Fernanda Aparecida Ferreira .DEMONSTRAÇÕES EM GEOMETRIA EUCLIDIANA: O USO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA COMO RECURSO METODOLÓGICO EM UM CURSO DE LICENCIATURA DE MATEMÁTICA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Matemática da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências e Matemática. Belo Horizonte 2008 2 À Você, que hoje mora além do horizonte, em um lugar tranqüilo e bonito, dedico minha dissertação. Espero que esteja orgulhoso pai. 3 AGRADECIMENTOS A minha querida mãe (Fátima) e irmã (Flávia), por serem fonte de inspiração e compreenderem minha ausência durante a realização da Pesquisa. Ao meu cúmplice de vida Ériks Vargas, pelas palavras de incentivo nos momentos certos e carinho incondicional. Ao grande mestre, Dr. Dimas Felipe de Miranda, que iluminou minhas idéias com suas preciosas considerações e conhecimentos. Agradeço sua confiança no meu trabalho. Ao corpo docente do Mestrado por contribuir com meu aprofundamento teórico. Aos amigos do Mestrado, pelos momentos compartilhados e força nas horas difíceis. Ao amigo Dr. João Bosco Laudares por ser o impulsionador da minha caminhada em direção a produções acadêmicas. A todos os funcionários do Programa de Pós-Graduação em ensino de Ciências e Matemática da PUC/MG pelo suporte. Em especial a prestativa Ângela Augusta, secretária e amiga. A direção da Fundação Helena Antipoff por permitir que a pesquisa fosse realizada nas suas dependências. Aos alunos do 4º período do curso de Licenciatura em Matemática sem os quais este trabalho não teria acontecido. A ajuda dos familiares e amigos. E por fim, agradeço a Deus pelo consolo, conforto e abertura de novas portas no meu caminho. A ELE meu maior agradecimento. 4 “A arte de raciocinar consiste em agarrar o assunto na ponta certa, apoderar-se das poucas idéias gerais que iluminam o todo e arregimentar persistentemente todos os fatos subsidiários ao redor... Creio que para esta espécie de treinamento a Geometria seja melhor que a Álgebra”. Whitehead 5 RESUMO A experiência profissional e pesquisas realizadas em educação matemática constatam as dificuldades que alunos de licenciatura em matemática sentem ao se depararem com problemas geométricos que envolvem demonstrações. Esta pesquisa tem como proposta de trabalho fazer uma abordagem acerca da demonstração em geometria euclidiana, focando aspectos de ordem teórica e pedagógica, de forma que esta auxilie na compreensão do que é uma demonstração e sua importância na teorização da matemática. O intuito do trabalho é apresentar uma estratégia metodológica que contribua para suavizar as dificuldades constatadas. Para tal, foi elaborada, aplicada e analisada uma seqüência didática em um curso de formação de professores de matemática, na qual a demonstração se caracterizou mais como uma hierarquização de processos do que como uma hierarquização de conteúdos, elucidando sua engenharia com o uso de “técnicas de demonstração”. O aporte teórico baseiase nas idéias de Raymond Duval sobre o conhecimento geométrico e a importância dos registros de representação semiótica para a aquisição e a compreensão do mesmo. Conhecimentos acerca da demonstração matemática, seu ensino, suas particularidades e características também foram abordadas, norteando e direcionando o desenvolvimento da seqüência didática. Palavras-chave: demonstração, geometria, técnicas de demonstração, registros de representação, atividades geométricas, formação de professores. 6 ABSTRACT The professional experience and research carried through in mathematical education evidence the difficulties that students of licenciatura in mathematics feel to if coming across with geometric problems that involve demonstrations. This research has as work proposal to make a boarding concerning the demonstration in Euclidean geometry, focusing aspects of theoretical and pedagogical order, so that this assists in the understanding of what is a demonstration and its importance in the theorization of mathematics. The intention of the work is to present a methodology strategy that contributes to minimize the evidenced difficulties. For such, it was elaborated, applied and analyzed a didactic sequence in a course of formation of mathematics professors, in which the demonstration if it characterized more as a hierarchy of processes than as a hierarchy of content, elucidating its engineering with the use of "demonstration techniques". It arrives in port it theoretical is based on the ideas of Raymond Duval on the geometric knowledge and the importance of the representation registers semiotics for the acquisition and the understanding of it. Knowledge concerning the mathematical demonstration, its education, its particularitities and characteristics had also been boarded, guiding and directing the development of the didactic sequence. Key words: demonstration, geometry, techniques of demonstration, registers of representation, geometric activities, formation of professors. 7 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Processos cognitivos, segundo Duval (1995)...............................................................................20 Figura 2: Problema de área.................................................................................................................24 Figura 3: Representação gráfica de uma circunferência..............................................................................28 Figura 4: Representação geométrica: retas..................................................................................................31 Figura 5: Representação geométrica: ângulos.............................................................................................31 Figura 6: Modelo utilizado para trabalhar técnicas de demonstração..........................................................78 Figura 7: Esboço comum entre os alunos que fizeram a Seqüência didática............................................127 Figura 8: Representação figural dada pelo aluno.......................................................................................134 Figura 9: Representação geométrica feito por um dos alunos para a questão 2........................................148 Figura 10: Alunos discutindo sobre as atividades......................................................................................173 Figura 11: Alunos resolvendo as atividades em dupla...............................................................................173 Figura 12: Alunos realizando individualmente as atividades....................................................................174 Figura 13: Parte da turma pensando nas atividades...................................................................................174 Figura 14: Parte da Atividade I da seqüência feita por um dos alunos......................................................175 Figura 15: Parte da Atividade I da seqüência feita por um dos alunos......................................................176 Figura 16: Parte da Atividade I da seqüência feita por um dos alunos......................................................177 Figura 17: Parte da Atividade II da seqüência feita por um dos alunos....................................................178 Figura 18: Parte da Atividade II da seqüência feita por um dos alunos....................................................179 Figura 19: Parte da Atividade III da seqüência feita por um dos alunos...................................................180 Figura 20: Parte da Atividade III da seqüência feita por um dos alunos...................................................181 Figura 21: Parte da Atividade III da seqüência feita por um dos alunos...................................................182 Figura 22: Parte da Atividade IV da seqüência feita por um dos alunos...................................................183 Figura 23: Parte da Atividade IV da seqüência feita por um dos alunos...................................................184 Figura 24: Parte da Atividade IV da seqüência feita por um dos alunos...................................................185 Figura 25: Parte da Atividade V da seqüência feita por um dos alunos....................................................186 8 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Formação Básica ..............................................................................................................67 Gráfico 2: Análise quantitativa da questão 1...............................................................................................68 Gráfico 3: Análise quantitativa da questão 2...............................................................................................68 Gráfico 4: Análise quantitativa da questão 3...............................................................................................69 Gráfico 5: Análise quantitativa da questão 4...............................................................................................69 Gráfico 6: Análise quantitativa da questão 5...............................................................................................69 Gráfico 7: Análise quantitativa da questão 6...............................................................................................70 Gráfico 8: Análise quantitativa da questão 7...............................................................................................70 Gráfico 9: Análise quantitativa da questão 8...............................................................................................70 Gráfico 10: Análise quantitativa da questão 9.............................................................................................71 Gráfico 11: Análise quantitativa total..........................................................................................................71 9 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Solução apresentada por um dos alunos para a demonstração do teorema 3...........................140 10 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................12 1.1 Nossa proposta...................................................................................................................................12 1.2 Procedimentos metodológicos da pesquisa........................................................................................14 1.2.1 Engenharia didática.....................................................................................................................14 1.2.2 Caracterização do processo da pesquisa.....................................................................................15 Primeira Fase – Análises preliminares.........................................................................................................15 Segunda Fase – Análise a priori e formulação da seqüência didática.........................................................16 Terceira Fase – Experimentação..............................................................................................................16 2 CONSTRUINDO NOSSOS FUNDAMENTOS......................................................................................19 2.1 Raymond Duval.................................................................................................................................19 2.2 As funções das representações no ensino/aprendizagem da matemática...........................................26 2.3 Obstáculos em procedimentos...........................................................................................................32 2.4 O ensino de geometria: o papel da demonstração..............................................................................33 2.5 A demonstração nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) ....................................................39 2.6 A formação de futuros professores de matemática............................................................................42 3 DEMONSTRAÇÃO MATEMÁTICA: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS, FILOSÓFICAS E EPISTEMOLÓGICAS.................................................................................................................................46 3.1 O surgimento da demonstração..........................................................................................................46 3.2 O papel da demonstração no olhar da filosofia..................................................................................51 3.2.1 Intucionistas................................................................................................................................52 3.2.2 Logicismo...................................................................................................................................55 3.2.3 Formalistas..................................................................................................................................58 3.3 Estudo epistemológico ......................................................................................................................60 4 PROBLEMATIZAÇÃO E HIPÓTESES DE PESQUISA.......................................................................66 4.1 Questionário.......................................................................................................................................66 4.1.1 População ...................................................................................................................................66 4.1.2 Dados e análise...........................................................................................................................67 4.1.3 Análise das respostas dos alunos - dados quantitativos..............................................................67 4.1.4 Análise qualitativa das respostas dos alunos.............................................................................71 4.2 Problemática......................................................................................................................................73 4.3 Hipóteses levantadas..........................................................................................................................74 5 A SEQÜÊNCIA DIDÁTICA....................................................................................................................76 5.1 Finalidade da seqüência didática.......................................................................................................76 5.2 Concepções do modelo proposto.......................................................................................................78 5.3 Engenharia da seqüência didática......................................................................................................81 5.4 Aplicação da seqüência didática........................................................................................................84 5.5 Atividades da seqüência – Apresentação e Descrição.......................................................................85 ...................................................................................................................................................................124 6 ANALISANDO OS RESULTADOS.....................................................................................................124 6.1 Análise individual das atividades da seqüência didática.....................................................................125 6.2 Análise geral das atividades da seqüência didática..........................................................................150 6.2.1 Retomando nossa problemática................................................................................................150 6.2.2 Retomando alguns dos obstáculos enfrentados.........................................................................152 6.2.3 Retomando nossas hipóteses de pesquisa.................................................................................154 6.2.4 Retomando nossas expectativas com a aplicação da seqüência................................................156 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO.....................................................................................158 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................................................163 Referências Complementares.....................................................................................................................169 APÊNDICE A – Questionário aplicado aos alunos...................................................................................171 ANEXO A – Fotos dos alunos desenvolvendo a seqüência didática.........................................................172 ANEXO B - Atividades produzidas pelos alunos......................................................................................175 11 1 INTRODUÇÃO 1.1 Nossa proposta No decorrer de nossa experiência acadêmica, inquietações têm surgido acerca da demonstração em Geometria. Dificuldades de várias ordens são observadas e apontadas por profissionais da área, tanto no que se refere ao uso da demonstração no ensino de Geometria quanto à sua aprendizagem. Atuamos em um curso de formação de professores de Matemática, lecionando a disciplina Geometria Espacial. Preocupa-nos a forma como futuros professores vêm estudando e se preparando para ensinar Geometria, especialmente no que se refere ao envolvimento e ao tratamento que dispensam às dificuldades apresentadas, quando se deparam com problemas geométricos que abordem uma demonstração. Tais dificuldades, normalmente, fazem com que os futuros professores desistam da solução desses tipos de problemas ou simplesmente os ignorem. Isso acontece pelo fato de eles não estarem preparados para entender e organizar um encadeamento de conhecimentos ou processos exigidos para a constatação ou prova de uma proposição Matemática. Quando se fala em Matemática, é comum que o termo “demonstração” esteja associado a esse conhecimento. A demonstração desempenha um papel central na teorização da matemática e no desenvolvimento do raciocínio lógico dedutivo. Mas, por motivos de limitações diversas, constatamos que, de maneira geral, o processo de formação de professores nesta área pouco está contribuindo para que o formando se prepare e desenvolva habilidades para lidar com a teoria e o raciocínio matemáticos. Por isso, nesta pesquisa, decidimos trabalhar com “técnicas de demonstração” no ensino de Geometria Euclidiana, envolvendo alunos de um curso de formação de professores de Matemática. A nossa proposta foi preparar, testar, analisar e disponibilizar um material didático de alcance formativo (aprendizagem) e pedagógico (ensino). A intenção é a de que o 12 trabalho contribua para o desenvolvimento de habilidades e de conceitos geométricos, de raciocínio lógico e, em suma, de compreensão do processo de demonstração em Geometria. Para tal finalidade, elaboramos uma seqüência didática em cinco sessões, cada qual com seu objetivo específico e suporte teórico, conforme relatados no corpo deste trabalho. Após este capítulo de Introdução, o trabalho apresenta mais seis capítulos, a matemática: saber: Construindo considerações nossos históricas, fundamentos; filosóficas e Demonstração epistemológicas; Problematização e hipóteses de pesquisa; A seqüência didática; Analisando os resultados obtidos e, por fim, as Considerações finais e conclusão. Em “Construindo nossos fundamentos”, apresentamos as considerações de Raymond Duval sobre os processos cognitivos envolvidos na aquisição de conceitos geométricos e as funções das representações semióticas neste processo. Expomos também considerações da Educação Matemática acerca do ensino das demonstrações e da formação de professores para tal fim. Evidenciamos as propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais, no que tange ao trabalho com as demonstrações. Elucidamos a evolução da demonstração no capítulo “Demonstração matemática: considerações históricas, filosóficas e epistemológicas” ao longo da história da Matemática, considerando o posicionamento de matemáticos, filósofos e educadores. A partir de nossa fundamentação teórica e experiência profissional, delimitamos nossa “Problematização e as hipóteses de pesquisa”, apresentando também um diagnóstico que corrobora nosso posicionamento. No capítulo “Seqüência didática”, expomos sua concepção, bem como finalidades e objetivos. Uma descrição de cada atividade da seqüência é apresentada, assim como os procedimentos de sua aplicação. 13 Posteriormente, apresentamos “Analisando os resultados obtidos” com a aplicação da seqüência. Retomamos nossa problemática, nossas hipóteses e nossas expectativas, à luz do referencial teórico. Finalmente, no capítulo “Considerações finais e Conclusão”, refletimos sobre os resultados alcançados e as contribuições da aplicação da seqüência didática, sugerindo novas abordagens no modelamento das atividades, com a intenção de minimizar as dificuldades percebidas ao longo da pesquisa. 1.2 Procedimentos metodológicos da pesquisa 1.2.1 Engenharia didática Nossa metodologia de trabalho tem como premissa o fato de que uma investigação baseada em realizações didáticas de uma disciplina deve ser norteada pelo duplo movimento entre teorização e validação experimental. Sendo assim, orientamos nosso trabalho pela teoria de Duval e pelos procedimentos característicos de uma engenharia didática (Artigue, 1992) que, como metodologia de pesquisa, se propõe a esquemas experimentais baseados na concepção, na realização, na observação e na análise de seqüências didáticas (Chevallard, 1982). A engenharia didática, conceito que surgiu em meados da década de 1980, é apresentada por Artigue (1989) como um trabalho que se assemelha ao do próprio engenheiro. Isto é, ao realizar um projeto, o engenheiro apóia-se sobre o conhecimento científico de seu domínio, submete-se a um controle científico e, ao mesmo tempo, encontra-se obrigado a trabalhar com objetos menos precisos que os científicos. Com o professor não é diferente, uma vez que, ao elaborar ou a escolher uma seqüência didática, devem ser levados em conta de forma integral: o domínio do conhecimento (científico), o conhecimento prévio do aluno (não científico) e o papel do professor e dos seus alunos (submissão de controle). 14 O processo experimental da Engenharia Didática é composto de quatro fases: • análise preliminar: fase que fundamenta a construção da seqüência didática; • análise a priori: momento de decisão sobre quais variáveis didáticas serão trabalhadas, fase composta de uma parte descritiva e outra de previsão de resultados; • experimentação: realização das seqüências didáticas e da observação dos alunos e professor; • análise a posteriori e validação: confrontação entre as análises e validação das hipóteses de pesquisa. Por meio da concepção de Engenharia Didática, que pressupõe uma produção para o ensino, elaboramos uma Seqüência Didática, orientando o trabalho de acordo com as fases do processo experimental. 1.2.2 Caracterização do processo da pesquisa Primeira Fase – Análises preliminares • Fundamentação teórica baseada nos trabalhos de Duval sobre registros de representação e suas relações com a aquisição de conhecimento matemático, prioritariamente no processo de demonstração. • Estudos históricos, epistemológicos e filosóficos sobre o papel da demonstração na matemática e no ensino de Matemática. • Análise das propostas curriculares para o ensino de Matemática e, especificamente, o de Geometria. • Estudo sobre o atual ensino de Geometria e como a demonstração tem sido trabalhada. • Estudo sobre a formação dos professores de matemática no que tange ao ensino de Geometria, focando o papel da demonstração. 15 • Estudo sobre as concepções dos futuros professores com relação ao ensino de Geometria e das demonstrações (levantamento de dados através de questionário). • Delimitação da problemática e de nossas hipóteses de pesquisa. Segunda Fase – Análise a priori e formulação da seqüência didática • Criação e formatação da seqüência, de acordo com o objeto de estudo. • Controle da situação didática por meio de escolhas pré–determinadas na formatação da seqüência didática, conforme referencial teórico. Ressaltamos que, nesta fase, de acordo com o que se propõe a metodologia da engenharia didática, deveríamos fazer uma análise a priori dos resultados esperados pelos alunos durante o desenvolvimento da seqüência didática. Porém, na elaboração da seqüência, tentamos fazer com que as atividades escolhidas, em cada situação, conduzissem ao objetivo geral do trabalho: apreender e compreender técnicas de demonstração. Dessa forma, nossa análise a priori se restringirá à descrição de cada uma das atividades que compõem a seqüência didática. Destacamos o fato de que as situações que trabalham efetivamente com as demonstrações podem ter mais de uma solução, uma vez que, ao se demonstrar um teorema, divergentes caminhos podem ser trilhados, porém, estes devem convergir para um único resultado: a tese. Terceira Fase – Experimentação • Aplicação da seqüência didática. A aplicação da seqüência foi realizada em uma instituição de ensino superior, localizada na região metropolitana de Belo Horizonte, MG. Os participantes foram 20 alunos que já haviam cursado e sido aprovados nas disciplinas de Geometria Plana e Espacial. Este foi o único critério para a determinação de escolha dos envolvidos. 16 A seqüência didática foi dividida em 4 blocos, descritos de acordo com seus objetivos: • 1º bloco - composto de duas atividades com o foco em: trabalhar a noção de um sistema formal, distinção entre os elementos de um sistema formal e seus respectivos estatutos, apresentação de diferentes registros de representação e suas congruências, figura geométrica, desmembramento de um teorema em hipótese e tese e suas representações em dois/três registros de representação; • 2º bloco – atividade em que foi trabalhado o recíproco de um teorema, a unificação de um teorema com seu recíproco, sua legitimidade por meio de contra-exemplos e reforço dos diferentes registros de representação; • 3º bloco - composto de duas atividades que privilegiam o processo de demonstração matemática por meio de apresentação e criação de uma caixa de ferramentas, técnicas de demonstração, mobilização e sinergia de registros de representação distintos. Estas atividades contemplaram, ainda, todos os objetivos definidos nas atividades anteriores. Uma melhor descrição do processo de aplicação e desenvolvimento da seqüência, assim como seus objetivos, é realizada no capítulo “A seqüência didática” e seus resultados analisados posteriormente. Quarta fase – Análise a posteriori e validação • Analisar as respostas dos alunos durante as atividades desenvolvidas na seqüência didática. • Dialogar com os referenciais teóricos no processo de análise das respostas dos alunos. • Confrontar as análises a priori (descrição) e a posteriori. • Corroborar as hipóteses levantadas. Com a utilização desses procedimentos que contribuem para a investigação da prática educativa, esperamos que este trabalho sirva de 17 modelo e incentivo aos educadores matemáticos que, assim como nós, sentem desejo de propor alternativas metodológicas para o ensino e a aprendizagem da Matemática. Esperamos também que se multipliquem as reflexões sobre a importância das demonstrações matemáticas, principalmente nos cursos de formação de professores e que surjam novas idéias as quais sejam colocadas em prática, contribuindo, assim, para a discussão dos diversos problemas/dificuldades com o ensino e a demonstração em Geometria. 18 2 CONSTRUINDO NOSSOS FUNDAMENTOS Objetivando um trabalho voltado para o ensino de demonstrações em Geometria, com base em processos relacionados a uma atividade seqüencial e lógica do pensamento, foram utilizadas, como referências bibliográficas, estudos e pesquisas relacionados à demonstração, seu ensino e os procedimentos inerentes, na engenharia, de se demonstrar. Ressaltamos os trabalhos de Duval na sustentação do nosso objetivo e enfocamos alguns obstáculos didáticos, epistemológicos e lingüísticos no ensino das demonstrações. Finalizamos com algumas considerações sobre o ensino de Geometria e o papel que a demonstração tem desempenhado neste ensino. 2.1 Raymond Duval Duval1 (1995) acredita que o aprendizado em Geometria envolve três tipos de processos cognitivos intimamente conectados e que preenchem específicas funções epistemológicas. São eles: • processo de visualização: relacionado com a representação espacial. Nele ocorre o exame do espaço representativo, passando da ilustração de uma afirmação para a exploração heurística de uma situação complexa, isto por meio de uma interpretação ou uma verificação subjetiva; • processo de construção (por instrumentos): realizado por meio de ferramentas como régua, compasso, softwares, etc. O processo de construção é caracterizado pela execução de configurações, podendo ser trabalhada com um modelo. As ações e os resultados observados durante a execução associam-se aos objetos matemáticos representados; 1 Filósofo e psicólogo de formação, Raymond Duval é autor de vários trabalhos sobre a psicologia cognitiva e sobre os registros de representação semiótica na aquisição do conhecimento matemático. Sua principal obra é Sémiosis et pensée humaine (1995). 19 • processo de raciocínio: é a extensão do conhecimento para a prova e a explicação, mediante o discurso. Baseia-se nos teoremas, nos axiomas e nas definições. Segundo Duval, esses processos podem ser realizados independentemente uns dos outros. Sendo assim, a visualização não depende da construção, pois ela é uma passagem às figuras por qualquer caminho que se esteja construindo. O processo de construção depende, exclusivamente, da conexão entre as propriedades matemáticas do conceito que se quer construir e as técnicas de construção que precisam ser utilizadas. E, finalmente, o raciocínio depende de um corpo qualquer de proposições (definições, teoremas, axiomas), pois se a visualização é um apoio intuitivo que, em algumas vezes, é necessária para se achar a prova, devemos entender que ela, em alguns casos, pode levar a interpretações errôneas. Uma esquematização desses processos cognitivos encontra-se na Figura 1. Figura 1: Processos cognitivos, segundo Duval (1995) Fonte: Autora, 2008 Mesmo que os processos cognitivos, segundo Duval (1995), possam ser realizados individualmente, os mesmos estão entrelaçados em sua sinergia e são cognitivamente indispensáveis para o aprendizado em Geometria. Para Duval, os raciocínios exigidos na resolução de problemas em Geometria dependem da consciência de distinção das formas de se assimilar e 20 registrar as figuras. Ressalta-se que o raciocínio geométrico ou dedutivo formal, utilizado nas resoluções de problemas que envolvem demonstrações, difere totalmente do raciocínio discursivo natural, utilizado em outros contextos. Em Geometria, o raciocínio com vistas à demonstração requer duas condições críticas: 1. uso de proposições, sendo que as mesmas têm como partida um estatuto teórico: axiomas, definições, teoremas, hipóteses, conjecturas, etc.; 2. utilização de axiomas, teoremas ou definições para cada avanço feito em direção à conclusão. Duval (1991) considera que o raciocínio utilizado para construir conjecturas plausíveis é o "raciocínio argumentativo", enquanto o raciocínio utilizado para validar tais conjecturas é o "raciocínio dedutivo". Dessa forma, para formular uma conjectura, bastam a observação de alguns casos particulares e a percepção de uma característica que se mantém invariante, baseando-se os argumentos nesses casos particulares. Para demonstrar, a exigência é maior e mais especifica, pois os argumentos utilizados devem ser "gerais", "resistentes", "convincentes2" e "rigorosos". O mesmo autor distingue os processos discursivos naturais dos processos discursivos teóricos, característicos do raciocínio dedutivo formal, afirmando que, neste último, "as proposições estão ligadas de acordo com seu estatuto" e que esta organização "funciona por substituição de proposições como num cálculo e não por associação ou oposição como no discurso natural". Para Duval, não existe pretensão em se demonstrar a verdade de uma afirmativa, nem estabelecer a validade lógica de um raciocínio por meio da argumentação, apenas obter do "outro" a concordância na validade de uma 2 Convincentes à comunidade de matemáticos 21 afirmativa dada. O objetivo da argumentação é o de obter a concordância do interlocutor, convencendo-o. O objetivo da demonstração é o de garantir a verdade. Porém, nem sempre os argumentos que convencem são válidos (Balacheff, 1988; Duval, 1992). Para Balacheff (1999), a argumentação está para a conjectura assim como a demonstração está para o teorema. Todavia, a "heurística" dos problemas que envolvem a Geometria baseia-se em registros espaciais que permitem formas de interpretações autônomas e, para tais, Duval classificou as apreensões das figuras em quatro tipos: • seqüencial: com o objetivo de reproduzir uma figura; é utilizada nas atividades de construção ou descrição; • perceptiva: é a interpretação das formas de uma figura em uma determinada situação geométrica; • discursiva: é a interpretação dos elementos da figura geométrica, privilegiando as articulações dos enunciados; relaciona semanticamente as propriedades inerentes aos enunciados à figura; • operatória: centrada nas modificações possíveis de uma figura inicial (de partida) e sua reorganização perceptiva determinada pelas modificações. Qualquer que seja a figura geométrica desenhada no contexto de uma atividade é possível estabelecer duas atitudes: 1. a apreensão perceptiva das formas (instantâneo, automático); 2. e a apreensão discursiva dos elementos e propriedades da figura (verificação). Essas atitudes, às vezes, se opõem, pois a figura pode mostrar objetos que não são explicitados nos enunciados e os objetos enunciados pelas hipóteses não são, necessariamente, os espontaneamente determinados pelos alunos. Em acordo com as idéias de Duval, Fainguelernt (1999) aponta para o 22 problema da percepção das características geométricas, por meio de um enunciado e a imagem que se faz do mesmo, pois, para ele: "A grande complexidade do papel da percepção no processo de formação e desenvolvimento de conceitos geométricos, atua em duas direções. Por um lado, não podemos formar uma imagem de um conceito, identificar suas características e dar exemplos sem visualizar seus elementos. Por outro lado, esses elementos visuais podem empobrecer a imagem atual que se quer construir" (p.56). Para Duval, o problema das figuras geométricas se concentra nas diferenças entre a apreensão perceptiva e a apreensão discursiva (interpretações comandadas necessariamente pelas hipóteses), pois, nem sempre o objeto que aparece na figura é o objeto que a situação geométrica (enunciado) exige ver. "... os alunos lêem o enunciado, constroem a figura e em seguida se concentram na figura sem voltar ao enunciado" (DUVAL, 1998, p.61). Conseqüentemente, o abandono do enunciado contribui para a ausência de interpretação discursiva do problema (figura). Um dos fatores que podem ser os responsáveis por esse abandono é o fato de que a grande maioria dos problemas geométricos acessíveis aos alunos tem enunciado semanticamente congruente com a figura construída, ressaltam Pavanello (1989), Bertonha (1989) e Mello (1999). A apreensão operatória das figuras, segundo Duval, depende das modificações que a mesma pode sofrer e são classificadas da seguinte maneira: 23 • mereológica: relação da parte e do todo. A figura pode ser separada em partes, gerando subfiguras da mesma; • ótica: transformação da figura em outra chamada sua imagem; • posicional: deslocamento da figura em relação a um referencial. As modificações são realizadas tanto graficamente quanto mentalmente. O fracionamento de uma figura (modificação mereológica) ou uma análise por meio de partes elementares da figura está relacionado com a "operação de reconfiguração intermediária3". Dessa forma, partes elementares da figura podem ser obtidas por fracionamento e reagrupadas em várias subfiguras, todas inerentes à figura inicial. Por meio dessa operação, o tratamento matemático de problemas que envolvem área (por exemplo) pode ser adaptado pela equivalência de reagrupamentos intermediários ( Figura 2): Se um problema geométrico pede para determinar se a área da região A é igual ou diferente da área da região B, sendo EFGH um retângulo, podemos, segundo Duval, fracionar e reagrupar as figuras geradas em subfiguras da figura original e reconfigurálas de forma a estabelecer a igualdade das Figura 2: Problema de área áreas sugeridas. Porém, se, pelo fracionamento da Figura 2, decisões locais forem tomadas somente com o uso de operações visíveis, apoiadas na "apreensão perceptiva", é bem provável que ocorra um erro na determinação da solução do problema, pois, visualmente, podemos concluir que a área A é diferente da área B. Agora, caso uma análise das hipóteses inerentes ao problema, sugeridas pela "apreensão discursiva" (note que, no problema sugerido, podemos utilizar o fato da diagonal do retângulo, dividi-lo em partes congruentes) for realizada, a "apreensão operatória", baseada nas 3 Operação que consiste em organizar uma ou várias subfiguras diferentes de uma figura dada em outra figura (Duval, 1988). 24 modificações e reorganizações visuais das figuras, necessária para a solução do problema, poderá ser percebida. Generalizando as "cadeias de processos" envolvendo as apreensões sugeridas por Duval na "heurística" dos problemas geométricos, podemos adequar as propostas metodológicas sugeridas por Descartes (1596-1650) em "O Discurso do Método" (1978) com as idéias até então apresentadas. Simplificando, Descartes considera como verdadeiro apenas o que for evidente, ou seja, o que for intuitível com clareza e precisão. Porém, a ampliação da área do conhecimento nem sempre oferece um panorama permeável à intuição e, conseqüentemente, adequado à pronta aplicação do preceito da evidência. A fim de contornar tal situação, são propostos os seguintes recursos metodológicos: o preceito da análise que consiste em dividir cada uma das dificuldades que se apresentem em tantas outras parcelas que sejam necessárias para se resolver um problema (operação de reconfiguração intermediária); o da síntese, que consiste em conduzir ordenadamente os pensamentos, começando dos objetos mais simples e mais fáceis de serem percebidos/conhecidos, para depois tentar gradativamente o conhecimento dos mais complexos (apreensões perceptiva e discursiva) e, por fim, o da enumeração, em que se devem realizar enumerações de modo a verificar que nada foi omitido (apreensão operatória). Dessa forma, a construção do conhecimento se opera por intuições e por análises. Voltando a Duval, este considera que a maioria das dificuldades encontradas pelos alunos na utilização das transformações geométricas está na não congruência entre o tratamento matemático do problema e a apreensão operatória da figura. "A apreensão operatória das figuras é uma apreensão central sobre as modificações possíveis de uma figura de partida e por conseqüência as reorganizações perceptivas que essas modificações sugerem. A produtividade 25 heurística de uma figura, num determinado problema geométrico, tem como fato, que existe a congruência entre uma de suas operações e um dos tratamentos matemáticos possíveis do problema dado" (DUVAL, 1988, p.62). O autor ainda afirma que "... a figura desvia, de algum modo, um fragmento do discurso teórico" (1988, p.69) e, assim, distintos fatores interferem, facilitando (ver de prontidão) ou ocultando (não ver) a percepção da relação de congruência entre a apreensão operatória e um tratamento matemático possível. Duval considera que, analisando o problema de congruência entre a figura e o enunciado e a congruência entre a figura e o tratamento matemático, passamos pelo problema do estatuto das figuras geométricas. Ou seja, as propriedades das figuras estão subordinadas às hipóteses do enunciado de um problema e, conseqüentemente, a apreensão perceptiva está subordinada à apreensão discursiva, por ser esta uma teorização da representação da figura. Os elementos e propriedades que aparecem em uma figura estão condicionados pelas definições, axiomas e teoremas estabelecidos. O mesmo desenho pode representar distintas figuras geométricas se o enunciado das hipóteses for alterado. Duval conclui que a teorização das figuras geométricas constitui um dos princípios do acesso à demonstração. 2.2 As funções das representações no ensino/aprendizagem da matemática De acordo com as idéias de Duval, ensinar matemática é, antes de tudo, propiciar situações para o desenvolvimento geral das capacidades de raciocínio, de análise e de visualização. E, para isso, "não é possível estudar 26 os fenômenos relativos ao conhecimento sem recorrer à noção de representação4" (DUVAL, 1995, p.15). Para o autor, a distinção entre um objeto matemático e a representação5 que se faz dele é fundamental para o funcionamento cognitivo do sujeito frente a uma situação de ensino. Este funcionamento é estudado por meio de uma abordagem cognitiva que leva em consideração a importância das representações semióticas6 na Matemática e a variedade de representações semióticas nela utilizadas. As representações podem ser mentais, computacionais ou semióticas. As mentais "... ocultam o conjunto de imagens e, mais globalmente, as concepções que um indivíduo pode ter sobre um objeto, sobre uma situação e sobre o que lhes está associado” (DUVAL, 1993, p.38). São internas e conscientes; geralmente são representações semióticas interiorizadas. As computacionais, assim como as mentais, são internas, porém, não conscientes. As semióticas "... são produções constituídas pelo emprego de signos pertencentes a um sistema de representação que têm dificuldades próprias de significância e de funcionamento" (DUVAL, 1993, p.39). As representações semióticas não são internas nem externas, mesmo que muitos confundam as representações semióticas como meras exteriorizações das representações mentais. "Não se pode considerar as representações semióticas como simplesmente subordinadas às representações mentais, uma vez que essas últimas dependem de uma interiorização das primeiras e sozinhas as representações semióticas permitem certas funções cognitivas essenciais, como a do tratamento" (DUVAL, 1993, p.44). 4 Um registro de representação é, segundo Duval (1993), um sistema semiótico que tem as funções cognitivas fundamentais no funcionamento cognitivo consciente. 5 Duval considera três tipos de registros de representação: o figural, o simbólico e o da língua natural. 6 As representações semióticas têm dois aspectos: a forma (representante) e o conteúdo (representado). 27 Para o autor, a mobilização dos vários registros de representação é fundamental para a função cognitiva do pensamento humano. Na Matemática, é a articulação dos registros que conduz ao acesso à compreensão matemática e esta compreensão sugere a coordenação de ao menos dois registros de representação semiótica, dos quais um é a utilização pelo aluno da linguagem natural. Porém, a coordenação entre os registros, apesar de ser fundamental para a compreensão, não é suficiente. É essencial não confundir os objetos matemáticos com suas distintas representações. Por exemplo, considere uma circunferência e seus distintos registros de representação: (a) representação na língua natural: lugar geométrico, no qual os pontos do plano são eqüidistantes de outro ponto, chamado centro; (b) representação algébrica: ( x − a ) 2 + ( y − b) 2 = r 2 ; (c) representação gráfica: Figura 3: Representação gráfica de uma circunferência Um aluno pode ser capaz de resolver um problema envolvendo a circunferência algebricamente ou de outra forma, mas nada garante que ele tenha a compreensão desse objeto matemático. "O ponto comum à grande maioria dos bloqueios dos alunos, quaisquer que sejam os domínios de atividade matemática e qualquer que seja o nível do currículo, é a incapacidade de converter a representação de um objeto em uma outra 28 representação do mesmo objeto" (DUVAL, p.53, 1993). Para resolver esse problema, Duval ressalta a necessidade de duas operações cognitivas relacionadas ora ao objeto matemático, ora à sua representação. Uma delas é a "semióse" que está associada à produção e à apreensão de uma representação semiótica. A outra, "noésis", refere-se à apreensão conceitual do objeto. Ambas mobilizarão diferentes atividades cognitivas, que deverão ser interligadas e examinadas entre si. "Não há noésis sem semiósis, é a semiósis que determina as condições de possibilidade e de exercício da noésis" (CASTRO, 2001, p.12). Duval ainda insiste que muitos registros devem ser mobilizados para que os objetos matemáticos não sejam confundidos com suas representações, de forma que venham a ser reconhecidos em cada uma delas. Normalmente, os sistemas semióticos têm como primeiro registro de representação a língua natural e, por meio desta, criam-se outros sistemas semióticos que coexistem. Geralmente, o progresso dos conhecimentos é sempre acompanhado pela criação e pelo desenvolvimento de sistemas semióticos novos e específicos. Na Matemática, mais do que "meios de comunicação", as representações semióticas possibilitam realizar tratamentos em objetos matemáticos que dependem exclusivamente do sistema de representação utilizado. Dessa forma, as representações semióticas são necessárias e primordiais ao desenvolvimento da própria atividade matemática. Segundo Duval, a transformação de um sistema de representação em outro, atividade ligada à semióse, pode ser de dois tipos: o tratamento e a conversão. O primeiro é uma transformação que ocorre no mesmo sistema de representação; é uma transformação estritamente interna a um registro. Existem tratamentos que são específicos a cada registro e que não necessitam de nenhuma contribuição externa para serem feitos ou justificados. Um exemplo de um tratamento é a transformação da equação x + 5 = 3 em x = -2. O segundo é uma transformação que muda de sistema de representação, fazendo referência ao mesmo objeto, ou seja, muda-se a representação, mas 29 não se muda o conteúdo. Um exemplo de conversão é a transformação de uma função na forma algébrica para a forma gráfica. O autor ainda ressalta que o tratamento normalmente é a transformação que mais se prioriza no ensino, privilegiando a forma mais que o conteúdo. Não se é dada a importância devida às conversões e os tratamentos são escolhidos na forma que mais convém, isto é, de uma forma que seja mais fácil a compreensão pelos alunos. Para Duval, é na conversão que mecanismos subjacentes à compreensão serão desvelados. São nas conversões que as mudanças dos registros de representação se mostram mais eficazes para a formação conceitual - aquisição de conceitos. A conversão não é uma transformação trivial; é um processo cognitivamente complexo, pois exige uma compreensão global e qualitativa das representações de registros utilizados. A complexidade da conversão só será compreendida se os sistemas semióticos forem vistos em sua relação entre conhecimento/representação. Mudar de um registro para outro não significa apenas mudar o tratamento de um objeto; significa também explicar suas propriedades ou seus distintos aspectos. O processo de conversão enfrenta dois fenômenos que fatalmente contribuem para as dificuldades enfrentadas pelos alunos na coordenação e compreensão dos registros de representação: a congruência e a nãocongruência. Para que dois sistemas semióticos sejam congruentes é preciso que haja uma correspondência semântica entre as unidades significantes, ou seja, é preciso que a representação terminal (representação de chegada) transpareça na representação de saída (representação de partida). Por outro lado, se a representação terminal não transparece a representação de saída, temos o fenômeno da não-congruência. Podemos exemplificar esses fenômenos conforme as situações apresentadas a seguir: 30 a) Representação na linguagem natural: duas retas são paralelas se forem coplanares e não se interceptarem. Representação da Figura: Figura 4: Representação geométrica: retas b) Representação na linguagem natural: se dois ângulos são opostos pelo vértice, então eles são congruentes. Representação da Figura: Figura 5: Representação geométrica: ângulos No primeiro exemplo, existe uma correspondência semântica entre o enunciado inicialmente apresentado e a figura final. Se, a partir da figura, quiséssemos chegar ao enunciado, é bem provável que não haveria problemas em fazê-lo. Sendo assim, as representações utilizadas no primeiro exemplo são congruentes. Já no segundo exemplo, mesmo que a figura faça referência ao enunciado, ela também pode ser interpretada para outros objetos matemáticos, como retas perpendiculares, ângulos retos são congruentes, enfim, não existe uma congruência imediata entre as representações utilizadas. É necessário mobilizar os registros para associá-los ao mesmo “objeto matemático”. Por isso, um trabalho envolvendo a compreensão e a coordenação de vários registros de representação é essencial para a aprendizagem. Suas vantagens na economia de tratamento (o recurso a uma figura pode resolver 31 um problema geométrico com economia de memória ou mesmo de processos heurísticos) e na complementaridade das representações são fatores determinantes na conceitualização e apreensão do conhecimento. 2.3 Obstáculos em procedimentos Pesquisas relacionadas ao ensino de demonstrações em geometria destacam alguns obstáculos enfrentados na compreensão e aquisição dos procedimentos envolvidos em uma demonstração (Gouvêa, 1998; Sangiacomo, 1996; Mello, 1999). Esses obstáculos, conforme apontam os pesquisadores, podem ser de origens epistemológicas, didáticas e lingüísticas. Em nossa pesquisa, consideraremos como “obstáculo” a definição dada por Brosseau (1983) que, substanciado por trabalhos de Bachellard (1965) e Piaget (1967), analisa o “erro” apoiando-se na noção de obstáculo. Para Brosseau, o erro é uma manifestação explícita de concepções que podem, ou não, ser espontâneas, relacionadas a uma rede coerente de representações cognitivas, que passam a ser “obstáculos” para a aquisição de novos conceitos. “O erro não é somente efeito da ignorância, da incerteza, do azar, como acreditam as teorias behavioristas e empiristas da aprendizagem, e sim, efeito de um conhecimento anterior, que mobilizava seu interesse, seu sucesso, mas que agora se revela falso ou inadaptado” (BROUSSEAU, 1983, p.171). Para o autor, um obstáculo se caracteriza por um conhecimento/concepção e não pela falta do mesmo. Este, em determinadas situações, produz respostas adaptadas a certo contexto e, fora dele, produz respostas falsas. Dessa forma, cada conhecimento pode se mostrar um 32 obstáculo em potencial. Um “obstáculo” pode apresentar resistências ao ser confrontado com um novo conhecimento que mostra sua inexatidão, assim, sua identificação é fundamental para a incorporação de um novo saber. Considerar o “obstáculo” como um conhecimento associado à incapacidade de compreensão de certos problemas e na dificuldade de resolvê-los constitui um meio necessário para desencadear o processo de aprendizagem do aluno, bem como do professor (Gouvêa, 1998). Assim, estudaremos os obstáculos relativos ao ensino da demonstração (como técnica) para considerá-los na elaboração de nossa seqüência didática, evidenciando seus aspectos didáticos, epistemológicos e lingüísticos. 2.4 O ensino de geometria: o papel da demonstração A produção de pesquisas relacionadas ao ensino de Geometria no Brasil tem aumentado consideravelmente. Isso é o que relata a pesquisa feita por Andrade e Nacarato (2003) sobre as “Tendências Didático-pedagógicas para o ensino de Geometria”. Nesta pesquisa, os autores fizeram um estudo dos anais dos Encontros Nacionais de Educação Matemática (ENENs), no período de 1987 a 2001, com o objetivo de analisar e identificar as atuais tendências para o ensino de geometria no Brasil. Ao categorizar os trabalhos selecionados, ao todo 363, os pesquisadores concluíram que, dentro das categorias identificadas, a “Geometria Experimental” e a “Geometria em Ambientes Computacionais” emergiam como as principais novas “vocações”. Na categoria “Geometria Experimental”, dentre vários assuntos discutidos, destacamos os relacionados com a demonstração matemática, definidos pelos autores da pesquisa em uma subcategoria intitulada “Ensino de Geometria na perspectiva das provas e argumentações/refutações”. Nesta, alguns trabalhos discutiam o papel da prova no ensino de Geometria, tendo como ponto de partida as mudanças significativas ocorridas com seu ensino, 33 até então moldado no modelo euclidiano, promovidas pelo Movimento da Matemática Moderna7, que ocorreu no Brasil nos anos 1960. Segundo Pavanello (1989), a idéia central do movimento era a de adaptar o ensino da Matemática às novas concepções surgidas com a evolução deste ramo de conhecimento. O ensino constituiu-se em priorizar, em sala de aula, as estruturas algébricas, desenvolvendo-os sem qualquer relação com os geométricos em uma linguagem simbólica da teoria dos conjuntos. Para muitos, foi neste momento que um abandono substancial ocorreu no ensino de geometria. Este abandono, segundo Pavanello (1989), tem aspectos de natureza tanto científica quanto educativa. A autora aponta as razões levantadas pelos matemáticos e as de caráter educacional, considerando: • O abandono do ensino de geometria (euclidiana), de acordo com os matemáticos, está fundamentado nos próprios avanços da matemática como ciência. A dicotomia entre visualização e rigor, presente na teorização da geometria euclidiana, foi fundamental na subordinação da mesma à álgebra. Com o modelo da busca da verdade na matemática, cada vez mais formal e rigoroso, aspectos intuitivos presentes na formulação da Geometria Euclidiana, como é o caso recorrente à visualização, não seriam suficientes para o desenvolvimento do conhecimento matemático, uma vez que atrelava o estudo somente a duas e três dimensões, induzindo, às vezes erradamente, a certos resultados. Dessa forma, o espaço destinado ao ensino de geometria em diferentes níveis de ensino, diminuiu, dando lugar a sua subordinação à álgebra e ao cálculo. 7 O Movimento da Matemática Moderna iniciou-se nas discussões sobre a reforma do ensino de matemática, nos anos 1950. Efetivamente se desenvolveu nos anos 1960 e os líderes principais das discussões desencadeadas foram os franceses Dieudonné, Choquet e Lichnerowics. Expandiram-se as discussões para a Bélgica, Canadá, Grã-Bretanha e Polônia e, posteriormente, para o mundo. Ver mais em Pires (2000). 34 “... atualmente é muito complexo falar do ensino da geometria porque dentro da matemática a geometria está quase extinta. Hoje em dia, nenhum geômetra, matemático não se se fazem reconhece como investigações em geometria, pois esta foi absorvida por teorias mais gerais, onde aí sim há investigações” (SAIZ, 1993, p.45). • No aspecto educacional, o abandono do ensino de Geometria tem fortes relações com a formação do educador matemático, esta baseada em aspectos quase que puramente formais. Por não entender a complexidade das demonstrações algébricas feitas durante os cursos de geometria, não associando as relações existentes entre as duas representações, o educador acaba relegando o ensino de Geometria ao segundo plano, por não se sentir preparado para ensiná-la. Preocupados com o crescente abandono do ensino da Geometria, movimentos que questionavam a Matemática Moderna surgiram, propondo uma retomada ao seu ensino. Porém, a tentativa estava mais impermeada na busca de motivações para esse ensino e, dessa forma, a ênfase recorreu mais para os aspectos empíricos, abandonando quase que totalmente o raciocínio dedutivo envolvido nos métodos de validação da Geometria (Andrade e Nacarato, 2003). Para Andrade e Nacarato (2003), analisando as produções referentes ao ensino de Geometria, esse quadro começou a mudar, especialmente na última década, em decorrência da Avaliação Nacional do Livro Didático. Segundo Nasser e Tinoco (2001), com o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), muitos livros se adaptaram aos guias, propondo atividades envolvendo processos de inferência, análise, argumentação, tomada de decisões, crítica e validação de resultados. Juntamente com esse programa, produções da comunidade de educadores matemáticos também contribuíram para um novo 35 olhar sobre o papel da demonstração (prova) no ensino de Geometria, especialmente na educação básica. As questões que mais inquietavam eram: Qual o sentido de se falar em demonstrações em Geometria nesse nível de escolaridade? Como trabalhar as demonstrações de forma significativa8? O que se percebeu nas produções acadêmicas era que muitas delas recorriam à intuição, à experimentação e às argumentações para “demonstrar” os teoremas da Geometria, porém, a sistematização do processo na linguagem formal da matemática não estava ocorrendo. Por qual motivo a transposição didática não ocorria? Para Almouloud (1999), as dificuldades de se trabalhar com a sistematização estão associadas a obstáculos de naturezas epistemológicas, pois muitos professores entendem que uma demonstração é um processo de validação e, como tal, justificativas, argumentações e provas, mesmo que baseadas apenas em representações figurais, já seriam suficientes para se caracterizar uma demonstração matemática. Mas, e o seu aspecto formal? A demonstração matemática é um processo de validação, que visa comprovar a veracidade de um enunciado, assim como explicar e elucidar essa comprovação (de Villiers, 2001). Porém, a demonstração também tem um aspecto de comunicação e, como tal, utiliza uma linguagem específica de domínio da ciência matemática: a algébrica. Dessa forma, para fazer uma demonstração matemática, é necessário se apropriar da linguagem utilizada e saber operacionalizar dentro da mesma. “O modo de argumentação por excelência é a prova rigorosa ou demonstração formal, envolta em paradoxos, mas com o objetivo de firmar, definitivamente, a veracidade das afirmações Matemáticas” (GARNICA, 2002, p.97). 8 Significativa: ter sentido dentro da própria matemática. 36 “A demonstração é um texto argumentativo da matemática (com estrutura particular, com argumentos tomados entre os resultados já enunciados) cujo significado está ligado à prova” (BALACHEFF, 1987, p.45). Para Pais (1996), existem três aspectos epistemológicos que compõem o conhecimento geométrico: o intuitivo, o experimental e o teórico. O trâmite entre tais aspectos tem como objetivo final o aspecto teórico, ou seja, o conceito geométrico. A demonstração matemática tem como ponto de partida a intuição, a especulação de propriedades por meio de situações experimentais e, por fim, a sistematização teórica do conceito geométrico trabalhado. Porém, esse é um processo lento e trabalhoso. A sistematização de conceitos geométricos por meio de demonstrações, de acordo com a conclusão da pesquisa feita por Andrade e Nacarato (2003), é um processo social, decorrente da atividade de comunicação estabelecida em sala de aula entre os vários atores do ato pedagógico, explicitada pela dinâmica permeada por processos dialógicos (seja entre professor e aluno, seja entre formador e professor). E mais, o trabalho com diferentes registros de representação foi apontado como um facilitador para a articulação argumentativa no ato de demonstrar. A passagem de um registro para outro em atividades de demonstração permite a exploração ativa de conceitos, proporcionando o estabelecimento de novas relações e a compreensão dos processos necessários para a teorização do conceito. Com relação às mudanças ocorridas nos livros didáticos, Gouvêa (1998) realizou um trabalho de análise de livros didáticos de matemática, com a intenção de entender as evoluções ocorridas nos mesmos, com relação à valorização do raciocínio dedutivo e à demonstração. Para isso, ela fez sua análise baseada nas produções dos últimos 50 anos. 37 A autora constatou que, antes do advento do “Movimento da Matemática Moderna”, os livros analisados apresentavam todas as demonstrações de uma forma “estável” e “organizada”, porém, o ensino estava caracterizado na memorização dos teoremas e das provas que eram apresentadas nos livros. Com o “Movimento da Matemática Moderna”, os livros sofreram influência das discussões que estavam sendo estabelecidas naquela época, em sua grande maioria centrada na atividade ativa do aluno. Com isso, as demonstrações em duas colunas surgiram, sugerindo um ensino mais divertido e criativo. Todavia, as atividades ainda se centravam na memorização de procedimentos e na repetição exaustiva de atividades idênticas, não contribuindo para a compreensão dos processos da demonstração. Por fim, Gouvêa, analisando os livros após a influência da Matemática Moderna, constatou que alguns deles não procuram despertar o desenvolvimento do raciocínio lógico, pois grande parte dos exercícios envolvendo demonstração ainda se restringia à memorização, porém, em consonância com a constatação de Andrade e Nacarato (2003), outros livros traziam atividades que instigavam o raciocínio lógico-dedutivo, com exercícios de “justificar”, “provar” e “demonstrar”. De acordo com dados levantados por Gouvêa, a maioria das tarefas envolvendo este tipo de raciocínio tem como ponto de partida a atividade experimental. Fundamental para o processo argumentativo na aquisição parcial de uma prova, a atividade experimental se mostra um grande avanço no ensino de Geometria, contudo, a sistematização do processo, nos livros analisados, se mostra mais como um modelo de demonstração acabada, “acessível por imitação, sem possibilidade de trabalhá-la, participando com ações e reflexões” (GOUVÊA, 1998, p.78). A autora conclui que, apesar de melhorias ocorridas na evolução do tratamento dado a problemas envolvendo demonstrações, a grande maioria dos professores, além de não trabalhar a Geometria, quando o faz, abandona quase que exclusivamente as demonstrações, pois afirmam que o rigor e a formalização dificultam a criatividade do aluno. 38 2.5 A demonstração nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) Na proposta para o ensino fundamental, de acordo com os PCNs (1997, 1998), o ensino de Geometria encontra-se distribuído em dois blocos: “Espaço e forma”, “Grandezas e medidas”. No primeiro, a ênfase é dada ao desenvolvimento de habilidades que levem o aluno a compreender o mundo em que vive, aprendendo a descrevê-lo, representá-lo e localizar-se nele. O segundo se destaca por sua relevância social e seu evidente caráter prático e utilitário, justificada nos PCNs pela gama de situações cotidianas vivenciadas pelos alunos com relação a problemas que envolvem a necessidade de medir, compreender o que é medir e estabelecer unidades de medida padronizadas. Inicialmente, as orientações didáticas dos PCNs para o ensino de Geometria se baseiam no aspecto experimental, pois é a partir de suas experiências que o aluno aprenderá a construir uma rede de conhecimentos que, posteriormente, lhe possibilitará distanciar-se do espaço sensorial ou físico, dando espaço ao conhecimento geométrico a partir de relações abstratas. “É o aspecto experimental que colocará em relação esses dois espaços: o sensível e o geométrico. De um lado, a experimentação permite agir, antecipar, ver, explicar o que se passa no espaço sensível, e, de outro lado, possibilita o trabalho sobre as representações dos objetos do espaço geométrico e assim, desprender-se da manipulação dos objetos reais para raciocinar sobre representações mentais” (BRASIL, 1997, p.126). A preocupação na fase inicial do ensino fundamental é o estabelecimento das relações do conhecimento geométrico com o mundo sensível por meio da visualização, da experimentação e da observação. 39 “O pensamento inicialmente pela geométrico visualização: desenvolve-se as crianças conhecem o espaço como algo que existe ao redor delas (....). Por meio da observação e experimentação elas começam a discernir as características de uma figura, e a usar as propriedades para conceituar classes de formas” (BRASIL, 1997, p.127). Neste estágio, o objetivo não é a formalização dos conceitos geométricos e, sim, uma exploração dos mesmos por meio de estratégias tanto pessoais quanto instrumentais (uso de material concreto). As informações devem ser tratadas de forma a instigar os alunos a perguntarem, justificarem e desenvolverem o “espírito de investigação”. É a partir do quarto ciclo (7ª e 8ª séries) que se propõem atividades que favoreçam o raciocínio dedutivo e a introdução da demonstração, apresentando, ainda, verificações empíricas. “Embora no quarto ciclo se inicie um trabalho com algumas demonstrações, com o objetivo de mostrar sua força e significado, é desejável que não se abandonem as verificações empíricas, pois estas permitem produzir conjecturas e ampliar o grau de compreensão dos conceitos envolvidos” (BRASIL, 1998, p.86). É nos problemas de Geometria que os alunos perceberão a necessidade e as exigências que são estabelecidas por um raciocínio dedutivo, porém, as orientações indicam que isso não significa que um estudo absolutamente formal e axiomático deva ser feito. Ressalta-se que um trabalho na construção de argumentos plausíveis vem sendo desenvolvido ao longo dos ciclos anteriores e, dando continuidade ao trabalho, a prática da argumentação é fundamental para a compreensão das demonstrações. 40 “Mesmo que a argumentação e a demonstração empreguem os mesmos cognitivos lógicos, há exigências formais para uma demonstração em matemática que podem não estar presentes numa argumentação. O refinamento das argumentações produzidas assimilação ocorre de gradativamente princípios da lógica pela formal, possibilitando as demonstrações” (BRASIL, 1998, p.86). Os PCNs enfatizam que as atividades de Geometria são muito propícias para que o professor construa, a partir de experiências concretas, juntamente com seus alunos, caminhos que os levem a compreender a importância e a necessidade da prova matemática. Evidenciam, ainda, as funções que um desenho desempenha na busca de uma prova, orientando que suas principais funções são o de ajudar o aluno a: visualizar, resumir, fazer conjecturas e provar. Destacamos, com isso, a importância dos registros de representação da figura. “Quando os alunos têm de representar um objeto geométrico por meio de um desenho, buscam uma relação entre a representação do objeto e suas propriedades e organizam o conjunto do desenho de uma maneira compatível com a imagem global que têm do objeto” (BRASIL, 1998, p. 125). Devemos observar que, mesmo que as experimentações com materiais concretos constituam um forte mecanismo para o convencimento dos alunos, elas não podem ser tratadas como provas matemáticas, apesar de as mesmas serem aceitas como tais no terceiro ciclo (5ª e 6ª). As experimentações no quarto ciclo devem ser vistas como desencadeadoras de conjecturas e processos que levem às justificativas mais formais. 41 Ao orientar para a concretização de um teorema e posteriormente para a formalização de sua demonstração, os PCNs sugerem para que as conjecturas e o discurso teórico se relacionem. O tratamento dado ao papel e as funções que o desenho (figura) desempenha na prova matemática e a utilização de registros de representação constitui um fator positivo na aquisição de uma demonstração. Contudo, não percebemos no estudo feito dos PCNs, tópicos relacionados com a aprendizagem de técnicas de demonstração e, até mesmo, da “engenharia” envolvida no processo demonstrativo (estatuto dos elementos de um sistema formal) e sobre a importância das mudanças de registros de representação. 2.6 A formação de futuros professores de matemática Há algum tempo que a comunidade de educadores matemáticos vem discutindo sobre a aprendizagem da Matemática, insistindo que a mesma não deve estar limitada ao ensino de técnicas, fórmulas, repetição e memorização de procedimentos. O ensino deve propor o desenvolvimento de habilidades relacionadas à capacidade de interpretação, criação e construção de instrumentos para a resolução de situações problemas. Muitos acreditam ser na Geometria que o desenvolvimento dessas habilidades seja favorecido (Pavanello, 2002). A Geometria é um dos campos da matemática no qual os conhecimentos permitem ampla aplicação em problemas do cotidiano e em outras áreas e mais, o desenvolvimento de capacidades cognitivas relacionadas à habilidade de abstrair, o que é imediatamente sensível. Porém, pesquisas mostram que o trabalho feito no ensino de Geometria não tem alcançado seus objetivos: propiciar aos alunos o desenvolvimento de um tipo de pensamento que favorece a compreensão, a descrição, a representação e a organização do mundo em que vivem, utilizando para isso do raciocínio hipotético-dedutivo (PCNs, 1998). 42 Pavanello (2002) aponta que um dos problemas envolvendo o ensino de Geometria é a própria formação dos professores de matemática, principalmente “porque os professores consideram sua formação em relação a este conteúdo bastante precária” (p.80). Os motivos levantados pela autora como determinantes para essa constatação, no que tange os cursos de licenciatura, são: • os alunos aprendem muito pouco sobre Geometria; • os conteúdos que posteriormente devem ser abordados na prática profissional (educação básica) não são abordados, ou essa abordagem é muito superficial; • prioriza-se a teoria e despreza-se a prática como fonte de conteúdos de formação; • falta de articulação entre o saber matemático e o saber pedagógico; • trabalho exaustivo em temas mais complexos (acredita-se que trabalhar temas mais complexos automaticamente possibilitará aos alunos a compreensão de temas mais elementares). Para Lorenzato (1995, p.4), corroborando as idéias de Pavanello, “nos cursos de licenciatura em Matemática a Geometria possui uma fragilíssima posição”. Sendo assim, a formação do futuro professor fica prejudicada, desencadeando, conseqüentemente, uma deficiência de conhecimentos, tanto em termos de conteúdos como em termos de metodologia. Lorenzato conclui que, por isso, muitos professores, não tendo um conhecimento razoável sobre a Geometria, muitas vezes preferem não ensiná-la em suas aulas. “O professor que não conhece Geometria também não conhece o poder, a beleza e a importância que ela possui para a formação do futuro cidadão, então, tudo indica que, para esses professores, o dilema é tentar ensinar Geometria sem conhecê-la 43 ou então não ensiná-la” (LORENZATO, 1995, p. 3-4). Então, como ensinar Geometria para os futuros professores? Como propor, nas licenciaturas, um espaço para a construção de conhecimentos que atrelem a especificidade da Geometria a uma reflexão sobre métodos para transpor didaticamente os conceitos geométricos? Pavanello (2002) afirma que o redimensionamento da atividade docente “necessita de professores que tenham desenvolvido novas competências não só para trabalhar com alunos em diferentes níveis de conhecimento matemático, mas para organizar situações de aprendizagem mais amplas e significativas” (p.82). Para ela, essa organização pode ser traduzida de acordo com a seguinte adaptação metodológica: • conhecer o conteúdo geométrico a ser ministrado, assim como os objetivos de sua aprendizagem; • estabelecer, sempre que possível, conexões entre a Geometria e outros campos de conhecimento, inclusive da própria Matemática; • trabalhar a partir das representações dos alunos, compreendendo situações-problemas ajustadas a cada nível e possibilidades; • trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem; • planejar e propor dispositivos didáticos para a aprendizagem (seqüências didáticas); • envolver os alunos em atividades e projetos de pesquisa com o objetivo de construírem conceitos geométricos; • observar e avaliar os alunos em situações de aprendizagem, numa concepção formativa, possibilitando a correção de rumos do trabalho desenvolvido em sala de aula. Porém, no que se refere à construção axiomática da Geometria, parece ser o desafio ainda maior, pois esta axiomatização tem sido construída de forma automática, recorrendo apenas à memorização procedimental sem 44 significação alguma para os alunos. Logo, a rejeição pelo ensino das demonstrações geométricas na Licenciatura é um fato que, inevitavelmente, se refletirá na prática pedagógica do licenciando , quando este, efetivamente, atuar na sala de aula da Educação Básica. É necessário que os formadores alinhem, em sua prática pedagógica, atividades que favoreçam a construção gradativa dos conhecimentos matemáticos (geométricos) para, finalmente, sistematizá-los por meio das demonstrações. “Se na licenciatura deve haver uma construção axiomática da geometria, e não se discute que isso seja necessário, esta não pode acontecer desligada de um trabalho de construção de conceitos construção através e de a atividades, axiomática pois esta não são independentes” (PAVANELLO, 2002, p.83). A formação do futuro professor de matemática é determinante da forma como o mesmo irá atuar durante sua prática profissional. É fundamental conceber a formação como um trabalho abrangente, pois a atividade a ser desenvolvida em sala de aula exige uma sólida formação teórica e interdisciplinar que os habilite, não só na compreensão do fenômeno educacional, mas também no domínio de conteúdos a serem ensinados, como afirmam Fiorentini, Nacarato e Pinto: “O saber docente é um saber reflexivo, plural e complexo porque histórico, provisório, contextual, afetivo, cultural, formando uma teia, mais ou menos coerente e imbricada, de saberes científicos – oriundos das ciências da educação, dos saberes das disciplinas, dos currículos – e de saberes da experiência e da tradição pedagógica” (FIORENTINI, NACARATO e PINTO, 1999, p.55). 45 3 DEMONSTRAÇÃO MATEMÁTICA: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS, FILOSÓFICAS E EPISTEMOLÓGICAS É sabido que a Matemática, como ciência, ainda hoje, tem se apoiado no método axiomático-dedutivo para construir seu conhecimento. A demonstração tem papel primordial neste método por ser ela parte do "produto" dos conhecimentos matemáticos. É por meio da demonstração que se constrói (produz) os conhecimentos matemáticos; que se busca a verdade na matemática. No referido método, a demonstração é um encadeamento lógico de raciocínios determinados por dedução de outras verdades estabelecidas, algumas delas também determinadas pelo mesmo encadeamento lógico (Machado, 2001; Caraça, 2003; Boyer, 1996; Domingues, 2002). Resumindo, uma demonstração consiste em um conjunto de raciocínios feitos a partir de verdades já demonstradas ou aceitas sem demonstrações. À primeira vista, esse método pode parecer um "circulo vicioso", porém, o que garante a finitude dos procedimentos na formalização de uma demonstração são os "polêmicos" axiomas, cujas discussões acerca dos mesmos geraram controvérsias e posicionamentos distintos sobre a busca da verdade em matemática (Barker, 1969; Silva, 1999; Bicudo, 2002). Porém, essa visão reducionista do que vem a ser "demonstração" não nos permite um vislumbre geral sobre como a demonstração surgiu e as distintas concepções acerca da mesma em Matemática. Para tal, uma análise histórico-filosófica será feita, seguida de outra não menos importante, a epistemológica. 3.1 O surgimento da demonstração Precisar o surgimento da demonstração em matemática não é algo fácil, tendo em vista a precariedade de documentos. Porém, muitos autores concordam que a demonstração teve início na Grécia do séc. VI, utilizando-se 46 de relatos posteriores de historiadores gregos por meio de textos não matemáticos da época. Considerando-se que o papel da demonstração seria o de validar alguma hipótese, provar algo, então, seu surgimento precederia aos gregos, uma vez que babilônios e egípcios, sem se valerem de qualquer estrutura axiomática, garantiam verdades por meio de procedimentos práticos. Basicamente, o conhecimento para esses povos se valia da evidência física, da tentativa e erro, da analogia, etc. (Boyer, 1996; Eves, 1992). Vale ressaltar que, mesmo se valendo da experiência sensorial, o papiro de Moscou, comprado no Egito, em 1893, mostrou a sofisticação com que os egípcios encontraram uma regra para calcular o volume do tronco de pirâmides de bases quadradas. Como eles fizeram isso, não se sabe, apenas se especula. Mas, graças aos gregos, estes dotados de espírito crítico e criativo, a demonstração se tornou o pilar da verdade em matemática. O Sumario Eudemiano9, uma das poucas fontes sobre a produção grega do período helênico, relata as contribuições de Pitágoras de Samos (C. 523 a.C.) e de sua escola à matemática. De acordo com Domingues (2002, p.58), "essa escola teria sido a responsável pela criação da matemática pura, movida por razões intelectuais e na esteira do estudo de problemas abstratos". Dessa forma, a escola pitagórica havia imprimido à sua matemática um caráter mais dedutivo, mesmo que nenhuma base axiomática tenha sido utilizada para tal. Mas, foi com Euclides (C. 300 a.C.), em seus "Elementos", que o método axiomático-dedutivo, mesmo contendo falhas lógicas, marcou para sempre a busca da verdade em matemática e a demonstração se firmou como a ferramenta principal para essa busca (Domingues, 2002, p.59-60). Mesmo que erros lógicos nas demonstrações dos teoremas e até mesmo nas escolhas dos postulados e axiomas estivessem presentes nos Elementos, o método utilizado por Euclides perdurou por muito tempo, quando, nos séculos XVII e XVIII, um abandono considerável do método ocorreu, alavancando avanços consideráveis na matemática e discussões intermináveis sobre a "busca da 9 Ver mais em BOYER. História da Matemática. p. 32. 47 verdade", por meio das demonstrações (Caraça, 2003; Courant, 2000; Davis e Hersh, 1995; Milodnow, 2004). Ressalta-se, nesta fase, a criação da geometria analítica (Descartes 1596-1651) e o cálculo diferencial integral (Newton 1643-1727 e Leibiniz 1646-1716). De acordo com Courant (2000), o ideal grego cristalizado na axiomatização e na dedução sistemática não parecia relevante para os novos pioneiros da ciência. Em um processo intitulado por Domingues (2002) de "ilógico”, por meio de um autêntico trabalho de "adivinhação" intuitiva, de raciocínios irrefutáveis entremeados de misticismo sem sentido (metafísica), com uma confiança cega no poder sobre-humano do procedimento formal, eles conquistaram um mundo matemático de imensas riquezas. Essa visão ingênua, declarada por uns demasiadamente metafísica, não pareceu ser, para alguns, suficiente para ser o método da busca da verdade em matemática (Boyer, 1996; Lakatos, 1978). A intuição e os raciocínios heurístico-geométricos já não bastavam para explicar resultados aparentemente paradoxais. Assim, no século XIX, uma retomada no método utilizado por Euclides ressurge em uma nova roupagem, inclinando-se ainda mais para o lado da pureza lógica e da abstração (Domingues, 2002, p.62). Até perto do final do século XIX, a demonstração em matemática tinha um caráter grandemente material. A demonstração de uma proposição era uma atividade intelectual que visava a nos convencer e a convencer os outros, racional, mas também psicologicamente, da veracidade dessa proposição (DOMINGUES, 2002, p.62). Em função da tentativa de compreender paradoxos10 que se apresentavam cada vez mais nos fundamentos da Matemática, o conceito clássico da demonstração não resistiu e a nova reformulação da idéia de 10 A teoria dos conjuntos de Cantor é um exemplo disso. Sua teoria dos números transfinitos, que mais tarde ficou conhecida como "Paradoxo de Cantor", sofreu severas críticas, principalmente de Russel, que revelou uma inconsistência fundamental no centro da teoria dos conjuntos (ver BARKER, Filosofia da Matemática, p. 111-114). 48 demonstração surgiu sob o novo conceito de demonstração formal. Entre os matemáticos que contribuíram para essa nova perspectiva, devem-se citar Frege (1848-1925) e Russel (1872-1970) que, por meio de princípios "puramente" lógicos, mostravam a possibilidade de se demonstrar uma proposição, por mais complexa que essa fosse, recorrendo única e exclusivamente às leis gerais da Lógica, com o auxílio de algumas definições. “Toda matemática pura trata exclusivamente de conceitos definíveis em termos de um número muito reduzido de conceitos lógicos fundamentais e que todas as suas proposições são redutíveis a um número muito pequeno de princípios lógico” (KORNER, 1974, p.42). Mesmo com o grande avanço em relação aos procedimentos anteriores, os logicistas carregavam consigo o gérmen de alguns revezes futuros para os especialistas nos fundamentos da Matemática. Com as geometrias não-euclidianas e as álgebras não convencionais no final do século XIX, uma grande liberdade de produção matemática tinha sido inaugurada e a axiomatização de sistemas matemáticos diversos emergiam (Boyer, 1996; Domingues, 2002). Nesse período, a Matemática era vista como uma ciência das deduções formais, o que pressupunha destituí-la de toda e qualquer conotação material. Um dos pioneiros nessa nova tentativa de consolidar o conhecimento matemático por meio da nova "axiomatização" foi Pasch (1843-1931), que sugeriu uma geometria calcada em alguns conceitos primitivos e fez dos axiomas que introduziu apenas enunciados formais que serviam para caracterizar implicitamente esses conceitos. Caso os axiomas pudessem, de alguma forma, ser pronunciados pela experiência, "as demonstrações que se seguiam em hipótese alguma deveriam ter qualquer conotação material" (DOMINGUES, 2002, p.63). 49 Mas, foi com Hilbert (1852-1934) que a nova axiomatização utilizada na Geometria teve maior sucesso e, no afã de estabelecer não só na Geometria, mas também nos outros campos da matemática o seu método axiomático, Hilbert e seus seguidores criaram a "teoria da demonstração formal", um método que objetivava determinar a consistência de qualquer sistema formal. Porém, Gödel (1906-1978) provou a impossibilidade11 de estabelecer a consistência de qualquer sistema matemático. O projeto de Hilbert e sua escola estavam com os dias contados e a "Crise dos Fundamentos" restabelecida. Trabalhos de Zermelo (1871-1953), aprimorados por Fraenkel (1891-1965), tentaram contornar esta crise, porém, mesmo que seus trabalhos tentassem evitar a "queda" em paradoxos, o sistema criado por ambos estava muito mais impermeado em fé do que uma adoção matemática (Domingues, 2002; Barker, 1969; Machado, 2001). A nova axiomatização sugerida por Zermelo e Fraenkel perdurou soberanamente no século XX, quando um estranho no ninho, o computador, surgiu e, com ele, uma nova idéia de demonstração, constrangendo os mais puristas (Domingues, 2002; Davis e Hersh, 1995). Objeções foram feitas, mas com a ciência cada vez mais dependente do computador e com os matemáticos não podendo se isolar cientificamente, uma nova idéia do papel da demonstração parece surgir e inevitavelmente deverá ser aceita: a idéia de que a demonstração deve mais que convencer - deve instigar a investigação e a descoberta de novos resultados, mediantes a exploração de novas oportunidades (de Villiers, 2001). Historicamente, percebemos o caráter não absolutista da demonstração, uma vez que nuances distintas na busca da verdade em matemática aconteceram e ainda acontecem. Mesmo que, no âmago de cada uma das posições, o papel da demonstração não se desvirtue totalmente, não se pode esquecer que a sua função não é apenas gerar produto (teoria) matemático, mas também explicar tais produtos, como resume a colocação de Steen: 11 Gödel estabeleceu um método de associar certas "fórmulas" do sistema formal de Hilbert a enunciados metamatemáticos acerca do sistema, fazendo-o de tal modo que cada uma dessas fórmulas, interpretada normalmente, expressaria um enunciado verdadeiro a propósito dos números apenas no caso de ser verdadeira também a asserção metamatemática a ela associada (Barker, 1969, p.127). 50 "Sua tarefa [dos matemáticos] está clara agora: não devem eles gastar tempo e energias na busca do fogo fátuo da verdade que constantemente lhes foge das mãos. Ao contrário, deverão encarar suas criações pela óptica da utilidade e da adaptabilidade às circunstâncias, com o espírito sempre aberto a possíveis métodos que possam levar a esses fins. O fato de certos métodos levarem a contradições, quando usados indiscriminadamente, não significa que devam ser abandonados, tal situação apenas aponta para a necessidade de determinar as áreas nas quais esses métodos se mostram seguros" (Apud DOMINGUES, p.55, 2002). 3.2 O papel da demonstração no olhar da filosofia Polêmicas sobre a busca da verdade em matemática, em especial a "crise dos fundamentos" (Silva, 1999; Barker, 1969; Caraça, 2003; Courant, 2000), impulsionaram discussões não só no campo da Matemática, mas também no da Filosofia. As inconsistências dos sistemas sugeridos pelos matemáticos para a construção do conhecimento, em que a demonstração tem papel fundamental, desencadearam a criação de "escolas" com visões distintas sobre a atividade matemática. Um breve ensaio sobre as escolas Intucionistas, Logicistas e Formalistas será feito, a fim de apontar as divergências e congruências das mesmas e mostrar como a demonstração é vista por essas escolas. Começamos com uma citação de LAKATOS, impulsionando o ensaio a ser feito: "Não deveria existir nenhum desacordo acerca da demonstração matemática. A gente olha com inveja a suposta unanimidade dos matemáticos, mas de fato existe uma controvérsia 51 consideravelmente grande na matemática. Os matemáticos puros negam as demonstrações dos matemáticos aplicados, enquanto que os lógicos, por sua vez, repudiam as dos matemáticos puros. Os logicistas desprezam as demonstrações dos formalistas e alguns intucionistas rejeitam com desdém as demonstrações de logiscistas e formalistas" (1987, p.21). 3.2.1 Intucionistas Ligados a uma escola filosófica fundamentada especialmente pelas idéias de Kant e Brower (Barke, 1969; Machado, 2001), os intucionistas acreditam que a Matemática é uma construção de entidades abstratas, feitas a partir da intuição do matemático, de forma que a construção prescinde de uma redução à linguagem lógica ou de uma formalização rigorosa, característica de um sistema dedutivo. "O primeiro ato do intucionismo separa por completo a Matemática da linguagem matemática, em particular dos fenômenos da linguagem que descreve a lógica teórica e reconhece que a matemática intucionista é essencialmente uma atividade sem linguagem...”(KORNER, 1974, p. 155). Kant sustentava que as leis que regiam os números e a geometria euclidiana eram, ao mesmo tempo, a priori e sintéticas12. Um exemplo desse tipo de conhecimento, de acordo com Kant, são nossas intuições sobre o tempo e espaço. Ele explica a natureza a priori afirmando que aquelas intuições são propriedades inerentes da nossa mente e que o nosso conhecimento sobre o tempo e o espaço é sistematizado pela aritmética e pela 12 Conhecimento será a priori quando não for justificável pela experiência sensorial e será sintético quando não for justificável pela conexão intrínseca dos conceitos empregados, ou seja, pela maneira de entender os termos empregados. Para melhores esclarecimentos, ver BARKER (1969, p.23). 52 Geometria Euclidiana, respectivamente (Hersh e Davis, 1995, p.309). Nessa perspectiva, a explicação para a existência do conhecimento sintético e a priori estaria baseado no fato de que, ao conhecer as leis dos números (aritmética), por meio da consciência do tempo, o espírito ganha uma visão de seu próprio funcionamento interior e não da realidade objetiva, possuindo a capacidade mental de repetir, seguidamente o ato de contar. No caso da Geometria Euclidiana, conhecimento este baseado na consciência do espaço como forma de intuição, o espírito manifesta em torno de sua própria capacidade de construir, "puramente", as figuras espaciais (Barker, 1969, p. 99). A concepção kantiana, baseada na intuição13, apóia-se na idéia de que todo o conhecimento matemático deve ser "construído" com o auxílio de uma atividade puramente intuitiva (finita). Sendo assim, a Matemática começa sempre pelo intuitivo, o finito, e deve conter apenas o que for obtido de um modo construtivo deste ponto de partida intuitivo (Hersh e Davis, 1995, p. 317). Para os intucionistas, os entes matemáticos não têm suas existências postuladas, como acreditam os platonistas, nem é necessário que emerjam do empírico. Tais entes devem ser construídos passo a passo e constituem um mundo a parte na filosofia intucionista (Machado, 2001, p. 40). Tal construção, do ponto de vista dos intucionistas, associada ao que eles denominam demonstração construtiva (qualquer enunciado matemático deve ser demonstrado construtivamente), é fator determinante para dizer acerca da verdade de um enunciado. Dessa forma, se um enunciado afirma a existência de "algo matemático", devemos saber como construir ou computar esse "algo" por meio de processos finitos. Se um enunciado classifica esse "algo" como tal ou qual, deve-se estar em condições de demonstrar, usando-se apenas um número finito de processos, de qual classe pertence esse "algo". E, de forma semelhante, é preciso dispor-se de uma contra demonstração construtiva de qualquer que seja um enunciado, para poder dizer a cerca de sua falsidade. Logo, "a questão da veracidade da Matemática coloca-se, então, como um problema interno seu e não como decorrência de sua relação com o mundo exterior" (MACHADO, 2001, p. 40). 13 Intuição para contar, somente isso. 53 Em casos que não são possíveis demonstrações/contrademonstrações construtivas, os intucionistas admitem uma terceira possibilidade, sustentando que um enunciado pode ser falso ou verdadeiro, rejeitando, assim, a lei do "terceiro excluído” 14 . Para eles, um enunciado pode ser dotado de significado e, ainda sim, não ser nem verdadeiro ou falso. Podemos pensar que, por meio dessa postura, os intucionistas se viram a salvo de qualquer problema com relação à consistência do método utilizado, porém, a doutrina segundo a qual os "entes matemáticos" surgem da pura intuição do processo de contagem é toda ela muito vaga e discutível. A penumbra deixada pelos intucionistas sobre a dinâmica das "intuições" que conduziam os matemáticos à criação de seu mundo autônomo e sobre o modo como se mesclavam as concepções sobre o espaço e o tempo é uma deficiência visível da teoria intucionista, se esta for considerada ao "pé da letra” (Barker, 1969; Machado, 2001). "... ponto de vista "Kantiano" não existe qualquer problema de consistência. Infelizmente, contudo, o corpo real da matemática não pode ser colocado neste esquema filosófico simples. Os intucionistas da Matemática moderna não dependem da "intuição pura" no amplo sentido Kantiano. Eles aceitam o infinito enumerável como filho legítimo da intuição, e admitem apenas propriedades construtivas; porém assim, conceitos básicos como o do contínuo numérico seriam banidos, partes importantes da Matemática existente excluídas e o restante quase irremediavelmente complicado" (COURANT, 2000, p.263). 14 Princípio da lógica tradicional que afirma ser um enunciado ou verdadeiro ou falso, não havendo terceira hipótese. 54 3.2.2 Logicismo A escola logicista tem em Leibniz importantes raízes de sua fundamentação filosófica (Silva, 1999; Davis e Hersh, 1995). Para ele, existem duas classes de verdades: as verdades da razão e as verdades dos fatos. As primeiras são verdades chamadas necessárias e essa necessidade se exprime por meio de uma análise15 que gera, conseqüentemente, uma decomposição em proposições mais simples até que se chegue a um ponto em que a necessidade lógica seja explícita (tautologias). As verdades da razão são impossíveis de serem negadas, sem que incorram em contradições (Machado, 2001). As chamadas verdades dos fatos são aquelas cujas proposições são comprovadas empiricamente, cuja negação não encontra obstáculos, do ponto de vista lógico. Por exemplo: é uma verdade da razão que o teclado em que digitamos é um teclado e é uma verdade de fato que a cor do teclado é preta. Porém, encontram-se nas verdades dos fatos dificuldades de redução a lógica Leibniziana, uma vez que seu propósito era "criar um método de representar o pensamento através de signos, de caracteres relacionados com o que se está pensando” (Machado, 2001, p.23). Frege (1848-1925), Russel (1872-1970) e Whitehead (1861-1947), seguindo a doutrina deixada por Leibniz, tentaram fazer com que a Matemática, em sua totalidade, fosse reduzida a lógica. Em uma primeira tentativa feita por Frege, este tentou demonstrar que as leis da aritmética são todas elas reduzíveis às leis da lógica, de forma analítica por meio de uma visão racional (Barker, 1969, p.107). "Na Aritmética não nos preocupemos com objetos que chegamos a conhecer de fora, como algo alheio... mas com objetos que se apresentam 15 A regulamentação das análises é feita a partir do princípio da não-contradição e por meio de identidades. 55 diretamente à Razão e que, por se assemelharem a ela, são inteiramente transparentes à Razão" (MACHADO, 2001, p.26) Russel e Whitehead vão além. Para eles, não só as leis da aritmética poderiam ser demonstradas apelando a leis da lógica, mas toda a matemática o poderia (Davis e Hersh, 1995; Russell, 1974; Silva, 2002). Em “Principia Mathematica”, os dois se “lançam na tarefa de esvaziar a Matemática, ou pelo menos parte dela, de conteúdo próprio, reduzindo-a a lógica e, portanto à teoria das formas vazias do pensamento correto” (SILVA, 1999, p.47). Na perspectiva lógica, diferentemente da intucionista, as demonstrações podem e devem ter um caráter não-construtivo e não parece haver qualquer justificativa para pensar que um enunciado não seja verdadeiro nem falso, uma vez que a lei do terceiro excluído aniquila esse tipo de pensamento (Russel, 1974; Körner, 1974; Barker, 1969). Os logicistas adotam uma posição realista, não admitindo que o "reino das entidades abstratas" esteja limitado pelos insuficientes poderes criadores do espírito, pois as entidades existem em si e por si e não como construções da mente. Dessa forma, o matemático não pode criar ou inventar os objetos dos quais fala, pois eles estão por aí para serem descobertos e descritos. Como o próprio Russell afirmou: "Todo o conhecimento deve ser reconhecido, sob pena de não passar de ilusão; a Aritmética precisa ser descoberta exatamente no mesmo sentido em que Colombo descobriu as Índias Ocidentais, e não criamos os números, assim como ele não criou os índios... Tudo que o puder ser imaginado existe, e o ser é anterior e não resultado do fato de ter sido pensado" (apud BARKER, 1969, p. 105). 56 Por meio dessa concepção filosófica realista, os lógicos se viram exploradores de um terreno até então desconhecido da realidade abstrata, onde a vasta área da realidade matemática não passava de uma ilha do amplo continente da realidade lógica. Porém, "quanto maior o sonho maior é a queda" e as idéias logicistas começaram a se desfazer, antes mesmo de ganharem contornos definidos (Hersh e Davis, 1995; Barker, 1969; Silva, 1999). A fim de contornar os paradoxos da Teoria dos Conjuntos de Cantor, Russel-Whitehead desenvolveram a Teoria dos tipos16, cujo objetivo principal era formular de modo técnico e rigoroso, o princípio do "círculo vicioso” 17 . A teoria dos tipos foi, sem dúvida, um avanço considerável na lógica matemática, mas um fracasso com relação aos objetivos iniciais (Barker, 1969; Davis e Hersh, 1995). Ao tentar excluir os paradoxos da Teoria dos Conjuntos, a estrutura gerada se tornou tão complicada, que mal podia ser identificada com a lógica (regras de raciocínio correto). A proposta resultou em uma indesejável duplicação de entidades, tornando difíceis ou impossíveis a enunciação e a demonstração de alguns teoremas tradicionais da Matemática. Dessa forma, "tornou-se insustentável dizer que a matemática nada mais é do que lógica que a matemática é uma enorme tautologia" (DAVIS E HERSH, 1995, p.312). O próprio elaborador da Teoria dos tipos escreveu: "Queria a certeza da mesma maneira que as pessoas querem a fé da religião. Pensava que a certeza seria encontrada mais provavelmente na matemática do que em qualquer outro lado. Mas descobri que muitas demonstrações matemáticas, que os meus professores queriam que eu aceitasse, estavam cheias de falácias e que, se, na verdade, a certeza pudesse ser encontrada na matemática, teria de ser num novo campo, com fundamentos mais sólidos do que os que até aí 16 Ver mais em Russell, Introdução a Filosofia da Matemática (1974). Para Russel, os paradoxos da Teoria dos Conjuntos de Cantor tinham raízes findadas no fato de violarem a regra do "Princípio do círculo vicioso" que, segundo Russel dizia: "Se, admitindo que uma dada coleção tivesse um total, ela teria elementos definíveis apenas em termos desse total, então, a coleção não tem um total". Na tentativa de definir o número de números cardinais, Cantor contradiz o "princípio do círculo vicioso", uma regra indiscutivelmente válida (Barker, 1969, p.112-119). 17 57 tinham sido julgados seguros... cheguei à conclusão que não podia fazer mais nada para tornar o conhecimento matemático isento de dúvida" (apud DAVIS E HERSH, 1995, p. 312-313). 3.2.3 Formalistas Assim como para os intucionistas, a escola formalista tem raízes nas concepções de Kant, porém, para eles não existem objetos matemáticos. A matemática consiste apenas em um emaranhado de definições, axiomas e teoremas, meras "fórmulas", estas destituídas de qualquer significado e relação com a realidade objetiva (Lakatos, 1978; Körner, 1974). A pretensão inicial dos formalistas era a de se obter um sistema formal em que toda a matemática clássica pudesse estar alocada de forma consistente e completa, estabelecendo a matemática como a "ciência dos sistemas formais", estes destituídos de qualquer interpretação, considerados apenas como um "jogo sem sentido". As peças desse jogo não têm significado próprio, ou seu significado não interessa para o matemático/jogador. Segundo Silva (1999), o formalismo "propõe-se a esvaziar o discurso matemático, ou partes substanciais dele, de qualquer referência, significado ou verdade, reduzindo-o a um discurso vazio" (p.48). Parafraseando Russel, a matemática passa ser um discurso do qual “não sabemos do que estamos falando nem se aquilo que falamos é verdade". Foi com Hilbert a primeira tentativa significativa de transformar toda a Matemática em um "sistema formalizado", com a criação do "programa de demonstração e teoria", em que a atenção está voltada apenas para o arranjo das cadeias de fórmulas que constituem os teoremas do sistema, negligenciando interinamente o significado de qualquer uma das fórmulas e a 58 verdade daquilo que, eventualmente, querem dizer (metamatemática) 18. Seu programa, na realidade, era uma tentativa de demonstrar matematicamente a consistência de toda matemática. Basicamente, seu programa fundamentavase da seguinte maneira (Machado, 2001, p.29): 1. a Matemática compreende descrições de objetos e construções concretas, extralógicas; 2. estas construções e estes objetos dever ser enlaçados em teorias formais em que a Lógica é o instrumento fundamental; 3. o trabalho do matemático deve consistir no estabelecimento de teorias formais consistentes, cada vez mais abrangentes até que se alcance a formalização de toda a Matemática. Dessa forma, encarando a Matemática como um sistema formalizado, a demonstração passa a ser caracterizada como qualquer seqüência de fórmulas bem formadas, cada uma dessas fórmulas sendo um axioma ou um teorema, este último obtido finitamente por aplicação de alguma regra de transformação, por meio de fórmulas bem formadas anteriormente na seqüência. De acordo com Hilbert, os problemas de inconsistência estariam resolvidos se toda a Matemática fosse estabelecida "formalmente". "O objetivo da minha teoria é estabelecer de uma vez por todas a certeza dos métodos matemáticos (...). A presente situação, em que encontramos paradoxos, é intolerável. Imaginem só, as definições e métodos dedutivos que toda a gente aprende, ensina e utiliza na matemática, o modelo da verdade e da certeza, conduzem a absurdos! Se o raciocínio matemático é defeituoso, onde vamos encontrar a verdade e a certeza?” (Apud DAVIS E HERSH, 1995, p.316-317). 18 Teoria das propriedades combinatórias da linguagem formal hilbetiana, encarada como um conjunto finito de símbolos, sujeitos a permutações e arranjos segundo as regras de inferência, estas como regras para transformar fórmulas. (Davis e Hersh, 1995, p.315) 59 Porém, Godel e os teoremas da incompletude demonstraram que era impossível alcançar o programa de Hilbert. Utilizando-se de uma engenhosa cadeia de raciocínios metamatemáticos, Godel provou que a consistência é incompatível com a completação. Ou seja, era impraticável determinar a consistência de toda matemática (completude) por meio de fórmulas de um sistema, no qual as mesmas refletiam asserções metamatemáticas do próprio sistema de que faziam parte (Barker, 1969, p.126). Talvez, a teoria metamatemática de Hilbert já estivesse fadada ao fracasso mesmo antes de se consolidar, pois, diferentemente dos que pensam os formalistas puros, Hilbert acreditava que os problemas matemáticos estavam relacionados com a realidade finita e possuíam significados (Davis e Hersh, 1995; Silva, 1999). Ele inventou a metamatemática com o propósito de justificar a matemática do infinito, a matemática por ela mesma, a matemática sem sentido, contradizendo o que ele mesmo acreditava. Em verdade, podemos dizer que todos os formalistas devem se sentir desconfortáveis e com dificuldades de explicar como, sendo a matemática o que eles crêem ser, se adaptar tão bem à realidade objetiva, como é o caso das aplicações nas ciências empíricas e em nossa vida cotidiana. 3.3 Estudo epistemológico Vimos que, ao longo dos séculos, determinar o que é, e como se alcança a verdade em matemática, foi motivo de discussões e mudanças significativas de pensamentos acerca do que é uma demonstração e seu papel na matemática. Porém, tais discussões, além de não chegarem a um "veredicto", criaram um campo vasto de significações e finalidades da demonstração em matemática. Dessa forma, não seriam notáveis os problemas epistemológicos enfrentados para responder a uma pergunta: O que é uma demonstração matemática? 60 Ao tentar responder essa pergunta, enfatizando os aspectos epistemológicos, faremos nossas considerações baseadas no ensino, pois acreditamos que uma análise mais profunda desses aspectos irá inevitavelmente se relacionar com as idéias da filosofia da Ciência e Matemática, estas já suscitadas no tópico anterior. De maneira simplista, temos algumas respostas acerca do problema exposto no início, que são conflitantes e que interessam ao nosso estudo: Um matemático diria: É um procedimento utilizado para "convencer" um grupo de especialistas, através de uma linguagem formal e regras de transformações; Um educador matemático diria: É uma forma de "esclarecer", "explicar" as teorias matemáticas, através de evidências tanto físicas quanto abstratas. Utilizando-se de especulações e argumentações; O estudante de matemática diria: Eh... Bem... Então... Não sei dizer muito bem o que é uma demonstração matemática. O que é? Responder a essa pergunta não é tarefa fácil. Talvez ela nem tenha uma resposta correta e uma análise de pontos de vistas distintos é fundamental para um posicionamento crítico e reflexivo sobre o papel da demonstração na matemática. Direcionemos a discussão para dois pontos importantes sobre a função da demonstração: "Convencer" e "Esclarecer". Barbin (1988), em seus estudos epistemológicos e didáticos sobre a demonstração, ressalta o seu papel "discursivo" na civilização Grega. Para ela, a demonstração surge para ser a regulamentadora de um debate contraditório, público, de acesso a todos, de discussões argumentadas, tornando-se também, regras de um jogo intelectual. Para a autora, com os assuntos das cidades sendo postos em discussão pública, a demonstração aparece como 61 ato social que visa a "convencer" o outro. Esse espírito parece ter sido incorporado pela matemática que surgia naquela época. "Conhecer, é conhecer por intermédio da demonstração, ou seja, a demonstração é de ordem da convicção num debate contraditório" (ARSAC, 1988). Essa visão da demonstração, calcada no discurso e no ato de "convencer" socialmente, parece ser reconhecida por vários matemáticos. Afinal, há outros aspectos envolvidos na maneira como os próprios matemáticos validam suas descobertas, não recorrendo exclusivamente a "demonstração formal". "Deveríamos reconhecer que as demonstrações humanamente compreensíveis e humanamente verificáveis que atualmente fazemos, são as mais importantes para nós, é que elas são muito diferentes da "demonstração formal". Atualmente, as demonstrações formais são inacessíveis e em grande parte irrelevantes, temos bons processos humanos para verificar a validade matemática." (TRURSTON, 1994, p.171). "Considero a demonstração como forma de discurso. È uma maneira de falar própria da matemática e de ser reconhecido por tradição." (WHELLER, 1990, p.3). A convicção de que sabemos a verdade, por meio do discurso, para alguns autores é o que impulsiona a demonstração matemática. Desse modo, a demonstração tem um papel de verificação. A demonstração passa a ser um argumento necessário para validar uma afirmação, um argumento que pode assumir várias formas, desde que seja convincente. Vejamos algumas funções da demonstração, de acordo com Polya (1995), Lakatos (1978), Hanna (1989), Guarnica (1996) e de Villiers (2001), entre outros: 62 ♦ verificação/convencimento: dizem respeito à verdade de uma afirmação. Podem ser feitos por meio de procedimentos empíricos e de raciocínio indutivo; ♦ explicação/clarificação: têm a função de explicar a verdade de uma afirmação. Não se satisfaz somente pela evidência empírica; ♦ sistematização: organização de resultados num sistema formal; ♦ descoberta: invenção de novos resultados; ♦ comunicação: transmissão do conhecimento matemático; ♦ desafio intelectual: realização pessoal, gratificação da construção de uma demonstração. A demonstração como processo de explicação, de esclarecimento, tem sido defendida por Hanna (1990) em seus trabalhos sobre demonstrações no currículo. Resumindo, Hanna sugere que o ensino de demonstrações deve ser apoiado nas demonstrações que explicam, pois elas, diferente das demonstrações que simplesmente provam a veracidade de um teorema, explicam por que é que um teorema é verdadeiro. Poderíamos dizer que a demonstração que convence, vinculada ao discurso e aos métodos empíricos, é um pontapé inicial para as demonstrações que explicam, clarificam. Mesmo que estejamos convencidos, por processos heurístico-empíricos, que a soma dos ângulos internos de um triângulo euclidiano seja 180º (demonstração que convence), necessitamos de algo que nos explique, além da evidência física, o porquê desse fato (demonstração que explica). Dessa forma, o aspecto de explicação de uma demonstração para muitos matemáticos tem maior valor do que o de verificação (de Villiers, 2001). Podemos fazer uma analogia desses dois aspectos da demonstração com a atividade matemática e o produto desta atividade. A atividade matemática tem como pressuposto a criação de conceitos matemáticos 63 (demonstração como verificação) e a estes conceitos, chamamos de produto (demonstração como explicação). Segundo POLYA: "... o resultado do trabalho criativo de um matemático é um raciocínio dedutivo, uma demonstração; mas a demonstração é descoberta por raciocínio plausível, pela especulação (guessing). Se a aprendizagem da matemática reflete, em matemática, alguma tem de medida, haver a lugar invenção para a especulação, para a inferência plausível" (1954, p. 83). No que diz respeito ao ensino de demonstrações, vimos que o processo de demonstrar, de acordo com os autores pesquisados, passa por várias etapas até que se chegue a um produto que explique, sem sombra de dúvidas, um determinado problema. Porém, esse produto pode ser representado de distintas formas e cada uma delas apresentada corretamente. Então, o que devemos considerar? Como determinar o que é certo ou errado? Como estabelecer um padrão de demonstração se podemos estabelecer uma verdade de várias maneiras? O desconhecimento das discussões sobre a "Educação Matemática", por parte dos profissionais da educação, e mais precisamente sobre o papel da demonstração, gera conflitos epistemológicos na medida em que, ao se desconsiderar as nuances da atividade matemática e dos produtos gerados, somos podados uma teoria única, formal, em que a demonstração é algo pronto, acabado. Como ressalta GARNICA sobre o papel das demonstrações na Matemática: "Matemática, portanto, em seu regime de verdade, é uma outra Matemática, radicalmente distinta daquela vista sob a perspectiva da prática profissional dos matemáticos. Distintos regimes de verdade falam de distintas matemáticas, não 64 de uma única Matemática, plena, onipresente, onipotente, onisciente, que pode ser atingida de diferentes formas. Isso não tem sido explicitado de modo claro, ou falando de outro modo, pode estar sendo sistematicamente negligenciado" (2002, p.99). 65 4 PROBLEMATIZAÇÃO E HIPÓTESES DE PESQUISA Ressaltamos, no referencial teórico, algumas considerações sobre o processo de ensino/aprendizagem das demonstrações em Geometria e como esta tem sido abordada no ensino em geral. Consideramos também as orientações nacionais para o estudo de demonstração e as suas concepções na história, na filosofia e na epistemologia. De posse deste aporte teórico, focamos nosso trabalho nas idéias de Duval sobre a aquisição dos conceitos geométricos e sobre a importância dos registros de representação nesta aquisição. Para situarmos melhor nossa problemática, aplicamos um questionário para os alunos da instituição de ensino na qual a pesquisa foi realizada, com o objetivo de obter dados concretos que pudessem vir a corroborar algumas das afirmações e conjecturas expostas nas discussões iniciais e no referencial utilizado. Procedemos também a uma análise desse questionário. 4.1 Questionário A fim de verificarmos a relação/conhecimento dos futuros professores de matemática com a demonstração e seu papel no ensino de Geometria, um questionário estruturado contendo nove questões fechadas19 e uma aberta foi elaborado (ver apêndice A, p.170). Sua análise consistirá de uma leitura quantitativa (para as questões fechadas) e qualitativa (para a questão aberta) dos dados obtidos. 4.1.1 População Os alunos de um curso de licenciatura plena em matemática da região metropolitana de Belo Horizonte foram escolhidos para responder ao questionário proposto. O referido curso está no seu quarto ano e a primeira 19 As opções de respostas para essas perguntas são apenas sim ou não. 66 turma irá se formar no segundo semestre de 2007. Para responder ao questionário, optamos pelos alunos do 3º ao 7º períodos, pois, de acordo com a grade curricular da instituição que oferece o curso, as disciplinas de Geometria Plana e Geometria Espacial já teriam sido ofertadas, com exceção dos alunos do terceiro e quarto períodos que fizeram apenas geometria plana, mas, estariam com a geometria espacial em curso. Após uma preleção do pesquisador, 100 questionários foram distribuídos e, destes, 49 foram respondidos e analisados. 4.1.2 Dados e análise Acreditando ser fundamental, para a análise das respostas, o tipo de formação básica feito pelos pesquisados, pedimos que os mesmos identificassem de que forma concluíram o ensino médio, a saber: científico, técnico, supletivo e ou magistério. O Gráfico 1 estabelece aproximadamente o percentual para cada modalidade: Dos 49 alunos pesquisados, Form a çã o Bá sica 32 fizeram o científico, 6 um 10% curso técnico equivalente e o 12% supletivo e 5 concluíram o 12% 66% curso de habilitação ao magistério. Científ ico Técnico Supletivo Magistério Gráfico 1: Formação Básica 4.1.3 Análise das respostas dos alunos - dados quantitativos Os gráficos a seguir apresentam os resultados quantitativos das respostas dos alunos para as questões de 1 a 9 do questionário, divididos por sua formação básica. 67 Questão 1 Questão 1: Durante a educação básica você teve aulas de geometria? 30 25 20 Científico 15 Supletivo 10 Técnico Magistério 5 Resposta: Sim Científico: 27 alunos - 84% Supletivo: 2 alunos - 33% Técnico: 3 alunos - 50% Magistério: 2 alunos - 40% Resposta: Não Científico: 5 alunos - 16% Supletivo: 4 alunos - 67% Técnico: 3 alunos - 50% Magistério: 3 alunos - 60% 0 Sim Não Gráfico 2: Análise quantitativa da questão 1 Questão 2: Caso sua resposta tenha sido sim na primeira questão, responda: Você fez alguma demonstração nas aulas de geometria na educação básica? Questão 2 30 25 20 15 10 5 0 Científico Supletivo Técnico Magistério Sim Resposta: Sim Científico: 4 alunos - 15% Supletivo: 1 alunos - 50% Técnico: 2 alunos - 67% Magistério: 1 alunos - 50% Resposta: Não Científico: 23 alunos - 85% Supletivo: 1 alunos - 50% Técnico: 1 alunos - 33% Magistério: 1 alunos - 50% Não Gráfico 3: Análise quantitativa da questão 2 Obs.: A questão de número dois está condicionada à questão anterior Questão 3 Questão 3: Na graduação, você trabalhou ou trabalha com demonstrações na disciplina de geometria? 35 30 25 20 15 10 5 0 Científico Supletivo Técnico Magistério Sim Resposta: Sim Científico: 32 alunos - 100% Supletivo: 5 alunos - 83% Técnico: 6 alunos - 100% Magistério: 4 alunos - 80% Resposta: Não Científico: 0 aluno - 0% Supletivo: 1 aluno - 17% Técnico: 0 aluno - 0% Magistério: 1 aluno - 20% Não Gráfico 4: Análise quantitativa da questão 3 68 Ques tão 4 30 25 20 15 10 5 0 Questão 4: Você sabe o que é um sistema formalizado? Científico Supletivo Técnico Magistério Sim Resposta: Sim Científico: 10 alunos - 31% Supletivo: 0 alunos - 0% Técnico: 0 alunos - 0% Magistério:2 alunos - 40% Resposta: Não Científico: 22 alunos - 69% Supletivo: 6 alunos - 100% Técnico: 6 alunos - 100% Magistério: 3 alunos - 60% Não Gráfico 5: Análise quantitativa da questão 4 Questão 5: Você se acha capaz de definir “axioma”, Questão 5 “postulado” e teoremas”? 30 25 20 15 10 5 0 Científico Supletivo Técnico Magistério Sim Resposta: Sim Científico: 25 alunos - 78% Supletivo: 2 alunos - 33% Técnico: 4 alunos - 67% Magistério:2 alunos - 40% Resposta: Não Científico: 7 alunos - 22% Supletivo: 4 alunos - 67% Técnico: 2 alunos - 33% Magistério: 3 alunos - 60% Não Gráfico 6: Análise quantitativa da questão 5 Questão 6 Questão 6: Você acha que demonstrar é importante para o ensino de geometria? 35 30 25 20 15 10 5 0 Científico Supletivo Técnico Magistério Sim Resposta: Sim Científico: 32 alunos - 100% Supletivo: 6 alunos - 100% Técnico: 6 alunos - 100% Magistério: 4 alunos - 80% Resposta: Não Científico: 0alunos - 0% Supletivo: 0 alunos - 0% Técnico: 0 alunos - 0% Magistério: 1 alunos - 20% Não Gráfico 7: Análise quantitativa da questão 6 69 Questão 7 Questão 7: Você acha necessário o uso de demonstrações no ensino de geometria? 35 30 25 20 15 10 5 0 Científico Supletivo Técnico Magistério Sim Resposta: Sim Científico: 32 alunos - 100% Supletivo: 6 alunos - 100% Técnico: 6 alunos - 100% Magistério: 3 alunos - 60% Resposta: Não Científico: 0aluno - 0% Supletivo: 0 aluno - 0% Técnico: 0 aluno - 0% Magistério: 2 alunos - 40% Não Gráfico 8: Análise quantitativa da questão 7 Ques tão 8 35 30 25 20 15 10 5 0 Questão 8: Você sente dificuldades em demonstrar? Científico Supletivo Técnico Magistério sim Resposta: Sim Científico: 31 alunos - 97% Supletivo: 6 alunos - 100% Técnico: 4 alunos - 67% Magistério: 5 alunos - 100% Resposta: Não Científico: 1 aluno - 3% Supletivo: 0 aluno - 0% Técnico: 2 alunos - 33% Magistério: 0 aluno - 0% não Gráfico 9: Análise quantitativa da questão 8 Questão 9 Questão 9: Você acha que sua formação em geometria lhe dá subsídios para trabalhar futuramente com as demonstrações no ensino? 30 Científico 20 Supletivo 10 Técnico Magistério 0 sim Resposta: Sim Científico: 20 alunos - 62% Supletivo: 3 alunos - 50% Técnico: 4 alunos - 67% Magistério: 1 aluno - 20% Resposta: Não Científico: 12 alunos - 38% Supletivo: 3 alunos - 50% Técnico: 2 alunos - 33% Magistério: 4 alunos - 80% não Gráfico 10: Análise quantitativa da questão 9 70 Total -Independente da Form ação Básica Ques. 1 Ques. 2 Ques. 3 50 40 30 20 10 0 Ques. 4 Ques. 5 Ques. 6 Ques. 7 Sim Não Resposta: Sim Ques.1: 34 alunos - 69% Ques.2: 8 alunos - 24% Ques.3: 47 alunos - 96% Ques.4: 12 alunos - 24% Ques.5: 33 alunos - 67% Ques.6: 48 alunos - 98% Ques.7: 47 alunos - 96% Ques.8: 46 alunos - 94% Ques.9: 28 alunos - 57% Resposta: Não Ques.1: 15 alunos - 31% Ques.2: 26 alunos - 76% Ques.3: 2 alunos - 4% Ques.4: 37 alunos - 76% Ques.5: 16 alunos - 33% Ques.6: 1 aluno - 2% Ques.7: 2 alunos - 4% Ques.8: 3 alunos - 6% Ques.9: 21 alunos - 43% Ques. 8 Quest. 9 Gráfico 11: Análise quantitativa total 4.1.4 Análise qualitativa das respostas dos alunos Considerando a questão em aberto, na qual os alunos discorrem sobre o que entendem ser uma demonstração matemática, percebemos que a maioria a vê como um processo lógico, que tem a finalidade de “provar e esclarecer” teorias matemáticas. Seguem algumas respostas que comprovam a análise feita: “Demonstração matemática, para mim, é conseguir provar de maneira lógica, através de raciocínios coerentes, a construção da matemática” (aluno do 5º período). “A demonstração é o processo passo a passo de como surgiu a fórmula... é a forma de chegar ao original” (aluno do 6º período). “Forma pela qual se verifica a veracidade ou não de um pressuposto” (aluno do 4º período). “É o processo utilizado para provar como se chegou a alguma fórmula ou resultado” (aluno do 3º período). Porém, parece que as repostas dadas, em sua maioria, são reproduções do discurso do professor e dos livros estudados, pois os alunos não 71 reconhecem um sistema formal e a relação entre os elementos inerentes do mesmo, fato este destacado com as respostas às questões 4 e 5 do questionário. Entre os entrevistados, 76% não sabem o que é um sistema formal, porém, 67% dizem ser capaz de definir alguns dos elementos subjacentes do sistema. Achamos considerável o número de alunos que não tiveram, durante a educação básica, aulas de Geometria, no total 15 alunos. Destes, 4 foram alunos de supletivo, representando 67% do total dos que passaram por essa modalidade de ensino. Podemos relacionar este fato com as pesquisas que comprovam o abandono da Geometria na educação básica (Pavanello, 1989). Dos 26 alunos que tiveram aulas de Geometria na educação básica, apenas 24% afirmam ter feito alguma demonstração nas aulas de Geometria. Na graduação, este número aumenta consideravelmente para 47 alunos. Porém, acreditamos que os alunos não tenham uma idéia clara do que seja uma demonstração, pois 2 alunos responderam não terem tido contato com demonstrações em suas aulas de Geometria, apesar de colegas do mesmo período afirmarem o contrário. Mesmo com pouco conhecimento do que seja uma demonstração e dos processos envolvidos no ato de demonstrar (especulações feitas a partir das respostas da questão em aberto e das questões 4 e 5 do questionário), os alunos, quase em sua totalidade (98%), acham importante se fazer demonstrações em Geometria. A exceção foi um único aluno, um daqueles que afirmaram não terem feito nenhuma demonstração em Geometria na graduação. Este número reflete na posição dos mesmos com relação à necessidade de trabalhar as demonstrações no ensino de Geometria; 47 alunos consideram ser fundamental este trabalho. Com relação à questão 8, 96% dos alunos afirmaram sentir dificuldades em fazer uma demonstração, porém, destes, 57% destacam que a formação recebida em Geometria lhes dá subsídios para trabalhar posteriormente com as demonstrações no ensino. Contraditório ou não, conjecturamos que, por 72 acharem importante e necessário o ensino de demonstrações em Geometria, os alunos, apesar de apontarem dificuldades em demonstrar (46 alunos), se sentem preparados (28 alunos) para trabalhar com as demonstrações mais em função da “obrigação” que posteriormente crêem ter. Evidenciamos que 100% dos alunos que passaram pelo magistério na educação básica (5 no total) relataram ter dificuldade em demonstrar e dois destes acham não ser necessário o ensino de demonstração em Geometria. Ressaltamos que um destes alunos, mesmo achando não ser necessário o trabalho com demonstrações no ensino, afirma que este é importante. No geral, a análise dos dados obtidos com a aplicação do questionário vem corroborar o que já tem sido constatado por várias pesquisas na área de educação matemática: o ensino de Geometria é precário tanto na educação básica quanto nas licenciaturas, no que tange ao trabalho com as demonstrações dos conceitos geométricos. A não compreensão dos alunos sobre o que é um sistema formal, os elementos inerentes a este sistema e a forma de operacionalização do mesmo, destaca que a demonstração vem sendo tratada na licenciatura como algo destituído de qualquer significado e sentido. Apenas como mais uma parte de um “jogo” no qual os participantes, mesmo jogando, não conhecem a “regra”. 4.2 Problemática Baseados em nosso referencial e no questionário aplicado aos alunos, percebemos que o ensino de Geometria não tem alcançado seus objetivos referentes ao desenvolvimento de habilidades de análise, crítica, posicionamento, argumentação e validação. Enfim, o desenvolvimento do raciocínio lógico dedutivo, fundamental no ensino da matemática, parece não estar sendo efetivamente considerado para que o desenvolvimento dessas habilidades seja concretizado. As demonstrações matemáticas desempenham um papel importante nesse sentido, pois a hierarquização dos processos que 73 envolvem o ato de demonstrar contribui para uma reflexão crítica dos passos a serem dados na busca de uma constatação de um determinado enunciado. Mais que isso, as demonstrações explicitam a lógica existente na construção de conceitos matemáticos. Dessa forma, acreditando ser fundamental um trabalho com o ensino de demonstrações, principalmente nos cursos de formação de professores, pois é a partir desta formação que reflexos serão percebidos na educação básica, como fazer para que esse trabalho tenha significado e que realmente ofereça contribuições na aquisição de conceitos geométricos? Como desenvolver, por meio de atividades que envolvam demonstrações, a noção do sistema formal e dos elementos que o compõem? Por fim, como trabalhar as demonstrações caracterizando-a mais como um processo, com o objetivo principal de validar teoricamente a veracidade de um teorema? 4.3 Hipóteses levantadas • É possível, dentro de qualquer contexto escolar, criar e elaborar estratégias e situações que possam minimizar as dificuldades que os alunos enfrentam ao fazer uma demonstração (seqüência didática). • A compreensão dos processos que envolvem uma demonstração é facilitada em atividades que exigem formulação e redação em diferentes registros de representação, sendo que: a) A coordenação entre os registros de representação natural, algébrico e figural é determinante na compreensão dos conceitos geométricos necessários para efetivar uma demonstração; b) O papel heurístico com as figuras geométricas é fundamental para que o aluno ultrapasse a apreensão perceptiva e alcance, por meio da apreensão discursiva, a apreensão operatória (Duval). 74 • A criação de ferramentas lógicas contribui para a decisão sobre os passos a serem tomados na redação de uma demonstração. A aplicação e a análise do questionário, de maneira geral, nos trouxeram a confirmação das dificuldades que os licenciandos enfrentam ao se fazer uma demonstração matemática. Isto se associa ao não conhecimento dos elementos e processos envolvidos no ato de demonstrar e na formação recebida durante a educação básica e no curso de licenciatura. Coincidem com considerações elaboradas em pesquisas já realizadas e citadas nesta dissertação. O levantamento e a análise dos dados nos permitiram ter uma visão sistematizada da situação e um embasamento para nossas conjecturas. 75 5 A SEQÜÊNCIA DIDÁTICA Neste capítulo apresentaremos nossa seqüência didática, destacando sua concepção, os procedimentos adotados na execução da seqüência, a descrição das atividades propostas, os objetivos de cada atividade e, finalmente, os resultados obtidos analisados de acordo com as propostas almejadas. Ressaltamos que, neste trabalho, não temos a pretensão de determinar a melhor forma de trabalhar as demonstrações matemáticas no ensino de Geometria Euclidiana, mas, sim, de criar propostas metodológicas alternativas para a formação de futuros professores de matemática, despertando um olhar “crítico” na aquisição de técnicas de demonstração e na compreensão dos conceitos geométricos envolvidos no processo de demonstrar. Destacamos que as atividades propostas podem ser estendidas para a educação básica, desde que adaptações sejam feitas, de acordo com o objetivo delimitado. 5.1 Finalidade da seqüência didática Adotar uma proposta metodológica para introduzir “técnicas de demonstração” em um curso de licenciatura em Matemática para alunos que já cursaram as disciplinas de Geometria Plana e Espacial. Para conduzirmos nosso trabalho na elaboração da seqüência didática, consideramos os seguintes aspectos: • motivar os alunos, realizando uma abordagem histórica sobre o sistema formal seus elementos e a importância da demonstração matemática na Geometria. Usamos textos para desempenhar este papel; • apresentar aos alunos os diferentes registros de representação e como mobilizá-los na aquisição de uma demonstração; 76 • trabalhar o estatuto do teorema, definindo hipóteses e teses e a importância de distingui-los no teorema; • expor e solicitar figuras geométricas associadas a teoremas, propriedades e definições; • evidenciar a seqüência lógica envolvida em esquemas de demonstrações e a necessidade da mesma durante todo o processo; • oferecer subsídios que levem o aluno a redigir uma demonstração em dois registros de representação: natural e algébrico, com o auxílio da representação figural. Para alcançarmos os objetivos traçados, utilizando-se das teorias estudadas, organizamos nossa seqüência de acordo com o modelo abaixo: Determinação das dificuldades dos alunos: Experiência profissional e diagnóstico Destacar/ determinar as hipóteses e teses de um teorema Elaboração da seqüência Apresentação do sistema formal: reconhecimento do estatuto de seus elementos, a saber: postulados, definições, propriedades e teoremas. Registros de representação Mobilização dos registros de representação figural, algébrico e natural; mudanças de registros Redação da demonstração Transposição didática Demonstração Visualização o Aquisição integral da prova Tratamento das informações Congruência e nãocongruência entre os registros de representação. Aquisição parcial da prova Caixa de ferramentas Estatuto das figuras geométricas; identificação de elementos implícitos nos teoremas Caixa de ferramentas Raciocínio X Visualização Justificações entre relações estabelecidas Figura 6: Modelo utilizado para trabalhar técnicas de demonstração Fonte: Dados da Pesquisa 77 5.2 Concepções do modelo proposto De acordo com o levantamento bibliográfico realizado, percebemos que o ensino de Geometria tem sugerido várias discussões no âmbito do seu ensino e aprendizagem, porém, no que diz respeito ao ensino efetivo das demonstrações em Geometria (euclidiana), as discussões, em sua maioria, estão alicerçadas no papel que a prova matemática desempenha neste ensino e sobre as diversas facetas que se pode atribuir à demonstração matemática. Trabalhamos com a idéia de que a demonstração matemática é um processo e não um produto. Uma atividade do pensamento que, por meio de uma seqüência lógica, conectada ao estatuto dos elementos inerentes ao processo, procura, por meio de argumentações, produzir um discurso que convença os outros da veracidade de um enunciado. Em nossa seqüência, tentamos trabalhar a demonstração, de acordo com o conceito dado por Balacheff (1987), caracterizando a demonstração como uma atividade complexa do raciocínio, intervindo em capacidades “cognitivas’, “metodológicas” e “lingüísticas”. Para tal, buscamos, na teoria de “Registros de Representação Semiótica” de Duval, adaptar nossa proposta na busca de atividades que contribuíssem para a aquisição/compreensão de técnicas de demonstração. Duval acredita que a Geometria envolve três processos cognitivos, sinergicamente imbricados: a visualização, a construção e o raciocínio (c.f. Cap. 2) e estes são indispensáveis para a sua aprendizagem. Para ele, um dos maiores problemas relacionados à aprendizagem da Geometria são as formas de apreender e registrar as figuras geométricas e, no caso da demonstração, na distinção do “raciocínio argumentativo” e o “raciocínio dedutivo”. No raciocínio dedutivo, com vistas à demonstração, Duval afirma que as proposições estão organizadas de acordo com seu estatuto e que esta organização ocorre por substituições de proposições, como em um cálculo. Todavia, a heurística de problemas envolvendo a Geometria está baseada em registros espaciais que permitem interpretações autônomas, classificadas por 78 Duval em: apreensão seqüencial, apreensão discursiva, apreensão perceptiva e apreensão operatória. É pela distinção das apreensões da figura que a resolução de um problema geométrico e o tipo de raciocínio que este exige serão determinadas. A distinção entre as apreensões perceptivas e discursivas é, para Duval, um dos problemas centrais na compreensão dos conceitos geométricos por meio das figuras, pois nem sempre é possível visualizar todas as informações que um enunciado estabelece pela sua representação figural. Dessa forma, a apreensão operatória é fundamental, pois é nela que “ajustes” serão feitos, na busca da solução do problema, utilizando-se da operação de “reconfiguração intermediária”. Para que ocorra uma compreensão do estatuto das figuras geométricas e das formas de apreensões das mesmas, é necessário um trabalho com distintos registros de representação. Duval afirma que a mobilização desses registros é fundamental para a função cognitiva do pensamento humano. Assim, a consciência do que vem a ser uma demonstração somente ocorre numa articulação de dois registros, em que um deles é a linguagem natural. Essa tomada de consciência “surge” da interação entre a representação não– discursiva produzida e o discurso expresso. O reconhecimento dos “objetos matemáticos” e suas características, fator necessário na articulação de conhecimentos para aquisição de uma prova, só serão apreendidos na “união” de diferentes registros desses objetos. “Para os sujeitos, uma representação pode apenas funcionar como representação, isto é, lhes dar acesso ao objeto representado, quando duas condições forem preenchidas: que eles disponham ao menos de dois sistemas semióticos diferentes para produzir a representação de um objeto, de uma situação ou de um processo e, que eles possam converter “espontaneamente” um sistema semiótico em outro” (DUVAL, 1995, p.22). 79 Com base nas idéias de DUVAL e nas produções estudadas, percebemos que “obstáculos” foram evidenciados na tentativa de trabalhar as demonstrações no ensino de Geometria. Dentre eles, destacamos os de natureza epistemológica, didática e lingüística: 1. Obstáculos epistemológicos: inerentes ao próprio conhecimento sobre demonstração, às suas características e ao seu desenvolvimento. Obstáculos apontados: • a coordenação de diferentes registros de representação não ocorre espontaneamente; • o conceito de demonstração (vimos, no capítulo destinado ao estudo da demonstração, que matemáticos, filósofos e educadores têm opiniões diferentes sobre a demonstração matemática e o papel que ela desempenha); • a figura geométrica pode se destacar como um obstáculo, pois, ao mesmo tempo em que contribui na exploração de conceitos na obtenção de uma demonstração, ela nem sempre facilita “enxergar” as propriedades atribuídas à hipótese de um enunciado; • o aluno não entende a necessidade de “provar” algo que ele observa na figura; • a falta de compreensão entre a relação semântica entre os registros de representação utilizados em uma demonstração pode constituir um obstáculo na percepção da seqüência lógica envolvida no processo de demonstrar. 2. Obstáculos didáticos: relacionados com as estratégias de ensino. Destacamos: • a formação dos professores, baseada na analogia (modelos), não permite um trabalho crítico e compreensivo da demonstração; 80 dessa forma ocorre um obstáculo na mobilização dos conceitos envolvidos em um determinado problema (Pavanello, 2002); • os livros didáticos não costumam apresentar problemas que envolvam, efetivamente, a demonstração (Gouvêa, 1998); • os problemas geométricos têm sido tratados de forma experimental, sem uma preocupação com a sistematização do processo. 3. Obstáculos lingüísticos: relacionados à compreensão dos textos apresentados, seja em linguagem natural ou matemática: • leitura fragmentada dos enunciados matemáticos, acarretando em dificuldades de entender o problema; • os alunos conseguem raciocinar corretamente na solução de um problema, mas não conseguem responder a questionamentos com argumentos precisos. Fundamentados e orientados pelas idéias expostas, desenvolvemos nossa seqüência didática, no intuito de trabalhar técnicas de demonstração. O fizemos de tal forma que a demonstração se caracterizasse mais como uma hierarquia de tarefas do que uma hierarquia de conteúdos, privilegiando a compreensão dos processos e de habilidades a serem desenvolvidas para a aquisição e a articulação de conceitos geométricos. 5.3 Engenharia da seqüência didática Com a finalidade de trabalhar técnicas de demonstração de forma significativa, a seqüência didática proposta tem como objetivos principais: • trabalhar, inicialmente, os postulados, propriedades, definições e teorema como objetos de estudo de um sistema formal; • clarificar o estatuto do teorema, de forma que as hipóteses e a tese sejam reconhecidas e distinguidas no mesmo; 81 • esclarecer que o recíproco de um teorema nem sempre é verdadeiro; • evidenciar o estatuto da figura geométrica, de forma que seus atributos fundamentais estejam associados às hipóteses de um teorema; • utilizar os postulados, definições, propriedades e teoremas como ferramentas indispensáveis na produção de uma demonstração; • estabelecer uma rede semântica e lógica entre os esquemas de demonstrações, os enunciados, as figuras geométricas e as ferramentas utilizadas. Para alcançarmos nossos objetivos, dividimos a seqüência em cinco atividades, cada qual com um objetivo específico. a) Objetivos da Atividade 1: • apresentar os elementos de um sistema formal; • fazer as distinções dos elementos de um sistema formal; • trabalhar os diferentes registros de representação; • apresentar ferramentas necessárias para se fazer uma demonstração; • evidenciar hipóteses e teses de um enunciado; • trabalhar as relações entre os conceitos primitivos por meio dos postulados. b) Objetivos da Atividade 2: • destacar a congruência e a não-congruência entre os registros de representação; • reforçar a mobilização entre os registros de representação; • determinar do estatuto da figura geométrica da hipótese e da tese a partir de teoremas. 82 c) Objetivos da Atividade 3: • apresentar o recíproco de um teorema; • escrever o recíproco de um teorema e o teorema unificado; • apresentar ferramentas de "justificação"; • trabalhar a veracidade do recíproco através de contra-exemplos. d) Objetivos da Atividade 4: • ressaltar os tipos de demonstrações; • trabalhar as hipóteses de um teorema como ferramenta fundamental na obtenção de uma demonstração; • apresentar caixas de ferramentas auxiliares para a demonstração de um teorema; • apresentar esquemas de demonstração em registros de representação distintos; • destacar a congruência semântica dos registros de representação até então trabalhados. e) Objetivos da Atividade 5: • criação de caixa de ferramentas para demonstração; • elaboração de esquemas de demonstração. Esperamos que, ao final da seqüência, os alunos sejam capazes de: • reconhecer a lógica de um sistema formal; • trabalhar na mobilização de diferentes registros de representação; • reconhecer o estatuto de um teorema; • reconhecer o estatuto da figura geométrica; • desenvolver habilidades de raciocinar logicamente em problemas envolvendo demonstrações; • conseguir redigir uma demonstração. 83 5.4 Aplicação da seqüência didática Nossa seqüência didática foi aplicada a alunos do 4º período de um curso de licenciatura plena em matemática na região metropolitana de Belo Horizonte do período noturno. A turma foi escolhida por se tratar de alunos que já haviam cursado a disciplina de Geometria Plana e estava cursando a disciplina de Geometria Espacial, da qual a pesquisadora era a professora. Assim escolhemos, no intuito de tentar amenizar as dificuldades que os mesmos relataram, ao responder o questionário, a respeito de se fazer uma demonstração em geometria e sobre o que é realmente uma demonstração. A turma escolhida tem um total de 20 alunos, todos regulares curricularmente. O fato dos alunos conhecerem a pesquisadora contribuiu para um discurso mais aberto durante a aplicação da seqüência. Para a aplicação da seqüência, contamos com 8 aulas, cada uma delas com uma hora e quarenta minutos de duração. O tempo foi suficiente para a apresentação das atividades que compunham a seqüência e para todas as discussões que surgiram durante a aplicação. Os encontros com a turma eram semanais. Todas as atividades da seqüência foram entregues pela própria pesquisadora que, ao final de cada aula (aplicação de uma atividade), recolheu as atividades feitas pelos alunos. Os alunos tiveram a liberdade de fazer as atividades individualmente ou em duplas, porém, as duplas foram supervisionadas constantemente pela pesquisadora, para que os alunos não fizessem cópias uns dos outros. Apenas na última atividade a pesquisadora solicitou que os alunos a desenvolvessem individualmente. Ressaltamos que estabelecemos como regra que os alunos fizessem ordenadamente as atividades de nossa seqüência e, caso percebessem que erros foram cometidos ao longo do desenvolvimento das tarefas, estes não 84 deveriam ser retomados, a não ser oralmente. Assim foi determinado, para que as dificuldades encontradas nas soluções dos problemas servissem de fonte de informações para melhor analisarmos o progresso dos alunos na execução da seqüência. 5.5 Atividades da seqüência – Apresentação e Descrição • Atividade I Atividade I - Sistema formal: reconhecendo o estatuto dos conceitos, postulados, definições, teoremas e os registros de representação Como os objetivos da primeira atividade estavam centrados no reconhecimento de um sistema formal, seus elementos e as relações entre os mesmos, inicialmente apresentamos um breve texto-histórico, evidenciando a criação feita por Euclides de uma formatação lógica dos conceitos geométricos. Ressaltamos a noção de ponto, reta e plano e apresentamos alguns postulados e definições que seriam, posteriormente, ferramentas fundamentais para o aprendizado da técnica de demonstração, assim como o reconhecimento do estatuto dos elementos inerentes de um sistema formal. Trabalhamos também com a representação desses elementos em linguagem natural, algébrica e figural por achar importante a mobilização destes registros como um facilitador da aquisição do processo de se demonstrar (c.f. fundamentação teórica). A organização lógica da geometria euclidiana: "Euclides é, provavelmente, o autor científico melhor sucedido que já existiu. Seu famoso livro, Os Elementos, é um tratado sobre geometria e teoria dos números. Por cerca de dois mil anos, todo estudante que aprendeu geometria, aprendeu-a de 85 Euclides. E durante todo este tempo, Os Elementos serviram como modelo de raciocínio lógico para todo o mundo. Ninguém sabe, hoje, exatamente, o quanto da geometria contida nos Elementos é trabalho de Euclides. Alguma parte dela pode ter sido baseada em livros que já existiam antes e algumas das idéias mais importantes são atribuídas a Eudoxus, que viveu mais ou menos na mesma época. De qualquer forma, dos livros que chegaram até nós, Os Elementos é o primeiro que apresenta a geometria de uma forma lógica, organizada, partindo de algumas suposições simples e desenvolvendo-se por raciocínio lógico" (Moise e Downs, 1971). Elementos e conceitos fundamentais Conceitos primitivos: Termos simples e fundamentais que não são definidos, "nascem" em nossa mente pela observação e experiência (intuitivamente). Nossos conceitos primitivos serão o ponto, a reta e o plano. Registro de representação (linguagens): Nossos registros serão feitos na linguagem natural, algébrica e geométrica (figura), buscando compreender a sinergia entre as mesmas. Linguagem natural Linguagem algébrica Letras do nosso alfabeto Ponto Maiúsculas. Ex: A, B e C Linguagem geométrica .A Letras do nosso alfabeto Reta minúsculas. Ex: r, s e t Letras gregas minúsculas. Ex: Plano α,β e γ Postulados: Nossas afirmações mais simples e fundamentais de uma determinada teoria (nosso caso a Geometria) aceita sem demonstrações serão as verdades incontestáveis. 86 Feito isso, criamos situações para trabalhar os conceitos primitivos e as relações entre os mesmos. O objetivo da situação 1 era verificar a noção que os alunos tinham sobre os entes primitivos, uma vez que os mesmos já haviam cursado a disciplina de Geometria Plana e estavam cursando a disciplina de Geometria Espacial. Não ressaltamos, na atividade, tratar-se de uma figura plana, pois nosso objetivo geral era trabalhar com as demonstrações no espaço. Situação 1: Trabalhando os conceitos primitivos 1) Dada a figura 01, respondas às questões apresentadas: Figura 01 a) Quantos pontos nomeados temos sobre a reta r? b) Quantos pontos temos fora da reta r? c) Podemos afirmar que P está entre M e N? d) Quantos pontos há entre Q e M? e) Considerando a folha de papel a representação de um plano, quantos pontos temos neste plano? f) Quantos pontos temos fora do plano? Em seguida, apresentamos alguns postulados e definições que auxiliariam e justificariam as respostas da situação 1, acreditando que os alunos de prontidão fariam tal relação. Esses postulados e definições também seriam importantes para a próxima tarefa. Postulado da existência: 1. Em uma reta e fora dela existem quantos pontos quisermos. 2. Dados dois pontos distintos de uma reta, existe pelo menos outro ponto entre os dois pontos dados. 3. Em um plano e fora dele, existem tantos pontos quanto quisermos. 87 Definição: Determina os atributos essenciais e específicos de um ente, de tal forma que o torne inconfundível com outro. Definição 1: Pontos distintos são colineares se estiverem sobre uma mesma reta. Na situação 2, buscamos estabelecer, por meio de perguntas e figuras, o estatuto dos postulados, definições e a importância dos mesmos nas relações entre os entes primitivos, de tal forma que uma reflexão sobre os conceitos apresentados seria fundamental na resolução das atividades, além de uma noção espacial. Também nessa situação, trabalhamos diferentes registros de representação. Situação 2: Utilizando postulados/definições e estabelecendo relações: 2)Dada a figura 02, faça o que se pede: Figura 02 a) Represente na figura a reta que passa por L e M. b) Quantas retas distintas passam por Q e M? c) Os pontos Q, L e P são colineares? d) Os pontos Q, M e P são colineares? e) Dados dois pontos distintos, estes serão sempre colineares? f) Dados três pontos distintos, estes sempre serão colineares? 3) Estabeleça, por meio da figura 03, as soluções para as questões apresentadas, justificando-as: Os pontos O e P pertencem ao plano α? b) Os pontos O, P e L pertencem ao plano α? c) A reta que passa por O e L, pertencem ao plano α? a) Figura 03 88 Com o objetivo de mostrar a lógica e a consistência necessárias de um sistema formal (c.f. Cap.3), a atividade 4 pressupunha um postulado ainda não trabalhado e que, posteriormente, foi apresentado junto com outros postulados. Estes seriam fundamentais para a solução da atividade 5. 4) Os pontos P e Q são pontos distintos. O ponto P está na reta a e na reta b. O ponto Q está na reta a e na reta b. O que se pode concluir a respeito de a e b? Que postulado garante sua conclusão? Postulado da determinação: 4. Dois pontos distintos determinam uma única reta que os contém. 5. Três pontos distintos e não colineares determinam um único plano que os contém. Postulado de pertinência: 6. Uma reta está contida em um plano, se dois de seus pontos pertencem ao plano. • Representação de reta, segmento de reta e semi-reta. Linguagem natural Segmento de reta de Linguagem algébrica extremidades A e B AB Semi-reta de origem em A que contém B Reta suporte do segmento AB Linguagem geométrica AB AB 5) Dados uma reta r e um ponto P, conforme a figura 04, responda às perguntas, justificando a opção: a) Existe um plano que contém a reta r e o ponto P? b) Existe um único plano que contém a reta r e o ponto P? Figura 04 89 Reforçando a necessidade da consistência de um sistema formal, as atividades 6 e 7 também necessitavam de postulados ainda não apresentados. A fim de fazer com que os alunos inferissem o resultado, pedimos que a figura referente à atividade fosse esboçada. 6) As retas r e s são retas distintas. O ponto P pertence à reta r e a reta s. O ponto Q pertence à reta r e a reta s. O que podemos concluir a respeito de P e Q? Qual postulado justifica sua conclusão. Faça uma representação geométrica da situação. 7) Os planos α e β são planos distintos. A reta r pertence aos dois planos simultaneamente. O que podemos concluir sobre a reta r? Que postulado justifica sua conclusão? Faça a representação geométrica da situação. Postulado da Interseção: 7. Se duas retas distintas se interceptam, a interseção é um único ponto. 8. Se dois planos distintos de interceptam, a interseção é uma única reta. A próxima situação evidencia o estatuto dos teoremas e os diferentes registros que podem ser utilizados para representá-los. Criamos situações para que os alunos reconhecessem as hipóteses e teses e pudessem, dessa forma, representá-las de formas distintas. Situação 3: Teoremas: hipóteses, teses e registros de representação Teorema: Uma proposição matemática que, para ser aceita como verdade, deverá ser demonstrada. O teorema compõe-se em duas partes: Hipótese: Informações conhecidas Tese: O que se deseja concluir, provar. Todo teorema poderá ser escrito na forma condicional: "Se [hipóteses], então [tese]”. 90 As hipóteses e teses poderão ser representadas na linguagem natural, algébrica e geométrica. • Identificando as hipóteses e tese de um teorema, fazendo o registro e reescrevendo o enunciado na forma condicional. Exemplo: Teorema: Dadas duas retas que se interceptam, existe exatamente um plano que as contém. Forma condicional: se duas retas se interceptam, então existirá um único plano que as contém. Registros de representação: Teorema Hipóteses Linguagem Linguagem Linguagem natural r e s são retas que geométrica algébrica se interceptam r e s determinam Tese um plano α que as contém. r∩s=P r ⊂ α, s⊂ α e (r,s) = α 8) Dado o teorema, determine sua forma condicional e registre as hipóteses e tese nas linguagens natural, geométrica e algébrica. Teorema 1: Uma reta e um ponto fora dela determinam um único plano que os contém. Forma condicional: ............................................................................................ .............................................................................................................................. Registros de representação: 91 Teorema Linguagem Linguagem Linguagem natural geométrica algébrica Hipóteses Tese Teorema 2 : Duas retas paralelas a uma terceira são paralelas entre si. Forma condicional: ............................................................................................ .............................................................................................................................. Registros de representação: Teorema Linguagem Linguagem Linguagem natural geométrica algébrica Hipóteses Tese Teorema 3: Por um ponto dado, fora de uma reta, existe uma única reta perpendicular à reta dada. Forma Condicional:......................................................................................... ........................................................................................................................... Registros de representação: 92 Teorema Linguagem Linguagem Linguagem natural geométrica algébrica Hipóteses Tese • Atividade II Atividade II - Associando às propriedades, definições e teoremas à figura geométrica adequada: transposição didática dos registros de representação. A atividade II foi elaborada com a intenção de trabalhar o conceito de figura geométrica na mobilização dos registros de representação, destacando, assim, a congruência ou não das formas representadas. Reforçamos, nesta atividade, a determinação das hipóteses e tese de um teorema e suas representações. Iniciando a atividade, apresentamos novamente alguns conceitos já trabalhados apenas para retomar a proposta da atividade anterior. Lembrando alguns conceitos fundamentais Definição: Determina os atributos essenciais e específicos de um ente, de tal forma que o torne inconfundível com outro. Teoremas: Verdades aceitas mediantes demonstrações pela comunidade de matemáticos. Na primeira situação, exploramos a figura geométrica e seus atributos, pedindo que os alunos correlacionassem, a partir da representação na linguagem natural, as definições apresentadas à figura correspondente. 93 Tentamos criar situações de forma que as representações figurais pudessem gerar interpretações dúbias. Esta situação foi feita na questão 1. Na segunda questão, além de explorar a associação de enunciados com suas respectivas figuras geométricas, pedimos que as hipóteses e tese fossem determinadas. Assim fizemos para trabalhar a questão da congruência dos registros de representação, fator determinante para a compreensão dos processos envolvidos na construção de conhecimento e, conseqüentemente, no processo de demonstrar (c.f. referências DUVAL). Situação 1: Congruência dos registros de representação 1)Associe a cada definição a representação geométrica que mais lhe convier. Definições ( 1 ) A distância de um plano com um ( ) Figura Geométrica ponto exterior a ele, é o comprimento do segmento perpendicular do ponto ao plano. ( 2 ) Duas retas são concorrentes, se a ( ) interseção entre as duas for um único ponto. ( 3 ) Duas retas são perpendiculares, se ( ) forem concorrentes e o ângulo entre as retas for um ângulo reto. ( 4 ) Mediatriz de um segmento é a reta ( ) perpendicular ao segmento passando pelo seu ponto médio. 94 ( 5 ) Um ponto M é ponto médio de um ( ) segmento, se pertencer ao segmento e for eqüidistante de suas extremidades. ( 6 ) Um conjunto M é chamado convexo ( ) se, para todo par de pontos P e Q do conjunto, o Segmento PQ está inteiramente contido no conjunto. ( 7 ) Um conjunto de pontos se diz ( ) coplanar se existe um plano que contém todos os pontos do conjunto. 2) Escreva na linguagem algébrica as hipóteses e teses dos teoremas apresentados e associe a cada um deles a figura geométrica correspondente. (1) Teorema Se uma reta Linguagem algébrica Hipótese: é perpendicular a plano, qualquer então, Linguagem geométrica () um reta paralela à reta dada Tese: também será perpendicular ao plano 95 (2) Duas retas em um Hipótese: ( ) plano são paralelas se ambas forem perpendiculares a uma Tese: mesma reta (3) Se um intercepta dois paralelos, interseções plano Hipótese: ( ) planos então, são as duas Tese: retas paralelas (4) Duas perpendiculares mesmo retas Hipótese: a plano ( ) um são Tese: paralelas (5) Se duas retas são Hipótese: ( ) perpendiculares a uma terceira, então, elas são Tese: paralelas entre si. (6) Duas perpendiculares mesmo coplanares. plano retas Hipótese: a ( ) um são Tese: 96 Na situação 2, trabalhamos a criação da figura geométrica para destacarmos a diferença entre figura20 e desenho21. Propositalmente, criamos situações em que a figura desenhada poderia representar mais de uma situação. Também pedimos que as hipóteses e tese fossem destacadas para frisar a congruência ou não dos enunciados e suas representações. Situação 2: Desenho e figura geométrica: distinção associada às propriedades geométricas. 1) Dados os teoremas, preencha o quadro abaixo com o que se pede: Teorema 1: Teorema fundamental do perpendicularismo • Se uma reta é perpendicular a duas retas que se interceptam em seu ponto de interseção, então, ela é perpendicular ao plano que as contém. Representação algébrica Hipótese: Figura geométrica Tese: Teorema 2: • Se uma reta e um plano são perpendiculares, então, o plano contém toda reta perpendicular à reta dada no seu ponto de interseção com o plano dado. 20 21 Figura é a classe de todos os desenhos possíveis do objeto matemático (DUVAL, 1993) Desenho é o traçado sobre o suporte material (DUVAL, 1993) 97 Representação algébrica Hipótese: Figura geométrica Tese: Teorema 3: • Duas retas perpendiculares a um mesmo plano são coplanares. Representação algébrica Hipótese: Figura geométrica Tese: Teorema 4: • Duas retas em um plano são paralelas se ambas forem perpendiculares a um mesmo plano. Representação algébrica Hipótese: Figura geométrica Tese: 98 • Atividade III Atividade III: Teoremas recíprocos: "se e somente se" A atividade III tem como objetivo apresentar aos alunos o recíproco de um teorema. Começamos a atividade destacando, por meio de um breve esquema, o que é um recíproco, ressaltando que ferramentas de o mesmo não necessariamente é verdadeiro. Apresentamos nesta atividade justificação para estabelecer a veracidade/falsidade de um recíproco, utilizando, para isso, definições e figuras geométricas. Frisamos que o uso de mais de um registro de representação se apóia em nossas hipóteses de pesquisa, que determina que os conceitos geométricos envolvidos na obtenção de uma demonstração, só serão compreendidos na mobilização de mais de um registro (Duval, 1995). Dado dois teoremas, estes serão chamados de "teoremas recíprocos", se a hipótese e a tese de um dos teoremas forem trocadas, respectivamente, pela tese e a hipótese do outro. Teorema 1: Hipótese1 ⇒ Tese1 e Teorema 2: Hipótese2 ⇒ Tese2 Teorema 1 e Teorema 2 são recíprocos Hipótese1 = Tese2 e Hipótese2 = Tese1 Se um teorema e seu recíproco são verdadeiros, então, podemos combiná-los em um teorema único, usando a frase “se, e somente se". Porém, nem todo recíproco de um teorema é verdadeiro e, para mostrarmos que o recíproco é falso, utilizamos de um contra-exemplo, ou seja, um exemplo que o contradiz, isto é, mostra que o recíproco é falso. 99 Na situação 1, propomos uma atividade para que os alunos determinassem, por meio de um teorema dado, o seu recíproco. Não nos preocupamos inicialmente em estabelecer se os recíprocos eram verdadeiros ou não. Pretendíamos somente que os alunos fossem capazes de distingui-los, reforçando, com isso, o estatuto de um teorema. Pedimos também que escrevessem o teorema e o recíproco em uma expressão unificada e que a figura do teorema fosse feita. Nas atividades propostas, criamos situações que poderiam confundir os alunos na hora de estabelecer o recíproco, por isso pedimos que a figura fosse feita, no intuito de que a associação dos registros fosse percebida e verificada. Situação 1: Escrevendo o recíproco de um teorema Exemplo: Teorema: Se uma reta é paralela a um plano, então, ela é paralela a uma reta do plano Hipótese 1: r // α recíproco Tese 1: r // s, s⊂ α. Hipótese 2: r // s, s⊂ α, r ⊄ α Tese 2 : r // α Teorema Recíproco: Se uma reta não contida em um plano é paralela a uma reta do plano, então, ela é paralela ao plano. Teorema unificado: Uma reta é paralela a um plano se, e somente se, ela for paralela a uma reta deste plano. Figura: Nota: Nem sempre todas as informações que temos na hipótese e tese de um teorema serão exatamente as mesmas que teremos no seu recíproco, pois algumas informações estão implícitas no teorema. A escrita da expressão unificada é importante neste aspecto. 100 1) Dados os teoremas, escreva seu recíproco e o teorema unificado seguindo as orientações: Teorema 1: Se um plano contém duas retas concorrentes, ambas paralelas a um outro plano, então, esses planos são paralelos. Preencha o quadro utilizando a representação algébrica: Teorema Recíproco Hipótese Tese Faça a figura geométrica do teorema: Escreva na linguagem natural Recíproco do teorema: ............................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ................ Teorema unificado: ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... 101 Teorema 2: Se uma reta é perpendicular a duas retas concorrentes, em seu ponto de interseção, então, ela é perpendicular ao plano que contém as duas retas. Preencha o quadro utilizando a representação algébrica: Teorema Recíproco Hipótese Tese Faça a figura geométrica do teorema: Escreva na linguagem natural Recíproco do teorema: ............................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... Teorema unificado: ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... Na situação 2 apresentamos ferramentas para que fosse estabelecido se um recíproco era falso ou não. Nesta atividade, a necessidade de 102 compreensão dos conceitos geométricos envolvidos era fundamental. Mais uma vez reforçamos o papel da figura para tentarmos comprovar nossas hipóteses de trabalho, colocando a figura como âncora no estabelecimento das atribuições de propriedades dos conceitos geométricos. Na primeira atividade da situação 2, apresentamos, como ferramentas de justificação, apenas algumas definições. Nem todas seriam utilizadas na atividade. Optamos por elucidar conceitos (definições) que poderiam gerar dúvidas aos alunos, porém, a figura geométrica pedida poderia ser a ferramenta que facilitaria a resolução do problema. Situação 2: Verificando a veracidade do recíproco através dos contraexemplos Para contradizer um recíproco de um teorema podemos utilizar de postulados, definições, propriedades, figuras geométricas. Exemplo: Teorema: Se duas retas são paralelas, então, elas são coplanares. Recíproco: Se duas retas são coplanares, então, elas são paralelas. Contra-exemplo: Duas retas concorrentes também são coplanares. r ∩s = P r⊂α s⊂α (r,s) =α 1) Escreva o recíproco dos enunciados e justifique se o recíproco é falso ou verdadeiro, utilizando as definições abaixo como contra-exemplos. 103 Definição 1: Retas reversas são retas que não se interceptam e não são coplanares. Definição 2: Retas ortogonais são reversas e formam um ângulo reto. Definição 3: Retas perpendiculares são concorrentes e formam ângulo reto. Definição 4: Retas concorrentes são retas que se interceptam em um único ponto. a) Enunciado 1: Se duas retas são perpendiculares, então, elas formam um ângulo reto. Recíproco:............................................................................................................. ............................................................................................................................... . ( ) verdadeiro ( ) falso Justificativa: .......................................................................................................... ............................................................................................................................... Esboce a figura que justifica a veracidade/falsidade. b) Enunciado 2: Se duas retas são paralelas, então, elas não se interceptam. Recíproco: ............................................................................................................ ............................................................................................................................... ................... ( ) verdadeiro ( ) falso Justificativa: ............................................................................................................................... ...................................................................................................................... 104 Esboce a figura que justifica a veracidade/falsidade. c) Enunciado 3: Se duas retas são perpendiculares, então, elas são concorrentes. Recíproco: ............................................................................................................................... ...................................................................................................................... ( ) verdadeiro ( ) falso Justificativa: .......................................................................................................... ............................................................................................................................... Esboce a figura que justifica a veracidade/falsidade. A atividade II faz apelo apenas à figura geométrica na tentativa de justificar a falsidade dos recíprocos apresentados, de forma que os alunos pudessem perceber as propriedades que as figuras “mostram” que contrapõem o recíproco dado. 2) Correlacione as colunas, para justificar a falsidade dos recíprocos por meio das figuras geométricas. 105 (1) Enunciados/recíprocos Enunciado: Se uma reta Figuras geométricas é ( ) concorrente com um plano, então, ela é concorrente com pelo menos uma reta do plano. Recíproco: Se uma reta é concorrente com pelo menos uma reta do plano, então, ela é concorrente com o plano. (2) Enunciado: Se uma reta está ( ) contida em um plano, então, eles têm um ponto em comum. Recíproco: Se uma reta e um plano têm em comum um ponto, então, a reta está contida no plano. (3) Enunciado: Se uma reta é ( ) perpendicular a um plano, então, ela forma ângulo reto com pelo menos uma reta do plano. Recíproco: Se uma reta forma ângulo reto com uma reta de um plano, então, ela é perpendicular ao plano. Reforçamos na atividade III, além do recíproco, o papel fundamental da figura em atividades geométrica que visam à verificação e ao estabelecimento de verdades. O fizemos, pois as atividades que se seguem terão na representação figural um apoio na obtenção de uma demonstração. • Atividade IV Atividade IV – Demonstrando teoremas: utilização de ferramentas na construção de um raciocínio lógico dedutivo. A quarta atividade tem foco central nas demonstrações de propriedades e conceitos geométricos. Na tentativa de auxiliar os alunos na obtenção de uma demonstração, apresentamos caixas de ferramentas que julgamos 106 importantes na redação de uma demonstração (hipóteses de trabalho) e algumas “técnicas de demonstração”. Trabalhamos os diferentes registros de representação na busca da demonstração dos teoremas, reforçando a congruência semântica dos mesmos. Para que os alunos compreendessem o significado e os objetivos de uma demonstração, um texto explicativo foi abordado, explicitando, também, a lógica subjacente de um sistema formal e a importância de conhecimento operacional no mesmo para se “alcançar” uma demonstração matemática. Apresentamos também uma caixa contendo símbolos que usualmente são utilizados nas demonstrações em registro algébrico, além de outros que foram utilizados na atividade com significados atribuídos pela pesquisadora. Um exame mais detalhado do que vem a ser uma demonstração matemática. Ao longo das atividades desenvolvidas, apresentamos alguns elementos que compõem um sistema formal e, mais especificamente, aqueles fundamentais para o processo de se demonstrar. Destacamos, por meio de situações, a necessidade do reconhecimento desses elementos para uma operacionalização em um sistema formal, explicitando a consistência lógica envolvida na “Engenharia da Demonstração” em teoremas da geometria euclidiana. A atividade que se segue tem como foco “técnicas de demonstração” e, para fazermos uma demonstração matemática de um determinado teorema, é necessário que compreendamos seu significado, a hierarquização dos processos envolvidos nesta tarefa, os elementos adjacentes explícitos e implícitos no teorema e que saibamos mobilizar, além dos registros de representação, as ferramentas necessárias para o processo de se demonstrar. Sendo assim, alguns pontos seguem esclarecidos: • O que é demonstrar? 107 De acordo com o método do qual se vale a matemática para se criar teorias, demonstrar é provar, sem qualquer dúvida, que um enunciado é verdadeiro, de tal forma que esta prova seja aceita por uma comunidade de matemáticos. Utilizando a definição dada por Balacheff (1987), podemos dizer que uma demonstração matemática é uma atividade de raciocínio lógico, encadeada por uma seqüência de enunciados organizados numa regra de dedução, interferindo nas capacidades cognitivas, metodológicas e lingüísticas, objetivando validar teoremas por meio de uma explicação que leva a convicção. • Para que demonstrar? Para explicar, verificar, esclarecer, validar e convencer a si e a outros que um enunciado matemático é verdadeiro. • Como fazer uma demonstração? Na matemática, para fazermos uma demonstração, utilizamos postulados, definições, propriedades e teoremas já estabelecidos em um critério lógico e seqüencial. Estas serão nossas ferramentas de trabalho na obtenção de uma demonstração. Nossas demonstrações também deverão seguir uma hierarquização na utilização das ferramentas, organizadas de acordo com regras determinadas. • Tipos de demonstração As demonstrações podem ser diretas ou indiretas (redução por absurdo). As diretas são feitas no sentido de hipóteses para a tese, ou seja, admitindo que as informações nas hipóteses de um teorema sejam verdadeiras, então, a partir de uma organização lógica de procedimentos, chegaremos à conclusão também verdadeira. 108 As indiretas são feitas no sentido oposto das demonstrações diretas (da tese para hipótese), com a particularidade de se negar a tese intentando chegar à negação da hipótese gerando, assim, um absurdo. Alguns símbolos importantes: Símbolo ∈ ∉ ∃ ⊥ // ⊂ ⊄ Significado Pertence não pertence Existe Perpendicular Paralelas está contido não está contido símbolo ⊃ ∀ ∴ ⇒ ⇔ ≅ ⁄ significado contém para todo logo implica se, e somente se congruente tal que Significado das simbologias utilizadas na atividade IV: Simbologia (A,B) = r (A, B, C) = α ( r, A) = α (r, s) = α Significado Os pontos A e B determinam a reta r. Os pontos A, B e C determinam o plano α. A reta r e o ponto A determinam o plano α. As retas r e s determinam o plano α. Na situação 1 da atividade IV, apresentamos alguns esquemas de demonstração na linguagem figural, algébrica e natural. O objetivo da representação figural é destacar a relação entre apreensão perceptiva e discursiva (relacionada aos dados do teorema) por meio da apreensão operatória. Colocamos à disposição dos alunos, caixas de ferramentas auxiliares para justificar os passos da demonstração, logicamente. A mobilização dos registros de representação também desempenhava esse papel. A hierarquização dos passos evidência nosso objetivo em destacar a demonstração mais como “uma hierarquização de passos do que uma hierarquização de conteúdos”. Situação 1: Utilizando uma caixa de ferramentas para justificar os passos de esquemas de demonstração 109 1) Dado o teorema, preencha o que se pede utilizando seus conhecimentos adquiridos até o momento e a caixa de ferramentas apresentada. Teorema 1: Dados uma reta r e um ponto P fora dela, existe exatamente um plano α que os contém. a) Preencha o quadro. linguagem natural linguagem algébrica Hipóteses Tese b) Utilizando a caixa de ferramentas apresentada e as hipóteses do teorema 1, justifique os passos da demonstração feita a partir da mobilização das figuras, completando os espaços em branco. Caixa de ferramentas (CF): Postulado 1: Dois pontos distintos determinam uma única reta que os contém. Postulado 2: Três pontos não colineares determinam um único plano que os contém. Figuras: Passo 1: Passo 2: Passo 3: Justificativa: Justificativa: Justificativa: Dado na hipótese Justificativa: ....................................... Justificativa: ................................... c) complete a redação da demonstração na linguagem natural: 110 Temos que, por hipótese, existe uma reta r e um ponto P não pertencente a ................ . Em r, existem os pontos ........ e ......., pois dois pontos .................... determinam uma única reta (postulado 1 da CF). Os pontos .......,........ e ......... determinam o plano ......., pois três pontos não colineares determinam um ...................................... que os contém (postulado 2 da CF). Como os pontos ...... e ...... pertencem à reta ......, então, temos que r e ......, determinam o plano ...... . d) Complete os espaços em branco do esquema demonstração na linguagem algébrica: ∃ r e ∃ ..... / P∉..... Post. 1 (C.F) ∃ A e .... ............... ∈ ... com .....≠...... / (A, B) = ..... (P,A,B) = ..... ∴ (r,P) = .... e) A demonstração feita é direta ou indireta? Justifique sua escolha. ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... Teorema 2: Se duas retas r e s são concorrentes, então, elas determinam um único plano α que as contém. Definição: Retas concorrentes são retas que se interceptam em um único ponto. a) Preencha o quadro. linguagem natural linguagem algébrica Hipóteses Tese b) Utilizando a caixa de ferramentas apresentada e as hipóteses do teorema 2, justifique os passos da demonstração feita a partir da mobilização das figuras, completando os espaços em branco. 111 Caixa de ferramentas (CF) : Postulado 1: Dois pontos distintos determinam uma única reta que os contém. Postulado 2: Três pontos não colineares determinam um único plano que os contém. Postulado 3: Se dois pontos de uma reta estão em um plano, então, a reta está contida neste plano. Figuras: Passo 1: Passo 2: Passo 3: Justificativa: Justificativa: Justificativa: .................................. ................................ ................................ .................................. .................................. ................................ c) complete a redação da demonstração na linguagem natural: Temos que as retas ........ e ........ são concorrentes por ......................., logo, a interseção entre elas é um ...............P. (definição de retas ......................). Existe na reta r um ponto ....... e na reta ...... um ponto ......., de tal forma que os pontos ....... e ...... são diferentes do ponto ...... .(Postulado 1 da CF). Então, temos que os pontos ......, ....... e ...... determinam um único plano ....... (postulado ...... da CF). Como os pontos ...... e ...... determinam a reta ..... e os pontos ....... e ....... determinam a reta ......, temos que as retas ...... e ....... estão contidas no ...............α. (................................... da CF). Logo, as retas ....... e ........ determinam o plano ...... e nele estão contidas. d) Complete o esquema da demonstração na linguagem algébrica: 112 Post. 1 (C.F) ∃ A ∈....../ A ≠ ..... r∩s = ....... ∃ ...... ∈...../.....≠ P ................ .......... (A,P) = r e (B, P) =....... ............ (A,B,P)= α r e ...... ⊂ ...... ∴ (r, s) = ....... e) A demonstração feita é direta ou indireta? Justifique sua escolha. ............................................................................................................................... Teorema 3: Se duas retas r e s distintas se interceptam, a interseção é um único ponto P. a) Preencha o quadro. Hipóteses Tese linguagem natural linguagem algébrica b) utilize a caixa de ferramentas e as hipóteses do teorema 3 para completar os espaços em branco do esquema de demonstração abaixo: Caixa de ferramentas (CF) : Postulado 1: Dois pontos distintos determinam uma única reta que os contém. Demonstração Afirmativas/construções Justificativas Suponha que a interseção entre as retas sejam Como ainda não sei quantos pontos tem a os pontos distintos P e Q. interseção das retas, posso supor a quantidade que quiser. Temos que P e Q pertencem à reta r e à Como P e Q estão na ........................ de r e reta ....... s, então, pertencem as duas .............. P e Q determinam uma única reta. ................................................................... ................................................................... As retas r e s são coincidentes. Absurdo, pois, por hipótese, temos que r e ...... são retas ....................... Logo, a interseção de ..... e ..... só pode ser um único ponto. c) Escreva na linguagem natural a demonstração do teorema, utilizando o esquema da letra b como referência. 113 ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... d) Complete o esquema da demonstração na linguagem algébrica: Suponha que r∩s=PeQ/ P≠Q. Construção P ∈..... e ..... ................. r=s (P,Q)= r e ...... ...... ∈ r e s Absurdo, pois, por hipótese, ...... ≠ ......, ∴ r ∩ s = ........ e) A demonstração feita é direta ou indireta? Justifique sua escolha. ............................................................................................................................... ..................................................................................................................... f) A figura correspondente à demonstração não foi feita. É possível fazer a figura referente aos passos dados na demonstração feita? Justifique. ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... Na situação 2, desenvolvemos uma demonstração fora de ordem para que os alunos a organizassem logicamente, justificando com o auxílio da caixa de ferramentas e das hipóteses do teorema às opções feitas. Na atividade proposta, o aluno, após organização dos passos, deveria apresentar, nos três registros de representação (figural, algébrico e natural), a demonstração feita, uma vez que a coordenação destes registros é importante para a compreensão dos conceitos geométricos envolvidos nos problemas (hipóteses de trabalho). Situação 2: Organizando logicamente o esquema de demonstração 114 1)Dado o teorema, faça o que se pede: Teorema: Se dois planos são perpendiculares e uma reta de um deles é perpendicular à interseção dos planos, então, essa reta será perpendicular ao outro plano. Palavra–chave: Planos perpendiculares são concorrentes. Caixa de ferramentas (CF): Postulado 1: Em um plano e fora dele existem tantas retas quanta desejarmos. Postulado 2: A interseção de dois planos é uma única reta. Postulado 3: A interseção de uma reta e um plano é um único ponto. Teorema 1: Dois planos são perpendiculares se uma reta contida em um deles é perpendicular ao outro. Teorema 2: Se duas retas são paralelas e uma delas é perpendicular a um plano, então, a outra reta também o será. Teorema 3: Duas retas perpendiculares ao mesmo plano são paralelas. Teorema 4: Se uma reta é perpendicular a um plano, então, ela é perpendicular a toda reta deste plano no seu ponto de interseção. Teorema 5: Duas retas em um plano são paralelas se ambas forem perpendiculares a uma mesma reta. a) Enumere corretamente de 1 a 6 para obter a redação da demonstração, sem deixar de justificar os passos que julgar ser necessário. Para isso, utilize a caixa de ferramentas apresentada. ( ) Sendo r perpendicular à reta s e r’ perpendicular à reta s, ambas contidas em α, teremos que r e r’ são retas paralelas. Justificativa:...................................................................................................... ( ) Ainda por hipótese, existe uma reta r contida em α, de modo que r é perpendicular à reta s. Justificativa:............................................................. ( ) Logo, a reta r e perpendicular a β.Justificativa: ........................................ ( ) Por hipótese, temos que os planos α e β são perpendiculares e que a interseção dos mesmos é uma reta s. Justificativa: ......................................... ( ) Como α é perpendicular a β, então, existe uma reta r’ em α, tal que r’ é perpendicular a β. Justificativa: ....................................................................... ( ) Se r’ é perpendicular a β, então, r’ é perpendicular à reta s no ponto P. Justificativa:............................................................................................... b) Utilizando a demonstração feita no item a, complete o quadro: 115 linguagem natural linguagem algébrica Hipóteses Tese c) Faça as figuras do esquema de demonstração feito no item a, justificando os passos. Figura 1 Figura 2 Figura 3 Justificativa: justificativa: .......................... ............................ ........................... .......................... .............................. ............................ Figura 4 Figura 5 Justificativa Justificativa justificativa: Figura 6 Justificativa ........................... ................................ ............................ ........................... ................................. .............................. d) Complete o esquema de demonstração algebricamente. Justifique os passos r//r’ r ⊂ α e r⊥s 116 e) Redija a demonstração na linguagem natural ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... Nas situações realizadas na quarta atividade, reforçamos, a todo o momento, o estatuto do teorema e a importância da definição das suas hipóteses para que os alunos a reconhecessem como ferramentas indispensáveis na demonstração de um teorema. • Atividade V A proposta da quinta atividade é que o aluno coloque em prática tudo que foi apreendido com as outras atividades, criando ele mesmo seus esquemas de demonstração, suas caixas de ferramentas para justificação dos passos adotados e coordene os registros de representação até então trabalhados. Atividade V: Criando esquemas de demonstração: utilizando todas as ferramentas anteriores. Informações adicionais: Postulado 1: Em um plano e fora dele existem quantos pontos quisermos. Postulado 2: A interseção de dois planos é uma única reta. Postulado 3: Dados dois triângulos, se dois lados e o ângulo determinado por eles em um dos triângulos forem congruentes aos elementos correspondentes do outro triângulo, então, esses triângulos são congruentes. Teorema 1: Por um ponto fora de uma reta, existe um único plano que os contém. Teorema 2: Se um plano intercepta dois planos paralelos, então, as interseções são duas retas paralelas. 117 Teorema 3: Se uma reta é perpendicular a duas retas concorrentes em seu ponto de interseção, então, ela é perpendicular ao plano que as contém. Teorema 4: Em um plano, se uma reta é perpendicular a uma de duas retas paralelas, então, é perpendicular à outra. Teorema 5: Se uma reta e um plano são perpendiculares, então, o plano contém toda reta perpendicular à reta dada, no seu ponto de interseção com o plano dado. Na primeira atividade, foi solicitado que os alunos associassem aos passos apresentados a figura geométrica mais adequada. Para resolver a atividade, é necessário que, a partir da apreensão discursiva, o aluno consiga relacionar a figura geométrica associada às propriedades de cada enunciado. Implicitamente, trabalhamos a apreensão operatória nas “reconfigurações” feitas nas figuras de acordo com cada passo. Com os conhecimentos e técnicas adquiridos ao longo das atividades, resolva as situações apresentadas de acordo com o que se pede. 1) Dado o teorema abaixo, associe a cada um dos passos apresentados a figura correspondente mais adequada. Teorema: Se uma reta é perpendicular a um de dois planos paralelos, então, ela é perpendicular ao outro. (1) Dados os planos paralelos α e β e a reta r perpendicular a β. (2) Seja A um ponto qualquer do plano α não pertencente a r. (3) O ponto A e a reta r determinam um plano γ que os contém. (4) O plano γ intercepta os planos α e β nas retas t e s, respectivamente, tal que t e s são retas paralelas. (5) A reta r é perpendicular as retas s e t. (6) Seja B um ponto qualquer do plano α não pertencente a r. (7) O ponto B e a reta r determinam um plano φ que os contém. (8) O plano φ intercepta os planos α e β nas retas u e v, respectivamente, tal que u e v são retas paralelas. (9) A reta r é perpendicular às retas v e u. 118 ( ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ) 119 ( ) ( ( ) ) A partir da numeração feita, pedimos aos alunos que fizessem a demonstração do teorema, se orientando pelas figuras, não esquecendo de justificar cada passo. A criação de uma caixa de ferramentas também foi solicitada nesta atividade. Para que os passos apresentados constituam uma demonstração, são necessárias algumas informações adicionais que justifiquem tais passos. Tente identificar tais informações e crie uma caixa de ferramentas para esse teorema (utilize as informações dadas no início da atividade). Antes, preencha o quadro com as hipóteses e tese do teorema. 120 linguagem natural linguagem algébrica Hipóteses Tese Caixa de ferramentas: Utilize os passos apresentados, as hipóteses e a caixa de ferramentas criada para escrever a demonstração do teorema na linguagem algébrica. Na atividade 2, um problema envolvendo congruência de triângulos foi sugerido. Os ajustes na figura apresentada se mostrariam como ferramentas úteis na solução do problema, caso os alunos conseguissem mobilizar as informações dadas no enunciado (discursivo) com a figura dada. Novamente pedimos que uma caixa de ferramentas fosse criada para justificar as opções escolhidas na resolução da tarefa. Deixamos que os alunos escolhessem o esquema de demonstração a ser feito. 2) Seja a figura 1. Sabendo que A, B e C estão no plano α ,que P é externo a α , PA ⊥ α e AC ≅ AB , demonstre que PC ≅ PB . 121 Faça as modificações que achar necessário na figura para resolver o problema. Justifique suas conclusões utilizando seus conhecimentos e as informações adicionais no início da atividade. Crie uma caixa de ferramentas para esse problema. Figura 1 Caixa de ferramentas: Demonstração do problema: A última tarefa da atividade 5 trabalha com todos os itens destacados nas atividades anteriores: o estatuto do teorema e das figuras geométrica, os diferentes registros de representação, a congruência semântica entre as representações utilizadas, a caixa de ferramentas como auxílio nas justificações dos passos adotados na obtenção de uma demonstração, a apreensão operatória e as “reconfigurações intermediárias” na figura. Todos eles com o objetivo de facilitar a redação de uma demonstração. 122 3) Faça a demonstração do enunciado abaixo de acordo com o que se pede: ↔ ↔ Enunciado: Sabendo que as retas BC e BD estão em um plano α, que o ↔ ↔ ↔ plano β⊥ BD em B, o plano γ⊥ BC em B e que α e β se interceptam em AB , ↔ demonstre que AB ⊥α. a) Preencha o quadro: linguagem natural linguagem algébrica Hipóteses Tese b) Faça uma figura para o enunciado e os ajustes necessários para obter a demonstração do teorema: c) Crie uma caixa de ferramentas para esse problema: Caixa de ferramentas: 123 d) Demonstre algebricamente o enunciado: e) Escreva na linguagem natural a demonstração feita no item anterior. ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... ............................................................................................................................... 124 6 ANALISANDO OS RESULTADOS Nossa seqüência didática teve como objetivo principal apresentar aos alunos “processos histórico-didático-metodológicos de demonstrações” no ensino de Geometria Euclidiana, de forma que a mesma auxiliasse no desenvolvimento de habilidades geométricas e no desenvolvimento do raciocínio lógico dedutivo. Para alcançarmos os objetivos delimitados, trabalhamos com o papel heurístico da figura e suas apreensões (Duval, 1995), o estatuto do teorema e com os registros de representação natural, algébrico e figural, apresentando a demonstração matemática mais como uma hierarquização de tarefas do que de conteúdos. Analisaremos nossa seqüência focando cada uma das atividades desenvolvidas e, posteriormente, faremos uma análise mais geral das observações feitas. Finalmente, retomaremos nossas hipóteses de pesquisa procurando, a partir da análise elaborada, validá-las ou não. Em nossos resultados, consideraremos também as observações e os diálogos feitos pela pesquisadora com os alunos que participaram do processo, uma vez que os comentários e os comportamentos em sala de aula se mostraram fontes ricas de dados. Não faremos nesta análise um escore de quantidade de acertos e erros, apenas consideraremos qualitativamente os pontos que julgamos ser importantes para uma compreensão dos resultados obtidos com a aplicação da seqüência didática. 6.1 Análise individual das atividades da seqüência didática • Análise da atividade I A primeira atividade de nossa seqüência apresentou aos alunos algumas ferramentas necessárias para se fazer uma demonstração e como 125 associar/relacionar as mesmas na resolução de problemas geométricos. Como os alunos já haviam passado pela disciplina de geometria plana e estavam cursando a disciplina de geometria espacial (c.f cap. 4), os mesmos não apresentaram muitas dificuldades para resolver os problemas propostos. Uma das questões (situação1-1) que geraram dúvidas e que poucos alunos erraram estava relacionada ao conceito de pontos, retas, planos e suas associações. Supomos que o erro esteja relacionado a um obstáculo epistemológico na conceituação do infinito e na sua representação figural. A atividade em questão pedia para que os alunos indicassem, utilizando uma figura, quantos pontos havia entre dois pontos dados em uma reta. Como na figura nenhum ponto estava destacado, alguns afirmaram que não havia ponto algum. Na mesma questão outro erro ocorreu quando perguntamos quantos pontos havia fora da reta e os alunos responderam de acordo com a quantidade de pontos que estavam feitos e nomeados na figura, não estendendo, assim, a representação com o conceito de infinito. Especulamos também que os erros cometidos estejam relacionados com a proposta da pergunta anterior, em que se pede para quantificar os pontos “nomeados” sobre a reta da figura. A palavra “nomeados” pode ter sido outro obstáculo lingüístico (c.f Cap. 5) na resolução da atividade, pois os alunos podem ter associado à palavra a todas as perguntas, mesmo que ela não aparecesse. Apresentamos, na atividade I de nossa seqüência, postulados e definições necessários para a resolução de alguns problemas, tentando, com isso, evidenciar a lógica existente em um sistema formal. Porém, o fizemos de tal forma que a solução das atividades (situação 2 – 4, 6, 7) dependia desses postulados/definições, mas os mesmos foram expostos após as tarefas em que eles eram solicitados. Nossa intenção era a de que os alunos inferissem um possível resultado e percebessem a necessidade de um postulado para justificar suas respostas. Para facilitar a percepção, pedimos que a figura do problema fosse esboçada, 126 trabalhando, assim, com dois registros de representação distintos (discursivo e figural) e a relação semântica entre os mesmos. Todos os alunos, sem exceção, perceberam de prontidão a falta de “algo” que justificasse as respostas determinadas e foram capazes de representar geometricamente a situação. Acreditamos, como Duval, que essa percepção realmente tenha sido facilitada com a figura geométrica do problema, uma vez que a visualização e a construção são processos cognitivos fundamentais para a aprendizagem e a compreensão de conceitos geométricos e determinantes na distinção entre o raciocínio argumentativo e o raciocínio dedutivo, este último relacionado à demonstração matemática. Na situação 3, trabalhamos com o estatuto do teorema e os diferentes registros que podemos utilizar para representá-lo. Novamente, optamos por focar em mais de um registro de representação para que os alunos começassem a criar o hábito de associar a cada um deles o mesmo “objeto matemático”. “A compreensão de um conceito se dá na mobilização de pelo menos dois registros de representação semiótica distintos”. As tarefas solicitavam que os alunos determinassem as hipóteses e tese de teoremas dados e os representassem na linguagem natural, figural e algébrica. A fim de orientar na determinação do estatuto do teorema, apresentamos sua forma condicional para que as hipóteses e tese ficassem explícitas no enunciado. Alguns alunos apresentaram dificuldades em transcrever os teoremas da atividade na sua forma condicional, porém, percebemos que ela estava mais relacionada a um problema gramatical (conjugação verbal) do que um problema matemático. Isso porque todos os alunos conseguiram determinar corretamente as hipóteses e a tese do teorema, com exceção do teorema 2: Duas retas paralelas a uma terceira, são paralelas entre si. Neste teorema, acreditamos que a representação figural pode ter sido um obstáculo na obtenção da hipótese, pois a apreensão perceptiva parece 127 não ter sido associada à apreensão discursiva (dados do teorema). A Figura 7 retrata o esboço mais realizado pelos alunos: Figura 7: Esboço comum entre os alunos que fizeram a Seqüência didática Apenas um dos alunos conseguiu determinar corretamente as hipóteses e a tese do teorema, em todas as linguagens solicitadas. Os outros alunos determinaram que a hipótese do teorema era a de que as retas r, s e t fossem paralelas, sendo a tese a mesma relação. Neste caso, pensamos como Duval, quando afirma que muitos dos problemas na compreensão de conceitos geométricos estão associados à forma de apreender e registrar as figuras geométricas, não estabelecendo uma relação entre os dados do problema e sua representação figural, utilizando-a apenas como referência para a conclusão. Conclusão: No geral, cremos que os objetivos delimitados para a atividade 1 de nossa seqüência foram alcançados, pois os alunos conseguiram relacionar os postulados/definições apresentados com a solução dos problemas propostos e perceber a necessidade dos mesmos na obtenção de justificativas para suas respostas, explicitando, assim, a lógica do sistema formal. A mobilização entre os registros de representação utilizados contribuiu para compreensão dos conceitos geométricos envolvidos nos problemas trabalhados, uma vez que, por meio das representações feitas, os alunos conseguiram estabelecer as relações necessárias para resolver os problemas e determinar o estatuto do teorema. • Análise da Atividade II A fim de reforçarmos as relações semânticas entre os registros de representação e as atribuições dadas às figuras geométricas a partir de definições e teoremas, na segunda atividade focamos a congruência e a não128 congruência entre as representações. Novamente, pedimos que as hipóteses e a tese de teoremas fossem destacadas na linguagem algébrica, tendo como referência a linguagem natural e figural. Trabalhamos com definições e teoremas que poderiam ter mais de uma representação figural, estabelecendo, assim, a necessidade dos alunos em relacionarem a apreensão discursiva com a perceptiva, de tal forma que a solução do problema fosse única. Ressaltamos também, com essa atividade, o reconhecimento do estatuto da figura geométrica. Na primeira tarefa da situação 1 da atividade II, os alunos deveriam relacionar, a cada definição dada, uma figura mais apropriada aos dados do enunciado. Todos os alunos fizeram corretamente as associações. Trabalhamos insistentemente com a figura, pois, segundo Duval, a teorização das figuras geométricas constitui um dos princípios de acesso à demonstração. Os PCN também ressaltam a importância da visualização (concretização), afirmando que é através dela que o pensamento geométrico inicialmente se desenvolve (c.f Cap. 2). Com essa tarefa, as relações entre as apreensões perceptiva e discursiva não se mostraram um obstáculo na obtenção da solução do problema proposto, mesmo que a congruência entre o enunciado e a figura não se mostrasse tão explicitamente. A conversão entre os registros, tarefa nem sempre trivial, foi estabelecida corretamente pelos alunos apesar da congruência dos mesmos não ter sido tão evidente. No segundo problema, apresentamos alguns teoremas de forma que estes fossem associados à sua representação figural e que se destacassem as hipóteses e a tese dos mesmos na linguagem algébrica. Orientando nosso trabalho para o estabelecimento semântico entre as representações, expomos figuras que poderiam representar mais de um teorema. Sendo assim, os alunos deveriam novamente fazer a associação mais apropriada, recorrendo, dessa forma, a um “discurso mais teórico”, atribuído às propriedades do enunciado. 129 Esta atividade gerou dúvidas quanto à determinação do estatuto do teorema, pois os alunos não sabiam se deveriam determiná-lo pela figura ou pelo enunciado, que se contrapunham na mesma linha do quadro apresentado na tarefa. Neste momento, a leitura da atividade com os alunos pela pesquisadora foi importante para estabelecer como deveria ser feita a atividade e reforçar que a figura geométrica pode ocultar dados do enunciado. Logo, utilizá-la como referência pode ser um problema na enunciação das hipóteses e tese do teorema. Mesmo com a intervenção da pesquisadora, ressaltando a “limitação” das figuras geométricas para a determinação do estatuto de um teorema, verificamos que os alunos se orientavam pela figura para estabelecer a solução do problema. Este abandono ao enunciado acarretou em erros, pois a representação figural, assim como afirma Duval, está subordinada e condicionada às hipóteses de um enunciado. A maior parte dos erros cometidos estava na ocultação de informações associadas às hipóteses do teorema. Também houve erros em que nenhuma congruência entre o enunciado e as hipóteses do mesmo foi estabelecida. Esse fato, de acordo com Duval, ocorre “porque a figura desvia de algum modo, um fragmento do discurso teórico” (c.f p. 26) e uma figura geométrica pode representar mais de um enunciado, se a coordenação dos registros de representação utilizados não ocorrer simultaneamente. Pensamos que, ao apresentarmos os teoremas em sua forma condicional, facilitaríamos a determinação das hipóteses e tese e que os alunos espontaneamente conseguiriam determiná-los. Como isso não ocorreu, acreditamos que, se pedíssemos na atividade a redação na linguagem natural do estatuto do teorema, a associação (congruência) entre os registros utilizados poderia ser mais bem percebida pelos alunos. Na situação 2, queríamos reforçar as atribuições da figura associada aos enunciados e evidenciar que a mesma representação figural pode ser relacionada com outros teoremas. Dados alguns teoremas, pedimos que os 130 alunos destacassem as hipóteses e a tese na linguagem algébrica e fizessem a representação figural da situação. Durante a realização da tarefa, percebemos que os alunos começaram fazendo a figura do problema para, depois, destacar as hipóteses e a tese. As figuras foram condizentes com o enunciado, porém, sentimos falta de uma melhor percepção espacial, uma vez que os teoremas trabalhados extrapolavam o plano. Novamente, erros ocorreram na determinação das hipóteses e da tese e concluímos que os mesmos estavam relacionados com os motivos expostos na situação anterior. Utilizando essa premissa, moldamos as atividades que se seguiram, recorrendo à linguagem natural como fundamental na compreensão dos conceitos envolvidos na engenharia das demonstrações. Conclusão: Um dos objetivos da atividade, centrado em destacar a congruência e não-congruência entre registros distintos de representação, foi parcialmente alcançado, pois os alunos não cometeram erros ao associar os enunciados (linguagem natural) à sua representação figural. Porém, não foram capazes de relacionar as associações feitas com a determinação das hipóteses e tese na linguagem algébrica. Com isso, acreditamos que o estatuto da figura geométrica, subordinado às hipóteses, não foi totalmente compreendido e que uma “inversão” dos papéis tenha comprometido o desenvolvimento da atividade, mesmo com a explicação feita pela pesquisadora. A representação na linguagem natural dos elementos de um teorema se mostrou fundamental para o estabelecimento da congruência semântica entre os registros de representação utilizados. • Atividade III Em nossa terceira atividade, trabalhamos o recíproco de um teorema, sua redação e ferramentas que justificariam se o mesmo era verdadeiro ou falso. Com essa atividade, reforçaríamos o estatuto do teorema, das figuras 131 geométricas e a mobilização entre registros distintos para o entendimento dos conceitos geométricos envolvidos nas tarefas propostas. Na primeira situação, pedimos que os alunos, a partir de um teorema dado, redigissem, na linguagem natural, o seu recíproco e a expressão unificada entre teorema/recíproco. Ainda, solicitamos que os alunos destacassem os elementos do teorema e do recíproco na linguagem algébrica e que representassem graficamente a situação. Um exemplo dos passos foi exposto nessa tarefa para auxiliar na realização da atividade. Percebemos, novamente, uma dificuldade dos alunos em redigirem em linguagem natural o recíproco e a expressão unificada. Apesar de identificarem corretamente o recíproco do teorema 1 (observação feita pela pesquisadora durante a aplicação da seqüência), a redação, tanto do recíproco quanto da expressão unificada, era incoerente gramaticalmente. Algumas respostas dos alunos confirmam a afirmação feita: • Recíproco “Se dois planos são paralelos, então um deles contém retas concorrentes que ambas são paralelas ao outro.” “Se dois planos são paralelos, então existirão duas retas em um plano e paralelas ao outro.” “Se dois planos são paralelos então existe duas retas concorrentes em um deles e que é paralelo ao outro.” • Expressão unificada “Dois planos são paralelos se e somente se, duas retas concorrentes de um dos planos for paralela ao outro plano.” “Se dois planos são paralelos se e somente se duas concorrentes em um dos planos e as retas serão paralelas ao outro plano.” Especulamos que essa incoerência pode ter acarretado nos erros cometidos na obtenção das hipóteses e da tese do recíproco, uma vez que, ao 132 tentar estabelecer uma correspondência com os dados definidos na redação do recíproco, o aluno ocultou ou usou informações errôneas acerca do enunciado. Chamou a atenção o fato de todos os alunos escolherem a forma condicional para escrever o recíproco. Acreditamos que os mesmos tenham percebido nesta um facilitador para obter os elementos de um teorema. A figura geométrica da situação foi corretamente esboçada por todos os alunos, porém, os que erraram as hipóteses e a tese, caso fizessem a associação dos registros, deveriam perceber o erro. Essa visão fragmentada mostra que a produção e a apreensão de uma representação (semióse) ocorrem, mas isso não significa que apreensão conceitual (noésis) tenha acontecido. Como Duval, apoiamos nossas idéias na mobilização de vários registros, para que o aluno crie o hábito de relacioná-los e reconhecer em cada um deles o “objeto matemático” trabalhado. Na mesma atividade, os alunos apresentaram dificuldades semelhantes no desenvolvimento com o teorema 2 e, novamente, erraram na obtenção das hipóteses e tese do teorema, porém, o número de erros foi consideravelmente menor. Como vínhamos trabalhando a conversão entre os registros de representação, assumindo que esta “só será compreendida, se os sistemas semióticos forem vistos em sua relação entre conhecimento/representação (c.f p. 30 ), e que “mudar de um registro para outro não significa apenas mudar o tratamento de um objeto, significa também explicar suas propriedades ou seus distintos aspectos.”(c.f p. 30 ), acreditamos que a relação semântica entre os mesmos começou a ser vista pelos alunos como uma necessidade lógica. Ressaltamos que alguns conceitos tiveram que ser retomados pela pesquisadora, pois nem todos os alunos tinham compreensão dos mesmos, impossibilitando a execução da tarefa. Na situação 2 da atividade em questão, abordamos a veracidade/falsidade do recíproco, apresentando ferramentas de justificação. Em uma primeira atividade, exibimos alguns enunciados e solicitamos que seu 133 recíproco fosse determinado, de forma que os alunos apontassem se o mesmo era falso ou verdadeiro e justificassem a opção. Para justificar, algumas definições deveriam ser utilizadas como contraexemplos acompanhados de sua respectiva figura. Diferente da atividade anterior, na qual todos os recíprocos eram verdadeiros (mesmo que não tenhamos trabalhado essa relação explicitamente), os enunciados apresentados na atividade 1 tinham como recíproco uma afirmação falsa. Mais do que trabalhar o recíproco, esta atividade contribuiu para reforçar alguns conceitos geométricos e suas atribuições. Poucos alunos erraram a questão 1 e acreditamos que os erros ocorridos estejam condicionados a três fatores. O primeiro, associado à conversão das definições dadas em recíprocos das mesmas. Segue a solução dada por um dos alunos que não acertou uma das tarefas, referente ao enunciado 3: Enunciado 3: Se duas retas são perpendiculares, então elas formam um ângulo reto. Recíproco: Duas retas que formam ângulo reto são perpendiculares (verdadeiro) Justificativa: Retas perpendiculares são concorrentes e formam ângulo reto. Figura: Figura 8: Representação figural dada pelo aluno 134 Acreditamos que, ao justificar, o aluno tenha “lido” a definição apresentada como justificativa da tese para hipótese, ou seja, determinado seu recíproco. Dessa forma, ele assumiu que se duas retas formam ângulo reto, então estas, são perpendiculares. O segundo fator relaciona-se com o próprio enunciado do problema, pois pedimos que as definições fossem utilizadas para contradizer o recíproco e não confirmá-lo. Logo, acreditamos que os alunos que erraram não souberam interpretar a questão. O terceiro e último, o mais preocupante, é ligado à não compreensão dos conceitos necessários para a solução do problema. Como afirma Pavanello, o abandono do ensino de Geometria na educação básica ou a precária aprendizagem da mesma nos cursos de formação de professores se mostram como obstáculos na aquisição dos conceitos geométricos que, normalmente, são apreendidos por memorização e repetição de processos, destituídos de qualquer sentido para os alunos. Apesar de alguns erros, todos os alunos conseguiram escrever corretamente o recíproco e os que acertaram a justificativa de sua falsidade conseguiram esboçar corretamente a figura como contra-exemplo. Ressaltamos que a pesquisadora orientou os alunos no traçado de retas reversas, mostrando aos alunos as interseções das paredes da sala de aula como exemplo. Na última tarefa da atividade III ressaltamos a importância da figura como suporte de verificação/refutação de propriedades e relações de um enunciado. Apresentamos três enunciados com seus respectivos recíprocos e pedimos que os alunos justificassem a falsidade dos recíprocos, utilizando as figuras que estavam esboçadas na atividade. Para o terceiro enunciado, todos os alunos fizeram corretamente a associação com a figura que contradizia o recíproco. Porém, no primeiro e segundo enunciados, a turma ficou dividida nas soluções apresentadas. 135 Supomos que os alunos que erraram utilizaram o enunciado e não seu recíproco para associar com a figura mais adequada. Novamente, uma não compreensão dos conceitos envolvidos no enunciado pode ter acarretado nos erros cometidos. E, se não há reconhecimento do objeto matemático tratado no problema, não é possível que os alunos estabeleçam relações entre os registros de representação abordados. Conclusão: Delimitamos, para essa atividade, a apresentação do recíproco de um teorema e como determiná-lo, além de ressaltarmos que nem sempre os mesmos são verdadeiros. Acreditamos que não alcançamos efetivamente nossos objetivos, por termos esbarrado em obstáculos de natureza lingüísticas e didáticas. Mesmo que os alunos argumentassem com coerência sobre o recíproco, a teorização do mesmo foi comprometida. A conversão entre os registros de representação, mesmo que estabelecida corretamente na maioria dos casos, ainda não nos convenceu de que os alunos estejam mobilizando/coordenando os mesmos espontaneamente. • Atividade IV Efetivamente, começamos a trabalhar com as demonstrações nesta atividade. Nas que a precederam, tentamos enfatizar alguns dos elementos importantes do sistema formal, a operacionalização lógica do mesmo, a coordenação de diferentes registros de representação e suas relações semânticas, o estatuto do teorema e das figuras geométricas e algumas ferramentas que julgamos indispensáveis na obtenção de uma demonstração. Em uma primeira situação, apresentamos esquemas de demonstração nas linguagens figural, algébrica e natural. Porém, estes esquemas estavam incompletos para que os alunos obtivessem parcialmente a prova de alguns teoremas. Reforçamos, com esta atividade, a necessidade de justificar cada escolha feita na redação da demonstração, recorrendo, para isso, à caixa de ferramentas apresentada e as hipóteses do enunciado. 136 Nos três teoremas dados na atividade, os alunos conseguiram estabelecer corretamente as hipóteses e a tese por meio dos enunciados na linguagem natural. Na linguagem algébrica, houve “encobrimento” de dados para os três teoremas. Acreditamos que esta falha tenha ocorrido pelo fato de os alunos não conhecerem simbologia matemática suficiente para transpor os dados, apesar de apresentarmos na atividade uma quantidade de símbolos para auxiliar este trabalho. Cremos que não foi a falta de relação entre os registros que acarretou no erro, pois os alunos mostraram compreender o estatuto do teorema nas atividades que haviam sido desenvolvidas. Logo, representá-lo não seria um problema, a não ser que o conhecimento de um determinado tipo de registro fosse desconhecido ou insuficiente. Para os teoremas 1 e 2, apresentamos um esquema figural de demonstração, no qual reconfigurações da figura inicial havia sido feito. Para cada nova figura esboçada, pedimos que os alunos justificassem as modificações feitas, utilizando, para isso, ferramentas que lhes foram exibidas. Todos os alunos justificaram corretamente as alterações expostas, revelando assim que a apreensão operatória, relacionada às modificações que uma figura pode sofrer, foi percebida e reorganizada “perceptivamente” e “discursivamente” com o auxílio da caixa de ferramentas. Esta atividade também serviu para reforçar com os alunos que as figuras geométricas são construídas a partir de conceitos e fundamentos sólidos, que não surgem do nada. Sendo assim, o que se vê em uma figura não é suficiente para provar um teorema; é necessário que se exponham os passos dados para a “sistematização” da prova. A figura auxilia, mas não contempla. Estabelecidas as justificativas das modificações da figura, pedimos que os alunos completassem um esquema de demonstração na linguagem natural, sem deixar de justificar cada afirmação. Não houve erros nessa tarefa. Observamos que os alunos voltaram à figura para completar o esquema, estabelecendo relações entre os registros, associando, logicamente, cada passo determinado. O mesmo ocorreu quando solicitamos que um esquema 137 algébrico de demonstração fosse completado com informações para obtermos a prova do teorema, de forma que todas as escolhas feitas fossem justificadas. Acreditamos, como Duval, que a mobilização de registros de representação são fundamentais para a compreensão de conceitos matemáticos e a articulação dos mesmos em atividades que promovam o desenvolvimento de raciocínio lógico. Logo, os alunos mostraram entender melhor os passos de uma demonstração e sua importância na teorização da Geometria, relacionando e coordenando com mais consciência os registros de representação. As demonstrações utilizadas no teorema 1 e 2 foram “diretas”. Um texto explicativo sobre tipos de demonstração foi exposto. Os alunos parecem ter compreendido o que é fazer uma demonstração direta, pois todos confirmaram este fato nos teoremas citados. Para o terceiro teorema da atividade, apresentamos um esquema de demonstração (indireta/absurdo) em duas colunas, de tal forma que, em uma delas, apresentamos os passos (construção) para a demonstração e, na outra, as justificativas para cada passo estipulado. Reforçamos, novamente, com essa tarefa, a necessidade de justificar logicamente cada decisão tomada na aquisição de uma prova, recorrendo, assim, às ferramentas dadas. A resolução dessa tarefa foi a que provocou mais discussão entre os alunos na hora de completar os espaços em branco e justificar as opções definidas. Não explicitamos se tratar de uma demonstração indireta; logo, supomos que este fato possa ter contribuído para as dúvidas que surgiram. Gostaríamos de frisar que não definimos as demonstrações “indiretas” como demonstrações por “absurdo”, mesmo que exista uma correlação entre as mesmas. Utilizamos a definição dada por Polya (1995) para cada uma delas, a saber: Indireta: Estabelece a verdade de uma afirmativa por revelar a falsidade da suposição oposta; Absurdo: Mostra a falsidade de uma suposição derivando dela um absurdo flagrante (p.52). 138 As dificuldades apresentadas pelos alunos, de acordo com Polya, têm raízes mais profundas, uma vez que, na história da matemática, alguns filósofos já mostravam objeções a esses tipos de demonstração, não nos surpreendendo a aversão dos alunos em utilizá-las. Atingir uma demonstração, utilizando a forma indireta (a que focamos em nosso trabalho), requer um grande esforço intelectual para conquistá-la e para compreendê-la perfeitamente. Sendo assim, é natural que, como fruto de tanto esforço, desejemos que o “conhecimento” alcançado seja inserido em nosso “HD” intelectual, porém o que se alcança com a demonstração indireta deve ser descartado, “deletado”, pois se trata de uma conjectura que se mostrou falsa. Ao fazermos a demonstração indireta, somos obrigados a concentrar profundamente nossa atenção em uma suposição falsa que posteriormente deveremos esquecer, e não no teorema que deverá ser apreendido (Polya, 1995). Logo, acreditamos que os alunos se perderam durante o processo, justamente por não se concentrarem na afirmativa falsa, contrapondo conhecimentos verdadeiros e absurdos. Intuitivamente, como trabalharam apenas a demonstração direta nos problemas anteriores, os mesmos podem ter associado à demonstração apresentada no teorema 3 com as outras, acreditando que algum erro havia sido cometido na demonstração por focarem seus passos nos dados do teorema. Um exemplo da solução apresentada por um aluno e que corrobora o que foi dito encontra-se no Quadro 1. 139 Demonstração Afirmativas/construções Justificativas Suponha que a interseção entre as retas Como ainda não sei quantos pontos tem a sejam os pontos distintos P e Q. interseção das retas, posso supor a quantidade que quiser. Temos que P e Q pertencem à reta r e à reta Como P e Q estão na mesma reta de r e s, s então pertencem às duas retas P e Q determinam uma única reta. Logo, P e Q são um único ponto As retas r e s são coincidentes. Absurdo, pois, por hipótese, temos que r e s são retas concorrentes Logo, a interseção de r e s só pode ser um único ponto. Quadro 1: Solução apresentada por um dos alunos para a demonstração do teorema 3 As palavras grifadas e em negrito correspondem à resposta dada pelo aluno. Notamos, com essa resposta, que a suposição feita na primeira coluna, acerca da interseção das retas, em momento algum foi considerada, uma vez que o aluno usa o fato de os pontos P e Q serem iguais na demonstração feita. Parece que o mesmo se apoiou nos dados do teorema para completar o esquema apresentado, nem percebendo a incoerência das justificativas para as construções explicitadas. O abandono total da afirmativa falsa ocorreu. Pensamentos do tipo “Como queremos provar a veracidade de algo, é necessário utilizarmos de afirmações verdadeiras” podem ter sido determinantes na forma como o aluno apresentou sua solução. Destacamos que grande parte dos alunos apresentou problemas similares e, quando pedimos que redigissem na linguagem natural a demonstração feita, os que erraram o preenchimento do esquema de duas colunas, apresentaram textos totalmente desconectados com o quadro e não concluíram o que o teorema exigia, ou seja, que a interseção de duas retas distintas era um único ponto. Algumas respostas: 140 Redação da demonstração na linguagem natural pelos alunos “Existem duas retas concorrentes; os pontos P e Q pertencem às retas, logo P e Q são um único ponto.” “A interseção entre duas retas é um ponto P e Q, que determinam uma única reta, então as retas são coincidentes.” “Existem P e Q pertencentes a r e s, onde P e Q determinam uma única reta, logo r e s são coincidentes”. Não acreditamos, neste caso, que o estatuto do teorema não tenha sido compreendido, pois, mesmo que a demonstração estivesse errada, os alunos acertaram as hipóteses e tese. Observamos a inquietação dos alunos, quando não conseguiram associar a redação apresentada aos dados do teorema. Conseqüentemente, os mesmos alunos também erraram a demonstração no esquema algébrico, não percebendo que o absurdo gerado era que as retas r e s eram coincidentes, uma vez que, por hipótese, elas eram distintas. Eles concluíram que o absurdo era que o ponto P era igual ao ponto Q, mesmo afirmando, no esquema do quadro, que os mesmos eram iguais. Acreditamos que esses alunos responderam que a demonstração era indireta, utilizando a palavra “absurdo” como evidência, uma vez que, ao definirmos a demonstração indireta na atividade, destacamos esta palavra. Realmente acreditamos que eles não tenham compreendido o porquê daquela demonstração apresentada ser do tipo “indireta” e não conseguiram justificar se a figura dos passos poderia ser ou não feita. Grande parte deles deixou em branco esta pergunta. Devemos salientar que houve acertos para essa tarefa, mesmo que em baixa proporção. Poucos alunos conseguiram completar corretamente todos os itens da tarefa, estabelecendo uma rede semântica e lógica entre todos os esquemas de demonstrações utilizados. 141 Para a situação dois, apresentamos (letra a) passos da construção de uma demonstração fora de ordem, para que os alunos os organizassem logicamente, sem deixar de justificar cada construção/afirmação feita. Intencionalmente, não pedimos que as hipóteses e a tese do teorema fossem destacados, para analisarmos se a falta dos mesmos acarretaria em alguma dificuldade na organização seqüencial da demonstração. Além disso, nenhuma figura geométrica foi esboçada para que os alunos se orientassem. Notamos que a falta dessas “ferramentas” constituiu um problema na solução da tarefa. Acreditamos que, como não ocorreu uma mobilização entre mais de um registro de representação, os alunos sentiram dificuldade em “abstrair” mentalmente as afirmações feitas e não sabiam exatamente o que queriam demonstrar, pois não se destacou explicitamente a conclusão do enunciado. Acreditamos que a frase “por hipótese” ajudaria os alunos a iniciarem corretamente a ordem seqüencial da demonstração, uma vez que o estatuto do teorema havia sido intensamente trabalho. Contudo, alguns alunos (poucos) iniciaram a numeração dos passos erradamente. A maioria dos alunos numerou os dois primeiros passos corretamente, porém, perderam-se nas outras informações. Supomos que o número de atividades nas quais a mobilização e a coordenação de diferentes registros de representação ocorreram não foi suficiente para que os alunos desenvolvessem uma habilidade mental mais apurada, sem que a necessidade de verificação experimental tivesse que ser realizada. Como ressalta Duval, é preciso um trabalho intenso com vários registros de representação, pois esta articulação entre os registros é fundamental para o desenvolvimento do raciocínio e de funções cognitivas do pensamento humano. Notamos que os alunos que acertaram a ordem seqüencial dos passos da demonstração apresentada recorreram a figuras e às hipóteses do teorema, uma vez que estas “ferramentas” estavam explicitadas no corpo da atividade, 142 mesmo que não tenhamos solicitado tais “informações” até aquele momento. Sendo assim, acreditamos que eles tenham percebido a importância dessas ferramentas para a obtenção de uma demonstração, relacionando semanticamente às representações distintas da mesma, apreendendo operatoriamente a representação geométrica, usando, para isso, os dados estabelecidos pelas hipóteses do enunciado. Outros alunos que acertaram a questão, o fizeram sem recorrer visualmente a ferramentas. Dessa forma, especulamos que os mesmos tenham alcançado um nível de abstração superior à dos demais alunos. O desenvolvimento da seqüência didática pode não ter sido o único fator determinante no que tange às habilidades de abstração alcançadas, porém, acreditamos que tenha contribuído consideravelmente neste aspecto. Posteriormente a essa tarefa (letra b), pedimos que os alunos determinassem os elementos do teorema em linguagem natural e algébrica e fizessem o esboço da figura para cada passo estabelecido na tarefa anterior. Surpreendeu-nos o fato de alunos utilizarem os dados explicitados nos passos na questão anterior para determinar as hipóteses e a tese do enunciado, uma vez que escreveram identicamente as informações contidas na mesma. Inclusive, os alunos que erraram a ordem dos passos naquela questão, determinaram as hipóteses corretamente utilizando os dados explicitados, sem perceberem os erros cometidos na numeração apresentada. O estatuto do teorema parece não ter chamado a atenção dos alunos para esse fato. Supomos que não seja uma incompreensão deste estatuto o motivo para a falta de associação passos/hipóteses/incoerência, pois, nas atividades anteriores, nas quais reforçamos o estatuto, os alunos mostraram compreender a importância dos elementos de um enunciado e as hipóteses como referência inicial para começarmos uma demonstração. Assim como apontado por Pavanello, Duval e Gouvêa, entre outros citados em nosso referencial, acreditamos que obstáculos epistemológicos, 143 didáticos e lingüísticos contribuíram para os erros e as faltas de associações entre as duas questões apresentadas. Na mesma questão (letra c), pedimos que os alunos utilizassem a numeração feita na letra a para esboçar a figura geométrica de cada um dos passos estipulados. Os alunos que não acertaram a ordem lógica dos passos para obter a demonstração do teorema começaram a esboçar as figuras, porém, nenhum deles ultrapassou o quarto passo, não determinando, assim, todos os esboços solicitados. Acreditamos que, ao traçar as representações gráficas de acordo com a numeração feita, os alunos perceberam a incoerência e a falta de padrão lógico nos esboços das figuras. Outros alunos nem iniciaram essa tarefa, não conseguindo associar aos passos da demonstração apresentada com suas respectivas figuras. Pensamos que por se tratar de figuras nas quais uma boa noção espacial fosse requerida, alguns alunos, por limitações de habilidades de desenho geométrico, não conseguiram executar a tarefa. Esse fato já vem sendo discutido por Pavanello que, além de questionar a precariedade do ensino de geometria nos vários níveis da educação, também ressalta o abandono de aulas de desenho geométrico, comprometendo, assim, o desenvolvimento de aptidões no traçado de enunciados por meio de suas características e propriedades. Realmente percebemos a falta de noção espacial em algumas figuras, um obstáculo epistemológico que, segundo Duval, só será minimizado com a coordenação dos vários registros de representação de uma determinada situação, mas que não deve ser apresentada “acabada” para o aluno. É necessário que ele mesmo visualize, construa para com isso, desenvolver, por meio desses mecanismos, o raciocínio exigido para se fazer uma demonstração. Mesmos os alunos que acertaram as letras a e b da atividade apresentaram dificuldades em esboçar as figuras. As reconfigurações intermediárias ocorreram de forma fragmentada, pois, para cada figura apresentada, os alunos ocultavam informações das figuras anteriores. Essa 144 fragmentação nos passos já havia sido percebida na execução de outras tarefas. Devemos salientar que houve alunos que fizeram corretamente os esboços, justificando coerentemente cada passagem, sem deixar de associar as figuras esboçadas as suas antecedentes. A apreensão perceptiva, discursiva e operatória ocorreu sinergicamente na obtenção da solução da tarefa. Nas letras d e e, ainda na mesma questão, solicitamos que a demonstração do teorema fosse feita algebricamente e que sua redação na linguagem natural fosse apresentada. Os alunos que erraram os itens anteriores não solucionaram estas tarefas, deixando-as em branco. Especulamos que, por perceberem os erros cometidos inicialmente, logo desistiram de concluir a atividade, uma vez que eles não poderiam “voltar” para fazer acertos nas tarefas anteriores (c.f cap.5). Os alunos que acertaram as tarefas anteriores não apresentaram dificuldades em redigir naturalmente a demonstração, tanto que utilizaram a própria redação expressa na letra a. Algebricamente, novamente destacamos os erros de alunos em preencher o esquema de demonstração, estes mais relacionado à falta de conhecimento de simbologia matemática e operacionalização da mesma. Conclusão: Na atividade 4, tínhamos como foco principal trabalhar com esquemas distintos de demonstração, de forma que os alunos associassem à congruência das mesmas, à complementaridade envolvida em cada uma delas e a importância de trabalhá-las conjuntamente. As ferramentas apresentadas para efetivar as demonstrações sugeridas foram uma forma de explicitar a utilização dos elementos de um sistema formal (postulados, definições, teoremas) na dinâmica dos processos envolvidos na engenharia de uma demonstração. Os resultados obtidos nos mostram que os alunos perceberam a lógica necessária nos passos de uma demonstração, a necessidade de justificar cada construção realizada e como é fundamental coordenar mais de 145 um registro de representação, de forma a perpassar por informações que, às vezes, estão implícitas em um registro, mais em outro se mostra claramente. • Atividade V Na quinta e última atividade, pretendíamos analisar como os alunos compreenderam as atividades anteriores e os conceitos trabalhados nas mesmas. Uma liberdade maior de escolha foi estabelecida nas tarefas estipuladas, de forma que os próprios alunos criassem seus esquemas de demonstração e uma caixa de ferramentas para justificar as opções determinadas. Buscamos contemplar, com esta atividade, as abordagens e as discussões até então realizadas. Inicialmente, apresentamos um quadro contendo alguns postulados e teoremas para auxiliar a construção de caixa de ferramentas e ressaltar a importância destes na consistência lógica do sistema formal. Em uma primeira tarefa, apresentamos um teorema com passos que caracterizariam a demonstração do mesmo. Pedimos que os alunos associassem a cada passo apresentado uma figura que melhor contemplasse as informações determinadas por estes. É importante ressaltar que muitos dos esboços apresentados poderiam representar mais de um passo, caso o aluno não associasse a apreensão discursiva e perceptiva em uma relação muito próxima de congruência. As reconfigurações intermediárias também deveriam ser vistas na sua totalidade para que cada apreensão operatória não se fragmentasse ao longo da demonstração, chegando a um esboço final que vislumbrasse a tese do teorema. Todos os alunos associaram corretamente os passos às figuras esboçadas, correlacionando as propriedades de cada informação nos dois registros apresentados (natural e figural). A compreensão de um “objeto” tratado em determinados problemas, segundo Duval, só é estabelecida quando um sujeito é capaz de representá-lo em mais de um registro, pois, dessa forma, ele tem que “explicar” os conceitos envolvidos quando faz a transposição de 146 uma representação para outra. Logo, acreditamos que os alunos tenham apreendido os conceitos trabalhados nesta tarefa. Notamos que quando apresentamos a figura pronta, os alunos mostram uma dificuldade menor em fazer associações entre registros e reconfigurações. Concluímos, assim, que se eles não apresentassem dificuldades em esboçar figuras espaciais (problema citado nas atividades III e IV), a percepção de passos a serem tomados em uma demonstração seria minimizada. Em seguida, solicitamos que os alunos apresentassem as hipóteses e a tese do teorema na linguagem natural e algébrica. Não houve erros nesta tarefa. Como a representação algébrica havia sido reforçada em todas as atividades, percebemos que os alunos operacionalizaram melhor os dados. Vale ressaltar que os símbolos utilizados nesta tarefa são mais comumente trabalhados em Geometria. Após determinarem os elementos do teorema, os alunos deveriam criar uma caixa de ferramentas que justificasse os passos evidenciados na tarefa. Alguns teoremas apresentados poderiam justificar um único passo; isso pode ter sido conflitante para os alunos estabelecerem qual seria a melhor opção. Mesmo assim, os alunos conseguiram criar a caixa de ferramentas com as informações necessárias para justificar a demonstração realizada. Porém, nem todos escolheram os mesmos teoremas. Queríamos mostrar para os alunos que as demonstrações não precisam, necessariamente, conter as mesmas informações; somente é necessário que a lógica do processo seja evidenciada e que “ferramentas” legais sejam utilizadas no intuito de se chegar à tese. Para finalizarmos a tarefa em questão, pedimos que um esquema algébrico de demonstração fosse feito. Muitos alunos erraram. Como este esquema exigia uma complexidade maior de operacionalização simbólica, os alunos se perderam em alguns passos, ora ocultando informações, ora não conseguindo estabelecer uma relação coerente entre os dados e sua 147 representação algébrica. Acreditamos, como Pavanello, que um trabalho voltado apenas para a memorização desses símbolos, no ensino, tenha contribuído para as dificuldades que surgiram durante todas as atividades, pois, simplesmente o conhecimento da simbologia não significou que os alunos soubessem utilizá-los com significação. Na segunda questão da atividade V apresentamos um problema que poderia ser resolvido por congruência de triângulos. A fim de induzirmos para este fato, apresentamos uma figura na qual evidenciamos o traçado de dois triângulos. Achamos interessante que alguns alunos tenham “separado” a figura em duas partes, talvez para visualizarem melhor e direcionarem suas decisões na solução do problema. Segue um exemplo da figura feita por um dos alunos, que confirma a afirmação acima (Figura 9): Figura 9: Representação geométrica feito por um dos alunos para a questão 2 Esperávamos que os alunos fizessem reconfigurações na figura apresentada, utilizando as informações do problema. A maioria fez acréscimos na figura corretamente, justificando o porquê das modificações. Poucos alunos não fizeram nenhum ajuste na figura. Para demonstrar o problema proposto, também pedimos que os alunos criassem uma caixa de ferramentas para a situação. Apenas um aluno não tentou fazer a demonstração, logo, não criou nenhuma caixa de ferramentas. 148 Todos os demais alunos tentaram demonstrar e, nas caixas de ferramentas criadas, o postulado 3 aparecia em todas. Na realidade, a maioria dos alunos só citou este postulado na caixa apresentada. Acreditamos que o desenho tenha contribuído para a decisão de trabalhar com a congruência de triângulos e, por isso, a citação deste postulado tenha ocorrido, uma vez que ele era o único que evidenciava a relação entre triângulos. Não pedimos que a demonstração fosse feita em um esquema específico; deixamos a critério do aluno esta decisão. As demonstrações apresentadas, em geral, foram feitas simultaneamente em linguagem natural e algébrica. Creditamos este aspecto às dificuldades que os alunos têm em relacionar algebricamente dados. Entretanto, essa dificuldade não caracterizou o abandono total da representação algébrica nas demonstrações. Acreditamos que os alunos tenham percebido, neste tipo de esquema (algébrico), uma economia no tratamento de informações, aspecto este já citado por Duval. Nem todos os alunos acertaram integralmente a solução deste problema, mas uma melhor coordenação entre informações e registros de representação foi notada pela pesquisadora no desenvolvimento da atividade. Na terceira e última tarefa da V atividade, apresentamos um teorema, o qual deveria ser demonstrado em todos os registros de representação trabalhados ao longo da seqüência didática. O destaque dos elementos do teorema não foi fácil, principalmente a determinação das hipóteses, as quais continham uma grande informação de dados. Neste teorema, apresentamos uma redação mesclada de linguagem natural e algébrica, a fim de analisar se os alunos compreendiam os significados dos símbolos matemáticos explicitados. Isso porque a representação geométrica deveria ser feita imediatamente após trabalharem com o estatuto do teorema. Alunos que acertaram as hipóteses do teorema tentaram fazer a figura que retratava a situação, mas novamente esbarraram em dificuldades de 149 percepção espacial. Notamos que alguns alunos apresentaram melhoras no traçado do desenho. Esta melhora pode estar associada ao desenvolvimento de habilidades ou os alunos podem ter utilizado os esboços da primeira questão como referência. Salientamos que alguns alunos fizeram uma figura muito condizente com a situação do enunciado, associando as propriedades discursivas com as perceptivas. Porém, nem todos conseguiram demonstrar o teorema. Os alunos que não fizeram o desenho não esboçaram nenhuma tentativa para demonstrar em outros registros. Os que fizeram uma representação geométrica aproximada ao problema tentaram criar a caixa de ferramentas com as informações para justificar os possíveis passos da demonstração, porém, também não conseguiram demonstrar o teorema. Dos alunos que retrataram melhor a representação figural do teorema, apenas dois conseguiram criar uma caixa de ferramentas adequada para as demonstrações que eles apresentaram. Na linguagem algébrica, nenhuma das demonstrações estava completa, porém, na linguagem natural, os dois alunos citados conseguiram obter corretamente a demonstração, inclusive, justificando, com as “ferramentas”, a seqüência das construções realizadas na obtenção da demonstração. Conclusão: A quinta atividade buscava contemplar todas as outras, de forma que os alunos fossem capazes de criar suas ferramentas e redigir uma demonstração em diferentes esquemas. Acreditamos que as atividades ajudaram os alunos a criar estratégias na busca de uma demonstração, coordenando melhor as informações dos enunciados, por meio de registros distintos de representação. Apesar de alguns alunos não alcançarem os objetivos delimitados para a atividade, cremos que todos começaram a ver a importância das demonstrações e que a mesma se trata de um processo lógico, constituído de sentido e regras que não podem ser ignoradas. 150 6.2 Análise geral das atividades da seqüência didática 6.2.1 Retomando nossa problemática Ao desenvolvermos nossa seqüência, queríamos propor uma estratégia metodológica para o ensino de demonstrações em Geometria Euclidiana, voltando a atenção para os cursos de formação de professores. Nesta proposta pretendíamos evidenciar a importância das demonstrações na teorização da Geometria, de tal forma que o trabalho realizado levasse à compreensão dos conceitos geométricos e dos processos lógicos envolvidos em uma demonstração. Além disso, buscamos caracterizar um sistema formal, explicitando seus elementos e destacando a demonstração mais como um processo, no qual seu objetivo principal é estabelecer a veracidade de um determinado enunciado. Assim, optamos por apresentar algumas técnicas de demonstração, trabalhando o estatuto do teorema e das figuras geométricas, o papel heurístico das figuras, a mobilização de diferentes registros de representação, por meio de ferramentas que ressaltariam a rede semântica e lógica entre esquemas de demonstração e todos os outros itens destacados acima. Não era nossa intenção que a seqüência didática desenvolvida habilitasse todos os alunos a fazer uma demonstração matemática, mas que esta despertasse uma posição mais crítica com relação às verdades estabelecidas na Geometria, de tal forma que os alunos percebessem a necessidade de justificar as afirmações que lhes eram apresentadas, recorrendo, para isso, às demonstrações matemáticas. Acreditamos que a seqüência contribuiu consideravelmente para um novo olhar no ensino/aprendizagem das demonstrações, pois os alunos fizeram comentários favoráveis à sistemática utilizada. Eles disseram que somente agora entendiam porque se usavam os postulados, definições e teoremas para se fazer uma demonstração. 151 Também afirmaram que as caixas de ferramentas ajudaram a esclarecer as decisões que deveriam ser tomadas e que um trabalho com mais de um registro facilitou a compreensão de conceitos geométricos focados em cada tarefa. Muitos alunos assumiram que não sabiam que a ordem seqüencial que utilizaram era característica de um sistema formal, o que já havíamos constatado com a aplicação do questionário, uma vez que a maioria dos alunos afirmou não saber o que era um sistema formal. Os próprios alunos salientaram suas dificuldades em trabalhar os registros algébricos e geométricos, reconhecendo que essas defasagens refletiram no desenvolvimento que os mesmos apresentaram nas execuções das tarefas. O fato mais considerável foi os alunos confirmarem que a demonstração não é algo assim tão complicado, assumirem que têm dificuldades, mas que estas não são tão intransponíveis como acreditavam ser. Inclusive, muitos afirmaram que utilizaram dos processos apresentados na atividade, para tentar sistematizar outros conceitos geométricos, praticando algumas das técnicas de demonstração. 6.2.2 Retomando alguns dos obstáculos enfrentados Em nosso referencial citamos alguns obstáculos que, normalmente, ocorrem no ensino, evidenciando os de natureza epistemológica, didática e lingüística. Ultrapassar o obstáculo epistemológico da figura geométrica foi um desafio da seqüência didática, pois, como citado na análise das atividades, muitos alunos, nas primeiras tarefas, recorriam apenas às figuras para solucionar grande parte dos problemas. Dessa forma, o abandono do 152 enunciado acarretava em erros que, provavelmente, não ocorreriam se os alunos mobilizassem, no mínimo, dois registros de representação. Outro obstáculo epistemológico relacionado à figura se situou no nível de congruência entre registros de representação; uma fragmentação parecia ocorrer quando os alunos necessitavam coordenar as figuras para estabelecer logicamente alguns passos na construção de esquemas de demonstração. Como afirmou Duval, a mobilização entre registros de representação não ocorre espontaneamente. Então, para transpormos os obstáculos citados, recorremos a vários registros de representação em todas as atividades para que os alunos conscientemente estabelecessem as relações entre os mesmos. Conclui-se, assim, que as figuras estão subordinadas às propriedades e às características de um enunciado e não o contrário. Percebemos que os obstáculos de natureza lingüística comprometeram, em geral, as atividades nas quais os alunos precisavam redigir em linguagem natural os teoremas, seus recíprocos e a própria demonstração. Os alunos pareciam não possuir um vocabulário adequado e conhecimentos gramaticais suficientes para que as redações apresentadas tivessem coerência. As leituras fragmentadas dos enunciados também constituíram um obstáculo lingüístico, pois os alunos, quando não entendiam corretamente um enunciado, comprometiam a solução das atividades. Percebemos, ainda, que muitos alunos raciocinavam corretamente, mas não conseguiam formalizar seus raciocínios. Tentamos trabalhar com esses obstáculos, exigindo constantemente a representação na linguagem natural nas várias atividades da seqüência. Para auxiliarmos a compreensão dos enunciados, fazíamos leituras, com os alunos, das tarefas apresentadas. Didaticamente, conhecimento dos um alunos dos maiores sobre obstáculos conceitos enfrentados geométricos e foi o linguagem matemática. Alguns conceitos matemáticos trabalhados os alunos afirmaram 153 não conhecer, apesar de terem passado, na própria graduação, pelas disciplinas de Geometria Plana e Espacial (conceitos iniciais). Acreditamos que o conhecimento havia sido trabalhado. No entanto, outras variáveis que podem ter comprometido a compreensão dos alunos em associar conceitos com suas propriedades não são foco de nosso estudo. Foi necessário que retomássemos muitos conceitos geométricos para facilitar a solução de algumas tarefas. Com relação à falta de conhecimento de simbologia matemática e de significação da mesma, tentamos ultrapassá-la trabalhando insistentemente com a representação algébrica, de forma que esta fosse relacionada a outros registros de representação. No final da seqüência, percebemos uma melhor coordenação e operacionalização do registro algébrico. Quando criamos nossa seqüência, já havíamos pensado em alguns obstáculos que poderiam ocorrer, apoiando nossas suposições nos referenciais teóricos. Assim, criamos atividades que buscavam contornar estes obstáculos e, ao longo do desenvolvimento da seqüência, fomos modelando as atividades que se seguiram, baseando em outros obstáculos que eram percebidos. No geral, acreditamos que contribuímos para que os alunos ultrapassassem alguns obstáculos e, para outros, cremos que apresentamos situações para que estes fossem minimizados. 6.2.3 Retomando nossas hipóteses de pesquisa Ao definirmos nossa pesquisa, nossa preocupação se centrou nas dificuldades apresentadas por professores e alunos em fazer e explicar o que era uma demonstração matemática e sua importância no contexto da geometria. 154 A fim de contornar essas dificuldades, apresentamos como proposta de trabalho o desenvolvimento de uma seqüência didática, na qual o objeto de estudo foram as “técnicas” de demonstração. Consideramos que, independente do contexto escolar, é possível realizar estratégias para minimizar dificuldades e concluímos que isso realmente é possível. Porém, é fundamental que um trabalho intenso de fundamentação teórica e técnica seja realizado para que a estratégia tomada reflita em modificações consideráveis e perceptíveis. Assumimos que a compreensão de uma demonstração e dos conceitos geométricos envolvidos na mesma estava relacionada com a mobilização e a coordenação de registros de representação natural, da figura e algébrico. Acreditamos que o trabalho com diferentes registros de representação contribuiu consideravelmente para que os alunos ultrapassassem alguns bloqueios na efetivação de uma demonstração, uma vez a relação semântica entre os registros foi fundamental na compreensão dos objetos matemáticos tratados. O papel heurístico das figuras foi primordial para que os alunos alcançassem uma apreensão discursiva e operatória, por meio da apreensão perceptiva. Nas tarefas percebemos que os alunos começaram a orientar-se pelas informações apresentadas nas hipóteses de um teorema, para relacionar as propriedades dos conceitos com as figuras esboçadas ou construídas. O uso de ferramentas lógicas auxiliou os alunos na tentativa de justificar os passos de uma demonstração, extenuando também a lógica existente em um sistema formal e a relação entre seus elementos. Porém, em nossas atividades, apresentamos aos alunos postulados, definições e teoremas que deveriam ser utilizados para que eles criassem suas próprias caixas de ferramentas. Pelo que foi percebido nas atividades, acreditamos que os alunos não atingiram um nível para que estabeleçam, por meio de seus próprios conhecimentos, a identificação de ferramentas ideais e a 155 articulação adequada das mesmas para justificar logicamente uma demonstração. Esse exercício do raciocínio exige prática e discussões de uma quantidade razoável de problemas geométricos que envolvam a demonstração. 6.2.4 Retomando nossas expectativas com a aplicação da seqüência Com o desenvolvimento da seqüência, esperávamos que os alunos, além de compreenderem uma demonstração, desenvolvessem habilidades geométricas de raciocínio lógico e de obtenção de uma prova matemática. Para que isso ocorresse, outros aspectos deveriam ser considerados neste processo caracterizado pela hierarquização de passos e não de conteúdos. De acordo com o desempenho dos alunos no desenvolvimento da seqüência didática, acreditamos que os mesmos compreenderam o estatuto do teorema e das figuras geométricas, conseguiram coordenar os diferentes registros de representação observando suas relações semânticas, reconheceram a necessidade lógica de um sistema formal, perceberam a importância de justificar teorias matemáticas e foram capazes de compreender os esquemas de demonstrações apresentados. Porém, acreditamos que o número de atividades trabalhadas na seqüência não foi suficiente para que os alunos alcançassem sozinhos a redação integral de uma demonstração. Acreditamos que os alunos tenham alcançado um raciocínio dedutivo mais apurado, mas não o suficiente para formalizar logicamente os conceitos geométricos. Achamos necessário que uma quantidade maior de atividades envolvendo técnicas de demonstração seja desenvolvida para que os objetivos da seqüência didática sejam todos alcançados. 156 Concorre para a validação do processo a constatação de que os alunos que participaram da pesquisa mostraram uma crescente desenvoltura ao trabalhar com problemas geométricos que envolvem demonstração. Podemos registrar e afirmar que a seqüência didática contribuiu consideravelmente nos seguintes aspectos: • os alunos compreenderam a lógica necessária de um sistema formal e a relação entre seus elementos; • conseguiram estabelecer e reconhecer o estatuto de um teorema; • coordenaram registros de representação distintos, estabelecendo entre eles relações semânticas e de congruência; • perceberam na figura geométrica um apoio para obter uma demonstração; • compreenderam a subordinação da figura às propriedades de um enunciado (ultrapassaram a apreensão perceptiva); • melhoraram o tratamento algébrico de dados; • reconheceram o ordenamento lógico dos esquemas de demonstração trabalhados; • enxergaram a demonstração como fundamental na teorização da geometria; • utilizaram coerentemente “ferramentas” lógicas para provar um enunciado; • perceberam a necessidade de justificar cada passo trilhado na efetivação de uma demonstração; • sentiram-se mais seguros para desenvolver problemas de demonstração. Devido aos aspectos citados, concluímos que a aplicação da seqüência didática foi de grande valia para a reflexão dos futuros professores sobre a 157 importância do papel da demonstração no ensino de Geometria. Experimentaram um ambiente metodológico em que ela pôde ser trabalhada e o desenvolvimento de habilidades geométricas foi alcançado em atividades nas quais procedimentos técnicos, porém, de significação, foram focados. 158 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO Propusemos nossa pesquisa e trabalhamos as demonstrações matemáticas, com alguns tópicos da Geometria Euclidiana, com a intenção de apresentar uma metodologia focando as dificuldades que os alunos apresentam em fazer uma demonstração. O acúmulo de dificuldades acaba gerando, conseqüentemente, uma rejeição ao seu ensino e à sua aprendizagem, o que, posteriormente, pode acarretar o abandono deste conteúdo na educação básica. O mais preocupante: a ausência desse conteúdo impossibilitaria o desenvolvimento de habilidades geométricas, ligadas ao crescimento progressivo do raciocínio lógico dedutivo, fundamental na construção do conhecimento matemático. A fim de levar alguma contribuição e contornar esses revezes, pensamos em elaborar uma seqüência didática, na qual evidenciaríamos a lógica subjacente na teorização da Geometria Euclidiana, apresentando, construtiva e gradualmente, um sistema formal, seus elementos e relações. A partir disso, trabalhamos algumas técnicas de demonstração, usando ferramentas lógicas que auxiliariam no processo da obtenção de uma prova matemática. Ressaltamos que a elaboração da seqüência e o acompanhamento de seu desenvolvimento pelos alunos não foram processos fáceis. A própria pesquisadora sentiu dificuldades em orientar discussões e elucidar, de imediato, algumas dúvidas dos alunos, com o devido rigor matemático. Por se tratar de assunto complexo, em algumas atividades, os alunos descobrem ou suspeitam de caminhos diferentes de solução que, às vezes, não nos parecem ser assim, tão evidentes. Isso ocorre porque os alunos envolvidos no processo passam a participar da construção formal dos conceitos e procedimentos abordados. Ao se envolver numa busca, cada vez mais consciente de elementos para a organização da elaboração de uma demonstração, o aluno aprende a percorrer o trajeto que o professor percorreria e, às vezes, o faz com 159 muita eficiência. Alguns de nossos alunos manifestaram o desenvolvimento de habilidades nesta direção. Registramos também uma evolução de nossas próprias habilidades para lidar com o tema, pois sentimos que a herança de nossa formação foi, inicialmente, um dificultador na elaboração das tarefas das atividades. Nossas experiências com a demonstração, no ensino básico e na graduação, não nos deram subsídios para criar estratégias diferenciadas, uma vez que seu ensino foi caracterizado pela memorização dos rígidos procedimentos de uma demonstração, não carecendo necessariamente de sentido. Para que a seqüência criada contemplasse os aspectos citados acima, nos baseamos nas principais idéias de Duval sobre a aquisição dos conceitos geométricos. Consideramos também as propostas definidas pelos PCN e alguns posicionamentos da educação matemática, com relação ao ensino de demonstrações e à formação de futuros professores, no que se refere à aprendizagem das demonstrações. Orientamos-nos também por um estudo evolucionista da demonstração, considerando os olhares da ciência, filosofia e educação. Ultrapassados os obstáculos, acreditamos que alcançamos, com a aplicação da professores, seqüência, sujeitos de um nossa novo posicionamento pesquisa, diante daqueles das futuros demonstrações matemáticas. Estes começaram a enxergá-las como fundamental na criação de conceitos matemáticos e importantes no ensino de Geometria. Cremos que, ao trabalharmos com diferentes registros de representação, contribuímos para o estabelecimento de relações entre as várias formas de tratarmos um objeto matemático, dando-lhe significado e possibilitando uma flexibilidade maior de solucionar problemas de demonstração, ora pela economia de tratamento, ora pela evidenciação de características que uma determinada representação pode externar. 160 O uso constante das figuras e a construção das mesmas mostraram-nos a evolução que os alunos apresentaram em associá-las com suas definições, a partir dos enunciados. Acreditamos que os alunos ultrapassaram com essa estratégia o obstáculo epistemológico da figura, vendo-a como âncora na engenharia da demonstração e não como determinante na justificação e constatação de uma verdade matemática. As ferramentas que ressaltamos para justificar passos de uma demonstração desempenharam um papel significativo nas execuções das tarefas; os alunos se mostraram mais seguros em fazer uma demonstração quando conseguiram explicitar suas escolhas, utilizando ferramentas e entenderam como se concretiza logicamente uma prova. As técnicas apresentadas demonstraram para os alunos algumas formas de trabalhar as demonstrações na sua própria formação e durante sua prática profissional. Notamos que a estratégia da seqüência didática motivou os alunos no desenvolvimento das tarefas, pois eles ressaltaram que não pensavam que fazer uma demonstração envolvia várias “etapas” lógicas. Porém, compreendiam agora, o porquê de demonstrar e que não é tão complicado realizar uma demonstração. Mesmo não sendo uma intenção explicitada na pesquisa, percebemos que os alunos refletiram sobre novas abordagens de ensino, pois retrataram que as atividades que fizeram fugiram às aulas tradicionais e que perceberam uma desenvoltura melhor na execução das tarefas. Sabemos que quando esbarramos em problemas, principalmente na educação e nos propomos a ultrapassá-los, variáveis de diversas naturezas se mostram no nosso caminho. Ao encararmos tais dificuldades como desafios, uma energia imensa deve ser dispensada em idéias que possam, se não resolver, pelo menos, minimizar tais problemas. Sabíamos do desafio de trabalhar com as demonstrações, mas não desistimos; seguimos em frente e vislumbramos, no final de todo trabalho realizado, objetivos alcançados: 161 • Os futuros professores conseguiram entender a lógica de um sistema formal e reconhecer seus elementos; estabeleceram relações entre estes elementos, coordenaram e mobilizaram semanticamente distintos registros de representação; compreenderam o papel heurístico da figura geométrica; utilizaram e criaram coerentemente ferramentas lógicas de justificativa; entenderam as “técnicas” de demonstração apresentadas e alguns foram capazes de redigir suas próprias demonstrações. Concluímos, então, que a aplicação da Seqüência foi de grande valia e contribuiu para reflexões acerca da importância do papel da demonstração não só na Geometria, mas na própria matemática. A forma como apresentamos a engenharia da demonstração nos revelou, com base em nossas análises, que os alunos se viram como construtores do processo de criação dos conceitos geométricos e que esta diminuiu a rejeição e as dificuldades que apresentavam ao se deparar com problemas que envolviam demonstrações. Já salientamos, na análise feita da seqüência didática, que o número de atividades trabalhadas não nos pareceu ser suficiente para que todos os alunos desenvolvessem habilidades geométricas suficientes para redigir uma demonstração. Além disso, percebemos certas dificuldades que contribuíram para tal e que poderiam ser trabalhadas com um número maior de atividades que as abordassem. Sendo assim, gostaríamos de sugerir, para pesquisas posteriores que tenham um direcionamento convergente com nossa pesquisa, os seguintes aspectos: • trabalhar a escrita na linguagem natural em todas as atividades, para que os alunos coordenem melhor seus raciocínios argumentativos e os discursivos; • explorar um número maior de construção de figuras espaciais, a fim de desenvolver habilidades de percepção e desenho; 162 • operacionalizar as atividades sugeridas e os objetos matemáticos, em tratamento algébrico, para que os alunos mobilizem e compreendam melhor a linguagem algébrica; • promover mais atividades de demonstrações indiretas, pois estas têm um alcance intelectual considerável; • fazer leituras das atividades com os alunos, propondo discussões coletivas sobre os objetivos de cada tarefa. Diante do realizado, das análises e reflexões, nosso sentimento não é de apresentar aqui um trabalho como encerrado. Pretendemos dar continuidade à nossa pesquisa na prática cotidiana, aprimorando nossa seqüência didática na introdução de técnicas de demonstração no ensino de Geometria. Talvez, desenvolver um trabalho de investigação, no qual os alunos criem suas próprias técnicas de demonstração, considerando as particularidades e as exigências formais da ciência matemática. Apresentamos aqui apenas um ensaio. Uma entre diversas outras formas de se conduzir o processo da demonstração. A nossa proposta e experiência, no entanto, carregaram um fato novo: considerar o aluno no centro, como sujeito de um processo, na construção de conteúdo complexo e intricado. 163 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, José Antônio Araújo; NACARATO, Adair Mendes. Tendências Didático – Pedagógicas para o ensino de geometria. 2003. Disponível em www.anped.org.br/reunioes/27/gt19/t197.pdf ARTIGUE, M. Une recherche d’ingéniere didactique sur l’enseignemente des équations différentielles en premier cycle universitaire. 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Você sabe o que é um sistema formalizado? ( ) sim ( ) não 5. Você se acha capaz de definir "axioma", "postulado" e "teoremas"? ( ) sim ( ) não 6. Você acha que demonstrar é importante para o ensino de Geometria? ( ) sim ( )não 7. Você acha necessário o uso de demonstrações no ensino de Geometria? ( ) sim ( ) não 8. Você sente alguma dificuldade em demonstrar? ( ) sim ( ) não 9. Você acha que sua formação em Geometria lhe dá subsídios para trabalhar futuramente com as demonstrações? ( ) sim ( ) não 10. Discorra sobre o que você entende ser uma "Demonstração Matemática"? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ 172 ANEXO A – Fotos dos alunos desenvolvendo a seqüência didática Figura 10: Alunos discutindo sobre as atividades Figura 11: Alunos resolvendo as atividades em dupla 173 Figura 12: Alunos realizando individualmente as atividades Figura 13: Parte da turma pensando nas atividades 174 ANEXO B - Atividades produzidas pelos alunos Figura 14: Parte da Atividade I da seqüência feita por um dos alunos 175 Figura 15: Parte da Atividade I da seqüência feita por um dos alunos 176 Figura 16: Parte da Atividade I da seqüência feita por um dos alunos 177 Figura 17: Parte da Atividade II da seqüência feita por um dos alunos 178 Figura 18: Parte da Atividade II da seqüência feita por um dos alunos 179 Figura 19: Parte da Atividade III da seqüência feita por um dos alunos 180 Figura 20: Parte da Atividade III da seqüência feita por um dos alunos 181 Figura 21: Parte da Atividade III da seqüência feita por um dos alunos 182 Figura 22: Parte da Atividade IV da seqüência feita por um dos alunos 183 Figura 23: Parte da Atividade IV da seqüência feita por um dos alunos 184 Figura 24: Parte da Atividade IV da seqüência feita por um dos alunos 185 Figura 25: Parte da Atividade V da seqüência feita por um dos alunos 186