Reforma agrária: as medidas paliativas do governo federal no vale do Ivinhema/MS (1950 e 1960) REFORMA AGRÁRIA: AS MEDIDAS PALIATIVAS DO GOVERNO FEDERAL NO VALE DO IVINHEMA/MS (1950 e 1960) ANTONIO, Rogério Ribeiro/FACINAN Resumo O presente artigo é parte de um anteprojeto de pesquisa feito como requisito de ingresso ao programa de mestrado em História da Universidade Federal da Grande Dourados UFGD. Abordamos aqui uma rápida análise da questão fundiária brasileira no que tange à reforma agrária. Utilizamos para isso a análise de uma empresa particular de colonização, a SOMECO S/A, que realizou tal projeto de colonização no Vale do Ivinhema/MS. Palavras chave: Colonização, Reforma Agrária, SOMECO S/A. Abstract This article is part of a preliminary research done as a requirement for admission to the MA program in History at the Federal University of Grande Dorados UFGD. Our approach here is a quick analysis of the Brazilian land issue in regard to agrarian reform. We use it for the analysis of a particular company of colonization, SOMECO S / A, which held such colonization project in the Valley Ivinhema. Kewords: Colonization, Land Reform, SOMECO S/A A história econômica do Brasil foi durante muito tempo ligada exclusivamente à economia agrária. Brevemente podemos citar a exploração do pau-brasil, a economia açucareira, a cafeeira, e mais recentemente a pecuária e a produção de grãos. Contudo essa economia agrária também esteve relacionada ao latifúndio, onde por vezes, foi motivo de grandes conflitos entre fazendeiros e pessoas sem terras. Podemos observar também que, ao longo da história brasileira, o governo não contribuiu - às vezes até impediu – o acesso dessas pessoas à propriedade rural. Um exemplo disso é a primeira lei de terras, lei nº. 601 promulgada pelo governo imperial em 1850, que dificultava a sua aquisição. Conforme observamos no artigo 5º: Art. 5º Serão legitimadas as posses mansas e pacificas, adquiridas por ocupação primaria, ou havidas do primeiro ocupante, que se acharem cultivadas, ou com principio de cultura, e morada, habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente, guardadas as regras seguintes: § 1º Cada posse em terras de cultura, ou em campos de criação, comprehenderá, além do terreno aproveitado ou do necessário Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 Página 1 Reforma agrária: as medidas paliativas do governo federal no vale do Ivinhema/MS (1950 e 1960) para pastagem dos animaes que tiver o posseiro, outrotanto mais de terreno devoluto que houver contiguo, contanto que em nenhum caso a extensão total da posse exceda a de uma sesmaria para cultura ou criação, igual ás ultimas concedidas na mesma comarca ou na mais vizinha. (lei no. 601, de 18 de setembro de 1850). Dentro dessa mesma perspectiva, podemos citar, já no século XX, as medidas adotadas pelo governo de Getúlio Vargas, no período do Estado Novo, com o decreto-lei nº. 2009 de 9 de fevereiro de 1940, nele o governo Federal tentou implantar uma política expansionista rumo ao oeste com intenções econômicas e de proteção às fronteiras, distribuindo terras às pessoas que se enquadravam no perfil de agricultor. Observemos então o decreto: Art. 11. Satisfeitas as exigências previstas no artigo 23 e a legislação de entrada de estrangeiros, os lotes rurais dos núcleos coloniais serão distribuídos individualmente a: a) nacionais que queiram se dedicar a agricultura; b) estrangeiros agricultores. (decreto-lei nº. 2009 de 9 de fevereiro de 1940). Neste contexto o governo, ainda conforme do decreto-lei, incentiva os agricultores com certos benefícios que queiram se aventurar rumo ao oeste: Art. 12. O governo Federal entrará em acordo com os estados e municípios em que se encontre situado o núcleo colonial, no sentido de ficarem isentos os concessionários de lotes rurais, durante os cinco primeiros anos de sua localização no núcleo, de todos os impostos e taxa [...] (decreto-lei nº. 2009 de 9 de fevereiro de 1940). No entanto, na prática, o governo não proporcionou condições necessárias para a fixação das pessoas que se aventuraram nessas regiões – cito aqui a Colônia Agrícola Nacional de Dourados CAND – Ana Paula Menezes menciona: é sabido que no tocante aos recursos necessários para o desenvolvimento da colônia, não se pode dizer que a CAND teve a mesma sorte quanto às suas condições naturais. De fato, a legislação garantia aos colonos, além do lote gratuito de 30 ha alguns incentivos iniciais, para a fixação na terra e o início do trabalho agrícola. Tais incentivos incluíam: assistência médica e educacional, implementos agrícolas, envolvendo sementes, ferramentas e até animais fornecedores de alimentos e força de Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 Página 2 Reforma agrária: as medidas paliativas do governo federal no vale do Ivinhema/MS (1950 e 1960) trabalho [...] (MENEZES. Artigo de pesquisa do programa de mestrado da UFGD, 97). Porém, em outra passagem, conclui: Sabemos que nem todos os colonos tiveram mesma sorte, os que chegaram após a década de 1950 não receberam tais incentivos, isto devido ao grande número de migrantes que a CAND recebeu o que supostamente teria impedido a administração, que contava com precária infra-estrutura, (NAGLIS, 2008) de atender a todos, [...] (Idem). Diante destas passagens, podemos afirmar que o problema agrário brasileiro perdura há muito tempo. Principalmente no que diz respeito à distribuição de terras, resultando em sérios problemas com a reforma agrária. Ainda dentro da história econômica brasileira, observamos que a partir da década de 1930 com o governo Vargas, a economia brasileira dá os primeiros passos rumo a uma industrialização, e já no fim da década de 1940, a economia nacional se torna predominantemente industrial. Conforme afirma Priore, [...] por volta de 1945 a economia brasileira torna-se predominantemente industrial. A partir dessa época, as discussões se voltam para a aceleração do processo de desenvolvimento econômico. Pois bem, uma das soluções propostas implica a associação com o capital internacional, enquanto a outra consiste em proteger a economia desse tipo de intervenção, valorizando a ação do Estado como promotor da industrialização. Entre numerosos defensores desta forma de desenvolvimento, havia os partidários da reorganização de nosso mundo rural. Para eles, o campo brasileiro mantinha estruturas econômicas pré-industriais, impedindo a integração da população aí existente ao mercado consumidor. Mais ainda, nossa agricultura, baseada em grandes propriedades e na lavoura de exportação, abastecia precariamente a cidade, elevando o custo de vida e fazendo com que, entre os trabalhadores, sobrassem poucos recursos para a aquisição de produtos industriais. A formação de latifúndios improdutivos tinha outro efeito negativo: desvia capitais das atividades econômicas mais dinâmicas. Em outras palavras, sem a reforma agrária, a economia brasileira estaria fadada à estagnação ou então a uma crescente dependência em relação aos investimentos estrangeiros. (PRIORE, 2010, 272-273). Observamos então que havia sérios problemas enfrentados pela economia agrícola como o velho fantasma do latifúndio que encarecia a alimentação Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 Página 3 Reforma agrária: as medidas paliativas do governo federal no vale do Ivinhema/MS (1950 e 1960) dos brasileiros, uma vez que grande parte da produção agrícola das grandes fazendas era destinada à exportação, diminuindo assim o poder de compra dos brasileiros. Sendo assim, alguns grupos políticos, tanto do governo de Juscelino Kubitschek, quanto do governo de João Goulart, propõe reforma agrária profunda, uma vez que para estes grupos apenas com a reforma agrária, o Brasil poderia atingir um alto grau de desenvolvimento econômico. Contudo, “nem mesmo governos transformadores, como os de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitscheck, instituíram projetos dessa natureza.” (PRIORE, 2010, 273). No entanto, algumas medidas adotadas pelo governo brasileiro vão de encontro com esta proposta de reforma agrária. De fato algumas medidas desestimularam e até incentivaram o êxito rural, provocando assim graves consequências. Neste sentido Priore afirma: Desde os anos 1930, a ênfase dada à industrialização leva, na maioria das vezes, a restrições ao crédito rural e a uma política cambial desfavorável aos produtores agrícolas. Assim, para a manutenção das taxas de lucro, deve-se aumentar o nível de exploração dos trabalhadores, o que estimula, por sua vez, movimentos migratórios e sentimentos de revolta. (PRIORE, 2010, 273). Na verdade o governo brasileiro, em relação ao campo, tomou mais medidas paliativas do que de fato criou políticas eficazes. Até mesmo poderíamos afirmar que em certos momentos, o governo foi omisso em certas situações. Para corroborar com esta ideia, damos a palavra novamente a Priore, [...] após a abolição, o campo brasileiro nem sempre adota o trabalho assalariado. Em várias partes, colonos, rendeiros, meeiros e moradores de favor é que de fato substituem o braço cativo. Nesse meio, fazendeiros cobram prestações de serviços em troca de moradia, alteram livremente os acordos de partilhas das colheitas ou despedem trabalhadores sem indenização alguma. Em 1955, a revolta contra essa situação cristaliza-se na forma de Ligas Camponesas, organizadas por Francisco Julião, advogado com longa experiência na defesa dos trabalhadores e pequenos proprietários rurais. Inicialmente, as Ligas se estabelecem em Pernambuco e Paraíba, para depois se espalharem por outras regiões brasileiras, como Rio de Janeiro e Goiás. Seu lema é levar “justiça ao campo” através da reforma Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 Página 4 Reforma agrária: as medidas paliativas do governo federal no vale do Ivinhema/MS (1950 e 1960) agrária, “na lei ou na marra”, o que implicava invasões de propriedades rurais, criando um clima de terror em parte da elite brasileira. (PRIORE, 2010, 273). Este cenário descrito por Priore, ocorreu pela omissão do governo em criar políticas eficazes para o campo. Porém diante deste clima de terror sentido pela elite brasileira, é que serão tomadas medidas para amenizar os conflitos rurais e consequentemente, os problemas das ameaças de invasões de terras. É neste contexto que no fim da década de 1950, o governo incentiva as colonizações nos oestes brasileiros principalmente por meio de empresas particulares. Surge então uma empresa de colonização que se interessa por promover a integração de algumas regiões à economia nacional, a SOMECO S/A. Vejamos então como foi esse processo. Em um relatório enviado em 7 de março de 1957 para o senhor Reynaldo Massi a fim de informá-lo sobre as terras ao sul do então estado de Mato Grosso, as quais o senhor Reynaldo Massi estava prestes a adquirir, relata o chefe da expedição: Aproveitando a ida a Dourados do piloto Hugo Simione, meu particular amigo, fiz um vôo de exploração sobre a região a fim de localizar alguma via que de Amandina désse acesso às glébas, o que, apesar do tempo de vôo em diversas altitudes, não conseguí, apenas localizando muito bem as glébas. Em Dourados, posteriormente, tive a oportunidade de avistar-me com um engenheiro do Estado, que por lá passou em transito para o sul. Garantiu-me esse engenheiro, a existência de uma estrada desde Amandina até as glébas, a qual certamente eu não vira durante os vôos de exploração, por ser uma via sinuosa que serpeava atravez das matas densas, e, cuja visibilidade vertical estaria prejudicada pelas copas da vegetação alta e frondosa. [...]” (RELATÓRIO, 1957, 3). Pelo que tudo indica a expedição comandada por este agrimensor, percorreu estas terras, com a intenção de conhecer sua geologia e suas qualidades para uma futura colonização. Essas terras, no entanto, não eram desconhecidas há algum tempo, pois a Mate Laranjeira já havia passado por estas terras. Como podemos observar no relatório: [...] No caso de não ser encontrada a picada ou mesmo o marco, voltariam ao ponto de partida, de onde, ficou bem claro, seguiram abrindo caminho pela velha „carretera‟ da Mate (Laranjeira) até o Vitória, onde em sua margem, começariam as picadas de Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 Página 5 Reforma agrária: as medidas paliativas do governo federal no vale do Ivinhema/MS (1950 e 1960) levantamento até a chegada do grosso da expedição por esse lado. (RELATÓRIO, 1957, 5). Isso por volta de janeiro do ano de 1956, cinco anos antes da colonização oficial de Ivinhema. Esta situação nos levanta uma indagação, essas terras eram devolutas? Se não, a quem pertenciam? E como o senhor Reynaldo Massi as adquiriu? Além do mais, o resultado desta expedição nos mostra um fato curioso, alguns meses após esta expedição surge a SOMECO S/A e em 1961 a colonização oficial de Ivinhema. (por isso a delimitação temporal desta pesquisa. Em 1961, início da colonização e em 1978, elevação do município de Ivinhema a Comarca). Também para comprovar que esta região é de muito tempo conhecida por colonizadores, José de Melo e Silva menciona em seu livro Canaã do Oeste, “Mais ou menos nessa última data (1593) e certamente indo de arrepio às águas do Paraná, do Ivinhema e do Pardo, outros jesuítas da mesma procedência atingiram as vertentes deste último, no altiplano de Maracaju, onde se fixaram. [...]” (SILVA, 1947, 42). Não só era conhecida, mas também essa região fazia parte de um cenário econômico relativamente importante na economia nacional, como menciona Silva em outra passagem do livro: [...] quem se deu o trabalho de examinar um pouco a questão dos ervais mato-grossense, sabe que a Companhia Mate Laranjeira organizou uma considerável rede de navegação fluvial, para o fim de coletar o produto da maioria dos ervais, seus ou de estranhos. Através das águas do Iguatemi, do Pirajuí, do Mbaracaí, do Amambaí, do Laranjaí, do Guiraí do Pirabebê e do Ivinhema (incluídos os formadores deste, o Brilhante e o Dourados). Cruza um grande número de embarcações, rebocadas por lancha a vapor e a motor de explosão. Desembocando no Paraná e descem em direção a Guaira, levando a erva coletada naquela emaranhada floresta [...] (SILVA, 1947, 68). No relatório feito pelo agrimensor, observamos também alguns indícios de moradia já naquele momento, em 1956, pois por várias vezes este agrimensor menciona caminhos e moradores na região conhecida como Amandina, próxima onde hoje situa a cidade de Ivinhema. Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 Página 6 Reforma agrária: as medidas paliativas do governo federal no vale do Ivinhema/MS (1950 e 1960) Amandina era, aparentemente, um posto de abastecimento que deveria servir aos poucos moradores da região, e que por sinal, foi de grande contribuição para que esta expedição, e consequentemente a colonização atingisse êxito. Conforme afirma o agrimensor a respeito desta localidade, O abastecimento ficou a cargo do Snr. Sebastião Vaz de Mélo, paulista de Cafelandia e estabelecido em Amandina que, fidalgamente, no decorrer dos trabalhos, não só acudiu com o que tinha em estóque como, também, adquiriu de terceiros muitos artigos a fim de poder atender aos pedidos, sabendo de antemão que só receberia no final do serviço, [...] (RELATÓRIO, 1957, 7). Em outra passagem, onde o agrimensor juntamente com uma equipe parte rumo ao porto São Luiz, próximo a Amandina, observa-se que eles saíram da região de Dourados rumo às terras a serem conhecidas: “Dia 21, em caminhão, conduzí pessoal e traia para o porto Brilhante, onde, em duas barcas-motor previamente contratadas, embarcamos iniciando assim, às 12,45 horas (local), a etapa fluvial Brilhante abaixo.” (Idem, 5). Como afirmei anteriormente, estas terras não eram terras de ninguém, como podemos observar em outra passagem do relatório: [...] prosseguimos até o porto São Luiz onde, graças a Deus, chegamos sem mais novidades às 22 horas. Fui recebido pelo administrador do Snr. Zirbo Simões, com quem combinei acomodação para o pessoal até o momento da entrada. [...] São raros, na localidade, trabalhadores nacionais. Contratei duas turmas de picadeiros paraguaios, e com o agregado Cachí Aveiro, da mesma nacionalidade, acertei o serviço de penetração com tropa de mulas e vaqueanos para a limpeza. (RELATÓRIO, 1957, 7). Este relatório tinha a intenção de conhecer e demarcar as terras devolutas que viriam a ser da empresa SOMECO S/A, que iria ser constituída apenas em 25 de novembro de 1957, com a intenção inicial de colonizar os chamados espaços vazios, os conhecidos sertões, “os oestes” do Brasil para citar um termo utilizado por Ziliani. Contudo, para melhor compreender este trabalho, e o que se compreendia naquele momento, faz-se necessário conceituar os termos colonização e sertão. Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 Página 7 Reforma agrária: as medidas paliativas do governo federal no vale do Ivinhema/MS (1950 e 1960) Conforme Ziliani, A primeira retrata, configura e expressa um tipo de atitude e de ação de vários sujeitos históricos em determinado contexto histórico, sempre a demandar uma população, recursos econômicos além de normas e regras. A segunda, constituída de espaços dinâmicos e radicalmente diversificados que, apesar de uma “existência concreta”, quase sempre nas narrativas referentes à noção de sertão, revelaram-se como lugares imaginados, construídos e postos em articulação com o primeiro. (ZILIANI, 2010, 11). Neste contexto de colonizar os oestes, “A ideia de sertão foi uma construção simbólica para representar determinados espaços, em regra geral, desconhecidos ou conhecidos precariamente pelos colonizadores europeus. [...]” (Idem). Mais especificamente sobre o antigo sul de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul, por ser o foco deste estudo, e por estar mais comumente dentro do conceito que outras regiões do país tiveram sobre estes oestes, afirma Galetti, Em fins da década de 1920, o Estado de Mato Grosso ainda era tido, ou identificado, nos grandes centros do país, como “sertão”, lugar isolado das grandes cidades e, consequentemente da “civilização”. Representado como um local com vias de comunicação e transporte precários, lenta dinâmica das atividades produtivas, local de pessoas rudes, imensos espaços não habitados pelo homem “civilizado” e sinais da presença de grupos indígenas (GALETTI, 2000, 88). Assim, o antigo sul de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul, era visto como uma região praticamente isolada, de difícil acesso e seus moradores como um povo rude e sem cultura principalmente em relação ao sudeste brasileiro, este visto como região desenvolvida e civilizada. Apesar da “distância” dos grandes centros, o então sul de Mato Grosso, assim como outras regiões do Brasil, sobretudo a partir de 1920, foi atingido diretamente pelas frentes de expansão nacionais. Ou seja, “as regiões do país até então „isoladas‟ começaram a sofrer um processo de articulação orgânica à vida nacional, por meio da implantação de novos meios de transporte, comunicação e fixação de novas populações” (RIBEIRO, 1993, 366). Assim como a CAND, a colonização de Ivinhema foi realizada com a intenção de integrar a região do Vale do Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 Página 8 Reforma agrária: as medidas paliativas do governo federal no vale do Ivinhema/MS (1950 e 1960) Ivinhema à economia Nacional, ou até mesmo, como afirmado anteriormente, para atender a necessidade de se fazer assentamentos rurais, para talvez resolver os problemas que a economia nacional vinha passando em relação às questões agrárias. De acordo com o Decreto Lei nº. 2009 de 9 de Fevereiro de 1940 no seu artigo 2º “A formação de núcleos coloniais poderá ser promovida: a) pela União; b) pelos Estados e Municípios; c) por empresas de viação férrea ou fluvial, companhias, associações ou por particulares.” No entanto, estas frentes de expansão nacional foram feitas geralmente por empresas particulares ou associações. A colonização estatal não foi eficiente, uma vez que as Colônias Agrícolas Nacionais não deram muito certo. Portanto fezse necessário a colonização por particulares, talvez, justificando assim, as concessões de terras do governo. Neste sentido afirma José de Melo e Silva, Embora o nosso mau vezo de criticar, sem o necessário conhecimento de causa, determinados departamentos da administração pública, já nos foi dado compreender que o Ministério da Agricultura está tolhido de muitas iniciativas, de vez que é reconhecidamente ridícula a verba que lhe coube na distribuição orçamentária. Aconselhamos assim as iniciativas particulares, até que o poder legislativo resolva suprir o Ministério da Agricultura com recursos que sobram a outros departamentos da administração. (SILVA, 1947, 127 – 128). Neste projeto de integrar (ou sanar os problemas agrários de outros estados) estas “regiões isoladas”, surgiram empresas que conseguiram concessões do governo federal, ou adquiriram terras por outros meios para realizarem tal projeto colonizador. Dentre estas empresas, temos a SOMECO S/A. Podemos afirmar que, o projeto de colonização da SOMECO S/A veio ao encontro de tentar sanar os problemas agrários existentes em outros estados brasileiros, - principalmente de São Paulo e região do Nordeste, uma vez que são destas regiões as maiores levas de migrantes do Vale do Ivinhema – e consequentemente de integrar esta região à economia nacional, incentivando o cultivo de produtos destinados ao abastecimento do mercado interno brasileiro. Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013 Página 9 Reforma agrária: as medidas paliativas do governo federal no vale do Ivinhema/MS (1950 e 1960) Diante desta situação, conforme afirma em entrevista o senhor Augusto Antonio, um dos pioneiros de Ivinhema, a proposta inicial da SOMECO era de que os colonos se dedicassem ao cultivo de arroz, algodão, amendoim, feijão, mamona e não a produção de café. Podemos concluir desta afirmação que o projeto inicial de colonização visava ao abastecimento do mercado interno brasileiro e não de uma produção voltada para a exportação. Ainda dentro desta perspectiva do projeto de colonização, a SOMECO fez a divisão das terras a serem colonizadas em glebas rurais perfazendo “uma área total de 77.558,07 ha, num total de 3.031 lotes. A área média de cada lote foi de 15 ha, compreendidos em 11 glebas rurais.” (POLTRONIÉRI, 1992, 2). Isto esta de acordo com o Decreto Lei nº. 2009 de 9 de Fevereiro de 1940 em seu artigo 14. Art. 14. “Os Lotes, nos núcleos coloniais, serão classificados em: a) rurais, destinados à lavoura e criação, cujo limite vaiará entre 10 e 50 hectares, salvo casos especiais, devidamente justificados e submetidos à aprovação do Presidente da República.” (Decreto Lei nº. 2009 de 9 de Fevereiro de 1940). Até o momento podemos compreender que o projeto está de acordo com os propósitos do governo federal em se fazer a reforma agrária. No entanto, segundo uma análise da estrutura social e conjuntura do município de Ivinhema realizada pela assistente social Sueli Garcia de Souza Poltroniéri em 1992, os resultados desse processo de colonização, não surtiu totalmente os efeitos esperados. Segundo esta análise, De um modo geral a área total do Município está dividida em grandes proprietários (apenas 4), os quais, segundo informações de um dos diretores da SOMECO S/A, detêm 35% da área, sendo que o restante é dividido em médios e pequenos proprietários, o que deixa claro que distribuição da renda é feita de maneira desuniforme. (POLTONIÉRI, 1992, 5). Portanto concluímos que o governo federal em suas medidas para a realização de uma reforma agrária, na verdade foram mais paliativas do que de fato eficazes. No entanto este é apenas um trabalho de mestrado que está no início de Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, dez/mar 2013Página 10 Reforma agrária: as medidas paliativas do governo federal no vale do Ivinhema/MS (1950 e 1960) sua jornada. Cabe aqui aprofundar ainda mais sobre o tema em questão, e fica, portanto o convite àqueles que se interessam pelo tema a buscar mais informações. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GALETTI, Lylia da Silva Guedes. Nos confins da civilização: sertão, fronteira e identidade nas representações sobre Mato Grosso. 2000. 358 f. Tese (Doutorado em História Social) – FFLCH/USP, São Paulo. MELO E SILVA, José de. Canaã do Oeste: sul de Mato Grosso. Campo Grande: Tribunal de Justiça, 1989. POLTRONIÉRI, Sueli de Souza. Análise da estrutura social e conjuntura do município de Ivinhema. 1992. PRIORE, Mary Del; VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Ed. Planeta, 2010. RIBEIRO, Darci. Os Índios e a Civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1970. RELATÓRIO, da empresa SOMECO S/A. 1956. ZILIANI, José Carlos. Táticas e Estratégias da Companhia de Viação São Paulo Mato Grosso. 1908-1960. Tese de doutorado em História. Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista. 2010. 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