JOGANDO COM O EQUILÍBRIO QUÍMICO: um jogo didático para ensinar os fatores que deslocam o equilíbrio químico Gabriel da Silva Pereira (IC)1*, Maria de Fátima T. Gomes (PQ)2. 1 2 Licenciatura em Química, Instituto de Química, UERJ, Departamento de Química Geral e Inorgânica, Instituto de Química, UERJ. *[email protected] Palavras-Chave: equilíbrio químico, jogos didáticos, ludicidade Área Temática: Materiais didáticos – MD RESUMO: O PRESENTE TRABALHO RELATA A GÊNESE DE UM JOGO DIDÁTICO QUE FOI CRIADO COM O OBJETIVO PROPORCIONAR A ALUNOS DO ENSINO MÉDIO, COM CONHECIMENTOS BÁSICOS SOBRE EQUILÍBRIO QUÍMICO, UM ENTRETENIMENTO QUE OS FAÇA, DE FORMA PRAZEROSA, COMPREENDER COMO FATORES, TAIS COMO, AUMENTO DA CONCENTRAÇÃO DE REAGENTES, AUMENTO OU DIMINUIÇÃO DA TEMPERATURA OU DA PRESSÃO, AFETAM UM SISTEMA REACIONAL, FAVORECENDO OU DESFAVORECENDO A FORMAÇÃO DE UM PRODUTO COMERCIALMENTE IMPORTANTE. ESPECIAL ATENÇÃO FOI DADA PARA QUE O JOGO APRESENTASSE UMA ESTRUTURA SIMILAR À ESTRUTURA DO OBJETO DE CONHECIMENTO. INTRODUÇÃO Em trabalho publicado recentemente, CUNHA (2012) destaca a ampliação, nos últimos anos, do uso de jogos didáticos na Educação Básica, especialmente em aulas de matemática e de ciências biológicas no Ensino Fundamental, que, contudo ainda é modesto o uso em aulas de física e química no Ensino Médio. A autora ressalta a necessidade de o jogo didático manter “um equilíbrio entre a função educativa e a função lúdica” e considera que esta atividade didática diferenciada pode ser inserida no planejamento docente para (p. 95): a) b) c) d) e) f) g) apresentar um conteúdo programado; ilustrar aspectos relevantes de conteúdo; avaliar conteúdos já desenvolvidos; revisar e/ou sintetizar pontos ou conceitos importantes do conteúdo; destacar e organizar temas e assuntos relevantes do conteúdo químico; integrar assuntos e temas de forma interdisciplinar; contextualizar conhecimentos. SOARES, OKUMURA & CAVALHEIRO (2003) relataram a aplicação, em salas de aula, de um jogo dinâmico visando facilitar o entendimento do conceito de equilíbrio químico. O jogo baseia-se em dois conjuntos, A e B, que trocam elementos (bolas de isopor) entre si, em intervalos de tempo pré-determinados. Na transposição conceitual, a transferência de bolas é associada ao conceito de reação química e as quantidades dos elementos presentes nos conjuntos A e B com as concentrações dos reagentes e produtos no sistema reacional. Em 2006, SOARES & CAVALHEIRO relataram o uso de um jogo didático, baseado no jogo de tabuleiro “Ludo”, para introduzir conceitos de termoquímica. Segundo os autores, o jogo proposto mostrou ser uma estratégia didática eficiente para iniciar os alunos no conceito de variações energéticas nas reações químicas; contribuiu para a construção do conhecimento químico e para um maior envolvimento entre alunos e professores, com reflexos na melhoria de aspectos disciplinares. MIRANDA (2001) considera que os jogos pedagógicos facilitam a elaboração pelos jogadores de suas próprias indagações ao mesmo tempo em que desenvolve neles cognição, socialização, afeição, motivação e criatividade. Para CUNHA (2012), a utilização de jogos didáticos provoca alguns efeitos e mudanças no comportamento dos estudantes, das quais destaca (p. 95 e 96): a) a aprendizagem de conceitos, em geral, ocorre mais rapidamente, devido à forte motivação; b) os alunos adquirem habilidades e competências que não são desenvolvidas em atividades corriqueiras; c) o jogo causa no estudante uma maior motivação para o trabalho, pois ele espera que este lhe proporcione diversão; d) os jogos melhoram a socialização em grupo, pois, em geral, são realizados em conjunto com seus colegas; e) os estudantes que apresentam dificuldade de aprendizagem ou de relacionamento com colegas em sala de aula melhoram sensivelmente o seu rendimento e a afetividade; f) os jogos didáticos proporcionam o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos estudantes; g) a utilização de jogos didáticos faz com que os alunos trabalhem e adquiram conhecimentos sem que estes percebam, pois a primeira sensação é a alegria pelo ato de jogar. ZANON et. al. (2008) desenvolveram o jogo didático “Ludo Químico” para favorecer o processo ensino-aprendizagem de nomenclatura dos compostos orgânicos em aulas de química em uma escola de Ensino Médio, mas visavam também trabalhar a socialização e estimular a criatividade e as relações cognitivas, afetivas e sociais dos estudantes. Diante das potencialidades do uso de jogos como estratégia pedagógica, um grupo cinco de estudantes do curso de Licenciatura em Química, que trabalha na elaboração de materiais didáticos para aulas de química no Ensino Médio, considerou a possibilidade desenvolver um projeto de criação de um jogo didático para trabalhar de forma lúdica os fatores que deslocam um sistema químico reacional em equilíbrio. O jogo deveria favorecer a construção e consolidação do conceito de equilíbrio químico, ressaltando: o seu aspecto dinâmico; a possibilidade da reação avançar para a direita ou para a esquerda, a qualquer instante, mediante ações que modifiquem o seu estado de equilíbrio; a necessidade de conhecer os estados de agregação de reagentes e produtos e de conhecer a natureza das trocas energéticas que ocorrem no decorrer da transformação química. Vários processos naturais são regulados por sistemas químicos em equilíbrio, como, por exemplo, a formação de estalactites e estalagmites em cavernas calcárias. Sistemas naturais, geralmente, são bem exemplificados nos livros didáticos. Entretanto, há vários processos industriais de obtenção de importantes substâncias que se caracterizam pelo estabelecimento de situações de equilíbrio químico. Sendo assim, o jogo também deveria favorecer a compreensão que uma das atividades dos químicos é conhecer como ocorrem as reações, para poder controlá-las e, em se tratando de reações que se passam em processos industriais, poder otimizá-las, buscando alcançar as melhores condições de produção. Desse modo, nosso objetivo foi criar um jogo para proporcionar a alunos do Ensino Médio, com conhecimentos básicos sobre equilíbrio químico, um entretenimento que os faça, de forma prazerosa, compreender como fatores, como, o aumento da concentração de reagentes, o aumento ou diminuição da temperatura ou da pressão, podem afetar um sistema reacional, favorecendo ou desfavorecendo a formação de um produto comercialmente importante. METODOLOGIA Após os estudos de referenciais teóricos sobre o uso de jogos no ensino, passou-se a examinar como projetar o jogo planejado e, para isso, investigou-se a estrutura de alguns jogos de entretenimento, bem conhecidos, como jogo de dominó, jogo de damas, jogos de tabuleiro tipo Ludo e jogos de cartas. COSTA (2010) aponta que a gênese de um jogo pedagógico, geralmente, se dá a partir da estrutura de um jogo de entretenimento, na busca de um caminho que favoreça a aprendizagem de um dado objeto de conhecimento. Entretanto, na percepção do autor, “nos jogos de entretenimento o objeto de conhecimento está presente na estrutura essencial do jogo”, ao passo que, nos jogos com fins pedagógicos, isto frequentemente não ocorre. Segundo o autor, tal diferença torna “os primeiros mais efetivos que os segundos do ponto de vista pedagógico” (p.105). Ainda segundo COSTA, a diferença entre os jogos de entretenimento e jogos com fins pedagógicos está em que (p.14): “Nos primeiros, aquilo que se aprende constitui a própria natureza do jogo, está no seu âmago, na sua essência, na sua estrutura fundamental, é inseparável dele, algo sem o qual o jogo não existe. [...]. Nos jogos com fins pedagógicos aquilo que se planejou para ser aprendido pelos jogadores não é tão importante para o jogo, é como um ornamento ou acessório, que pode ser descartado ou substituído sem que o jogo perca sua essência”. A crítica contumaz do autor a efetividade pedagógica de jogos educativos que desconsideram o princípio básico de possuir pelo menos uma estrutura similar ou comum à estrutura do objeto de conhecimento, mostrou que a tarefa de projetar um jogo com fins didáticos não é simples. Ao projeto inicial de criação do jogo, somou-se o objetivo que ele deveria também atender a este requisito, além de favorecer a aprendizagem e a diversão. A estrutura de um jogo de tabuleiro tipo Ludo pareceu ser a mais adequada para trabalhar os fatores que afetam um dado sistema reacional em situação de equilíbrio químico. Nesses jogos de tabuleiro, o objetivo principal é que, partindo de um estado inicial, o jogador deve avançar com seus peões (geralmente, quatro) por casas situadas a sua direita, visando alcançar um estado final. Entretanto alguns eventos, característicos da natureza do jogo e determinados por lances de dados, podem desfavorecer o jogador, fazendo-o se deslocar para casas situadas à esquerda, no tabuleiro, o que dificulta e retarda sua chegada a uma posição que lhe garantiria sucesso na empreitada. Tais jogos têm geralmente várias regras a serem seguidas pelos jogadores. As regras são “partes” que são somadas ao jogo que, a princípio, não modificam sua essência, mas podem dificultá-lo, no sentido de ser mais custoso alcançar a meta final. Não raro elas são modificadas pelos jogadores visando uma melhor adaptação ao tempo disponível para jogar, à maior ou menor habilidade dos competidores ou na busca de uma maior diversão. Assim sendo, considerou-se que seria estabelecido um número mínimo de regras, o que daria liberdade para que os próprios jogadores estabelecessem outras, se julgassem ser necessário. Na transposição conceitual as seguintes associações deveriam estar presentes: o percurso a ser seguido pelos jogadores no tabuleiro corresponde ao caminho da reação; os peões, que tanto podem avançar como retroceder no percurso e que devem ser monitorados pelos jogadores, são os sistemas reacionais em situação de equilíbrio. Os peões têm características individuais e distintas entre si, logo podem ser afetados também de forma distinta no percurso. LUDO “JOGANDO COM O EQUILÍBRIO QUÍMICO” O Ludo “Jogando com o equilíbrio químico” é um jogo de tabuleiro, com um percurso em forma de cruz, que é jogado por dois, três ou quatro jogadores;.Cada jogador tem de um a quatro peões. Os peões correspondem às reações químicas que serão monitoradas. Um dado define os movimentos. Os peões de cada jogador começam na base de mesma cor. A base corresponde ao estado inicial do sistema reacional, este irá avançar em função dos movimentos definidos pelos lances do dado. A cada jogada, o jogador pode mover o peão de sua escolha e, se sortear a face seis do dado, além de usar esse resultado, ele poderá jogá-lo novamente. Após dar a volta ao tabuleiro, o peão avança pela reta de chegada de sua cor e alcança o estado final do sistema. Ao longo do tabuleiro encontramos as “casas equilíbrio” que são as casas dos fatores que podem deslocar as reações correspondentes a cada peão, ou seja, quando um peão cai nesta casa, deve-se analisar o sentido para qual a reação correspondente se desloca e, com isso, andar três casas para frente, se a reação se deslocar para formação dos produtos; andar três casas para trás, se a reação se deslocar para a formação dos reagentes. A “casa catalisador” permite que o peão avance mais rapidamente, pegando um “atalho” no tabuleiro. Existem quatro casas deste tipo, em cores diferentes, que correspondem às cores dos peões. O vencedor é o primeiro a levar todos os seus peões ao ponto de chegada, que corresponde ao estado final do sistema. Na figura 1 pode ser vista a imagem do tabuleiro do jogo. As reações químicas propostas são características de processos industriais de obtenção de substâncias comercialmente importantes como amônia, ácido sulfúrico, ácido nítrico, metanol, etc. e, são apresentadas contextualizadas em dezesseis cartas que podem ser sorteadas pelos jogadores. A figura 2 apresenta três das dezesseis cartas do jogo. Figura 1: tabuleiro do Ludo “Jogando com o equilíbrio químico” CARTA 1 CARTA 2 CARTA 10 Um dos mais importantes processos industriais é a fixação de nitrogênio através de sua transformação em amônia. O processo pode ser representado pela equação química: Em uma das etapas de produção do ácido sulfúrico ocorre a transformação do dióxido de enxofre, SO2, em trióxido de enxofre, SO3, que pode ser representada pela equação química: Metanol, CH3OH, é produzido industrialmente pela reação entre monóxido de carbono e hidrogênio. O processo envolve a seguinte reação exotérmica: N2(g) + 3 H2(g) ⇋ 2 NH3(g) 2 SO2(g) + O2(g) ⇋ 2 SO3(g) H° = - 92 kJ H° = - 197 kJ Que fatores poderão deslocar o equilíbrio no sentido de uma maior produção de amônia? Que fatores poderão deslocar o equilíbrio no sentido de uma maior produção de trióxido de enxofre? CO(g) + 2 H2(g) ⇋ CH3OH(g) Que fatores poderão deslocar o equilíbrio no sentido de uma maior produção de metanol? Figura 2: três das dezesseis cartas do jogo que podem ser sorteadas pelos jogadores No Ludo “Jogando com o equilíbrio químico”, cada jogador pode monitorar de uma a quatro reações químicas e contornar ou manipular fatores que podem afetar esses sistemas reacionais, como aumento da concentração de reagentes, aumento ou diminuição da temperatura ou da pressão, de modo a obter uma maior quantidade do produto final. Sugere-se que nas primeiras partidas, cada jogador use apenas um peão, ou seja, acompanhe apenas um sistema reacional, o que corresponderia estar no nível de dificuldade 1. Em novas partidas, progressivamente, os jogadores passariam para níveis de dificuldade 2, 3 e 4, à medida que passassem a monitorar, respectivamente dois, três e quatro sistemas reacionais. RESULTADOS E DISCUSSÃO O Ludo “Jogando com o equilíbrio” foi aplicado, de forma experimental, a um grupo de dezesseis alunos do terceiro ano, do turno diurno, do Ensino Médio, de uma escola pública no Rio de Janeiro. Os alunos haviam tido aulas teóricas sobre como expressar a constante de equilíbrio químico em termos de concentrações molares e de pressões parciais e também sobre o Princípio de Le Châtelier, e já tinham feito alguns exercícios sobre os fatores que deslocam o equilíbrio. A aplicação do jogo se deu com o objetivo de que os alunos avaliassem como fatores diferentes podem afetar uma reação química em situação de equilíbrio e decidissem quais favorecem o deslocamento desse equilíbrio na direção dos produtos aumentando com isso o rendimento da reação. Os alunos avaliaram o jogo como interessante e divertido e que, quanto tiveram que acompanhar duas reações, ao mesmo tempo, o jogo exigiu que pensassem mais e se tornou mais competitivo. Apontaram que tinham que ficar atentos as suas jogadas, mas também as de seus colegas, que “porque não sabiam ou porque queriam enganar”, evitavam retroceder no tabuleiro. O jogo foi avaliado por uma professora de química do Ensino Médio, por um docente do curso de Licenciatura em Química, que ministra a disciplina Metodologia de Ensino de Química, e por dez licenciandos do Curso. Em suas análises, consideram que a estrutura do jogo escolhido se adequou perfeitamente ao objeto de conhecimento e que as cartas possibilitaram sua contextualização. Os avaliadores destacaram como ponto positivo o fato das cartas apresentarem exemplos reais de processos industriais o que possibilita compreender a importância do estudo do equilíbrio químico em termos práticos. CONCLUSÕES Dentro do limite em que foi aplicado, até o momento, o jogo criado atende às expectativas de um jogo didático: é divertido e é capaz de ensinar através dessa diversão. Pode ser confeccionado sem maiores dificuldades, utilizando-se materiais diversos para fazer o tabuleiro e os peões. Nosso objetivo, agora, é aplicar o jogo a um número maior de alunos do Ensino Médio, visando verificar se nossas impressões iniciais se confirmam ou não, e levantar dados sobre seus efeitos em relação à aprendizagem dos conceitos químicos e o desenvolvimento de relações afetivas e sociais nos estudantes. AGRADECIMENTOS Agradecemos à Capes a ajuda financeira do Programa de Consolidação das Licenciaturas (PRODOCÊNCIA). ____________________ REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COSTA, L.D. O que os jogos de entretenimento têm que os educativos não têm: 7 princípios para projetar jogos educativos eficientes.Teresópolis: Ed. Novas Idéias; Rio de Janeiro: Ed:PUC-Rio, 2010. CUNHA, M.B. Jogos no Ensino de Química: Considerações Teóricas para sua Utilização em Sala de Aula. Revista Química Nova na Escola, n. 2, maio 2012. Miranda, S. (2001). No Fascínio do jogo, a alegria de aprender. Ciência Hoje, vol.28, jan./fev. 2001. SOARES, M.H.F.B. e CAVALHEIRO, E.T.G. O ludo como um jogo para discutir conceitos de termoquímica. Revista Química Nova na Escola, n. 23, maio 2006. SOARES, M.H.F.B.; OKUMURA, F. e CAVALHEIRO, E.T.G. Proposta de um jogo didático para o ensino do conceito de equilíbrio químico. Revista Química Nova na Escola, n. 18, novembro 2003. ZANON, D.A.V.; GUERREIRO, M.A.S. e OLIVEIRA, R.C. Jogo didático Ludo Químico para o ensino de nomenclatura dos compostos orgânicos: projeto, produção, aplicação e avaliação. Ciências & Cognição, vol 13, 2008.