Fontes CAS, Alvim NAT CUIDADO HUMANO DE ENFERMAGEM A CLIENTE COM CÂNCER SUSTENTADO NA PRÁTICA DIALÓGICA DA ENFERMEIRA HUMAN NURSING CARE FOR CLIENTS WITH CANCER GROUNDED IN DIALOGICAL NURSING PRACTICES CUIDADO HUMANO DE ENFERMERÍA A CLIENTE CON CÁNCER BASADO EN LA PRÁCTICA DIALÓGICA DE LA ENFERMERA Conceição Adriana Sales FontesI Neide Aparecida Titonelli AlvimII RESUMO: Esta pesquisa qualitativa-descritiva objetiva descrever as bases do diálogo entre a enfermeira e o cliente com câncer, assentadas em atributos da relação humana; discutir a prática dialógica da enfermeira como fundamental no cuidado a este cliente. Foi realizada com 12 clientes em quimioterapia, em clínica particular, na cidade do Rio de Janeiro, em 2005. Utilizou-se a técnica de criatividade e sensibilidade almanaque, conjugada à entrevista semi-estruturada na produção de dados. Seus resultados principais revelaram que as bases do diálogo se sustentam em princípios próprios da relação humana, como amizade, carinho, atenção, respeito, paciência e solidariedade. Concluiu-se que, para a enfermeira aproximar-se do cliente de modo a estabelecer uma relação de ajuda e confiança, se faz necessário transcender o lado técnico do cuidado, a fim de que ele consiga sentir-se confiante, respeitado, ouvido; e o diálogo emerge como condição essencial para criar esse vínculo. Palavras-chave Palavras-chave: Enfermagem; cuidado humano; oncologia; diálogo. ABSTRACT ABSTRACT:: This qualitative-descriptive research aims to describe the bases of dialogue between nurse and client with cancer, which are grounded in human relations attributes; and to discuss the dialogical approach to nursing as essential in care for such clients. It was conducted with 12 clients in chemotherapy at a private clinic in Rio de Janeiro City in 2005. Data was produced using a “storyboard” creativity and sensitivity technique in conjunction with semi-structured interviews. The main results revealed that the bases of the dialogue rest on principles proper to human relations, such as friendship, affection, attention, respect, patience and solidarity. It was concluded that, for nurses to approach clients in a way to establish a relationship of help and trust, it is necessary to go beyond the technical aspect of care, so that the client feels confident, respected, and listened to; and dialogue emerges as an essential condition for that bond to be forged. Key-words Key-words: nursing; human care; oncology; dialogue. RESUMEN: Esta investigación cualitativa y descriptiva tiene por objetivo describir las bases del diálogo entre la enfermera y el cliente con cáncer, basadas en las cualidades de la relación humana y discutir la práctica dialógica de la enfermera como fundamental en el cuidado a este cliente. En esta investigación, realizada en el año 2005, participaron 12 clientes en tratamiento con quimioterapia en una clínica particular de la ciudad de Río de Janeiro – Brasil. Se utilizó la técnica de creatividad y sensibilidad almanaque, asociada a la entrevista semiestructurada en la producción de datos. Sus principales resultados revelaron que las bases del diálogo se apoyan en los principios propios de la relación humana, como, por ejemplo, amistad, cariño, atención, respeto, paciencia y solidaridad. Se concluyó que, para que la enfermera se aproxime del cliente, de modo que pueda establecer una relación de ayuda y de confianza, es necesario que trascienda el lado técnico del cuidado, para que el cliente consiga construir lazos de confianza, se sienta respetado y oído y de esta manera el diálogo emerja como condición esencial para que se establezca ese vínculo. Palabras Clave: Enfermería; cuidado humano; oncología; diálogo. INTRODUÇÃO O aumento do número de sobreviventes impri- miu um novo olhar no cuidado às pessoas com câncerIII e suas famílias, baseado em uma abordagem multiprofissional que inclui serviços de apoio psicossocial, desde a fase diagnóstica até o período pós-tratamento, com o objetivo de assegurar uma melhor qualidade de vida com o mínimo de seqüelas físicas e emocionais. O avanço da ciência e da tecnologia no mundo moderno ao tempo em que trouxe uma série de eventos importantes para a so- Mestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ), Membro do Núcleo de Pesquisa de Fundamentos do Cuidado de Enfermagem (NUCLEARTE). Profª Substituta do Departamento de Enfermagem Fundamental (DEF/ EEAN/UFRJ). E-mail: [email protected]. II Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ). Profª Adjunta do DEF/ EEAN/UFRJ. Coordenadora do Curso de Doutorado da EEAN/UFRJ. Pesquisadora do NUCLEARTE. E-mail: [email protected]. III Trabalho agraciado com o Prêmio Rachel Haddock Lobo no 2º Simpósio O Cuidar em Saúde e Enfermagem – ENFCUIDAR, realizado na Faculdade UERJ, em novembro de 2007. I Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2008 abr/jun; 16(2):193-9. • p.193 Cuidado humano ao cliente com câncer ciedade, também culminou com o surgimento de algumas doenças, e teve que se haver com recursos capazes de minimizar seus efeitos deletérios sobre a população1, 2. Com as transformações no plano social, político, econômico e ideológico engendradas pelo desenvolvimento científico e tecnológico, as representações do câncer foram se modificando. Há preocupação com o cuidado saindo da visão estritamente técnica e tecnológica para um cuidado que envolva atributos próprios da relação humana, considerando a história de vida e a interação do cliente / família com os profissionais de saúde. Essa visão humanizada exige uma intervenção holística junto ao cliente e sua família, requerendo, assim, que várias áreas atuem conjuntamente em prol do mesmo sujeito - o cliente. Pensar o cuidado de enfermagem nessa perspectiva requer a emergência de um processo interativo entre a enfermeira, cliente e família, considerando que nas atitudes de cuidado é que encontramos a essência da expressão humana, pois somente o ser humano é capaz de sentir com emoção, imprimir emoção nos atos e expressar emoção nas atitudes, entendendo-as como tomada de posição que resulta da inter-relação que se estabelece entre o conhecimento e o afeto. É aí que está a verdadeira dimensão humana do cuidado3. Nessa visão, o cuidado pode ser definido “como zelo, atenção, uma forma de expressão, exercício pleno do que há de mais humano no ser” 4:17. Importa-se em olhar, não apenas o corpo, mas nos olhos do cliente, escutar o que ele sente, dialogar e tocá-lo como um ser humano. Assim, uma singela atitude do cuidador representa, para o ser que sofre, algo de inestimável valor: a empatia5. Embora existam aspectos semelhantes no viver com câncer, cada pessoa tem características únicas para lidar com a doença, um modo diferente para enfrentá-la, devido às suas crenças, valores e forma de ver o mundo. Em geral, os sentimentos que mais incomodam esses clientes são o medo, a tristeza, a possibilidade de perda do controle de sua própria vida, a incerteza da cura, a terapêutica e o medo da recidiva. As suas emoções variam muito, frente a esses aspectos. Por isso, é necessário estabelecermos uma relação com o cliente que lhe possibilite expressar suas emoções e sentimentos. No nosso entendimento, essa relação é possível através da prática dialógica da enfermeira. Face a essas considerações, a pesquisa discutiu a prática dialógica da enfermeira como qualificadora da relação humana no cuidado. Os objetivos foram: descrever as bases do diálogo entre a enfermeira e o p.194 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2008 abr/jun; 16(2):193-9. cliente com câncer, assentadas em atributos da relação humana; e discutir a prática dialógica da enfermeira como fundamental no cuidado de enfermagem junto ao cliente com câncer submetido à terapêutica antineoplásica. REFERENCIAL TEÓRICO O conceito de cuidado que sustentou este estu- do foi o de cuidado humano, como forma de expressão, de relacionamento com o outro ser e com o mundo. Tem como meta a promoção da saúde e o crescimento do indivíduo e de sua família. Integra o conhecimento biofísico e o conhecimento do comportamento humano. Logo, o cuidado não se limita à realização de uma tarefa ou procedimento. Inclui o componente moral (de dever sem obrigação) e emocional, o aspecto cognitivo, da percepção, do conhecimento e da intuição4,6. O cuidado humano não é apenas uma atividade ou tarefa, mas uma forma de expressão, de relacionamento com o outro ser e com o mundo1. O cuidado é expressivo a partir do momento em que deixa de ser uma tarefa para ser uma ação que proporcione crescimento para quem cuida e para quem é cuidado. Dessa feita, para que o cuidado técnico seja considerado cuidado humano de enfermagem, conceitualmente falando, implica o encontro entre o expressivo e o técnico. O cuidado que ocorre somente em sua vertente técnica não pode ser considerado humano, pois não imprime expressividade7. Nessa visão de cuidado, tem-se que, para prestar uma assistência cuidadosa a uma pessoa com câncer, temos que procurar desvelar seus sentimentos, conhecer as situações vivenciadas por ela para viabilizar maneiras concretas de cuidar. É preciso tomar consciência de que, via de regra, os danos causados pela doença são universais, não se limitam a um determinado tempo e espaço, mas assumem características existenciais bem claras e distintas em diferentes contextos - familiares, sociais, culturais, econômicos e sociais. A pedagogia crítico-reflexiva colabora com a discussão do cuidado de enfermagem a clientes com câncer quando nos faz refletir sobre a condição destes, por vezes de paciente (passivo), e as possibilidades de transformação em sujeito (ativo) do cuidado – questionador, crítico, por meio de mudança de atitude da enfermeira e do cliente, transformando a antidialogicidade em dialogicidade no processo de cuidar8. O homem toma consciência e se revela como sujeito através do diálogo, que lhe possibilita refletir Fontes CAS, Alvim NAT sobre o seu contexto de vida, social e histórico e agir sobre ele, de modo a transformá-lo. Desse modo, o pensamento freireano tem colaborado, sobremaneira, com as reflexões acerca da saúde e do cuidado, ao pensarmos na perspectiva de que a saúde se constrói com o outro e não para o outro. Nesse caso, a relação se dá de forma horizontal, justamente por ser dialógica. Aproximando essa análise daquilo que interessa ao campo do cuidado humano de enfermagem, tem-se que o diálogo facilita a interação pessoa a pessoa, logo, ambos estão envolvidos na relação, a enfermeira e o cliente com câncer. O homem é vocacionado para ser sujeito e na condição plena de sujeito ele se posicione de forma crítica comprometido com sua realidade e não como um mero espectador das ações de outrem. Nesse entendimento, se a enfermeira dialoga com o cliente, procura garantirlhe voz, colaborando para a reflexão sobre sua condição de doente, isso pode fazer com que ele passe a questionar, a criticar, a indagar sobre o tratamento e seus diferentes efeitos no seu corpo e na sua vida, expressar suas angústias e falar sobre suas expectativas. METODOLOGIA Pesquisa de campo exploratória e descritiva e de abordagem qualitativa, tendo em vista que se respaldou no princípio de que é possível o conhecimento sobre os indivíduos através da descrição da experiência humana, tal como é vivida e definida por seus sujeitos9. Participaram 12 clientes adultos, de ambos os sexos, sob tratamento quimioterápico antineoplásico ambulatorial em uma clínica particular do Rio de Janeiro, no período de agosto a dezembro de 2005. Os critérios de inclusão na pesquisa foram: clientes clinicamente compensados, orientados, no tempo e no espaço. Foram identificados por pseudônimos codificados pela letra S, de sujeito, seguida do número de ordenação das entrevistas. O estudo seguiu os princípios da Resolução nº 196/96, do Ministério da Saúde9, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery/ Hospital Escola São Francisco de Assis (EEAN-HESFA). Os sujeitos, após devidamente informados sobre os seus objetivos, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo resguardados os direitos dos mesmos, previstos pela mencionada Resolução. Para a produção de dados, utilizou-se a técnica de criatividade e sensibilidade (TCS), denominada almanaque, conjugada à entrevista semi-estruturada. A TCS aguça a subjetividade dos sujeitos da pesquisa, colabora na interação do pesquisador com o entrevistado e na imersão à temática. Todos os órgãos dos sentidos, bem como o próprio diálogo, são apreendidos pelo pesquisador que agrega sua capacidade de ouvir, sentir e perceber10. A matriz teórica do uso da criatividade e da sensibilidade no processo de pesquisa se ancora em princípios da psicologia social ao ressaltar que aquilo que o sujeito diz e pensa é reflexo de suas ações internalizadas ao longo do processo de desenvolvimento humano, sendo ele o somatório da sua razão e emoção10,11. A operacionalização da TCS denominada Almanaque consiste na expressão da subjetividade sobre determinado tema, a partir da introspecção que o recorte e a colagem de gravuras de diversas naturezas proporcionam aos sujeitos da pesquisa10. Na presente pesquisa, esta TCS ocorreu em cinco momentos: o primeiro foi destinado à apresentação da pesquisadora e do sujeito, dos objetivos e da temática central que seria desenvolvida: O diálogo da enfermeira com o cliente submetido à terapêutica antineoplásica. O segundo momento foi a explicação sobre a técnica e a organização do espaço físico. Para a confecção do almanaque, foram disponibilizadas pela pesquisadora cerca de 100 gravuras de pessoas interagindo em diferentes circunstâncias e contextos. A intenção era a de que os participantes selecionassem as imagens que pudessem expressar como na sua concepção se estabelece a relação entre eles e a enfermeira no contexto da quimioterapia. Ou seja, utilizando-se de sua criatividade e sensibilidade, contassem sua história em quadros ilustrativos. O material adicional constou de cola, tesoura, caneta e papel. O terceiro e quarto momentos consistiram na produção e apresentação do almanaque, respectivamente. O quinto momento foi destinado à discussão gerada pelo almanaque construído, conjugada à entrevista semi-estruturada que constou das seguintes questões: Há quanto tempo você sabe do diagnóstico? Como soube? Há quanto tempo iniciou a quimioterapia? Quantos ciclos você já fez? O que tem a dizer sobre o diálogo com a enfermeira ao iniciar a quimioterapia? E nas sessões subseqüentes? Que tipo de relação você gostaria que existisse entre você e a enfermeira? O que você pensa sobre o diálogo entre você e a enfermeira durante o tratamento quimioterápico? Os dados produzidos foram categorizados segundo a análise temática, buscando extrair os temas que emergiram das falas dos sujeitos. Para isso, como Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2008 abr/jun; 16(2):193-9. • p.195 Cuidado humano ao cliente com câncer forma de explorar o material coletado, a leitura flutuante foi seguida de leitura mais profunda e analítica com a finalidade de identificar os temas emergentes12. Assim, das unidades temáticas que guardavam relações entre si foi selecionada para este artigo a categoria prática dialógica da enfermeira como alicerce da relação humana do cuidado de enfermagem ao cliente com câncer, a partir da qual emergiram duas subcategorias: as bases do diálogo entre a enfermeira e o cliente e importância da prática dialógica da enfermeira no cuidado ao cliente. RESULTADOS E DISCUSSÃO A prática dialógica da enfermeira é analisada conforme as duas subcategorias temáticas emergentes deste estudo. As bases do diálogo entre a enfermeira e o cliente O discurso dos sujeitos da pesquisa revelou que as bases do diálogo entre a enfermeira e o cliente estão cunhadas em princípios próprios da relação humana, como amizade, carinho, atenção, respeito, paciência e solidariedade. No contexto da terapêutica quimioterápica antineoplásica, os clientes, sujeitos do estudo, atribuíram ao diálogo a condição essencial para o estabelecimento do vínculo com a enfermeira. Para eles, através da relação dialógica, de forma contínua e gradual, vão-se tecendo os laços de confiança. O apoio que recebem de seus familiares e da enfermeira ao longo do tratamento fortalece-os para o enfrentamento da doença: Para mim, entre duas pessoas, no caso, a enfermeira e o paciente, não deve haver somente conhecimento técnico, precisa desenvolver um relacionamento, sabe? [...] Para enfrentar isso, só com o diálogo que se estabelece com / entre amigos. (S1) Para este cliente, a doença é um caminho desconhecido e o diálogo com os amigos colabora para enfrentar e conviver com as diferentes etapas que se apresentam com a evolução da doença. A enfermeira nesse contexto é a pessoa pela qual é preciso desenvolver um relacionamento, o que na concepção do primeiro depoente seria de amizade. Como tal, essa relação não deve restringir-se ao conhecimento técnico da enfermeira que fornece as informações/ orientações ao cliente com câncer, mas engloba atributos presentes em uma relação de amizade, como o abraço, o afago, o brincar, o sorrir juntos e a conversa descontraída, e que, por sua vez, qualificam o cuidado de enfermagem. A fala de alguns participantes também elucida a criação de vínculo e amizade: p.196 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2008 abr/jun; 16(2):193-9. [...] Criamos vínculos, até mesmo de amizade com a equipe. Adquirimos mais confiança. (S3) É necessária disponibilidade pessoal, por parte da enfermeira, para ouvir o outro, olhar e compreender os seus sentimentos. Quando se imprimem qualidades expressivas no cuidado, a enfermeira não mais realiza procedimentos em alguém, mas reflete junto e realiza uma ação integrada, com alguém, com envolvimento e responsabilidade, o que proporciona crescimento para ambos os envolvidos na relação do cuidado4,7. Nesse sentido, quando questionado sobre como se estabeleceu o diálogo durante o tratamento quimioterápico, um dos participantes respondeu com uma crítica-reflexiva: O diálogo, sempre é fundamental, faz parte do ser humano, das relações entre as pessoas. Penso que esse diálogo poderá ser estreitado ou ir se distanciando. De qualquer jeito, são com elas que temos mais tempo [...]. (S6) Seu discurso sugere que, na dependência de como esse diálogo se processa, ele pode colaborar para a aproximação ou para o distanciamento entre esses sujeitos. A premissa básica daqueles que realizam o processo educativo é proporcionar o fortalecimento pessoal dos seres humanos com quem interagem8. O importante é ajudar o ser humano a ajudar-se, é fazê-lo agente de sua transformação, sendo indispensável sua participação. Afinal, são com elas (as enfermeiras) que os clientes têm mais tempo. Ao perguntarmos como tinha sido o diálogo com a enfermeira no início do tratamento quimioterápico, um participante afirmou: Difícil. Você fica calado [...]. O início é bastante difícil, mas você vai adquirindo confiança e vai se soltando [...]. (S1) Ao se proporcionar uma relação de participação e de reciprocidade se aumenta as possibilidades de estabelecimento de vínculo frente aos limites colocados. E isso, no modo como defendemos nessa pesquisa, só é possível através de uma relação dialógica, que se processa de forma horizontal. Caso contrário, estaremos diante de um antidiálogo, tal qual ocorre ao verticalizarmos a relação5,8. Numa relação vertical, em que há ausência de experiência dialógica e de participação, as pessoas tornam-se inseguras e incapazes de tomar decisões, ao tempo em que, quando se estabelece uma relação de reciprocidade, se desvela um processo interativo8. Nesse sentido, pensamos ser fundamental a enfermeira estabelecer uma relação dialógica com os clientes, sujeitos do seu cuidado, construindo um espaço para que eles possam esclarecer suas dúvidas, expressar seus sentimentos, falar sobre suas perspectivas e expectativas: Fontes CAS, Alvim NAT As enfermeiras tiveram muita paciência comigo, sempre me explicando a doença, seus sintomas, o efeito dos remédios [...]. (S4) E na medida em que o diálogo avança, vai se estabelecendo a confiança e estreitando-se os laços entre esses sujeitos: [...] porque no início, não estávamos tão juntas [a cliente e a enfermeira]. O diálogo vai aumentando gradativamente. (S2) O discurso foi recorrente na fala de outro participante: [...] Acho que com a convivência acabamos desenvolvendo um laço de confiança e amizade. (S7) Quando a enfermeira participa junto com o cliente e seus familiares, valorizando a sua forma de ser e ver o mundo, ressaltando a importância do diálogo com o cliente, transforma situações e sensibiliza o humano de cada um. “Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz por uma relação horizontal, em que a confiança de um pólo no outro é conseqüência óbvia”8:94 Sobre a interação da enfermeira com o cliente, vejamos o relato a seguir: As enfermeiras são maravilhosas!!! Elas tratam você com a maior humanidade [...]. Isso levanta o seu astral. (S5) sente uma energia cósmica em seu próprio corpo (instrumento do cuidado que utiliza seus sentidos, como uma antena, na ausculta/escuta sensível das necessidades e desejos de cuidado), sente-se capaz de ajudar o outro, de promover a interação energética entre cuidador e ser cuidado14. Prosseguindo com a análise sobre o diálogo com a enfermeira, vejamos: Nossa! Nem sei como estaria neste momento. A força que as enfermeiras me deram não tem preço que pague! (S9) Atributos como: carinho, atenção, paciência, respeito e proteção na relação do cuidado estiveram, de algum modo, presentes no discurso de todos os sujeitos, e se constituem, segundo eles, nas bases sob as quais se assentam o diálogo entre a enfermeira e o cliente com câncer: Não é por estar na sua frente e estar fazendo esta entrevista, sinceramente, estou gostando muito, muito mesmo [...]. As enfermeiras são atenciosas, assim, com um carinho [...]. (S8) Alguns pressupostos são considerados básicos para um relacionamento efetivo: quando ficamos ao lado da pessoa enferma/sadia, atendendo às suas necessidades expressas verbalmente ou não, quando oferecemos segurança, até mesmo quando paramos para ouvi-la [...]14:41. Ao questionarmos sobre sua participação no diálogo com a enfermeira, perguntamos à cliente o porquê de haver escolhido a gravura (referindo-se a sua produção artística). Ela respondeu: Ficar ao lado de alguém, manifestar apoio, seja através de um olhar, de um carinho, da fala, da escuta, são maneiras de demonstrar atenção e qualificam o diálogo entre o cliente e a enfermeira. Porque desde o início e até agora para mim é mesmo como se fôssemos uma família, bem unida, e como diz a gravura, tudo isso para mim é um ato de amor. (S5) Importância da prática dialógica da enfermeira no cuidado ao cliente O cuidado, nesse pensar, existe quando é compreendido e aceito por ambos. O contrário se caracteriza como um descuidado. O cuidado é o objetivo, a missão da enfermagem visando à transformação da realidade das pessoas envolvidas em várias dimensões. Para que isso aconteça, a enfermeira tem a obrigação moral de tornar-se cada vez mais consciente de sua própria condição humana, convivendo e aprendendo com o outro e ajudando-o a tornar-se mais consciente, como pessoa e cidadão, do seu compromisso com a vida e com seu bem-estar 4,13-15. O cuidado de enfermagem se torna possível pelo exercício da solidariedade e sensibilidade do profissional15. A enfermeira (agente cuidador) identifica a necessidade e desejo do outro (cliente) de ser cuidado, se reconhece como possuidora de conhecimentos e habilidades especiais (saber/fazer), Segundo o relato de alguns clientes participantes, a prática dialógica da enfermeira na relação com o cliente no cuidado surte efeitos positivos: Sou 100% respeitado, muito respeitado. (S1) O cuidado humano é uma atitude ética em que os seres humanos percebem e reconhecem os direitos uns dos outros4,16. Tendo em vista que respeito implica ética, para cuidar é necessário respeitar o outro, valorizá-lo na sua condição plena de sujeito4,6. No contexto da quimioterapia, a cliente concebe o diálogo com a enfermeira como sendo de extrema ajuda: Acredito que seja de extrema ajuda, pois neste momento eu me sinto muito bem [...]. (S10) Uma das clientes participantes se ressente da conversa com a enfermeira que, para ela, deveria transcender os assuntos técnicos do tratamento, ou seja, para sentir-se verdadeiramente cuidada. Embora Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2008 abr/jun; 16(2):193-9. • p.197 Cuidado humano ao cliente com câncer considere as enfermeiras solícitas, gentis, afirma que há limites impostos no diálogo com a enfermeira: Elas se limitam a responderem as minhas perguntas [...]. (S6) Denota-se daí que a conversa só será cuidado se afetarmos o outro naquilo que o outro espera e deseja. Ao explicar o porquê da escolha da figura na construção de seu almanaque, este participante deixou claro que o encontro entre ele e a enfermeira no contexto da quimioterapia se trata de um encontro formal, meramente técnico, diferente daquele que esperava existir com a enfermeira, tendo na conversa a sua base de sustentação. Isso porque a conversa ultrapassa a formalidade mesma da transmissão de informações ou de respostas diretivas e padronizadas. Ao invés disso, a conversa emerge como importante canal de comunicação. Através dela as pessoas podem interagir e compartilhar experiências. Quando usada no cuidado de enfermagem, pode ser um ato intencional com o objetivo de estabelecer vínculo, promover o encontro, construir relações, acessar o outro: As conversas são boas, temos uma boa convivência, elas são muito legais, tentam conversar, nos distrair [...] Eu tenho muita preocupação com a veia [...] Os cuidados que devemos ter com as veias, nunca ninguém me falou sobre isso. (S11). Repare que o procedimento que a cliente exemplifica é técnico, mas o que ela espera da enfermeira está no âmbito do expressivo, do humano16. O que deseja é que alguém lhe dê as devidas explicações sobre os cuidados e que escute seus anseios. Questionada sobre que tipo de diálogo gostaria que existisse entre ela e a enfermeira, outra participante declarou: O que eu notei é que elas explicam [...]. Eu acho que se eu tiver dúvidas elas vão me responder [...]. (S12) Em síntese, o que importa para o cliente é que a relação com a enfermeira corresponda às suas expectativas de cuidado, seja respondendo seus questionamentos, esclarecendo suas dúvidas e demonstrando competência técnica, seja garantindo com sua presença constante a expressão do afeto, do carinho, da atenção, do zelo16. E o diálogo emerge como fundamental nesse processo, mesmo quando a relação técnica torna-se imperativa. CONCLUSÃO Quando falamos da enfermeira que atua em oncologia, é necessário ressaltar que ela detém um conhecimento técnico-científico complexo, específico e essencial à prática, ligado a uma p.198 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2008 abr/jun; 16(2):193-9. imprevisibilidade ditada pelos efeitos colaterais comuns à terapêutica. Esse conhecimento demanda tempo e dedicação para ser adquirido e se revela nas ações da enfermeira articuladas a uma visão humanista dentro do cotidiano assistencial; uma conjunção entre técnica e o modo de ser de quem realiza e para quem o cuidado é realizado. O tratamento quimioterápico pode trazer maior vulnerabilidade aos clientes. Para que possa aproximar-se desse cliente de modo a estabelecer uma relação de ajuda e confiança, faz-se necessário que a profissional transcenda o lado meramente técnico do cuidado, a fim de que o cliente consiga sentir-se confiante, respeitado, ouvido, verdadeiramente cuidado. Essa aproximação pode ocorrer se a enfermeira o ouvir com sensibilidade, atenta às palavras não ditas, expressas corporalmente e através do diálogo. Nesse encontro, profissional e cliente devem se permitir perceber e serem percebidos. A enfermagem vem se transformando através de uma visão diferenciada sobre o cuidado, considerando a vida como valor ético fundamental e respeitando a dignidade humana como alicerce da interação. Os resultados desta pesquisa revelaram que aquilo que o cliente espera da enfermeira é o que está na base da relação humana: a conversa, o sorriso, o olhar, a brincadeira, a expressão do afeto e do carinho, a interação, a cumplicidade, atributos que se desvelam na prática dialógica da enfermeira. REFERÊNCIAS 1. Gallo CVM. Risco de câncer no Brasil: tendências e estudos epidemiológicos mais recentes. Rev Bras Cancerol. 2005; 51: 227-34. 2. Bonassa EMA. Enfermagem em quimioterapia. São Paulo: Atheneu; 2005. 3. Oliveira RS. A dialética do cuidado: o humano e o tecnológico em um centro de terapia intensiva [dissertação de mestrado]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2002. 4. Waldow VR. Cuidado humano: o resgate necessário. Porto Alegre (RS): Editora Sagra Luzzatto; 1999. 5. 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