DIRETOS E MEMÓRIA DE UM RATO. ESTUDO ACERCA DO
RELATO DE UM SOBREVIVENTE JUDEU POLONÊS NA SEGUNDA
GUERRA MUNDIAL NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
Edson Wilson
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Em 1992, Maus (do alemão, ratos) de Art Spiegelman recebeu o prêmio
Pulitzer. A obra em questão nasceu quando o autor convenceu seu progenitor, Vladeck
Spiegelman, um judeu polonês, a lhe contar suas venturas e desventuras como um
sobrevivente de Auschwitz. Para ilustrar sua história em quadrinhos, Spiegelman, fez
uso da metáfora visual para representar seus personagens de forma antropomórfica
muito semelhante ao estilo utilizada pelos egípcios para retratar suas divindades. Nesta
alegoria os alemães são gatos, os judeus são ratos, americanos são cachorros e
poloneses são porcos. A memória de Vladeck é colocada em teste por Art, que busca
cada ação, seja ela relevante ou não para seu narrador, para melhor entender e assim
transportá-las para as páginas de sua obra. Neste trabalho mnemônico, o modo como os
judeus vão perdendo sua cidadania, no sentido de regras e por conseguinte seus direitos
humanos, são postos de como Vladeck vai lembrando dos eventos.
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Escritas da História: Ver – Sentir – Narrar
Universidade Federal do Piauí – UFPI
Teresina-PI
ISBN: 978-85-98711-10-2
PALAVRAS CHAVES: SOBREVIVENTES, QUADRINHOS, MEMÓRIA, DIREITOS
HUMANOS.
Para os gregos antigos, as musas, filhas de Zeus e da Mnemosine, deusa da
memória, tinham a função de inspirar, tanto os deuses quanto os homens. A função de
Clio, musa da História, era, além de inspirar aqueles que buscavam relatar o passado, o
de também auxiliar sua mãe, Mnemosine, para que esta não lembrasse dos eventos de
forma errônea. Diferentes de suas irmãs musas, Clio deveria ficar sempre ao lado de sua
mãe e assim, caso em algum momento a memória de sua mãe falhasse ou gerasse
alguma dúvida, deveria ser a filha a lhe socorrer.
Heródoto, que recebeu o título de “pai da história”, procurou relatar a invasão
dos persas sobre as polis gregas, se valendo da memória, seja dele ou de outros que
estiveram presentes. Seu objeto, ao que se tem noticia, era memória de seus
contemporâneos, que haviam participado dos eventos por ele relatado e de alguns
documentos oficiais que lhe embasavam em seu relato. Um de seus livros faz uma
referencia a musa Clio, assim intitulado. Sua preocupação se encontra nos eventos
recentes a sua figura e estão presos ao seu contexto.
Em um conflito temos sempre dois lados, cada qual com suas opiniões e
divergências. Principalmente desde o final do século XVII os pesquisadores do passado
utilizam com mais força os documentos, sejam oficiais ou não para melhor relatarem os
acontecimentos. A erudição se tornou algo preponderante nas pesquisas. Documentar
um evento, uma ação passou a ser mais importante que confiar na memoria daqueles
que lá estiveram presentes. O documento oficial passou a ser sinônimo de confiança e
seguridade para os pesquisadores.
Ao buscar nos documentos o relato de um ocorrido, o historiador não precisa
ficar preso a encontrar pessoalmente aqueles que estiveram presentes e assim colher o
relato deles, ora visto que muitas vezes seus entrevistados se encontram há muito tempo
mortos e sepultados. Além do mais, algumas pesquisas podem abordam nacionalidades
que em nada tem em comum com a do pesquisador. Distância, seja ela física, seja
linguística ou temporal, pode ser facilmente resolvida com esta transposição do relato.
Um pesquisador, com a união dos relatos daqueles que participaram dos eventos
documentados e preservados, pode não apenas trabalhar com um dos lados de um
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conflito, como Heródoto o fez, mas pode analisar os dois lados e assim melhor
compreender os motivos de cada um.
Esta união de memória e documentação, nós remete a obra Maus, do artista
estadunidense Art Spielgman. A obra em arte sequencial, também conhecida como
história em quadrinhos, foi produzida a partir das lembranças de seu pai Vladeck
Spielgman, judeu polonês, sobrevivente do campo de concentração de AuschwitzBirkenau, localizado no sul da Polônia. Uma das preocupações de Art é nos mostrar
como foi a produção da obra, os encontros com Vladeck, os traumas que tanto pai,
quanto filho possuem, as dificuldades de convivência, seus problemas, dúvidas e
sofrimentos.
Eclésia Bosi comenta na introdução de seu livro Memória de Velho, sobre a
importância de um vinculo de amizade e confiança entre o observador e o “objeto de
pesquisa”. O narrador precisa ter confiança no seu ouvinte, para lhe revelar seus
segredos, dúvidas e alegrias, assim como o pesquisador que precisa saber ouvir seu
“objeto de pesquisa”. Se o narrador não sentir confiança em seu ouvinte, a pesquisa não
terá resultados, a confiança é o segredo do sucesso. O que vemos com Art e Vladeck é o
trabalho ombro a ombro em visitas do primeiro ao segundo. Visitas que no inicio são
esporádicas, mas que com o passar do tempo se tornam frequentes. A relação, como já
anunciada, é de pai e filho, porém são dois indivíduos que pouco conversavam sobre
eles mesmo, se tornando assim, ilustres desconhecidos. Mas nosso artista não é
um observador participante, que pode deixar seu narrador abandonado e nunca mais
retornar ao seu contato ou convívio caso a situação complique. Eles possuem
uma comunidade de destino, sem retorno as suas condições antigas.
A obra ganhou destaque devido ao modo como foi elaborada e produzida.
Diferente de outras obras de conteúdo gráfico dramático e soturno, Art preferiu fazer
uso de uma linguagem mais metafórica, transpondo o universo dos animais
antropomórficos para esta realidade, graças a um artigo de jornal de Pomerânia, em
meados da década de 1930:
Mickey Mouse é o ideal mais lamentável de que se tem notícia [...] As
emoções sadias a todo rapaz independente, todo jovem honrado, que
um ser imundo e pestilento, o maior portador de bactérias do reino
animal, não pode ser o tipo ideal de animal [...] Abaixo a brutalização
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do povo propagada pelos judeus! Abaixo Mickey Mouse! Usem a
Suática!
Esta referencia com Mickey Mouse, Walt Disney e os judeus não faz muito
sentido, a priori. Ora visto que nem o criador não era origem judaica, nem a criatura
fazia tal menção sobre a sua origem étnica. Mas a quebra da bolsa de valores de New
York, em 1929, atingiu a fraca economia da República de Weimar, pois logo após o fim
da I Grande Guerra, os Estados Unidos ficaram de apoiar o país no sentido econômico.
Com a crise, os Estados Unidos pararam de ajudar a fraca economia, fazendo com que
os dirigentes adotassem medidas duras para conter o gasto estatal, entre elas, cortar os
gastos públicos, cortou completamente todos os fundos públicos ao programa de ajuda
social para desempregados. Em sentido invero, o personagem de Walt Disney, que
nascera em 1922, crescia tanto em fama quanto a conta bancaria de seu criador.
Provavelmente o fato de Mickey ser um camundongo e de como o ariano olhava os
judeus, como seres inferiores, gerou tal comparação.
No entanto se os judeus são comparados a ratos, imundos e pestilentos, então
são os opositores do ariano, com seu ideal de pureza e dignidade. O übermensch, ideal
do filosofo alemão Friedrich Nietzsche de super-homem, em seu livro Assim Falou
Zaratustra, foi pervertido pelo nazismo para representar a imagem de pureza e
grandiosidade. Observando esta colocação, e notando que na natureza, os gatos
perseguem e caçam os ratos, os judeus devem ser perseguido pelo ariano, o ser
pestilento deve ser abatido pelo homem superior. Nesta cadeia montada, sobra aos
estadunidenses à posição de cães, não que vão proteger os ratos, mas sim que irão caçar
os gatos, se bem que neste caso não temos nenhuma referencia maior ou intelectual,
apenas uma questão de ordem, com os alemães ao centro, os soviéticos combatiam no
leste e os estadunidenses no oeste. Poloneses e franceses para Art, são colocados como
porcos para o primeiro e gansos para o segundo. Esta colocação se baseia na percepção
que o artista tem das duas sociedades, quando se referem ao judaísmo. Vale neste
momento um detalhe curioso, a esposa de Art é francesa, porém ela sempre aparece com
rata, devido à sua conversão ao judaísmo. Distante, estão os soviéticos, que não são
apresentados, visto que Vladeck não teve contato com eles, mas sim esposa Anja, que
não aparece na história por ter cometido suicídio em 1968.
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Segundo Pierre Nora, “a memória é a presentificação do passado através de
uma linha contínua de rememoração”. Este passado para Vladeck esta distante, perdido
em algum ponto idílico, onde a vida pode ser divida em três momentos distintos. A vida
antes da guerra e da perseguição nazista aos judeus; a luta pela sobrevivência ao lado da
família; o tempo presente, com as dificuldades e agruras de estar distante de seu passado
idílico.
Art faz em alguns momentos o papel de Clio para Vladeck. Procura mantê-lo
dentro da linha contínua dos fatos e eventos. Em alguns momentos nosso narrador foge
das datas ao qual havia começado a falar. Para Art, esta cronologia é fundamental, visto
que “é o ponto central do funcionamento da sociedade”, segundo Le Goff. Esta divisão
temporal é sem sombra de dúvida uma necessidade humana para melhor entender os
eventos. A memória não esta ligada a esta necessidade temporal engessada de tempo
controlado por calendário, esta estrutura serve para não nos perdermos em um
emaranhado de colocações e situações. “O antes e o depois existem no tempo” segundo
Ricoeur, onde o antes e o depois rege nossa estrutura social. Em certos momentos
Vladeck deseja falar de um evento ou fato que esta fora da cronologia iniciada e Art
precisa cortar seu pai, colocando-o dentro da narrativa cronológica, estes cortes ocorrem
por conta de história e para transcorra num entendimento, tanto para o artista para quem
esta lendo.
Por outro lado, quando falamos em memória e história, disciplina, existe uma
mudança significativa. Seguindo Nora, “A memória é um fenômeno sempre atual, um
elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado”. A memória
precisa ser continua se comparada a história, que possui uma estrutura de ruptura
temporal. Quando Vladeck deseja falar de algum evento que não esta associado a
cronologia, ele este ligado a algum detalhe em especial que o fez lembrar. O conto do
sobrevivente esta repleto de idas e vindas, caminhando tranquilamente entre o passado e
o presente num vai e vem constante. Cada capítulo da obra inicia-se no presente e após
alguns quadros, nós leva as lembranças de Vladeck.
A memória do sobrevivente é construída de forma tranquila. O peso da
construção não é de forma oficial ou rígida. Tudo se faz nas visitas de seu filho, que vai
colhendo os relatos, primeiro em anotações em cadernos, posteriormente em gravações.
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Um dos momentos mais curiosos entre pai e filho é exatamente a maneira como os dois
vão resolvendo suas diferenças. Notamos que a batalha por sobreviver causou em
Vladeck traumas profundos, aos quais foram fundamentais na formação de seu filho.
Mas não é Art quem mais sofre com os problemas de nosso narrador, mas sim sua
segunda esposa Mala, também sobrevivente dos campos de concentração. Ela se refere a
Vladeck como a caricatura exata do judeu sovina, que sofre para gastar alguns centavos,
mesmo que necessário. Ela faz alguns comentários, breves por sinal, mas não tem seus
relatos desenhados, assim como o psicólogo de Art, Pavel, judeu tcheco, que também
passou por Auschwitz-Birkenau. Estas passagens nos remete a memória coletiva.
Segundo Nora, “A memória emerge de um grupo que ela une”, esta união é
fundamental para a memória coletiva, pois ela ira fortalecer e complementar a
construção mnemônica. Para Halbwach:
Haveria então memórias individuais e, se o quisermos, memórias
coletivas. Em outros termos, o indivíduo participaria de duas espécies
de memórias. Mas, conforme participe de uma ou de outra, adotaria
duas atitudes muito diferentes e mesmo contrárias.
Vladeck ao falar do seu primeiro filho Richieu, nos revela esta possibilidade.
Declara ao Art em uma caminhada: “Ach, nosso lindo garoto. Descobrimos muito
depois”, esta união de lembranças nos trás esta memória coletiva. Richieu estava em
Zawiercie, em companhia de Tosha, irmã mais velha de Anja, quando os alemães
decidiram acabar com o gueto. Vladeck e Anja estavam com a família em Srodula,
vilarejo próximo a Sosnowiec. A construção de outrem se une a sua construção, e assim,
nosso narrador pode unir os eventos distantes, ao qual, apesar de serem
contemporâneos, estavam ocorrendo em outro lugar. Estar presente, não significa saber
ou ter conhecimento de tudo que ocorre. As informações são postas e colocadas de
forma separada, que serão montadas ou construídas em outro momento.
Ao reconstruir sua memória, Vladeck trás um período de dor e sofrimento.
Estamos acostumados, de certa forma, a ver a perseguição dos nazistas contra os judeus
alemães. A subida de Hitler, a Noite dos Cristais Quebrados, a perda de liberdade antes
da guerra. No caso de Maus, temos a perseguição nazista aos judeus, na Polônia,
durante o período de guerra, quando os alemães invadiram e a ocuparam, perseguindo e
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retirando os direitos básicos do homem em menos tempo que no caso germânico e de
forma mais agressiva.
O totalitarismo não se preocupa com o individuo ou com seus direitos, tudo
deve girar em torno do Estado. O indivíduo, como uma peça na engrenagem dentro do
sistema, terá sua tradição e estrutura social modificada em prol do Estado. Diferente de
um regime democrático ou mesmo de outros regimes autocráticos como o despotismo
ou a tirania, seu principal objetivo é eliminar a vontade e espontaneidade do indivíduo
em prol de uma estrutura estática e pragmática, o Estado.
Baseado nesta estrutura pragmática, o ser inferior não tem vez ou direito. O
indivíduo que não se enquadra deve ser eliminado, isolado ou mesmo erradicado para
não atrapalhar o desenvolvimento do sistema, humanos são seres supérfluos, como uma
peça de máquina que pode ser trocado, substituído a qualquer momento. A operação que
um faz, qualquer outro pode realizar. Não há vontade ou qualificação, todos são iguais
em estrutura e formação. Mas este “igual” só é possível se, e somente se, fazem parte da
mesma estrutura. O super-homem de Nietzche, então de forma distorcida deveria ser o
ariano. Mas distante do pensamento do filosofo, o individuo ariano não existiria, visto
que a politica totalitarista não previa a existência dele. Um ser diferenciado e isolado da
sociedade, que superado e derrotado por uma proposta mais eficiente e vencedora, o que
não se mostrou muito eficaz na Olimpíada de Berlin de (1934\36), patrocinado pelo
Estado nazista, onde o atleta negro estadunidense Jesse Owens ganhou quatro medalhas
no atletismo ou a arqueira judaica (Tenho de procurar o nome da atleta) abateu,
literalmente, os alvos na competição de arco e flecha. O übermesch nietzschiano deveria
possuir, ainda, uma criatividade fortemente influenciada para superar o velho e criar
sempre o novo e estar num processo continuado de superação de si mesmo, algo
completamente distante do pensamento nazista.
Para os moldes do Estado nazista, o judeu era um ser inferior, dispensável, não
funcional, inventivo ou mesmo incapaz de ganhado prêmios. Uma das primeiras leis
assinados por Adolf Hitler foi eliminar qualquer não ariano dos cargos públicos. A lei
afetou alguns setores onde havia muito trabalho judaico, como nos Institutos Kaiser
Guilherme. A quantidade de prêmios Nobel concedidos entre os anos de 1901, quando
instituído, até 1932, ano anterior à ascensão de Adolf Hitler, nada menos de 33 foram
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ganhos por alemães ou por cientistas que trabalhavam na Alemanha. Dos agraciados
com o reconhecimento pelo trabalho nos estudos em química, física, biologia e
medicina, cerca de 25% eram de origem judaica. Muitos destes cientistas conseguiu
abandonar a Alemanha e conseguir asilo na Grã-Betanha, nos Estados Unidos ou
mesmo na URSS, no caso dos comunistas. O caso que mais chama a atenção se refere a
Albert Einstein. Independente de já possuir um prêmio Nobel de física, em 1922, com
sua pesquisa sobre o efeito fotoelétrico e de sua fama com a teoria da relatividade, foi
perseguido, por ser judeu. Ao saber que Hitler havia alcançado a chancelaria, Einstein
pronunciamento ao jornal New York World Telegraph:
Na medida em que eu tenha qualquer opção, só viverei num país onde
prevaleçam a liberdade civil, a tolerância e a igualdade de todos os
cidadãos perante a lei. Liberdade civil implica liberdade de manifestar
as convicções politicas individuais, falando ou escrevendo; tolerância
implica respeito às convicções dos outros, quaisquer que sejam. No
momento presente, estas condições não existem na Alemanha.
A perda da liberdade é justificada, pelo Estado fascista/nazista, como sendo
necessário. Aos poucos os judeus deixam suas casas, suas lojas e fabricas, por força do
Estado. São alocados em guetos, cerceados de outros direitos, e por fim enviados aos
campos de concentração. Com o judeu alemão, este é um processo gradativo e lento, se
compararmos ao judeu polonês. Vladeck relata o processo de limitação da liberdade, da
falta de comida e da dificuldade de conseguir algum produto. Não importava se a
família possua posses ou se não, neste sentido, todos eram tratados como iguais. Esta
imposição colocava o judeu em igualdade, mas devemos notar que a igualdade neste
sentido foi produzida pela desigualdade.
A quebra dos direitos humanos pela política totalitária fascista/nazista inicia-se
ao separar os seres humanos em desigualdade. A segunda geração dos direitos se baseia
exatamente na igualdade, “todos são iguais”. Mas esta igualdade não esta relacionada a
todos pensarem e agirem de forma uniforme, vontade do totalitarismo. Considerar o ser
humano como uma peça de maquinário, como já ressaltando anteriormente, revela uma
falta de visão mais objetiva, ao qual a uniformidade apenas coloca todos num estagio de
estagnação, pois o crescimento do individuo é negado. Para Maria Victória Benevides, a
igualdade tornou-se o direito mais complexo de ser entendido, graças a um equívoco
primordial: “o direito a igualdade pressupõe, e não é uma contradição, o direito à
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diferença”. Diferença esta que não esta relacionada com graus, valores de inferioridade
ou superioridade. Em Maus, temos a valorização de superioridade, com os personagens
sendo postos de modo antropomórficos. A separação em ratos, gatos ou cachorros, nos
conduz a uma estrutura de separação, que deve ser entendido pelo modo como os
arianos olhavam para os judeus. Esta diferenciação esta associada a valorização. Ao
olharmos atentamente para o direito a igualdade, podemos observar a diferença entre os
dois modos. Ser igual é respeitar a diferença do outro e aceita-lo como ele o é.
Liberdade e igualdade são os pilares dos direitos humanos, pilares dilacerados
por uma política oficial excludente, separatista, segregacionista e voltada à perseguição
e eliminação do individuo que não comunga com suas ideias. Estamos acostumados a
nós ater apenas ao caso dos judeus perseguidos, mas pouco é falado dos ciganos, dos
comunistas ou mesmo dos alemães que não aceitavam a divisão social realizada pelo
Estado.
Os direitos humanos, pelas palavras de Vladeck foram ignorados, quebrados,
dilacerados e lançados ao esquecimento, porém nosso narrador não faz menção direta a
eles, visto que não fazia relação. Como os direitos humanos são naturais, universais,
históricos, indivisíveis e interdependentes, não podem ser fracionados ou subdivididos.
O Estado alemão privou a liberdade, torturou, perseguiu e matou milhares de pessoas
que não estavam no seu ideal de pureza e perfeição. Ao reconstruir sua memória, com a
ajuda de Art, nosso narrador nos revela um passado de alegrias e sofrimentos. Em seu
corpo quebrado, envelhecido, com um olho de vidro, sentindo saudade de tempos e
pessoas queridas que se perderam por conta de uma guerra ao qual ele foi pego, apenas
por ser de uma “raça” dita como inferior, suas memórias e lembranças se tornam seu
legado, mais belo e duradouro legado, graças aos ratos e gatos de seu filho, que
registrou e publicou.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENEVIDES, Maria Victoria. Direitos Humanos e Cidadania - São Paulo: Instituto de
Estudos Avançados/USP.
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BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de
política – Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva – São Paulo: Editora Vertice, 1990.
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: Um diálogo com o pensamento
de Hannah Arendt - São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
LE GOFF, Jaques. História e memória – 5 º edição – Campinas, SP: Editora da
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MEDAWAR, Jean & PYKE, David. O presente de Hitler: Cintistas que escaparam da
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NORA, Pierre, “Entre memória e história: a problemática dos lugares”. Revista Projeto
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RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento – São Paulo: Editora
UNICAMP, 2007.
SPIEGELMAN, Art. Maus: A história de um sobrevivente – 11º Reimpressão – São
Paulo: Companhia das Letras, 2009.
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diretos e memória de um rato. estudo acerca do relato de um