Fernanda Aparecida Ferreira
.DEMONSTRAÇÕES
EM GEOMETRIA EUCLIDIANA: O USO DA
SEQUÊNCIA DIDÁTICA COMO RECURSO METODOLÓGICO EM
UM CURSO DE LICENCIATURA DE MATEMÁTICA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ensino de Matemática
da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Ensino
de Ciências e Matemática.
Belo Horizonte
2008
2
À
Você, que hoje mora além do
horizonte, em um lugar tranqüilo
e
bonito,
dedico
minha
dissertação. Espero que esteja
orgulhoso pai.
3
AGRADECIMENTOS
A minha querida mãe (Fátima) e irmã (Flávia), por serem fonte de inspiração e
compreenderem minha ausência durante a realização da Pesquisa.
Ao meu cúmplice de vida Ériks Vargas, pelas palavras de incentivo nos
momentos certos e carinho incondicional.
Ao grande mestre, Dr. Dimas Felipe de Miranda, que iluminou minhas idéias
com suas preciosas considerações e conhecimentos. Agradeço sua confiança
no meu trabalho.
Ao corpo docente do Mestrado por contribuir com meu aprofundamento teórico.
Aos amigos do Mestrado, pelos momentos compartilhados e força nas horas
difíceis.
Ao amigo Dr. João Bosco Laudares por ser o impulsionador da minha
caminhada em direção a produções acadêmicas.
A todos os funcionários do Programa de Pós-Graduação em ensino de
Ciências e Matemática da PUC/MG pelo suporte. Em especial a prestativa
Ângela Augusta, secretária e amiga.
A direção da Fundação Helena Antipoff por permitir que a pesquisa fosse
realizada nas suas dependências.
Aos alunos do 4º período do curso de Licenciatura em Matemática sem os
quais este trabalho não teria acontecido.
A ajuda dos familiares e amigos.
E por fim, agradeço a Deus pelo consolo, conforto e abertura de novas portas
no meu caminho. A ELE meu maior agradecimento.
4
“A arte de raciocinar consiste em
agarrar o assunto na ponta certa,
apoderar-se das poucas idéias gerais
que iluminam o todo e arregimentar
persistentemente
todos
os
fatos
subsidiários ao redor... Creio que para
esta
espécie
de
treinamento
a
Geometria seja melhor que a Álgebra”.
Whitehead
5
RESUMO
A experiência profissional e pesquisas realizadas em educação matemática
constatam as dificuldades que alunos de licenciatura em matemática sentem
ao se depararem com problemas geométricos que envolvem demonstrações.
Esta pesquisa tem como proposta de trabalho fazer uma abordagem acerca da
demonstração em geometria euclidiana, focando aspectos de ordem teórica e
pedagógica, de forma que esta auxilie na compreensão do que é uma
demonstração e sua importância na teorização da matemática. O intuito do
trabalho é apresentar uma estratégia metodológica que contribua para suavizar
as dificuldades constatadas. Para tal, foi elaborada, aplicada e analisada uma
seqüência didática em um curso de formação de professores de matemática,
na qual a demonstração se caracterizou mais como uma hierarquização de
processos do que como uma hierarquização de conteúdos, elucidando sua
engenharia com o uso de “técnicas de demonstração”. O aporte teórico baseiase nas idéias de Raymond Duval sobre o conhecimento geométrico e a
importância dos registros de representação semiótica para a aquisição e a
compreensão
do
mesmo.
Conhecimentos
acerca
da
demonstração
matemática, seu ensino, suas particularidades e características também foram
abordadas, norteando e direcionando o desenvolvimento da seqüência
didática.
Palavras-chave: demonstração, geometria, técnicas de demonstração, registros
de representação, atividades geométricas, formação de professores.
6
ABSTRACT
The professional experience and research carried through in mathematical
education evidence the difficulties that students of licenciatura in mathematics
feel to if coming across with geometric problems that involve demonstrations.
This research has as work proposal to make a boarding concerning the
demonstration in Euclidean geometry, focusing aspects of theoretical and
pedagogical order, so that this assists in the understanding of what is a
demonstration and its importance in the theorization of mathematics. The
intention of the work is to present a methodology strategy that contributes to
minimize the evidenced difficulties. For such, it was elaborated, applied and
analyzed a didactic sequence in a course of formation of mathematics
professors, in which the demonstration if it characterized more as a hierarchy of
processes than as a hierarchy of content, elucidating its engineering with the
use of "demonstration techniques". It arrives in port it theoretical is based on the
ideas of Raymond Duval on the geometric knowledge and the importance of the
representation registers semiotics for the acquisition and the understanding of
it. Knowledge concerning the mathematical demonstration, its education, its
particularitities and characteristics had also been boarded, guiding and directing
the development of the didactic sequence.
Key words: demonstration, geometry, techniques of demonstration, registers of
representation, geometric activities, formation of professors.
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Processos cognitivos, segundo Duval (1995)...............................................................................20
Figura 2: Problema de área.................................................................................................................24
Figura 3: Representação gráfica de uma circunferência..............................................................................28
Figura 4: Representação geométrica: retas..................................................................................................31
Figura 5: Representação geométrica: ângulos.............................................................................................31
Figura 6: Modelo utilizado para trabalhar técnicas de demonstração..........................................................78
Figura 7: Esboço comum entre os alunos que fizeram a Seqüência didática............................................127
Figura 8: Representação figural dada pelo aluno.......................................................................................134
Figura 9: Representação geométrica feito por um dos alunos para a questão 2........................................148
Figura 10: Alunos discutindo sobre as atividades......................................................................................173
Figura 11: Alunos resolvendo as atividades em dupla...............................................................................173
Figura 12: Alunos realizando individualmente as atividades....................................................................174
Figura 13: Parte da turma pensando nas atividades...................................................................................174
Figura 14: Parte da Atividade I da seqüência feita por um dos alunos......................................................175
Figura 15: Parte da Atividade I da seqüência feita por um dos alunos......................................................176
Figura 16: Parte da Atividade I da seqüência feita por um dos alunos......................................................177
Figura 17: Parte da Atividade II da seqüência feita por um dos alunos....................................................178
Figura 18: Parte da Atividade II da seqüência feita por um dos alunos....................................................179
Figura 19: Parte da Atividade III da seqüência feita por um dos alunos...................................................180
Figura 20: Parte da Atividade III da seqüência feita por um dos alunos...................................................181
Figura 21: Parte da Atividade III da seqüência feita por um dos alunos...................................................182
Figura 22: Parte da Atividade IV da seqüência feita por um dos alunos...................................................183
Figura 23: Parte da Atividade IV da seqüência feita por um dos alunos...................................................184
Figura 24: Parte da Atividade IV da seqüência feita por um dos alunos...................................................185
Figura 25: Parte da Atividade V da seqüência feita por um dos alunos....................................................186
8
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Formação Básica ..............................................................................................................67
Gráfico 2: Análise quantitativa da questão 1...............................................................................................68
Gráfico 3: Análise quantitativa da questão 2...............................................................................................68
Gráfico 4: Análise quantitativa da questão 3...............................................................................................69
Gráfico 5: Análise quantitativa da questão 4...............................................................................................69
Gráfico 6: Análise quantitativa da questão 5...............................................................................................69
Gráfico 7: Análise quantitativa da questão 6...............................................................................................70
Gráfico 8: Análise quantitativa da questão 7...............................................................................................70
Gráfico 9: Análise quantitativa da questão 8...............................................................................................70
Gráfico 10: Análise quantitativa da questão 9.............................................................................................71
Gráfico 11: Análise quantitativa total..........................................................................................................71
9
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Solução apresentada por um dos alunos para a demonstração do teorema 3...........................140
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................12
1.1 Nossa proposta...................................................................................................................................12
1.2 Procedimentos metodológicos da pesquisa........................................................................................14
1.2.1 Engenharia didática.....................................................................................................................14
1.2.2 Caracterização do processo da pesquisa.....................................................................................15
Primeira Fase – Análises preliminares.........................................................................................................15
Segunda Fase – Análise a priori e formulação da seqüência didática.........................................................16
Terceira Fase – Experimentação..............................................................................................................16
2 CONSTRUINDO NOSSOS FUNDAMENTOS......................................................................................19
2.1 Raymond Duval.................................................................................................................................19
2.2 As funções das representações no ensino/aprendizagem da matemática...........................................26
2.3 Obstáculos em procedimentos...........................................................................................................32
2.4 O ensino de geometria: o papel da demonstração..............................................................................33
2.5 A demonstração nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) ....................................................39
2.6 A formação de futuros professores de matemática............................................................................42
3 DEMONSTRAÇÃO MATEMÁTICA: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS, FILOSÓFICAS E
EPISTEMOLÓGICAS.................................................................................................................................46
3.1 O surgimento da demonstração..........................................................................................................46
3.2 O papel da demonstração no olhar da filosofia..................................................................................51
3.2.1 Intucionistas................................................................................................................................52
3.2.2 Logicismo...................................................................................................................................55
3.2.3 Formalistas..................................................................................................................................58
3.3 Estudo epistemológico ......................................................................................................................60
4 PROBLEMATIZAÇÃO E HIPÓTESES DE PESQUISA.......................................................................66
4.1 Questionário.......................................................................................................................................66
4.1.1 População ...................................................................................................................................66
4.1.2 Dados e análise...........................................................................................................................67
4.1.3 Análise das respostas dos alunos - dados quantitativos..............................................................67
4.1.4 Análise qualitativa das respostas dos alunos.............................................................................71
4.2 Problemática......................................................................................................................................73
4.3 Hipóteses levantadas..........................................................................................................................74
5 A SEQÜÊNCIA DIDÁTICA....................................................................................................................76
5.1 Finalidade da seqüência didática.......................................................................................................76
5.2 Concepções do modelo proposto.......................................................................................................78
5.3 Engenharia da seqüência didática......................................................................................................81
5.4 Aplicação da seqüência didática........................................................................................................84
5.5 Atividades da seqüência – Apresentação e Descrição.......................................................................85
...................................................................................................................................................................124
6 ANALISANDO OS RESULTADOS.....................................................................................................124
6.1 Análise individual das atividades da seqüência didática.....................................................................125
6.2 Análise geral das atividades da seqüência didática..........................................................................150
6.2.1 Retomando nossa problemática................................................................................................150
6.2.2 Retomando alguns dos obstáculos enfrentados.........................................................................152
6.2.3 Retomando nossas hipóteses de pesquisa.................................................................................154
6.2.4 Retomando nossas expectativas com a aplicação da seqüência................................................156
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO.....................................................................................158
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................................................163
Referências Complementares.....................................................................................................................169
APÊNDICE A – Questionário aplicado aos alunos...................................................................................171
ANEXO A – Fotos dos alunos desenvolvendo a seqüência didática.........................................................172
ANEXO B - Atividades produzidas pelos alunos......................................................................................175
11
1 INTRODUÇÃO
1.1 Nossa proposta
No decorrer de nossa experiência acadêmica, inquietações têm surgido
acerca da demonstração em Geometria. Dificuldades de várias ordens são
observadas e apontadas por profissionais da área, tanto no que se refere ao
uso da demonstração no ensino de Geometria quanto à sua aprendizagem.
Atuamos em um curso de formação de professores de Matemática,
lecionando a disciplina Geometria Espacial. Preocupa-nos a forma como
futuros professores vêm estudando e se preparando para ensinar Geometria,
especialmente no que se refere ao envolvimento e ao tratamento que
dispensam às dificuldades apresentadas, quando se deparam com problemas
geométricos que abordem uma demonstração. Tais dificuldades, normalmente,
fazem com que os futuros professores desistam da solução desses tipos de
problemas ou simplesmente os ignorem. Isso acontece pelo fato de eles não
estarem preparados para entender e organizar um encadeamento de
conhecimentos ou processos exigidos para a constatação ou prova de uma
proposição Matemática.
Quando se fala em Matemática, é comum que o termo “demonstração”
esteja associado a esse conhecimento. A demonstração desempenha um
papel central na teorização da matemática e no desenvolvimento do raciocínio
lógico dedutivo. Mas, por motivos de limitações diversas, constatamos que, de
maneira geral, o processo de formação de professores nesta área pouco está
contribuindo para que o formando se prepare e desenvolva habilidades para
lidar com a teoria e o raciocínio matemáticos.
Por isso, nesta pesquisa, decidimos trabalhar com “técnicas de
demonstração” no ensino de Geometria Euclidiana, envolvendo alunos de um
curso de formação de professores de Matemática. A nossa proposta foi
preparar, testar, analisar e disponibilizar um material didático de alcance
formativo (aprendizagem) e pedagógico (ensino). A intenção é a de que o
12
trabalho contribua para o desenvolvimento de habilidades e de conceitos
geométricos, de raciocínio lógico e, em suma, de compreensão do processo de
demonstração em Geometria.
Para tal finalidade, elaboramos uma seqüência didática em cinco
sessões, cada qual com seu objetivo específico e suporte teórico, conforme
relatados no corpo deste trabalho.
Após este capítulo de Introdução, o trabalho apresenta mais seis
capítulos,
a
matemática:
saber:
Construindo
considerações
nossos
históricas,
fundamentos;
filosóficas
e
Demonstração
epistemológicas;
Problematização e hipóteses de pesquisa; A seqüência didática; Analisando os
resultados obtidos e, por fim, as Considerações finais e conclusão.
Em “Construindo nossos fundamentos”, apresentamos as considerações
de Raymond Duval sobre os processos cognitivos envolvidos na aquisição de
conceitos geométricos e as funções das representações semióticas neste
processo. Expomos também considerações da Educação Matemática acerca
do ensino das demonstrações e da formação de professores para tal fim.
Evidenciamos as propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais, no que
tange ao trabalho com as demonstrações.
Elucidamos a evolução da demonstração no capítulo “Demonstração
matemática: considerações históricas, filosóficas e epistemológicas” ao longo
da história da Matemática, considerando o posicionamento de matemáticos,
filósofos e educadores.
A partir de nossa fundamentação teórica e experiência profissional,
delimitamos
nossa
“Problematização
e
as
hipóteses
de
pesquisa”,
apresentando também um diagnóstico que corrobora nosso posicionamento.
No capítulo “Seqüência didática”, expomos sua concepção, bem como
finalidades e objetivos. Uma descrição de cada atividade da seqüência é
apresentada, assim como os procedimentos de sua aplicação.
13
Posteriormente, apresentamos “Analisando os resultados obtidos” com a
aplicação da seqüência. Retomamos nossa problemática, nossas hipóteses e
nossas expectativas, à luz do referencial teórico.
Finalmente, no capítulo “Considerações finais e Conclusão”, refletimos
sobre os resultados alcançados e as contribuições da aplicação da seqüência
didática, sugerindo novas abordagens no modelamento das atividades, com a
intenção de minimizar as dificuldades percebidas ao longo da pesquisa.
1.2 Procedimentos metodológicos da pesquisa
1.2.1 Engenharia didática
Nossa metodologia de trabalho tem como premissa o fato de que uma
investigação baseada em realizações didáticas de uma disciplina deve ser
norteada pelo duplo movimento entre teorização e validação experimental.
Sendo assim, orientamos nosso trabalho pela teoria de Duval e pelos
procedimentos característicos de uma engenharia didática (Artigue, 1992) que,
como metodologia de pesquisa, se propõe a esquemas experimentais
baseados na concepção, na realização, na observação e na análise de
seqüências didáticas (Chevallard, 1982).
A engenharia didática, conceito que surgiu em meados da década de
1980, é apresentada por Artigue (1989) como um trabalho que se assemelha
ao do próprio engenheiro. Isto é, ao realizar um projeto, o engenheiro apóia-se
sobre o conhecimento científico de seu domínio, submete-se a um controle
científico e, ao mesmo tempo, encontra-se obrigado a trabalhar com objetos
menos precisos que os científicos. Com o professor não é diferente, uma vez
que, ao elaborar ou a escolher uma seqüência didática, devem ser levados em
conta de forma integral: o domínio do conhecimento (científico), o
conhecimento prévio do aluno (não científico) e o papel do professor e dos
seus alunos (submissão de controle).
14
O processo experimental da Engenharia Didática é composto de quatro
fases:
•
análise preliminar: fase que fundamenta a construção da seqüência
didática;
•
análise a priori: momento de decisão sobre quais variáveis didáticas
serão trabalhadas, fase composta de uma parte descritiva e outra de
previsão de resultados;
•
experimentação: realização das seqüências didáticas e da observação
dos alunos e professor;
•
análise a posteriori e validação: confrontação entre as análises e
validação das hipóteses de pesquisa.
Por meio da concepção de Engenharia Didática, que pressupõe uma
produção para o ensino, elaboramos uma Seqüência Didática, orientando o
trabalho de acordo com as fases do processo experimental.
1.2.2 Caracterização do processo da pesquisa
Primeira Fase – Análises preliminares
•
Fundamentação teórica baseada nos trabalhos de Duval sobre registros
de representação e suas relações com a aquisição de conhecimento
matemático, prioritariamente no processo de demonstração.
•
Estudos históricos, epistemológicos e filosóficos sobre o papel da
demonstração na matemática e no ensino de Matemática.
•
Análise das propostas curriculares para o ensino de Matemática e,
especificamente, o de Geometria.
•
Estudo sobre o atual ensino de Geometria e como a demonstração tem
sido trabalhada.
•
Estudo sobre a formação dos professores de matemática no que tange
ao ensino de Geometria, focando o papel da demonstração.
15
•
Estudo sobre as concepções dos futuros professores com relação ao
ensino de Geometria e das demonstrações (levantamento de dados
através de questionário).
•
Delimitação da problemática e de nossas hipóteses de pesquisa.
Segunda Fase – Análise a priori e formulação da seqüência didática
•
Criação e formatação da seqüência, de acordo com o objeto de estudo.
•
Controle da situação didática por meio de escolhas pré–determinadas na
formatação da seqüência didática, conforme referencial teórico.
Ressaltamos que, nesta fase, de acordo com o que se propõe a
metodologia da engenharia didática, deveríamos fazer uma análise a priori dos
resultados esperados pelos alunos durante o desenvolvimento da seqüência
didática. Porém, na elaboração da seqüência, tentamos fazer com que as
atividades escolhidas, em cada situação, conduzissem ao objetivo geral do
trabalho: apreender e compreender técnicas de demonstração. Dessa forma,
nossa análise a priori se restringirá à descrição de cada uma das atividades
que compõem a seqüência didática.
Destacamos o fato de que as situações que trabalham efetivamente com
as demonstrações podem ter mais de uma solução, uma vez que, ao se
demonstrar um teorema, divergentes caminhos podem ser trilhados, porém,
estes devem convergir para um único resultado: a tese.
Terceira Fase – Experimentação
•
Aplicação da seqüência didática.
A aplicação da seqüência foi realizada em uma instituição de ensino
superior, localizada na região metropolitana de Belo Horizonte, MG. Os
participantes foram 20 alunos que já haviam cursado e sido aprovados nas
disciplinas de Geometria Plana e Espacial. Este foi o único critério para a
determinação de escolha dos envolvidos.
16
A seqüência didática foi dividida em 4 blocos, descritos de acordo com
seus objetivos:
•
1º bloco - composto de duas atividades com o foco em: trabalhar a
noção de um sistema formal, distinção entre os elementos de um
sistema formal e seus respectivos estatutos, apresentação de diferentes
registros de representação e suas congruências, figura geométrica,
desmembramento de um teorema em hipótese e tese e suas
representações em dois/três registros de representação;
•
2º bloco – atividade em que foi trabalhado o recíproco de um teorema, a
unificação de um teorema com seu recíproco, sua legitimidade por meio
de contra-exemplos e reforço dos diferentes registros de representação;
•
3º bloco - composto de duas atividades que privilegiam o processo de
demonstração matemática por meio de apresentação e criação de uma
caixa de ferramentas, técnicas de demonstração, mobilização e sinergia
de registros de representação distintos. Estas atividades contemplaram,
ainda, todos os objetivos definidos nas atividades anteriores.
Uma melhor descrição do processo de aplicação e desenvolvimento da
seqüência, assim como seus objetivos, é realizada no capítulo “A seqüência
didática” e seus resultados analisados posteriormente.
Quarta fase – Análise a posteriori e validação
•
Analisar as respostas dos alunos durante as atividades
desenvolvidas na seqüência didática.
•
Dialogar com os referenciais teóricos no processo de análise das
respostas dos alunos.
•
Confrontar as análises a priori (descrição) e a posteriori.
•
Corroborar as hipóteses levantadas.
Com a utilização desses procedimentos que contribuem para a
investigação da prática educativa, esperamos que este trabalho sirva de
17
modelo e incentivo aos educadores matemáticos que, assim como nós, sentem
desejo de propor alternativas metodológicas para o ensino e a aprendizagem
da Matemática. Esperamos também que se multipliquem as reflexões sobre a
importância das demonstrações matemáticas, principalmente nos cursos de
formação de professores e que surjam novas idéias as quais sejam colocadas
em
prática,
contribuindo,
assim,
para
a
discussão
dos
diversos
problemas/dificuldades com o ensino e a demonstração em Geometria.
18
2 CONSTRUINDO NOSSOS FUNDAMENTOS
Objetivando um trabalho voltado para o ensino de demonstrações em
Geometria, com base em processos relacionados a uma atividade seqüencial e
lógica do pensamento, foram utilizadas, como referências bibliográficas,
estudos e pesquisas relacionados à demonstração, seu ensino e os
procedimentos inerentes, na engenharia, de se demonstrar.
Ressaltamos os trabalhos de Duval na sustentação do nosso objetivo e
enfocamos alguns obstáculos didáticos, epistemológicos e lingüísticos no
ensino das demonstrações. Finalizamos com algumas considerações sobre o
ensino de Geometria e o papel que a demonstração tem desempenhado neste
ensino.
2.1 Raymond Duval
Duval1 (1995) acredita que o aprendizado em Geometria envolve três
tipos de processos cognitivos intimamente conectados e que preenchem
específicas funções epistemológicas. São eles:
•
processo de visualização: relacionado com a representação espacial.
Nele ocorre o exame do espaço representativo, passando da
ilustração de uma afirmação para a exploração heurística de uma
situação complexa, isto por meio de uma interpretação ou uma
verificação subjetiva;
•
processo de construção (por instrumentos): realizado por meio de
ferramentas como régua, compasso, softwares, etc. O processo de
construção é caracterizado pela execução de configurações,
podendo ser trabalhada com um modelo. As ações e os resultados
observados
durante
a
execução
associam-se
aos
objetos
matemáticos representados;
1
Filósofo e psicólogo de formação, Raymond Duval é autor de vários trabalhos sobre a psicologia
cognitiva e sobre os registros de representação semiótica na aquisição do conhecimento matemático. Sua
principal obra é Sémiosis et pensée humaine (1995).
19
•
processo de raciocínio: é a extensão do conhecimento para a prova e
a explicação, mediante o discurso. Baseia-se nos teoremas, nos
axiomas e nas definições.
Segundo
Duval,
esses
processos
podem
ser
realizados
independentemente uns dos outros. Sendo assim, a visualização não depende
da construção, pois ela é uma passagem às figuras por qualquer caminho que
se esteja construindo. O processo de construção depende, exclusivamente, da
conexão entre as propriedades matemáticas do conceito que se quer construir
e as técnicas de construção que precisam ser utilizadas. E, finalmente, o
raciocínio depende de um corpo qualquer de proposições (definições,
teoremas, axiomas), pois se a visualização é um apoio intuitivo que, em
algumas vezes, é necessária para se achar a prova, devemos entender que
ela, em alguns casos, pode levar a interpretações errôneas.
Uma esquematização desses processos cognitivos encontra-se na
Figura 1.
Figura 1: Processos cognitivos, segundo Duval (1995)
Fonte: Autora, 2008
Mesmo que os processos cognitivos, segundo Duval (1995), possam ser
realizados individualmente, os mesmos estão entrelaçados em sua sinergia e
são cognitivamente indispensáveis para o aprendizado em Geometria.
Para Duval, os raciocínios exigidos na resolução de problemas em
Geometria dependem da consciência de distinção das formas de se assimilar e
20
registrar as figuras. Ressalta-se que o raciocínio geométrico ou dedutivo
formal, utilizado nas resoluções de problemas que envolvem demonstrações,
difere totalmente do raciocínio discursivo natural, utilizado em outros contextos.
Em Geometria, o raciocínio com vistas à demonstração requer duas
condições críticas:
1.
uso de proposições, sendo que as mesmas têm como partida um
estatuto
teórico:
axiomas,
definições,
teoremas,
hipóteses,
conjecturas, etc.;
2.
utilização de axiomas, teoremas ou definições para cada avanço
feito em direção à conclusão.
Duval (1991) considera que o raciocínio utilizado para construir
conjecturas plausíveis é o "raciocínio argumentativo", enquanto o raciocínio
utilizado para validar tais conjecturas é o "raciocínio dedutivo". Dessa forma,
para formular uma conjectura, bastam a observação de alguns casos
particulares e a percepção de uma característica que se mantém invariante,
baseando-se os argumentos nesses casos particulares. Para demonstrar, a
exigência é maior e mais especifica, pois os argumentos utilizados devem ser
"gerais", "resistentes", "convincentes2" e "rigorosos".
O mesmo autor distingue os processos discursivos naturais dos
processos discursivos teóricos, característicos do raciocínio dedutivo formal,
afirmando que, neste último, "as proposições estão ligadas de acordo com seu
estatuto" e que esta organização "funciona por substituição de proposições
como num cálculo e não por associação ou oposição como no discurso
natural".
Para Duval, não existe pretensão em se demonstrar a verdade de uma
afirmativa, nem estabelecer a validade lógica de um raciocínio por meio da
argumentação, apenas obter do "outro" a concordância na validade de uma
2
Convincentes à comunidade de matemáticos
21
afirmativa dada. O objetivo da argumentação é o de obter a concordância do
interlocutor, convencendo-o. O objetivo da demonstração é o de garantir a
verdade. Porém, nem sempre os argumentos que convencem são válidos
(Balacheff, 1988; Duval, 1992). Para Balacheff (1999), a argumentação está
para a conjectura assim como a demonstração está para o teorema.
Todavia, a "heurística" dos problemas que envolvem a Geometria
baseia-se em registros espaciais que permitem formas de interpretações
autônomas e, para tais, Duval classificou as apreensões das figuras em quatro
tipos:
•
seqüencial: com o objetivo de reproduzir uma figura; é utilizada nas
atividades de construção ou descrição;
•
perceptiva: é a interpretação das formas de uma figura em uma
determinada situação geométrica;
•
discursiva: é a interpretação dos elementos da figura geométrica,
privilegiando as articulações dos enunciados; relaciona semanticamente
as propriedades inerentes aos enunciados à figura;
•
operatória: centrada nas modificações possíveis de uma figura inicial
(de partida) e sua reorganização perceptiva determinada pelas
modificações.
Qualquer que seja a figura geométrica desenhada no contexto de uma
atividade é possível estabelecer duas atitudes:
1.
a apreensão perceptiva das formas (instantâneo, automático);
2.
e a apreensão discursiva dos elementos e propriedades da figura
(verificação).
Essas atitudes, às vezes, se opõem, pois a figura pode mostrar objetos
que não são explicitados nos enunciados e os objetos enunciados pelas
hipóteses não são, necessariamente, os espontaneamente determinados pelos
alunos. Em acordo com as idéias de Duval, Fainguelernt (1999) aponta para o
22
problema da percepção das características geométricas, por meio de um
enunciado e a imagem que se faz do mesmo, pois, para ele:
"A grande complexidade do papel da percepção
no processo de formação e desenvolvimento de
conceitos geométricos, atua em duas direções.
Por um lado, não podemos formar uma imagem
de um conceito, identificar suas características e
dar exemplos sem visualizar seus elementos. Por
outro lado, esses elementos visuais podem
empobrecer
a
imagem
atual
que
se
quer
construir" (p.56).
Para Duval, o problema das figuras geométricas se concentra nas
diferenças
entre
a
apreensão
perceptiva
e
a
apreensão
discursiva
(interpretações comandadas necessariamente pelas hipóteses), pois, nem
sempre o objeto que aparece na figura é o objeto que a situação geométrica
(enunciado) exige ver.
"... os alunos lêem o enunciado, constroem a
figura e em seguida se concentram na figura sem
voltar ao enunciado" (DUVAL, 1998, p.61).
Conseqüentemente, o abandono do enunciado contribui para a ausência
de interpretação discursiva do problema (figura). Um dos fatores que podem
ser os responsáveis por esse abandono é o fato de que a grande maioria dos
problemas geométricos acessíveis aos alunos tem enunciado semanticamente
congruente com a figura construída, ressaltam Pavanello (1989), Bertonha
(1989) e Mello (1999).
A apreensão operatória das figuras, segundo Duval, depende das
modificações que a mesma pode sofrer e são classificadas da seguinte
maneira:
23
•
mereológica: relação da parte e do todo. A figura pode ser separada
em partes, gerando subfiguras da mesma;
•
ótica: transformação da figura em outra chamada sua imagem;
•
posicional: deslocamento da figura em relação a um referencial.
As modificações são realizadas tanto graficamente quanto mentalmente.
O fracionamento de uma figura (modificação mereológica) ou uma análise por
meio de partes elementares da figura está relacionado com a "operação de
reconfiguração intermediária3". Dessa forma, partes elementares da figura
podem ser obtidas por fracionamento e reagrupadas em várias subfiguras,
todas inerentes à figura inicial. Por meio dessa operação, o tratamento
matemático de problemas que envolvem área (por exemplo) pode ser adaptado
pela equivalência de reagrupamentos intermediários (
Figura 2):
Se um problema geométrico pede para
determinar se a área da região A é igual ou
diferente da área da região B, sendo EFGH
um retângulo, podemos, segundo Duval,
fracionar e reagrupar as figuras geradas em
subfiguras da figura original e reconfigurálas de forma a estabelecer a igualdade das
Figura 2: Problema de área
áreas sugeridas.
Porém, se, pelo fracionamento da Figura 2, decisões locais forem
tomadas somente com o uso de operações visíveis, apoiadas na "apreensão
perceptiva", é bem provável que ocorra um erro na determinação da solução do
problema, pois, visualmente, podemos concluir que a área A é diferente da
área B.
Agora, caso uma análise das hipóteses inerentes ao problema,
sugeridas pela "apreensão discursiva" (note que, no problema sugerido,
podemos utilizar o fato da diagonal do retângulo, dividi-lo em partes
congruentes)
for
realizada,
a
"apreensão
operatória",
baseada
nas
3
Operação que consiste em organizar uma ou várias subfiguras diferentes de uma figura dada em outra
figura (Duval, 1988).
24
modificações e reorganizações visuais das figuras, necessária para a solução
do problema, poderá ser percebida.
Generalizando as "cadeias de processos" envolvendo as apreensões
sugeridas por Duval na "heurística" dos problemas geométricos, podemos
adequar as propostas metodológicas sugeridas por Descartes (1596-1650) em
"O Discurso do Método" (1978) com as idéias até então apresentadas.
Simplificando, Descartes considera como verdadeiro apenas o que for
evidente, ou seja, o que for intuitível com clareza e precisão. Porém, a
ampliação da área do conhecimento nem sempre oferece um panorama
permeável à intuição e, conseqüentemente, adequado à pronta aplicação do
preceito da evidência. A fim de contornar tal situação, são propostos os
seguintes recursos metodológicos: o preceito da análise que consiste em dividir
cada uma das dificuldades que se apresentem em tantas outras parcelas que
sejam necessárias para se resolver um problema (operação de reconfiguração
intermediária); o da síntese, que consiste em conduzir ordenadamente os
pensamentos, começando dos objetos mais simples e mais fáceis de serem
percebidos/conhecidos, para depois tentar gradativamente o conhecimento dos
mais complexos (apreensões perceptiva e discursiva) e, por fim, o da
enumeração, em que se devem realizar enumerações de modo a verificar que
nada foi omitido (apreensão operatória). Dessa forma, a construção do
conhecimento se opera por intuições e por análises.
Voltando a Duval, este considera que a maioria das dificuldades
encontradas pelos alunos na utilização das transformações geométricas está
na não congruência entre o tratamento matemático do problema e a apreensão
operatória da figura.
"A apreensão operatória das figuras é uma
apreensão
central
sobre
as
modificações
possíveis de uma figura de partida e por
conseqüência as reorganizações perceptivas que
essas modificações sugerem. A produtividade
25
heurística de uma figura, num determinado
problema geométrico, tem como fato, que existe a
congruência entre uma de suas operações e um
dos
tratamentos
matemáticos
possíveis
do
problema dado" (DUVAL, 1988, p.62).
O autor ainda afirma que "... a figura desvia, de algum modo, um
fragmento do discurso teórico" (1988, p.69) e, assim, distintos fatores
interferem, facilitando (ver de prontidão) ou ocultando (não ver) a percepção da
relação de congruência entre a apreensão operatória e um tratamento
matemático possível.
Duval considera que, analisando o problema de congruência entre a
figura e o enunciado e a congruência entre a figura e o tratamento matemático,
passamos pelo problema do estatuto das figuras geométricas. Ou seja, as
propriedades das figuras estão subordinadas às hipóteses do enunciado de um
problema e, conseqüentemente, a apreensão perceptiva está subordinada à
apreensão discursiva, por ser esta uma teorização da representação da figura.
Os elementos e propriedades que aparecem em uma figura estão
condicionados pelas definições, axiomas e teoremas estabelecidos. O mesmo
desenho pode representar distintas figuras geométricas se o enunciado das
hipóteses for alterado. Duval conclui que a teorização das figuras geométricas
constitui um dos princípios do acesso à demonstração.
2.2
As
funções
das
representações
no
ensino/aprendizagem
da
matemática
De acordo com as idéias de Duval, ensinar matemática é, antes de tudo,
propiciar situações para o desenvolvimento geral das capacidades de
raciocínio, de análise e de visualização. E, para isso, "não é possível estudar
26
os fenômenos relativos ao conhecimento sem recorrer à noção de
representação4" (DUVAL, 1995, p.15).
Para o autor, a distinção entre um objeto matemático e a representação5
que se faz dele é fundamental para o funcionamento cognitivo do sujeito frente
a uma situação de ensino. Este funcionamento é estudado por meio de uma
abordagem
cognitiva
que
leva
em
consideração
a
importância
das
representações semióticas6 na Matemática e a variedade de representações
semióticas nela utilizadas.
As representações podem ser mentais, computacionais ou semióticas.
As mentais "... ocultam o conjunto de imagens e, mais globalmente, as
concepções que um indivíduo pode ter sobre um objeto, sobre uma situação e
sobre o que lhes está associado” (DUVAL, 1993, p.38). São internas e
conscientes; geralmente são representações semióticas interiorizadas. As
computacionais, assim como as mentais, são internas, porém, não conscientes.
As semióticas "... são produções constituídas pelo emprego de signos
pertencentes a um sistema de representação que têm dificuldades próprias de
significância e de funcionamento" (DUVAL, 1993, p.39). As representações
semióticas não são internas nem externas, mesmo que muitos confundam as
representações semióticas como meras exteriorizações das representações
mentais.
"Não se pode considerar as representações
semióticas como simplesmente subordinadas às
representações mentais, uma vez que essas
últimas dependem de uma interiorização das
primeiras
e
sozinhas
as
representações
semióticas permitem certas funções cognitivas
essenciais, como a do tratamento" (DUVAL, 1993,
p.44).
4
Um registro de representação é, segundo Duval (1993), um sistema semiótico que tem as funções
cognitivas fundamentais no funcionamento cognitivo consciente.
5
Duval considera três tipos de registros de representação: o figural, o simbólico e o da língua natural.
6
As representações semióticas têm dois aspectos: a forma (representante) e o conteúdo (representado).
27
Para o autor, a mobilização dos vários registros de representação é
fundamental para a função cognitiva do pensamento humano. Na Matemática,
é a articulação dos registros que conduz ao acesso à compreensão matemática
e esta compreensão sugere a coordenação de ao menos dois registros de
representação semiótica, dos quais um é a utilização pelo aluno da linguagem
natural. Porém, a coordenação entre os registros, apesar de ser fundamental
para a compreensão, não é suficiente. É essencial não confundir os objetos
matemáticos com suas distintas representações.
Por exemplo, considere uma circunferência e seus distintos registros de
representação:
(a) representação na língua natural: lugar geométrico, no qual os pontos
do plano são eqüidistantes de outro ponto, chamado centro;
(b)
representação algébrica: ( x − a ) 2 + ( y − b) 2 = r 2 ;
(c) representação gráfica:
Figura 3: Representação gráfica de uma circunferência
Um aluno pode ser capaz de resolver um problema envolvendo a
circunferência algebricamente ou de outra forma, mas nada garante que ele
tenha a compreensão desse objeto matemático.
"O ponto comum à grande maioria dos bloqueios
dos alunos, quaisquer que sejam os domínios de
atividade matemática e qualquer que seja o nível
do currículo, é a incapacidade de converter a
representação de um objeto em uma outra
28
representação do mesmo objeto" (DUVAL, p.53,
1993).
Para resolver esse problema, Duval ressalta a necessidade de duas
operações cognitivas relacionadas ora ao objeto matemático, ora à sua
representação. Uma delas é a "semióse" que está associada à produção e à
apreensão de uma representação semiótica. A outra, "noésis", refere-se à
apreensão conceitual do objeto. Ambas mobilizarão diferentes atividades
cognitivas, que deverão ser interligadas e examinadas entre si. "Não há noésis
sem semiósis, é a semiósis que determina as condições de possibilidade e de
exercício da noésis" (CASTRO, 2001, p.12). Duval ainda insiste que muitos
registros devem ser mobilizados para que os objetos matemáticos não sejam
confundidos com suas representações, de forma que venham a ser
reconhecidos em cada uma delas.
Normalmente, os sistemas semióticos têm como primeiro registro de
representação a língua natural e, por meio desta, criam-se outros sistemas
semióticos que coexistem. Geralmente, o progresso dos conhecimentos é
sempre acompanhado pela criação e pelo desenvolvimento de sistemas
semióticos novos e específicos. Na Matemática, mais do que "meios de
comunicação", as representações semióticas possibilitam realizar tratamentos
em objetos matemáticos que dependem exclusivamente do sistema de
representação utilizado. Dessa forma, as representações semióticas são
necessárias e primordiais ao desenvolvimento da própria atividade matemática.
Segundo Duval, a transformação de um sistema de representação em
outro, atividade ligada à semióse, pode ser de dois tipos: o tratamento e a
conversão. O primeiro é uma transformação que ocorre no mesmo sistema de
representação; é uma transformação estritamente interna a um registro.
Existem tratamentos que são específicos a cada registro e que não necessitam
de nenhuma contribuição externa para serem feitos ou justificados. Um
exemplo de um tratamento é a transformação da equação x + 5 = 3 em x = -2.
O segundo é uma transformação que muda de sistema de representação,
fazendo referência ao mesmo objeto, ou seja, muda-se a representação, mas
29
não se muda o conteúdo. Um exemplo de conversão é a transformação de uma
função na forma algébrica para a forma gráfica.
O autor ainda ressalta que o tratamento normalmente é a transformação
que mais se prioriza no ensino, privilegiando a forma mais que o conteúdo. Não
se é dada a importância devida às conversões e os tratamentos são escolhidos
na forma que mais convém, isto é, de uma forma que seja mais fácil a
compreensão pelos alunos. Para Duval, é na conversão que mecanismos
subjacentes à compreensão serão desvelados. São nas conversões que as
mudanças dos registros de representação se mostram mais eficazes para a
formação conceitual - aquisição de conceitos.
A conversão não é uma transformação trivial; é um processo
cognitivamente complexo, pois exige uma compreensão global e qualitativa das
representações de registros utilizados. A complexidade da conversão só será
compreendida se os sistemas semióticos forem vistos em sua relação entre
conhecimento/representação. Mudar de um registro para outro não significa
apenas mudar o tratamento de um objeto; significa também explicar suas
propriedades ou seus distintos aspectos.
O processo de conversão enfrenta dois fenômenos que fatalmente
contribuem para as dificuldades enfrentadas pelos alunos na coordenação e
compreensão dos registros de representação: a congruência e a nãocongruência.
Para que dois sistemas semióticos sejam congruentes é preciso que
haja uma correspondência semântica entre as unidades significantes, ou seja,
é preciso que a representação terminal (representação de chegada)
transpareça na representação de saída (representação de partida). Por outro
lado, se a representação terminal não transparece a representação de saída,
temos o fenômeno da não-congruência.
Podemos exemplificar esses fenômenos conforme as situações
apresentadas a seguir:
30
a) Representação na linguagem natural: duas retas são paralelas se
forem coplanares e não se interceptarem.
Representação da Figura:
Figura 4: Representação geométrica: retas
b) Representação na linguagem natural: se dois ângulos são opostos
pelo vértice, então eles são congruentes.
Representação da Figura:
Figura 5: Representação geométrica: ângulos
No primeiro exemplo, existe uma correspondência semântica entre o
enunciado inicialmente apresentado e a figura final. Se, a partir da figura,
quiséssemos chegar ao enunciado, é bem provável que não haveria problemas
em fazê-lo. Sendo assim, as representações utilizadas no primeiro exemplo
são congruentes. Já no segundo exemplo, mesmo que a figura faça referência
ao enunciado, ela também pode ser interpretada para outros objetos
matemáticos, como retas perpendiculares, ângulos retos são congruentes,
enfim, não existe uma congruência imediata entre as representações utilizadas.
É necessário mobilizar os registros para associá-los ao mesmo “objeto
matemático”.
Por isso, um trabalho envolvendo a compreensão e a coordenação de
vários registros de representação é essencial para a aprendizagem. Suas
vantagens na economia de tratamento (o recurso a uma figura pode resolver
31
um problema geométrico com economia de memória ou mesmo de processos
heurísticos) e na complementaridade das representações são fatores
determinantes na conceitualização e apreensão do conhecimento.
2.3 Obstáculos em procedimentos
Pesquisas relacionadas ao ensino de demonstrações em geometria
destacam alguns obstáculos enfrentados na compreensão e aquisição dos
procedimentos envolvidos em uma demonstração (Gouvêa, 1998; Sangiacomo,
1996; Mello, 1999). Esses obstáculos, conforme apontam os pesquisadores,
podem ser de origens epistemológicas, didáticas e lingüísticas.
Em nossa pesquisa, consideraremos como “obstáculo” a definição dada
por Brosseau (1983) que, substanciado por trabalhos de Bachellard (1965) e
Piaget (1967), analisa o “erro” apoiando-se na noção de obstáculo.
Para Brosseau, o erro é uma manifestação explícita de concepções que
podem, ou não, ser espontâneas, relacionadas a uma rede coerente de
representações cognitivas, que passam a ser “obstáculos” para a aquisição de
novos conceitos.
“O erro não é somente efeito da ignorância, da
incerteza, do azar, como acreditam as teorias
behavioristas e empiristas da aprendizagem, e
sim, efeito de um conhecimento anterior, que
mobilizava seu interesse, seu sucesso, mas que
agora
se
revela
falso
ou
inadaptado”
(BROUSSEAU, 1983, p.171).
Para
o
autor,
um
obstáculo
se
caracteriza
por
um
conhecimento/concepção e não pela falta do mesmo. Este, em determinadas
situações, produz respostas adaptadas a certo contexto e, fora dele, produz
respostas falsas. Dessa forma, cada conhecimento pode se mostrar um
32
obstáculo em potencial. Um “obstáculo” pode apresentar resistências ao ser
confrontado com um novo conhecimento que mostra sua inexatidão, assim, sua
identificação é fundamental para a incorporação de um novo saber.
Considerar o “obstáculo” como um conhecimento
associado
à
incapacidade de compreensão de certos problemas e na dificuldade de
resolvê-los constitui um meio necessário para desencadear o processo de
aprendizagem do aluno, bem como do professor (Gouvêa, 1998). Assim,
estudaremos os obstáculos relativos ao ensino da demonstração (como
técnica) para considerá-los na elaboração de nossa seqüência didática,
evidenciando seus aspectos didáticos, epistemológicos e lingüísticos.
2.4 O ensino de geometria: o papel da demonstração
A produção de pesquisas relacionadas ao ensino de Geometria no Brasil
tem aumentado consideravelmente. Isso é o que relata a pesquisa feita por
Andrade e Nacarato (2003) sobre as “Tendências Didático-pedagógicas para o
ensino de Geometria”. Nesta pesquisa, os autores fizeram um estudo dos anais
dos Encontros Nacionais de Educação Matemática (ENENs), no período de
1987 a 2001, com o objetivo de analisar e identificar as atuais tendências para
o ensino de geometria no Brasil. Ao categorizar os trabalhos selecionados, ao
todo
363,
os
pesquisadores
concluíram
que,
dentro
das
categorias
identificadas, a “Geometria Experimental” e a “Geometria em Ambientes
Computacionais” emergiam como as principais novas “vocações”.
Na
categoria
“Geometria
Experimental”,
dentre
vários
assuntos
discutidos, destacamos os relacionados com a demonstração matemática,
definidos pelos autores da pesquisa em uma subcategoria intitulada “Ensino de
Geometria na perspectiva das provas e argumentações/refutações”. Nesta,
alguns trabalhos discutiam o papel da prova no ensino de Geometria, tendo
como ponto de partida as mudanças significativas ocorridas com seu ensino,
33
até então moldado no modelo euclidiano, promovidas pelo Movimento da
Matemática Moderna7, que ocorreu no Brasil nos anos 1960.
Segundo Pavanello (1989), a idéia central do movimento era a de
adaptar o ensino da Matemática às novas concepções surgidas com a
evolução deste ramo de conhecimento. O ensino constituiu-se em priorizar, em
sala de aula, as estruturas algébricas, desenvolvendo-os sem qualquer relação
com os geométricos em uma linguagem simbólica da teoria dos conjuntos.
Para muitos, foi neste momento que um abandono substancial ocorreu no
ensino de geometria.
Este abandono, segundo Pavanello (1989), tem aspectos de natureza
tanto científica quanto educativa. A autora aponta as razões levantadas pelos
matemáticos e as de caráter educacional, considerando:
•
O abandono do ensino de geometria (euclidiana), de acordo com
os matemáticos, está fundamentado nos próprios avanços da
matemática como ciência. A dicotomia entre visualização e rigor,
presente na teorização da geometria euclidiana, foi fundamental
na subordinação da mesma à álgebra. Com o modelo da busca
da verdade na matemática, cada vez mais formal e rigoroso,
aspectos intuitivos presentes na formulação da Geometria
Euclidiana, como é o caso recorrente à visualização, não seriam
suficientes para o desenvolvimento do conhecimento matemático,
uma vez que atrelava o estudo somente a duas e três dimensões,
induzindo, às vezes erradamente, a certos resultados. Dessa
forma, o espaço destinado ao ensino de geometria em diferentes
níveis de ensino, diminuiu, dando lugar a sua subordinação à
álgebra e ao cálculo.
7
O Movimento da Matemática Moderna iniciou-se nas discussões sobre a reforma do ensino de
matemática, nos anos 1950. Efetivamente se desenvolveu nos anos 1960 e os líderes principais das
discussões desencadeadas foram os franceses Dieudonné, Choquet e Lichnerowics. Expandiram-se as
discussões para a Bélgica, Canadá, Grã-Bretanha e Polônia e, posteriormente, para o mundo. Ver mais em
Pires (2000).
34
“... atualmente é muito complexo falar do ensino
da geometria porque dentro da matemática a
geometria está quase extinta. Hoje em dia,
nenhum
geômetra,
matemático
não
se
se
fazem
reconhece
como
investigações
em
geometria, pois esta foi absorvida por teorias mais
gerais, onde aí sim há investigações” (SAIZ, 1993,
p.45).
•
No aspecto educacional, o abandono do ensino de Geometria tem
fortes relações com a formação do educador matemático, esta
baseada em aspectos quase que puramente formais. Por não
entender a complexidade das demonstrações algébricas feitas
durante os cursos de geometria, não associando as relações
existentes entre as duas representações, o educador acaba
relegando o ensino de Geometria ao segundo plano, por não se
sentir preparado para ensiná-la.
Preocupados com o crescente abandono do ensino da Geometria,
movimentos que questionavam a Matemática Moderna surgiram, propondo
uma retomada ao seu ensino. Porém, a tentativa estava mais impermeada na
busca de motivações para esse ensino e, dessa forma, a ênfase recorreu mais
para os aspectos empíricos, abandonando quase que totalmente o raciocínio
dedutivo envolvido nos métodos de validação da Geometria (Andrade e
Nacarato, 2003).
Para Andrade e Nacarato (2003), analisando as produções referentes ao
ensino de Geometria, esse quadro começou a mudar, especialmente na última
década, em decorrência da Avaliação Nacional do Livro Didático. Segundo
Nasser e Tinoco (2001), com o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD),
muitos livros se adaptaram aos guias, propondo atividades envolvendo
processos de inferência, análise, argumentação, tomada de decisões, crítica e
validação de resultados. Juntamente com esse programa, produções da
comunidade de educadores matemáticos também contribuíram para um novo
35
olhar sobre o papel da demonstração (prova) no ensino de Geometria,
especialmente na educação básica. As questões que mais inquietavam eram:
Qual o sentido de se falar em demonstrações em Geometria nesse nível de
escolaridade? Como trabalhar as demonstrações de forma significativa8?
O que se percebeu nas produções acadêmicas era que muitas delas
recorriam à intuição, à experimentação e às argumentações para “demonstrar”
os teoremas da Geometria, porém, a sistematização do processo na linguagem
formal da matemática não estava ocorrendo. Por qual motivo a transposição
didática não ocorria? Para Almouloud (1999), as dificuldades de se trabalhar
com
a
sistematização
estão
associadas
a
obstáculos
de
naturezas
epistemológicas, pois muitos professores entendem que uma demonstração é
um processo de validação e, como tal, justificativas, argumentações e provas,
mesmo que baseadas apenas em representações figurais, já seriam suficientes
para se caracterizar uma demonstração matemática. Mas, e o seu aspecto
formal?
A demonstração matemática é um processo de validação, que visa
comprovar a veracidade de um enunciado, assim como explicar e elucidar essa
comprovação (de Villiers, 2001). Porém, a demonstração também tem um
aspecto de comunicação e, como tal, utiliza uma linguagem específica de
domínio da ciência matemática: a algébrica. Dessa forma, para fazer uma
demonstração matemática, é necessário se apropriar da linguagem utilizada e
saber operacionalizar dentro da mesma.
“O modo de argumentação por excelência é a
prova rigorosa ou demonstração formal, envolta
em paradoxos, mas com o objetivo de firmar,
definitivamente, a veracidade das afirmações
Matemáticas” (GARNICA, 2002, p.97).
8
Significativa: ter sentido dentro da própria matemática.
36
“A demonstração é um texto argumentativo da
matemática
(com
estrutura
particular,
com
argumentos tomados entre os resultados já
enunciados) cujo significado está ligado à prova”
(BALACHEFF, 1987, p.45).
Para Pais (1996), existem três aspectos epistemológicos que compõem
o conhecimento geométrico: o intuitivo, o experimental e o teórico. O trâmite
entre tais aspectos tem como objetivo final o aspecto teórico, ou seja, o
conceito geométrico. A demonstração matemática tem como ponto de partida a
intuição, a especulação de propriedades por meio de situações experimentais
e, por fim, a sistematização teórica do conceito geométrico trabalhado.
Porém, esse é um processo lento e trabalhoso. A sistematização de
conceitos geométricos por meio de demonstrações, de acordo com a conclusão
da pesquisa feita por Andrade e Nacarato (2003), é um processo social,
decorrente da atividade de comunicação estabelecida em sala de aula entre os
vários atores do ato pedagógico, explicitada pela dinâmica permeada por
processos dialógicos (seja entre professor e aluno, seja entre formador e
professor).
E mais, o trabalho com diferentes registros de representação foi
apontado como um facilitador para a articulação argumentativa no ato de
demonstrar. A passagem de um registro para outro em atividades de
demonstração permite a exploração ativa de conceitos, proporcionando o
estabelecimento de novas relações e a compreensão dos processos
necessários para a teorização do conceito.
Com relação às mudanças ocorridas nos livros didáticos, Gouvêa (1998)
realizou um trabalho de análise de livros didáticos de matemática, com a
intenção de entender as evoluções ocorridas nos mesmos, com relação à
valorização do raciocínio dedutivo e à demonstração. Para isso, ela fez sua
análise baseada nas produções dos últimos 50 anos.
37
A autora constatou que, antes do advento do “Movimento da Matemática
Moderna”, os livros analisados apresentavam todas as demonstrações de uma
forma “estável” e “organizada”, porém, o ensino estava caracterizado na
memorização dos teoremas e das provas que eram apresentadas nos livros.
Com o “Movimento da Matemática Moderna”, os livros sofreram influência das
discussões que estavam sendo estabelecidas naquela época, em sua grande
maioria centrada na atividade ativa do aluno. Com isso, as demonstrações em
duas colunas surgiram, sugerindo um ensino mais divertido e criativo. Todavia,
as atividades ainda se centravam na memorização de procedimentos e na
repetição exaustiva de atividades idênticas, não contribuindo para a
compreensão dos processos da demonstração.
Por fim, Gouvêa, analisando os livros após a influência da Matemática
Moderna,
constatou
que
alguns
deles
não
procuram
despertar
o
desenvolvimento do raciocínio lógico, pois grande parte dos exercícios
envolvendo demonstração ainda se restringia à memorização, porém, em
consonância com a constatação de Andrade e Nacarato (2003), outros livros
traziam atividades que instigavam o raciocínio lógico-dedutivo, com exercícios
de “justificar”, “provar” e “demonstrar”. De acordo com dados levantados por
Gouvêa, a maioria das tarefas envolvendo este tipo de raciocínio tem como
ponto de partida a atividade experimental. Fundamental para o processo
argumentativo na aquisição parcial de uma prova, a atividade experimental se
mostra um grande avanço no ensino de Geometria, contudo, a sistematização
do processo, nos livros analisados, se mostra mais como um modelo de
demonstração acabada, “acessível por imitação, sem possibilidade de
trabalhá-la, participando com ações e reflexões” (GOUVÊA, 1998, p.78).
A autora conclui que, apesar de melhorias ocorridas na evolução do
tratamento dado a problemas envolvendo demonstrações, a grande maioria
dos professores, além de não trabalhar a Geometria, quando o faz, abandona
quase que exclusivamente as demonstrações, pois afirmam que o rigor e a
formalização dificultam a criatividade do aluno.
38
2.5 A demonstração nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)
Na proposta para o ensino fundamental, de acordo com os PCNs (1997,
1998), o ensino de Geometria encontra-se distribuído em dois blocos: “Espaço
e forma”, “Grandezas e medidas”. No primeiro, a ênfase é dada ao
desenvolvimento de habilidades que levem o aluno a compreender o mundo
em que vive, aprendendo a descrevê-lo, representá-lo e localizar-se nele. O
segundo se destaca por sua relevância social e seu evidente caráter prático e
utilitário, justificada nos PCNs pela gama de situações cotidianas vivenciadas
pelos alunos com relação a problemas que envolvem a necessidade de medir,
compreender o que é medir e estabelecer unidades de medida padronizadas.
Inicialmente, as orientações didáticas dos PCNs para o ensino de
Geometria se baseiam no aspecto experimental, pois é a partir de suas
experiências que o aluno aprenderá a construir uma rede de conhecimentos
que, posteriormente, lhe possibilitará distanciar-se do espaço sensorial ou
físico, dando espaço ao conhecimento geométrico a partir de relações
abstratas.
“É o aspecto experimental que colocará em
relação esses dois espaços: o sensível e o
geométrico. De um lado, a experimentação
permite agir, antecipar, ver, explicar o que se
passa no espaço sensível, e, de outro lado,
possibilita o trabalho sobre as representações dos
objetos
do
espaço
geométrico
e
assim,
desprender-se da manipulação dos objetos reais
para raciocinar sobre representações mentais”
(BRASIL, 1997, p.126).
A
preocupação
na
fase
inicial
do
ensino
fundamental
é
o
estabelecimento das relações do conhecimento geométrico com o mundo
sensível por meio da visualização, da experimentação e da observação.
39
“O
pensamento
inicialmente
pela
geométrico
visualização:
desenvolve-se
as
crianças
conhecem o espaço como algo que existe ao
redor delas (....). Por meio da observação e
experimentação elas começam a discernir as
características de uma figura, e a usar as
propriedades
para
conceituar
classes
de
formas” (BRASIL, 1997, p.127).
Neste estágio, o objetivo não é a formalização dos conceitos
geométricos e, sim, uma exploração dos mesmos por meio de estratégias tanto
pessoais quanto instrumentais (uso de material concreto). As informações
devem ser tratadas de forma a instigar os alunos a perguntarem, justificarem e
desenvolverem o “espírito de investigação”.
É a partir do quarto ciclo (7ª e 8ª séries) que se propõem atividades que
favoreçam
o
raciocínio
dedutivo
e
a
introdução
da
demonstração,
apresentando, ainda, verificações empíricas.
“Embora no quarto ciclo se inicie um trabalho com
algumas demonstrações, com o objetivo de
mostrar sua força e significado, é desejável que
não se abandonem as verificações empíricas, pois
estas permitem produzir conjecturas e ampliar o
grau de compreensão dos conceitos envolvidos”
(BRASIL, 1998, p.86).
É nos problemas de Geometria que os alunos perceberão a necessidade
e as exigências que são estabelecidas por um raciocínio dedutivo, porém, as
orientações indicam que isso não significa que um estudo absolutamente
formal e axiomático deva ser feito. Ressalta-se que um trabalho na construção
de argumentos plausíveis vem sendo desenvolvido ao longo dos ciclos
anteriores e, dando continuidade ao trabalho, a prática da argumentação é
fundamental para a compreensão das demonstrações.
40
“Mesmo que a argumentação e a demonstração
empreguem os mesmos cognitivos lógicos, há
exigências formais para uma demonstração em
matemática que podem não estar presentes numa
argumentação. O refinamento das argumentações
produzidas
assimilação
ocorre
de
gradativamente
princípios
da
lógica
pela
formal,
possibilitando as demonstrações” (BRASIL, 1998,
p.86).
Os PCNs enfatizam que as atividades de Geometria são muito propícias
para que o professor construa, a partir de experiências concretas, juntamente
com seus alunos, caminhos que os levem a compreender a importância e a
necessidade da prova matemática. Evidenciam, ainda, as funções que um
desenho desempenha na busca de uma prova, orientando que suas principais
funções são o de ajudar o aluno a: visualizar, resumir, fazer conjecturas e
provar. Destacamos, com isso, a importância dos registros de representação
da figura.
“Quando os alunos têm de representar um objeto
geométrico por meio de um desenho, buscam
uma relação entre a representação do objeto e
suas propriedades e organizam o conjunto do
desenho de uma maneira compatível com a
imagem global que têm do objeto” (BRASIL, 1998,
p. 125).
Devemos observar que, mesmo que as experimentações com materiais
concretos constituam um forte mecanismo para o convencimento dos alunos,
elas não podem ser tratadas como provas matemáticas, apesar de as mesmas
serem aceitas como tais no terceiro ciclo (5ª e 6ª). As experimentações no
quarto ciclo devem ser vistas como desencadeadoras de conjecturas e
processos que levem às justificativas mais formais.
41
Ao orientar para a concretização de um teorema e posteriormente para a
formalização de sua demonstração, os PCNs sugerem para que as conjecturas
e o discurso teórico se relacionem. O tratamento dado ao papel e as funções
que o desenho (figura) desempenha na prova matemática e a utilização de
registros de representação constitui um fator positivo na aquisição de uma
demonstração. Contudo, não percebemos no estudo feito dos PCNs, tópicos
relacionados com a aprendizagem de técnicas de demonstração e, até mesmo,
da “engenharia” envolvida no processo demonstrativo (estatuto dos elementos
de um sistema formal) e sobre a importância das mudanças de registros de
representação.
2.6 A formação de futuros professores de matemática
Há algum tempo que a comunidade de educadores matemáticos vem
discutindo sobre a aprendizagem da Matemática, insistindo que a mesma não
deve estar limitada ao ensino de técnicas, fórmulas, repetição e memorização
de procedimentos. O ensino deve propor o desenvolvimento de habilidades
relacionadas à capacidade de interpretação, criação e construção de
instrumentos para a resolução de situações problemas.
Muitos acreditam ser na Geometria que o desenvolvimento dessas
habilidades seja favorecido (Pavanello, 2002). A Geometria é um dos campos
da matemática no qual os conhecimentos permitem ampla aplicação em
problemas do cotidiano e em outras áreas e mais, o desenvolvimento de
capacidades cognitivas relacionadas à habilidade de abstrair, o que é
imediatamente sensível.
Porém, pesquisas mostram que o trabalho feito no ensino de Geometria
não tem alcançado seus objetivos: propiciar aos alunos o desenvolvimento de
um tipo de pensamento que favorece a compreensão, a descrição, a
representação e a organização do mundo em que vivem, utilizando para isso
do raciocínio hipotético-dedutivo (PCNs, 1998).
42
Pavanello (2002) aponta que um dos problemas envolvendo o ensino de
Geometria
é
a
própria
formação
dos
professores
de
matemática,
principalmente “porque os professores consideram sua formação em relação a
este conteúdo bastante precária” (p.80).
Os motivos levantados pela autora como determinantes para essa
constatação, no que tange os cursos de licenciatura, são:
•
os alunos aprendem muito pouco sobre Geometria;
•
os conteúdos que posteriormente devem ser abordados na
prática profissional (educação básica) não são abordados, ou
essa abordagem é muito superficial;
•
prioriza-se a teoria e despreza-se a prática como fonte de
conteúdos de formação;
•
falta de articulação entre o saber matemático e o saber
pedagógico;
•
trabalho exaustivo em temas mais complexos (acredita-se que
trabalhar temas mais complexos automaticamente possibilitará
aos alunos a compreensão de temas mais elementares).
Para Lorenzato (1995, p.4), corroborando as idéias de Pavanello, “nos
cursos de licenciatura em Matemática a Geometria possui uma fragilíssima
posição”. Sendo assim, a formação do futuro professor fica prejudicada,
desencadeando, conseqüentemente, uma deficiência de conhecimentos, tanto
em termos de conteúdos como em termos de metodologia. Lorenzato conclui
que, por isso, muitos professores, não tendo um conhecimento razoável sobre
a Geometria, muitas vezes preferem não ensiná-la em suas aulas.
“O professor que não conhece Geometria também
não conhece o poder, a beleza e a importância
que ela possui para a formação do futuro cidadão,
então, tudo indica que, para esses professores, o
dilema é tentar ensinar Geometria sem conhecê-la
43
ou então não ensiná-la” (LORENZATO, 1995, p.
3-4).
Então, como ensinar Geometria para os futuros professores? Como
propor, nas licenciaturas, um espaço para a construção de conhecimentos que
atrelem a especificidade da Geometria a uma reflexão sobre métodos para
transpor didaticamente os conceitos geométricos?
Pavanello (2002) afirma que o redimensionamento da atividade docente
“necessita de professores que tenham desenvolvido novas competências não
só para trabalhar com alunos em diferentes níveis de conhecimento
matemático, mas para organizar situações de aprendizagem mais amplas e
significativas” (p.82). Para ela, essa organização pode ser traduzida de acordo
com a seguinte adaptação metodológica:
•
conhecer o conteúdo geométrico a ser ministrado, assim como os
objetivos de sua aprendizagem;
•
estabelecer, sempre que possível, conexões entre a Geometria e
outros campos de conhecimento, inclusive da própria Matemática;
•
trabalhar a partir das representações dos alunos, compreendendo
situações-problemas ajustadas a cada nível e possibilidades;
•
trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem;
•
planejar e propor dispositivos didáticos para a aprendizagem
(seqüências didáticas);
•
envolver os alunos em atividades e projetos de pesquisa com o
objetivo de construírem conceitos geométricos;
•
observar e avaliar os alunos em situações de aprendizagem,
numa concepção formativa, possibilitando a correção de rumos do
trabalho desenvolvido em sala de aula.
Porém, no que se refere à construção axiomática da Geometria, parece
ser o desafio ainda maior, pois esta axiomatização tem sido construída de
forma automática, recorrendo apenas à memorização procedimental sem
44
significação alguma para os alunos. Logo, a rejeição pelo ensino das
demonstrações geométricas na Licenciatura é um fato que, inevitavelmente, se
refletirá na prática pedagógica do licenciando , quando este, efetivamente,
atuar na sala de aula da Educação Básica. É necessário que os formadores
alinhem, em sua prática pedagógica, atividades que favoreçam a construção
gradativa dos conhecimentos matemáticos (geométricos) para, finalmente,
sistematizá-los por meio das demonstrações.
“Se na licenciatura deve haver uma construção
axiomática da geometria, e não se discute que
isso seja necessário, esta não pode acontecer
desligada de um trabalho de construção de
conceitos
construção
através
e
de
a
atividades,
axiomática
pois
esta
não
são
independentes” (PAVANELLO, 2002, p.83).
A formação do futuro professor de matemática é determinante da forma
como o mesmo irá atuar durante sua prática profissional. É fundamental
conceber a formação como um trabalho abrangente, pois a atividade a ser
desenvolvida em sala de aula exige uma sólida formação teórica e
interdisciplinar que os habilite, não só na compreensão do fenômeno
educacional, mas também no domínio de conteúdos a serem ensinados, como
afirmam Fiorentini, Nacarato e Pinto:
“O saber docente é um saber reflexivo, plural e
complexo porque histórico, provisório, contextual,
afetivo, cultural, formando uma teia, mais ou
menos
coerente
e
imbricada,
de
saberes
científicos – oriundos das ciências da educação,
dos saberes das disciplinas, dos currículos – e de
saberes da experiência e da tradição pedagógica”
(FIORENTINI, NACARATO e PINTO, 1999, p.55).
45
3 DEMONSTRAÇÃO MATEMÁTICA:
CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS,
FILOSÓFICAS E EPISTEMOLÓGICAS
É sabido que a Matemática, como ciência, ainda hoje, tem se apoiado no
método axiomático-dedutivo para construir seu conhecimento. A demonstração
tem papel primordial neste método por ser ela parte do "produto" dos
conhecimentos matemáticos. É por meio da demonstração que se constrói
(produz) os conhecimentos matemáticos; que se busca a verdade na
matemática. No referido método, a demonstração é um encadeamento lógico
de raciocínios determinados por dedução de outras verdades estabelecidas,
algumas delas também determinadas pelo mesmo encadeamento lógico
(Machado, 2001; Caraça, 2003; Boyer, 1996; Domingues, 2002). Resumindo,
uma demonstração consiste em um conjunto de raciocínios feitos a partir de
verdades já demonstradas ou aceitas sem demonstrações.
À primeira vista, esse método pode parecer um "circulo vicioso", porém,
o que garante a finitude dos procedimentos na formalização de uma
demonstração são os "polêmicos" axiomas, cujas discussões acerca dos
mesmos geraram controvérsias e posicionamentos distintos sobre a busca da
verdade em matemática (Barker, 1969; Silva, 1999; Bicudo, 2002).
Porém, essa visão reducionista do que vem a ser "demonstração" não
nos permite um vislumbre geral sobre como a demonstração surgiu e as
distintas concepções acerca da mesma em Matemática.
Para tal, uma análise histórico-filosófica será feita, seguida de outra não
menos importante, a epistemológica.
3.1 O surgimento da demonstração
Precisar o surgimento da demonstração em matemática não é algo fácil,
tendo em vista a precariedade de documentos. Porém, muitos autores
concordam que a demonstração teve início na Grécia do séc. VI, utilizando-se
46
de relatos posteriores de historiadores gregos por meio de textos não
matemáticos da época.
Considerando-se que o papel da demonstração seria o de validar
alguma hipótese, provar algo, então, seu surgimento precederia aos gregos,
uma vez que babilônios e egípcios, sem se valerem de qualquer estrutura
axiomática, garantiam verdades por meio de procedimentos práticos.
Basicamente, o conhecimento para esses povos se valia da evidência física, da
tentativa e erro, da analogia, etc. (Boyer, 1996; Eves, 1992). Vale ressaltar que,
mesmo se valendo da experiência sensorial, o papiro de Moscou, comprado no
Egito, em 1893, mostrou a sofisticação com que os egípcios encontraram uma
regra para calcular o volume do tronco de pirâmides de bases quadradas.
Como eles fizeram isso, não se sabe, apenas se especula.
Mas, graças aos gregos, estes dotados de espírito crítico e criativo, a
demonstração se tornou o pilar da verdade em matemática. O Sumario
Eudemiano9, uma das poucas fontes sobre a produção grega do período
helênico, relata as contribuições de Pitágoras de Samos (C. 523 a.C.) e de sua
escola à matemática. De acordo com Domingues (2002, p.58), "essa escola
teria sido a responsável pela criação da matemática pura, movida por razões
intelectuais e na esteira do estudo de problemas abstratos". Dessa forma, a
escola pitagórica havia imprimido à sua matemática um caráter mais dedutivo,
mesmo que nenhuma base axiomática tenha sido utilizada para tal.
Mas, foi com Euclides (C. 300 a.C.), em seus "Elementos", que o método
axiomático-dedutivo, mesmo contendo falhas lógicas, marcou para sempre a
busca da verdade em matemática e a demonstração se firmou como a
ferramenta principal para essa busca (Domingues, 2002, p.59-60). Mesmo que
erros lógicos nas demonstrações dos teoremas e até mesmo nas escolhas dos
postulados e axiomas estivessem presentes nos Elementos, o método utilizado
por Euclides perdurou por muito tempo, quando, nos séculos XVII e XVIII, um
abandono
considerável
do
método
ocorreu,
alavancando
avanços
consideráveis na matemática e discussões intermináveis sobre a "busca da
9
Ver mais em BOYER. História da Matemática. p. 32.
47
verdade", por meio das demonstrações (Caraça, 2003; Courant, 2000; Davis e
Hersh, 1995; Milodnow, 2004). Ressalta-se, nesta fase, a criação da geometria
analítica (Descartes 1596-1651) e o cálculo diferencial integral (Newton
1643-1727 e Leibiniz 1646-1716).
De acordo com Courant (2000), o ideal grego cristalizado na
axiomatização e na dedução sistemática não parecia relevante para os novos
pioneiros da ciência. Em um processo intitulado por Domingues (2002) de
"ilógico”, por meio de um autêntico trabalho de "adivinhação" intuitiva, de
raciocínios irrefutáveis entremeados de misticismo sem sentido (metafísica),
com uma confiança cega no poder sobre-humano do procedimento formal, eles
conquistaram um mundo matemático de imensas riquezas.
Essa visão ingênua, declarada por uns demasiadamente metafísica, não
pareceu ser, para alguns, suficiente para ser o método da busca da verdade
em matemática (Boyer, 1996; Lakatos, 1978). A intuição e os raciocínios
heurístico-geométricos
já
não
bastavam
para
explicar
resultados
aparentemente paradoxais. Assim, no século XIX, uma retomada no método
utilizado por Euclides ressurge em uma nova roupagem, inclinando-se ainda
mais para o lado da pureza lógica e da abstração (Domingues, 2002, p.62).
Até perto do final do século XIX, a demonstração
em matemática tinha um caráter grandemente
material. A demonstração de uma proposição era
uma atividade intelectual que visava a nos
convencer e a convencer os outros, racional, mas
também psicologicamente, da veracidade dessa
proposição (DOMINGUES, 2002, p.62).
Em
função
da
tentativa
de
compreender
paradoxos10
que
se
apresentavam cada vez mais nos fundamentos da Matemática, o conceito
clássico da demonstração não resistiu e a nova reformulação da idéia de
10
A teoria dos conjuntos de Cantor é um exemplo disso. Sua teoria dos números transfinitos, que mais
tarde ficou conhecida como "Paradoxo de Cantor", sofreu severas críticas, principalmente de Russel, que
revelou uma inconsistência fundamental no centro da teoria dos conjuntos (ver BARKER, Filosofia da
Matemática, p. 111-114).
48
demonstração surgiu sob o novo conceito de demonstração formal. Entre os
matemáticos que contribuíram para essa nova perspectiva, devem-se citar
Frege (1848-1925) e Russel (1872-1970) que, por meio de princípios
"puramente" lógicos, mostravam a possibilidade de se demonstrar uma
proposição, por mais complexa que essa fosse, recorrendo única e
exclusivamente às leis gerais da Lógica, com o auxílio de algumas definições.
“Toda matemática pura trata exclusivamente
de conceitos definíveis em termos de um
número muito reduzido de conceitos lógicos
fundamentais e que todas as suas proposições
são redutíveis a um número muito pequeno de
princípios lógico” (KORNER, 1974, p.42).
Mesmo com o grande avanço em relação aos procedimentos anteriores,
os logicistas carregavam consigo o gérmen de alguns revezes futuros para os
especialistas nos fundamentos da Matemática.
Com as geometrias não-euclidianas e as álgebras não convencionais no
final do século XIX, uma grande liberdade de produção matemática tinha sido
inaugurada e a axiomatização de sistemas matemáticos diversos emergiam
(Boyer, 1996; Domingues, 2002).
Nesse período, a Matemática era vista como uma ciência das deduções
formais, o que pressupunha destituí-la de toda e qualquer conotação material.
Um dos pioneiros nessa nova tentativa de consolidar o conhecimento
matemático por meio da nova "axiomatização" foi Pasch (1843-1931), que
sugeriu uma geometria calcada em alguns conceitos primitivos e fez dos
axiomas que introduziu apenas enunciados formais que serviam para
caracterizar implicitamente esses conceitos. Caso os axiomas pudessem, de
alguma forma, ser pronunciados pela experiência, "as demonstrações que se
seguiam
em
hipótese
alguma
deveriam
ter
qualquer
conotação
material" (DOMINGUES, 2002, p.63).
49
Mas, foi com Hilbert (1852-1934) que a nova axiomatização utilizada na
Geometria teve maior sucesso e, no afã de estabelecer não só na Geometria,
mas também nos outros campos da matemática o seu método axiomático,
Hilbert e seus seguidores criaram a "teoria da demonstração formal", um
método que objetivava determinar a consistência de qualquer sistema formal.
Porém, Gödel (1906-1978) provou a impossibilidade11 de estabelecer a
consistência de qualquer sistema matemático. O projeto de Hilbert e sua escola
estavam com os dias contados e a "Crise dos Fundamentos" restabelecida.
Trabalhos de Zermelo (1871-1953), aprimorados por Fraenkel (1891-1965),
tentaram contornar esta crise, porém, mesmo que seus trabalhos tentassem
evitar a "queda" em paradoxos, o sistema criado por ambos estava muito mais
impermeado em fé do que uma adoção matemática (Domingues, 2002; Barker,
1969; Machado, 2001).
A nova axiomatização sugerida por Zermelo e Fraenkel perdurou
soberanamente no século XX, quando um estranho no ninho, o computador,
surgiu e, com ele, uma nova idéia de demonstração, constrangendo os mais
puristas (Domingues, 2002; Davis e Hersh, 1995). Objeções foram feitas, mas
com a ciência cada vez mais dependente do computador e com os
matemáticos não podendo se isolar cientificamente, uma nova idéia do papel
da demonstração parece surgir e inevitavelmente deverá ser aceita: a idéia de
que a demonstração deve mais que convencer - deve instigar a investigação e
a descoberta de novos resultados, mediantes a exploração de novas
oportunidades (de Villiers, 2001).
Historicamente, percebemos o caráter não absolutista da demonstração,
uma vez que nuances distintas na busca da verdade em matemática
aconteceram e ainda acontecem. Mesmo que, no âmago de cada uma das
posições, o papel da demonstração não se desvirtue totalmente, não se pode
esquecer que a sua função não é apenas gerar produto (teoria) matemático,
mas também explicar tais produtos, como resume a colocação de Steen:
11
Gödel estabeleceu um método de associar certas "fórmulas" do sistema formal de Hilbert a enunciados
metamatemáticos acerca do sistema, fazendo-o de tal modo que cada uma dessas fórmulas, interpretada
normalmente, expressaria um enunciado verdadeiro a propósito dos números apenas no caso de ser
verdadeira também a asserção metamatemática a ela associada (Barker, 1969, p.127).
50
"Sua tarefa [dos matemáticos] está clara agora:
não devem eles gastar tempo e energias na
busca
do
fogo
fátuo
da
verdade
que
constantemente lhes foge das mãos. Ao contrário,
deverão encarar suas criações pela óptica da
utilidade e da adaptabilidade às circunstâncias,
com o espírito sempre aberto a possíveis métodos
que possam levar a esses fins. O fato de certos
métodos levarem a contradições, quando usados
indiscriminadamente, não significa que devam ser
abandonados, tal situação apenas aponta para a
necessidade de determinar as áreas nas quais
esses métodos se mostram seguros" (Apud
DOMINGUES, p.55, 2002).
3.2 O papel da demonstração no olhar da filosofia
Polêmicas sobre a busca da verdade em matemática, em especial a
"crise dos fundamentos" (Silva, 1999; Barker, 1969; Caraça, 2003; Courant,
2000), impulsionaram discussões não só no campo da Matemática, mas
também no da Filosofia. As inconsistências dos sistemas sugeridos pelos
matemáticos para a construção do conhecimento, em que a demonstração tem
papel fundamental, desencadearam a criação de "escolas" com visões distintas
sobre a atividade matemática. Um breve ensaio sobre as escolas Intucionistas,
Logicistas e Formalistas será feito, a fim de apontar as divergências e
congruências das mesmas e mostrar como a demonstração é vista por essas
escolas.
Começamos com uma citação de LAKATOS, impulsionando o ensaio a
ser feito:
"Não deveria existir nenhum desacordo acerca da
demonstração matemática. A gente olha com
inveja a suposta unanimidade dos matemáticos,
mas
de
fato
existe
uma
controvérsia
51
consideravelmente grande na matemática. Os
matemáticos puros negam as demonstrações dos
matemáticos aplicados, enquanto que os lógicos,
por sua vez, repudiam as dos matemáticos puros.
Os logicistas desprezam as demonstrações dos
formalistas e alguns intucionistas rejeitam com
desdém as demonstrações de logiscistas e
formalistas" (1987, p.21).
3.2.1 Intucionistas
Ligados a uma escola filosófica fundamentada especialmente pelas
idéias de Kant e Brower (Barke, 1969; Machado, 2001), os intucionistas
acreditam que a Matemática é uma construção de entidades abstratas, feitas a
partir da intuição do matemático, de forma que a construção prescinde de uma
redução à linguagem lógica ou de uma formalização rigorosa, característica de
um sistema dedutivo.
"O primeiro ato do intucionismo separa por
completo a Matemática da linguagem matemática,
em particular dos fenômenos da linguagem que
descreve a lógica teórica e reconhece que a
matemática intucionista é essencialmente uma
atividade sem linguagem...”(KORNER, 1974, p.
155).
Kant sustentava que as leis que regiam os números e a geometria
euclidiana eram, ao mesmo tempo, a priori e sintéticas12. Um exemplo desse
tipo de conhecimento, de acordo com Kant, são nossas intuições sobre o
tempo e espaço. Ele explica a natureza a priori afirmando que aquelas
intuições são propriedades inerentes da nossa mente e que o nosso
conhecimento sobre o tempo e o espaço é sistematizado pela aritmética e pela
12
Conhecimento será a priori quando não for justificável pela experiência sensorial e será sintético
quando não for justificável pela conexão intrínseca dos conceitos empregados, ou seja, pela maneira de
entender os termos empregados. Para melhores esclarecimentos, ver BARKER (1969, p.23).
52
Geometria Euclidiana, respectivamente (Hersh e Davis, 1995, p.309). Nessa
perspectiva, a explicação para a existência do conhecimento sintético e a priori
estaria baseado no fato de que, ao conhecer as leis dos números (aritmética),
por meio da consciência do tempo, o espírito ganha uma visão de seu próprio
funcionamento interior e não da realidade objetiva, possuindo a capacidade
mental de repetir, seguidamente o ato de contar. No caso da Geometria
Euclidiana, conhecimento este baseado na consciência do espaço como forma
de intuição, o espírito manifesta em torno de sua própria capacidade de
construir, "puramente", as figuras espaciais (Barker, 1969, p. 99).
A concepção kantiana, baseada na intuição13, apóia-se na idéia de que
todo o conhecimento matemático deve ser "construído" com o auxílio de uma
atividade puramente intuitiva (finita). Sendo assim, a Matemática começa
sempre pelo intuitivo, o finito, e deve conter apenas o que for obtido de um
modo construtivo deste ponto de partida intuitivo (Hersh e Davis, 1995, p. 317).
Para os intucionistas, os entes matemáticos não têm suas existências
postuladas, como acreditam os platonistas, nem é necessário que emerjam do
empírico. Tais entes devem ser construídos passo a passo e constituem um
mundo a parte na filosofia intucionista (Machado, 2001, p. 40).
Tal construção, do ponto de vista dos intucionistas, associada ao que
eles denominam demonstração construtiva (qualquer enunciado matemático
deve ser demonstrado construtivamente), é fator determinante para dizer
acerca da verdade de um enunciado. Dessa forma, se um enunciado afirma a
existência de "algo matemático", devemos saber como construir ou computar
esse "algo" por meio de processos finitos. Se um enunciado classifica esse
"algo" como tal ou qual, deve-se estar em condições de demonstrar, usando-se
apenas um número finito de processos, de qual classe pertence esse "algo". E,
de forma semelhante, é preciso dispor-se de uma contra demonstração
construtiva de qualquer que seja um enunciado, para poder dizer a cerca de
sua falsidade. Logo, "a questão da veracidade da Matemática coloca-se, então,
como um problema interno seu e não como decorrência de sua relação com o
mundo exterior" (MACHADO, 2001, p. 40).
13
Intuição para contar, somente isso.
53
Em casos que não são possíveis demonstrações/contrademonstrações
construtivas, os intucionistas admitem uma terceira possibilidade, sustentando
que um enunciado pode ser falso ou verdadeiro, rejeitando, assim, a lei do
"terceiro excluído”
14
. Para eles, um enunciado pode ser dotado de significado
e, ainda sim, não ser nem verdadeiro ou falso. Podemos pensar que, por meio
dessa postura, os intucionistas se viram a salvo de qualquer problema com
relação à consistência do método utilizado, porém, a doutrina segundo a qual
os "entes matemáticos" surgem da pura intuição do processo de contagem é
toda ela muito vaga e discutível.
A penumbra deixada pelos intucionistas sobre a dinâmica das "intuições"
que conduziam os matemáticos à criação de seu mundo autônomo e sobre o
modo como se mesclavam as concepções sobre o espaço e o tempo é uma
deficiência visível da teoria intucionista, se esta for considerada ao "pé da letra”
(Barker, 1969; Machado, 2001).
"... ponto de vista "Kantiano" não existe qualquer
problema de consistência. Infelizmente, contudo,
o corpo real da matemática não pode ser
colocado neste esquema filosófico simples. Os
intucionistas
da
Matemática
moderna
não
dependem da "intuição pura" no amplo sentido
Kantiano. Eles aceitam o infinito enumerável como
filho legítimo da intuição, e admitem apenas
propriedades
construtivas;
porém
assim,
conceitos básicos como o do contínuo numérico
seriam banidos, partes importantes da Matemática
existente
excluídas
e
o
restante
quase
irremediavelmente complicado" (COURANT, 2000,
p.263).
14
Princípio da lógica tradicional que afirma ser um enunciado ou verdadeiro ou falso, não havendo
terceira hipótese.
54
3.2.2 Logicismo
A escola logicista tem em Leibniz importantes raízes de sua
fundamentação filosófica (Silva, 1999; Davis e Hersh, 1995). Para ele, existem
duas classes de verdades: as verdades da razão e as verdades dos fatos. As
primeiras são verdades chamadas necessárias e essa necessidade se exprime
por meio de uma análise15 que gera, conseqüentemente, uma decomposição
em proposições mais simples até que se chegue a um ponto em que a
necessidade lógica seja explícita (tautologias). As verdades da razão são
impossíveis de serem negadas, sem que incorram em contradições (Machado,
2001).
As chamadas verdades dos fatos são aquelas cujas proposições são
comprovadas empiricamente, cuja negação não encontra obstáculos, do ponto
de vista lógico. Por exemplo: é uma verdade da razão que o teclado em que
digitamos é um teclado e é uma verdade de fato que a cor do teclado é preta.
Porém, encontram-se nas verdades dos fatos dificuldades de redução a lógica
Leibniziana, uma vez que seu propósito era "criar um método de representar o
pensamento através de signos, de caracteres relacionados com o que se está
pensando” (Machado, 2001, p.23).
Frege (1848-1925), Russel (1872-1970) e Whitehead (1861-1947),
seguindo a doutrina deixada por Leibniz, tentaram fazer com que a Matemática,
em sua totalidade, fosse reduzida a lógica. Em uma primeira tentativa feita por
Frege, este tentou demonstrar que as leis da aritmética são todas elas
reduzíveis às leis da lógica, de forma analítica por meio de uma visão racional
(Barker, 1969, p.107).
"Na Aritmética não nos preocupemos com objetos
que chegamos a conhecer de fora, como algo
alheio... mas com objetos que se apresentam
15
A regulamentação das análises é feita a partir do princípio da não-contradição e por meio de
identidades.
55
diretamente à Razão e que, por se assemelharem
a ela, são inteiramente transparentes à Razão"
(MACHADO, 2001, p.26)
Russel e Whitehead vão além. Para eles, não só as leis da aritmética
poderiam ser demonstradas apelando a leis da lógica, mas toda a matemática
o poderia (Davis e Hersh, 1995; Russell, 1974; Silva, 2002). Em “Principia
Mathematica”, os dois se “lançam na tarefa de esvaziar a Matemática, ou pelo
menos parte dela, de conteúdo próprio, reduzindo-a a lógica e, portanto à teoria
das formas vazias do pensamento correto” (SILVA, 1999, p.47).
Na perspectiva lógica, diferentemente da intucionista, as demonstrações
podem e devem ter um caráter não-construtivo e não parece haver qualquer
justificativa para pensar que um enunciado não seja verdadeiro nem falso, uma
vez que a lei do terceiro excluído aniquila esse tipo de pensamento (Russel,
1974; Körner, 1974; Barker, 1969).
Os logicistas adotam uma posição realista, não admitindo que o "reino
das entidades abstratas" esteja limitado pelos insuficientes poderes criadores
do espírito, pois as entidades existem em si e por si e não como construções
da mente. Dessa forma, o matemático não pode criar ou inventar os objetos
dos quais fala, pois eles estão por aí para serem descobertos e descritos.
Como o próprio Russell afirmou:
"Todo o conhecimento deve ser reconhecido, sob
pena de não passar de ilusão; a Aritmética precisa
ser descoberta exatamente no mesmo sentido em
que Colombo descobriu as Índias Ocidentais, e
não criamos os números, assim como ele não
criou os índios... Tudo que o puder ser imaginado
existe, e o ser é anterior e não resultado do fato
de ter sido pensado" (apud BARKER, 1969, p.
105).
56
Por meio dessa concepção filosófica realista, os lógicos se viram
exploradores de um terreno até então desconhecido da realidade abstrata,
onde a vasta área da realidade matemática não passava de uma ilha do amplo
continente da realidade lógica. Porém, "quanto maior o sonho maior é a queda"
e as idéias logicistas começaram a se desfazer, antes mesmo de ganharem
contornos definidos (Hersh e Davis, 1995; Barker, 1969; Silva, 1999).
A fim de contornar os paradoxos da Teoria dos Conjuntos de Cantor,
Russel-Whitehead desenvolveram a Teoria dos tipos16, cujo objetivo principal
era formular de modo técnico e rigoroso, o princípio do "círculo vicioso”
17
. A
teoria dos tipos foi, sem dúvida, um avanço considerável na lógica matemática,
mas um fracasso com relação aos objetivos iniciais (Barker, 1969; Davis e
Hersh, 1995). Ao tentar excluir os paradoxos da Teoria dos Conjuntos, a
estrutura gerada se tornou tão complicada, que mal podia ser identificada com
a lógica (regras de raciocínio correto). A proposta resultou em uma indesejável
duplicação de entidades, tornando difíceis ou impossíveis a enunciação e a
demonstração de alguns teoremas tradicionais da Matemática. Dessa forma,
"tornou-se insustentável dizer que a matemática nada mais é do que lógica que a matemática é uma enorme tautologia" (DAVIS E HERSH, 1995, p.312).
O próprio elaborador da Teoria dos tipos escreveu:
"Queria a certeza da mesma maneira que as
pessoas querem a fé da religião. Pensava que a
certeza seria encontrada mais provavelmente na
matemática do que em qualquer outro lado. Mas
descobri que muitas demonstrações matemáticas,
que os meus professores queriam que eu
aceitasse, estavam cheias de falácias e que, se,
na verdade, a certeza pudesse ser encontrada na
matemática, teria de ser num novo campo, com
fundamentos mais sólidos do que os que até aí
16
Ver mais em Russell, Introdução a Filosofia da Matemática (1974).
Para Russel, os paradoxos da Teoria dos Conjuntos de Cantor tinham raízes findadas no fato de
violarem a regra do "Princípio do círculo vicioso" que, segundo Russel dizia: "Se, admitindo que uma
dada coleção tivesse um total, ela teria elementos definíveis apenas em termos desse total, então, a
coleção não tem um total". Na tentativa de definir o número de números cardinais, Cantor contradiz o
"princípio do círculo vicioso", uma regra indiscutivelmente válida (Barker, 1969, p.112-119).
17
57
tinham
sido
julgados
seguros...
cheguei
à
conclusão que não podia fazer mais nada para
tornar o conhecimento matemático isento de
dúvida" (apud DAVIS E HERSH, 1995, p.
312-313).
3.2.3 Formalistas
Assim como para os intucionistas, a escola formalista tem raízes nas
concepções de Kant, porém, para eles não existem objetos matemáticos. A
matemática consiste apenas em um emaranhado de definições, axiomas e
teoremas, meras "fórmulas", estas destituídas de qualquer significado e relação
com a realidade objetiva (Lakatos, 1978; Körner, 1974).
A pretensão inicial dos formalistas era a de se obter um sistema formal
em que toda a matemática clássica pudesse estar alocada de forma
consistente e completa, estabelecendo a matemática como a "ciência dos
sistemas formais", estes destituídos de qualquer interpretação, considerados
apenas como um "jogo sem sentido". As peças desse jogo não têm significado
próprio, ou seu significado não interessa para o matemático/jogador.
Segundo Silva (1999), o formalismo "propõe-se a esvaziar o discurso
matemático, ou partes substanciais dele, de qualquer referência, significado ou
verdade, reduzindo-o a um discurso vazio" (p.48). Parafraseando Russel, a
matemática passa ser um discurso do qual “não sabemos do que estamos
falando nem se aquilo que falamos é verdade".
Foi com Hilbert a primeira tentativa significativa de transformar toda a
Matemática em um "sistema formalizado", com a criação do "programa de
demonstração e teoria", em que a atenção está voltada apenas para o arranjo
das cadeias de fórmulas que constituem os teoremas do sistema,
negligenciando interinamente o significado de qualquer uma das fórmulas e a
58
verdade daquilo que, eventualmente, querem dizer (metamatemática) 18. Seu
programa, na realidade, era uma tentativa de demonstrar matematicamente a
consistência de toda matemática. Basicamente, seu programa fundamentavase da seguinte maneira (Machado, 2001, p.29):
1. a Matemática compreende descrições de objetos e construções
concretas, extralógicas;
2. estas construções e estes objetos dever ser enlaçados em teorias
formais em que a Lógica é o instrumento fundamental;
3. o trabalho do matemático deve consistir no estabelecimento de
teorias formais consistentes, cada vez mais abrangentes até que se
alcance a formalização de toda a Matemática.
Dessa forma, encarando a Matemática como um sistema formalizado, a
demonstração passa a ser caracterizada como qualquer seqüência de fórmulas
bem formadas, cada uma dessas fórmulas sendo um axioma ou um teorema,
este último obtido finitamente por aplicação de alguma regra de transformação,
por meio de fórmulas bem formadas anteriormente na seqüência.
De acordo com Hilbert, os problemas de inconsistência estariam
resolvidos se toda a Matemática fosse estabelecida "formalmente".
"O objetivo da minha teoria é estabelecer de uma
vez por todas a certeza dos métodos matemáticos
(...). A presente situação, em que encontramos
paradoxos,
é
intolerável.
Imaginem
só,
as
definições e métodos dedutivos que toda a gente
aprende, ensina e utiliza na matemática, o modelo
da verdade e da certeza, conduzem a absurdos!
Se o raciocínio matemático é defeituoso, onde
vamos encontrar a verdade e a certeza?”
(Apud DAVIS E HERSH, 1995, p.316-317).
18
Teoria das propriedades combinatórias da linguagem formal hilbetiana, encarada como um conjunto
finito de símbolos, sujeitos a permutações e arranjos segundo as regras de inferência, estas como regras
para transformar fórmulas. (Davis e Hersh, 1995, p.315)
59
Porém, Godel e os teoremas da incompletude demonstraram que era
impossível alcançar o programa de Hilbert. Utilizando-se de uma engenhosa
cadeia de raciocínios metamatemáticos, Godel provou que a consistência é
incompatível com a completação. Ou seja, era impraticável determinar a
consistência de toda matemática (completude) por meio de fórmulas de um
sistema, no qual as mesmas refletiam asserções metamatemáticas do próprio
sistema de que faziam parte (Barker, 1969, p.126).
Talvez, a teoria metamatemática de Hilbert já estivesse fadada ao
fracasso mesmo antes de se consolidar, pois, diferentemente dos que pensam
os formalistas puros, Hilbert acreditava que os problemas matemáticos
estavam relacionados com a realidade finita e possuíam significados (Davis e
Hersh, 1995; Silva, 1999). Ele inventou a metamatemática com o propósito de
justificar a matemática do infinito, a matemática por ela mesma, a matemática
sem sentido, contradizendo o que ele mesmo acreditava.
Em verdade, podemos dizer que todos os formalistas devem se sentir
desconfortáveis e com dificuldades de explicar como, sendo a matemática o
que eles crêem ser, se adaptar tão bem à realidade objetiva, como é o caso
das aplicações nas ciências empíricas e em nossa vida cotidiana.
3.3 Estudo epistemológico
Vimos que, ao longo dos séculos, determinar o que é, e como se
alcança a verdade em matemática, foi motivo de discussões e mudanças
significativas de pensamentos acerca do que é uma demonstração e seu papel
na matemática. Porém, tais discussões, além de não chegarem a um
"veredicto", criaram um campo vasto de significações e finalidades da
demonstração em matemática. Dessa forma, não seriam notáveis os
problemas epistemológicos enfrentados para responder a uma pergunta: O que
é uma demonstração matemática?
60
Ao
tentar
responder
essa
pergunta,
enfatizando
os
aspectos
epistemológicos, faremos nossas considerações baseadas no ensino, pois
acreditamos
que
uma
análise
mais
profunda
desses
aspectos
irá
inevitavelmente se relacionar com as idéias da filosofia da Ciência e
Matemática, estas já suscitadas no tópico anterior.
De maneira simplista, temos algumas respostas acerca do problema
exposto no início, que são conflitantes e que interessam ao nosso estudo:
Um matemático diria: É um procedimento utilizado para
"convencer" um grupo de especialistas, através de uma
linguagem formal e regras de transformações;
Um educador matemático diria: É uma forma de "esclarecer",
"explicar" as teorias matemáticas, através de evidências tanto
físicas quanto abstratas. Utilizando-se de especulações e
argumentações;
O estudante de matemática diria: Eh... Bem... Então... Não sei
dizer muito bem o que é uma demonstração matemática. O que
é?
Responder a essa pergunta não é tarefa fácil. Talvez ela nem tenha uma
resposta correta e uma análise de pontos de vistas distintos é fundamental
para um posicionamento crítico e reflexivo sobre o papel da demonstração na
matemática.
Direcionemos a discussão para dois pontos importantes sobre a função
da demonstração: "Convencer" e "Esclarecer".
Barbin (1988), em seus estudos epistemológicos e didáticos sobre a
demonstração, ressalta o seu papel "discursivo" na civilização Grega. Para ela,
a demonstração surge para ser a regulamentadora de um debate contraditório,
público, de acesso a todos, de discussões argumentadas, tornando-se
também, regras de um jogo intelectual. Para a autora, com os assuntos das
cidades sendo postos em discussão pública, a demonstração aparece como
61
ato social que visa a "convencer" o outro. Esse espírito parece ter sido
incorporado pela matemática que surgia naquela época. "Conhecer, é
conhecer por intermédio da demonstração, ou seja, a demonstração é de
ordem da convicção num debate contraditório" (ARSAC, 1988).
Essa visão da demonstração, calcada no discurso e no ato de
"convencer" socialmente, parece ser reconhecida por vários matemáticos.
Afinal, há outros aspectos envolvidos na maneira como os próprios
matemáticos validam suas descobertas, não recorrendo exclusivamente a
"demonstração formal".
"Deveríamos reconhecer que as demonstrações
humanamente compreensíveis e humanamente
verificáveis que atualmente fazemos, são as mais
importantes para nós, é que elas são muito
diferentes da "demonstração formal". Atualmente,
as demonstrações formais são inacessíveis e em
grande parte irrelevantes, temos bons processos
humanos para verificar a validade matemática."
(TRURSTON, 1994, p.171).
"Considero a demonstração como forma de
discurso. È uma maneira de falar própria da
matemática e de ser reconhecido por tradição."
(WHELLER, 1990, p.3).
A convicção de que sabemos a verdade, por meio do discurso, para
alguns autores é o que impulsiona a demonstração matemática. Desse modo, a
demonstração tem um papel de verificação. A demonstração passa a ser um
argumento necessário para validar uma afirmação, um argumento que pode
assumir várias formas, desde que seja convincente.
Vejamos algumas funções da demonstração, de acordo com Polya
(1995), Lakatos (1978), Hanna (1989), Guarnica (1996) e de Villiers (2001),
entre outros:
62
♦ verificação/convencimento: dizem respeito à verdade de uma afirmação.
Podem ser feitos por meio de procedimentos empíricos e de raciocínio
indutivo;
♦ explicação/clarificação: têm a função de explicar a verdade de uma
afirmação. Não se satisfaz somente pela evidência empírica;
♦ sistematização: organização de resultados num sistema formal;
♦ descoberta: invenção de novos resultados;
♦ comunicação: transmissão do conhecimento matemático;
♦ desafio intelectual: realização pessoal, gratificação da construção de uma
demonstração.
A demonstração como processo de explicação, de esclarecimento, tem
sido defendida por Hanna (1990) em seus trabalhos sobre demonstrações no
currículo. Resumindo, Hanna sugere que o ensino de demonstrações deve ser
apoiado
nas
demonstrações
que
explicam,
pois
elas,
diferente
das
demonstrações que simplesmente provam a veracidade de um teorema,
explicam por que é que um teorema é verdadeiro.
Poderíamos dizer que a demonstração que convence, vinculada ao
discurso e aos métodos empíricos, é um pontapé inicial para as demonstrações
que explicam, clarificam. Mesmo que estejamos convencidos, por processos
heurístico-empíricos, que a soma dos ângulos internos de um triângulo
euclidiano seja 180º (demonstração que convence), necessitamos de algo que
nos explique, além da evidência física, o porquê desse fato (demonstração que
explica).
Dessa forma, o aspecto de explicação de uma demonstração para
muitos matemáticos tem maior valor do que o de verificação (de Villiers, 2001).
Podemos fazer uma analogia desses dois aspectos da demonstração
com a atividade matemática e o produto desta atividade. A atividade
matemática tem como pressuposto a criação de conceitos matemáticos
63
(demonstração como verificação) e a estes conceitos, chamamos de produto
(demonstração como explicação). Segundo POLYA:
"... o resultado do trabalho criativo de um
matemático
é
um
raciocínio
dedutivo,
uma
demonstração; mas a demonstração é descoberta
por
raciocínio
plausível,
pela
especulação
(guessing). Se a aprendizagem da matemática
reflete,
em
matemática,
alguma
tem
de
medida,
haver
a
lugar
invenção
para
a
especulação, para a inferência plausível" (1954, p.
83).
No que diz respeito ao ensino de demonstrações, vimos que o processo
de demonstrar, de acordo com os autores pesquisados, passa por várias
etapas até que se chegue a um produto que explique, sem sombra de dúvidas,
um determinado problema. Porém, esse produto pode ser representado de
distintas formas e cada uma delas apresentada corretamente. Então, o que
devemos considerar? Como determinar o que é certo ou errado? Como
estabelecer um padrão de demonstração se podemos estabelecer uma
verdade de várias maneiras?
O desconhecimento das discussões sobre a "Educação Matemática",
por parte dos profissionais da educação, e mais precisamente sobre o papel da
demonstração, gera conflitos epistemológicos na medida em que, ao se
desconsiderar as nuances da atividade matemática e dos produtos gerados,
somos podados uma teoria única, formal, em que a demonstração é algo
pronto, acabado. Como ressalta GARNICA sobre o papel das demonstrações
na Matemática:
"Matemática,
portanto,
em
seu
regime
de
verdade, é uma outra Matemática, radicalmente
distinta daquela vista sob a perspectiva da prática
profissional dos matemáticos. Distintos regimes
de verdade falam de distintas matemáticas, não
64
de uma única Matemática, plena, onipresente,
onipotente, onisciente, que pode ser atingida de
diferentes formas. Isso não tem sido explicitado
de modo claro, ou falando de outro modo, pode
estar
sendo
sistematicamente
negligenciado"
(2002, p.99).
65
4 PROBLEMATIZAÇÃO E HIPÓTESES DE PESQUISA
Ressaltamos, no referencial teórico, algumas considerações sobre o
processo de ensino/aprendizagem das demonstrações em Geometria e como
esta tem sido abordada no ensino em geral. Consideramos também as
orientações nacionais para o estudo de demonstração e as suas concepções
na história, na filosofia e na epistemologia.
De posse deste aporte teórico, focamos nosso trabalho nas idéias de
Duval sobre a aquisição dos conceitos geométricos e sobre a importância dos
registros de representação nesta aquisição.
Para situarmos melhor nossa problemática, aplicamos um questionário
para os alunos da instituição de ensino na qual a pesquisa foi realizada, com o
objetivo de obter dados concretos que pudessem vir a corroborar algumas das
afirmações e conjecturas expostas nas discussões iniciais e no referencial
utilizado. Procedemos também a uma análise desse questionário.
4.1 Questionário
A fim de verificarmos a relação/conhecimento dos futuros professores de
matemática com a demonstração e seu papel no ensino de Geometria, um
questionário estruturado contendo nove questões fechadas19 e uma aberta foi
elaborado (ver apêndice A, p.170). Sua análise consistirá de uma leitura
quantitativa (para as questões fechadas) e qualitativa (para a questão aberta)
dos dados obtidos.
4.1.1 População
Os alunos de um curso de licenciatura plena em matemática da região
metropolitana
de Belo Horizonte foram
escolhidos
para
responder ao
questionário proposto. O referido curso está no seu quarto ano e a primeira
19
As opções de respostas para essas perguntas são apenas sim ou não.
66
turma irá se formar no segundo semestre de 2007.
Para responder ao
questionário, optamos pelos alunos do 3º ao 7º períodos, pois, de acordo com
a grade curricular da instituição que oferece o curso, as disciplinas de
Geometria Plana e Geometria Espacial já teriam sido ofertadas, com exceção
dos alunos do terceiro e quarto períodos que fizeram apenas geometria plana,
mas, estariam com a geometria espacial em curso.
Após uma preleção do pesquisador, 100 questionários foram distribuídos
e, destes, 49 foram respondidos e analisados.
4.1.2 Dados e análise
Acreditando ser fundamental, para a análise das respostas, o tipo de
formação básica feito pelos pesquisados, pedimos que os mesmos
identificassem de que forma concluíram o ensino médio, a saber: científico,
técnico, supletivo e ou magistério. O Gráfico 1 estabelece aproximadamente o
percentual para cada modalidade:
Dos 49 alunos pesquisados,
Form a çã o Bá sica
32 fizeram o científico, 6 um
10%
curso técnico equivalente e o
12%
supletivo e 5 concluíram o
12%
66%
curso
de
habilitação
ao
magistério.
Científ ico
Técnico
Supletivo
Magistério
Gráfico 1: Formação Básica
4.1.3 Análise das respostas dos alunos - dados quantitativos
Os gráficos a seguir apresentam os resultados quantitativos das
respostas dos alunos para as questões de 1 a 9 do questionário, divididos por
sua formação básica.
67
Questão 1
Questão 1: Durante a educação básica você teve aulas de
geometria?
30
25
20
Científico
15
Supletivo
10
Técnico
Magistério
5
Resposta: Sim
Científico: 27 alunos - 84%
Supletivo: 2 alunos - 33%
Técnico: 3 alunos - 50%
Magistério: 2 alunos - 40%
Resposta: Não
Científico: 5 alunos - 16%
Supletivo: 4 alunos - 67%
Técnico: 3 alunos - 50%
Magistério: 3 alunos - 60%
0
Sim
Não
Gráfico 2: Análise quantitativa da questão 1
Questão 2: Caso sua resposta tenha sido sim na primeira
questão, responda: Você fez alguma demonstração nas aulas
de geometria na educação básica?
Questão 2
30
25
20
15
10
5
0
Científico
Supletivo
Técnico
Magistério
Sim
Resposta: Sim
Científico: 4 alunos - 15%
Supletivo: 1 alunos - 50%
Técnico: 2 alunos - 67%
Magistério: 1 alunos - 50%
Resposta: Não
Científico: 23 alunos - 85%
Supletivo: 1 alunos - 50%
Técnico: 1 alunos - 33%
Magistério: 1 alunos - 50%
Não
Gráfico 3: Análise quantitativa da questão 2
Obs.: A questão de número dois está condicionada à questão anterior
Questão 3
Questão 3: Na graduação, você trabalhou ou trabalha com
demonstrações na disciplina de geometria?
35
30
25
20
15
10
5
0
Científico
Supletivo
Técnico
Magistério
Sim
Resposta: Sim
Científico: 32 alunos - 100%
Supletivo: 5 alunos - 83%
Técnico: 6 alunos - 100%
Magistério: 4 alunos - 80%
Resposta: Não
Científico: 0 aluno - 0%
Supletivo: 1 aluno - 17%
Técnico: 0 aluno - 0%
Magistério: 1 aluno - 20%
Não
Gráfico 4: Análise quantitativa da questão 3
68
Ques tão 4
30
25
20
15
10
5
0
Questão 4: Você sabe o que é um sistema formalizado?
Científico
Supletivo
Técnico
Magistério
Sim
Resposta: Sim
Científico: 10 alunos - 31%
Supletivo: 0 alunos - 0%
Técnico: 0 alunos - 0%
Magistério:2 alunos - 40%
Resposta: Não
Científico: 22 alunos - 69%
Supletivo: 6 alunos - 100%
Técnico: 6 alunos - 100%
Magistério: 3 alunos - 60%
Não
Gráfico 5: Análise quantitativa da questão 4
Questão 5: Você se acha capaz de definir “axioma”,
Questão 5
“postulado” e teoremas”?
30
25
20
15
10
5
0
Científico
Supletivo
Técnico
Magistério
Sim
Resposta: Sim
Científico: 25 alunos - 78%
Supletivo: 2 alunos - 33%
Técnico: 4 alunos - 67%
Magistério:2 alunos - 40%
Resposta: Não
Científico: 7 alunos - 22%
Supletivo: 4 alunos - 67%
Técnico: 2 alunos - 33%
Magistério: 3 alunos - 60%
Não
Gráfico 6: Análise quantitativa da questão 5
Questão 6
Questão 6: Você acha que demonstrar é importante para o
ensino de geometria?
35
30
25
20
15
10
5
0
Científico
Supletivo
Técnico
Magistério
Sim
Resposta: Sim
Científico: 32 alunos - 100%
Supletivo: 6 alunos - 100%
Técnico: 6 alunos - 100%
Magistério: 4 alunos - 80%
Resposta: Não
Científico: 0alunos - 0%
Supletivo: 0 alunos - 0%
Técnico: 0 alunos - 0%
Magistério: 1 alunos - 20%
Não
Gráfico 7: Análise quantitativa da questão 6
69
Questão 7
Questão 7: Você acha necessário o uso de demonstrações
no ensino de geometria?
35
30
25
20
15
10
5
0
Científico
Supletivo
Técnico
Magistério
Sim
Resposta: Sim
Científico: 32 alunos - 100%
Supletivo: 6 alunos - 100%
Técnico: 6 alunos - 100%
Magistério: 3 alunos - 60%
Resposta: Não
Científico: 0aluno - 0%
Supletivo: 0 aluno - 0%
Técnico: 0 aluno - 0%
Magistério: 2 alunos - 40%
Não
Gráfico 8: Análise quantitativa da questão 7
Ques tão 8
35
30
25
20
15
10
5
0
Questão 8: Você sente dificuldades em demonstrar?
Científico
Supletivo
Técnico
Magistério
sim
Resposta: Sim
Científico: 31 alunos - 97%
Supletivo: 6 alunos - 100%
Técnico: 4 alunos - 67%
Magistério: 5 alunos - 100%
Resposta: Não
Científico: 1 aluno - 3%
Supletivo: 0 aluno - 0%
Técnico: 2 alunos - 33%
Magistério: 0 aluno - 0%
não
Gráfico 9: Análise quantitativa da questão 8
Questão 9
Questão 9: Você acha que sua formação em geometria lhe
dá subsídios para trabalhar futuramente com as
demonstrações no ensino?
30
Científico
20
Supletivo
10
Técnico
Magistério
0
sim
Resposta: Sim
Científico: 20 alunos - 62%
Supletivo: 3 alunos - 50%
Técnico: 4 alunos - 67%
Magistério: 1 aluno - 20%
Resposta: Não
Científico: 12 alunos - 38%
Supletivo: 3 alunos - 50%
Técnico: 2 alunos - 33%
Magistério: 4 alunos - 80%
não
Gráfico 10: Análise quantitativa da questão 9
70
Total -Independente da Form ação Básica
Ques. 1
Ques. 2
Ques. 3
50
40
30
20
10
0
Ques. 4
Ques. 5
Ques. 6
Ques. 7
Sim
Não
Resposta: Sim
Ques.1: 34 alunos - 69%
Ques.2: 8 alunos - 24%
Ques.3: 47 alunos - 96%
Ques.4: 12 alunos - 24%
Ques.5: 33 alunos - 67%
Ques.6: 48 alunos - 98%
Ques.7: 47 alunos - 96%
Ques.8: 46 alunos - 94%
Ques.9: 28 alunos - 57%
Resposta: Não
Ques.1: 15 alunos - 31%
Ques.2: 26 alunos - 76%
Ques.3: 2 alunos - 4%
Ques.4: 37 alunos - 76%
Ques.5: 16 alunos - 33%
Ques.6: 1 aluno - 2%
Ques.7: 2 alunos - 4%
Ques.8: 3 alunos - 6%
Ques.9: 21 alunos - 43%
Ques. 8
Quest. 9
Gráfico 11: Análise quantitativa total
4.1.4 Análise qualitativa das respostas dos alunos
Considerando a questão em aberto, na qual os alunos discorrem sobre o
que entendem ser uma demonstração matemática, percebemos que a maioria
a vê como um processo lógico, que tem a finalidade de “provar e esclarecer”
teorias matemáticas. Seguem algumas respostas que comprovam a análise
feita:
“Demonstração matemática, para mim, é conseguir provar de
maneira lógica, através de raciocínios coerentes, a construção
da matemática” (aluno do 5º período).
“A demonstração é o processo passo a passo de como surgiu a
fórmula... é a forma de chegar ao original” (aluno do 6º período).
“Forma pela qual se verifica a veracidade ou não de um
pressuposto” (aluno do 4º período).
“É o processo utilizado para provar como se chegou a alguma
fórmula ou resultado” (aluno do 3º período).
Porém, parece que as repostas dadas, em sua maioria, são reproduções
do discurso do professor e dos livros estudados, pois os alunos não
71
reconhecem um sistema formal e a relação entre os elementos inerentes do
mesmo, fato este destacado com as respostas às questões 4 e 5 do
questionário. Entre os entrevistados, 76% não sabem o que é um sistema
formal, porém, 67% dizem ser capaz de definir alguns dos elementos
subjacentes do sistema.
Achamos considerável o número de alunos que não tiveram, durante a
educação básica, aulas de Geometria, no total 15 alunos. Destes, 4 foram
alunos de supletivo, representando 67% do total dos que passaram por essa
modalidade de ensino. Podemos relacionar este fato com as pesquisas que
comprovam o abandono da Geometria na educação básica (Pavanello, 1989).
Dos 26 alunos que tiveram aulas de Geometria na educação básica,
apenas 24% afirmam ter feito alguma demonstração nas aulas de Geometria.
Na graduação, este número aumenta consideravelmente para 47 alunos.
Porém, acreditamos que os alunos não tenham uma idéia clara do que seja
uma demonstração, pois 2 alunos responderam não terem tido contato com
demonstrações em suas aulas de Geometria, apesar de colegas do mesmo
período afirmarem o contrário.
Mesmo com pouco conhecimento do que seja uma demonstração e dos
processos envolvidos no ato de demonstrar (especulações feitas a partir das
respostas da questão em aberto e das questões 4 e 5 do questionário), os
alunos, quase em sua totalidade (98%), acham importante se fazer
demonstrações em Geometria. A exceção foi um único aluno, um daqueles que
afirmaram não terem feito nenhuma demonstração em Geometria na
graduação. Este número reflete na posição dos mesmos com relação à
necessidade de trabalhar as demonstrações no ensino de Geometria; 47
alunos consideram ser fundamental este trabalho.
Com relação à questão 8, 96% dos alunos afirmaram sentir dificuldades
em fazer uma demonstração, porém, destes, 57% destacam que a formação
recebida em Geometria lhes dá subsídios para trabalhar posteriormente com as
demonstrações no ensino. Contraditório ou não, conjecturamos que, por
72
acharem importante e necessário o ensino de demonstrações em Geometria,
os alunos, apesar de apontarem dificuldades em demonstrar (46 alunos), se
sentem preparados (28 alunos) para trabalhar com as demonstrações mais em
função da “obrigação” que posteriormente crêem ter.
Evidenciamos que 100% dos alunos que passaram pelo magistério na
educação básica (5 no total) relataram ter dificuldade em demonstrar e dois
destes acham não ser necessário o ensino de demonstração em Geometria.
Ressaltamos que um destes alunos, mesmo achando não ser necessário o
trabalho com demonstrações no ensino, afirma que este é importante.
No geral, a análise dos dados obtidos com a aplicação do questionário
vem corroborar o que já tem sido constatado por várias pesquisas na área de
educação matemática: o ensino de Geometria é precário tanto na educação
básica quanto nas licenciaturas, no que tange ao trabalho com as
demonstrações dos conceitos geométricos.
A não compreensão dos alunos sobre o que é um sistema formal, os
elementos inerentes a este sistema e a forma de operacionalização do mesmo,
destaca que a demonstração vem sendo tratada na licenciatura como algo
destituído de qualquer significado e sentido. Apenas como mais uma parte de
um “jogo” no qual os participantes, mesmo jogando, não conhecem a “regra”.
4.2 Problemática
Baseados em nosso referencial e no questionário aplicado aos alunos,
percebemos que o ensino de Geometria não tem alcançado seus objetivos
referentes
ao
desenvolvimento
de
habilidades
de
análise,
crítica,
posicionamento, argumentação e validação. Enfim, o desenvolvimento do
raciocínio lógico dedutivo, fundamental no ensino da matemática, parece não
estar sendo efetivamente considerado para que o desenvolvimento dessas
habilidades seja concretizado. As demonstrações matemáticas desempenham
um papel importante nesse sentido, pois a hierarquização dos processos que
73
envolvem o ato de demonstrar contribui para uma reflexão crítica dos passos a
serem dados na busca de uma constatação de um determinado enunciado.
Mais que isso, as demonstrações explicitam a lógica existente na construção
de conceitos matemáticos.
Dessa forma, acreditando ser fundamental um trabalho com o ensino de
demonstrações, principalmente nos cursos de formação de professores, pois é
a partir desta formação que reflexos serão percebidos na educação básica,
como fazer para que esse trabalho tenha significado e que realmente ofereça
contribuições na aquisição de conceitos geométricos? Como desenvolver, por
meio de atividades que envolvam demonstrações, a noção do sistema formal e
dos elementos que o compõem? Por fim, como trabalhar as demonstrações
caracterizando-a mais como um processo, com o objetivo principal de validar
teoricamente a veracidade de um teorema?
4.3 Hipóteses levantadas
•
É possível, dentro de qualquer contexto escolar, criar e elaborar
estratégias e situações que possam minimizar as dificuldades que
os alunos enfrentam ao fazer uma demonstração (seqüência
didática).
•
A
compreensão
dos
processos
que
envolvem
uma
demonstração é facilitada em atividades que exigem formulação e
redação em diferentes registros de representação, sendo que:
a) A coordenação entre os registros de representação
natural,
algébrico
e
figural
é
determinante
na
compreensão dos conceitos geométricos necessários
para efetivar uma demonstração;
b) O papel heurístico com as figuras geométricas é
fundamental para que o aluno ultrapasse a apreensão
perceptiva e alcance, por meio da apreensão discursiva,
a apreensão operatória (Duval).
74
•
A criação de ferramentas lógicas contribui para a decisão sobre
os passos a serem tomados na redação de uma demonstração.
A aplicação e a análise do questionário, de maneira geral, nos trouxeram
a confirmação das dificuldades que os licenciandos enfrentam ao se fazer uma
demonstração matemática. Isto se associa ao não conhecimento dos
elementos e processos envolvidos no ato de demonstrar e na formação
recebida durante a educação básica e no curso de licenciatura. Coincidem com
considerações elaboradas em pesquisas já realizadas e citadas nesta
dissertação. O levantamento e a análise dos dados nos permitiram ter uma
visão sistematizada da situação e um embasamento para nossas conjecturas.
75
5 A SEQÜÊNCIA DIDÁTICA
Neste capítulo apresentaremos nossa seqüência didática, destacando
sua concepção, os procedimentos adotados na execução da seqüência, a
descrição das atividades propostas, os objetivos de cada atividade e,
finalmente, os resultados obtidos analisados de acordo com as propostas
almejadas.
Ressaltamos que, neste trabalho, não temos a pretensão de determinar
a melhor forma de trabalhar as demonstrações matemáticas no ensino de
Geometria Euclidiana, mas, sim, de criar propostas metodológicas alternativas
para a formação de futuros professores de matemática, despertando um olhar
“crítico” na aquisição de técnicas de demonstração e na compreensão dos
conceitos geométricos envolvidos no processo de demonstrar. Destacamos
que as atividades propostas podem ser estendidas para a educação básica,
desde que adaptações sejam feitas, de acordo com o objetivo delimitado.
5.1 Finalidade da seqüência didática
Adotar uma proposta metodológica para introduzir “técnicas de
demonstração” em um curso de licenciatura em Matemática para alunos
que já cursaram as disciplinas de Geometria Plana e Espacial. Para
conduzirmos nosso trabalho na elaboração da seqüência didática,
consideramos os seguintes aspectos:
•
motivar os alunos, realizando uma abordagem histórica sobre o
sistema formal seus elementos e a importância da demonstração
matemática na Geometria. Usamos textos para desempenhar
este papel;
•
apresentar aos alunos os diferentes registros de representação e
como mobilizá-los na aquisição de uma demonstração;
76
•
trabalhar o estatuto do teorema, definindo hipóteses e teses e a
importância de distingui-los no teorema;
•
expor e solicitar figuras geométricas associadas a teoremas,
propriedades e definições;
•
evidenciar a seqüência lógica envolvida em esquemas de
demonstrações e a necessidade da mesma durante todo o
processo;
•
oferecer
subsídios que
levem
o aluno a redigir uma
demonstração em dois registros de representação: natural e
algébrico, com o auxílio da representação figural.
Para alcançarmos os objetivos traçados, utilizando-se das teorias
estudadas, organizamos nossa seqüência de acordo com o modelo abaixo:
Determinação das dificuldades dos
alunos:
Experiência profissional e diagnóstico
Destacar/
determinar as
hipóteses e teses
de um teorema
Elaboração da seqüência
Apresentação do sistema formal: reconhecimento
do estatuto de seus elementos, a saber:
postulados, definições, propriedades e teoremas.
Registros de
representação
Mobilização dos registros
de representação figural,
algébrico e natural;
mudanças de registros
Redação da demonstração
Transposição
didática
Demonstração
Visualização
o
Aquisição
integral da
prova
Tratamento das
informações
Congruência e nãocongruência entre os
registros de representação.
Aquisição
parcial da
prova
Caixa de
ferramentas
Estatuto das figuras
geométricas; identificação
de elementos implícitos
nos teoremas
Caixa de
ferramentas
Raciocínio
X
Visualização
Justificações
entre relações
estabelecidas
Figura 6: Modelo utilizado para trabalhar técnicas de demonstração
Fonte: Dados da Pesquisa
77
5.2 Concepções do modelo proposto
De acordo com o levantamento bibliográfico realizado, percebemos que
o ensino de Geometria tem sugerido várias discussões no âmbito do seu
ensino e aprendizagem, porém, no que diz respeito ao ensino efetivo das
demonstrações em Geometria (euclidiana), as discussões, em sua maioria,
estão alicerçadas no papel que a prova matemática desempenha neste ensino
e sobre as diversas facetas que se pode atribuir à demonstração matemática.
Trabalhamos com a idéia de que a demonstração matemática é um processo e
não um produto. Uma atividade do pensamento que, por meio de uma
seqüência lógica, conectada ao estatuto dos elementos inerentes ao processo,
procura, por meio de argumentações, produzir um discurso que convença os
outros da veracidade de um enunciado.
Em nossa seqüência, tentamos trabalhar a demonstração, de acordo
com o conceito dado por Balacheff (1987), caracterizando a demonstração
como uma atividade complexa do raciocínio, intervindo em capacidades
“cognitivas’, “metodológicas” e “lingüísticas”. Para tal, buscamos, na teoria de
“Registros de Representação Semiótica” de Duval, adaptar nossa proposta na
busca de atividades que contribuíssem para a aquisição/compreensão de
técnicas de demonstração.
Duval acredita que a Geometria envolve três processos cognitivos,
sinergicamente imbricados: a visualização, a construção e o raciocínio (c.f.
Cap. 2) e estes são indispensáveis para a sua aprendizagem. Para ele, um dos
maiores problemas relacionados à aprendizagem da Geometria são as formas
de apreender e registrar as figuras geométricas e, no caso da demonstração,
na distinção do “raciocínio argumentativo” e o “raciocínio dedutivo”.
No raciocínio dedutivo, com vistas à demonstração, Duval afirma que as
proposições estão organizadas de acordo com seu estatuto e que esta
organização ocorre por substituições de proposições, como em um cálculo.
Todavia, a heurística de problemas envolvendo a Geometria está baseada em
registros espaciais que permitem interpretações autônomas, classificadas por
78
Duval em: apreensão seqüencial, apreensão discursiva, apreensão perceptiva
e apreensão operatória. É pela distinção das apreensões da figura que a
resolução de um problema geométrico e o tipo de raciocínio que este exige
serão determinadas.
A distinção entre as apreensões perceptivas e discursivas é, para Duval,
um dos problemas centrais na compreensão dos conceitos geométricos por
meio das figuras, pois nem sempre é possível visualizar todas as informações
que um enunciado estabelece pela sua representação figural. Dessa forma, a
apreensão operatória é fundamental, pois é nela que “ajustes” serão feitos, na
busca da solução do problema, utilizando-se da operação de “reconfiguração
intermediária”.
Para que ocorra uma compreensão do estatuto das figuras geométricas
e das formas de apreensões das mesmas, é necessário um trabalho com
distintos registros de representação. Duval afirma que a mobilização desses
registros é fundamental para a função cognitiva do pensamento humano.
Assim, a consciência do que vem a ser uma demonstração somente ocorre
numa articulação de dois registros, em que um deles é a linguagem natural.
Essa tomada de consciência “surge” da interação entre a representação não–
discursiva produzida e o discurso expresso. O reconhecimento dos “objetos
matemáticos” e suas características, fator necessário na articulação de
conhecimentos para aquisição de uma prova, só serão apreendidos na “união”
de diferentes registros desses objetos.
“Para os sujeitos, uma representação pode
apenas funcionar como representação, isto é, lhes
dar acesso ao objeto representado, quando duas
condições
forem
preenchidas:
que
eles
disponham ao menos de dois sistemas semióticos
diferentes para produzir a representação de um
objeto, de uma situação ou de um processo e, que
eles possam converter “espontaneamente” um
sistema semiótico em outro” (DUVAL, 1995, p.22).
79
Com base nas idéias de DUVAL e nas produções estudadas,
percebemos que “obstáculos” foram evidenciados na tentativa de trabalhar as
demonstrações no ensino de Geometria. Dentre eles, destacamos os de
natureza epistemológica, didática e lingüística:
1.
Obstáculos epistemológicos: inerentes ao próprio conhecimento sobre
demonstração, às suas características e ao seu desenvolvimento.
Obstáculos apontados:
•
a coordenação de diferentes registros de representação não
ocorre espontaneamente;
•
o conceito de demonstração (vimos, no capítulo destinado ao
estudo
da
demonstração,
que
matemáticos,
filósofos
e
educadores têm opiniões diferentes sobre a demonstração
matemática e o papel que ela desempenha);
•
a figura geométrica pode se destacar como um obstáculo, pois,
ao mesmo tempo em que contribui na exploração de conceitos na
obtenção de uma demonstração, ela nem sempre facilita
“enxergar” as propriedades atribuídas à hipótese de um
enunciado;
•
o aluno não entende a necessidade de “provar” algo que ele
observa na figura;
•
a falta de compreensão entre a relação semântica entre os
registros de representação utilizados em uma demonstração pode
constituir um obstáculo na percepção da seqüência lógica
envolvida no processo de demonstrar.
2.
Obstáculos didáticos: relacionados com as estratégias de ensino.
Destacamos:
•
a formação dos professores, baseada na analogia (modelos), não
permite um trabalho crítico e compreensivo da demonstração;
80
dessa forma ocorre um obstáculo na mobilização dos conceitos
envolvidos em um determinado problema (Pavanello, 2002);
•
os livros didáticos não costumam apresentar problemas que
envolvam, efetivamente, a demonstração (Gouvêa, 1998);
•
os
problemas
geométricos
têm
sido
tratados
de
forma
experimental, sem uma preocupação com a sistematização do
processo.
3.
Obstáculos lingüísticos: relacionados à compreensão dos textos
apresentados, seja em linguagem natural ou matemática:
•
leitura fragmentada dos enunciados matemáticos, acarretando em
dificuldades de entender o problema;
•
os alunos conseguem raciocinar corretamente na solução de um
problema, mas não conseguem responder a questionamentos
com argumentos precisos.
Fundamentados e orientados pelas idéias expostas, desenvolvemos
nossa seqüência didática, no intuito de trabalhar técnicas de demonstração. O
fizemos de tal forma que a demonstração se caracterizasse mais como uma
hierarquia de tarefas do que uma hierarquia de conteúdos, privilegiando a
compreensão dos processos e de habilidades a serem desenvolvidas para a
aquisição e a articulação de conceitos geométricos.
5.3 Engenharia da seqüência didática
Com a finalidade de trabalhar técnicas de demonstração de forma
significativa, a seqüência didática proposta tem como objetivos principais:
•
trabalhar, inicialmente, os postulados, propriedades, definições e
teorema como objetos de estudo de um sistema formal;
•
clarificar o estatuto do teorema, de forma que as hipóteses e a tese
sejam reconhecidas e distinguidas no mesmo;
81
•
esclarecer que o recíproco de um teorema nem sempre é verdadeiro;
•
evidenciar o estatuto da figura geométrica, de forma que seus
atributos fundamentais estejam associados às hipóteses de um
teorema;
•
utilizar os postulados, definições, propriedades e teoremas como
ferramentas indispensáveis na produção de uma demonstração;
•
estabelecer uma rede semântica e lógica entre os esquemas de
demonstrações, os enunciados, as figuras geométricas e as
ferramentas utilizadas.
Para alcançarmos nossos objetivos, dividimos a seqüência em cinco
atividades, cada qual com um objetivo específico.
a) Objetivos da Atividade 1:
•
apresentar os elementos de um sistema formal;
•
fazer as distinções dos elementos de um sistema formal;
•
trabalhar os diferentes registros de representação;
•
apresentar
ferramentas
necessárias
para
se
fazer
uma
demonstração;
•
evidenciar hipóteses e teses de um enunciado;
•
trabalhar as relações entre os conceitos primitivos por meio dos
postulados.
b) Objetivos da Atividade 2:
•
destacar a congruência e a não-congruência entre os registros de
representação;
•
reforçar a mobilização entre os registros de representação;
•
determinar do estatuto da figura geométrica da hipótese e da tese a
partir de teoremas.
82
c) Objetivos da Atividade 3:
•
apresentar o recíproco de um teorema;
•
escrever o recíproco de um teorema e o teorema unificado;
•
apresentar ferramentas de "justificação";
•
trabalhar a veracidade do recíproco através de contra-exemplos.
d) Objetivos da Atividade 4:
•
ressaltar os tipos de demonstrações;
•
trabalhar as hipóteses de um teorema como ferramenta fundamental
na obtenção de uma demonstração;
•
apresentar caixas de ferramentas auxiliares para a demonstração de
um teorema;
•
apresentar
esquemas
de
demonstração
em
registros
de
representação distintos;
•
destacar a congruência semântica dos registros de representação
até então trabalhados.
e) Objetivos da Atividade 5:
•
criação de caixa de ferramentas para demonstração;
•
elaboração de esquemas de demonstração.
Esperamos que, ao final da seqüência, os alunos sejam capazes de:
•
reconhecer a lógica de um sistema formal;
•
trabalhar na mobilização de diferentes registros de representação;
•
reconhecer o estatuto de um teorema;
•
reconhecer o estatuto da figura geométrica;
•
desenvolver habilidades de raciocinar logicamente em problemas
envolvendo demonstrações;
•
conseguir redigir uma demonstração.
83
5.4 Aplicação da seqüência didática
Nossa seqüência didática foi aplicada a alunos do 4º período de um
curso de licenciatura plena em matemática na região metropolitana de Belo
Horizonte do período noturno. A turma foi escolhida por se tratar de alunos que
já haviam cursado a disciplina de Geometria Plana e estava cursando a
disciplina de Geometria Espacial, da qual a pesquisadora era a professora.
Assim escolhemos, no intuito de tentar amenizar as dificuldades que os
mesmos relataram, ao responder o questionário, a respeito de se fazer uma
demonstração em geometria e sobre o que é realmente uma demonstração.
A turma escolhida tem um total de 20 alunos, todos regulares
curricularmente. O fato dos alunos conhecerem a pesquisadora contribuiu para
um discurso mais aberto durante a aplicação da seqüência.
Para a aplicação da seqüência, contamos com 8 aulas, cada uma delas
com uma hora e quarenta minutos de duração. O tempo foi suficiente para a
apresentação das atividades que compunham a seqüência e para todas as
discussões que surgiram durante a aplicação. Os encontros com a turma eram
semanais.
Todas as atividades da seqüência foram entregues pela própria
pesquisadora que, ao final de cada aula (aplicação de uma atividade), recolheu
as atividades feitas pelos alunos.
Os alunos tiveram a liberdade de fazer as atividades individualmente ou
em duplas, porém, as duplas foram supervisionadas constantemente pela
pesquisadora, para que os alunos não fizessem cópias uns dos outros. Apenas
na última atividade a pesquisadora solicitou que os alunos a desenvolvessem
individualmente.
Ressaltamos que estabelecemos como regra que os alunos fizessem
ordenadamente as atividades de nossa seqüência e, caso percebessem que
erros foram cometidos ao longo do desenvolvimento das tarefas, estes não
84
deveriam ser retomados, a não ser oralmente. Assim foi determinado, para que
as dificuldades encontradas nas soluções dos problemas servissem de fonte de
informações para melhor analisarmos o progresso dos alunos na execução da
seqüência.
5.5 Atividades da seqüência – Apresentação e Descrição
•
Atividade I
Atividade I - Sistema formal: reconhecendo o estatuto dos conceitos,
postulados, definições, teoremas e os registros de representação
Como os objetivos da primeira atividade estavam centrados no
reconhecimento de um sistema formal, seus elementos e as relações entre os
mesmos, inicialmente apresentamos um breve texto-histórico, evidenciando a
criação feita por Euclides de uma formatação lógica dos conceitos geométricos.
Ressaltamos a noção de ponto, reta e plano e apresentamos alguns postulados
e definições que seriam, posteriormente, ferramentas fundamentais para o
aprendizado da técnica de demonstração, assim como o reconhecimento do
estatuto dos elementos inerentes de um sistema formal.
Trabalhamos também com a representação desses elementos em
linguagem natural, algébrica e figural por achar importante a mobilização
destes registros como um facilitador da aquisição do processo de se
demonstrar (c.f. fundamentação teórica).
A organização lógica da geometria euclidiana:
"Euclides é, provavelmente, o autor científico melhor sucedido
que já existiu. Seu famoso livro, Os Elementos, é um tratado
sobre geometria e teoria dos números. Por cerca de dois mil
anos, todo estudante que aprendeu geometria, aprendeu-a de
85
Euclides. E durante todo este tempo, Os Elementos serviram
como modelo de raciocínio lógico para todo o mundo.
Ninguém sabe, hoje, exatamente, o quanto da geometria contida
nos Elementos é trabalho de Euclides. Alguma parte dela pode ter
sido baseada em livros que já existiam antes e algumas das
idéias mais importantes são atribuídas a Eudoxus, que viveu mais
ou menos na mesma época. De qualquer forma, dos livros que
chegaram até nós, Os Elementos é o primeiro que apresenta a
geometria de uma forma lógica, organizada, partindo de algumas
suposições simples e desenvolvendo-se por raciocínio lógico"
(Moise e Downs, 1971).
Elementos e conceitos fundamentais
Conceitos primitivos: Termos simples e fundamentais que não são definidos,
"nascem" em nossa mente pela observação e experiência (intuitivamente).
Nossos conceitos primitivos serão o ponto, a reta e o plano.
Registro de representação (linguagens): Nossos registros serão feitos na
linguagem natural, algébrica e geométrica (figura), buscando compreender a
sinergia entre as mesmas.
Linguagem natural
Linguagem algébrica
Letras do nosso alfabeto
Ponto
Maiúsculas. Ex: A, B e C
Linguagem geométrica
.A
Letras do nosso alfabeto
Reta
minúsculas. Ex: r, s e t
Letras gregas minúsculas. Ex:
Plano
α,β e γ
Postulados: Nossas afirmações mais simples e fundamentais de uma
determinada teoria (nosso caso a Geometria) aceita sem demonstrações serão
as verdades incontestáveis.
86
Feito isso, criamos situações para trabalhar os conceitos primitivos e as
relações entre os mesmos.
O objetivo da situação 1 era verificar a noção que os alunos tinham
sobre os entes primitivos, uma vez que os mesmos já haviam cursado a
disciplina de Geometria Plana e estavam cursando a disciplina de Geometria
Espacial. Não ressaltamos, na atividade, tratar-se de uma figura plana, pois
nosso objetivo geral era trabalhar com as demonstrações no espaço.
Situação 1: Trabalhando os conceitos primitivos
1) Dada a figura 01, respondas às questões apresentadas:
Figura 01
a) Quantos pontos nomeados temos
sobre a reta r?
b) Quantos pontos temos fora da reta r?
c) Podemos afirmar que P está entre M
e N?
d) Quantos pontos há entre Q e M?
e) Considerando a folha de papel a
representação de um plano, quantos
pontos temos neste plano?
f) Quantos pontos temos fora do plano?
Em seguida, apresentamos alguns postulados e definições que auxiliariam
e justificariam as respostas da situação 1, acreditando que os alunos de
prontidão fariam tal relação. Esses postulados e definições também seriam
importantes para a próxima tarefa.
Postulado da existência:
1. Em uma reta e fora dela existem quantos pontos quisermos.
2. Dados dois pontos distintos de uma reta, existe pelo menos outro ponto
entre os dois pontos dados.
3. Em um plano e fora dele, existem tantos pontos quanto quisermos.
87
Definição: Determina os atributos essenciais e específicos de um ente, de tal
forma que o torne inconfundível com outro.
Definição 1: Pontos distintos são colineares se estiverem sobre uma mesma
reta.
Na situação 2, buscamos estabelecer, por meio de perguntas e figuras, o
estatuto dos postulados, definições e a importância dos mesmos nas relações
entre os entes primitivos, de tal forma que uma reflexão sobre os conceitos
apresentados seria fundamental na resolução das atividades, além de uma
noção espacial. Também nessa situação, trabalhamos diferentes registros de
representação.
Situação 2: Utilizando postulados/definições e estabelecendo relações:
2)Dada a figura 02, faça o que se pede:
Figura 02
a) Represente na figura a reta que
passa por L e M.
b) Quantas retas distintas passam por
Q e M?
c) Os pontos Q, L e P são colineares?
d) Os pontos Q, M e P são colineares?
e) Dados dois pontos distintos, estes
serão sempre colineares?
f) Dados três pontos distintos, estes
sempre serão colineares?
3) Estabeleça, por meio da figura 03, as soluções para as questões
apresentadas, justificando-as:
Os pontos O e P pertencem ao plano
α?
b) Os pontos O, P e L pertencem ao
plano α?
c) A reta que passa por O e L, pertencem
ao plano α?
a)
Figura 03
88
Com o objetivo de mostrar a lógica e a consistência necessárias de um
sistema formal (c.f. Cap.3), a atividade 4 pressupunha um postulado ainda não
trabalhado e que, posteriormente, foi apresentado junto com outros postulados.
Estes seriam fundamentais para a solução da atividade 5.
4) Os pontos P e Q são pontos distintos. O ponto P está na reta a e na reta b.
O ponto Q está na reta a e na reta b. O que se pode concluir a respeito de a e
b? Que postulado garante sua conclusão?
Postulado da determinação:
4. Dois pontos distintos determinam uma única reta que os contém.
5. Três pontos distintos e não colineares determinam um único plano que os
contém.
Postulado de pertinência:
6. Uma reta está contida em um plano, se dois de seus pontos pertencem ao
plano.
•
Representação de reta, segmento de reta e semi-reta.
Linguagem natural
Segmento de reta de
Linguagem algébrica
extremidades A e B
AB
Semi-reta de origem em A
que contém B
Reta suporte do segmento
AB
Linguagem geométrica
AB
AB
5) Dados uma reta r e um ponto P, conforme a figura 04, responda às
perguntas, justificando a opção:
a) Existe um plano que contém a
reta r e o ponto P?
b) Existe um único plano que
contém a reta r e o ponto P?
Figura 04
89
Reforçando a necessidade da consistência de um sistema formal, as
atividades 6 e 7 também necessitavam de postulados ainda não apresentados.
A fim de fazer com que os alunos inferissem o resultado, pedimos que a figura
referente à atividade fosse esboçada.
6) As retas r e s são retas distintas. O ponto P pertence à reta r e a reta s. O
ponto Q pertence à reta r e a reta s. O que podemos concluir a respeito de P e
Q? Qual postulado justifica sua conclusão. Faça uma representação
geométrica da situação.
7) Os planos α e β são planos distintos. A reta r pertence aos dois planos
simultaneamente. O que podemos concluir sobre a reta r? Que postulado
justifica sua conclusão? Faça a representação geométrica da situação.
Postulado da Interseção:
7. Se duas retas distintas se interceptam, a interseção é um único ponto.
8. Se dois planos distintos de interceptam, a interseção é uma única reta.
A próxima situação evidencia o estatuto dos teoremas e os diferentes
registros que podem ser utilizados para representá-los. Criamos situações para
que os alunos reconhecessem as hipóteses e teses e pudessem, dessa forma,
representá-las de formas distintas.
Situação 3: Teoremas: hipóteses, teses e registros de representação
Teorema: Uma proposição matemática que, para ser aceita como verdade,
deverá ser demonstrada. O teorema compõe-se em duas partes:
Hipótese: Informações conhecidas
Tese: O que se deseja concluir, provar.
Todo teorema poderá ser escrito na forma condicional:
"Se [hipóteses], então [tese]”.
90
As hipóteses e teses poderão ser representadas na linguagem natural,
algébrica e geométrica.
•
Identificando as hipóteses e tese de um teorema, fazendo o registro e
reescrevendo o enunciado na forma condicional.
Exemplo:
Teorema: Dadas duas retas que se interceptam, existe exatamente um plano
que as contém.
Forma condicional: se duas retas se interceptam, então existirá um único
plano que as contém.
Registros de representação:
Teorema
Hipóteses
Linguagem
Linguagem
Linguagem
natural
r e s são retas que
geométrica
algébrica
se interceptam
r e s determinam
Tese
um plano α que as
contém.
r∩s=P
r ⊂ α, s⊂ α e (r,s) =
α
8) Dado o teorema, determine sua forma condicional e registre as hipóteses e
tese nas linguagens natural, geométrica e algébrica.
Teorema 1: Uma reta e um ponto fora dela determinam um único plano que os
contém.
Forma condicional: ............................................................................................
..............................................................................................................................
Registros de representação:
91
Teorema
Linguagem
Linguagem
Linguagem
natural
geométrica
algébrica
Hipóteses
Tese
Teorema 2 : Duas retas paralelas a uma terceira são paralelas entre si.
Forma condicional: ............................................................................................
..............................................................................................................................
Registros de representação:
Teorema
Linguagem
Linguagem
Linguagem
natural
geométrica
algébrica
Hipóteses
Tese
Teorema 3: Por um ponto dado, fora de uma reta, existe uma única reta
perpendicular à reta dada.
Forma Condicional:.........................................................................................
...........................................................................................................................
Registros de representação:
92
Teorema
Linguagem
Linguagem
Linguagem
natural
geométrica
algébrica
Hipóteses
Tese
•
Atividade II
Atividade II - Associando às propriedades, definições e teoremas à figura
geométrica
adequada:
transposição
didática
dos
registros
de
representação.
A atividade II foi elaborada com a intenção de trabalhar o conceito de
figura geométrica na mobilização dos registros de representação, destacando,
assim, a congruência ou não das formas representadas. Reforçamos, nesta
atividade, a determinação das hipóteses e tese de um teorema e suas
representações.
Iniciando a atividade, apresentamos novamente alguns conceitos já
trabalhados apenas para retomar a proposta da atividade anterior.
Lembrando alguns conceitos fundamentais
Definição: Determina os atributos essenciais e específicos de um ente, de tal
forma que o torne inconfundível com outro.
Teoremas: Verdades aceitas mediantes demonstrações pela comunidade de
matemáticos.
Na primeira situação, exploramos a figura geométrica e seus atributos,
pedindo que os alunos correlacionassem, a partir da representação na
linguagem natural, as definições apresentadas à figura correspondente.
93
Tentamos criar situações de forma que as representações figurais pudessem
gerar interpretações dúbias. Esta situação foi feita na questão 1. Na segunda
questão, além de explorar a associação de enunciados com suas respectivas
figuras geométricas, pedimos que as hipóteses e tese fossem determinadas.
Assim fizemos para trabalhar a questão da congruência dos registros de
representação, fator determinante para a compreensão dos processos
envolvidos na construção de conhecimento e, conseqüentemente, no processo
de demonstrar (c.f. referências DUVAL).
Situação 1: Congruência dos registros de representação
1)Associe a cada definição a representação geométrica que mais lhe convier.
Definições
( 1 ) A distância de um plano com um ( )
Figura Geométrica
ponto exterior a ele, é o comprimento do
segmento perpendicular do ponto ao
plano.
( 2 ) Duas retas são concorrentes, se a ( )
interseção entre as duas for um único
ponto.
( 3 ) Duas retas são perpendiculares, se ( )
forem concorrentes e o ângulo entre as
retas for um ângulo reto.
( 4 ) Mediatriz de um segmento é a reta ( )
perpendicular ao segmento passando
pelo seu ponto médio.
94
( 5 ) Um ponto M é ponto médio de um ( )
segmento, se pertencer ao segmento e
for eqüidistante de suas extremidades.
( 6 ) Um conjunto M é chamado convexo ( )
se, para todo par de pontos P e Q do
conjunto,
o
Segmento
PQ
está
inteiramente contido no conjunto.
( 7 ) Um conjunto de pontos se diz ( )
coplanar se existe um plano que contém
todos os pontos do conjunto.
2) Escreva na linguagem algébrica as hipóteses e teses dos teoremas
apresentados e associe a cada um deles a figura geométrica correspondente.
(1)
Teorema
Se uma reta
Linguagem algébrica
Hipótese:
é
perpendicular
a
plano,
qualquer
então,
Linguagem geométrica
()
um
reta paralela à reta dada Tese:
também
será
perpendicular ao plano
95
(2) Duas retas em um Hipótese:
( )
plano são paralelas se
ambas
forem
perpendiculares a uma
Tese:
mesma reta
(3)
Se
um
intercepta
dois
paralelos,
interseções
plano Hipótese:
( )
planos
então,
são
as
duas
Tese:
retas paralelas
(4)
Duas
perpendiculares
mesmo
retas Hipótese:
a
plano
( )
um
são
Tese:
paralelas
(5) Se duas retas são Hipótese:
( )
perpendiculares a uma
terceira, então, elas são
Tese:
paralelas entre si.
(6)
Duas
perpendiculares
mesmo
coplanares.
plano
retas Hipótese:
a
( )
um
são
Tese:
96
Na situação 2, trabalhamos a criação da figura geométrica para
destacarmos a diferença entre figura20 e desenho21. Propositalmente, criamos
situações em que a figura desenhada poderia representar mais de uma
situação. Também pedimos que as hipóteses e tese fossem destacadas para
frisar a congruência ou não dos enunciados e suas representações.
Situação 2: Desenho e figura geométrica: distinção associada às propriedades
geométricas.
1) Dados os teoremas, preencha o quadro abaixo com o que se pede:
Teorema 1: Teorema fundamental do perpendicularismo
•
Se uma reta é perpendicular a duas retas que se interceptam em seu ponto
de interseção, então, ela é perpendicular ao plano que as contém.
Representação algébrica
Hipótese:
Figura geométrica
Tese:
Teorema 2:
•
Se uma reta e um plano são perpendiculares, então, o plano contém toda
reta perpendicular à reta dada no seu ponto de interseção com o plano
dado.
20
21
Figura é a classe de todos os desenhos possíveis do objeto matemático (DUVAL, 1993)
Desenho é o traçado sobre o suporte material (DUVAL, 1993)
97
Representação algébrica
Hipótese:
Figura geométrica
Tese:
Teorema 3:
•
Duas retas perpendiculares a um mesmo plano são coplanares.
Representação algébrica
Hipótese:
Figura geométrica
Tese:
Teorema 4:
•
Duas retas em um plano são paralelas se ambas forem perpendiculares a
um mesmo plano.
Representação algébrica
Hipótese:
Figura geométrica
Tese:
98
•
Atividade III
Atividade III: Teoremas recíprocos: "se e somente se"
A atividade III tem como objetivo apresentar aos alunos o recíproco de
um teorema. Começamos a atividade destacando, por meio de um breve
esquema,
o
que
é
um
recíproco,
ressaltando
que
ferramentas
de
o
mesmo
não
necessariamente é verdadeiro.
Apresentamos
nesta
atividade
justificação
para
estabelecer a veracidade/falsidade de um recíproco, utilizando, para isso,
definições e figuras geométricas. Frisamos que o uso de mais de um registro
de representação se apóia em nossas hipóteses de pesquisa, que determina
que os conceitos geométricos envolvidos na obtenção de uma demonstração,
só serão compreendidos na mobilização de mais de um registro (Duval, 1995).
Dado dois teoremas, estes serão chamados de "teoremas recíprocos",
se a hipótese e a tese de um dos teoremas forem trocadas, respectivamente,
pela tese e a hipótese do outro.
Teorema 1: Hipótese1 ⇒ Tese1
e
Teorema 2: Hipótese2 ⇒ Tese2
Teorema 1 e Teorema 2
são recíprocos
Hipótese1 = Tese2 e Hipótese2 = Tese1
Se um teorema e seu recíproco são verdadeiros, então, podemos
combiná-los em um teorema único, usando a frase “se, e somente se".
Porém, nem todo recíproco de um teorema é verdadeiro e, para mostrarmos
que o recíproco é falso, utilizamos de um contra-exemplo, ou seja, um exemplo
que o contradiz, isto é, mostra que o recíproco é falso.
99
Na situação 1, propomos uma atividade para que os alunos
determinassem, por meio de um teorema dado, o seu recíproco. Não nos
preocupamos inicialmente em estabelecer se os recíprocos eram verdadeiros
ou não. Pretendíamos somente que os alunos fossem capazes de distingui-los,
reforçando, com isso, o estatuto de um teorema. Pedimos também que
escrevessem o teorema e o recíproco em uma expressão unificada e que a
figura do teorema fosse feita. Nas atividades propostas, criamos situações que
poderiam confundir os alunos na hora de estabelecer o recíproco, por isso
pedimos que a figura fosse feita, no intuito de que a associação dos registros
fosse percebida e verificada.
Situação 1: Escrevendo o recíproco de um teorema
Exemplo:
Teorema: Se uma reta é paralela a um plano, então, ela é paralela a uma reta
do plano
Hipótese 1: r // α
recíproco
Tese 1: r // s, s⊂ α.
Hipótese 2: r // s, s⊂ α, r ⊄ α
Tese 2 : r // α
Teorema Recíproco: Se uma reta não contida em um plano é paralela a uma
reta do plano, então, ela é paralela ao plano.
Teorema unificado: Uma reta é paralela a um plano se, e somente se, ela for
paralela a uma reta deste plano.
Figura:
Nota: Nem sempre todas as informações que temos na hipótese e tese de um
teorema serão exatamente as mesmas que teremos no seu recíproco, pois
algumas informações estão implícitas no teorema. A escrita da expressão
unificada é importante neste aspecto.
100
1) Dados os teoremas, escreva seu recíproco e o teorema unificado seguindo
as orientações:
Teorema 1: Se um plano contém duas retas concorrentes, ambas paralelas a
um outro plano, então, esses planos são paralelos.
Preencha o quadro utilizando a representação algébrica:
Teorema
Recíproco
Hipótese
Tese
Faça a figura geométrica do teorema:
Escreva na linguagem natural
Recíproco do
teorema: ...............................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
................
Teorema unificado:
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
101
Teorema 2: Se uma reta é perpendicular a duas retas concorrentes, em seu
ponto de interseção, então, ela é perpendicular ao plano que contém as duas
retas.
Preencha o quadro utilizando a representação algébrica:
Teorema
Recíproco
Hipótese
Tese
Faça a figura geométrica do teorema:
Escreva na linguagem natural
Recíproco do
teorema: ...............................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
Teorema unificado:
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
Na situação 2 apresentamos ferramentas para que fosse estabelecido se
um recíproco era falso ou não. Nesta atividade, a necessidade de
102
compreensão dos conceitos geométricos envolvidos era fundamental. Mais
uma vez reforçamos o papel da figura para tentarmos comprovar nossas
hipóteses de trabalho, colocando a figura como âncora no estabelecimento das
atribuições de propriedades dos conceitos geométricos.
Na primeira atividade da situação 2, apresentamos, como ferramentas
de justificação, apenas algumas definições. Nem todas seriam utilizadas na
atividade. Optamos por elucidar conceitos (definições) que poderiam gerar
dúvidas aos alunos, porém, a figura geométrica pedida poderia ser a
ferramenta que facilitaria a resolução do problema.
Situação 2: Verificando a veracidade do recíproco através dos contraexemplos
Para contradizer um recíproco de um teorema podemos utilizar de postulados,
definições, propriedades, figuras geométricas.
Exemplo:
Teorema: Se duas retas são paralelas, então, elas são coplanares.
Recíproco: Se duas retas são coplanares, então, elas são paralelas.
Contra-exemplo: Duas retas concorrentes também são coplanares.
r ∩s = P
r⊂α
s⊂α
(r,s) =α
1) Escreva o recíproco dos enunciados e justifique se o recíproco é falso ou
verdadeiro, utilizando as definições abaixo como contra-exemplos.
103
Definição 1: Retas reversas são retas que não se interceptam e não são
coplanares.
Definição 2: Retas ortogonais são reversas e formam um ângulo reto.
Definição 3: Retas perpendiculares são concorrentes e formam ângulo reto.
Definição 4: Retas concorrentes são retas que se interceptam em um único
ponto.
a) Enunciado 1: Se duas retas são perpendiculares, então, elas formam um
ângulo reto.
Recíproco:.............................................................................................................
...............................................................................................................................
.
( ) verdadeiro
(
) falso
Justificativa: ..........................................................................................................
...............................................................................................................................
Esboce a figura que justifica a veracidade/falsidade.
b) Enunciado 2: Se duas retas são paralelas, então, elas não se interceptam.
Recíproco: ............................................................................................................
...............................................................................................................................
...................
( ) verdadeiro
( ) falso
Justificativa:
...............................................................................................................................
......................................................................................................................
104
Esboce a figura que justifica a veracidade/falsidade.
c) Enunciado 3: Se duas retas são perpendiculares, então, elas são
concorrentes.
Recíproco:
...............................................................................................................................
......................................................................................................................
( ) verdadeiro
(
) falso
Justificativa: ..........................................................................................................
...............................................................................................................................
Esboce a figura que justifica a veracidade/falsidade.
A atividade II faz apelo apenas à figura geométrica na tentativa de
justificar a falsidade dos recíprocos apresentados, de forma que os alunos
pudessem perceber as propriedades que as figuras “mostram” que contrapõem
o recíproco dado.
2) Correlacione as colunas, para justificar a falsidade dos recíprocos por meio
das figuras geométricas.
105
(1)
Enunciados/recíprocos
Enunciado: Se uma reta
Figuras geométricas
é ( )
concorrente com um plano, então, ela é
concorrente com pelo menos uma reta
do plano.
Recíproco: Se uma reta é concorrente
com pelo menos uma reta do plano,
então, ela é concorrente com o plano.
(2) Enunciado: Se uma reta está ( )
contida em um plano, então, eles têm
um ponto em comum.
Recíproco: Se uma reta e um plano
têm em comum um ponto, então, a reta
está contida no plano.
(3) Enunciado: Se
uma
reta
é ( )
perpendicular a um plano, então, ela
forma ângulo reto com pelo menos uma
reta do plano.
Recíproco: Se uma reta forma ângulo
reto com uma reta de um plano, então,
ela é perpendicular ao plano.
Reforçamos na atividade III, além do recíproco, o papel fundamental da
figura em atividades geométrica que visam à verificação e ao estabelecimento
de verdades. O fizemos, pois as atividades que se seguem terão na
representação figural um apoio na obtenção de uma demonstração.
•
Atividade IV
Atividade IV – Demonstrando teoremas: utilização de ferramentas na
construção de um raciocínio lógico dedutivo.
A quarta atividade tem foco central nas demonstrações de propriedades
e conceitos geométricos. Na tentativa de auxiliar os alunos na obtenção de
uma demonstração, apresentamos caixas de ferramentas que julgamos
106
importantes na redação de uma demonstração (hipóteses de trabalho) e
algumas “técnicas de demonstração”. Trabalhamos os diferentes registros de
representação na busca da demonstração dos teoremas, reforçando a
congruência semântica dos mesmos.
Para que os alunos compreendessem o significado e os objetivos de
uma demonstração, um texto explicativo foi abordado, explicitando, também, a
lógica subjacente de um sistema formal e a importância de conhecimento
operacional no mesmo para se “alcançar” uma demonstração matemática.
Apresentamos também uma caixa contendo símbolos que usualmente são
utilizados nas demonstrações em registro algébrico, além de outros que foram
utilizados na atividade com significados atribuídos pela pesquisadora.
Um exame mais detalhado do que vem a ser uma demonstração
matemática.
Ao longo das atividades desenvolvidas, apresentamos alguns elementos
que compõem um sistema formal e, mais especificamente, aqueles
fundamentais para o processo de se demonstrar. Destacamos, por meio de
situações, a necessidade do reconhecimento desses elementos para uma
operacionalização em um sistema formal, explicitando a consistência lógica
envolvida na “Engenharia da Demonstração” em teoremas da geometria
euclidiana.
A atividade que se segue tem como foco “técnicas de demonstração” e,
para fazermos uma demonstração matemática de um determinado teorema, é
necessário que compreendamos seu significado, a hierarquização dos
processos envolvidos nesta tarefa, os elementos adjacentes explícitos e
implícitos no teorema e que saibamos mobilizar, além dos registros de
representação, as ferramentas necessárias para o processo de se demonstrar.
Sendo assim, alguns pontos seguem esclarecidos:
•
O que é demonstrar?
107
De acordo com o método do qual se vale a matemática para se criar
teorias, demonstrar é provar, sem qualquer dúvida, que um enunciado é
verdadeiro, de tal forma que esta prova seja aceita por uma comunidade de
matemáticos.
Utilizando a definição dada por Balacheff (1987), podemos dizer que uma
demonstração matemática é uma atividade de raciocínio lógico, encadeada
por uma seqüência de enunciados organizados numa regra de dedução,
interferindo nas capacidades cognitivas, metodológicas e lingüísticas,
objetivando validar teoremas por meio de uma explicação que leva a
convicção.
•
Para que demonstrar?
Para explicar, verificar, esclarecer, validar e convencer a si e a outros que
um enunciado matemático é verdadeiro.
•
Como fazer uma demonstração?
Na matemática, para fazermos uma demonstração, utilizamos postulados,
definições, propriedades e teoremas já estabelecidos em um critério lógico
e seqüencial. Estas serão nossas ferramentas de trabalho na obtenção de
uma demonstração. Nossas demonstrações também deverão seguir uma
hierarquização na utilização das ferramentas, organizadas de acordo com
regras determinadas.
•
Tipos de demonstração
As demonstrações podem ser diretas ou indiretas (redução por absurdo).
As diretas são feitas no sentido de hipóteses para a tese, ou seja,
admitindo que as informações nas hipóteses de um teorema sejam
verdadeiras, então, a partir de uma organização lógica de procedimentos,
chegaremos à conclusão também verdadeira.
108
As indiretas são feitas no sentido oposto das demonstrações diretas (da
tese para hipótese), com a particularidade de se negar a tese intentando
chegar à negação da hipótese gerando, assim, um absurdo.
Alguns símbolos importantes:
Símbolo
∈
∉
∃
⊥
//
⊂
⊄
Significado
Pertence
não pertence
Existe
Perpendicular
Paralelas
está contido
não está contido
símbolo
⊃
∀
∴
⇒
⇔
≅
⁄
significado
contém
para todo
logo
implica
se, e somente se
congruente
tal que
Significado das simbologias utilizadas na atividade IV:
Simbologia
(A,B) = r
(A, B, C) = α
( r, A) = α
(r, s) = α
Significado
Os pontos A e B determinam a reta r.
Os pontos A, B e C determinam o
plano α.
A reta r e o ponto A determinam o
plano α.
As retas r e s determinam o plano α.
Na situação 1 da atividade IV, apresentamos alguns esquemas de
demonstração na linguagem figural, algébrica e natural. O objetivo da
representação figural é destacar a relação entre apreensão perceptiva e
discursiva (relacionada aos dados do teorema) por meio da apreensão
operatória. Colocamos à disposição dos alunos, caixas de ferramentas
auxiliares para justificar os passos da demonstração, logicamente. A
mobilização dos registros de representação também desempenhava esse
papel. A hierarquização dos passos evidência nosso objetivo em destacar a
demonstração mais como “uma hierarquização de passos do que uma
hierarquização de conteúdos”.
Situação 1: Utilizando uma caixa de ferramentas para justificar os passos de
esquemas de demonstração
109
1) Dado
o
teorema,
preencha
o
que
se
pede
utilizando
seus
conhecimentos adquiridos até o momento e a caixa de ferramentas
apresentada.
Teorema 1: Dados uma reta r e um ponto P fora dela, existe
exatamente um plano α que os contém.
a) Preencha o quadro.
linguagem natural
linguagem algébrica
Hipóteses
Tese
b) Utilizando a caixa de ferramentas apresentada e as hipóteses do
teorema 1, justifique os passos da demonstração feita a partir da
mobilização das figuras, completando os espaços em branco.
Caixa de ferramentas (CF):
Postulado 1: Dois pontos distintos determinam uma única reta que os contém.
Postulado 2: Três pontos não colineares determinam um único plano que os contém.
Figuras:
Passo 1:
Passo 2:
Passo 3:
Justificativa:
Justificativa:
Justificativa:
Dado na hipótese
Justificativa:
.......................................
Justificativa:
...................................
c) complete a redação da demonstração na linguagem natural:
110
Temos que, por hipótese, existe uma reta r e um ponto P não pertencente a
................ . Em r, existem os pontos ........
e ......., pois dois
pontos .................... determinam uma única reta (postulado 1 da CF). Os
pontos .......,........ e ......... determinam o plano ......., pois três pontos não
colineares
determinam
um
......................................
que
os
contém
(postulado 2 da CF). Como os pontos ...... e ...... pertencem à reta ......,
então, temos que r e ......, determinam o plano ...... .
d) Complete os espaços em branco do esquema demonstração na
linguagem algébrica:
∃ r e ∃ ..... /
P∉.....
Post. 1
(C.F)
∃ A e .... ...............
∈ ...
com .....≠......
/ (A, B) = .....
(P,A,B) = .....
∴
(r,P) = ....
e) A demonstração feita é direta ou indireta? Justifique sua escolha.
.........................................................................................................................
.........................................................................................................................
.........................................................................................................................
Teorema 2: Se duas retas r e s são concorrentes, então, elas
determinam um único plano α que as contém.
Definição: Retas concorrentes são retas que se interceptam em um único
ponto.
a) Preencha o quadro.
linguagem natural
linguagem algébrica
Hipóteses
Tese
b) Utilizando a caixa de ferramentas apresentada e as hipóteses do
teorema 2, justifique os passos da demonstração feita a partir da
mobilização das figuras, completando os espaços em branco.
111
Caixa de ferramentas (CF) :
Postulado 1: Dois pontos distintos determinam uma única reta que os
contém.
Postulado 2: Três pontos não colineares determinam um único plano que os
contém.
Postulado 3: Se dois pontos de uma reta estão em um plano, então, a reta
está contida neste plano.
Figuras:
Passo 1:
Passo 2:
Passo 3:
Justificativa:
Justificativa:
Justificativa:
..................................
................................
................................
..................................
..................................
................................
c) complete a redação da demonstração na linguagem natural:
Temos que as retas ........ e ........ são concorrentes por ......................., logo, a
interseção entre elas é um ...............P. (definição de retas ......................).
Existe na reta r um ponto ....... e na reta ...... um ponto ......., de tal forma que
os pontos ....... e ...... são diferentes do ponto ...... .(Postulado 1 da CF). Então,
temos que os pontos ......, ....... e ...... determinam um único plano .......
(postulado ...... da CF). Como os pontos ...... e ...... determinam a reta ..... e os
pontos ....... e ....... determinam a reta ......, temos que as retas ...... e .......
estão contidas no ...............α. (................................... da CF). Logo, as
retas ....... e ........ determinam o plano ...... e nele estão contidas.
d) Complete o esquema da demonstração na linguagem algébrica:
112
Post. 1 (C.F)
∃ A ∈....../
A ≠ .....
r∩s = .......
∃ ......
∈...../.....≠ P
................
..........
(A,P) = r e
(B, P) =.......
............
(A,B,P)=
α
r e ...... ⊂ ......
∴ (r, s) = .......
e) A demonstração feita é direta ou indireta? Justifique sua escolha.
...............................................................................................................................
Teorema 3: Se duas retas r e s distintas se interceptam, a interseção é um
único ponto P.
a) Preencha o quadro.
Hipóteses
Tese
linguagem natural
linguagem algébrica
b) utilize a caixa de ferramentas e as hipóteses do teorema 3 para completar
os espaços em branco do esquema de demonstração abaixo:
Caixa de ferramentas (CF) :
Postulado 1: Dois pontos distintos determinam uma única reta que os
contém.
Demonstração
Afirmativas/construções
Justificativas
Suponha que a interseção entre as retas sejam Como ainda não sei quantos pontos tem a
os pontos distintos P e Q.
interseção
das
retas,
posso
supor
a
quantidade que quiser.
Temos que P e Q pertencem à reta r e à Como P e Q estão na ........................ de r e
reta .......
s, então, pertencem as duas ..............
P e Q determinam uma única reta.
...................................................................
...................................................................
As retas r e s são coincidentes.
Absurdo, pois, por hipótese, temos que r
e ...... são retas .......................
Logo, a interseção de ..... e ..... só pode ser
um único ponto.
c) Escreva na linguagem natural a demonstração do teorema, utilizando o
esquema da letra b como referência.
113
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
d) Complete o esquema da demonstração na linguagem algébrica:
Suponha que
r∩s=PeQ/
P≠Q.
Construção
P ∈..... e .....
.................
r=s
(P,Q)= r e ......
...... ∈ r e s
Absurdo, pois, por hipótese, ...... ≠ ......, ∴ r ∩ s = ........
e) A demonstração feita é direta ou indireta? Justifique sua escolha.
...............................................................................................................................
.....................................................................................................................
f) A figura correspondente à demonstração não foi feita. É possível fazer a
figura referente aos passos dados na demonstração feita? Justifique.
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
Na situação 2, desenvolvemos uma demonstração fora de ordem para
que os alunos a organizassem logicamente, justificando com o auxílio da caixa
de ferramentas e das hipóteses do teorema às opções feitas. Na atividade
proposta, o aluno, após organização dos passos, deveria apresentar, nos três
registros de representação (figural, algébrico e natural), a demonstração feita,
uma vez que a coordenação destes registros é importante para a compreensão
dos conceitos geométricos envolvidos nos problemas (hipóteses de trabalho).
Situação 2: Organizando logicamente o esquema de demonstração
114
1)Dado o teorema, faça o que se pede:
Teorema: Se dois planos são perpendiculares e uma reta de um deles é
perpendicular
à
interseção
dos
planos,
então,
essa
reta
será
perpendicular ao outro plano.
Palavra–chave: Planos perpendiculares são concorrentes.
Caixa de ferramentas (CF):
Postulado 1: Em um plano e fora dele existem tantas retas quanta desejarmos.
Postulado 2: A interseção de dois planos é uma única reta.
Postulado 3: A interseção de uma reta e um plano é um único ponto.
Teorema 1: Dois planos são perpendiculares se uma reta contida em um deles é
perpendicular ao outro.
Teorema 2: Se duas retas são paralelas e uma delas é perpendicular a um plano,
então, a outra reta também o será.
Teorema 3: Duas retas perpendiculares ao mesmo plano são paralelas.
Teorema 4: Se uma reta é perpendicular a um plano, então, ela é perpendicular a
toda reta deste plano no seu ponto de interseção.
Teorema 5: Duas retas em um plano são paralelas se ambas forem perpendiculares
a uma mesma reta.
a) Enumere corretamente de 1 a 6 para obter a redação da demonstração, sem
deixar de justificar os passos que julgar ser necessário. Para isso, utilize a
caixa de ferramentas apresentada.
(
) Sendo r perpendicular à reta s e r’ perpendicular à reta s, ambas
contidas
em
α,
teremos
que
r
e
r’
são
retas
paralelas.
Justificativa:......................................................................................................
( ) Ainda por hipótese, existe uma reta r contida em α, de modo que r é
perpendicular à reta s. Justificativa:.............................................................
( ) Logo, a reta r e perpendicular a β.Justificativa: ........................................
( ) Por hipótese, temos que os planos α e β são perpendiculares e que a
interseção
dos
mesmos
é
uma
reta
s.
Justificativa: .........................................
( ) Como α é perpendicular a β, então, existe uma reta r’ em α, tal que r’ é
perpendicular a β. Justificativa: .......................................................................
( ) Se r’ é perpendicular a β, então, r’ é perpendicular à reta s no ponto P.
Justificativa:...............................................................................................
b)
Utilizando a demonstração feita no item a, complete o quadro:
115
linguagem natural
linguagem algébrica
Hipóteses
Tese
c) Faça as figuras do esquema de demonstração feito no item a,
justificando os passos.
Figura 1
Figura 2
Figura 3
Justificativa:
justificativa:
..........................
............................
...........................
..........................
..............................
............................
Figura 4
Figura 5
Justificativa
Justificativa
justificativa:
Figura 6
Justificativa
...........................
................................
............................
...........................
.................................
..............................
d) Complete o esquema de demonstração algebricamente. Justifique os
passos
r//r’
r ⊂ α e r⊥s
116
e) Redija a demonstração na linguagem natural
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
Nas situações realizadas na quarta atividade, reforçamos, a todo o
momento, o estatuto do teorema e a importância da definição das suas
hipóteses
para
que
os
alunos
a
reconhecessem
como
ferramentas
indispensáveis na demonstração de um teorema.
•
Atividade V
A proposta da quinta atividade é que o aluno coloque em prática tudo que
foi apreendido com as outras atividades, criando ele mesmo seus esquemas de
demonstração, suas caixas de ferramentas para justificação dos passos
adotados e coordene os registros de representação até então trabalhados.
Atividade V: Criando esquemas de demonstração: utilizando todas as
ferramentas anteriores.
Informações adicionais:
Postulado 1: Em um plano e fora dele existem quantos pontos quisermos.
Postulado 2: A interseção de dois planos é uma única reta.
Postulado 3: Dados dois triângulos, se dois lados e o ângulo determinado por
eles em um dos triângulos forem congruentes aos elementos correspondentes
do outro triângulo, então, esses triângulos são congruentes.
Teorema 1: Por um ponto fora de uma reta, existe um único plano que os
contém.
Teorema 2: Se um plano intercepta dois planos paralelos, então, as
interseções são duas retas paralelas.
117
Teorema 3: Se uma reta é perpendicular a duas retas concorrentes em seu
ponto de interseção, então, ela é perpendicular ao plano que as contém.
Teorema 4: Em um plano, se uma reta é perpendicular a uma de duas retas
paralelas, então, é perpendicular à outra.
Teorema 5: Se uma reta e um plano são perpendiculares, então, o plano
contém toda reta perpendicular à reta dada, no seu ponto de interseção com o
plano dado.
Na primeira atividade, foi solicitado que os alunos associassem aos passos
apresentados a figura geométrica mais adequada. Para resolver a atividade, é
necessário que, a partir da apreensão discursiva, o aluno consiga relacionar a
figura
geométrica
associada
às
propriedades
de
cada
enunciado.
Implicitamente, trabalhamos a apreensão operatória nas “reconfigurações”
feitas nas figuras de acordo com cada passo.
Com os conhecimentos e técnicas adquiridos ao longo das atividades,
resolva as situações apresentadas de acordo com o que se pede.
1) Dado o teorema abaixo, associe a cada um dos passos apresentados a
figura correspondente mais adequada.
Teorema: Se uma reta é perpendicular a um de dois planos paralelos,
então, ela é perpendicular ao outro.
(1) Dados os planos paralelos α e β e a reta r perpendicular a β.
(2) Seja A um ponto qualquer do plano α não pertencente a r.
(3) O ponto A e a reta r determinam um plano γ que os contém.
(4) O plano γ intercepta os planos α e β nas retas t e s, respectivamente, tal
que t e s são retas paralelas.
(5) A reta r é perpendicular as retas s e t.
(6) Seja B um ponto qualquer do plano α não pertencente a r.
(7) O ponto B e a reta r determinam um plano φ que os contém.
(8) O plano φ intercepta os planos α e β nas retas u e v, respectivamente,
tal que u e v são retas paralelas.
(9) A reta r é perpendicular às retas v e u.
118
(
(
)
(
)
(
)
(
)
(
)
)
119
( )
(
(
)
)
A partir da numeração feita, pedimos aos alunos que fizessem a
demonstração do teorema, se orientando pelas figuras, não esquecendo de
justificar cada passo. A criação de uma caixa de ferramentas também foi
solicitada nesta atividade.
Para que os passos apresentados constituam uma demonstração, são
necessárias algumas informações adicionais que justifiquem tais passos. Tente
identificar tais informações e crie uma caixa de ferramentas para esse teorema
(utilize as informações dadas no início da atividade). Antes, preencha o quadro
com as hipóteses e tese do teorema.
120
linguagem natural
linguagem algébrica
Hipóteses
Tese
Caixa de ferramentas:
Utilize os passos apresentados, as hipóteses e a caixa de ferramentas criada
para escrever a demonstração do teorema na linguagem algébrica.
Na atividade 2, um problema envolvendo congruência de triângulos foi
sugerido. Os ajustes na figura apresentada se mostrariam como ferramentas
úteis na solução do problema, caso os alunos conseguissem mobilizar as
informações dadas no enunciado (discursivo) com a figura dada. Novamente
pedimos que uma caixa de ferramentas fosse criada para justificar as opções
escolhidas na resolução da tarefa. Deixamos que os alunos escolhessem o
esquema de demonstração a ser feito.
2)
Seja a figura 1. Sabendo que A, B e C estão no plano α ,que P é externo
a α , PA ⊥ α e AC ≅ AB , demonstre que PC ≅ PB .
121
Faça as modificações que achar necessário na
figura para resolver o problema. Justifique suas
conclusões utilizando seus conhecimentos e as
informações adicionais no início da atividade. Crie
uma caixa de ferramentas para esse problema.
Figura 1
Caixa de ferramentas:
Demonstração do problema:
A última tarefa da atividade 5 trabalha com todos os itens destacados
nas atividades anteriores: o estatuto do teorema e das figuras geométrica, os
diferentes registros de representação, a congruência semântica entre as
representações utilizadas, a caixa de ferramentas como auxílio nas
justificações dos passos adotados na obtenção de uma demonstração, a
apreensão operatória e as “reconfigurações intermediárias” na figura. Todos
eles com o objetivo de facilitar a redação de uma demonstração.
122
3) Faça a demonstração do enunciado abaixo de acordo com o que se
pede:
↔
↔
Enunciado: Sabendo que as retas BC e BD estão em um plano α, que o
↔
↔
↔
plano β⊥ BD em B, o plano γ⊥ BC em B e que α e β se interceptam em AB ,
↔
demonstre que AB ⊥α.
a) Preencha o quadro:
linguagem natural
linguagem algébrica
Hipóteses
Tese
b) Faça uma figura para o enunciado e os ajustes necessários para obter a
demonstração do teorema:
c) Crie uma caixa de ferramentas para esse problema:
Caixa de ferramentas:
123
d) Demonstre algebricamente o enunciado:
e) Escreva na linguagem natural a demonstração feita no item anterior.
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
124
6 ANALISANDO OS RESULTADOS
Nossa seqüência didática teve como objetivo principal apresentar aos
alunos “processos histórico-didático-metodológicos de demonstrações” no
ensino de Geometria Euclidiana, de forma que a mesma auxiliasse no
desenvolvimento de habilidades geométricas e no desenvolvimento do
raciocínio lógico dedutivo. Para alcançarmos os objetivos delimitados,
trabalhamos com o papel heurístico da figura e suas apreensões (Duval, 1995),
o estatuto do teorema e com os registros de representação natural, algébrico e
figural,
apresentando
a
demonstração
matemática
mais
como
uma
hierarquização de tarefas do que de conteúdos.
Analisaremos nossa seqüência focando cada uma das atividades
desenvolvidas e, posteriormente, faremos uma análise mais geral das
observações feitas. Finalmente, retomaremos nossas hipóteses de pesquisa
procurando, a partir da análise elaborada, validá-las ou não.
Em nossos resultados, consideraremos também as observações e os
diálogos feitos pela pesquisadora com os alunos que participaram do processo,
uma vez que os comentários e os comportamentos em sala de aula se
mostraram fontes ricas de dados.
Não faremos nesta análise um escore de quantidade de acertos e erros,
apenas consideraremos qualitativamente os pontos que julgamos ser
importantes para uma compreensão dos resultados obtidos com a aplicação da
seqüência didática.
6.1 Análise individual das atividades da seqüência didática
•
Análise da atividade I
A primeira atividade de nossa seqüência apresentou aos alunos algumas
ferramentas
necessárias
para
se
fazer
uma
demonstração
e
como
125
associar/relacionar as mesmas na resolução de problemas geométricos. Como
os alunos já haviam passado pela disciplina de geometria plana e estavam
cursando a disciplina de geometria espacial (c.f cap. 4), os mesmos não
apresentaram muitas dificuldades para resolver os problemas propostos.
Uma das questões (situação1-1) que geraram dúvidas e que poucos
alunos erraram estava relacionada ao conceito de pontos, retas, planos e suas
associações. Supomos que o erro esteja relacionado a um obstáculo
epistemológico na conceituação do infinito e na sua representação figural. A
atividade em questão pedia para que os alunos indicassem, utilizando uma
figura, quantos pontos havia entre dois pontos dados em uma reta. Como na
figura nenhum ponto estava destacado, alguns afirmaram que não havia ponto
algum.
Na mesma questão outro erro ocorreu quando perguntamos quantos
pontos havia fora da reta e os alunos responderam de acordo com a
quantidade de pontos que estavam feitos e nomeados na figura, não
estendendo, assim, a representação com o conceito de infinito. Especulamos
também que os erros cometidos estejam relacionados com a proposta da
pergunta anterior, em que se pede para quantificar os pontos “nomeados”
sobre a reta da figura. A palavra “nomeados” pode ter sido outro obstáculo
lingüístico (c.f Cap. 5) na resolução da atividade, pois os alunos podem ter
associado à palavra a todas as perguntas, mesmo que ela não aparecesse.
Apresentamos, na atividade I de nossa seqüência, postulados e
definições necessários para a resolução de alguns problemas, tentando, com
isso, evidenciar a lógica existente em um sistema formal. Porém, o fizemos de
tal forma que a solução das atividades (situação 2 – 4, 6, 7) dependia desses
postulados/definições, mas os mesmos foram expostos após as tarefas em que
eles eram solicitados.
Nossa intenção era a de que os alunos inferissem um possível resultado
e percebessem a necessidade de um postulado para justificar suas respostas.
Para facilitar a percepção, pedimos que a figura do problema fosse esboçada,
126
trabalhando, assim, com dois registros de representação distintos (discursivo e
figural) e a relação semântica entre os mesmos. Todos os alunos, sem
exceção, perceberam de prontidão a falta de “algo” que justificasse as
respostas determinadas e foram capazes de representar geometricamente a
situação.
Acreditamos, como Duval, que essa percepção realmente tenha sido
facilitada com a figura geométrica do problema, uma vez que a visualização e a
construção são processos cognitivos fundamentais para a aprendizagem e a
compreensão de conceitos geométricos e determinantes na distinção entre o
raciocínio argumentativo e o raciocínio dedutivo, este último relacionado à
demonstração matemática.
Na situação 3, trabalhamos com o estatuto do teorema e os diferentes
registros que podemos utilizar para representá-lo. Novamente, optamos por
focar em mais de um registro de representação para que os alunos
começassem a criar o hábito de associar a cada um deles o mesmo “objeto
matemático”. “A compreensão de um conceito se dá na mobilização de pelo
menos dois registros de representação semiótica distintos”.
As tarefas solicitavam que os alunos determinassem as hipóteses e tese
de teoremas dados e os representassem na linguagem natural, figural e
algébrica. A fim de orientar na determinação do estatuto do teorema,
apresentamos sua forma condicional para que as hipóteses e tese ficassem
explícitas no enunciado. Alguns alunos apresentaram dificuldades em
transcrever os teoremas da atividade na sua forma condicional, porém,
percebemos que ela estava mais relacionada a um problema gramatical
(conjugação verbal) do que um problema matemático. Isso porque todos os
alunos conseguiram determinar corretamente as hipóteses e a tese do
teorema, com exceção do teorema 2: Duas retas paralelas a uma terceira, são
paralelas entre si.
Neste teorema, acreditamos que a representação figural pode ter sido
um obstáculo na obtenção da hipótese, pois a apreensão perceptiva parece
127
não ter sido associada à apreensão discursiva (dados do teorema). A Figura 7
retrata o esboço mais realizado pelos alunos:
Figura 7: Esboço comum entre os alunos que fizeram a Seqüência didática
Apenas um dos alunos conseguiu determinar corretamente as hipóteses
e a tese do teorema, em todas as linguagens solicitadas. Os outros alunos
determinaram que a hipótese do teorema era a de que as retas r, s e t fossem
paralelas, sendo a tese a mesma relação. Neste caso, pensamos como Duval,
quando afirma que muitos dos problemas na compreensão de conceitos
geométricos estão associados à forma de apreender e registrar as figuras
geométricas, não estabelecendo uma relação entre os dados do problema e
sua representação figural, utilizando-a apenas como referência para a
conclusão.
Conclusão: No geral, cremos que os objetivos delimitados para a atividade 1
de nossa seqüência foram alcançados, pois os alunos conseguiram relacionar
os postulados/definições apresentados com a solução dos problemas
propostos e perceber a necessidade dos mesmos na obtenção de justificativas
para suas respostas, explicitando, assim, a lógica do sistema formal. A
mobilização entre os registros de representação utilizados contribuiu para
compreensão
dos
conceitos
geométricos
envolvidos
nos
problemas
trabalhados, uma vez que, por meio das representações feitas, os alunos
conseguiram estabelecer as relações necessárias para resolver os problemas e
determinar o estatuto do teorema.
•
Análise da Atividade II
A fim de reforçarmos as relações semânticas entre os registros de
representação e as atribuições dadas às figuras geométricas a partir de
definições e teoremas, na segunda atividade focamos a congruência e a não128
congruência entre as representações. Novamente, pedimos que as hipóteses e
a tese de teoremas fossem destacadas na linguagem algébrica, tendo como
referência a linguagem natural e figural.
Trabalhamos com definições e teoremas que poderiam ter mais de uma
representação figural, estabelecendo, assim, a necessidade dos alunos em
relacionarem a apreensão discursiva com a perceptiva, de tal forma que a
solução do problema fosse única. Ressaltamos também, com essa atividade, o
reconhecimento do estatuto da figura geométrica.
Na primeira tarefa da situação 1 da atividade II, os alunos deveriam
relacionar, a cada definição dada, uma figura mais apropriada aos dados do
enunciado.
Todos
os
alunos
fizeram
corretamente
as
associações.
Trabalhamos insistentemente com a figura, pois, segundo Duval, a teorização
das figuras geométricas constitui um dos princípios de acesso à demonstração.
Os PCN também ressaltam a importância da visualização (concretização),
afirmando que é através dela que o pensamento geométrico inicialmente se
desenvolve (c.f Cap. 2).
Com essa tarefa, as relações entre as apreensões perceptiva e
discursiva não se mostraram um obstáculo na obtenção da solução do
problema proposto, mesmo que a congruência entre o enunciado e a figura não
se mostrasse tão explicitamente. A conversão entre os registros, tarefa nem
sempre trivial, foi estabelecida corretamente pelos alunos apesar da
congruência dos mesmos não ter sido tão evidente.
No segundo problema, apresentamos alguns teoremas de forma que
estes fossem associados à sua representação figural e que se destacassem as
hipóteses e a tese dos mesmos na linguagem algébrica. Orientando nosso
trabalho para o estabelecimento semântico entre as representações, expomos
figuras que poderiam representar mais de um teorema. Sendo assim, os alunos
deveriam novamente fazer a associação mais apropriada, recorrendo, dessa
forma, a um “discurso mais teórico”, atribuído às propriedades do enunciado.
129
Esta atividade gerou dúvidas quanto à determinação do estatuto do
teorema, pois os alunos não sabiam se deveriam determiná-lo pela figura ou
pelo enunciado, que se contrapunham na mesma linha do quadro apresentado
na tarefa. Neste momento, a leitura da atividade com os alunos pela
pesquisadora foi importante para estabelecer como deveria ser feita a atividade
e reforçar que a figura geométrica pode ocultar dados do enunciado. Logo,
utilizá-la como referência pode ser um problema na enunciação das hipóteses
e tese do teorema.
Mesmo com a intervenção da pesquisadora, ressaltando a “limitação”
das figuras geométricas para a determinação do estatuto de um teorema,
verificamos que os alunos se orientavam pela figura para estabelecer a solução
do problema. Este abandono ao enunciado acarretou em erros, pois a
representação figural, assim como afirma Duval, está subordinada e
condicionada às hipóteses de um enunciado.
A maior parte dos erros cometidos estava na ocultação de informações
associadas às hipóteses do teorema. Também houve erros em que nenhuma
congruência entre o enunciado e as hipóteses do mesmo foi estabelecida. Esse
fato, de acordo com Duval, ocorre “porque a figura desvia de algum modo, um
fragmento do discurso teórico” (c.f p. 26) e uma figura geométrica pode
representar mais de um enunciado, se a coordenação dos registros de
representação utilizados não ocorrer simultaneamente.
Pensamos que, ao apresentarmos os teoremas em sua forma
condicional, facilitaríamos a determinação das hipóteses e tese e que os alunos
espontaneamente conseguiriam determiná-los. Como isso não ocorreu,
acreditamos que, se pedíssemos na atividade a redação na linguagem natural
do estatuto do teorema, a associação (congruência) entre os registros
utilizados poderia ser mais bem percebida pelos alunos.
Na situação 2, queríamos reforçar as atribuições da figura associada aos
enunciados e evidenciar que a mesma representação figural pode ser
relacionada com outros teoremas. Dados alguns teoremas, pedimos que os
130
alunos destacassem as hipóteses e a tese na linguagem algébrica e fizessem a
representação figural da situação.
Durante a realização da tarefa, percebemos que os alunos começaram
fazendo a figura do problema para, depois, destacar as hipóteses e a tese. As
figuras foram condizentes com o enunciado, porém, sentimos falta de uma
melhor
percepção
espacial,
uma
vez
que
os
teoremas
trabalhados
extrapolavam o plano. Novamente, erros ocorreram na determinação das
hipóteses e da tese e concluímos que os mesmos estavam relacionados com
os motivos expostos na situação anterior.
Utilizando essa premissa, moldamos as atividades que se seguiram,
recorrendo à linguagem natural como fundamental na compreensão dos
conceitos envolvidos na engenharia das demonstrações.
Conclusão: Um dos objetivos da atividade, centrado em destacar a
congruência e não-congruência entre registros distintos de representação, foi
parcialmente alcançado, pois os alunos não cometeram erros ao associar os
enunciados (linguagem natural) à sua representação figural. Porém, não foram
capazes de relacionar as associações feitas com a determinação das hipóteses
e tese na linguagem algébrica. Com isso, acreditamos que o estatuto da figura
geométrica, subordinado às hipóteses, não foi totalmente compreendido e que
uma “inversão” dos papéis tenha comprometido o desenvolvimento da
atividade, mesmo com a explicação feita pela pesquisadora. A representação
na linguagem natural dos elementos de um teorema se mostrou fundamental
para o estabelecimento da congruência semântica entre os registros de
representação utilizados.
•
Atividade III
Em nossa terceira atividade, trabalhamos o recíproco de um teorema,
sua redação e ferramentas que justificariam se o mesmo era verdadeiro ou
falso. Com essa atividade, reforçaríamos o estatuto do teorema, das figuras
131
geométricas e a mobilização entre registros distintos para o entendimento dos
conceitos geométricos envolvidos nas tarefas propostas.
Na primeira situação, pedimos que os alunos, a partir de um teorema
dado, redigissem, na linguagem natural, o seu recíproco e a expressão
unificada
entre
teorema/recíproco.
Ainda,
solicitamos
que
os
alunos
destacassem os elementos do teorema e do recíproco na linguagem algébrica
e que representassem graficamente a situação. Um exemplo dos passos foi
exposto nessa tarefa para auxiliar na realização da atividade.
Percebemos, novamente, uma dificuldade dos alunos em redigirem em
linguagem natural o recíproco e a expressão unificada. Apesar de identificarem
corretamente o recíproco do teorema 1 (observação feita pela pesquisadora
durante a aplicação da seqüência), a redação, tanto do recíproco quanto da
expressão unificada, era incoerente gramaticalmente. Algumas respostas dos
alunos confirmam a afirmação feita:
•
Recíproco
“Se dois planos são paralelos, então um deles contém retas
concorrentes que ambas são paralelas ao outro.”
“Se dois planos são paralelos, então existirão duas retas em um plano e
paralelas ao outro.”
“Se dois planos são paralelos então existe duas retas concorrentes em
um deles e que é paralelo ao outro.”
•
Expressão unificada
“Dois planos são paralelos se e somente se, duas retas concorrentes de
um dos planos for paralela ao outro plano.”
“Se dois planos são paralelos se e somente se duas concorrentes em
um dos planos e as retas serão paralelas ao outro plano.”
Especulamos que essa incoerência pode ter acarretado nos erros
cometidos na obtenção das hipóteses e da tese do recíproco, uma vez que, ao
132
tentar estabelecer uma correspondência com os dados definidos na redação do
recíproco, o aluno ocultou ou usou informações errôneas acerca do enunciado.
Chamou a atenção o fato de todos os alunos escolherem a forma
condicional para escrever o recíproco. Acreditamos que os mesmos tenham
percebido nesta um facilitador para obter os elementos de um teorema.
A figura geométrica da situação foi corretamente esboçada por todos os
alunos, porém, os que erraram as hipóteses e a tese, caso fizessem a
associação dos registros, deveriam perceber o erro. Essa visão fragmentada
mostra que a produção e a apreensão de uma representação (semióse)
ocorrem, mas isso não significa que apreensão conceitual (noésis) tenha
acontecido. Como Duval, apoiamos nossas idéias na mobilização de vários
registros, para que o aluno crie o hábito de relacioná-los e reconhecer em cada
um deles o “objeto matemático” trabalhado.
Na mesma atividade, os alunos apresentaram dificuldades semelhantes
no desenvolvimento com o teorema 2 e, novamente, erraram na obtenção das
hipóteses e tese do teorema, porém, o número de erros foi consideravelmente
menor. Como vínhamos trabalhando a conversão entre os registros de
representação, assumindo que esta “só será compreendida, se os sistemas
semióticos forem vistos em sua relação entre conhecimento/representação (c.f
p. 30 ), e que “mudar de um registro para outro não significa apenas mudar o
tratamento de um objeto, significa também explicar suas propriedades ou seus
distintos aspectos.”(c.f p. 30 ), acreditamos que a relação semântica entre os
mesmos começou a ser vista pelos alunos como uma necessidade lógica.
Ressaltamos que alguns conceitos tiveram que ser retomados pela
pesquisadora, pois nem todos os alunos tinham compreensão dos mesmos,
impossibilitando a execução da tarefa.
Na
situação
2
da
atividade
em
questão,
abordamos
a
veracidade/falsidade do recíproco, apresentando ferramentas de justificação.
Em uma primeira atividade, exibimos alguns enunciados e solicitamos que seu
133
recíproco fosse determinado, de forma que os alunos apontassem se o mesmo
era falso ou verdadeiro e justificassem a opção.
Para justificar, algumas definições deveriam ser utilizadas como contraexemplos acompanhados de sua respectiva figura. Diferente da atividade
anterior, na qual todos os recíprocos eram verdadeiros (mesmo que não
tenhamos
trabalhado
essa
relação
explicitamente),
os
enunciados
apresentados na atividade 1 tinham como recíproco uma afirmação falsa. Mais
do que trabalhar o recíproco, esta atividade contribuiu para reforçar alguns
conceitos geométricos e suas atribuições.
Poucos alunos erraram a questão 1 e acreditamos que os erros
ocorridos estejam condicionados a três fatores. O primeiro, associado à
conversão das definições dadas em recíprocos das mesmas. Segue a solução
dada por um dos alunos que não acertou uma das tarefas, referente ao
enunciado 3:
Enunciado 3: Se duas retas são perpendiculares, então elas formam um
ângulo reto.
Recíproco: Duas retas que formam ângulo reto são perpendiculares
(verdadeiro)
Justificativa: Retas perpendiculares são concorrentes e formam ângulo reto.
Figura:
Figura 8: Representação figural dada pelo aluno
134
Acreditamos que, ao justificar, o aluno tenha “lido” a definição
apresentada como justificativa da tese para hipótese, ou seja, determinado seu
recíproco. Dessa forma, ele assumiu que se duas retas formam ângulo reto,
então estas, são perpendiculares.
O segundo fator relaciona-se com o próprio enunciado do problema, pois
pedimos que as definições fossem utilizadas para contradizer o recíproco e não
confirmá-lo. Logo, acreditamos que os alunos que erraram não souberam
interpretar a questão.
O terceiro e último, o mais preocupante, é ligado à não compreensão
dos conceitos necessários para a solução do problema. Como afirma
Pavanello, o abandono do ensino de Geometria na educação básica ou a
precária aprendizagem da mesma nos cursos de formação de professores se
mostram como obstáculos na aquisição dos conceitos geométricos que,
normalmente, são apreendidos por memorização e repetição de processos,
destituídos de qualquer sentido para os alunos.
Apesar de alguns erros, todos os alunos conseguiram escrever
corretamente o recíproco e os que acertaram a justificativa de sua falsidade
conseguiram
esboçar
corretamente
a
figura
como
contra-exemplo.
Ressaltamos que a pesquisadora orientou os alunos no traçado de retas
reversas, mostrando aos alunos as interseções das paredes da sala de aula
como exemplo.
Na última tarefa da atividade III ressaltamos a importância da figura
como suporte de verificação/refutação de propriedades e relações de um
enunciado. Apresentamos três enunciados com seus respectivos recíprocos e
pedimos que os alunos justificassem a falsidade dos recíprocos, utilizando as
figuras que estavam esboçadas na atividade.
Para o terceiro enunciado, todos os alunos fizeram corretamente a
associação com a figura que contradizia o recíproco. Porém, no primeiro e
segundo enunciados, a turma ficou dividida nas soluções apresentadas.
135
Supomos que os alunos que erraram utilizaram o enunciado e não seu
recíproco para associar com a figura mais adequada. Novamente, uma não
compreensão dos conceitos envolvidos no enunciado pode ter acarretado nos
erros cometidos. E, se não há reconhecimento do objeto matemático tratado no
problema, não é possível que os alunos estabeleçam relações entre os
registros de representação abordados.
Conclusão: Delimitamos, para essa atividade, a apresentação do recíproco de
um teorema e como determiná-lo, além de ressaltarmos que nem sempre os
mesmos são verdadeiros. Acreditamos que não alcançamos efetivamente
nossos objetivos, por termos esbarrado em obstáculos de natureza lingüísticas
e didáticas. Mesmo que os alunos argumentassem com coerência sobre o
recíproco, a teorização do mesmo foi comprometida. A conversão entre os
registros de representação, mesmo que estabelecida corretamente na maioria
dos
casos,
ainda
não
nos
convenceu
de
que
os
alunos
estejam
mobilizando/coordenando os mesmos espontaneamente.
•
Atividade IV
Efetivamente, começamos a trabalhar com as demonstrações nesta
atividade. Nas que a precederam, tentamos enfatizar alguns dos elementos
importantes do sistema formal, a operacionalização lógica do mesmo, a
coordenação de diferentes registros de representação e suas relações
semânticas, o estatuto do teorema e das figuras geométricas e algumas
ferramentas que julgamos indispensáveis na obtenção de uma demonstração.
Em uma primeira situação, apresentamos esquemas de demonstração
nas linguagens figural, algébrica e natural. Porém, estes esquemas estavam
incompletos para que os alunos obtivessem parcialmente a prova de alguns
teoremas. Reforçamos, com esta atividade, a necessidade de justificar cada
escolha feita na redação da demonstração, recorrendo, para isso, à caixa de
ferramentas apresentada e as hipóteses do enunciado.
136
Nos três teoremas dados na atividade, os alunos conseguiram
estabelecer corretamente as hipóteses e a tese por meio dos enunciados na
linguagem natural. Na linguagem algébrica, houve “encobrimento” de dados
para os três teoremas. Acreditamos que esta falha tenha ocorrido pelo fato de
os alunos não conhecerem simbologia matemática suficiente para transpor os
dados, apesar de apresentarmos na atividade uma quantidade de símbolos
para auxiliar este trabalho. Cremos que não foi a falta de relação entre os
registros que acarretou no erro, pois os alunos mostraram compreender o
estatuto do teorema nas atividades que haviam sido desenvolvidas. Logo,
representá-lo não seria um problema, a não ser que o conhecimento de um
determinado tipo de registro fosse desconhecido ou insuficiente.
Para os teoremas 1 e 2, apresentamos um esquema figural de
demonstração, no qual reconfigurações da figura inicial havia sido feito. Para
cada nova figura esboçada, pedimos que os alunos justificassem as
modificações feitas, utilizando, para isso, ferramentas que lhes foram exibidas.
Todos os alunos justificaram corretamente as alterações expostas, revelando
assim que a apreensão operatória, relacionada às modificações que uma figura
pode
sofrer,
foi
percebida
e
reorganizada
“perceptivamente”
e
“discursivamente” com o auxílio da caixa de ferramentas.
Esta atividade também serviu para reforçar com os alunos que as figuras
geométricas são construídas a partir de conceitos e fundamentos sólidos, que
não surgem do nada. Sendo assim, o que se vê em uma figura não é suficiente
para provar um teorema; é necessário que se exponham os passos dados para
a “sistematização” da prova. A figura auxilia, mas não contempla.
Estabelecidas as justificativas das modificações da figura, pedimos que
os alunos completassem um esquema de demonstração na linguagem natural,
sem deixar de justificar cada afirmação. Não houve erros nessa tarefa.
Observamos que os alunos voltaram à figura para completar o esquema,
estabelecendo relações entre os registros, associando, logicamente, cada
passo determinado. O mesmo ocorreu quando solicitamos que um esquema
137
algébrico de demonstração fosse completado com informações para obtermos
a prova do teorema, de forma que todas as escolhas feitas fossem justificadas.
Acreditamos, como Duval, que a mobilização de registros de
representação
são
fundamentais
para
a
compreensão
de
conceitos
matemáticos e a articulação dos mesmos em atividades que promovam o
desenvolvimento de raciocínio lógico. Logo, os alunos mostraram entender
melhor os passos de uma demonstração e sua importância na teorização da
Geometria, relacionando e coordenando com mais consciência os registros de
representação.
As demonstrações utilizadas no teorema 1 e 2 foram “diretas”. Um texto
explicativo sobre tipos de demonstração foi exposto. Os alunos parecem ter
compreendido o que é fazer uma demonstração direta, pois todos confirmaram
este fato nos teoremas citados.
Para o terceiro teorema da atividade, apresentamos um esquema de
demonstração (indireta/absurdo) em duas colunas, de tal forma que, em uma
delas, apresentamos os passos (construção) para a demonstração e, na outra,
as justificativas para cada passo estipulado. Reforçamos, novamente, com
essa tarefa, a necessidade de justificar logicamente cada decisão tomada na
aquisição de uma prova, recorrendo, assim, às ferramentas dadas.
A resolução dessa tarefa foi a que provocou mais discussão entre os
alunos na hora de completar os espaços em branco e justificar as opções
definidas. Não explicitamos se tratar de uma demonstração indireta; logo,
supomos que este fato possa ter contribuído para as dúvidas que surgiram.
Gostaríamos de frisar que não definimos as demonstrações “indiretas”
como demonstrações por “absurdo”, mesmo que exista uma correlação entre
as mesmas. Utilizamos a definição dada por Polya (1995) para cada uma
delas, a saber: Indireta: Estabelece a verdade de uma afirmativa por revelar a
falsidade da suposição oposta; Absurdo: Mostra a falsidade de uma suposição
derivando dela um absurdo flagrante (p.52).
138
As dificuldades apresentadas pelos alunos, de acordo com Polya, têm
raízes mais profundas, uma vez que, na história da matemática, alguns
filósofos já mostravam objeções a esses tipos de demonstração, não nos
surpreendendo a aversão dos alunos em utilizá-las.
Atingir uma demonstração, utilizando a forma indireta (a que focamos
em nosso trabalho), requer um grande esforço intelectual para conquistá-la e
para compreendê-la perfeitamente. Sendo assim, é natural que, como fruto de
tanto esforço, desejemos que o “conhecimento” alcançado seja inserido em
nosso “HD” intelectual, porém o que se alcança com a demonstração indireta
deve ser descartado, “deletado”, pois se trata de uma conjectura que se
mostrou falsa.
Ao fazermos a demonstração indireta, somos obrigados a concentrar
profundamente nossa atenção em uma suposição falsa que posteriormente
deveremos esquecer, e não no teorema que deverá ser apreendido (Polya,
1995).
Logo, acreditamos que os alunos se perderam durante o processo,
justamente por não se concentrarem na afirmativa falsa, contrapondo
conhecimentos verdadeiros e absurdos. Intuitivamente, como trabalharam
apenas a demonstração direta nos problemas anteriores, os mesmos podem
ter associado à demonstração apresentada no teorema 3 com as outras,
acreditando que algum erro havia sido cometido na demonstração por focarem
seus passos nos dados do teorema. Um exemplo da solução apresentada por
um aluno e que corrobora o que foi dito encontra-se no Quadro 1.
139
Demonstração
Afirmativas/construções
Justificativas
Suponha que a interseção entre as retas Como ainda não sei quantos pontos tem a
sejam os pontos distintos P e Q.
interseção
das
retas,
posso
supor
a
quantidade que quiser.
Temos que P e Q pertencem à reta r e à reta Como P e Q estão na mesma reta de r e s,
s
então pertencem às duas retas
P e Q determinam uma única reta.
Logo, P e Q são um único ponto
As retas r e s são coincidentes.
Absurdo, pois, por hipótese, temos que r e s
são retas concorrentes
Logo, a interseção de r e s só pode ser um
único ponto.
Quadro 1: Solução apresentada por um dos alunos para a demonstração do teorema 3
As palavras grifadas e em negrito correspondem à resposta dada pelo
aluno. Notamos, com essa resposta, que a suposição feita na primeira coluna,
acerca da interseção das retas, em momento algum foi considerada, uma vez
que o aluno usa o fato de os pontos P e Q serem iguais na demonstração feita.
Parece que o mesmo se apoiou nos dados do teorema para completar o
esquema apresentado, nem percebendo a incoerência das justificativas para as
construções explicitadas. O abandono total da afirmativa falsa ocorreu.
Pensamentos do tipo “Como queremos provar a veracidade de algo, é
necessário
utilizarmos
de
afirmações
verdadeiras”
podem
ter
sido
determinantes na forma como o aluno apresentou sua solução.
Destacamos que grande parte dos alunos apresentou problemas
similares e, quando pedimos que redigissem na linguagem natural a
demonstração feita, os que erraram o preenchimento do esquema de duas
colunas, apresentaram textos totalmente desconectados com o quadro e não
concluíram o que o teorema exigia, ou seja, que a interseção de duas retas
distintas era um único ponto. Algumas respostas:
140
Redação da demonstração na linguagem natural pelos alunos
“Existem duas retas concorrentes; os pontos P e Q pertencem às retas,
logo P e Q são um único ponto.”
“A interseção entre duas retas é um ponto P e Q, que determinam uma
única reta, então as retas são coincidentes.”
“Existem P e Q pertencentes a r e s, onde P e Q determinam uma única
reta, logo r e s são coincidentes”.
Não acreditamos, neste caso, que o estatuto do teorema não tenha sido
compreendido, pois, mesmo que a demonstração estivesse errada, os alunos
acertaram as hipóteses e tese. Observamos a inquietação dos alunos, quando
não conseguiram associar a redação apresentada aos dados do teorema.
Conseqüentemente,
os
mesmos
alunos
também
erraram
a
demonstração no esquema algébrico, não percebendo que o absurdo gerado
era que as retas r e s eram coincidentes, uma vez que, por hipótese, elas eram
distintas. Eles concluíram que o absurdo era que o ponto P era igual ao ponto
Q, mesmo afirmando, no esquema do quadro, que os mesmos eram iguais.
Acreditamos que esses alunos responderam que a demonstração era
indireta, utilizando a palavra “absurdo” como evidência, uma vez que, ao
definirmos a demonstração indireta na atividade, destacamos esta palavra.
Realmente acreditamos que eles não tenham compreendido o porquê daquela
demonstração apresentada ser do tipo “indireta” e não conseguiram justificar se
a figura dos passos poderia ser ou não feita. Grande parte deles deixou em
branco esta pergunta.
Devemos salientar que houve acertos para essa tarefa, mesmo que em
baixa proporção. Poucos alunos conseguiram completar corretamente todos os
itens da tarefa, estabelecendo uma rede semântica e lógica entre todos os
esquemas de demonstrações utilizados.
141
Para a situação dois, apresentamos (letra a) passos da construção de
uma demonstração fora de ordem, para que os alunos os organizassem
logicamente, sem deixar de justificar cada construção/afirmação feita.
Intencionalmente, não pedimos que as hipóteses e a tese do teorema
fossem destacados, para analisarmos se a falta dos mesmos acarretaria em
alguma dificuldade na organização seqüencial da demonstração. Além disso,
nenhuma figura geométrica foi esboçada para que os alunos se orientassem.
Notamos que a falta dessas “ferramentas” constituiu um problema na
solução da tarefa. Acreditamos que, como não ocorreu uma mobilização entre
mais de um registro de representação, os alunos sentiram dificuldade em
“abstrair” mentalmente as afirmações feitas e não sabiam exatamente o que
queriam demonstrar, pois não se destacou explicitamente a conclusão do
enunciado.
Acreditamos que a frase “por hipótese” ajudaria os alunos a iniciarem
corretamente a ordem seqüencial da demonstração, uma vez que o estatuto do
teorema havia sido intensamente trabalho. Contudo, alguns alunos (poucos)
iniciaram a numeração dos passos erradamente.
A maioria dos alunos numerou os dois primeiros passos corretamente,
porém, perderam-se nas outras informações. Supomos que o número de
atividades nas quais a mobilização e a coordenação de diferentes registros de
representação
ocorreram
não
foi
suficiente
para
que
os
alunos
desenvolvessem uma habilidade mental mais apurada, sem que a necessidade
de verificação experimental tivesse que ser realizada. Como ressalta Duval, é
preciso um trabalho intenso com vários registros de representação, pois esta
articulação entre os registros é fundamental para o desenvolvimento do
raciocínio e de funções cognitivas do pensamento humano.
Notamos que os alunos que acertaram a ordem seqüencial dos passos
da demonstração apresentada recorreram a figuras e às hipóteses do teorema,
uma vez que estas “ferramentas” estavam explicitadas no corpo da atividade,
142
mesmo que não tenhamos solicitado tais “informações” até aquele momento.
Sendo assim, acreditamos que eles tenham percebido a importância dessas
ferramentas
para
a
obtenção
de
uma
demonstração,
relacionando
semanticamente às representações distintas da mesma, apreendendo
operatoriamente a representação geométrica, usando, para isso, os dados
estabelecidos pelas hipóteses do enunciado.
Outros alunos que acertaram a questão, o fizeram sem recorrer
visualmente a ferramentas. Dessa forma, especulamos que os mesmos tenham
alcançado um nível de abstração superior à dos demais alunos. O
desenvolvimento da seqüência didática pode não ter sido o único fator
determinante no que tange às habilidades de abstração alcançadas, porém,
acreditamos que tenha contribuído consideravelmente neste aspecto.
Posteriormente a essa tarefa (letra b), pedimos que os alunos
determinassem os elementos do teorema em linguagem natural e algébrica e
fizessem o esboço da figura para cada passo estabelecido na tarefa anterior.
Surpreendeu-nos o fato de alunos utilizarem os dados explicitados nos passos
na questão anterior para determinar as hipóteses e a tese do enunciado, uma
vez que escreveram identicamente as informações contidas na mesma.
Inclusive, os alunos que erraram a ordem dos passos naquela questão,
determinaram as hipóteses corretamente utilizando os dados explicitados, sem
perceberem os erros cometidos na numeração apresentada. O estatuto do
teorema parece não ter chamado a atenção dos alunos para esse fato.
Supomos que não seja uma incompreensão deste estatuto o motivo para a
falta de associação passos/hipóteses/incoerência, pois, nas atividades
anteriores, nas quais reforçamos o estatuto, os alunos mostraram compreender
a importância dos elementos de um enunciado e as hipóteses como referência
inicial para começarmos uma demonstração.
Assim como apontado por Pavanello, Duval e Gouvêa, entre outros
citados em nosso referencial, acreditamos que obstáculos epistemológicos,
143
didáticos e lingüísticos contribuíram para os erros e as faltas de associações
entre as duas questões apresentadas.
Na mesma questão (letra c), pedimos que os alunos utilizassem a
numeração feita na letra a para esboçar a figura geométrica de cada um dos
passos estipulados. Os alunos que não acertaram a ordem lógica dos passos
para obter a demonstração do teorema começaram a esboçar as figuras,
porém, nenhum deles ultrapassou o quarto passo, não determinando, assim,
todos os esboços solicitados. Acreditamos que, ao traçar as representações
gráficas de acordo com a numeração feita, os alunos perceberam a incoerência
e a falta de padrão lógico nos esboços das figuras.
Outros alunos nem iniciaram essa tarefa, não conseguindo associar aos
passos da demonstração apresentada com suas respectivas figuras.
Pensamos que por se tratar de figuras nas quais uma boa noção espacial fosse
requerida, alguns alunos, por limitações de habilidades de desenho geométrico,
não conseguiram executar a tarefa. Esse fato já vem sendo discutido por
Pavanello que, além de questionar a precariedade do ensino de geometria nos
vários níveis da educação, também ressalta o abandono de aulas de desenho
geométrico, comprometendo, assim, o desenvolvimento de aptidões no traçado
de enunciados por meio de suas características e propriedades.
Realmente percebemos a falta de noção espacial em algumas figuras,
um obstáculo epistemológico que, segundo Duval, só será minimizado com a
coordenação dos vários registros de representação de uma determinada
situação, mas que não deve ser apresentada “acabada” para o aluno. É
necessário que ele mesmo visualize, construa para com isso, desenvolver, por
meio desses mecanismos, o raciocínio exigido para
se
fazer
uma
demonstração.
Mesmos os alunos que acertaram as letras a e b da atividade
apresentaram dificuldades em esboçar as figuras. As reconfigurações
intermediárias ocorreram de forma fragmentada, pois, para cada figura
apresentada, os alunos ocultavam informações das figuras anteriores. Essa
144
fragmentação nos passos já havia sido percebida na execução de outras
tarefas.
Devemos salientar que houve alunos que fizeram corretamente os
esboços, justificando coerentemente cada passagem, sem deixar de associar
as figuras esboçadas as suas antecedentes. A apreensão perceptiva,
discursiva e operatória ocorreu sinergicamente na obtenção da solução da
tarefa.
Nas letras d e e, ainda na mesma questão, solicitamos que a
demonstração do teorema fosse feita algebricamente e que sua redação na
linguagem natural fosse apresentada. Os alunos que erraram os itens
anteriores
não
solucionaram
estas
tarefas,
deixando-as
em
branco.
Especulamos que, por perceberem os erros cometidos inicialmente, logo
desistiram de concluir a atividade, uma vez que eles não poderiam “voltar” para
fazer acertos nas tarefas anteriores (c.f cap.5).
Os alunos que acertaram as tarefas anteriores não apresentaram
dificuldades em redigir naturalmente a demonstração, tanto que utilizaram a
própria redação expressa na letra a. Algebricamente, novamente destacamos
os erros de alunos em preencher o esquema de demonstração, estes mais
relacionado
à
falta
de
conhecimento
de
simbologia
matemática
e
operacionalização da mesma.
Conclusão: Na atividade 4, tínhamos como foco principal trabalhar com
esquemas distintos de demonstração, de forma que os alunos associassem à
congruência das mesmas, à complementaridade envolvida em cada uma delas
e a importância de trabalhá-las conjuntamente. As ferramentas apresentadas
para efetivar as demonstrações sugeridas foram uma forma de explicitar a
utilização dos elementos de um sistema formal (postulados, definições,
teoremas) na dinâmica dos processos envolvidos na engenharia de uma
demonstração. Os resultados obtidos nos mostram que os alunos perceberam
a lógica necessária nos passos de uma demonstração, a necessidade de
justificar cada construção realizada e como é fundamental coordenar mais de
145
um registro de representação, de forma a perpassar por informações que, às
vezes, estão implícitas em um registro, mais em outro se mostra claramente.
•
Atividade V
Na quinta e última atividade, pretendíamos analisar como os alunos
compreenderam as atividades anteriores e os conceitos trabalhados nas
mesmas. Uma liberdade maior de escolha foi estabelecida nas tarefas
estipuladas, de forma que os próprios alunos criassem seus esquemas de
demonstração e uma caixa de ferramentas para justificar as opções
determinadas. Buscamos contemplar, com esta atividade, as abordagens e as
discussões até então realizadas.
Inicialmente, apresentamos um quadro contendo alguns postulados e
teoremas para auxiliar a construção de caixa de ferramentas e ressaltar a
importância destes na consistência lógica do sistema formal.
Em uma primeira tarefa, apresentamos um teorema com passos que
caracterizariam a demonstração do mesmo. Pedimos que os alunos
associassem a cada passo apresentado uma figura que melhor contemplasse
as informações determinadas por estes. É importante ressaltar que muitos dos
esboços apresentados poderiam representar mais de um passo, caso o aluno
não associasse a apreensão discursiva e perceptiva em uma relação muito
próxima de congruência. As reconfigurações intermediárias também deveriam
ser vistas na sua totalidade para que cada apreensão operatória não se
fragmentasse ao longo da demonstração, chegando a um esboço final que
vislumbrasse a tese do teorema.
Todos os alunos associaram corretamente os passos às figuras
esboçadas, correlacionando as propriedades de cada informação nos dois
registros apresentados (natural e figural). A compreensão de um “objeto”
tratado em determinados problemas, segundo Duval, só é estabelecida quando
um sujeito é capaz de representá-lo em mais de um registro, pois, dessa forma,
ele tem que “explicar” os conceitos envolvidos quando faz a transposição de
146
uma representação para outra. Logo, acreditamos que os alunos tenham
apreendido os conceitos trabalhados nesta tarefa.
Notamos que quando apresentamos a figura pronta, os alunos mostram
uma dificuldade menor em fazer associações entre registros e reconfigurações.
Concluímos, assim, que se eles não apresentassem dificuldades em esboçar
figuras espaciais (problema citado nas atividades III e IV), a percepção de
passos a serem tomados em uma demonstração seria minimizada.
Em seguida, solicitamos que os alunos apresentassem as hipóteses e a
tese do teorema na linguagem natural e algébrica. Não houve erros nesta
tarefa. Como a representação algébrica havia sido reforçada em todas as
atividades, percebemos que os alunos operacionalizaram melhor os dados.
Vale ressaltar que os símbolos utilizados nesta tarefa são mais comumente
trabalhados em Geometria.
Após determinarem os elementos do teorema, os alunos deveriam criar
uma caixa de ferramentas que justificasse os passos evidenciados na tarefa.
Alguns teoremas apresentados poderiam justificar um único passo; isso pode
ter sido conflitante para os alunos estabelecerem qual seria a melhor opção.
Mesmo assim, os alunos conseguiram criar a caixa de ferramentas com as
informações necessárias para justificar a demonstração realizada. Porém, nem
todos escolheram os mesmos teoremas.
Queríamos mostrar para os alunos que as demonstrações não precisam,
necessariamente, conter as mesmas informações; somente é necessário que a
lógica do processo seja evidenciada e que “ferramentas” legais sejam utilizadas
no intuito de se chegar à tese.
Para finalizarmos a tarefa em questão, pedimos que um esquema
algébrico de demonstração fosse feito. Muitos alunos erraram. Como este
esquema exigia uma complexidade maior de operacionalização simbólica, os
alunos se perderam em alguns passos, ora ocultando informações, ora não
conseguindo estabelecer uma relação coerente entre os dados e sua
147
representação algébrica. Acreditamos, como Pavanello, que um trabalho
voltado apenas para a memorização desses símbolos, no ensino, tenha
contribuído para as dificuldades que surgiram durante todas as atividades, pois,
simplesmente o conhecimento da simbologia não significou que os alunos
soubessem utilizá-los com significação.
Na segunda questão da atividade V apresentamos um problema que
poderia ser resolvido por congruência de triângulos. A fim de induzirmos para
este fato, apresentamos uma figura na qual evidenciamos o traçado de dois
triângulos.
Achamos interessante que alguns alunos tenham “separado” a figura em
duas partes, talvez para visualizarem melhor e direcionarem suas decisões na
solução do problema. Segue um exemplo da figura feita por um dos alunos,
que confirma a afirmação acima (Figura 9):
Figura 9: Representação geométrica feito por um dos alunos para a questão 2
Esperávamos que os alunos fizessem reconfigurações na figura
apresentada, utilizando as informações do problema. A maioria fez acréscimos
na figura corretamente, justificando o porquê das modificações. Poucos alunos
não fizeram nenhum ajuste na figura.
Para demonstrar o problema proposto, também pedimos que os alunos
criassem uma caixa de ferramentas para a situação. Apenas um aluno não
tentou fazer a demonstração, logo, não criou nenhuma caixa de ferramentas.
148
Todos os demais alunos tentaram demonstrar e, nas caixas de
ferramentas criadas, o postulado 3 aparecia em todas. Na realidade, a maioria
dos alunos só citou este postulado na caixa apresentada. Acreditamos que o
desenho tenha contribuído para a decisão de trabalhar com a congruência de
triângulos e, por isso, a citação deste postulado tenha ocorrido, uma vez que
ele era o único que evidenciava a relação entre triângulos.
Não pedimos que a demonstração fosse feita em um esquema
específico; deixamos a critério do aluno esta decisão. As demonstrações
apresentadas, em geral, foram feitas simultaneamente em linguagem natural e
algébrica. Creditamos este aspecto às dificuldades que os alunos têm em
relacionar algebricamente dados. Entretanto, essa dificuldade não caracterizou
o abandono total da representação algébrica nas demonstrações. Acreditamos
que os alunos tenham percebido, neste tipo de esquema (algébrico), uma
economia no tratamento de informações, aspecto este já citado por Duval.
Nem todos os alunos acertaram integralmente a solução deste
problema, mas uma melhor coordenação entre informações e registros de
representação foi notada pela pesquisadora no desenvolvimento da atividade.
Na terceira e última tarefa da V atividade, apresentamos um teorema, o
qual deveria ser demonstrado em todos os registros de representação
trabalhados ao longo da seqüência didática.
O destaque dos elementos do teorema não foi fácil, principalmente a
determinação das hipóteses, as quais continham uma grande informação de
dados. Neste teorema, apresentamos uma redação mesclada de linguagem
natural e algébrica, a fim de analisar se os alunos compreendiam os
significados
dos
símbolos
matemáticos
explicitados.
Isso
porque
a
representação geométrica deveria ser feita imediatamente após trabalharem
com o estatuto do teorema.
Alunos que acertaram as hipóteses do teorema tentaram fazer a figura
que retratava a situação, mas novamente esbarraram em dificuldades de
149
percepção espacial. Notamos que alguns alunos apresentaram melhoras no
traçado do desenho. Esta melhora pode estar associada ao desenvolvimento
de habilidades ou os alunos podem ter utilizado os esboços da primeira
questão como referência.
Salientamos que alguns alunos fizeram uma figura muito condizente com
a situação do enunciado, associando as propriedades discursivas com as
perceptivas. Porém, nem todos conseguiram demonstrar o teorema.
Os alunos que não fizeram o desenho não esboçaram nenhuma
tentativa para demonstrar em outros registros. Os que fizeram uma
representação geométrica aproximada ao problema tentaram criar a caixa de
ferramentas com as informações para justificar os possíveis passos da
demonstração, porém, também não conseguiram demonstrar o teorema.
Dos alunos que retrataram melhor a representação figural do teorema,
apenas dois conseguiram criar uma caixa de ferramentas adequada para as
demonstrações que eles apresentaram. Na linguagem algébrica, nenhuma das
demonstrações estava completa, porém, na linguagem natural, os dois alunos
citados
conseguiram
obter
corretamente
a
demonstração,
inclusive,
justificando, com as “ferramentas”, a seqüência das construções realizadas na
obtenção da demonstração.
Conclusão: A quinta atividade buscava contemplar todas as outras, de forma
que os alunos fossem capazes de criar suas ferramentas e redigir uma
demonstração em diferentes esquemas. Acreditamos que as atividades
ajudaram os alunos a criar estratégias na busca de uma demonstração,
coordenando melhor as informações dos enunciados, por meio de registros
distintos de representação. Apesar de alguns alunos não alcançarem os
objetivos delimitados para a atividade, cremos que todos começaram a ver a
importância das demonstrações e que a mesma se trata de um processo
lógico, constituído de sentido e regras que não podem ser ignoradas.
150
6.2 Análise geral das atividades da seqüência didática
6.2.1 Retomando nossa problemática
Ao desenvolvermos nossa seqüência, queríamos propor uma estratégia
metodológica para o ensino de demonstrações em Geometria Euclidiana,
voltando a atenção para os cursos de formação de professores. Nesta proposta
pretendíamos evidenciar a importância das demonstrações na teorização da
Geometria, de tal forma que o trabalho realizado levasse à compreensão dos
conceitos geométricos e dos processos lógicos envolvidos em uma
demonstração. Além disso, buscamos caracterizar um sistema formal,
explicitando seus elementos e destacando a demonstração mais como um
processo, no qual seu objetivo principal é estabelecer a veracidade de um
determinado enunciado.
Assim, optamos por apresentar algumas técnicas de demonstração,
trabalhando o estatuto do teorema e das figuras geométricas, o papel
heurístico das figuras, a mobilização de diferentes registros de representação,
por meio de ferramentas que ressaltariam a rede semântica e lógica entre
esquemas de demonstração e todos os outros itens destacados acima.
Não era nossa intenção que a seqüência didática desenvolvida
habilitasse todos os alunos a fazer uma demonstração matemática, mas que
esta despertasse uma posição mais crítica com relação às verdades
estabelecidas na Geometria, de tal forma que os alunos percebessem a
necessidade de justificar as afirmações que lhes eram apresentadas,
recorrendo, para isso, às demonstrações matemáticas.
Acreditamos que a seqüência contribuiu consideravelmente para um
novo olhar no ensino/aprendizagem das demonstrações, pois os alunos fizeram
comentários favoráveis à sistemática utilizada. Eles disseram que somente
agora entendiam porque se usavam os postulados, definições e teoremas para
se fazer uma demonstração.
151
Também afirmaram que as caixas de ferramentas ajudaram a esclarecer
as decisões que deveriam ser tomadas e que um trabalho com mais de um
registro facilitou a compreensão de conceitos geométricos focados em cada
tarefa.
Muitos alunos assumiram que não sabiam que a ordem seqüencial que
utilizaram era característica de um sistema formal, o que já havíamos
constatado com a aplicação do questionário, uma vez que a maioria dos alunos
afirmou não saber o que era um sistema formal.
Os próprios alunos salientaram suas dificuldades em trabalhar os
registros algébricos e geométricos, reconhecendo que essas defasagens
refletiram no desenvolvimento que os mesmos apresentaram nas execuções
das tarefas.
O fato mais considerável foi os alunos confirmarem que a demonstração
não é algo assim tão complicado, assumirem que têm dificuldades, mas que
estas não são tão intransponíveis como acreditavam ser. Inclusive, muitos
afirmaram que utilizaram dos processos apresentados na atividade, para tentar
sistematizar outros conceitos geométricos, praticando algumas das técnicas de
demonstração.
6.2.2 Retomando alguns dos obstáculos enfrentados
Em nosso referencial citamos alguns obstáculos que, normalmente,
ocorrem no ensino, evidenciando os de natureza epistemológica, didática e
lingüística.
Ultrapassar o obstáculo epistemológico da figura geométrica foi um
desafio da seqüência didática, pois, como citado na análise das atividades,
muitos alunos, nas primeiras tarefas, recorriam apenas às figuras para
solucionar grande parte dos problemas. Dessa forma, o abandono do
152
enunciado acarretava em erros que, provavelmente, não ocorreriam se os
alunos mobilizassem, no mínimo, dois registros de representação.
Outro obstáculo epistemológico relacionado à figura se situou no nível
de congruência entre registros de representação; uma fragmentação parecia
ocorrer quando os alunos necessitavam coordenar as figuras para estabelecer
logicamente alguns passos na construção de esquemas de demonstração.
Como afirmou Duval, a mobilização entre registros de representação não
ocorre espontaneamente. Então, para transpormos os obstáculos citados,
recorremos a vários registros de representação em todas as atividades para
que os alunos conscientemente estabelecessem as relações entre os mesmos.
Conclui-se, assim, que as figuras estão subordinadas às propriedades e às
características de um enunciado e não o contrário.
Percebemos que os obstáculos de natureza lingüística comprometeram,
em geral, as atividades nas quais os alunos precisavam redigir em linguagem
natural os teoremas, seus recíprocos e a própria demonstração. Os alunos
pareciam não possuir um vocabulário adequado e conhecimentos gramaticais
suficientes para que as redações apresentadas tivessem coerência.
As leituras fragmentadas dos enunciados também constituíram um
obstáculo lingüístico, pois os alunos, quando não entendiam corretamente um
enunciado, comprometiam a solução das atividades.
Percebemos, ainda, que muitos alunos raciocinavam corretamente, mas
não conseguiam formalizar seus raciocínios. Tentamos trabalhar com esses
obstáculos, exigindo constantemente a representação na linguagem natural
nas várias atividades da seqüência. Para auxiliarmos a compreensão dos
enunciados, fazíamos leituras, com os alunos, das tarefas apresentadas.
Didaticamente,
conhecimento
dos
um
alunos
dos
maiores
sobre
obstáculos
conceitos
enfrentados
geométricos
e
foi
o
linguagem
matemática. Alguns conceitos matemáticos trabalhados os alunos afirmaram
153
não conhecer, apesar de terem passado, na própria graduação, pelas
disciplinas de Geometria Plana e Espacial (conceitos iniciais). Acreditamos que
o conhecimento havia sido trabalhado. No entanto, outras variáveis que podem
ter comprometido a compreensão dos alunos em associar conceitos com suas
propriedades não são foco de nosso estudo.
Foi necessário que retomássemos muitos conceitos geométricos para
facilitar a solução de algumas tarefas. Com relação à falta de conhecimento de
simbologia matemática e de significação da mesma, tentamos ultrapassá-la
trabalhando insistentemente com a representação algébrica, de forma que esta
fosse relacionada a outros registros de representação.
No final da seqüência, percebemos uma melhor coordenação e
operacionalização do registro algébrico.
Quando criamos nossa seqüência, já havíamos pensado em alguns
obstáculos que poderiam ocorrer, apoiando nossas suposições nos referenciais
teóricos. Assim, criamos atividades que buscavam contornar estes obstáculos
e, ao longo do desenvolvimento da seqüência, fomos modelando as atividades
que se seguiram, baseando em outros obstáculos que eram percebidos.
No
geral,
acreditamos
que
contribuímos
para
que
os
alunos
ultrapassassem alguns obstáculos e, para outros, cremos que apresentamos
situações para que estes fossem minimizados.
6.2.3 Retomando nossas hipóteses de pesquisa
Ao definirmos nossa pesquisa, nossa preocupação se centrou nas
dificuldades apresentadas por professores e alunos em fazer e explicar o que
era uma demonstração matemática e sua importância no contexto da
geometria.
154
A fim de contornar essas dificuldades, apresentamos como proposta de
trabalho o desenvolvimento de uma seqüência didática, na qual o objeto de
estudo foram as “técnicas” de demonstração.
Consideramos que, independente do contexto escolar, é possível
realizar estratégias para minimizar dificuldades e concluímos que isso
realmente é possível. Porém, é fundamental que um trabalho intenso de
fundamentação teórica e técnica seja realizado para que a estratégia tomada
reflita em modificações consideráveis e perceptíveis.
Assumimos que a compreensão de uma demonstração e dos conceitos
geométricos envolvidos na mesma estava relacionada com a mobilização e a
coordenação de registros de representação natural, da figura e algébrico.
Acreditamos que o trabalho com diferentes registros de representação
contribuiu consideravelmente para que os alunos ultrapassassem alguns
bloqueios na efetivação de uma demonstração, uma vez a relação semântica
entre os registros foi fundamental na compreensão dos objetos matemáticos
tratados.
O papel heurístico das figuras foi primordial para que os alunos
alcançassem uma apreensão discursiva e operatória, por meio da apreensão
perceptiva. Nas tarefas percebemos que os alunos começaram a orientar-se
pelas informações apresentadas nas hipóteses de um teorema, para relacionar
as propriedades dos conceitos com as figuras esboçadas ou construídas.
O uso de ferramentas lógicas auxiliou os alunos na tentativa de justificar
os passos de uma demonstração, extenuando também a lógica existente em
um sistema formal e a relação entre seus elementos.
Porém, em nossas atividades, apresentamos aos alunos postulados,
definições e teoremas que deveriam ser utilizados para que eles criassem suas
próprias caixas de ferramentas. Pelo que foi percebido nas atividades,
acreditamos que os alunos não atingiram um nível para que estabeleçam, por
meio de seus próprios conhecimentos, a identificação de ferramentas ideais e a
155
articulação
adequada
das
mesmas
para
justificar
logicamente
uma
demonstração. Esse exercício do raciocínio exige prática e discussões de uma
quantidade razoável de problemas geométricos que envolvam a demonstração.
6.2.4 Retomando nossas expectativas com a aplicação da seqüência
Com o desenvolvimento da seqüência, esperávamos que os alunos,
além de compreenderem uma demonstração, desenvolvessem habilidades
geométricas de raciocínio lógico e de obtenção de uma prova matemática.
Para que isso ocorresse, outros aspectos deveriam ser considerados
neste processo caracterizado pela hierarquização de passos e não de
conteúdos.
De acordo com o desempenho dos alunos no desenvolvimento da
seqüência didática, acreditamos que os mesmos compreenderam o estatuto do
teorema e das figuras geométricas, conseguiram coordenar os diferentes
registros
de
representação
observando
suas
relações
semânticas,
reconheceram a necessidade lógica de um sistema formal, perceberam a
importância de justificar teorias matemáticas e foram capazes de compreender
os esquemas de demonstrações apresentados.
Porém, acreditamos que o número de atividades trabalhadas na
seqüência não foi suficiente para que os alunos alcançassem sozinhos a
redação integral de uma demonstração.
Acreditamos que os alunos tenham alcançado um raciocínio dedutivo
mais apurado, mas não o suficiente para formalizar logicamente os conceitos
geométricos.
Achamos necessário que uma quantidade maior de atividades
envolvendo técnicas de demonstração seja desenvolvida para que os objetivos
da seqüência didática sejam todos alcançados.
156
Concorre para a validação do processo a constatação de que os alunos
que participaram da pesquisa mostraram uma crescente desenvoltura ao
trabalhar com problemas geométricos que envolvem demonstração. Podemos
registrar e afirmar que a seqüência didática contribuiu consideravelmente nos
seguintes aspectos:
•
os alunos compreenderam a lógica necessária de um sistema formal e a
relação entre seus elementos;
•
conseguiram estabelecer e reconhecer o estatuto de um teorema;
•
coordenaram registros de representação distintos, estabelecendo entre
eles relações semânticas e de congruência;
•
perceberam
na
figura
geométrica
um
apoio
para
obter
uma
demonstração;
•
compreenderam a subordinação da figura às propriedades de um
enunciado (ultrapassaram a apreensão perceptiva);
•
melhoraram o tratamento algébrico de dados;
•
reconheceram o ordenamento lógico dos esquemas de demonstração
trabalhados;
•
enxergaram a demonstração como fundamental na teorização da
geometria;
•
utilizaram
coerentemente
“ferramentas”
lógicas
para
provar
um
enunciado;
•
perceberam a necessidade de justificar cada passo trilhado na
efetivação de uma demonstração;
•
sentiram-se
mais
seguros
para
desenvolver
problemas
de
demonstração.
Devido aos aspectos citados, concluímos que a aplicação da seqüência
didática foi de grande valia para a reflexão dos futuros professores sobre a
157
importância
do
papel
da
demonstração
no
ensino
de
Geometria.
Experimentaram um ambiente metodológico em que ela pôde ser trabalhada e
o desenvolvimento de habilidades geométricas foi alcançado em atividades nas
quais procedimentos técnicos, porém, de significação, foram focados.
158
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO
Propusemos
nossa
pesquisa
e
trabalhamos
as
demonstrações
matemáticas, com alguns tópicos da Geometria Euclidiana, com a intenção de
apresentar uma metodologia focando as dificuldades que os alunos
apresentam em fazer uma demonstração. O acúmulo de dificuldades acaba
gerando, conseqüentemente, uma rejeição ao seu ensino e à sua
aprendizagem, o que, posteriormente, pode acarretar o abandono deste
conteúdo na educação básica. O mais preocupante: a ausência desse
conteúdo impossibilitaria o desenvolvimento de habilidades geométricas,
ligadas ao crescimento progressivo do raciocínio lógico dedutivo, fundamental
na construção do conhecimento matemático.
A fim de levar alguma contribuição e contornar esses revezes,
pensamos em elaborar uma seqüência didática, na qual evidenciaríamos a
lógica subjacente na teorização da Geometria Euclidiana, apresentando,
construtiva e gradualmente, um sistema formal, seus elementos e relações. A
partir disso, trabalhamos algumas técnicas de demonstração, usando
ferramentas lógicas que auxiliariam no processo da obtenção de uma prova
matemática.
Ressaltamos que a elaboração da seqüência e o acompanhamento de
seu desenvolvimento pelos alunos não foram processos fáceis. A própria
pesquisadora sentiu dificuldades em orientar discussões e elucidar, de
imediato, algumas dúvidas dos alunos, com o devido rigor matemático. Por se
tratar de assunto complexo, em algumas atividades, os alunos descobrem ou
suspeitam de caminhos diferentes de solução que, às vezes, não nos parecem
ser assim, tão evidentes. Isso ocorre porque os alunos envolvidos no processo
passam a participar da construção formal dos conceitos e procedimentos
abordados. Ao se envolver numa busca, cada vez mais consciente de
elementos para a organização da elaboração de uma demonstração, o aluno
aprende a percorrer o trajeto que o professor percorreria e, às vezes, o faz com
159
muita eficiência. Alguns de nossos alunos manifestaram o desenvolvimento de
habilidades nesta direção.
Registramos também uma evolução de nossas próprias habilidades para
lidar com o tema, pois sentimos que a herança de nossa formação foi,
inicialmente, um dificultador na elaboração das tarefas das atividades. Nossas
experiências com a demonstração, no ensino básico e na graduação, não nos
deram subsídios para criar estratégias diferenciadas, uma vez que seu ensino
foi caracterizado pela memorização dos rígidos procedimentos de uma
demonstração, não carecendo necessariamente de sentido.
Para que a seqüência criada contemplasse os aspectos citados acima,
nos baseamos nas principais idéias de Duval sobre a aquisição dos conceitos
geométricos. Consideramos também as propostas definidas pelos PCN e
alguns posicionamentos da educação matemática, com relação ao ensino de
demonstrações e à formação de futuros professores, no que se refere à
aprendizagem das demonstrações. Orientamos-nos também por um estudo
evolucionista da demonstração, considerando os olhares da ciência, filosofia e
educação.
Ultrapassados os obstáculos, acreditamos que alcançamos, com a
aplicação
da
professores,
seqüência,
sujeitos
de
um
nossa
novo
posicionamento
pesquisa,
diante
daqueles
das
futuros
demonstrações
matemáticas. Estes começaram a enxergá-las como fundamental na criação de
conceitos matemáticos e importantes no ensino de Geometria.
Cremos
que,
ao
trabalharmos
com
diferentes
registros
de
representação, contribuímos para o estabelecimento de relações entre as
várias formas de tratarmos um objeto matemático, dando-lhe significado e
possibilitando
uma
flexibilidade
maior
de
solucionar
problemas
de
demonstração, ora pela economia de tratamento, ora pela evidenciação de
características que uma determinada representação pode externar.
160
O uso constante das figuras e a construção das mesmas mostraram-nos
a evolução que os alunos apresentaram em associá-las com suas definições, a
partir dos enunciados. Acreditamos que os alunos ultrapassaram com essa
estratégia o obstáculo epistemológico da figura, vendo-a como âncora na
engenharia da demonstração e não como determinante na justificação e
constatação de uma verdade matemática.
As ferramentas que ressaltamos para justificar passos de uma
demonstração desempenharam um papel significativo nas execuções das
tarefas; os alunos se mostraram mais seguros em fazer uma demonstração
quando conseguiram explicitar suas escolhas, utilizando ferramentas e
entenderam como se concretiza logicamente uma prova.
As técnicas apresentadas demonstraram para os alunos algumas formas
de trabalhar as demonstrações na sua própria formação e durante sua prática
profissional. Notamos que a estratégia da seqüência didática motivou os alunos
no desenvolvimento das tarefas, pois eles ressaltaram que não pensavam que
fazer
uma
demonstração
envolvia
várias
“etapas”
lógicas.
Porém,
compreendiam agora, o porquê de demonstrar e que não é tão complicado
realizar uma demonstração.
Mesmo não sendo uma intenção explicitada na pesquisa, percebemos
que os alunos refletiram sobre novas abordagens de ensino, pois retrataram
que as atividades que fizeram fugiram às aulas tradicionais e que perceberam
uma desenvoltura melhor na execução das tarefas.
Sabemos que quando esbarramos em problemas, principalmente na
educação e nos propomos a ultrapassá-los, variáveis de diversas naturezas se
mostram no nosso caminho. Ao encararmos tais dificuldades como desafios,
uma energia imensa deve ser dispensada em idéias que possam, se não
resolver, pelo menos, minimizar tais problemas. Sabíamos do desafio de
trabalhar com as demonstrações, mas não desistimos; seguimos em frente e
vislumbramos, no final de todo trabalho realizado, objetivos alcançados:
161
•
Os futuros professores conseguiram entender a lógica de um sistema
formal e reconhecer seus elementos; estabeleceram relações entre
estes elementos, coordenaram e mobilizaram semanticamente distintos
registros de representação; compreenderam o papel heurístico da figura
geométrica; utilizaram e criaram coerentemente ferramentas lógicas de
justificativa; entenderam as “técnicas” de demonstração apresentadas e
alguns foram capazes de redigir suas próprias demonstrações.
Concluímos, então, que a aplicação da Seqüência foi de grande valia e
contribuiu para reflexões acerca da importância do papel da demonstração não
só na Geometria, mas na própria matemática. A forma como apresentamos a
engenharia da demonstração nos revelou, com base em nossas análises, que
os alunos se viram como construtores do processo de criação dos conceitos
geométricos e que esta diminuiu a rejeição e as dificuldades que apresentavam
ao se deparar com problemas que envolviam demonstrações.
Já salientamos, na análise feita da seqüência didática, que o número de
atividades trabalhadas não nos pareceu ser suficiente para que todos os alunos
desenvolvessem
habilidades
geométricas
suficientes
para
redigir
uma
demonstração. Além disso, percebemos certas dificuldades que contribuíram
para tal e que poderiam ser trabalhadas com um número maior de atividades
que as abordassem. Sendo assim, gostaríamos de sugerir, para pesquisas
posteriores que tenham um direcionamento convergente com nossa pesquisa,
os seguintes aspectos:
•
trabalhar a escrita na linguagem natural em todas as atividades, para
que os alunos coordenem melhor seus raciocínios argumentativos e os
discursivos;
•
explorar um número maior de construção de figuras espaciais, a fim de
desenvolver habilidades de percepção e desenho;
162
•
operacionalizar as atividades sugeridas e os objetos matemáticos, em
tratamento algébrico, para que os alunos mobilizem e compreendam
melhor a linguagem algébrica;
•
promover mais atividades de demonstrações indiretas, pois estas têm
um alcance intelectual considerável;
•
fazer leituras das atividades com os alunos, propondo discussões
coletivas sobre os objetivos de cada tarefa.
Diante do realizado, das análises e reflexões, nosso sentimento não é de
apresentar aqui um trabalho como encerrado. Pretendemos dar continuidade à
nossa pesquisa na prática cotidiana, aprimorando nossa seqüência didática na
introdução de técnicas de demonstração no ensino de Geometria. Talvez,
desenvolver um trabalho de investigação, no qual os alunos criem suas
próprias técnicas de demonstração, considerando as particularidades e as
exigências formais da ciência matemática.
Apresentamos aqui apenas um ensaio. Uma entre diversas outras
formas de se conduzir o processo da demonstração. A nossa proposta e
experiência, no entanto, carregaram um fato novo: considerar o aluno no
centro, como sujeito de um processo, na construção de conteúdo complexo e
intricado.
163
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171
APÊNDICE A – Questionário aplicado aos alunos
Questionário destinado a alunos do Curso de Licenciatura em Matemática que já
passaram pela disciplina de Geometria sobre "Demonstrações"
Nome ( caso queira): _____________________________________________________
Período que cursa: ___________
1. Durante sua Educação Básica ( Ensino Fundamental e Médio) você teve aulas de
Geometria?
( ) sim ( ) não
2. Caso sua resposta tenha sido "sim" na primeira questão, responda: Você fez alguma
demonstração nas aulas de geometria?
( ) sim ( ) não
3. Na Graduação, você trabalhou ou trabalha com "demonstrações" na disciplina de
Geometria?
( ) sim ( ) não
4. Você sabe o que é um sistema formalizado?
( ) sim ( ) não
5. Você se acha capaz de definir "axioma", "postulado" e "teoremas"?
( ) sim ( ) não
6. Você acha que demonstrar é importante para o ensino de Geometria?
( ) sim ( )não
7. Você acha necessário o uso de demonstrações no ensino de Geometria?
( ) sim ( ) não
8. Você sente alguma dificuldade em demonstrar?
( ) sim ( ) não
9. Você acha que sua formação em Geometria lhe dá subsídios para trabalhar
futuramente com as demonstrações?
( ) sim ( ) não
10. Discorra sobre o que você entende ser uma "Demonstração Matemática"?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
____________________________________________________________________
172
ANEXO A – Fotos dos alunos desenvolvendo a seqüência didática
Figura 10: Alunos discutindo sobre as atividades
Figura 11: Alunos resolvendo as atividades em dupla
173
Figura 12: Alunos realizando individualmente as atividades
Figura 13: Parte da turma pensando nas atividades
174
ANEXO B - Atividades produzidas pelos alunos
Figura 14: Parte da Atividade I da seqüência feita por um dos alunos
175
Figura 15: Parte da Atividade I da seqüência feita por um dos alunos
176
Figura 16: Parte da Atividade I da seqüência feita por um dos alunos
177
Figura 17: Parte da Atividade II da seqüência feita por um dos alunos
178
Figura 18: Parte da Atividade II da seqüência feita por um dos alunos
179
Figura 19: Parte da Atividade III da seqüência feita por um dos alunos
180
Figura 20: Parte da Atividade III da seqüência feita por um dos alunos
181
Figura 21: Parte da Atividade III da seqüência feita por um dos alunos
182
Figura 22: Parte da Atividade IV da seqüência feita por um dos alunos
183
Figura 23: Parte da Atividade IV da seqüência feita por um dos alunos
184
Figura 24: Parte da Atividade IV da seqüência feita por um dos alunos
185
Figura 25: Parte da Atividade V da seqüência feita por um dos alunos
186
Download

Fernanda Aparecida Ferreira .DEMONSTRAÇÕES EM GEOMETRIA