ATlternativa ecnológica Secador de grãos com uso de energia solar Martins, Ricardo Ramos* Franco, José Boaventura da Rosa** Oliveira, Paulo Armando Victória de*** Gomes, João Francisco da Silva**** Fransozi, Carmen Dora Porto***** Resumo: Os produtores devem estar conscientes de que a qualidade é uma exigência fundamental na etapa de comercialização dos produtos agrícolas. A secagem, com baixas temperaturas, tem grande influência na qualidade final dos grãos, principalmente nos aspectos físicos e químicos. Foi desenvolvido um secador de leito fixo que utiliza como fonte de aquecimento do ar um coletor solar armazenador de energia. O equipamento é de fácil operação e de baixo custo de implantação, compatível portanto, com a capacidade de investimento da agricultura familiar. O trabalho apresenta as plantas, portanto com o respectivo orçamento, para a construção de um secador com capacidade de 50 sacos de carga estática. Palavras-chave: secador, energia solar, coletor solar. * Extensionista Rural da EMATER/RS, Escritório Municipal, Rua Jorge Fett, 84, 95870-000, Bom Retiro do Sul, RS. E-mail: [email protected] ** Engenheiro Agrônomo, Consultor Técnico, Rua Ella Horn, 230, 95880-000, Estrela, RS. E-mail: [email protected] *** Pesquisador do Centro Nacional de Suínos e Aves - Embrapa, Caixa Postal 21, 89700-000, Concórdia, SC. E-mail: [email protected] **** Extensionista Rural da EMATER/RS, Escritório Municipal, Rua Rudolfo Schoenardier, 51, 93890-000, Nova Hartz, RS. E-mail: [email protected] ***** Extensionista Rural da EMATER/RS, Escritório Municipal, Rua São Gabriel, 72, 95930-000, Cruzeiro do Sul, RS. E-mail: [email protected] 1 Introdução No Brasil ainda paga-se um alto preço pelas equivocadas políticas de estocagem, principalmente as impostas aos pequenos produtores, ao longo das últimas décadas. Perde o País, porque deixa de arrecadar mais impostos; perdem os produtores, porque depois de correrem todos os riscos na lavoura dividem seu lucro com os insetos, roedores e intermediários; e perdem os consumidores, porque pagam mais caro pelos produtos agrícolas cada vez mais escassos e de qualidade duvidosa. A busca qualitativa deve sempre ser perseguida, embora, segundo Silva et al.(2000), a qualidade dos grãos seja um tema polêmico e seu significado dependa da finalidade ou do uso final do produto. Em situação lógica, é o comprador final que deve especificar as características de qualidade dos grãos de tal maneira que o produtor ou processador possa fornecer um produto com qualidade a um mínimo custo. Portanto, produtor e comprador devem, necessariamente, estar conscientes da importância da qualidade para a comercialização, pois diferentes compradores de grãos requerem propriedades qualitativas diferentes. Embora a maioria dos pesquisadores não concorde com o fato de que as alterações no valor nutricional do milho ou da soja sejam devidas às altas temperaturas de secagem, eles são unânimes em afirmar que as características físicas e químicas, como consistência, conteúdo de energia, palatalabilidade, dureza, cor, umidade e teor de proteínas e aminoácidos, são afetadas pela temperatura de secagem (Silva et al., 2000). Com o objetivo de oferecer uma tecnologia simples, de baixo custo e que utilize baixas temperaturas para a secagem dos grãos, foi 29 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002 ATlternativa ecnológica adaptado um secador de leito fixo para utilizar como fonte de aquecimento do ar a energia solar. Essa tecnologia poderá ser utilizada pelos técnicos que trabalham diretamente com os produtores familiares, proporcionando a esses uma adequada secagem de suas safras. 2. Vantagens do equipamento 30 O equipamento desenvolvido levou em consideração vários fatores quando da sua concepção, sendo que se destacam os seguintes aspectos: • Demanda baixa potência elétrica para acionar o motor do ventilador. Enquanto um secador convencional de 50 sacos de capacidade estática e fornalha a lenha utiliza um motor de 5 CV, um secador que usa energia solar, de igual capacidade estática, necessita de somente 1 CV. Este fator torna-se importante uma vez que as companhias de eletrificação, no Vale do Rio Pardo, têm vinculado a utilização de motores com maior potência aos horários de menor demanda, como constata-se em alguns equipamentos instalados no município de Venâncio Aires, que só podem ser acionados nos horários compreendidos entre as 6 e as 18 horas. • Utiliza para o aquecimento do ar de secagem uma fonte de energia renovável (energia solar). • A radiação solar é uma fonte limpa de energia, o mesmo não ocorrendo com a lenha, grandemente utilizada na secagem de grãos em nosso país. A lenha é um combustível sólido, de queima relativamente difícil, e libera durante o processo de combustão quantidade muito grande de produtos químicos, alguns de periculosidade comprovada. Esses produtos, entre os quais se encontram famílias inteiras de hidrocarbonetos poliaromáticos, contaminam os produtos durante a secagem (Martins et al., 2000). Outros componentes conferem cor e cheiro aos produtos secados, numa segura indica- Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002 ção de contaminação química. Vale a pena ressaltar que, com a combustão imperfeita das fornalhas a lenha, ocorre uma produção de gases ácidos que, por serem corrosivos, atacam as partes metálicas do equipamento, e com isso diminuem sua vida útil. • O secador que utiliza energia solar é um poupador de mão-de-obra na pequena propriedade, pois, uma vez carregado o equipamento e ligado o motor do ventilador, o agricultor não precisa acompanhar o processo de secagem. O mesmo não ocorre com os equipamentos que utilizam lenha. • O secador solar foi projetado para ser construído com material e mão-de-obra locais, em princípio somente o ventilador é adquirido fora da localidade. Esta é uma grande vantagem quando o equipamento apresenta algum defeito; o agricultor não perde tempo com as demoras da assistência técnica das indústrias, além de o equipamento tornar-se mais barato, pois o produtor tem condições de ele mesmo ou alguém muito próximo executar o conserto. • A qualidade do produto é muito superior. Como os grãos são secos em temperaturas baixas, no máximo 10°C acima da temperatura ambiente, o produto não trinca, não perde a cor e reduz muito pouco de volume, o que comprova que a secagem com altas temperaturas retira do produto algo mais do que simplesmente água. Os dois equipamentos construídos no município de Cruzeiro do Sul/RS, um na casa dos agricultores Cleto e Altair Johner e o outro na casa do produtor Selor Lorenz, comprovam estas afirmações. Segundo o sr. Cleto: "Houve uma melhora no desempenho do rebanho suíno desde a instalação do equipamento em nossa propriedade, devido à melhor qualidade do milho utilizado nas rações". Já o agricultor Selor Lorenz entrega todo o milho que produz para um moinho colonial que faz canjica e farinha de milho com moagem a pedra; o moageiro não re- ATlternativa ecnológica cebe milho de secadores que utilizam a lenha como fonte de aquecimento do ar, em virtude da contaminação dos produtos resultantes da moagem com cheiro e gosto de fumaça. 3. Descrição do secador A seguir, apresentaremos o projeto de um secador de leito fixo construído em alvenaria de tijolos maciços que utiliza coletor solar armazenador com leito de pedra britada e capacidade estática para 50 sacos. 3.1. Câmara de secagem Confeccionada em alvenaria de tijolos maciços com argamassa de cimento e areia na proporção de 1:4. O leito de secagem é de madeira ripada e utiliza-se sacos de aniagem em substituição à tela metálica para conter o pro- duto, tornando-se esta opção bastante econômica. 3.2. Coletor solar O coletor solar é do tipo armazenador, conforme descrito por Rossi & Roa (1980), modificado, com leito de pedra britada número 1 e coberto com plástico de estufa de 100 µ. A utilização do plástico de estufa torna o coletor bem mais econômico, uma vez que o seu preço, por metro quadrado, é em média 4% do preço do vidro. Ao utilizar o vidro no coletor, este deve ter no mínimo 3 mm de espessura, em virtude da resistência necessária para evitar a flexão. A resistência é um parâmetro importante na seleção do vidro, pois vidros como o liso de 2 mm, embora não apresentem barreira ao fluxo radiante (quantidade de Figura 1 - Câmara de secagem, difusor e ventilador. 31 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002 ATlternativa ecnológica Figura 2 - Vista geral do secador (prop. Sr. Selor Lorenz). energia por unidade de tempo que atravessa uma superfície), não possuem rigidez suficiente para serem utilizados na fabricação de coletores solares (Pereira et al., 2001). O cuidado principal quando utiliza-se o plástico de estufa, para evitar uma baixa transmitância (fração do fluxo incidente sobre um sistema que consegue atravessa-lo), é construir o secador, e portanto o coletor solar, afastado de locais que gerem excesso de poeira. 3.3. Difusor Em alvenaria de tijolos maciços com o traço da argamassa de 1:4 (cimento e areia) e concreto armado na proporção de 1:2:3, cimento, areia e brita, respectivamente. 3.4. Ventilador 32 O ventilador é do tipo "Limit Load" com pás voltadas para trás e deverá fornecer uma vazão de 1.300 m 3/h (7,2 m 3.min-1.t -1) e com uma pressão estática de 70 mmca. A pressão estática do ventilador pode ser calculada segundo metodologia descrita Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002 por Brooker et al. (1992) ou através de curvas empíricas (Loewer et al., 1994). A seguir apresentase vários aspectos dos secadores de leito fixo com coletor solar armazenador, dos agricultores Cleto e Altair Johner e Selor Lorenz, no município de Cruzeiro do Sul, com capacidade para 350 e 100 sacos de carga estática, respectivamente. 4. Material necessário A tabela na (pág. 34) apresenta a relação completa do material necessário para a construção de um secador com capacidade estática de 50 sacos. Convém ressaltar que a lista apresentada serve apenas como um indicativo básico, e que os materiais empregados poderão ser substituídos por outros mais facilmente encontrados no local onde será executada a obra. 5. Considerações finais Esse modelo de secador é de fácil construção e operação, no entanto, são necessários alguns cuidados para que se obtenha o máximo rendimento e qualidade dos produtos nele processados: 1. O secador deve funcionar em operação contínua: uma vez carregado com determinado produto, não deve ser desligado até que se complete o processo de secagem. Durante o período noturno, embora não ocorra secagem de forma significativa, é recomendável deixar o ventilador ligado, pois teremos um processo de resfriamento da massa de grãos. Figura 3 - Leito de secagem (prop. Srs. Cleto e Altair Johner). Material Unidade de medida Quantidade Caibros (5x10x180cm) Ripas (2,5x4x250cm) Tijolos Cimento Areia Brita número 1 Brita número 2 Ferro f 4.2 Ferro f 1/4 Ferro f 3/8 Mangueira preta 3/8 Lona preta (110x2.200 cm) Plástico de estufa 100m (300x2.200 cm) Ventilador centrífugo (1.300 m 3/h - 70mmca de pressão estática) Sacos de aniagem abertos Tinta (preto fosco), galão de 3,2 litros unidade unidade unidade sacos m3 m3 m3 barras barras barras m unidade 6 37 4.000 16 4 2 5 6 8 8 80 2 unidade 1 unidade m2 1 4,5 unidade 1 33 Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002 ATlternativa ecnológica Figura 4 - Corte A-B 34 2. A umidade inicial, para a secagem, não deve exceder os 25% base úmida (bu), principalmente, se o produto contiver excesso de grãos quebrados e ocorrerem períodos com vários dias nublados. 3. É necessário o agricultor construir um silo com ventilação forçada para guardar o produto, pois o ar frio, além de diminuir a respiração na massa de grãos, auxilia no processo de secagem e mantém o produto livre de insetos. 4. Para o milho, podemos interromper a secagem quando os grãos estiverem com 15% bu, para aqueles locais onde as temperaturas noturnas, em média, sejam menores do que 15ºC. O posterior resfriamento dos grãos no silo completará o processo de secagem de forma segura. A cada 5ºC de Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.3, n.1, jan./mar.2002 rebaixamento da temperatura da massa de grãos estocada dentro do silo, dobra-se o tempo de armazenagem, por outro lado, cada 1% de umidade a menos no grão a ser armazenado produz o mesmo efeito. Deste modo, para uma armazenagem segura quando se utilizam baixas temperaturas na secagem, é importante determinarmos com exatidão a umidade e a temperatura durante o período de armazenamento; pois a energia requerida para o resfriamento é mais baixa que aquela requerida para a secagem. A evaporação de 6% de umidade dos grãos (em torno de 19% para 13%) requer seis vezes mais energia do que esfriar a mesma massa de 25ºC para 5ºC, conforme Burrel (1974). 5. Para uma boa conservação, durante o ATlternativa ecnológica de impurezas em determinados locais da massa de produto, que acarretam a deterioração dos grãos pelo ataque de insetos e pela proliferação de fungos. 6. Esse equipamento foi desenvolvido com os dados médios de radiação solar, temperatura, dias de insolação e precipitação pluvial da Estação Meteorológica da FEPAGRO de Taquari. Para outras regiões o coletor deve ser redimensionado. Maiores informações soFigura 5 - Detalhe do coletor solar junto à entrada do ventilabre o equipamento e o mador (Selor Lorenz). nejo da armazenagem e secagem dos produtos com energia solar poarmazenamento, é de fundamental impordem ser obtidas junto aos extensionistas dos tância proceder à limpeza dos grãos, após a escritórios municipais da EMATER/RS da secagem e antes de guardá-lo no silo. Esse sua região. procedimento evita a formação de "bolsões" 6. Referências Bibliográficas BROOKER, D.B.; BAKKER-ARKEMA, F.W.; HALL, C.W. Drying and storage of grains and oilseeds. New York: Van Nostrand Reinold, 1992. 450p. BURREL, N.J. Chilling. In: Storage of cereal grains and their products. Saint Paul: American Association of Cereal Chemists, 1974. 548p. KOHLBACH. Manual de motores. Jaraguá do Sul, [2000].47p. LOEWER, O.J.; BRIDGES, T.C.; BUCKLIN, R.A. On-farm drying and storage systems. American Society of Agricultural Engineers: [S.I], 1994.650p. 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