiro, de marido, de filho que quer tratar
drogadição ou álcool, é uma demanda altíssima no nosso Juizado. Em 80% (oitenta
por cento) dos casos, o demandado tem uso de álcool ou de drogas. Nem todos os
casos são de internação, mas elas acabam registrando uma ocorrência para ser uma
porta rápida para resolver o seu problema. (Juíza I).
(...) se a gente fizesse um Centro de Referência dentro da Delegacia, isso não
geraria um processo criminal, porque não é um processo criminal. A mulher que
vai pedir a internação do seu marido ou do seu filho é porque ela quer ajudar
aquela pessoa, ela quer manter a sua família. Ela não quer o processo criminal, só
que ela é obrigada a dar início a um processo criminal, porque o sistema só
funciona assim. (Juíza II).
Após a concessão da medida protetiva de urgência, é realizada a inclusão dos dados
em um sistema (Consultas Integradas) que pode ser consultado pelo Poder Judiciário, Polícia
110
Civil e Brigada Militar. Além disso, os servidores dos juizados buscam realizar contato
telefônico com as solicitantes das medidas, no sentido de informá-las a respeito do
deferimento.
O I Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher conta com dois
programas multidisciplinares de atendimento para as partes envolvidas nos conflitos
administrados pelo juizado: o primeiro deles está vinculado à necessidade de reflexão dos
agressores, envolvendo atendimento psicossocial, e o segundo, voltado às vítimas, possui um
caráter de acolhimento. Os encaminhamentos aos grupos de apoio ocorrem nos casos em que
a vítima opta por não dar prosseguimento ao processo criminal, optando pelo arquivamento
do caso, e/ou nos casos em que as partes envolvidas no conflito optam por manter a relação
conjugal.
A gente tem um resultado muito positivo, porque é um espaço de escuta do
homem, então ele vai trabalhar em grupo, onde todos vão ser escutados e vão
refletir sobre os atos, porque o objetivo é reeducar. Todos os que estão no grupo
estão ali porque as mulheres pedem ou até eles pedem, embora a gente encaminhe
também, mas tudo relacionado a esse perfil, eles não terminaram o relacionamento.
Se a mulher foi até a Delegacia e registrou uma ocorrência é porque alguma coisa
não estava bem e resolve: “não quero mais prosseguir, vou arquivar o processo”.
(Juíza I).
A gente criou esse grupo para isso e, da mesma forma, para as mulheres, o grupo
de acolhimento das mulheres, que elas também têm um espaço de escuta para elas.
(...) As mulheres, às vezes, fazem atividades manuais. Eles passam vídeos,
assistem filmes, tudo para fazer um link com o que está sendo tratado ali. Sem
falar que, nesses momentos com a comunidade, se percebe que aquela pessoa
precisa de uma outra ajuda, para encaminhar para um outro serviço, centro de
referência, hospital de saúde. (Juíza I).
Além dos dois programas voltados para o acolhimento e reflexão das partes o juizado
tem a iniciativa de realizar palestras escolares e/ou comunitárias, a partir do projeto “Maria
vai na Escola, Maria vai na Comunidade”.
Geralmente a gente recebe o convite das escolas ou de uma organização da
comunidade que quer fazer uma reunião, uma roda de conversa, uma palestra e a
gente vai. Tem todo o material expositivo, eu faço a primeira parte, apresento a lei,
converso, troco ideias com as pessoas, vou tirando as dúvidas, vou interagindo e
mostrando as características da Lei Maria da Penha. Geralmente, vai também o
assistente social e a orientadora que trabalha aqui conosco nos grupos de reflexão
que nós temos. (Juíza I).
Uma análise mais atenta aos discursos institucionais produzidos pelos operadores
entrevistados, no sentido de verificar suas percepções acerca da eficácia das medidas
protetivas de urgência, aponta para um elemento comum a todas as falas: a efetividade das
111
medidas protetivas deferidas às mulheres solicitantes, no que tange ao não acirramento das
violências sofridas pelas mesmas, é referida como existente no contexto municipal em que
estão inseridos. Esta eficácia aparece nos discursos através de duas chaves de interpretação
vinculadas às ideias de educação e prevenção.
As ideias de prevenção e educação não aparecem descoladas nas falas dos agentes
institucionais, mas como uma relação de causa e consequência. Dada a velocidade de
resposta da Brigada Militar, no que se refere ao atendimento das mulheres beneficiadas com
as medidas protetivas e urgência nos casos de descumprimento por parte dos agressores, a
possibilidade da incorporação no imaginário social da existência de impunidade nos casos de
desrespeito às medidas é substancialmente reduzida. Neste sentido, a prisão por
descumprimento imediata realizada pelos policiais militares é interpretada como educativa e,
logo, previne a ocorrência de novas agressões, neste contexto.
Ainda no que se refere às percepções sobre a eficácia das medidas protetivas de
urgência, devem ser apontados dois elementos como responsáveis pela possível ineficiência,
em alguns casos, e pela banalização de sua utilização em outros. A percepção sobre
ineficiência das medidas aparece vinculada ao “coração mole” de algumas vítimas, as quais
não reconheceriam a gravidade dos conflitos nos quais estão envolvidas:
(...) se depender da medida, ela é 100% eficaz. O que acontece, às vezes, é que a
mulher de “coração mole” acaba cedendo e colocando o marido para dentro de
casa. (Major da Brigada Militar).
Já no que se refere à ideia de banalização da utilização das mesmas, a mesma está
justificada no excesso de solicitações encaminhadas ao Poder Judiciário. Neste sentido, o
Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher acaba recebendo demandas
excessivas para a administração de casos que provavelmente seriam negociados fora desta
esfera.
Muitas questões são questões que podem ser resolvidas extrajudicialmente, ou seja,
pedidos de internação, por exemplo, de companheiro, de marido, de filho que quer
tratar drogadição ou álcool, é uma demanda altíssima no nosso Juizado. Em 80%
(oitenta por cento) dos casos, o demandado tem uso de álcool ou de drogas. Nem
todos os casos são de internação, mas elas acabam registrando uma ocorrência para
ser uma porta rápida para resolver o seu problema. (Juíza I).
Eu acho que existe um pouco de banalização. Existem muitos registros que não
precisariam ser feitos. Claro que têm situações graves. (...). Mas existe muita
situação assim: uma briguinha e a mulher registra uma ocorrência por perturbação
da tranquilidade; [o acusado] ficou fazendo ligações e xingando; uma ameaça, que
112
é em uma discussão em que se falam coisas ali na discussão. Há muitos registros
assim. (Juíza II).
A atuação das instituições de segurança pública enquanto forças garantidoras da
aplicação das medidas protetivas também é amplamente citada nos discursos dos agentes
entrevistados, estando o fortalecimento das mesmas diretamente vinculado à percepção de
aumento da eficácia das medidas. Deste mesmo modo, a articulação e empoderamento da
rede entre as instituições de segurança e psicossociais é citada como fator garantidor do
caráter preventivo/educativo das medidas protetivas de urgência.
Assim como a percepção sobre a eficácia das medidas protetivas, é verificada a
existência de uma sintonia no que diz respeito às ideias dos agentes entrevistados acerca de
ações capazes de prevenir que as vítimas voltem a sofrer novas violências. Novamente, a
necessidade de articulação e fortalecimento de uma rede de atendimento e proteção, formada
por instituições da área da saúde, assistência social, econômica e da segurança pública, pode
ser observada nas falas dos entrevistados.
A necessidade de que as mulheres conheçam seus direitos individuais e de cidadania
também é verificada: somente este processo possibilitaria o reconhecimento dos elementos
culturais vinculados ao machismo fortemente arraigado na sociedade. Desta forma, seria
possível evitar a reprodução social do machismo, apontado como principal elemento
desencadeador da violência contra a mulher.
4.2 A visão das mulheres que demandaram atendimento previsto pela Lei 11.340/2006
Todas as mulheres entrevistadas que foram atendidas pela Patrulha Maria da Penha
demonstraram-se positivamente impressionadas e interessadas com o trabalho de atenção,
mediação e proteção desenvolvido pelo programa, mesmo quando retomaram seus
relacionamentos. Ainda assim, apesar dos relatos das vítimas estarem voltados para o
contentamento com a existência da atenção por parte das instituições estatais no que se refere
ao auxílio para a administração de seus conflitos e pretensa proteção à sua integridade física,
foi possível constatar, a partir de suas falas, que as mesmas não se sentem efetivamente
protegidas pela Patrulha. A expressão “se ele quisesse fazer algo comigo, faria igual” foi
frequentemente utilizada pelas mulheres entrevistadas. Em duas das entrevistas realizadas, as
vítimas atendidas pela Patrulha referiram ser de maior importância os recursos do programa
vinculados ao tratamento psicológico e à assistência social ofertados pela rede de
113
atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica da qual a Patrulha Maria da Penha
faz parte, do que à proteção policial propriamente dita.
Do mesmo modo, outras mulheres que permaneceram recebendo o atendimento do
programa referiram acreditar muito mais em eventuais tratamentos ou na prisão dos
agressores do que na efetividade da prevenção pretendida pela Patrulha. Os atendimentos,
assim, parecem funcionar mais como uma possibilidade de diálogo das vítimas com o
Estado, no sentido de terem suas histórias ouvidas, dando vazão à sua necessidade de escuta
(reclamam do atendimento da própria Brigada Militar, referem desejos de resolução ou de
separação, contam suas histórias e até referem a importância do atendimento a outras
mulheres, excluindo-se da situação de “vítimas”), do que numa crença efetiva de prevenção
de novas agressões.
Quanto às mulheres entrevistadas em audiência e que desistiram de suas medidas
protetivas ou as tiveram substituídas por acordos de respeito, foi possível observar que há
uma postura do próprio juizado de priorizar a proteção das vítimas. O 1º Juizado de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher atua especificamente para a resolução de
medidas protetivas. Em conversas com a juíza durante os intervalos de audiências
acompanhadas, a mesma ratificou o que foi possível perceber durante um mês de
observação: sempre que houvesse um pedido de proteção por parte das vítimas, as medidas
protetivas de urgência eram concedidas. O relato da magistrada foi confirmado por uma
funcionaria do Juizado, a qual confirmou que mesmo quando o juiz de plantão recusava
pedidos encaminhados pela DEAM, essas decisões eram revistas pela juíza titular.
De fato, durante a observação de mais de 30 audiências foi possível perceber serem
raros os cancelamentos de medidas protetivas de urgência anteriormente deferidas sem que
ocorra um diálogo anterior entre vítimas, agressores e juíza, no sentido de que seja proferida
uma decisão judicial que dê conta das reais necessidades e expectativas das partes. Mesmo
para as hipóteses em que as próprias vítimas descumpriram as medidas protetivas, mas que
seus casos indicavam necessidade de precaução, a juíza preferia adverti-las com discursos
sobre a suas responsabilidades na resolução de suas vidas, mas, ainda assim, mantendo o
deferimento das medidas.
O cancelamento das medidas protetivas de urgência em juízo costuma ocorrer a partir
da resolução de outros conflitos relacionados àquele que motivou o encaminhamento das
partes ao juizado, como o estabelecimento de pensão alimentícia e guarda de filhos em
comum. Foi possível verificar a existência de uma ponderação por parte das vítimas, e
mesmo de alguns agressores, que a proteção garantida pelas medidas protetivas possuem um
114
efeito temporário, estando a necessidade de utilização de muitas delas em casos de
separações conjugais marcadas pela impossibilidade de acordo entre as partes e que, acabam
resultando em agressões.
Assim que as disputas patrimoniais ou relativas à guarda ou pensão para filhos em
comum são acordadas com o auxílio da juíza (sendo verificado o encerramento do ciclo de
ameaças entre vítima e agressor), as medidas protetivas de urgência canceladas são
substituídas por acordos de respeito e/ou, em alguns casos, para a mediação judicial do
conflito.
É importante observar que nenhuma das mulheres entrevistadas em juízo fez
qualquer referência acerca de ter conhecimento da existência tanto da Patrulha Maria da
Penha, quanto da Rede Lilás. Mesmo quando questionadas sobre serviços específicos que
possam lhes ter sido oferecidos, como o encaminhamento aos CRAS e a própria realização
de perícia médico-legal através da Sala Lilás, nenhuma relacionou esses atendimentos à
Rede Lilás ou medidas de políticas públicas de combate à violência. Muitas, inclusive,
demonstraram surpresa ao serem informadas sobre a existência de uma rede de atenção e
proteção, comentando o quanto teriam necessitado das visitas da Patrulha Maria da Penha ou
de atendimento psicológico para si e seus filhos.
Ainda assim, todas as entrevistas demonstram alguma satisfação pelo, a partir de
então, conhecimento do fato de que “existe alguma política”, mesmo que esta satisfação
estivesse acompanhada da menção à necessidade de melhoria do atendimento institucional.
Entre os pontos específicos de funcionamento das instituições mais criticados, estão a
demora no tempo de atendimento da DEAM e no prazo para agendamento da primeira
audiência das medidas protetivas, período que as vítimas solicitantes de medidas protetivas
de urgência consideraram como fundamental para a prevenção de novas agressões ou
reprimendas pelas denúncias.
Em todos os casos nos quais as mulheres desistiram das medidas sem que tivessem
retomado seus relacionamentos – tanto aquelas atendidas pela Patrulha quanto as que o
fizeram em audiência -, a justificativa foi justamente a de que o denunciado não havia
voltado a incomodá-las ou a demonstrar perigo no período em que esperavam: justamente o
momento imediatamente posterior à denúncia (entrevistadas VII, XII, XIII e XIV). Todas as
mulheres que desistiram da medida sem ter retomado o relacionamento não foram
importunadas pelos ex-companheiros logo após as denúncias.
O relato de uma das vítimas entrevistadas, que foi procurada para uma conversa pelo
ex-namorado, ilustra a problemática citada. Perguntada se sentia-se protegida em relação a
115
novas agressões e qual a motivação para o pedido de não-manutenção da medida protetiva de
urgência anteriormente concedida, a entrevistada afirmou:
Não, na verdade, não, né? Porque, sim, se ele quisesse me achar e me agredir de
novo, a medida não me assegurava disso. Depois de ele ter feito isso, aí sim, eu iria
procurar e dizer: "olha, eu tenho uma medida contra ele, ele veio aqui e fez isso".
Aí não sei como que ia ser o procedimento, né? Mas, na verdade, não... não me
sinto, não me senti protegida nem um pouco com isso, tanto que ele me procurou,
né? Ele me procurou depois, mas aí... Ele: "ai, não, vamos conversar, eu quero só
conversar, se tu quiser ir com alguém, pode ir com alguém. Se quiser levar o teu
namorado, pode levar teu namorado... escolhe um lugar", entendeu? Daí eu fui
falar com ele, assim, porque achava também que deveria, né, falar com ele, assim.
E aí... e aí foi tudo tranquilo, assim, ele me pediu desculpa, queria voltar e eu não
vi, não tinha necessidade de eu ir lá e falar: "olha, ele me procurou, eu tenho uma
medida protetiva, mas ele me procurou", entendeu? E depois ele não me procurou
mais também. (Entrevistada VII)
Em uma outra entrevista, a interlocutora respondeu que seu problema estava
resolvido: “Eu acho. Ele não me incomodou mais, que eu acho que o pai dele conversou
porque o pai dele entende. [...]” (Entrevistada XII).
Em uma terceira entrevista, na qual contou com o relato de uma vítima cujo conflito
referente à guarda dos filhos e alimentos foi administrado a partir de audiência no juizado e
acompanhado pela pesquisadora, a entrevistada afirmou que após o registro policial do caso,
“não aconteceu nada. Ficou tudo tranquilo, ele na dele. Ele não chegou perto de mim por
causa da medida”. Diferentemente do que foi relatado pela maioria das mulheres vítimas
entrevistadas nesta pesquisa, a entrevistada acreditava que sua integridade física estaria
garantida pela Brigada Militar, mesmo nos momentos que antecederam a audiência no
juizado.
Eu senti. Porque assim, no começo, quando tá com os nervos à flor da pele, tu tem
vontade de procurar e tirar satisfação e gritar e bater. Mas, por causa da medida,
isso não aconteceu. Ele tinha medo de ser preso por causa da medida. (Entrevistada
XIII).
Outro relato favorável às medidas protetivas de urgência, no que se refere a seu
caráter coercitivo, foi dado por outra entrevistada que desistiu da manutenção da medida em
juízo:
Eu acho que depois dele ter respeitado e pelo pouco que eu conheci dele durante
esse tempo todo, ele não vá me perturbar, não vá entrar em contato comigo, né.
Mas se isso acontecer, eu vou entrar de novo com a medida, vou fazer um novo
boletim de ocorrência e vai ser diferente. Mas acredito que ele não vá entrar em
contato comigo. (Entrevistada XIV).
116
Dentre as entrevistadas contatadas para a realização da presente pesquisa, houve a
retomada do relacionamento conjugal entre vítima e agressor. Neste caso, ocorreram dois
contatos com o casal, através das visitas realizadas pela Patrulha Maria da Penha. Na
primeira visita realizada, o agressor permanecia na residência da família, acompanhado dos
dois filhos comuns. Foi, então, decidido pela equipe que realizava a visitação que o
procedimento adequado seria o de encaminhamento da vítima e do agressor à DEAM. Lá,
ocorreu uma mediação institucional informal com o casal, que, finalmente, optou pela
separação. Neste momento, a mulher foi levada à casa de volta com os dois filhos.
Em uma segunda visita acompanhada, o agressor foi novamente encontrado na
residência familiar. Nesta ocasião, a vítima informou à equipe da Patrulha Maria da Penha
que optado pela não manutenção da medida protetiva de urgência anteriormente solicitada.
Eu desisti da medida pra ele ver as criança, né? Pra ver as criança. Por enquanto, as
coisa têm parado um pouco, né, têm acalmado. Depois, assim... no primeiro
momento que eu fui tirar a medida, antes de tirar a medida... eu não tomei a
decisão antes, primeiro eu fui conversar num advogado, né, que que eu deveria
fazer. Ele me explicou: "se eu fosse tu esperava, dava a audiência e lá vocês
conversam com o juiz e lá vocês dão por terminado, né". Mas daí ele pegou e
começou a chorar como sempre chora, né? Chora na frente do meu pai, chora na
frente do porteiro, eu fico com pena dele... eu fico com pena dele, lá da minha mãe.
Aí falam: "dá uma chance pra esse rapaz, esse rapaz fica dormindo nas esquina, aí,
fica dormindo no chão enquanto tu tá lá dentro de casa. Dá uma chance, mal ou
bem ele que dá a comida, ele que trata bem as criança, né? Tenta tratar bem, leva
ele pra um tratamento, quem sabe ele muda, melhor, né...". E eu acho que, se ele
fosse, ele não seria assim, mas é que ele não vai, ele não aceita, ele não quer, ele
tem vergonha, ele acha que ele é um louco... mas, na nossa mente, ele precisa [...].
(Entrevistada V)
A opção pela manutenção das medidas protetivas de urgência, observada em oito
casos, foi justificada pela imprevisibilidade do comportamento dos agressores, os quais
poderiam (ou não) repetir as agressões. O sentimento de medo marcou fortemente a fala de
quatro entrevistadas:
Olha, o que é penso é assim: hoje a gente tem duas coisas que podem acontecer: ou
ele, de uma vez por todas (porque afinal de contas eu convivi com ele e sei que ele
é um cagãozinho, assim, tem medo de algumas coisas, não é tão machão assim), ou
ele para de vez, respeita o que aconteceu hoje e a maneira até como a juíza falou
com ele ou ele vai chutar o balde! Porque ele falou pra mim várias vezes: "isso só
vai parar quando eu tiver preso ou morto". "Ou eu vou ficar preso ou eu vou ficar
morto pra mim parar de te incomodar". Então vai saber o que se passa na cabeça
dele hoje? Se ele ficou com mais raiva de mim, se vai me fazer alguma coisa? Ou
se ele viu que o negócio é sério e vai parar? Eu não me sinto protegida. Isso não é
proteção. Isso tudo aqui, o papel não vai me dar a proteção que eu preciso, né? Mas
eu vou continuar cautelosa... é aquela coisa, né, cuidando onde tá pisando. Eu vou
continuar. A juíza falou que qualquer coisa que acontecer, qualquer lugar que eu vá
que ele estiver, eu posso chamar a Brigada. Mas até eu chamar a Brigada, eu já tô
morta, entendeu? Um homem de dois metros, com a força o triplo da minha,
117
entendeu? Ele me mata! Então o que eu vou fazer? Vou continuar tendo essa
cautela, esse cuidado. Já não ando mais de ônibus, eu só ando de táxi. Só pego táxi
na minha vida porque... entendeu? Escureceu, eu tô de táxi. Não tem como! Até de
dia, tô sempre esquivada, né. Porque eu tenho medo! (Entrevistada X)
[Suspira] Ah, não sei se isso vai ter solução. Eu acho que é uma coisa que não tem
nem solução na verdade porque eu não sei né, no meu parecer, o homem quando
quer fazer faz mesmo com a medida protetiva, como eu já vi casos. Ó, matou a exmulher e tava com a medida protetiva. Por quê? Porque fez uma arapuca. É como
eu te falei. Ele não vai avisar. Vai ficar quieto. Vai pegar uma hora ali, mata
rapidinho, deu, vai embora. Até chamarem a polícia, até virem as medida
protetiva... o cara já tá lá do outro lado do mundo! Eu acho que isso não é
segurança, se tiver que fazer, vai fazer. Porque também não tem como ficar um
brigadiano 24 horas do lado da mulher, né? Se fosse um brigadiano pra cada
mulher que tivesse medida protetiva, não existiria, eu acho, policiamento no
mundo porque a maioria das mulher passam por isso. Como é que vai, né? Tá me
entendendo o que eu quero dizer? Na verdade, corre um risco eu acho que.. oito
por cento de dez por cento corre o risco, assim. (Entrevistada XIII)
É importante ressaltar que ao mesmo tempo em que todas as mulheres atendidas pela
Patrulha Maria da Penha são informadas sobre os atendimentos da Rede Lilás, especialmente
o CRAS, nenhuma das mulheres entrevistadas no Juizado de Violência Doméstica e Familiar
Contra a Mulher conhecia a rede de atendimento e proteção e tampouco foi informada sobre
seu funcionamento na DEAM ou no próprio juizado ( entrevistadas VIII, IX, X, XI, XII,
XIII, XIV).
Finalmente, entre as entrevistas com agentes institucionais, os períodos de
acompanhamento de atendimentos junto a policiais militares e as entrevistas realizadas com
mulheres vítimas de violências, foi possível perceber um grande desencontro de
informações. O primeiro, está relacionado à existência de um sistema de informações sobre
as vítimas que permitiria a identificação dos casos no momento de novas denúncias e
ligações, mas que o 9º BPM, onde muitas atividades profissionais desenvolvidas foram
acompanhadas para a realização desta pesquisa, não conhece na prática. O único recurso
específico é o telefone celular destinado apenas à Patrulha Maria da Penha daquele batalhão.
Além disso, em todos os momentos em que os profissionais buscavam repassar às
pesquisadoras informações acerca do funcionamento da Patrulha Maria da Penha de maneira
geral, em relação ao seu batalhão e aos outros, os profissionais que formavam as equipes
sempre referiram que todos os registros daquela região lhe eram encaminhandos, sem que
houvesse uma filtragem inicial pela DEAM, de modo diverso ao informado em entrevistas
realizadas, tanto com a delegada titular da DEAM, quanto com a coordenadora regional da
Patrulha.
118
4.4 Considerações sobre o caso de Porto Alegre
Em porto Alegre, duas situações merecem destaque na comparação com as
outras capitais e na avaliação dos resultados de pesquisa aqui apresentados: o papel
desempenhado pela Secretaria da Mulher, vinculada ao Governo do Estado, para a
indução de políticas públicas especificas nas diversas áreas de ação estatal, e os
resultados apresentados pelos programas Patrulha Maria da Penha, da Brigada Militar,
e Sala Lilás, do Instituto Geral de Perícias.
Graças à ação da Secretaria da Mulher, as diversas secretarias foram motivadas
a apresentarem políticas específicas para a questão de gênero. No caso da Segurança
Pública, foi a partir desta cobrança que foram elaborados e implementados os dois
programas acima citados.
O balanço realizado pela Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul,
passado um ano do início das atividades desempenhadas pelo programa Patrulha Maria da
Penha, é bastante positivo, tanto quantitativa quanto qualitativamente. Além dos dados sobre
a quantidade de atendimentos realizados, foram registrados dados sobre os casos em que
vítimas e agressores reestabeleceram suas relações, num total de 216 casos. O desrespeito ao
cumprimento das medidas protetivas de urgência por parte dos agressores foi responsável
pela realização de 109 prisões preventivas.
O trabalho de fiscalização do cumprimento das medidas protetivas de urgência
realizado pela Patrulha Maria da Penha alcançou, em seu primeiro ano de atividades, o
principal objetivo proposto em seu projeto de criação, não tendo ocorrido nenhum caso de
homicídio entre as vítimas acompanhadas pelo programa. A eficácia das atividades
desenvolvidas pelos policiais militares, no que se refere ao seu caráter preventivo, também
pode ser observada através da inexistência do registro de novas ocorrências policiais por
parte das vítimas atendidas pela Patrulha.
No caso do programa Sala Lilás, o balanço também é positivo, pois permitiu
qualificar os serviços de coleta de provas periciais para situações envolvendo violência
contra a mulher, dando a elas um atendimento que passou a zelar pela preservação de sua
intimidade e dignidade, evitando a revitimização. A iniciativa é simples e não envolve
grande investimento, mas foi possível perceber que produz resultados importantes na
percepção das mulheres a respeito do atendimento recebido.
Quanto ao encaminhamento, pela Delegacia da Mulher, das solicitações de medidas
protetivas de urgência, e o andamento do pedido junto ao Poder Judiciário, a pesquisa
119
identificou situação semelhante às demais cidades pesquisadas, com relativa agilidade no
encaminhamento por parte da Polícia Civil, e uma morosidade maior no âmbito do Poder
Judiciário. Percebeu-se também, no entanto, a preocupação da Justiça em garantir o
deferimento das medidas sempre que necessárias, mesmo que com posterior revogação. Há
problemas ainda pela falta de comunicação das medidas para as mulheres solicitantes, e uma
vez concedida a medida muitas vezes o processo fica aguardando a realização do inquérito
ou mesmo a notificação do acusado, que acaba resultando em maior morosidade judicial,
quando não dá margem ao arquivamento do processo. A agilidade dos trâmites policiais e
processuais ainda é um desafio a ser enfrentado pelas estruturas institucionais voltadas ao
atendimento às mulheres vítimas de violência.
120
5. Considerações Finais
Os resultados aqui apresentados, dando conta da aplicação e do acompanhamento das
medidas protetivas de urgência em três capitais brasileiras, cada uma delas com trajetórias
institucionais específicas para o enfrentamento do problema, são bastante ricos e
esclarecedores sobre as idas e vindas, os avanços e dificuldades ainda enfrentadas para que
as mulheres vítimas de violência possam encontrar aquilo que pretendem ao encaminhar o
caso à polícia e se submeterem à administração do conflito pelo Poder Judiciário.
De maneira geral, e procurando realizar uma síntese daquilo que encontramos em
cada uma das cidades pesquisadas, é possível afirmar que:
- A porta de entrada da grande maioria dos casos no sistema de justiça é via
Delegacias de Atendimento à Mulher, seja quando buscam diretamente o registro de
ocorrência, seja quando encaminhadas pela Polícia Militar. A percepção das mulheres a
respeito do atendimento varia, desde aquelas que relatam terem sido muito bem atendidas,
esclarecidas e encaminhadas, até as que manifestam um profundo desconforto com a forma
como foram atendidas na Delegacia. De qualquer forma, qualquer política que pretenda
garantir uma melhor acolhida às mulheres vítimas de violência passa pela qualificação dos
serviços das Delegacias da Mulher, o que inclui também os serviços de perícias, que tem
como exemplo bem sucedido a chamada Sala Lilás, em Porto Alegre, projeto desenvolvido
pelo Instituto Geral de Perícias do RS;
- Uma vez feito o registro da ocorrência e encaminhado o caso ao Poder Judiciário, o
desafio que se coloca diz respeito à necessária rapidez para a análise e deferimento da
medida protetiva de urgência. A previsão da lei é de que em no máximo 96h a medida, caso
se avalie necessário, seja deferida e a mulher comunicada do deferimento. Não é o que
acontece em grande parte dos casos, de acordo com os relatos tanto dos servidores quanto
das mulheres atendidas. Embora haja situações em que a previsão legal foi cumprida, o
tempo médio de tramitação até o deferimento tem ficado em torno de 30 dias, o que pode
significar tanto a total ineficácia da medida quanto o descrédito da vítima sobre a capacidade
do sistema oferecer de fato uma proteção contra novas violências. Em grande medida, a
possibilidade de dar andamento ao pedido em tempo hábil tem dependido, pelo que pudemos
constatar, tanto da iniciativa pessoal de delegadas e juízas, quanto da existência de uma
121
estrutura adequada para que não haja uma excessiva sobrecarga de trabalho nas Delegacias e
Juizados;
- Quanto aos critérios para a concessão da medida, também há disparidade, levando a
situações em que as mulheres manifestam descontentamento quanto à falta de preocupação
do judiciário para com a sua situação específica. Pelo que pudemos constatar, os melhores
resultados neste caso foram obtidos por juízas que optaram por dar prioridade ao pedido e à
palavra da mulher, mesmo correndo o risco de uma posterior revogação da medida por
desnecessária. O fato é que, na ponderação de riscos, a avaliação feita é de que uma medida
de afastamento e manutenção de distância é sempre mais adequada do que a possibilidade de
novas agressões. Somente em casos onde fica evidente a tentativa de utilização dos
mecanismos de proteção para a obtenção de ganhos patrimoniais ou de outro tipo de justifica
o indeferimento da medida, mas são minoritários em relação a um padrão em que o pedido é
importante, no mínimo, para garantir o direito da mulher de ter sua vontade respeitada, com
respeito à sua intimidade e integridade física e moral;
- Quanto à eficácia das medidas, as três cidades estudadas apresentam experiências
importantes, todas elas vinculadas à participação ativa de programas específicos das Polícias
Militares, com visitação e acompanhamento das mulheres sob a tutela das medidas
protetivas. A existência destes programas, ainda muito recentes, tem encorajado e dado a
elas maior confiança na efetividade dos mecanismos judiciais de enfrentamento da violência.
Por outro lado, as carências de efetivo, ou a falta de prioridade para estes programas, acaba
fazendo com que em alguma medida sejam experiências piloto ainda não consolidadas, e
colocadas sobre constante pressão no sentido do seu esvaziamento. Os resultados até aqui
apresentados, no entanto, permitem afirmar que, ao contrário, seria importante sua
ampliação, para que as visitações aconteçam não apenas esporadicamente, mas de forma
periódica, assim como o atendimento a chamados em casos de emergência. Da mesma
forma, os programas de monitoramento eletrônico aparecem como uma possibilidade
interessante de garantia das medidas de afastamento e manutenção de distância, evitando o
encarceramento do acusado;
- Por fim, os três contextos analisados oferecem perspectivas promissoras para o
aperfeiçoamento dos mecanismos institucionais de enfrentamento da violência de gênero,
apontando caminhos capazes de evitar novos casos, encorajar as mulheres, e aumentar o
nível de confiança nas instituições de segurança e justiça. Mas as entrevistas com as
mulheres vítimas revelam também uma insatisfação latente com a ausência de mecanismos
que vão além do tratamento penal do conflito, garantindo atendimento psicológico e
122
assistência social para situações em que muitas vezes por trás do conflito e da violência
encontramos uma grande precariedade material, ou transtornos e sofrimento psíquico que
poderiam e deveriam ser enfrentados de forma mais ampla. Os desafios ainda são imensos
para a garantia de direitos pelo Estado brasileiro, mas a experiência trilhada a partir da
edição da Lei 11.340/2006 mostra que o engajamento institucional de diferentes atores
estatais, aliado à participação ativa de grupos da sociedade civil, e com o constante
monitoramento e avaliação das políticas implementadas, são o caminho mais promissor para
apontar as dificuldades e as possibilidades de superação, na direção de uma sociedade mais
justa, democrática e garantidora dos direitos de todos os seus integrantes.
123
6. Recomendações
6.1 Tendo em vista o fato de que a porta de entrada da grande maioria dos casos no sistema
de justiça é via Delegacias de Atendimento à Mulher, seja quando buscam diretamente o
registro de ocorrência, seja quando encaminhadas pela Polícia Militar, considera-se que
qualquer política que pretenda garantir uma melhor acolhida às mulheres vítimas de
violência passa pela qualificação dos serviços de atendimento nas Delegacias da Mulher,
desde o acolhimento e a coleta do depoimento da mulher até o serviço de perícia e
encaminhamento do caso ao Poder Judiciário. Neste sentido, sugere-se que haja programas
de capacitação permanente dos servidores que atuam nas Delegacias, programas específicos
para a produção de provas periciais, nos moldes da “Sala Lilás”, e a garantia da estrutura
necessária para dar conta da demanda de casos, com o encaminhamento ágil tanto das
solicitações de medidas protetivas de urgência quanto do inquérito policial;
6.2 Tendo em vista o fato de que a previsão da lei é de que em no máximo 96h a medida
protetiva de urgência seja avaliada e, quando for o caso, deferida e a mulher comunicada do
deferimento, e levando em conta que em nenhuma das capitais estudadas este prazo é
cumprido, ficando muitas vezes o tempo médio para o deferimento ou não da medida em
torno de 30 dias, sugere-se que haja uma padronização de procedimentos no trâmite entre a
Delegacia e o Poder Judiciário, e que uma vez chegando à Vara Judicial ou Juizado haja um
acompanhamento informatizado do tempo de tramitação do pedido, assim como a rápida
comunicação à mulher sobre o resultado de sua solicitação. Para tanto, também é importante
o aparelhamento das Varas e Juizados especializados no atendimento dos casos previstos
pela Lei 11.340/2006, para que possam dar conta da demanda. Da mesma forma, considerase adequado o critério apresentado por alguns juízes, que diante da falta de fundamentação
do pedido ou de fundada dúvida a respeito da pertinência da medida, optam pelo
deferimento, uma vez que entendem que a desatenção para com a solicitação encaminhada
poderá produzir consequências mais graves do que aquelas decorrentes da imposição da
medida à parte acusada;
6.3 Para a garantia da eficácia das medidas, os três casos estudados permitem sugerir que há
a necessidade de programas específicos que, uma vez deferido o pedido de medida protetiva
pelo Poder Judiciário, garantam a efetividade das mesmas. De maneira geral, tem sido
atribuição das Polícias Militares a realização deste acompanhamento, e tem havido sucesso
124
quando são cumpridos alguns critérios, como a informação rápida sobre o deferimento da
medida e o perfil dos envolvidos, e garantia de estrutura para que possa ocorrer a visitação e
acompanhamento das mulheres sob a tutela das medidas, que inclui, além do efetivo e
viaturas necessárias para dar conta da demanda, a capacitação específica dos policiais que
atuam neste acompanhamento. Também se sugere a ampliação dos programas de
monitoramento eletrônico para a garantia das medidas de afastamento e manutenção de
distância, mecanismo que, para sua utilização, deve sempre ser utilizado como último
recurso antes da prisão preventiva do acusado, e com a preocupação de evitar a
estigmatização e qualquer outro prejuízo ao indivíduo monitorado.
125
Referências Bibliográficas
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violentos familiares, Lei Maria da Penha e concepções jurídicas no Tribunal de Justiça
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ANEXOS
128
Roteiro de entrevistas semiestruturadas
com operadores do Sistema de Segurança Pública e
Justiça Criminal
1. Polícia Civil:
a. Quais os critérios utilizados pela Delegacia para o enquadramento legal dos casos
registrados na DEAM? Que tipo de ocorrências não se enquadram nas previsões
da Lei Maria da Penha, e não são encaminhadas ao Juizado de Violência
Doméstica e Familiar Contra a Mulher?
b. Como se dá a solicitação e o registro do pedido de medida protetiva na Delegacia
da Mulher?
c. Qual o papel que a Polícia Militar possui na chegada de mulheres às delegacias
de polícia? Há muitos encaminhamentos nesse sentido?
d. Como o pedido é encaminhado ao Juizado? Há fundamentação da solicitação
com base no depoimento da mulher ou na coleta de outras provas? Quais são as
medidas mais solicitadas?
e. A Polícia acompanha a concessão ou não da medida pela Justiça?
f. Como avalia a eficácia das medidas protetivas?
g. A polícia civil possui algum projeto específico (ex. grupo de reflexão) para
homens agressores? E para as mulheres vítimas?
h. O que poderia ser feito para que as mulheres não fossem agredidas múltiplas
vezes por seus parceiros?
2. Poder Judiciário:
a. Qual é a origem mais comum, em termos de solicitação das medidas protetivas:
PM, DEAM, Promotoria de Defesa dos Direitos da Mulher, Defensoria Pública
ou advogado particular? A origem do encaminhamento do caso implica em
diferenças do ponto de vista da medida protetiva solicitada?
b. Quais são as medidas mais solicitadas?
c.
Quais os critério adotados para a concessão ou não da medida protetiva?
d. A medida é concedida ou negada logo após o recebimento da solicitação ou
somente após a realização de audiência com as partes?
129
e. Como ocorre a comunicação da concessão ou negativa da medida para a mulher e
o suposto agressor?
f. Quais são as medidas mais concedidas?
g. Uma vez concedida a medida, há comunicação à polícia (civil ou militar)?
h. Como é o acompanhamento do cumprimento da medida protetiva?
i.
Que providências são tomadas quando há o descumprimento da medida?
j.
No caso de cumprimento integral da medida, que implicações isso tem para o
julgamento do caso?
k. Como avalia a eficácia das medidas protetivas?
l.
O Judiciário possui algum projeto específico (ex. grupo de reflexão) para homens
agressores? E para as mulheres vítimas?
m. O que poderia ser feito para que as mulheres não fossem agredidas múltiplas
vezes por seus parceiros?
3. Ministério Público:
a. Como se dá a atuação do Ministério Público na avaliação da concessão ou não de
medida protetiva de urgência para mulheres vítimas de violência pelo Poder
Judiciário?
b. O MP acompanha o cumprimento da medida?
c. Como avalia a eficácia das medidas protetivas?
d. O Ministério Público possui algum projeto específico (ex. grupo de reflexão) para
homens agressores? E para as mulheres vítimas?
e. O que poderia ser feito para que as mulheres não fossem agredidas múltiplas
vezes por seus parceiros?
4. Defensoria Pública:
a. Como se dá a atuação da Defensoria Pública no pedido de medida protetiva de
urgência para mulheres vítimas de violência pelo Poder Judiciário?
b. A Defensoria Pública acompanha a concessão da medida? E o seu cumprimento?
c. Como avalia a eficácia das medidas protetivas?
d. A Defensoria Pública possui algum projeto específico (ex. grupo de reflexão)
para homens agressores? E para as mulheres vítimas?
e. O que poderia ser feito para que as mulheres não fossem agredidas múltiplas
vezes por seus parceiros?
130
5. Polícia Militar:
a. Existe algum programa específico de acompanhamento da casos de violência
doméstica e familiar contra a mulher na PM? Se sim, como é o programa?
b. Como avalia a eficácia das medidas protetivas de urgência?
c. A Polícia Militar possui algum projeto específico (ex. grupo de reflexão) para
homens agressores? E para as mulheres vítimas?
d. O que poderia ser feito para que as mulheres não fossem agredidas múltiplas
vezes por seus parceiros?
6. Outros programas (monitoramento eletrônico):
a. Como ocorre o encaminhamento dos casos para o programa?
b. Como é feito o acompanhamento do cumprimento da medida?
c. Como avalia a eficácia do trabalho desenvolvido?
d. A SEDS possui algum projeto específico (ex. grupo de reflexão) para homens
agressores? E para as mulheres vítimas?
e. O que poderia ser feito para que as mulheres não fossem agredidas múltiplas
vezes por seus parceiros?
131
Roteiro semi-estruturado para entrevistas com
Mulheres que encaminharam denúncia de violência
doméstica e/ou familiar
a. Já conhecia as medidas protetivas da Lei Maria da Penha? Como tomou conhecimento das
medidas protetivas?
b. É a primeira vez que recebe medida protetiva?
c. Por qual o motivo solicitou medida protetiva? Quais foram as consequências?
e. De que forma (ou através de quem) recorreu à Delegacia da Mulher?
f. Como ficou sabendo que a sua medida protetiva foi concedida?
g. [Porto Alegre, se necessário]: Quando você recebeu a visita da Patrulha Maria da Penha?
Como descreveria essa visita?
h. Como avalia a eficácia da medida? Você se sentiu protegida?
i. Você tem filhos? Como ficou a relação com seu cônjuge depois da medida?
j. Houve descumprimento da medida por parte do agressor?
k. O que poderia ser feito para que o problema que gerou a medida protetiva não se
repetisse?
l. Conhece outras mulheres que também receberam medida protetiva?
m. Como você avaliaria a atuação da Rede Lilás [DEAM, Patrulha Maria da Penha, Juizado,
etc.] no seu caso?
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Projeto BRA/04/029 – Segurança Cidadã